UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO … · além de difícil acesso, nem sempre...
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO NA CIRURGIA ESTÉTICA
Ludi Luswarghi
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marta Rodrigues Maffeis Moreira
Ribeirão Preto
2013
LUDI LUSWARGHI
RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO NA CIRURGIA ESTÉTICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Departamento de Direito Privado e de Processo
Civil da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo para a obtenção do
título de bacharel em Direito.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marta Rodrigues Maffeis
Moreira
Ribeirão Preto
2013
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
FICHA CATALOGRÁFICA
Luwarghi, Ludi
Responsabilidade civil do médico na cirurgia estética / Ludi
Luswarghi. -- Ribeirão Preto, 2013.
134 p. ; 30cm
Trabalho de Conclusão de Curso -- Faculdade de Direito de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Orientadora: Marta Rodrigues Maffeis Moreira.
1. Responsabilidade civil. 2. Relação médico-paciente. 3.
Cirurgia estética. 4. Obrigação de meio. 5. Obrigação de
resultado. Presunção de culpa. I. Título
Nome: LUSWARGHI, Ludi
Título: Responsabilidade civil do médico na cirurgia estética
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito
de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para obtenção do
título de Bacharel em Direito.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof.(ª) Dr.(ª)___________________________ Instituição:____________________________
Julgamento: ____________________________Assinatura: ___________________________
Prof.(ª) Dr.(ª) __________________________ Instituição:____________________________
Julgamento: ____________________________Assinatura: ___________________________
Prof.(ª) Dr.(ª)___________________________ Instituição:____________________________
Julgamento: ____________________________Assinatura: ___________________________
Aos meus pais.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que de alguma forma contribuíram para que este trabalho pudesse ser
realizado, em especial à minha família.
À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Marta Rodrigues Maffeis Moreira, cuja dedicação foi
fundamental para o desenvolvimento do tema.
Aos docentes e funcionários da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto.
RESUMO
O presente estudo analisa a responsabilidade civil do médico cirurgião estético, buscando,
para tanto, assinalar quais são os elementos e objetos essenciais constantes de todo contrato
médico e como carregam consigo especificidades aplicáveis aos contratos cujo escopo está no
embelezamento do paciente. Outrossim, procura apontar qual a natureza jurídica da
responsabilidade civil médica e o enquadramento normativo dado aos profissionais liberais
numa relação de consumo, tal qual lançada no Código de Defesa de Consumidor, se objetiva
ou subjetiva a responsabilização quando empreendem cirurgias estéticas. Por fim, objetiva
identificar qual a obrigação médica assumida na formação do contrato sob a ótica da
diferenciação entre obrigações de meio e de resultado, bem ainda, as possíveis consequências
práticas e jurídicas dessa diferenciação, como inversão do ônus probatório e presunção de
culpa, utilizando-se, assim, de estudos doutrinários sobre o tema, sem perder de vista o
tratamento conferido pela jurisprudência nacional ao tema.
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Relação médico-paciente. Cirurgia estética.
Obrigação de meio. Obrigação de resultado. Presunção de culpa.
ABSTRACT
This thesis aims to analyze the civil responsibility of the aesthetic surgery, seeking to do so,
note what are the essential elements and objects contained in every physician contract and
how carry with specifics applicable to contracts whose scope is the beautification of the
patient. Furthermore, seeks to highlight the legal nature of the medical liability and the
normative framework given to professionals in a consumption relationship, as it fixed in the
Consumer Protection Code, whether objective or subjective accountability when execute
cosmetic surgeries. Finally, aims to identify the obligation assumed in medical contract
formation from the perspective of differentiation between obligations known as “duty of best
efforts” and “duty to achieve a result”, and also the possible practical and legal consequences
of this differentiation, such as inversion of the burden of proof and presumption of fault, using
thus the doctrinal studies on theme, without losing sight of the treatment given to the subject
by national jurisprudence.
Keywords: Civil responsibility. Doctor-patient relationship. Aesthetic surgery. “Duty of best
efforts” obligation. “Duty to achieve a result” obligation. Presumption of fault.
Sumário
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................17
1. RESPONSABILIDADE CIVIL E RESPONABILIDADE CIVIL MÉDICA ......................................23
1.1 CONCEITO ............................................................................................................................................. 23
1.2 A RESPONSABILIDADE DO PROFISSIONAL .............................................................................................. 25
1.3 BREVE RELATO HISTÓRICO ................................................................................................................... 26
1.3.1 Breve histórico da responsabilidade médica ................................................................................... 29
1.3.2 Histórico e modelo brasileiros ........................................................................................................ 31
1.4 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................................................................ 33
1.4.1 Responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva ................................................. 34
1.4.2 Responsabilidade civil contratual e extracontratual ....................................................................... 37
1.5 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ....................................................................................... 39
1.5.1 Conduta humana.............................................................................................................................. 40
1.5.2 A culpa ............................................................................................................................................. 42
1.4.2.1. Erro médico e culpa médica ....................................................................................................................44
1.5.2.2 A prova da culpa médica e perícias .........................................................................................................48
1.5.2.3 A inversão do ônus da prova do Código de Defesa do Consumidor .......................................................50
1.5.3 O dano ............................................................................................................................................. 51
1.5.3.1 Requisitos do dano reparável ..................................................................................................................52
1.5.3.2 Espécies de dano .....................................................................................................................................54
1.5.3.2.1 Dano material ou patrimonial .............................................................................................................54
1.5.3.2.2 Dano moral .........................................................................................................................................56
1.5.3.2.3 Dano estético ......................................................................................................................................58
1.5.3.3 Os danos material, moral e estético nas cirurgias médicas ......................................................................59
1.5.4 Nexo de causalidade ........................................................................................................................ 61
1.5.4.1 Excludentes do nexo de causalidade .......................................................................................................64
1.5.4.1.1 Culpa exclusiva da vítima...................................................................................................................64
1.5.4.1.2 Culpa concorrente da vítima ...............................................................................................................65
1.5.4.1.3 Culpa comum .....................................................................................................................................65
1.5.4.1.4 Culpa de terceiro ou fato de terceiro ...................................................................................................66
1.5.4.1.5 Caso fortuito e força maior .................................................................................................................66
2. A ATIVIDADE PROFISSIONAL MÉDICA E A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE .......................69
2.1 OBJETO DO CONTRATO E SUAS PARTES ................................................................................................. 69
2.2 NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA ................................................................ 70
2.2.1 Tutela jurídica diferenciada do contrato médico ............................................................................ 72
2.3 NATUREZA DO CONTRATO DA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE ................................................................. 75
2.4 DEVERES DO PROFISSIONAL NA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E CONDUTAS INAPROPRIADAS ................ 76
2.4.1 Dever de conselho ............................................................................................................................ 77
2.4.2 Dever de cuidado ............................................................................................................................. 78
2.4.3 Obtenção de consentimento ............................................................................................................. 79
2.4.4 Abstenção de abuso ou desvio de poder .......................................................................................... 82
2.4.5 Dever de sigilo ................................................................................................................................. 83
2.4.6 Condutas inapropriadas .................................................................................................................. 85
2.5 DEVERES E DIREITOS DO PACIENTE ....................................................................................................... 86
2.6 OBRIGAÇÃO DE MEIO E RESULTADO ...................................................................................................... 89
2.6.1 INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO ....................................................................................................... 100
2.6.2 INEXECUÇÃO CONTRATUAL ................................................................................................................ 103
2.6.3 Responsabilidade civil subjetiva com culpa presumida e responsabilidade objetiva .................... 105
3. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ....................................................................................................... 109
3.1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (TJSP) ................................................................. 109
3.2 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (TJRJ) .......................................................... 112
3.3 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (TJMG) .......................................................... 114
3.4 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (TJRS) ................................................. 117
3.5 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ) .............................................................................................. 120
CONCLUSÕES ........................................................................................................................................... 125
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................................... 129
17
INTRODUÇÃO
O homem está em constante busca da plenitude do bem-estar físico e psíquico.
Entretanto, apesar de a preservação da vida e a integridade física serem bens tão caros nessa
empreitada, muitas vezes são acometidos por maus inerentes à própria existência humana,
como as enfermidades. Nesse contexto, surgem as figuras da Ciência Médica e dos seus
aplicadores, dentre eles os médicos, que atuam pela manutenção da saúde, seja
individualmente ou coletivamente considerada, tornando-se, pois, elemento central da própria
sobrevivência da espécie em expectativa.
Nesse contexto, o Brasil abriga uma proliferação exagerada de Faculdades de
Medicina: há aproximadamente vinte anos o país contava com 83 cursos médicos, ao passo
que em dezembro de 2012 já contava com 197. Trata-se de um crescimento elevado em
período de tempo relativamente escasso. Em comparação absoluta, são números maiores que
os dos Estados Unidos da América, país com 131 cursos, e até mesmo que os da China – cujo
contingente populacional supera a casa do bilhão –, que conta com 150. O Brasil só perde
para a Índia, cujas Escolas Médicas somam 272.1
Nada obstante, a criação dos novos cursos não foi feita de maneira equânime pelo
território nacional, respresentando a perda da possibilidade de melhora assistencial em áreas
ainda necessitadas, já que, segundo dados, a região Sudeste concentra 45% das Escolas
Médicas.2 Em números de médicos, as regiões Sul e Sudeste concentram 70% deles.
3
Não bastassem os números apresentados, em alguns casos, o prazo de formação do
curso é tão exíguo que faltam profissionais capacitados para o ensino, bem ainda laboratórios
e materiais necessários para a adequada formação dos profissionais. Somente em 2011, o
1 TREZE mil médicos são diplomados ao ano, mas faltam profissionais. Disponível em:
<http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/12/treze-mil-medicos-sao-diplomados-ao-ano-mas-faltam-
profissionais.html>. Acesso em: 30 jul. 2013. 2 NÚMERO de cursos de Medicina no Brasil cresce 82% em duas décadas. Disponível em:
<http://www.institutosalus.com/noticias/medicina/numero-de-cursos-de-medicina-no-brasil-cresce-82-em-duas-
decadas>. Acesso em: 30 jul. 2013. 3 TREZE mil médicos são diplomados ao ano, mas faltam profissionais, op. cit.
18
Ministério da Educação (MEC) suspendeu 514 vagas oferecidas dentre dezesseis cursos de
bacharelado em Medicina, todas instituições privadas.4
No ano de 1991 foi criada a Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do
Ensino Médico (CINAEM) – integrada por inúmeras entidades representativas em nível
nacional, como o Conselho Federal de Medicina – no intuito de coordenar e padronizar ações
para a aferição do perfil das escolas médicas brasileiras e a qualidade dos profissionais
formados a cada ano. Os resultados das avaliações, após a realização das três fases do projeto,
concluíram pela ausência de recursos suficientes para educação e pesquisas nas faculdades,
com predomínio de escolas com objetivos notadamente comerciais, além de comumente
contarem com infra-estruturas sucateadas e inadequadas e com a falta de preparação
específica dos docentes. Em relação à estrutura pedagógica, mencionaram a carga horária
insuficiente para ensino, pesquisa e extensão e predileção teórica em oposição às necessidades
práticas dos profissionais da saúde.5
A todo esse cenário de proliferação de Faculdades de Medicina de modo desmedido,
comprovadamente pela precariedade do ensino em inúmeras instituições, somam-se as más
condições de trabalho de que dispõem os profissionais da área da saúde, com hospitais
públicos a cada dia dispondo de menos recursos e materiais adequados, tornando-se, pois,
necessária ao sistema de saúde no país a atuação da iniciativa privada, a qual, como se sabe,
além de difícil acesso, nem sempre corresponde à qualidade esperada.
Ainda, o Poder Público credencia escolas médicas sem critérios técnicos adequados,
não fiscaliza empresas conveniadas e inflaciona o mercado com aproximadamente doze mil
médicos por ano sem preparo adequado e com o recebimento de baixos salários.6
Diante desse contexto, pode-se perceber toda uma situação que favorece o erro
médico, aumentando sensivelmente os danos e as vítimas dos procedimentos realizados por
esses profissionais.
Não se olvide que ultimamente tem-se observado um número cada vez maior de
demandas judiciais que visam apurar a responsabilidade civil do médico. Trata-se de tema
4 NÚMERO de cursos de Medicina no Brasil cresce 82% em duas décadas, op. cit.
5 GOMES, Júlio César Meirelles; DRUMON, José Geraldo De Freitas; FRANÇA, Genival Veloso de. Erro
médico. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p.83-84. 6 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.218.
19
debatido por juristas, médicos e membros da sociedade na busca por, de um lado, amparar o
paciente, tutelando seu bem jurídico da saúde e, de outro, o médico, de modo a não
desestimular o exercício da profissão.
A discussão não é nova e já era tratada desde o direito romano, entretanto, o avanço
das ciências tem se acelerado de tal forma que o ordenamento jurídico precisa dar respostas à
situações nunca antes vistas, podendo-se afirmar, assim, existir interdisciplinariedade entre as
Ciências Médicas e as Jurídicas, sempre pautada na busca por respostas adequadas aos
conflitos existentes.
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka lembra que o direito necessita trocar
experiências e se contextualizar com os demais saberes para corrigir meios e modos de
alcançar com êxito a própria função que exerce, qual seja construir uma sociedade livre, justa
e solidária, preceitos constantes da Consituição Federal. Trata-se do objetivo inerente à
humanidade em si: vida digna e paz social.7
É preciso lembrar, assim, que há muito o Direito não vê as condutas dos operadores da
Medicina como inquestionáveis, ideia ultrapassada que entendia todo e qualquer ato médico
acima de falhas e de maus resultados, mesmo que efetivamente tivesse desrespeitado preceito
fundamental da profissão.
