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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE A Teoria das Nulidades Contratuais e as Especificidades do Contrato de Trabalho Por: Fernando da Silva Correia Orientador Prof. José Roberto Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A Teoria das Nulidades Contratuais e as

Especificidades do Contrato de Trabalho

Por: Fernando da Silva Correia

Orientador

Prof. José Roberto

Rio de Janeiro

2010

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A Teoria das Nulidades Contratuais e as

Especificidades do Contrato de Trabalho

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Candido Mendes como

requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Direito e Processo do Trabalho.

Por: Fernando da Silva Correia

3

AGRADECIMENTOS

Á minha mãe, pelo amor e apoio

incondicionais;

À minha namorada Raquel, pelo

incentivo, carinho, suporte e amizade.

Aos meus amigos e colegas de curso

Carlos Saade e Danielle Fernandes,

pela solidariedade e companheirismo

ao longo desta jornada;

A todos os meus professores pela luz,

sem a qual não encontraria o caminho.

4

DEDICATÓRIA

Dedico o presente trabalho à minha mãe,

Carmelita, e ao meu pai, José (in

memorian).

5

RESUMO

Há certa incerteza jurídica quando nos deparamos com contratos

empregatícios que não apresentam um dos requisitos de validade dos

contratos (agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei).

As decisões variam, desde a aplicação integral da teoria clássica das nulidades

contratuais, que nega qualquer repercussão jurídica ao contrato, até ao

reconhecimento de validade integral ao contrato, como se legítimo fosse. Tais

variações jurisprudenciais se devem à necessidade de sopesamento de

normas e princípios (valor social do trabalho, vedação do enriquecimento ilícito,

impossibilidade de retorno à situação a quo, etc.) para a aplicação da Teoria

das Nulidades, quando diante do caso concreto. A presente pesquisa tem por

objeto o estudo de situações de contratos empregatícios em que se observa

nulidade e as soluções possíveis para tal problema.

6

METODOLOGIA

A metodologia utilizada na elaboração do presente trabalho foi a

pesquisa bibliográfica. Para a realização desta pesquisa foram consultadas

principalmente obras dos seguintes autores: Sílvio de Salvo Venosa, Cáio

Mário da Silva Pereira, Maurício Godinho Delgado e Délio Maranhão.

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Visão Geral da Teoria das Nulidades 10

CAPÍTULO II - A Teoria das Nulidades Aplicada ao

Direito do Trabalho 17

CAPÍTULO III – Situações de Nulidade no Direito do

Trabalho e as Respectivas Soluções 23

CONCLUSÃO 33

BIBLIOGRAFIA 34

ÍNDICE 35

8

INTRODUÇÃO

De acordo com o disposto no art. 104 do Código Civil, para que os

negócios jurídicos sejam considerados válidos necessitam apresentar três

requisitos essenciais, quais sejam: agente capaz; objeto lícito, possível,

determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei.

Um contrato civil que não apresente um dos requisitos supra

mencionados deve simplesmente ser considerado nulo e os contratantes

devem voltar ao estado anterior, ou seja, tomando como exemplo um contrato

de compra e venda, o valor pago deve ser devolvido ao comprador e o bem

objeto do contrato deve ser devolvido ao vendedor.

Todavia, nos contratos pertinentes ao Direito do Trabalho, mais

notadamente no contrato de emprego, decretar a nulidade não é tarefa tão

simples, uma vez que o mesmo, normalmente, sofre os problemas de

impossibilidade fática de retorno das partes ao estado anterior, da questão

jurídica da vedação do enriquecimento ilícito, além das questões sociais

inerentes às relações de emprego. Os fatores citados tornam muito difícil a

aplicação da teoria das nulidades contratuais diretamente e sem adaptações

aos contratos de emprego.

Na verdade, em muitas situações, os contratos de emprego podem ser

considerados integralmente válidos, apesar de apresentarem algum vício que,

segundo a literalidade da teoria das nulidades contratuais, deveria fazer com

que fossem considerados nulos.

O objetivo do presente trabalho é discutir essas situações específicas

dos contratos de emprego ante a ausência de um dos requisitos de validade

dos contratos e analisar as soluções oferecidas pela doutrina e pela

9

jurisprudência diante de tais situações, procurando um meio satisfatório de

resolução de tais controvérsias.

10

CAPÍTULO I

VISÃO GERAL DA TEORIA DAS NULIDADES

CONTRATUAIS

1.1 A TEORIA DAS NULIDADES CONTRATUAIS

O negócio jurídico quando não apresenta um dos seus requisitos de

validade deve ser considerado nulo. Isso significa que o dito negócio jurídico

eivado de nulidade deve ser encarado como se nunca houvesse existido,

voltando as partes envolvidas ao estado anterior, como nos ensina o professor

Sílvio Venosa:

A função da nulidade é tornar sem efeito o ato ou negócio

jurídico. A idéia é fazê-lo desaparecer, como se nunca

houvesse existido. Os efeitos que lhe seriam próprios não

podem ocorrer. Trata-se, portanto, de vício que impede o ato

de ter existência legal e produzir efeito, em razão de não ter

sido obedecido qualquer requisito essencial.1

E ainda esclarece com propriedade:

A nulidade é penalidade que importa em deixar de existir

qualquer efeito do ato, desde o momento de sua formação (ex

tunc). A sentença que decreta a nulidade retroage, pois, à data

do nascimento do ato viciado. O ideal legal é que os efeitos do

negócio jurídico nulo desapareçam como se nunca houvessem

se produzido. Os efeitos que seriam próprios ao ato

desaparecem. No entanto, ainda que a lei determine que as

1 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 474.