Atualmente, outrossim, há demanda por médicos para a realização de procedimentos
que não estão ligados intrinsecamente ao aumento da expectativa de vida ou ao combate de
doenças, pelo menos não físicas, mas para que os pacientes obtenham um embelezamento,
melhorando aspecto que considerava desagradável ou indesejável: são as cirurgias estéticas.
A cirurgia estética, surgida como especialidade médica no período da Primeira Guerra
Mundial (1914 a 1918), era procurada pelos feridos da guerra que queriam corrigir e recuperar
funcionalidades do seu corpo e, ao mesmo tempo, representaria melhora na aparência, esta
que fora atingida em decorrência de ferimentos ocasionados pelas batalhas. A partir disso, seu
7 Cirugia plástica e responsabilidade civil do médico: para uma análise jurídica da culpa do cirurgião plástico.
In: Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos: divisão jurídica, Bauru, n. 39, jan. a abr. 2004. Quadrimestral,
p.504.
20
crescimento foi cada vez maior por aqueles que, saudáveis de corpo, procuravam-na com fins
de embelezamento.8
Para Teresa Ancona Lopez, a aparência externa é uma das dimensões da personalidade
e, na medida em que significa a maneira como cada um vê a si mesmo, principalmente em
relação à sociedade, é um dos elementos que a torna exclusiva, excepcional e distinta, fazendo
com que exista, em alguma medida, para si e para os demais.9
Tendo conhecimento dessa dimensão humana, nunca houve publicidade tão massiva
da mídia sobre os padrões de formato do rosto e do corpo a serem seguidos, acarretando a
constante busca pela beleza pessoal, seja por meio de produtos comercializados, de academias
de ginástica ou até mesmo da submissão a procedimentos cirúrgicos. Assim, as cirurgias
plásticas estéticas tornaram-se tema de grande relevância para as áreas médicas e da saúde,
necessitando, pois, trazer à tona o tratamento jurídico que deve ser dado às situações dessa
natureza.
Frise-se, outrossim, que as cirurgias plásticas vão muito além de mera decisão sobre
intervir no paciente ou não pelo simples melhoramento estético, mas envolve problemas
inerentes à técnica médica, à avaliação da situação física e psicológica do paciente, bem
ainda, a seu diagnóstico e prognóstico, principalmente diante das peculiaridades de
constituição fisiológica, além dos riscos e benefícios da operação.
Dessa maneira, assume peculiar importância a investigação sobre como se dá a
responsabilização civil dos médicos que assumem obrigações de natureza estética, ou seja, de
realizar procedimentos muitas vezes considerados invasivos em corpos rigorosamente
saudáveis pelo único objetivo de atingir o embelezamento e não o fazem ou, ainda, pior,
causam uma lesão estética não antes existente e sequer esperada, danos patrimoniais e até
mesmo morais aos pacientes.
Tendo-se em vista o contexto apresentado, o presente trabalho buscará traçar as
principais discussões referentes ao tema da responsabiliddade civil em cirurgias estéticas,
abordando, como marco inicial, a responsabilidade civil como um todo. De forma gradativa,
8 GOMES, Alexandre Gir. Responsabilidade civil do médico nas cirurgias plásticas estéticas In: NERY
JUNIOR, Nelson; ANDRADE, Rosa Maria de (Org.). Doutrinas essenciais: responsabilidade civil. São Paulo:
Revista Dos Tribunais, Vol. V, 2010, p.742. 9 O dano estético: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.15.
21
será analisado como se dá a responsabilidade civil dos médicos e suas pecualiaridades e,
concomitantemente, a responsabilidade dos profissionais nas cirurgias estéticas
Ao longo de todo o trabalho tentar-se-á reunir os principais doutrinadores que tratam
do assunto, entretanto, para uma melhor abordagem, também serão utilizados alguns julgados
pátrios para analisar como os tribunais têm tratado a questão, prezando-se, assim, por um
enfoque não apenas doutrinário, mas prático e jurisprudencial atual, conforme poderá se
observar em capítulo específico destinado a esse estudo.
22
23
1. RESPONSABILIDADE CIVIL E RESPONABILIDADE
CIVIL MÉDICA
1.1 Conceito
Conceituar a responsabilidade não é tarefa fácil, pois, como lembra José de Aguiar
Dias, “toda manifestação humana traz em si o problema da responsabilidade”. A afirmação
remete à amplitude de aspectos que o termo pode assumir, dependendo da teoria filosófico-
jurídica adotada.10
Originariamente, a palavra “responsabilidade” tem a raiz no vocábulo
latino spondeo, resposta que deveria ser dada, no Direito Romano, para o aperfeiçoamento
dos contratos verbais (stipulatio) por aquele que se responsabilizava pela obrigação.11
Assim, ainda que de maneira incipiente, já é possível ligar a ideia de responsabilidade
ao surgimento de uma obrigação. Conclui José de Aguiar Dias, então: “A responsabilidade é,
portanto, resultado da ação pela qual o homem expressa o seu comportamento, em face desse
dever ou obrigação”.12
Rui Stoco, por seu turno, deixa clara a diferenciação entre obrigação e resultado:
aquela é o dever jurídico originário, ao passo que essa é o dever jurídico sucessivo, que
decorre da violação de uma obrigação, pois não se pode lesar outrem sem que insurja, no
campo civil, o dever de reparar.13
Nesse ponto, é necessário lembrar que o ordenamento jurídico se pauta pela máxima
do neminem laedere e do alterum non laedere, ou seja, de não lesar ninguém e não lesar
outrem, respectivamente, limites impostos à liberdade individual e que dão a noção de
responsabilidade.14
10
Da responsabilidade civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.3. 11
LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil: fontes acontratuais – responsabilidade civil. 4. ed.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, Vol. V, 1995, p.159. 12
Op. cit., p.5. 13
Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007,
p.114-115. 14
Ibid., p.114.
24
Desse modo, duas possibilidades emergem: agir conforme estipula a obrigação, caso
em que não haverá decorrências no sentido de reparação da obrigação descumprida, já que
houve seu adimplemento; ou não agir conforme estipula a obrigação ou a norma, situação em
que existirão decorrências do descumprimento. Assim, considerando os integrantes da
sociedade em convivência harmônica, o ordenamento jurídico deve repudiar toda e qualquer
violação do neminem laedere pelos indivíduos, razão pela qual, se isso ocorrer, haverá
consequências ao infrator, passando a ser chamado, então, de “responsável”.15
Nesse aspecto, outrossim, frise-se que nem sempre o responsável é o infrator, o que
ocorre basicamente em três situações trazidas pelo Código Civil16
: responsabilidade por fato
de terceiros, pela guarda da coisa inanimada e pela causada pelos animais.17
A responsabilidade por fato de terceiros se origina, segundo Silvio Rodrigues, na ideia
de risco, pois se pais são os responsáveis por darem causa ao nascimento de seus filhos e se o
patrão se vale dos serviços do empregado, devem ser responsabilizados pelas suas condutas
perante terceiros.18
As hipóteses estão previstas no artigo 932, do Código Civil.19
Já a responsabilidade pela guarda da coisa inanimada se refere à responsabilidade
pelos danos causados pela própria coisa, por vício próprio e sem interferência humana ou por
ato irrefletido humano.20
Está normatizada nos artigos 937 e 938, do Código Civil21
.
Por fim, a responsabilidade pelo fato do animal é aquela gerada por um dano causado
pelo animal, sendo que seu dono ou detentor deverá responder, segundo Rui Stoco,
15
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade
civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, Vol. III, 2008, p.2. 16
BRASIL. Lei n. 10.406, 10.01.2002. 2002. Leis. Casa Civil, Subchefia para assuntos jurídicos. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 14 de abr. de 2013. 17
MAZEAUD, Henri et al. Traité theórique et pratique de la responsabilité civile délictuelle et
contractuelle. 6. ed. Paris: Montchrestien, T. III, Vol. 2, 1983., p.23. 18
Direito civil: responsabilidade civil. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, Vol. 4, p.63. 19
São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes
competir, ou em razão dele;
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins
de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. 20
LOPES, op. cit., p.318. 21
Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier
de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.
Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou
forem lançadas em lugar indevido.
25
objetivamente, podendo apenas se eximir se provar caso fortuito, força maior ou culpa
exclusiva da vítima.22
Está disposto no artigo 936, do Código Civil.23
É claro que a noção de responsabilidade não é tema exclusivamente jurídico, ligando-
se também a outros campos que envolvem relações entre o ser humano e ele mesmo ou entre
o ser humano enquanto coletividade. Trata-se do campo da moral, religião, dentre outros, que
trazem na ideia de um indivíduo responsável, por exemplo, aquele zeloso e cuidadoso nas
suas atitudes e no desenvolvimento de suas atividades e que arca com as consequências caso
aja de maneira diversa de um dever imposto.24
Entretanto, referindo-se à responsabilidade civil em seu sentido técnico e jurídico, não
há como dissociá-la do cometimento de uma ação danosa causada por um agente, em
desacordo com norma jurídica pré-existente e que, em virtude disso, deve sujeitar-se ao dever
de reparação insurgente pela sua ação ou omissão. Obrigar o agente causador de um dano a
repará-lo, segundo Sergio Cavalieri Filho, vai de encontro ao sentimento de justiça contido no
âmago de cada um.25
Dessa maneira, trata-se da violação de um direito particular, em que ocorre a quebra
do equilíbrio jurídico e econômico que antes existia entre agente e vítima. Deve, pois, haver
reestabelecimento desse equilíbrio, em que o agente deve, preferencialmente, restituir ao
lesado a situação que se encontrava anteriormente (status quo ante), ou, na impossibilidade,
realizar o pagamento de uma prestação pecuniária proporcional ao dano sofrido.26
1.2 A responsabilidade do profissional
22
Op. cit., p.985. 23
O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força
maior. 24
NADER, Paulo. Curso de responsabilidade civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, Vol.
7, 2010, p.6 25
Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.13. 26
Ibid., p.13.
26
A medicina, em virtude de sua alta especialiazação, importância e até mesmo risco que
pode representar para a sociedade, depende que o profissional esteja apto ao seu exercício.
Para tanto, necessita cumprir requisitos legalmente estipulados tais como a diplomação em
curso universitário reconhecido pelos órgãos estatais de controle e a inscrição no órgão
profissional, qual seja o Conselho Regional de Medicina.
Entretanto, mesmo existindo tamanho controle sobre o exercício da profissão, não se
afasta do profissional a possibilidade de responder civilmente (ou mesmo penalmente e
administrativamente) por danos que causar a outrem em virtude do não cumprimento de
regras profissionais que deveriam ser observadas.27
Assim, nos últimos anos, latente o aumento do número de demandas propostas no
judiciário a fim de verificar a ocorrência ou não de uma má conduta médica. Isso se dá em
razão de múltiplos fatores, tais como excesso de universidades destinadas à formação
acadêmica médica, situação que compromete a fiscalização governamental sobre tais escolas,
muitas vezes mal preparadas para desempenharem sua função; o acesso à Justiça, direito
entabulado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal28
/29
, cujos avanços têm sido
notórios, marcadamente pela implementação da Defensoria Pública; e, por fim, o maior
conhecimento que os cidadãos têm de seus direitos, mormente em razão da atuação da mídia,
atingidora da grande massa populacional.
Seja em razão de um fator ou de outro, o certo é que a atuação do profissional médico
deve ser questionada sempre que gerar um dano ao seu paciente, perscutrando-se se agiu em
conformidade com técnica recomendada ou não e se cumpriu seus deveres.
1.3 Breve relato histórico
27
CAVALIERI FILHO, op. cit., p.368. 28
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 05.10.1988. 1988. Constituição Federal. Casa
Civil, Subchefia para assuntos jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-
12-1830.htm>. Acesso em: 17 de abr. de 2013. 29
A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
27
A responsabilidade civil, historicamente, pode ser remontada aos povos preromânicos,
que mantinham como concepção de justiça a vingança privada, pois não existiam critérios a
serem observados, de modo que dependia das forças da vítima sofredora de uma lesão ou das
pessoas a ela realacionadas.30
Essa primeira ideia é muito ligada à primeira forma da justiça
privada, qual seja a vingança pessoal.
Entretanto, a partir da Pena de Talião, posteriormente adotada em linhas na Lei das
XII Tábuas, quebrou-se a lógica trazida anteriormente de ausência de parâmetros para
ressarcimento dos danos e, apesar de ainda integrar a sistemática da justiça privada,
estabeleceu-se a igualdade ou o mais próximo que disso se pudesse chegar entre o mal
causado à vítima e os efeitos gerados ao seu causador.31
Ainda não se utilizava o termo dano, mas iniuria, traduzida, em acepção ampla, como
o ato praticado sem que se tenha o direito e, em acepção estrita, como a modalidade particular
de um delito, ocorrido a partir da ofensa à integridade física ou moral de alguém. Nesse
sentido, a Lei das XII Tábuas carregava consigo penas de composição legal, estipulando
penas de pagamento que variavam entre os valores de 24 a 300 asses, dependendo do caso, e a
Pena de Talião, em que a vítima poderia causar ao ofensor a mesma lesão que havia sofrido.32
Não se pode deixar de considerar tais hipóteses como parâmetros reparatórios.
O instituto foi aprimorado e sofreu uma série de mudanças, passando a prever a
possibilidade de composição entre a vítima e o agente do dano a partir de uma maneira mais
racional e humana, pois poderia haver o pagamento em dinheiro para encerrar a disputa.33
Deveria haver, entretanto, concordância da vítima para a composição voluntária.34
A partir desse período, com a composição, o lesado passou a perceber que de nada
adiantaria ter retaliado o direito do lesionador, pois apenas duplicaria o efeito danoso, ou seja,
não bastasse a existência de um prejudicado, com a retaliação seriam dois. Ao longo dos anos,
assim, a vítima percebeu ser mais interessante entrar em composição com o autor do dano,
30
NADER, op. cit., p.47. 31
Ibid., p.47. 32
ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.587. 33
NADER, op. cit., p.48-49. 34
ALVES, op. cit., p.587.
28
que recomporia o dano por intermédio da prestação da poena, com uma função de resgate da
culpa para o ofensor ganhar o direito de perdão do ofendido.35
Tal forma de composição, dita voluntária – uma vez que o ofensor e a vítima
estipulavam livremente como se daria a reparação – passou para uma fase de composição
tarifada, em que ambas as partes não mais se compunham de acordo com seus próprios
critérios, mas sim pelos estabelecidos em lei, de forma fixa, tarifada para cada tipo de
situação.36
Não há como negar o verdadeiro embrião37
que representou a Pena de Talião e suas
evoluções para a responsabilidade civil, entretanto, o surgimento da Lex Aquilia pode ser
apontado como um dos maiores avanços no tema, na medida em que estabeleceu a
proporcionalidade da pena cominada em relação ao dano causado38
. Tamanha foi sua
importância que, até os dias de hoje, a responsabilide civil extracontratual também pode ser
denominada de aquiliana.
A Lex Aquilia era dividida em três livros, constituindo o mais importante para
verificação da origim da responsabilidade civil o terceiro deles, porque nele continha o
denominado damnum injuria datum, responsabilidade gerada a partir de um dano causado em
coisa alheia a partir de delito autônomo. Segundo José Carlos Moreira Alves, para a
constatação da damnum injuria datum eram necessários três requisitos: a) a injuria (conduta
em desacordo com preceitos legais; b) a culpa (em entendimento amplo), traduzindo-se no
que se pode denominar de culpa em sentido estrito (negligência e imprudência); c) o damnum,
ou seja, o dano gerado pela conduta.39
Após o período romano, outros momentos históricos desde a Escola de Direito
Natural, passando pelo Código de Napoleão e pelo Código Civil Alemão, contribuíram para o
tema da responsabilidade civil. Entretanto, como se pôde ver, a Lex Aquilia é um dos
diplomas de maior relevância para o estudo da responsabilidade civil, pois trouxe os moldes
do instituto na atualidade.
35
DIAS, op. cit., p.26. 36
NADER, op. cit., p.48-49. 37
Ibid., p.49. 38
GAGLIANO; PAMPLONA FILHO. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil, op. cit., p.11. 39
Op. cit., p.589-590.
29
1.3.1 Breve histórico da responsabilidade médica
O histórico da responsabilidade civil médica em muito se confunde com o próprio
surgimento da responsabilidade civil, pois, desde os primórdios, doenças e problemas ligados
à saúde acompanham o ser humano e, inicialmente, apesar de não existir ciência médica,
existiam estudos baseados na prática, que conferiam a certas pessoas a atividade e não delas
afastava possíveis sanções em caso de maus resultados do tratamento, pois não existia ainda a
ideia de responsabilidade, mas de vingança imediata pelo mau causado, sem qualquer
limitação. Foi somente com o desenvolvimento das ciências médicas e diante da importância
crescente da atividade ao longo dos anos que se passou para uma fase de elaboração de
normas capazes de enfrentar questões relativas às condutas profissionais dos médicos.40
O Código de Hamurabi delineou melhor a noção de responsabilidade médica, pois
determinou a compensação dos médicos nas atividades empreendidas, ao passo que, para os
profissionais, estipulou o dever de tomar o máximo cuidado no exercício da atividade para
que não incorressem em penas que, dependendo do caso, eram severas a ponto de determinar
a amputação de seus membros.41
Por seu turno, a Lei das XII Tábuas, com traços nitidamente baseados no Código de
Hamurabi, previa em seus artigos 219 a 226 que se em decorrência da intervenção cirúrgica o
paciente livre sucumbisse ou perdesse a visão, por exemplo, haveria a amputação da mão do
cirurgião; se escravo, deveria o médico pagar seu preço. Segundo o Talmude, livro que reúne
discussões históricas sobre lei e valores do judaísmo, apesar de num primeiro momento seu
povo viver sob a Pena de Talião, inclusive com pena de morte e de prisão perpétua sem
trabalhos forçados para os profissionais que causassem o óbito de seus pacientes, houve a
substituição dessas medidas pelas de multa, prisão e imposição de castigos físicos.42
40
CROCE, Delton; CROCE JÚNIOR, Delton. Erro médico e o direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.6. 41
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001,
p.38. 42
CROCE; CROCE JÚNIOR, op. cit., p.6-7.
30
Já em Roma, destaca-se a Lei Cornélia, que passou a prever vários delitos que
poderiam ser praticados na atuação do profissional da medicina e as consequências deles
decorrentes.43
A Lex Aquilia, por seu turno, instituiu a responsabilidade do médico que desse causa à
morte do escravo e substituiu a pena de morte pelo exílio ou deportação ao profissional que
tivesse agido com negligência ou imperícia. Mesmo assim, a tolerância com os resultados das
intervenções médicas eram altas, provavelmente pela própria dificuldade da época na criação
de tipos legais.44
Assim, é possível perceber que já se tratava da possibilidade de imperícia por parte do
médico e sua responsabilidade perante o paciente lesado.
Na Grécia, iniciaram-se estudos mais profundos da medicina, simbolizados pelo
Corpus Hippocraticum, que, além de trazer elementos empíricos, traziam outros de natureza
racional e científica. A partir de então, lançou-se mão do entendimento de que não há
presunção da culpa do médico pelo simples fato de não ter alcançado resultado no tratamento,
mas ela deveria ser analisada e comprovada no caso concreto.45
No século XIII, a partir do surgimento das universidades, os médicos passaram a
receber após sua formação um documento representativo de um reconhecimento público da
preparação do profissional para o exercício da atividade. Com a prevalescência cada vez
maior desse caráter científico da medicina, surgiu a possibilidade de uma análise mais
objetiva da possibilidade de o profissional ter incorrido em erro ou imperícia.46
Na França do início do século XIX afastou-se quase por completo a responsabilidade
civil do profissional médico, salvo casos em excepcionais de falta grave e inescusável.
Entretanto a partir do emblemático caso acontecido em Dromfront – em 1825, relativo ao Dr.
Hélie, que amputou os dois braços de um nascituro, filho da Sra. Foucault, com dificuldades
para o nascimento e que acabou por sobreviver – operou-se uma verdadeira revolução na
jurisprudência francesa liderada pelo Procurador Dupin, culminando com a condenação do
médico pela falta grave cometida no exercício da profissão, mesmo após a Academia
43
KFOURI NETO. Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.40. 44
CROCE; CROCE JÚNIOR, op. cit., p.8. 45
KFOURI NETO. Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.42. 46
Ibid., p.43.
31
Nacional de Medicina da França ter se posicionado contrária à condenação. Desde então,
passou-se a admitir a reparação da vítima acometida de imprudência médica.47
1.3.2 Histórico e modelo brasileiros
Num primeiro momento, era aplicável ao tema da responsabilidade civil, por força das
Ordenações do Reino, o próprio direito romano, pois subsidiário do direito pátrio para casos
omissos, conforme previa a Lei da Boa Razão.48
A primeira legislação pátria sobre o tema de responsabilide civil surgiu em 1830, a
partir da edição do Código Criminal49
, em conformidade com os ditames da Constituição, o
qual, a par de trazer matéria criminal, dedicou parte de sua atividade para trazer os moldes da
“satisfação” do dano causado pelo autor do delito.50
O fato da incipiência do tema no Brasil não foi motivo para a ausência de robustês do
diploma, o qual se revelou como uma verdadeira base presente até hoje na responsabilidade
civil.
O Código criminal de 1830 (...) transformou-se em um código civil e criminal
fundado nas sólidas bases da justiça e da equidade, prevendo a reparação natural
quando possível, ou a indenização; a integridade da reparação, até onde possível; a
previsão de juros reparatórios; a solidariedade, a transmissibilidade do dever de
reparar e do crédito de indenização aos herdeiros etc.51
Alguns artigos merecem destaque, tamanha sua atualidade: “Art. 21. O delinquente
satisfará o damno, que causar com o delicto”
E também:
47
KFOURI NETO. Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.45. 48
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p.11. 49
BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830, 16.12.1830. 1830. Leis. Casa Civil, Subchefia para assuntos
jurídicos. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm>. Acesso em: 17
de abr. de 2013. 50
PEREIRA, Responsabilidade civil, op. cit., p.11. 51
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
Vol. 4, 2008, p.9.
32
Art. 22. A satisfação será sempre a mais completa, que fôr possivel, sendo no caso
de duvida á favor do offendido.
Para este fim o mal, que resultar á pessoa, e bens do offendido, será avaliado em
todas as suas partes, e consequencias.
Apesar de se tratar de um dos artigos mais relevantes do Código no tocante à
satisfação do dano, todo o capítulo IV revelou-se de suma importância para o tema, pois,
segundo José de Aguiar Dias, estabeleceu a reparação natural – se possível fosse –, garantias
da reparação, favorecimento do ofendido na solução de eventual dúvida, necessidade da
reparação integral – pelo menos até onde fosse possível –, preferência pela reparação em
detrimento do pagamento de multas e até a transmissibilidade aos herdeiros do dever de
reparar, dentre outras inúmeras inovações.52
Interessa ainda notar que essa primeira fase de surgimento do “dever de reparar”,
matéria tratada no âmbito cível, estava ligada ao Direito Penal porque surgia apenas
posteriormente à condenação penal ou, sem sua existência, em situações excepcionais53
, o que
só foi se alterar num momento futuro.
A primeira defesa de que a responsabilidade civil deveria se separar da
responsabilidade criminal só veio com os ideias de, primeiramente, Teixeira de Freitas e, num
segundo momento, Carlos de Carvalho, oportunidades em que, com a edição de nova
legislação, a referida satisfação não mais seria ligada ao aspecto criminal, mas seria tratada
pela legislação civil, surgindo, outrossim, diversos institutos pecualiares à responsabilidade
civil.54
A normatização posterior surgiu apenas em 1916, com a edição do Código Civil55
, que
adotou a teoria subjetiva para aferição da responsabilidade civil, a mesma utilizada até hoje e
que exige além do dano e nexo de causalidade entre este e conduta praticada pelo seu autor, a
52
Op. cit., p.33. 53
Art. 31. A satisfação não terá lugar antes da condemnação do delinquente por sentença em juizo criminal,
passada em julgado. Exceptua-se:
(...)
3º O caso, em que o offendido preferir o usar da acção civil contra o delinquente. 54
PEREIRA, Responsabilidade civil, op. cit., p.11. 55
BRASIL. Lei nº 3.071, 1º.01.1916. 1916. Leis. Casa Civil, Subchefia para assuntos jurídicos. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 18 de abr. de 2013.
33
comprovação de que este agiu com culpa e dolo, elementos que serão melhor vistos
oportunamente.56
Outros marcos normativos foram o projeto de Código das Obrigações, formulado por
Caio Mário da Silva Pereira, que, apesar de não ter sido aprovado, contribuiu para o tema de
responsabilidade civil quando da alteração do Código Civil de 1916, em 1975.57
Não se olvide, entretanto, da edição do Código Penal de 1890, que pouco acrescentou
à redação anterior, e o de 1940, que preservou a relação existente entre a sentença
condenatória para fins de indenização e trouxe substancial avanço no campo processual, na
medida em que a sentença criminal poderia ser diretamente executada na instância cível em
desfavor do agressor.58
Ainda que a teoria subjetiva seja a mais comum e tradicional do direito brasileiro, é
preciso lembrar que surgiram outras, mormente em razão do aumento significativo dos casos
de danos, muitas vezes difíceis de serem caracterizados e, consequentemente, reparados, se
houvesse embasamento apenas nos elementos da teoria subjetiva. Dessa maneira, diante da
busca enveredada pelo ordenamento jurídico em traduzir em normas os anseios da sociedade,
surgiu a teoria da responsabilidade objetiva, que se desprende do elemento culpa para fins de
apuração da responsabilidade.59
1.4 Espécies de responsabilidade civil
Não há dúvida de que a responsabilidade civil, surgida a partir da existência
conflituosa da relação humana em virtude do descumprimento de uma norma por um agente
que deveria observá-la, compreende um todo indivisível. Entretanto, para melhor
56
GONÇALVES, op. cit., p.9. 57
DIAS, op. cit., p.35. 58
Ibid., p.35. 59
GONÇALVES, op. cit., p.9-10.