11

nulidades atuem dessa maneira, é inevitável que restarão

efeitos materiais, na maioria das vezes, ao ato declarado nulo.2

Isto significa que a decisão que declara nulo um contrato possui efeitos

retroativos, ou seja, o contrato perde seus efeitos desde o seu nascimento,

passando a ser tratado como se sua existência nunca houvesse acontecido no

mundo jurídico. Ainda sobre o tema

1.2 OS REQUISITOS DE VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

Segundo o art. 104 do Código Civil atualmente em vigor, os negócios

jurídicos para serem dotados de validade devem possuir certos requisitos

essenciais, sem os quais não podem sobreviver. São eles: agente capaz;

objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não

defesa em lei. In verbis:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III - forma prescrita ou não defesa em lei.

O ilustre professor Cáio Mário da Silva Pereira analisa os mencionados

requisitos no seguinte ensinamento:

Inspirada no respeito à ordem pública, a lei encara o ato no

seu tríplice aspecto, subjetivo, objetivo e formal, e, assim,

considera-o nulo quando praticado por pessoa absolutamente

incapaz (condição subjetiva), quando for ilícito ou impossível o

seu objetivo (condição objetiva), quando revestir a forma

2 Ibidem. p. 478 et seq.

12

prescrita ou for preterida alguma solenidade que a lei

considere essencial à sua validade (condição formal).3

Observa-se, então, que para a existência de validade em determinado

negócio jurídico se faz necessária a presença das três condições: subjetiva,

objetiva e formal.

1.2.1 PRIMEIRO REQUISITO DE VALIDADE – AGENTE CAPAZ

A capacidade, como leciona o mestre Venosa, é: “(...) a aptidão da

pessoa para exercer por si mesma os atos da vida civil.”4

A capacidade do agente é revestida de grande importância uma vez

que está ligada à vontade dos contratantes. A manifestação da vontade é

fundamental na realização dos negócios jurídicos e esta só pode ser

considerada se expressa por pessoa capaz.

Segundo o atual Código Civil, certas pessoas são absolutamente

incapazes para exercer os atos da vida civil, como podemos observar no texto

do referido diploma legal:

Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I - os menores de dezesseis anos;

II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Há ainda os que o Código Civil considera relativamente incapazes, in

verbis:

3 PEREIRA, Cáio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: volume I. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 406. 4 VENOSA, Silvio de Salvo. op. cit. p. 136.

13

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

Assim, normalmente, o ato ou negócio jurídico realizado por agente

absolutamente incapaz deve ser considerado nulo, uma vez que não é possível

para este expressar sua vontade.

Os negócios jurídicos celebrados por pessoas relativamente incapazes

são anuláveis, conforme preceitua o inciso I do art. 171 do Código Civil de

2002.

Sobre a diferença entre os institutos da nulidade e da anulabilidade,

discorre brilhantemente o professor Cáio Mário:

Não tem o mesmo alcance da nulidade, nem traz o mesmo

fundamento a anulabilidade do negócio jurídico. Nela não se

vislumbra o interesse público, porém a mera conveniência das

partes, já que na sua instituição o legislador visa à proteção de

interesses privados. O ato é imperfeito, mas não tão grave e

profundamente defeituoso, como nos casos de nulidade, razão

pela qual a lei oferece ao interessado a alternativa de pleitear a

obtenção de sua ineficácia, ou deixar que os seus efeitos

14

decorram normalmente, como se não houvesse irregularidade

(...).5

Portanto, a nulidade é mais rigorosa, pois protege interesses mais

importantes (de ordem pública), já a anulabilidade tem efeitos limitados em

relação à nulidade, uma vez que protege interesse menos importantes (de

ordem particular).

Para que um ato praticado por agente absolutamente incapaz tenha

efeito, é necessário que haja representação. Já para o relativamente incapaz,

há a necessidade de assistência.

1.2.2 SEGUNDO REQUISITO DE VALIDADE - OBJETO LÍCITO, POSSÍVEL,

DETERMINDADO OU DETERMINÁVEL

O objeto do negócio jurídico, para que este seja considerado válido,

precisa ser lícito, possível e determinado (ou determinável).

Entende-se por objeto lícito aquele que não ofende a moral, os bons

costumes ou a ordem pública. Por exemplo, é nulo o contrato que objetive o

contrabando.

Objeto possível é aquele que pode ser realizado material e

juridicamente. Por exemplo, é nulo o contrato que estabeleça que uma das

partes deva andar do Rio a São Paulo em trinta minutos, uma vez que a

realização da prestação é impossível.