34
compreensão dos temas abordados adiante, faz-se necessária a análise de algumas
classificações tradicionalmente criadas pela doutrina.60
1.4.1 Responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva
A responsabilidade subjetiva, regra geral e tradicional do ordenamento jurídico pátrio,
já adotada pelo Código Civil de 1916 e mantida pelo de 2002, é aquela que exige como
requisito fundamental, além da caracterização do nexo causal entre a conduta comissiva ou
omissiva causadora de um dano, a existência do aspecto subjetivo do agente, traduzida em
dolo ou culpa, ambos denominados de culpa em sentido lato. Dolo nada mais é do que a
vontande livre e consciente do agente em agir intencionalmente na produção do dano, ao
passo que a culpa em sentido estrito é a atuação danosa em razão de negligência, imprudência
ou imperícia pelo agente.61
Logo, de acordo com essa teoria clássica, a culpa é o principal pressuposto da
responsabilidade civil, sem a qual não haverá o dever de indenizar por parte do agente
lesionador. Interessante notar que, seja dolo ou culpa, sempre existirá a conduta voluntária,
entretanto, na primeira modalidade a própria conduta em si já é ilícita, pois o agente pratica a
ação intencionalmente para lesar outrem, ao passo que na segunda, a conduta é lícita sem
intenção de causar dano, mas produz resultados ilícitos, por acidente marcado pela falta
cuidados. Assim, ainda que o agente tenha agido sem a intenção de provocar o dano, poderá
responder pelo resultado lesivo a que deu causa, bastando, para tanto, a comprovação da
culpa.62
Por oportuno, importante destacar que não apenas necessariamente a culpa será
atribuída exclusivamente ao denominado lesionador, pois a culpa pelo evento danoso pode ser
atribuída também ao lesionado, ou, ainda, dependendo do caso concreto, tanto ao lesionado
60
GAGLIANO; PAMPLONA FILHO. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil, op. cit., p.13. 61
CAVALIERI FILHO, op. cit., p.16. 62
Ibid., p.31.
35
como ao lesionador, caso em que deverá ser verificada a parcela de culpa concorrente de cada
um para aferição do ônus da recomposição.63
Assim, feito o sopesamento do quanto cada um contribuiu para o evento, poderá ser
definido, proporcionalmente, o dever individual de indenizar.
Por outro lado, a teoria da responsabilidade objetiva, ou do risco, apresenta um
contraponto à teoria alhures exposta, na medida em que não leva em consideração aspectos
subjetivos (dolo e culpa) para o surgimento da responsabilidade, mas apenas busca a
comprovação do nexo de causalidade entre o dano e a conduta praticada pelo agente.64
Divide-se em duas: teoria do risco e teoria do dano objetivo. A primeira é
caracterizada pela existência de uma situação de perigo em função da atividade exercida para
a concretização do dever de indenizar gerado pela responsabilidade civil, como no caso em
que um funcionário, diante de situação de risco inerente à sua condição, deve ser indenizado
pelo seu empregador por danos sofridos em decorrência da atividade, independentemente de
culpa.65
É o que dispõe o artigo 927, parágrafo único, in fine, do Código Civil.66
A segunda, por sua vez, não está liga a uma ideia de dever objetivo de reparação em
virtude de situação de perigo, mas simplesmente à verificação do dano e, assim, sua
reparação, tornando-se, pois, desnecessária, a análise da culpa no caso concreto. É a que se
verifica no Código de Defesa do Consumidor67
, por exemplo, pelo qual, se houver frustração
do consumidor por uma expectativa legítima em relação ao produto ou serviço oferecido pelo
fornecedor, este tem o dever de indenizar, independentemente da análise do elemento
subjetivo da culpa.68
(...) A teoria da responsabilidade objetiva filiou-se essencialmente à ideia do risco,
de modo que, seguindo-se a linha de raciocínio proposta, aquele que provoca o dano
fica automaticamente obrigado à recomposição, independentemente da averiguação
concernente à culpa. Basta, por assim dizer, a ocorrência da lesão e a sua vinculação
63
MATIELO, Fabrício Zamprogna. Dano moral, dano material e reparação. 4. ed. Porto Alegre: Sagra
Luzzatto, 1998, p.31. 64
GONÇALVES, op. cit., p.31. 65
Ibid., p.10. 66
Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando
a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem. 67
BRASIL. Lei n. 8.070, 11.09.1990. 1990. Leis. Casa Civil, Subchefia para assuntos jurídicos. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 03 de mai. de 2013. 68
GONÇALVES, op. cit., p.11.
36
ao fato de que se originou, seguindo-se a isso a responsabilização do autor da
conduta lesiva, afastada a imputação subjetiva69
O Direito atua incisivamente naquelas situações em que há desigualdade, promovendo
o reequilíbrio das relações, isso porque busca permanentemente não só a igualdade formal
mas também a material, isômica, com fulcro em uma visão aristotélica de tratar desigualmente
os desiguais na medida da desigualdade, conforme o princípio da igualdade estampado no
artigo 5º, da Constituição Federal. Não é diferente a responsabilidade objetiva, surgida
exatamente com o propósito de proteger um lesado que não conseguiria produzir prova da
conduta culposa do agente ou, ainda, em razão da própria atividade e seus riscos produzidos
para terceiros.
Não se pode esquecer, ainda, que o direito tutela bens jurídicos e, nesse sentido, a
teoria busca resguardar o direito do lesado para não incorrer na possibilidade de garantir a
impunidade do transgressor à regra em contraposição à ausência de reparação do dano sofrido
pela vítima.70
Evidentemente, o instituto mencionado deve ser utilizado com muita cautela e somente
para situações não apenas especiais e que demandam uma maior proteção jurídica, mas
também com previsão legal para tanto, como dispoe o próprio artigo 927 do Código Civil, sob
pena de estar-se incorrendo numa verdadeira inversão à regra geral, exigente do requisito da
culpa ou dolo do agente.
Francisco Amaral elenca alguns casos expressos pela lei em que ser dará a
responsabilidade objetiva: artigos 933 (responsabilidade dos representantes legais pelos
representados, empregadores pelos prepostos, hoteleiros pelos hóspedes), 937 (ruínas de
edifícios) e 938 (queda ou lançamento de coisas – effusis et dejectis), todos do Código Civil,
nos acidentes de trabalho, acidentes de estrada de ferro e transporte coletivo, navegação aérea,
o dano ambiental, o dano nuclear, na prestação de serviços públicos e pelo fato do produto ou
serviço.71
Rubens Limongi França lembra, por fim, as quatro principais orientação pautadas pela
teoria objetiva, formando, assim, subteorias: a da prevenção, pautada na ideia de que o sujeito
69
MATIELO, op. cit., p.33. 70
MATIELO, op. cit., p.33. 71
AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.589.
37
está adstrito ao dever de indenizar até a existência de prova em sentido contrário; a da
repartição do dano, desvinculada da origem do dano, mas prezando sempre pela reparação,
seja pelo seguro ou pelo próprio Estado; a da equidade, ligada à condição econômica,
mitigadora em certa medida, pois da prevenção e, por fim; a do risco, ainda de muitas
variações, pretendendo ora responsabilizar o iniciador do risco, ora quem cria o risco e ora do
desvio de condições normais.72
1.4.2 Responsabilidade civil contratual e extracontratual
De acordo com essa classificação, os prejuízos causados por uma pessoa podem
derivar de duas situações distintas. A primeira, chamada de responsabilidade civil contratual,
deriva da pré-existência de uma relação contratual entre agente e vítima e, uma vez
descumprida no seu todo ou em parte, gera o dever de indenizar. Vale lembrar que há
situações que independem da formalização de um contrato, sendo que este se forma
tacitamente, como é o caso do passageiro que adentra ao ônibus para ser transportado para
determinado local; há a formação tácita de um contrato em que a prestadora de serviço se
compromete pela qualidade, manutenção e segurança do transporte em contraprestação a um
valor previamente estipulado. Se a viagem do passageiro for frustrada de alguma maneira,
ficará caracterizado o inadimplemento contratual e a empresa deverá ser responsabilizada
pelos prejuízos que causar ao usuário.73
Por outro lado, existe a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, situação
em que a responsabilidade não surge em razão da pré-existência de um contrato entre o agente
causador do dano e a vítima. A infringência, então, não é mais à cláusula ou acordo
estabelecido entre as partes, mas sim à disposição legal, em especial ao cometimento de ato
ilícito, previsto nos artigos 186 e 187, do Código Civil e o consequente dever de reparação,
lançado no artigo 927, caput, do referido codex.74
72
Instituições de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1988, p.876-877. 73
GONÇALVES, op. cit., p.31. 74
CAVALIERI FILHO, op. cit., p.15.
38
O Código Civil não trouxe qualquer elemento diferenciador entre as duas modalidades
apresentadas, apesar de existir a possibilidade de individualizá-las nos artigos 186 a 188 e 927
e seguintes para a responsabilidade extracontratual e 389 e seguintes e 395 e seguintes para a
contratual.75
Mesmo assim, importante frisar que a divisão não é estanque, pois os elementos
da responsabilidade civil, que é um todo unitário, sempre serão os mesmos nas duas
hipóteses, buscando-se, assim, nessa e nas demais classificações apenas a melhor
compreensão da matéria. Logo não há dúvida de que artigos como o 927, por exemplo, são
deveres impostos não apenas às relações extracontratuais, mas também às contratuais.
Em bem da verdade, há muitas críticas à essa subdivisão, respresentadas pela corrente
da tese unitária ou monista, extremada no sentido de entender a responsabilidade contratual
absorvida pela extracontratual, na medida em que, ao fim, não há como se negar que
inexecução contratual nada mais significa que um delito; e, também, pela corrente eclética,
que entende pela unidade fundamental entre as modalidades, a qual sustenta existirem apenas
diferenciações de ordem técnica.76
Miguel Maria de Serpa Lopes acredita na total impossibilidade de se admitir uma
divisão entre as duas modalidades, principalmente rebatendo o argumento de que a
responsabilidade contratual fica caracterizada pela pré-existência de uma relação contratual, o
que não ocorreria na extracontratual, pois nas duas há obrigações pré-existentes, sendo, então,
a diferença, meramente técnica, aderindo, então, à corrente eclética.77
Teresa Ancona Lopez se posicionou:
Na verdade, nos países como o nosso, onde a responsabilidade é fundamentada na
culpa, para que haja indenização é preciso que haja dano, mas que esse dano tenha
vindo de uma ação voluntária (dolo) ou de negligência, imprudência ou imperícia
(culpa em sentido estrito) e que seja também provado o nexo de causalidade entre
culpa e o dano. Ora, esses requisitos se aplicam tanto à responsabilidade contratual
como à aquiliana. A principal diferença técnica entre esses dois tipos baseia-se na
questão da presunção de culpa que haveria na responsabilidade contratual,
75
GONÇALVES, op. cit., p.27. 76
LOPES, op. cit., p.181. 77
Ibid., p.183.
39
acarretando a reversão do ônus da prova e, portanto, deixando a vítima em posição
mais cômoda para conseguir sua indenização.78
De qualquer modo, três diferenças básicas podem ser tecidas às duas modalidades: a
primeira é quanto à existência de uma relação jurídica prévia entre o agente e a vítima,
conforme já explanado.
A segunda diferenciação diz respeito ao ônus da prova, conforme já lembrado acima.
Tomando-se por base que na responsabilidade civil contratual a violação decorre de um dever
positivo de adimplir e na extracontratual decorre de um dever negativo representado pela
vedação em não lesar outrem, tem-se que, nesta, a culpa ou o dolo do agente deve ser
demonstrado pela vítima, mas, por outro lado, naquela, a vítima deve demonstrar apenas o
descumprimento contratual, invertendo-se, assim, o onus probandi, pois caberá ao agente
provar, para não ser responsabilizado, caso fortuito ou força maior, ou, ainda, culpa exclusiva
da vítima.79
Por último, a terceira distinção remete à capacidade civil do agente lesionador, a qual é
restrita na responsabilidade civil contratual, na medida em que menores, em regra, não podem
se vincular contratualmente e, se o fizer, a convenção é nula e, consequentemente, sem efeitos
indenizatórios. Dessa maneira, a responsabilidade civil extracontratual seria muito mais
ampla, pois o prejuízo causado por um incapaz pode levar a reparação pelo patrimônio
daqueles que são legalmente encarregados da sua guarda.80
1.5 Pressupostos da responsabilidade civil
Segundo Sergio Cavalieri Filho, ato ilícito é um comportamento voluntário que viola
dever jurídico.81
Em sentido estrito, é o conjunto de pressupostos da responsabilidade, ou seja,
da geração do dever de indenizar, necessitando, para sua caracterização, do elemento culpa,
fundamental, outrossim, para a caracterização da responsabilidade subjetiva. Em sentido
78
Responsabilidade civil dos médicos. In: CAHALI, Yussef Said (Coord.). Responsabilidade civil: doutrina e
jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1988, p.319. 79
GONÇALVES, op. cit., p.28. 80
Ibid., p.29. 81
Op. cit., p.12.