E, por fim, diz-se que o objeto é determinado ou determinável quando

é possível identificá-lo.

Sobre o tema, exemplar a lição do professor Sílvio de Salvo Venosa:

5 PEREIRA, Cáio Mário da Silva. op. cit. p. 407.

15

(...) deixa de ter fundamento legal o ato quando tiver por objeto

coisa ilícita ou impossível. O objeto é ilícito quer por afrontar a

moral, quer por afrontar os bons costumes, assim tidos como

tal de acordo com a moral vigente na época. O atual Código

ainda acrescenta nesse tópico que o objeto do negócio jurídico

deva ser determinável. Não é necessário que o objeto exista e

que seja perfeitamente delineado quando do negócio, tanto

que é possível a compra e venda de coisa futura; o que se

exige é que o objeto seja identificável, sob pena de tornar o

negócio írrito porque vazio de conteúdo.6

1.2.3 TERCEIRO REQUISITO DE VALIDADE – FORMA PRESCRITA OU

NÃO DEFESA EM LEI

O presente requisito de validade difere dos dois outros anteriormente

estudados, uma vez que não possui a qualidade da generalidade, pois nem

todos os negócios jurídicos que exigem a observância de tal condição para sua

validade.

Certos negócios jurídicos necessitam de forma determinada para

serem considerados válidos, com bem assevera o professor Sílvio de Salvio

Venosa, in verbis:

Já estudamos a necessidade de ser obedecida determinada

forma para alguns negócios jurídicos. Sua preterição, quando

exigida, acarretará a nulidade.

O ato também será nulo quando preterida qualquer solenidade

considerada essencial pela lei para sua validade. É o caso, por

exemplo, do testamento que em suas formas ordinárias pedia

cinco testemunhas, no Código de 1916. Um testamento

6 VENOSA, Silvio de Salvo. op. cit. p. 475

16

realizado perante número inferior, sob a égide do antigo

ordenamento, será nulo.7

Ressalte-se que a validade do negócio jurídico só depende de forma

especial quando a lei a exigir de forma expressa, uma vez que o Código Civil

em seu art. 107 estabelece a forma livre como regra, conforme se observa:

“Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma

especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”

A lei, quando exige determinada forma para os negócios jurídicos,

procura conferir maior segurança a essas relações contra vícios, atos de má-fé

ou para conferir-lhes publicidade ou facilitar-lhes a prova.

7 Ibidem. p. 476

17

CAPÍTULO II

A TEORIA DAS NULIDADES CONTRATUAIS E O

DIREITO DO TRABALHO

Os contratos empregatícios podem eventualmente, como qualquer

outro contrato, sofrer da falta de um dos requisitos de validade dos negócios

jurídicos em geral, que, como vistos neste trabalho, são: agente capaz; objeto

lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa

em lei.

Aplicando-se a teoria de nulidades contratuais clássica sobre um

contrato empregatício onde inexiste um dos requisitos de validade,

teoricamente deveria esse negócio ser considerado nulo e as partes envolvidas

deveriam retornar ao estado anterior, como se nunca houvesse existido tal

pacto, como ensina Maurício Godinho Delgado:

Como se sabe, no Direito Civil, prevalece a conduta normativa

geral indicadora de que, verificada nulidade, o ato (ou seu

componente viciado) deve ser suprimido do mundo

sociojurídico, reposicionando-se as parte à situação fático-

jurídica anterior. Segundo a diretriz civilista, aquilo que for tido

como absolutamente nulo nenhum efeito jurídico poderá

ensejar, eliminando-se, em conseqüência, até mesmo as

repercussões faticamente já verificadas (art. 158, CCB/1916;

art. 182, CCB/2002). Vigora, pois, no tronco jurídico geral do

Direito Comum a regra da retroação da declaração da

nulidade, o critério do efeito ex tunc da declaração judicial da

nulidade percebida.8

8 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: Ltr, 2009. p. 478.

18

Todavia, diante de um contrato empregatício, há que se levar em

consideração certos aspectos próprios desta espécie contratual, como se verá

a seguir no presente estudo, como nos ensina o insigne mestre Délio

Maranhão na célebre obra Instituições de Direito do Trabalho:

Acontece, porém, que o contrato de trabalho é um contrato

sucessivo, cujos efeitos, uma vez produzidos, não podem

desaparecer retroativamente. Evidentemente, não pode o

empregador ‘devolver’ ao empregado a prestação de trabalho

que este executou em virtude de um contrato nulo. Assim, não

é possível aplicar-se, no caso, o princípio do efeito retroativo

da nulidade. Daí por que os salários, que já foram pagos, não

devem ser restituídos, correspondendo, como correspondem, à

contraprestação de uma prestação definitivamente realizada. E

se o empregador ainda não os pagou? O direito não admite

que alguém possa enriquecer sem causa, em detrimento de

outrem. Se o trabalho foi prestado, ainda que com base em um

contrato nulo, o salário há de ser devido: o empregador obteve

o proveito da prestação do empregado, que, sendo, por

natureza, infungível, não pode ser ‘restituída’. Impõe-se, por

conseguinte, o pagamento da contraprestação equivalente, isto

é, do salário, para que não haja enriquecimento ilícito. 9

2.1 PECULIARIDADES DOS CONTRATOS EMPREGATÍCIOS

Os contratos empregatícios, todavia, possuem peculiaridades que

muitas vezes inviabilizam a simples e direta aplicação da teoria de nulidades

clássica.