40
amplo, ato ilícito significa apenas a conduta contrária ao ordenamento jurídico, violador do
Direito, fundamento básico para a responsabilidade civil objetiva.82
O Código Civil de 2002 assumiu uma postura dúplice, pois a responsabilidade
subjetiva, com base na culpa e com fulcro no ato ilícito em sentido estrito, está inserida em
seu artigo 927 (que remete aos artigos 186 e 187); ao passo que a responsabilidade objetiva,
desprovida da análise do elemento culpa e com base no ato ilícito em sentido amplo, está
disposta no parágrafo único do mesmo artigo e no artigo 187, que abarca um conceito mais
amplo de ato ilícito, independenetemente da culpa, mas presentes violação à boa-fé, bons
costumes e outros.83
Assim, não resta dúvida, por tudo já exposto, que responsabilidade civil nada mais é
do que a decorrência de um ato danoso violador de um dever de adimplir (contratual) ou de a
ninguém prejudicar (extracontratual), seja causado ou não por culpa do agente à vítima. É,
pois, a resposta jurídica ao ato ilícito. Dessa maneira, o dever de reparar é exigido pelo artigo
927 do Código Civil, que remete ao cometimento de um ato ilícito em sentido estrito, segundo
o artigo 18684
, do mesmo código.
Diante da simples leitura do artigo 186, do Código Civil, é possível verificar que, para
a caracterização do ato ilícito e seu consequente dever de reparação, quatro requisitos são de
suma importância e merecem atenção: a conduta (comissiva ou omissiva), a culpa do agente,
o dano (prejuízo) e o nexo de causalidade.
1.5.1 Conduta humana
Segundo Edmilson de Almeida Barro Júnior, conduta, em termos jurídicos, é todo e
qualquer ato humano que se deixa transparecer no meio social, devendo necessariamente
carregar consigo a voluntariedade e a livre consciência, é desprovida, portanto, de vícios ou
coações. Pode ser comissiva ou omissiva. A primeira se refere à ação em situação que o
82
CAVALIERI FILHO, op. cit., p.10. 83
Ibid., p.11. 84
Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
41
agente deveria se abster, já a segunda, à omissão para casos que tinha o dever de praticar o
ato.85
Não se olvide, outrossim, que, quanto à conduta omissiva, não constitui elemento apto
a gerar responsabilidade civil para qualquer um, mas apenas para aqueles que tinham o dever
inafastável de agir, como o policial, defensor da sociedade, ou o médico, que, sem risco
pessoal, deve agir para afastar perigo de vida de outrem.86
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona filho enfatizam que o cerne “da noção de
conduta humana é a voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente
imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz.”87
Assim, tendo o agente agido sem liberdade e consciência de atuação, ausente estará a
responsabilidade em qualquer de suas modalidades em razão da inexistência do pressuposto
essencial.88
Caio Mário da Silva Pereira deixa claro que a voluntariedade não se confunde com a
vontade livre e consciente de causar o dano, esta que é a definição do dolo. Já a
voluntariedade da culpa se resume na própria ação diante da consciência em realizar
determinado procedimento, lícito, mas que previsivelmente, nas suas consequências, viola
direito alheio.89
Por fim, como já asseverado quando da definição de responsabilidade civil, importante
destacar que o responsável pela reparação do dano, muitas vezes, não se confunde com aquele
que praticou o ato ilícito, mas incumbe a tarceiros nas hipóteses de responsabilidade por fato
de terceiros, pela guarda da coisa inanimada e pela causada pelos animais.90
Estão lançadas
nos artigos 932 – para ato de terceiro –, 936 – pelo fato do animal – e 937 e 938 – pelo fato da
coisa –, todos do Código Civil.
85
Direito médico: abordagem constitucional da responsabilidade médica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.57-58. 86
Ibid., p.58. 87
Novo curso de direito civil: responsabilidade civil, op. cit., p.27. 88
BARROS JÚNIOR, Direito médico: abordagem constitucional da responsabilidade médica, op. cit., p.58. 89
Responsabilidade civil, op. cit., p.39 e 77. 90
MAZEAUD et al., Traité theórique et pratique de la responsabilité civile délictuelle et contractuelle, op.
cit., p. 23.
42
1.5.2 A culpa
A culpa, como pressuposto essencial da responsabilidade subjetiva, segundo Edmilson
de Almeida Barros Júnior, “é a conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo
Direito, com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível”.91
Tendo o Código Civil obrigado o agente causador de uma dano mediante ação ou
omissão voluntária, por negligência ou imprudência, a repará-lo, é necessária, para a
caracterização da responsabilidade subjetiva, a verificação do elemento subjetivo,
consubstanciada na culpa em sentido lato.92
Segundo Álvaro Villaça Azevedo, a culpa carrega consigo duas faces: a subjetiva,
representada pela imputabilidade do agente, ou seja, deve ter discernimento para a prática da
conduta; e a face objetiva é puramente a violação do bem jurídico tutelado.93
Culpa, em sentido lato, pode significar dolo ou culpa em sentido estrito. Dolo é a
vontade livre e consciente do agente em produzir o resultado danoso, ele quer o dano e atua
no intuito de criá-lo.94
João de Matos Antunes Varela ainda ressalta que para a caracterização do dolo, além
da vontade do agente em produzir o resultado lesivo, é necessário outro requisito, qual seja a
presença do elemento intelectual, representado pelo necessário conhecimento, pelo agente,
das “circunstâncias de facto que integram a violação do direito ou da norma tuteladora de
interesses alheios e a consciência da ilicitude do facto”.95
Por seu turno, culpa em sentido estrito ocorre se o agente, ao praticar determinada
conduta, não buscava causar dano, entretanto, a ação foi marcada por imprudência,
negligência ou imperícia.96
91
Direito médico: abordagem constitucional da responsabilidade médica, op. cit., p.72. 92
RODRIGUES, op. cit., p.16. 93
Conceito de ato ilícito e o abuso de direito. In: RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz; MAMEDE, Gladston;
ROCHA, Maria Vital da (Coord.). Responsabilidade civil contemporânea: em homenagem a Sílvio de Salvo
Venosa. São Paulo: Atlas, 2011, p.64. 94
RODRIGUES, op. cit., p.16. 95
Das obrigações em geral. 10. ed. Coimbra: Almedina, Vol. I , 2008, p.572. 96
RODRIGUES, op. cit., p.16.
43
Segundo Rui Stoco, “a imprudência é a falta de cautela, o ato impulsivo, o agir
açodado ou precipitado, através de uma conduta comissiva, ou seja, um fazer (facere), como
quando a pessoa dirige seu veículo em excesso de velocidade”. Já a “negligência é o descaso,
a falta de cuidado ou de atenção, a indolência, geralmente o non facere quos debeatur, quer
dizer, a omissão quando do agente se exigia uma ação ou conduta positiva.97
A imperícia é a demonstração de inabilidade por parte do profissional no exercício
de sua atividade de natureza técnica, a demonstração de incapacidade para o mister a
que se propõe, como o médico que, por falta de conhecimento técnico, erra no
diagnóstico ou retira um órgão do paciente desnecessariamente ou confunde veia
com artéria. Pode-se identificar a imperícia através de ação ou de omissão.98
Ainda, em relação à culpa (sentido estrito), uma vez inexistente, inexistente o ato
ilícito e, consequentemente, a responsabilidade. Não se olvide que o ato ilícito tem duplo
efeito: infração a dever previamente existente e que o resultado pode ser imputado à
consciência do agente, como já mencionado; dessa maneira, para que se configure, segundo
Maria Helena Diniz, deve haver violação à norma jurídica protetora de direito alheio ou
direito subjetivo individual.99
Como lembra João de Matos Antunes Varela, a noção de culpa está, outrossim, muito
ligada a ideia de reprovabilidade da conduta do agente, se este poderia ou deveria ter agido de
maneira diferente; se a resposta for afirmativa, reprovável será a conduta e caracterizada a
culpa estará para fins de responsabilização.100
Várias são as classificações que podem ser tecidas em relação à culpa: quanto à
gradação (culpa grave, leve ou levíssima), quanto ao modo de apreciação (in concreto ou in
abstrato), em relação ao conteúdo (in committendo, in faciendo, in eligendo, in vigilando ou
in custodiendo) – Rubens Limongi França ainda fala da in contrahendo, in obligando e in
negligendo –101
e, por último e mais importante para o tema em voga, em decorrência do
dever violado (culpa contratual ou culpa extracontratual).102
97
Op. cit., p.134. 98
Ibid., p.134. 99
Curso de direito civil brasileito: responsabilidade civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, Vol. 7, 2007, p.39-40. 100
Op. cit., p.566. 101
Op. cit., p.876. 102
DINIZ, op. cit., p.42-45.
44
Segundo Washington de Barros Monteiro, culpa extracontratual ou aquiliana é “a
resultante da violação de dever fundado num princípio geral de direito, como o desrespeito à
pessoa e aos bens alheios”, ao passo que culpa contratual “é a violação de determinado dever,
inerente a um contrato”.103
O doutrinador ainda lembra que o artigo 186, do Código Civil, é fonte da
responsabilidade civil tanto na sua modalidade contratual quanto extracontratual e, partindo-
se dela, chega-se aos artigos 389104
e 927, ambos do referido codex.105
A discussão referente à impossibilidade de divisão das culpas (contratual e
extracontratual) também se mostra presente nesse tópico, bem como ficou assentando quando
se diferenciou responsabilidade civil contratual e extracontratual. A análise da polêmica,
entretanto, tem pouca utilidade prática e, a rigor, parece existir apenas no terreno técnico,
devendo apenas ser trazido o principal efeito dela: se extracontratual, vítima deverá provar a
culpa do agente, se contratual, haverá, se entabular obrigação de resultado, culpa presumida
do agente.106
Por fim, vale lembrar que, em se tratando de responsabilidade objetiva, prescide-se da
verificação do elemento culpa, na medida em que a reparação do dano será necessária
independentemente de sua constatação. Tais hipóteses deverão estar previstas em lei ou
decorrer do risco da atidade desenvolvida, conforme artigo 927, parágrago único, do Código
Civil, pois se trata da exceção; a regra é a responsabilidade subjetiva.107
1.4.2.1. Erro médico e culpa médica
Segundo Genival Veloso de França, o erro médico, quase sempre cometido por culpa,
é uma conduta profissional inadequada, supondo-se, desde então, inobservância de regra
técnica capaz, assim, de gerar dano à vida ou saúde do paciente. É diferente do acidente
103
Curso de direito civil: 2ª parte. 35.ª ed. São Paulo: Saraiva, Vol. 5, 2007, p.504. 104
Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária
segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. 105
MONTEIRO, op. cit., p.504. 106
LOPES, Curso de direito civil: fontes acontratuais – responsabilidade civil, op. cit., p.180-187. 107
AMARAL, op. cit., p.588.
45
imprevisível e do resultado incontrolável. O primeiro se caracteriza pela existência de um
resultado lesivo seja ao físico ou ao psicológico do paciente durante o ato médico ou sua
decorrência e que supõe-se ser proveniente de caso fortuito ou força maior, por isso incapaz
de ser evitado, não só pelo médico responsável, mas por qualquer outro que estivesse em seu
lugar. Já o resultado incontrolável decorre de situação grave que não pode ser impedida pelas
atuais condições da ciência para as quais a capacidade profissional ainda não ofereça
solução.108
Justamente dessa ideia apresentada pelo resultado incontrolável é que advém a
natureza obrigacional da atividade médica como de meio, pois se empenha ao máximo em
utilizar a melhor técnica possível, mas não se compromete com o sucesso. Assim, não se pode
afirmar que todo resultado adverso oriundo de tratamentos médicos seja um caso de erro
médico; aliás nem todo erro médico é causado por uma conduta pessoal do profissional, mas
pode ter sido provocado por problemas de ordem estrutural, os quais têm sido também
apontados como atuais responsáveis em grande parcela pela insuficiência ou ineficácia de
respostas satisfatórias de tratamentos.109
Em relação à culpa, elemento da responsabilidade civil, consubstanciada no erro
médico também pode decorrer de negligência, imprudência ou imperícia, de acordo com o
que dispõe o artigo 186, do Código Civil, conforme já mencionado.
Mais especificamente quanto à culpa inserida na responsabilidade civil do médico, a
negligência decorre de uma omissão em relação a algum procedimento no tratamento, o que
pode comprometer a vida ou a saúde do paciente. A título de exemplo, a negligência pode ser
ligada ao abandono, situação em que o profissional deixa de acompanhar o paciente, ou lhe
trata com descaso e desinteresse. Ligada, outrossim, a tipos grosseiros de culpa pela falta de
atenção na intervenção cirúrgica, como quando o profissional esquece material dentro do
corpo do paciente ou extrai determinado órgão quando na verdade era para extrair outro. Fora
do ato cirúrgico, a negligência se dá quando há dispensa de exame clínico necessário para
uma melhor verificação do diagnóstico ou, ainda, quando o tratamento é prescrito de maneira
errada, causando danos à vida ou saúde do paciente.110
108
Op. cit., p.217. 109
Ibid., p.217-218. 110
NADER, op. cit., p.408-409.