Uma distinção importante é que no Direito do Trabalho a declaração de

nulidade possui efeitos ex nunc, ou seja, prospectivos, enquanto que no Direito

9 SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 21. ed. São Paulo: Ltr, 2003. v. 1. p. 249. et seq.

19

Comum são ex tunc, ou seja retroativos, como visto acima. Sobre o assunto

leciona o professor Maurício Godinho:

O Direito do Trabalho é distinto, nesse aspecto. Aqui vigora,

em contrapartida, como regra geral, o critério da irretroação da

nulidade decretada, a regra do efeito ex nunc da declaração

judicial da nulidade percebida. Verificada a nulidade

comprometedora do conjunto do contrato, este, apenas a partir

de então, é que deverá ser suprimido do mundo sociojurídico;

respeita-se, portanto, a situação fático-jurídica já vivenciada.

Segundo a diretriz trabalhista, o contrato tido como nulo

ensejará todos os efeitos jurídicos até o instante de decretação

da nulidade – que terá, desse modo, o condão apenas de

inviabilizar a produção de novas repercussões jurídicas, em

face da anulação do pacto viciado.10

2.1.1 IMPOSSIBILIDADE DE RETORNO À SITUAÇÃO A QUO

Uma das peculiaridades do contrato empregatício que dificultam a

aplicação da teoria das nulidades clássica é a impossibilidade de retorno das

partes ao estado anterior. Em tese, diante de um contrato empregatício nulo

poderiam ser devolvidos os valores pagos a título de salário, contudo, a

empresa não teria como devolver o produto da força de trabalho, uma vez que

já foi apropriada pelo empregador, ficando, assim, claro não ser possível

retornar à situação anterior ao pacto laboral, conforme o ensinamento do

professor Maurício Godinho:

Essa diferenciação da teoria justrabalhista de nulidades em

contraponto à teoria civilista tradicional resulta da conjugação

de alguns fatores que despontam com profunda relevância no

cotidiano operacional do Direito do Trabalho. Em primeiro

lugar, a circunstância, a circunstância de que se torna inviável,

20

faticamente, após concretizada a prestação efetivada do

trabalho, o reposicionamento pleno das partes à situação

anterior ao contrato nulo: o trabalho já foi prestado, e seu valor

transferido, com apropriação completa pelo tomador de

serviços.11

2.1.2 VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SE CAUSA

Outro importante problema que surge diante de um contrato

empregatício nulo é o relacionado ao princípio que veda e enriquecimento sem

causa de uma das partes. Supondo que o empregado fosse obrigado a

devolver os valores pagos a título de salário para que se retornasse ao estado

anterior ao pacto laboral e diante da impossibilidade fática de o empregador

devolver o produto da força de trabalho, consubstanciado no esforço

dispensado pelo empregado para desempenhar suas funções na empresa,

restaria configurado o enriquecimento sem causa do empregador, uma vez

que, além da prestação de serviços, ficaria o mesmo também com o salário

pago ao empregado em troca de tais serviços. O professor Maurício Godinho

continua a explorar o tema em brilhante exposição, como se observa:

Em segundo lugar, o fato de a transferência e apropriação do

trabalho em benefício do tomador criar uma situação

econômica consumada de franco desequilíbrio entre as partes,

que apenas pode ser corrigida – mesmo que parcialmente –

com o reconhecimento dos direitos trabalhistas ao prestador. À

medida que a prestação obreira já foi efetivamente quitada

com o cumprimento dos serviços, surgiria como imoral

enriquecimento sem causa do tomador a negativa de

incidência sobre ele dos demais efeitos justrabalhistas da

relação socioeconômica desenvolvida. Ou seja, o

reconhecimento de direitos trabalhistas ao obreiro prestador de

10 DELGADO, Maurício Godinho. Op. Cit. p. 478. 11 Ibidem. p. 478 et seq.

21

serviços é a contrapartida inevitável da prestação laborativa já

consumada.12

2.1.3 VALOR SOCIAL DO TRABALHO

Por fim, deve-se mencionar outro entrave à aplicação da teoria das

nulidades clássica, que é o valor social atribuído ao trabalho, que deve ser

priorizado diante de outros valores, conforme entendimento do professor

Godinho no prosseguimento de sua lição:

Em terceiro lugar, a convicção de existir uma prevalência

incontestável conferida pela ordem jurídica em seu conjunto

(inclusive a Constituição da República) ao valor-trabalho e aos

direitos trabalhistas. Ora, tal prevalência induz à construção de

um critério de salvaguarda desse valor e dos direitos que lhe

são decorrentes quando em confronto com outros valores e

normas que a mesma ordem jurídica também elege como

relevantes. Esse critério de salvaguarda determina a

repercussão de efeitos justrabalhistas ao trabalho efetivamente

cumprido (embora negando tais repercussões a partir do

instante em que a nulidade é reconhecida).13

O valor social do trabalho é fundamento da República Federativa do

Brasil, conforme dispõe a Constituição Federal em seu art. 1º, inciso IV, verbis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,

constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como

fundamentos:

(...)