46
Para Miguel Kfouri Neto, os casos de negligência são fartos na jurisprudência em
razão de a distração fazer parte da própria natureza humana, podendo ir desde o erro médico,
que desatentamente receita um remédio pelo outro, até o esquecimento de objetos cirúrgicos
no corpo do paciente.111
Teresa Ancona Lopez lembra que a negligência pode ser consequência de conduta
passiva do médico, omisso em precauções ou medidas necessárias que deveria tomar,
inclusive quando faz exames superficiais necessários para se chegar ao correto prognóstico do
paciente.112
Delton Croce e Delton Croce Júnior lembram que a negligência deve ser analisada sob
a figura do homem médio, ou seja, como medianamente o profissional capacitado para o
exercício do ato agiria, para então caracterizar a negligência.113
A imprudência, por outro lado, é associada à tomada de decisões sem a devida cautela,
de maneira precipitada. É o agir quando, na verdade, deveria ter que se abster.114
Miguel Kfouri Neto vê como imprudente a conduta do profissional que tem atitudes
não justificadas e às vezes até mesmo precipitadas, sem o uso devido da cautela. A título de
exemplo, se vale do cirurgião que aplica por ele mesmo a anestesia, sem esperar pelo
anestesista, e o paciente morre de parada cardíaca, ou, ainda, o caso do médico que realiza
cirurgia com duração normal de uma hora em apenas trinta minutos, causando danos sérios ao
paciente.115
Para o doutrinador, a imprudência deriva da imperícia, de modo que o médico, ainda
que consciente da sua insuficiente preparação ou capacidade profissional necessária, não se
abstém de agir.116
Teresa Ancona Lopez lembra que a imprudência, basicamente, se refere a uma
conduta comissiva, é o agir sem cuidados, é o receitar medicamentos injustificadamente ou
precipadamente.117
111
Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.86. 112
Responsabilidade civil dos médicos, op. cit., p.321. 113
Op. cit., p.23. 114
NADER, op. cit., p.409. 115
Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.87. 116
KFOURI NETO, Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.88.
47
Já se o profissional deixa de aplicar conhecimentos técnicos e científicos
recomendados para determinada situação, o que muito ocorre quando assume uma obrigação
de resultado, como nas cirurgias estéticas, fica caracterizada a imperícia.118
Para Delton Croce e Delton Croce Júnior, trata-se de flagrante ausência de
conhecimento que o profissional deveria ter para exercer a profissão ou arte.119
Para aferir a imperícia, segundo Miguel Kfouri Neto, basta verificar, dentre aqueles
que tenham diploma, a ausência de habilidade normalmente requerida para o exercício da
profissão, que pode provir da carência de conhecimentos necessários, da inexperiência ou da
inabilidade. Nesse sentido, a imperícia deve ser analisada objetivamente, não importando a
postura psíquica do agente quanto a sua própria capacidade. Assim, para sua caracterização,
bastará a confrontação entre a perícia média – normalmente esperada da situação – e o
comportamento tomado pelo agente.120
O autor observa, ainda, que não há necessidade, para fins de reparação civil, da
caracterização de uma culpa grave, mas apenas da aferição quanto à certeza de sua existência,
pois o grau de culpa apenas terá a possibilidade de influenciar na quantificação da
indenização.121
De qualquer forma, segundo o doutrinador, o fato é que os julgadores brasileiros –
situação que será melhor analisada quando da análise jurisprudencial – tendem a ser muito
rigorosos na verificação da busca pela existência ou não da culpa, o que, realmente não é
tarefa fácil; mas devem, de todo modo, olhar o conjunto probatório sempre de maneira muito
cautelosa, como quando existentes os laudos periciais, por exemplo, os quais, muitas vezes,
podem estar acompanhados de um certo “espírito de corpo”.122
Por fim, insta lembrar da existência do erro profissional ou escusável, que não ocorre
em razão da não observância de preceitos científicos, mas da própria medicina como ciência
imperfeita e incompleta, não atinente às ciências exatas e precária diante dos conhecimentos
humanos. O erro escusável, assim, fica caracterizado sempre que o profissional, embora
117
Responsabilidade civil dos médicos, op. cit., p.321. 118
NADER, op. cit., p.409. 119
Op. cit., p.25. 120
Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.94. 121
Ibid., p.75-76. 122
KFOURI NETO, Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.76-77.
48
aplique toda a técnica corretamente e de acordo com as ciências médicas, cause dano ao seu
paciente.123
1.5.2.2 A prova da culpa médica e perícias
Em se tratando de responsabilidade civil médica, a busca pela culpa do profissional
também se mostra de suma importância, situação que não é de fácil verificação judicial,
principalmente em razão da exigência de provas contundentes e da tecnicidade presente em
tais demandas. Como será visto no item referente à tutela jurídica diferenciada do contrato
médico, a responsabilização do médico sempre será analisada mediante a verificação da
culpa, afirmação que também será levada em consideração quando da análise jurisprudencial.
Para René Savatier, na busca pela culpa basicamente devem ser seguidos dois grandes
postulados: primeiramente, para os casos em que não exista dúvida de ordem técnica, a prova
testemunhal deve ser admitida, ao passo que, por outro lado, se existir questão de ordem
técnica a ser apurada, a prova testemunhal não deve ser admitida, pois não teria condições
para afirmar se o médico procedeu ou não da maneira dequada. Para os últimos casos, a
perícia deve ser realizada, mas o julgador deve sopesá-la com cautela, principalmente se a
conclusão estiver a favor do médico, pois não se pode descartar a possibilidade de uma
opinião tendenciosa pelo fato de pertencerem a uma mesma classe profissional.124
Em segundo lugar, deve existir, rigorosamente, relação de causa entre a conduta
praticada pelo médico e o efeito (dano), ainda que tal correlação não se dê de maneira
imediata.125
Apesar do entendimento compilado de Savatier, Sergio Cavalieri Filho ressalta, ainda,
que de fato o juiz não estaria adstrito à perícia, mas se deixar de considerá-la, dificilmente
encontrará nos autos outros elementos suficientes para a condenação do médico. Diante disso,
entente que não caberia ao Judiciário avaliar questões de ordem eminentemente científica ou,
123
CROCE; CROCE JÚNIOR, op. cit., p.32. 124
Traité de la responsabilité civile em droit français: conséquences de la responsabilité. Responsabilités
professionnelles et sportives. Paris: Librarie Generále de Droit et Jurisprudence. T. 2, 1939, nº 778, p.395. 125
SAVATIER, op. cit., p.395.
49
ainda, dizer qual seria o melhor procedimento na busca da cura do doente no caso concreto,
mas deve se limitar ao exame da existência ou não de falha humana, verificando se o
profissional se ateve aos padrões determinados pela ciência, sempre à luz do conjunto
probatório coligido aos autos.126
Outro elemento a ser analisado na perícia e que influirá diretamente na formação da
responsabilidade civil é a existência das concausas. Diferentemente da causa, considerada
como a provável condição motivadora do resultado, a concausa é uma condição pré-existente,
concomitante ou superveniente à ação e com ela concorre na formação do dano. Uma vez
existente, o dano será considerado resultado desse feixe de fatores, alterando-se, destarte, a
análise a ser feita do nexo de causalidade. Existem situações raras, por exemplo, em que
determinados traumas não apresentam relação com o mal, pois este estava em estágio tão
avançado que não poderia ser agravado.127
Na perícia, outrossim, devem estar constantes os aspectos circunstanciais do ato
médico. Faz-se necessário, dessa maneira, determinar se o dano verificado decorreu de
conduta inadequada do profissional, segundo os ditames da ciência médica, ou não,
lembrando-se que não raro o resultado danoso pode ter sido oriundo de precárias condições de
trabalho128
, situação que alterará o foco da discussão, pois ainda assim poderá haver a
responsabilidade do médico, mas não por sua má conduta, e sim por sua eventual
responsabilidade sobre as condições cirúrgicas a ser verificada na situação concreta.
Por fim, o estado anterior do paciente constitui outra importante investigação a ser
realizada pela perícia, devendo-se determinar, segundo Genival Veloso de França, três
hipóteses: a) a possibilidade de o trauma não ter agravado estado em que o paciente já se
encontrava, tampouco ter tido influências negativas sobre ele; b) se o estado anterior em que
se encontrava o paciente foi um fator agravante nas consequências do trauma e, ainda; c) se o
trauma foi fator de agravamento do estado anterior do paciente ou apenas exteriorizou uma
patologia latente.129
126
Op. cit., p.371. 127
FRANÇA, Genival Veloso de, op. cit., p.254. 128
Ibid., p.255. 129
Op. cit., p.255.
50
1.5.2.3 A inversão do ônus da prova do Código de Defesa do Consumidor
Diverge a doutrina sobre a possibilidade de aplicação do direito do consumidor em
relação à inversão do ônus da prova, tal qual lançado no artigo 6º, inciso VIII, do Código de
Defesa do Consumidor, para aproveitar autores cujas alegações estejam baseadas em danos
causados por profissional liberal. Quanto a isso, o referido codex nada se pronunciou,
limitando-se a estabelecer a responsabilidade subjetiva aos profissionais libeirais.
Existem posicionamentos doutrinários, como de Sergio Cavalieri Filho, no sentido de
aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor no tocante à inversão do ônus probatório
para fins de averiguação de responsabilidade civil do médico perante seu paciente. Sendo
assim, diante da existência de complexidade não somente de ordem técnica, mas também
econômica, na produção da prova da culpa do profissional, pode o juiz determinar a inversão
do ônus probatório em desfavor do profissional, pois caracterizada estaria a hipossuficiência
do paciente.130
Paulo Nader entende o mesmo:
A inversão do ônus probatório (...) pode ser adotada nas relações de consumo, a
critério do juiz, quando este verificar que a alegação for verossímil ou
hipossuficiente o consumidor. Tal hipossuficiência pode ser tanto econômica quanto
técnica.131
Miguel Kfouri Neto, por outro lado, entende que não se pode cair no erro de confundir
os institutos necessários à compreensão do tema, como responsabilidade objetiva,
responsabilidade subjetiva, inversão do ônus da prova e culpa presumida. A partir do
entendimento de cada um, chega-se a conclusão de que o sistema de responsabilidade
objetiva, trazido pelo Código de Defesa do Consumidor, não é compatível com o da
responsabilidade subjetiva, o qual é aplicável aos profissionais liberais; por isso se deve
entender que o Código de Defesa do Consumidor excluiu taxativamente, em razão do artigo
14, §4º, os profissionais liberais da sua área de abrangência. Dessa maneira, aplicando-se a
responsabilidade subjetiva aos profissionais liberais, o ônus da prova, a princípio, incumbe à
130
Op. cit., p.376. 131
Op. cit., p.408.
51
vítima, não havendo que se falar, então, em inversão do ônus da prova, como ocorre nas
relações consumeristas, não aplicáveis à espécie.132
Não há dúvida de que a referida hipossuficiência “consumidor-paciente” pode ser
tanto de ordem técnica quanto econômica mas, seja de uma forma ou de outra, o fato é que a
inversão do ônus probatório em muito lhe beneficiaria no caso concreto na busca pela culpa
do profissional, o que pode não se mostrar alinhado à própria exceção feita pelo Código de
Defesa do Consumidor no sentido de aplicar a responsabilidade subjetiva aos profissionais
liberais.
De todo modo, tal discussão apenas se mostra viável para os casos em que o médico
assume obrigações de meio, pois, em se tratando de obrigações de resultado, doutrina e
jurisprudência admitem a inversão do ônus da prova, esta que recai sobre o profissional liberal
por ter contra si presunção de culpa em razão de não ter atingido o resultado esperado,
cabendo, destarte, ao profissional, em tais casos, provas da culpa exclusiva da vítima, de
terceiro, caso fortuito ou força maior.133
Quanto às obrigações de meio e resultado, serão
tratadas em tópicos específicos nesse trabalho, quando da distinção entre ambas e quando da
análise jurisprudencial.
1.5.3 O dano
Indissociável, para fins de caracterização da responsabilidade civil, o dano, ou
prejuízo, seja ele material, moral ou estético. O dano, nas palavras de Rubens Limongi França
é a “diminuição ou subtração causada por outrem, de um bem jurídico” e, segundo o autor,
ainda, “pode ser patrimonial ou moral, conforme seja ou não, por natureza, redutível a uma
soma pecuniária”134
132
Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do
ônus probatório e consentimento informado – responsabilidade civil em pediatria responsabilidade civil em
gineco-obstetrícia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.156. 133
Ibid., p.151. 134
Op. cit., p.875.
52
Miguel Maria de Serpa Lopes lembra do caráter dúplice assumido pelo elemento dano,
uma vez que, para sua caracterização, deve atender aos seguintes requisitos: o elemento de
fato, isto é, o prejuízo em si, e o elemento jurídico, qual seja a violação de direito.135
Dessa maneira, a existência de um dano não é capaz, por si só, de caracterizar um ato
ilícito, pois, para que isso ocorra, é necessário algo além. Há, assim, que ficar demonstrado
um dano injusto, lesionador da norma jurídica posta. Se uma conduta é permitida pelo
ordenamento jurídico, ainda que cause dano a outrem, não haverá o dever de reparação. O
artigo 188, do Código Civil, é claro ao afastar da ilicitude os atos praticados, dentre outros,
em exercício regular de direito.136
Em suma, nem toda conduta violadora gera
responsabilidade civil, uma vez que, segundo o artigo 186, do Código Civil, deve existir o
dano.
Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, ainda mesmo que dolosa a conduta do
agente em produzir certo resultado prejudicial à vítima praticando, com esse fim, ato violador
legal ou contratual, se não houver efetivamente o dano, não haverá responsabilidade civil.137
1.5.3.1 Requisitos do dano reparável
Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, são três os requisitos que
atribuem a qualidade de reparabilidade de uma dano: a violação de um interesse jurídico
patrimonial ou extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica, a certeza do dano e a
subsistência do dano.138
Destarte, levando-se em consideração que a necessidade de reparação de um dano
ocorrido em virtude da conduta de um agente decorre de uma resposta do ordenamento
jurídico no intuito de promover o retorno da situação anterior – status quo ante – ou, pelo
menos, diante da impossibilidade da hipótese anterior, de uma indenização, com intuito de
135
Op. cit, p.222. 136
Ibid., p.222. 137
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1980,
p.181. 138
Novo curso de direito civil: responsabilidade civil, op. cit., p.38-40.
53
compensação pelos eventuais prejuízos (de natureza patrimonial ou não) sofridos pela vítima,
mister se faz atender aos três fatores supracitados para que exista a reparabilidade do evento
danoso.
A violação de um interesse jurídico patrimonial ou extrapatrimonial de pessoa física
ou jurídica representa a suma de tudo o que até aqui foi exposto: não existirá dano sem
conduta ofensora a bem jurídico tutelado pelo ordenamento, traduzida ou no desrespeito à
norma existente ou à obrigação entabulada pelas partes.139
Quanto à certeza do dano, só poderá haver reparação de um dano que efetivamente
existiu, ou seja, tem-se que o ordenamento pátrio prezou pela comprovação da existência do
dano e impediu reparação de um dano incerto ou eventual. Segundo Caio Mário da Silva
Pereira, a ideia de certeza está ligada à de contemporaneidade, afastando-se, pois, indenização
de danos hipotéticos ou eventuais, considerados como aqueles que não necessariamente
ocorrerão.140
Evidentemente, em se tratando de regra geral, há exceções, as quais, principalmente
ligadas ao dano moral, em virtude de sua difícil verificação em alguns casos concretos ou
talvez, ao contrário, pela sua patente verificação de acordo com a sitação, têm sido trazidas e
cada vez mais utilizadas pela jurisprudência brasileira, corroboradas por boa parte da doutrina
concernente ao tema.141
Como terceiro requisito está a subsistência do dano, ou seja, para fins de
ressarcimento, é necessária a ausência de reparação.142
Caio Mário da Silva Pereira concorda
com esse requisito desde que comprovadamente tenha exisitido a conduta reparadora integral
do dano.143
Por fim, Caio Mário da Silva Pereira lembra que não é requisito de reparabilidade o
aspecto quantitativo, pois caracterizado o dano, seja de proporções pequenas ou grandes, 139
GAGLIANO; PAMPLONA FILHO. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil, op. cit., p.38-39. 140
Responsabilidade civil, op. cit., p.46. 141
Um exemplo é a inserção indevida do nome em cadastros de inadimplentes, em que, basta a comprovação de
tê-lo efetivamente ocorrido – primeiro dos três requisitos da repareabilidade de danos apresentado –, que a
configuração dos danos morais é certa (in re ipsa, ou seja, decorre das próprias circunstâncias) e,
consequentemente, também o é a necessidade de reparação.
Não se olvide que, ainda assim, há a possibilidade de não se caracterizar os danos, morais, como a pré-existência
de negativação devida, entretanto, de acordo com a ideia que se quer colocar aqui, trata-se da atenuação desse
segundo requisito para algums hipóteses. 142
GAGLIANO; PAMPLONA FILHO. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil, op. cit., p.40. 143
Responsabilidade civil, op. cit., p.46.
54
haverá o dever de reparar. Se assim não fosse, estaria o julgador adstrito a aspectos muito
subjetivos, pois um dano poderia ser elevado para uns e de pequena monta para outros,
aspecto, então, ineficiente para fins de preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil,
de modo que a orientação da justiça em termos de ressarcimento deve ser pautar pela lesão ao
interesse da vítima.144
1.5.3.2 Espécies de dano
Atualmente, os danos se dividem em três espécies, a saber: a) dano material ou
patrimonial, b) dano moral e c) dano estético. Tal diferenciação se mostra importante porque
cada um atua de forma interdependente em relação aos outros, ou seja, um determinado ato
ilícito pode dar origem aos três tipos de reparação. Para alguns autores, como ficará mais
claro adiante, o dano estético está inserido no dano moral, entretanto, de uma maneira ou de
outra, em que pese a indubitável íntima relação entre ambas, o certo é que há possibilidade de
serem cumulados distintamente. É o que preconiza a recente jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça por meio da edição da súmula n.º 387, in verbis: “É lícita a cumulação das
indenizações de dano estético e dano moral.”
1.5.3.2.1 Dano material ou patrimonial
Nas palavras de Paulo Nader, o dano patrimonial se caracteriza:
(...) quando provoca a diminuição do acervo de bens materiais da vítima ou, então,
impede o seu aumento. Materializa-se por danos emergentes, com a diminuição do
patrimônio, ou por lucros cessantes, quando a vítima se vê impedida da atividade
que lhe traria proveito econômico.145
144
Responsabilidade civil, op. cit., p.44. 145
Op. cit., p.84.
55
Dessa maneira, é possível perceber que se refere a uma lesão a bens que podem ser
valorados economicamente, notando-se, ainda, que se divide em duas modalidades, como já
apresentado: dano emergente e lucros cessantes.
A primeira modalidade – dano emergente – se refere ao dano imediato ao patrimônio
da vítima, ou seja, a sua diminuição de valor ocorrida diretamente em razão do evento danoso.
Assim, existe lógica entre o que a vítima desembolsou ou vai desembolsar para repor seus
bens à situação anterior ao evento danoso e o montante indenizatório, cuja apreciação será
matematicamente precisa.146
Mas não é a única, pois um mesmo ato ilícito pode causar também dano patrimonial na
modalidade lucros cessantes, aqueles em que o agente razoavelmente ganharia não fosse a
eclosão do dano.147
Aliás, quanto à expressão razoavelmente trazida pelo artigo mencionado, importante
destacar, segundo a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, sua função
interpretativa no sentido de se considerar com bom senso aquilo que o credor lucraria não
fosse o dano, como se tudo ocorresse no seu “curso normal”.148
No mesmo sentido está o artigo 403149
, do referido Código, que delineia a
interpretação do aplicador do direito em, segundo Paulo Nader, “evitar uma elasticidade na
apuração dos lucros cessantes, considerando-se contingências improváveis.”150
Dessa forma, vê-se que a apuração dos lucros cessantes deve se ater a uma visão
ligada à realidade, aferindo-se, para tanto, o que realmente deixou-se de lucrar em razão única
e direta ao evento danoso e, ainda, de uma maneira razoável.
De qualquer modo, ambos tratam das perdas e danos, tais quais lançadas no artigo
402151
, do Código Civil e, ainda que referente ao plano negocial, sua aplicabilidade se dá a
todo ato ilícito cometido.152
146
BARROS JÚNIOR, Direito médico: abordagem constitucional da responsabilidade médica, op. cit., p.59. 147
CAVALIERI FILHO, op. cit., p.72-73. 148
REsp 320417/RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 20.05.2012. 149
Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os
lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual. 150
Op. cit., p.85.
56
Por fim, outra modalidade de danos patrimoniais é denominada “pela perda de uma
chance”, teoria ligada aos lucros cessantes por também carregar consigo a ideia de perda para
a vítima de se encontrar em situação futura melhor em razão do evento danoso, entretanto
trata-se da perda da oportunidade e não da própria vantagem. Também a possibilidade não
pode ser hipotética, mas deve ser certa. Assim é a frustração de uma possibilidade certa a que
teria direito o agente, logo, deve ser indenizado de acordo com o cálculo proporcional à
possibilidade.153
Segundo Teresa Ancona Lopez, a teoria da perte d’une chance surgiu em 1965, na
França, após reiteradas decisões jurisprudenciais com o intuito de conferir maior proteção às
vítimas de procedimentos médicos, facilitando, assim, a formação da culpa do profissional.
Num primeiro momento, especificamente ligada à área médica, pode ser traduzida na admição
da culpa do médico que diminiu as chances de vida do paciente, não importando a verificação
indubitável da culpa no proceder no caso concreto, mas a mera possibilidade já era suficiente,
pois a culpa nada mais era do que a redução das chances do paciente.154
Hoje, entretanto, sua aplicação não se restringe apenas às especialidades médicas, mas
a toda e qualquer situação que atinja a vítima da maneira descrita. O cuidado que se deve ter é
apenas que a perte d’une chance não representa dano futuro, mas atual, na medida em que o
resultado não mais será alcançado pela perda oportunidade presente no momento do dano, e
esta é indenizável155
1.5.3.2.2 Dano moral
Dano moral é aquele que atinge a esfera patrimonial do indivíduo composta por bens
imateriais, que não admitem aferição pecuniária, diferentemente dos danos patrimoniais, que
atingem bens materiais, portanto, passíveis de avaliação. Outrossim, não se restringem apenas
151
Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do
que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. 152
CAVALIERI FILHO, op. cit., p.72-73. 153
Ibid., p.74-75. 154
Responsabilidade civil dos médicos, op. cit.,p.317 155
VASSILIEFF, Sílvia. Responsabilidade civil do advogado. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.69.
57
à dor e tristeza, mas sua tutela se estende a todos os bens personalíssimos, como nome, honra,
intimidade, privacidade e liberdade.156
Yussef Said Cahali lembra que, em se tratando de resposta jurídica à ofensa ao direito
de personalidade da vítima, tal qual aceito pelos tribunais como dano moral indenizável, não é
possível estabelecer rol taxativo dos eventos passíveis de originá-los, até mesmo pela própria
dificuldade de classificação dessa espécie de dano.157
Noutro giro, os danos morais não podem representar simplesmente a ideia de
pagamento da dor ou do sofrimento com dinheiro. Em termos pecuniários, o dano moral
atende a funções diversas das preconizadas pelos danos patrimoniais, cuja caracterização se
dá pela equivalência entre dano e ressarcimento. O dano moral carrega consigo a
compensação pessoal diante do dano para fins de minorar os maus sofridos, não
representando, assim, propriamente sanção, mas compensação legal.158
Quanto à sua quantificação, cabe à doutrina e à jurisprudência estabelecer parâmetros
para sua apuração, pois, diferentemente do dano patrimonial, inviável sua apuração por meio
de aspectos objetivos ou quantificáveis. O certo é que, diante da sua difícil mensuração, o
dano moral se utiliza de critérios subjetivos tais como razoabilidade, proporcionalidade, nível
da gravidade da ofensa, condições econômicas159
e até mesmo sociais e psicológicas das
partes.
Frise-se quanto a isso que os danos morais, na sua fixação, são os únicos que carregam
consigo uma carga repreensiva com o intuito de elevar sua quantificação como uma forma de
retaliação ao agente praticador da conduta, objetivando, assim, não somente a simples
reparação, mas um verdadeiro desestímulo de novas condutas geradoras de dano moral.
Em contraposição, tais verbas nunca poderão significar um enriquecimento sem causa
da vítima. Resta, assim, ao julgador, a tarefa de sopesar tal vedação legal, amenizadora do
quantum indenizatório, e a repreensividade da prática do dano moral, majorador do quantum.
Nesse sentido, é muito importante analisar as condições sociais e econômicas das vítimas,
156
CAVALIERI FILHO, op. cit., p.80-81. 157
Dano moral, 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.59. 158
BARROS JÚNIOR, Direito médico: abordagem constitucional da responsabilidade médica, op. cit., p.63-64. 159
NADER, op. cit., p.91.
58
pois o que pode significar enriquecimento sem causa em um determinado caso, em outro não
necessariamente significará.160
De uma forma ou de outra, o dano moral, derivado de conduta ilícita, é repudiado pelo
ordenamento jurídico e, como tal, não pode significar uma “loteria” para a vítima, mas um
compensação aos prejuízos sofridos. Mesmo assim, diante da sua natureza desestimulante,
trata-se de uma importante ferramenta que, se usada da maneira correta e com ponderação,
pode ajudar muito no combate às constantes práticas de ato ilícito geradores de dano moral,
principalmente representadas por grandes fornecedores de produtos e serviços.
1.5.3.2.3 Dano estético
Dano estético, segundo Paulo Nader, ocorre quando “o agente provoca lesões
corporais indeléveis, seja deixando cicatrizes, aleijões ou quaisquer marcas incomuns, que
prejudiquem a aparência da pesoa e abalam a sua autoestima”.161
Normalmente, o “estético” diz respeito ao campo da ciência que estuda o belo nas
artes e na natureza. A definição do que é belo sempre foi motivo para inúmeras discussões
filosóficas mas, por se tratar de acordo com a essência de cada corrente filosófica, pode ser
associada à harmonia e equilíbrio das formas. Por isso, quando se diz “dano estético”, está-se
fazendo referência a um dano das formas físicas, o qual, apesar da sua difícil conceituação,
ficará caracterizado após uma mudança significativa corpórea da vítima, analisando-se o antes
e o depois da lesão.162
Há autores, como Paulo Nader, que entendem não se confundir com o dano moral,
pois o dano estético não se caracteriza por uma vergonha da vítima frente a sua exposição a
terceiros, que poderia se traduzir numa angústia de ordem moral, mas simplesmente em razão
da sequela física perputada pelo dano. Ora, ainda que oculto e não aparente a terceiros, o dano
estético é indenizável, pois se traduz numa deformidade física para a vítima que decorreu de
ato. Mesmo assim, ressalva que apesar de existir a possibilidade de um mesmo ato ilícito
160
CAVALIERI FILHO, op. cit., p.93. 161
Op. cit., p.92-93. 162
LOPEZ, O dano estético: responsabilidade civil, op. cit., p.37.