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

(...)

12 Ibidem. p. 479 13 Idem.

22

Como se vê, a aplicação da teoria clássica das nulidades contratuais

pode encontrar obstáculos para sua plena aplicação nos contratos

juslaborativos.

No capítulo seguinte, serão analisadas situações de nulidades

contratuais no âmbito do Direito do Trabalho e as soluções apresentadas pela

doutrina e jurisprudência para cada caso.

23

CAPÍTULO III

SITUAÇÕES DE NULIDADE NO DIREITO DO TRABALHO

E AS RESPECTIVAS SOLUÇÕES

Certas situações de nulidade dos contratos empregatícios surgem com

certa frequência na prática das relações de trabalho. Dependendo da

gravidade do vício encontrado no contrato, o alcance da nulidade pode variar,

como será estudado adiante. A seguir, o presente estudo vai procurar

identificar e examinar algumas dessas situações de nulidade contratual,

procurando demonstrar as soluções possíveis para tais casos.

3.1 CONTRATO EMPREGATÍCIO COM OBJETO ILÍCITO

O contrato de trabalho que possui objeto ilícito é aquele em que o labor

do empregado coincide com um tipo penal. Padece, portanto, de vício que

fulmina sua validade, devendo o mesmo ser considerado nulo sob a ótica da

teoria clássica das nulidades.

Podemos tomar como exemplo o chefe de uma quadrilha de traficantes

de drogas ilícitas que contrata alguém para trabalhar como vendedor das ditas

substâncias proibidas.

Neste caso de relação de trabalho, excepcionalmente, é possível

aplicar-se diretamente a teoria clássica das nulidades contratuais, afastando-

se completamente qualquer princípio que, porventura, poderia vir a impedir sua

aplicação plena.

Isso acontece ante o prejuízo causado à sociedade por tal atividade

ilícita, demonstrando que a mesma não merece nenhum tipo de proteção do

24

sistema jurídico, conforme nos ensina o eminente mestre Maurício Godinho

Delgado:

Há situações, porém, em que o tipo de nulidade existente

inviabiliza, de modo cabal e absoluto, a aplicação da teoria

especial justrabalhista (prevalecendo, pois, a teoria clássica do

Direito Civil – negando-se, desse modo, a produção de

qualquer efeito trabalhista à prestação laborativa efetivada).

Em tais situações a nulidade percebida é tão intensa,

afrontando bem social tão relevante, que o Direito do Trabalho

cede espaço à regra geral do Direito Comum, também

negando qualquer repercussão justrabalhista à prestação

laborativa concretizada.

Na verdade, em tais situações sequer se configura o valor-

trabalho tutelado pela Constituição – por ser este um valor

sempre aferido sob a ótica social, mesmo que individualmente

apropriado pelas partes. É o que se passaria com o chamado

‘trabalho’ ilícito. Aqui, não existe efetivo trabalho (à luz da

perspectiva constitucional, que enfoca o labor como a

produção humana de bens e serviços sob a ótica social), mas,

sim, atividade que conspira francamente contra o interesse

público, não merecendo, a qualquer fundamento, proteção

qualquer da ordem jurídica. Nas situações de atividade ilícita

(ilicitude criminal, evidente), afasta-se a incidência da teoria

justrabalhista especial de nulidades, retornando-se ao império

da teoria geral do Direito Comum, negando-se qualquer

repercussão trabalhista à relação socioeconômica entre as

partes.14

Sobre a mesma matéria leciona o professor Délio Maranhão:

14 Ibidem. p. 481.

25

Se a nulidade, entretanto, decorre da ilicitude do objeto do

contrato, a menos que o empregado tenha agido de boa-fé,

ignorando o fim a que se destinava a prestação de trabalho, já

não poderá reclamar o pagamento do serviço prestado: Nemo

de improbitate sua consequitur actionem.15

É importante ressaltar que o grau de ilicitude do objeto do contrato

empregatício determina a extensão da nulidade decretada. Se a ilicitude

objetiva verificada é de menor grau, por exemplo, no caso de prestação de

serviço que se confunde com a contravenção penal, alguns efeitos do contrato

podem ser considerados válidos, uma vez que a contravenção penal tem

menor potencial ofensivo quando comparado ao ilícito penal, causando um

dano menor à sociedade.

Caso emblemático é o do apontador de jogo de bicho que pleiteia o

reconhecimento do vínculo empregatício com o banqueiro contraventor. Nesse

caso, a jurisprudência caminha no sentido de considerar existente o liame

empregatício entre as partes, atribuindo-lhe efeitos, conforme se observa:

EMENTA: JOGO DO BICHO – VÍNCULO DE EMPREGO –

RECONHECIMENTO. Apesar de ser contravenção penal a

atividade desempenhada pela reclamada – jogo do bicho – não

se pode reputá-la como ilícita por não sofrer repressão do

poder público. Daí reconhecer-se preenchidos os pressupostos

da existência do contrato de trabalho no caso em tela.

Destarte, patente o liame empregatício, é de se determinar o

retorno dos autos à instância superior para apreciação das

demais questões meritórias. (RO 01272/1997. Decisão do TRT

da 21ª Região. Relator: Juiz PEDRO RICARDO FILHO.

Publicado no DOE/RN 9.354 em 01.10.98)

EMENTA: VÍNCULO EMPREGATÍCIO. JOGO DO BICHO. 1. O

jogo do bicho é prática usual amplamente tolerada pelas

15 SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Op. Cit. p. 250.

26

autoridades constituídas, desfrutando do inegável beneplácito

dos órgãos competentes dos três Poderes da República.

Atualmente, assumiu foros de comportamento regular,

acintosamente presente aos olhos de tudo e de todos. 2.

Hipocrisia reputar ilícito o objeto do contrato de trabalho

envolvendo arrecadador de apostas de jogo de bicho se se

cuida de prática notoriamente consentida pela sociedade e o

Estado explora inúmeras formas de concursos de prognóstico,

inclusive como medida de fomento às atividades desportivas.

Ademais, se nulidade houvesse, decretar-se-ia com efeito “ex

nunc”. 3. Recurso conhecido e desprovido. (RR 556028/99.

Decisão da 1ª Turma do TST. Rel. Min. ORESTES DALAZEN.

Publicado no DJ de 03.03.00. Pág. 98)

No caso do empregado do jogo do bicho, considerar o contrato nulo

significaria premiar o verdadeiro contraventor, o dono da banca de bicho, que

enriqueceria ilicitamente, e penalizar o empregado que desempenhou uma

atividade que, apesar de ilícita, se reveste de aparência lícita, uma vez que

tolerada pelas autoridades e pela própria sociedade.

Como visto, alguns tribunais vêm reconhecendo o vínculo dos

apontadores do jogo do bicho. Porém, quem seria configurado como

empregador, no caso? Normalmente, aquele que for possível ser identificado

como beneficiário da força de trabalho. Todavia, desta forma, corre-se o risco

de haver um indivíduo que aponte o jogo próximo a uma padaria e ser

reconhecido vínculo com este estabelecimento comercial. O fundamento deste

entendimento seria que a atividade do apontador gera um benefício indireto

para o comerciante (aumentando o número de fregueses), além disso, este

não impediu a permanência daquele. Ocorre que, na prática, o dono da

padaria não pode impedir a permanência do apontador nas proximidades de

seu estabelecimento, uma vez que não tem condições de se contrapor ao

crime organizado.

27

Por outro lado, é importante realçar o fato de que a Subseção I

Especializada em Dissídios Individuais do C. Tribunal Superior do Trabalho

emitiu Orientação Jurisprudencial de número 199, que entende pelo não

reconhecimento do vínculo empregatício do apontador do jogo de bicho, in

verbis: “199. JOGO DO BICHO. CONTRATO DE TRABALHO. NULIDADE.

OBJETO ILÍCITO. ARTS. 82 E 145 DO CÓDIGO CIVIL (08.11.2000).”

Percebe-se que, apesar das controvérsias jurisprudenciais, a tendência

é que à medida que se diminui a ofensa ao interesse publico do objeto ilícito,

aumenta-se de forma proporcional o reconhecimento de efeitos trabalhistas ao

contrato laboral.

3.1.1 TRABALHO LÍCITO VINCULADO A OBJETO ILÍCITO

Outro caso que deve ser analisado dentro do tópico relativo ao objeto

ilícito é o do desempenho de função normalmente considerada lícita, todavia,

vinculada a uma finalidade ilícita. Por exemplo, podemos citar o trabalho de um

garçom em um prostíbulo, que exerceria sua atividade de forma idêntica se

desempenhasse seu serviço em restaurantes ou bares comuns. Sobre o tema

ensina Valentin Carrion:

Há quem distinga a atividade ilícita, por si mesma, daquelas

outras que não o seriam se se fizesse abstração da finalidade

do empreendimento a que se destinam. A prostituta que exerce

o comércio carnal subordinada à proprietária da casa de

tolerância é exemplo da primeira atividade; a arrumadeira ou o

garçom da mesma casa é exemplo das segundas. Estas

últimas atividades teriam a proteção laboral. 16

Portanto, em casos como o acima exposto, o ordenamento jurídico

deve proteger os direitos trabalhistas na relação, uma vez que a função

16 CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 284.

28

desempenhada pelo empregado em si não é ilegal, apenas indiretamente

ligada ao empreendimento ilegal do contratante.

3.1.2 OBJETO ILÍCITO DESCONHECIDO PELO EMPREGADO

Entende-se que, quando o empregado desconhece o fim ilícito de sua

atividade, direta ou indiretamente, devem-lhe ser assegurados os diretos

decorrentes do vínculo empregatício, como nos ensina Délio Maranhão:

Se a nulidade, entretanto, decorre da ilicitude do objeto do

contrato, a menos que o empregado tenha agido de boa-fé,

ignorando o fim a que se destinava a prestação de trabalho, já

não poderá reclamar o pagamento do serviço prestado: Nemo

de improbitate sua consequitur actionem. [grifos nossos] 17

Sobre o tema também expõe seu entendimento o professor Godinho:

A regra geral de negativa plena de efeitos jurídicos ao trabalho

ilícito não esmorece a pesquisa em torno de algumas

possibilidades concretas de atenuação do preceito geral

enunciado. Duas alternativas destoantes da regra geral têm

sido apontadas pela doutrina: a primeira, consistente na

situação comprovada de desconhecimento pelo trabalhador do

fim ilícito a que servia a prestação laboral perpetrada. 18

No caso em tela, ante a boa-fé do empregado que desempenhou suas

funções acreditando estar dentro da regularidade, não seria justo atribuir-lhe

qualquer responsabilidade quanto à ilicitude do contrato.

3.2 A FORMA NOS CONTRATOS TRABALHISTAS

17 SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Op. Cit. Loc. Cit.

29

Para caracterizar a relação de emprego são necessários os seguintes

requisitos: a) subordinação; b) habitualidade; c) onerosidade e d)

pessoalidade. Sempre que há relação de emprego há contrato empregatício,

independente da forma do contrato. A assinatura da CTPS não é essencial,

uma vez que, existindo os requisitos acima expostos, pode-se requerer ao juiz

o reconhecimento do vínculo e a assinatura da CTPS. Ou seja, a forma não é

importante para o contrato empregatício.

Há exceções em relação à esta regra, como por exemplo o contrato

por tempo determinado que necessita da forma escrita para ter validade.

Todavia, nem mesmo quando este tipo especial de contrato empregatício não

observa a forma prescrita em lei ocorre nulidade, pois, desta feita, estaria

configurado o contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Outra situação que pode gerar problemas quanto à forma dos

contratos empregatícios é a que consiste na contratação de servidor público

sem a realização de concurso. O C. Tribunal Superior do Trabalho sedimentou

entendimento ao editar a súmula 363, in verbis:

Nº 363 CONTRATO NULO. EFEITOS.

A contratação de servidor público, após a Constituição Federal

de 1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra

óbice no seu art. 37, II, e § 2º, somente conferindo-lhe direito

ao pagamento dos dias efetivamente trabalhados segundo a

contraprestação pactuada.

Pelo que se percebe, o C. TST entende que o empregado deve

receber pelos dias trabalhados, uma vez que não se pode restituir a força de

trabalho dispensada, todavia, não deve receber as verbas rescisórias, tendo

em vista que a nulidade do pacto laboral não se deveu à demissão, mas à

nulidade do contrato.

18 DELGADO, Maurício Godinho. Op. Cit. p. 472.

30

Sobre o tema recorre-se à doutrina do professor Godinho:

Observe-se o ocorrido com o vínculo formado ilegalmente com

a administração pública (admissão sem concurso público ou no

período eleitoral de contratação proibida); a tendência

jurisprudencial hoje dominante dirige-se no sentido do

pagamento apenas ‘... da contraprestação pactuada, em

relação ao número de horas trabalhadas...’ (Súmula 363, TST),

a par dos depósitos de FGTS (art. 19-A, Lei n. 8.036/90). Tal

pagamento faz-se sem prejuízo da extinção imperativa do

contrato irregular (extinção ope judicis), dado seu vício

inarredável – desrespeito à forma de contratação prescrita em

lei (art. 37, II e § 2º CF/88). Noutras palavras, o vício no

elemento jurídico-formal do pacto empregatício reduz-lhe,

significativamente, os efeitos jurídicos. 19

3.3 AGENTE INCAPAZ NO CONTRATO EMPREGATÍCIO

Outro requisito para a validade dos contratos é a capacidade jurídica

do agente. Normalmente, nos contratos juslaboristas, encontra-se esse tipo de

vício quando envolvido o trabalho da criança e do adolescente.

Rege a Constituição Federal em seu art. 7º, inciso XXXIII que somente

podem trabalhar os menores a partir de 16 anos, ou a partir de 14 anos na

condição de aprendiz.

Tome-se como exemplo um contrato em que um menor trabalhou dos

12 aos 13 anos com todas as características de um contrato de trabalho

regular, porém sem receber as verbas a que tinha direito.

Nesse caso, a teoria das nulidades precisa ser aplicada em

conformidade com os princípios envolvidos.

19 Ibidem. p. 285.

31

Em primeiro lugar, deve-se considerar que o menor que trabalhou, em

tese, poderia devolver os valores pagos a título de salário, contudo, a empresa

não poderia devolver a força de trabalho, o que demonstra a impossibilidade

fática de retorno à situação jurídica anterior ao contrato

Depois, tem-se que considerar o princípio que prega a vedação do

enriquecimento sem causa, pois a empresa obteria gratuitamente a força de

trabalho do menor, caso se aplicasse a teoria clássica das nulidades

contratuais.

Por fim, deve-se ressaltar que o contrato, nos termos acima expostos,

não observou os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e

da valorização social do trabalho, desrespeitando, além disso, a proteção da

criança e do adolescente contida na própria norma constitucional que veda o

trabalho ao menor de 14 anos.

Sobre o tema leciona Maurício Godinho:

Observe-se, por outro lado, a situação de contratação

empregatícia da criança e do adolescente. Como se sabe, tal

pactuação é proibida antes de 16 anos (ou 14 se se tratar de

aprendiz), a teor do art. 7º, XXXIII, da Carta Constitucional de

1988. Ora, se existe, na prática, o contrato irregular, pagar-se-

ão ao empregado menor todas as parcelas cabíveis; contudo,

imediatamente deve-se extinguir o vínculo, ope judicis, em face

da vedação constitucional. Neste caso, a capacidade obreira é

que não foi respeitada. Não obstante o vício em um dos

elementos jurídico-formais do contrato, todos os efeitos

trabalhistas devem lhe ser reconhecidos, em face da tutela

justrabalhista ter sido construída exatamente para proteger a

32

criança e o adolescente – e não ampliar a perversidade de sua

exploração. 20

O contrato deve ser considerado nulo, uma vez que desrespeita o art.

7º, inciso XXXIII da Constituição Federal (menoridade trabalhista), porém, deve

produzir efeitos no mundo jurídico, respeitando, desta maneira, o art. 1º, inciso

IV da Carta Magna (valorização social do trabalho). Na teoria tradicional o

contrato seria nulo e não produziria efeitos no mundo jurídico. O menor teria

direito a receber uma indenização no valor das verbas não recebidas, mas não

receberia as próprias verbas, pois não era empregado. Portanto, deve ser

realizada uma aplicação harmônica entre as normas envolvidas no caso

concreto.

20 Idem.

33

CONCLUSÃO

A Teoria das Nulidades do Direito do Trabalho encontra-se ainda em

processo de construção pela doutrina e jurisprudência. Importante ressaltar

que a teoria clássica das nulidades deve servir de base para o processo de

elaboração de uma teoria própria do Direito do Trabalho.

Para que se obtenha justiça nos casos de nulidade dos contratos

trabalhistas, devem ser levados em consideração, na determinação da

existência e extensão dos efeitos jurídicos, os fatores sociais envolvidos nas

relações empregatícias, além dos princípios constitucionais e de direito que

incidem sobre cada caso.

Uma ponderação de normas e princípios deve ser realizada, para que

a teoria trabalhista das nulidades venha a priorizar os valores mais

importantes.

Igualmente, se faz necessário a elaboração de legislação específica

sobre o tema, para que não seja obrigado o aplicador do direito a recorrer aos

meios de resolução elencados no art. 4º da Lei de Introdução do Código Civil:

a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, além da equidade.

Tal situação provoca decisões conflitantes, gerando insegurança jurídica para

as partes envolvidas nas relações empregatícias.

Desta forma, possivelmente venha a se reduzir o número de casos de

nulidade em que os direitos sociais do empregado são preteridos para dar

lugar a benefícios de empregadores fraudadores, que se beneficiam da própria

torpeza.

34

BIBLIOGRAFIA

CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho.

33. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São

Paulo: Ltr, 2009.

PEREIRA, Cáio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: volume I. 19.

ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA,

Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 21. ed. São Paulo: Ltr, 2003. v.

1.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 8. ed. São Paulo: Atlas,

2008.

35

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTOS 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

1.1 - A TEORIA DAS NULIDADES CONTRATUAIS 10

1.2 – OS REQUISITOS DE VALIDADE DO NEGÓCIO

JURÍDICO 11

1.2.1 PRIMEIRO REQUISITO DE VALIDADE – AGENTE CAPAZ 12

1.2.2 SEGUNDO REQUISITO DE VALIDADE - OBJETO LÍCITO, POSSÍVEL, DETERMINDADO OU DETERMINÁVEL 14

1.2.3 TERCEIRO REQUISITO DE VALIDADE – FORMA PRESCRITA OU NÃO DEFESA EM LEI 15

CAPÍTULO II

(TÍTULO) 17

2.1 PECULIARIDADES DOS CONTRATOS EMPREGATÍCIOS 18

2.1.1 IMPOSSIBILIDADE DE RETORNO À SITUAÇÃO A QUO 19

2.1.2 VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SE CAUSA 20

2.1.3 VALOR SOCIAL DO TRABALHO 21

CAPÍTULO III

(TÍTULO) 23

3.1 CONTRATO EMPREGATÍCIO COM OBJETO ILÍCITO 23

3.1.1 TRABALHO LÍCITO VINCULADO A OBJETO ILÍCITO 27

3.1.2 OBJETO ILÍCITO DESCONHECIDO PELO EMPREGADO 28

3.2 A FORMA NOS CONTRATOS TRABALHISTAS 28

3.3 AGENTE INCAPAZ NO CONTRATO EMPREGATÍCIO 30

CONCLUSÃO 33

BIBLIOGRAFIA 34

ÍNDICE 35