59
gerar dano moral e dano estético, para que subsistam concomitantemente, o dano moral não
pode valer-se de fundamento da lesão estética, pois, caso contrário, existirá apenas o dano
estético.163
Trata-se da vedação jurisprudencial e doutrinária à dupla indenização por uma só
causa. Por isso, a Súmula 387, do Superior Tribunal de Justiça, já mencionada quando se
tratou das espécies de dano, deve ser lida com a devida cautela.
Para parte da doutrina, como Sergio Cavalieri Filho, ainda que a jurisprudência pátria,
representada pela própria edição da súmula alhures exposta, aparentemente esteja caminhando
no sentido de traçar uma linha divisória entre os danos morais e os estéticos, não há diferença
entre ambos, sendo estes incluídos naqueles, lembrando que, nada obstante o tal
posicionamento, deve o dano moral ser majorado pelo sofrimento moral a que deu causa a
deformidade física, já que a intensidade aflitiva perdura no tempo.164
Teresa Ancona Lopez, por seu turno, expõe de maneira contundente que “dano
estético é dano moral.”165
Seja de uma maneira ou de outra, pode-se concluir que, apesar de o Código Civil nada
dispor a respeito dos danos estéticos, sua possibilidade de caracterização, segundo Sergio
Cavalieri Filho, talvez derive do artigo 949 e, estando incluído ou não nos danos morais, deve
ser ressarcido; se não estiver inserido, dano moral e estético serão liquidados separadamente,
se estiverem, o dano moral deverá ser majorado.166
1.5.3.3 Os danos material, moral e estético nas cirurgias médicas
Conforme apresentadas de maneira geral acima as espécies de danos que podem
originar a responabilidade civil, é importante verificar como esses danos podem decorrer da
163
Op. cit., p.93. 164
Op. cit., p.102. 165
O dano estético: responsabilidade civil, op. cit., p.19. 166
Op. cit., p.101-102.
60
atuação médica, principalmente no tocante às cirurgias, que podem representar a
superveniência de inúmeras intercorrências ao paciente.
Nesse sentido a realização da perícia médica também assume importância evidente,
pois ela poderá demonstrar de maneira satisfatória outras responsabilidades do médico ou de
sua equipe, buscando, para tanto, caracterizar do dano, estabelecer o nexo de causalidade,
considerar a possibilidade de existirem concausas, analisar as circunstâncias do ato médico,
fazer uma avaliação do estado em que se encontrava a vítima antes do procedimento e, por
fim, estabelecer o padrão médico-legal.167
Em relação ao dano, faz-se importante ressaltar que não necessariamente significa
apenas alterações anatômicas ou de estrutura funcional no paciente, mas pode se caracterizar
igualmente como desordens da normalidade individual, estas que estão intrinsecamente
ligadas aos padrões médico-legais, que procuram estimar o dano sofrido como bem
patrimonial, intentando-se, destarte, à reparação da vítima por meio de um montante traduzido
em pecúnia como indenização diante de perdas físicas, funcionais ou psíquicas sofridas pelo
paciente. Genival Veloso de França elenca alguns tipos de dano que podem decorrer de
cirurgias e gerar o dever de indenizar passíveis, inclusive, de aferição pela perícia:168
Se do dano sobreveio incapacidade temporária, que é um tempo limitado de inaptidão,
indo desde a produção do dano até a recuperação ou estabilização clínica; se do dano
sobreveio quantum doloris, ou seja, existência de dor física advindas de lesões e suas
consequências, bem ainda o sofrimento moral pela angústia, ansiedade e abatimento diante da
possibilidade de morte, da expectativa de resultados e dos danos psicológicos, tudo a ser
verificado de maneira subjetiva; se do dano sobreveio incapacidade permanente, considerado
como um prejuízo de ordem anatomofuncional ou psicossensorial totais (a vítima deve ser
assitida de forma permanente por alguém) ou parciais (apesar da definitividade, não torna a
vítima incapaz totalmente para suas ocupações); se do dano sobreveio prejuízo estético,
olhando-o sob um ângulo dos aspectos pessoais da vítima, tais como idade, sexo, estado civil,
profissão, etc., de modo a ser avaliado em grau mínimo, moderado ou grave e classificado em
prejuízo estético, deformidade ou aleijão ou, ainda, numa escala que varia de 1 a 7; se do dano
sobreveio prejuízo de afirmação pessoal, ou seja, teve suas realizações pessoais frustradas,
sendo tanto mais grave quanto mais jovem é a pessoa e quanto mais intensas forem as
167
FRANÇA, Genival Veloso de, op. cit., p.253. 168
Ibid., p.255-256.
61
realizações de atividades de lazer, de dotes artísticos e de capacidade intelectual, quantificável
numa escala de 1 a 5; se do dano sobreveio prejuízo do futuro, desde que certo, não
meramente no campo das possibilidades; se do dano sobreveio a perda de uma chance, não
mais o dano tido como certo, mas no campo da eventualidade e da suposição.169
Teresa Ancona Lopez lembra que, diante da existência de erro profissional, se
sobrevier morte do paciente, a indenização deverá incluir todas as despesas de tratamento,
funeral, luto da família e alimentos a quem o de cujus devia; em caso de ferimento, sem
diminuição da capacidade laborativa, o paciente deve ser ser ressarcido nas despesas de
tratamento e lucros cessantes até a possibilidade de voltar às funções normais; ocorrido aleijão
ou deformidade, além das já citadas em caso de ferimento, prejuízos de ordem moral são
verificáveis, não somente o prejuízo estético, aumentando-se, pois, o quantum referente aos
danos morais; por fim, se a integridade física tiver sido violada a tal ponto que resulte
inabilitação para o trabalho ou diminuição da capacidade laborativa, a diferença entre o que o
paciente conseguirá auferir e o que já auferia, ou seja, a depreciação laborativa deve ser
incluída no montante indenizatório.170
Assim, é possível perceber que o erro médico em uma cirurgias podem ocasionar
prejuízos que necessitam ser apurados para a correta verificação da responsabilidade médica
no caso concreto.
1.5.4 Nexo de causalidade
Deve necessariamente existir uma ligação, uma relação de causa e consequência, entre
a conduta humana praticada e o dano. Essa ligação é o nexo de causalidade.171
Nem sempre é fácil identificar se o dano foi efetivamente consequência da causa
conduta humana, por isso três teorias tentam explicar como se dá essa verificação.
169
FRANÇA, Genival Veloso de, op. cit., p.257. 170
Responsabilidade civil dos médicos, op. cit., p.331. 171
BARROS JÚNIOR, Direito médico: abordagem constitucional da responsabilidade médica, op. cit., p.70-71.
62
A teoria da equivalência de condições ou da conditio sine qua non (elaborada pelo
jurista alemão Von Buri para o Direito Penal172
) leva em consideração todas as causas que
tenham concorrido para a produção do resultado e a elas atribui igualdade de condições, ou
seja, qualquer uma delas teria de maneira independente levado ao dano.173
Críticas a ela são severas no sentido de que “tende ao infinito”. Tomando o exemplo
de Paulo Nader, no caso de um acidente aéreo, “Santos Dumont teria uma parcela de
responsabilidade, pois, se não houvesse inventado o mais pesado que os ares, os danos
ocasionados por aeronaves não se materializariam ao longo do tempo.”174
Noutro giro, a teoria da causalidade adequada, segundo Agostinho Alvim, é atribuída a
Von Bar (por Espínola e Ripert) e a Von Kries (por Cardoso Gouveia) e, diferentemente da
anterior, não considera todos os antecedentes como causa do dano, mas apenas aquele capaz
de gerar o resultado lesivo.175
Caio Mário da Silva Pereira ressalta que em se tratando de demanda indenizatória,
sempre o juiz considera para o desfecho danoso os fatos mais relevantes, aptos a produzi-lo,
utilizando, para tanto, o critério de eliminação, ou seja, desconsiderando os eventos que ainda
presentes não concorreram de qualquer modo para a superveniência do dano.176
Se de um lado a primeira teoria vai além do evento diretamente relacionado ao evento
e investiga todas as suas causas, esta apresenta o problema da elevada discricionariedade
atinente ao julgador em verificar no caso concreto se determinada causa efetivamente
concorreu ou não para o evento danoso.177
Sergio Cavalieri Filho comentou a problemática:
Como estabelecer, entre várias condições, qual foi a mais adequada? Não há uma
regra teórica, nenhuma fórmula hipotética para resolver o problema, de sorte que a
solução terá que ser encontrada em cada caso, atentando-se para a realidade fática,
com bom-senso e ponderação.178
Por fim, a teoria da causalidade imediata estabelece como causa do dano, segundo
Orlando Gomes, aquela que mais próxima dele estiver, ou seja, o último ato ligado ao evento
172
PEREIRA, Responsabilidade civil, op. cit., p.86. 173
ALVIM, op. cit., p.345. 174
Op. cit., p.116. 175
Op. cit., p.345. 176
Responsabilidade civil, op. cit., p.87. 177
GAGLIANO; PAMPLONA FILHO. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil, op. cit., p.90. 178
Op. cit., p.48.
63
danoso; assim, com a requerida imediatidade (origem do nome), afasta-se quaisquer outros
eventos indiretos e remotos e o nexo de causalidade passa a estabelecer, então, a causa
necessária entre dano e fato.179
É tradicional o exemplo de um atropelamento que apenas causou lesões leves na
vítima, mas, esta, quando está a caminho do hospital numa ambulância acionada, morre em
virtude do capotamento do veículo de socorro. Perante a terceira teoria apresentada, o
proprietário ou condutor do veículo causador do acidente não responde civilmente, já que
quebrado o nexo de causalidade entre o evento acidentário e o evento morte; noutro giro,
responde civilmente o motorista da ambulância se não demonstrar excludentes.180
No Direito Civil brasileiro há divergência doutrinária sobre a aderência à teoria da
causalidade adequada ou à teoria da causalidade imediata. A título de exemplo, Sergio
Cavalieri Filho é adepto da primeira, ao passo que Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona
Filho, além de Carlos Roberto Gonçalves e Agostinho Alvim são adeptos da segunda.
Quanto a estes, suas teses são baseadas principalmente na própria redação do artigo
403, do Código Civil, que assim dipõe: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor,
as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto
e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.”
Segundo seus defensores, a expressão “por efeito dela direto e imediato” se refere ao
último evento diretamente realacionado ao dano, por isso a adoção da teoria do dano direto e
imediato pelo Código Civil. Agostinho Alvim deixa isso claro ao se refrir ao artigo 1060, com
redação praticamente idêntica à do Código Civil em vigor.181
Assim, em que pese a doutrina divergir sobre qual a teoria adotada pelo Código Civil
e, por conseguinte, a jurisprudência, o caso concreto é que deverá dizer a melhor teoria a ser
escolhida especificamente para a solução do impasse, pois nem uma nem outra, ao que parece,
seria capaz de normatizar da maneira mais adequada o universo de situações concretas que
podem ocorrer.182
179
Obrigações. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.275. 180
GAGLIANO; PAMPLONA FILHO. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil, op. cit., p.90-91. 181
Op. cit., p.371. 182
GAGLIANO; PAMPLONA FILHO. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil, op. cit., p.94.
64
Caio Mário da Silva Pereira entende o mesmo, lembrando que o que realmente
importa é estabelecer a violação do direito, o dano e que existe um nexo de causalidade,
cabendo ao juiz decidir aveguar com ponderação os elemtnos no caso concreto, afinal se trata
de questão fática.183
1.5.4.1 Excludentes do nexo de causalidade
São cinco os motivos que ensejam rompimento do nexo de causalidade: a culpa
exclusiva da vítima, a culpa concorrente da vítima, a culpa comum, a culpa de terceiro e a
força maior e caso fortuito.184
1.5.4.1.1 Culpa exclusiva da vítima
Ocorre a culpa exclusiva da vítima quando os prejuízos por ela suportados não podem
ser atribuídos ao autor material do fato, mas à própria vítima. Assim, considerando a
totalidade da culpa da vítima na causa do evento danoso, ela arcará por si só com os prejuízos
experimentados,185
pois aquele que era tido como o agente causador do dano foi na verdade
um mero instrumento para culminar no evento, motivo que dá ensejo ao rompimento do nexo
de causalidade.186
Silvio Rodrigues também deixa clara a função de instrumento encarnada no agente
causador do dano:
183
Responsabilidade civil, op. cit., p.90. 184
DINIZ, op. cit., p.110-116. 185
LOPES, Curso de direito civil: fontes acontratuais – responsabilidade civil, op. cit., p.206. 186
DINIZ, op. cit., p.110.
65
Com efeito, no caso de culpa exclusiva da vítima, o agente que causa diretamente o
dano é apenas um instrumento do acidente, não se podendo, realmente, falar em
liame de causalidade entre seu ato e o prejuízo por aquela experimentado.187
1.5.4.1.2 Culpa concorrente da vítima
Em oposição à primeira hipótese apresentada, se o autor material do fato contribuiu
com determinada parcela para o resultado do evento danoso, em conjunto com a vítima,
caracterizada estará a culpa concorrente, situação em que cada um deles responderá pelo
prejuízo na medida da sua participação.188
Segundo Maria Helena Diniz, existem inúmeras formas de aplicação do instituto,
como a compensação total de culpas, a divisão proporcional dos prejuízos ou a auferição da
gravidade da conduta de cada um, de modo a não representar enriquecimento sem causa para
a vítima que também contribuiu para o dano. Veja-se que, nesse caso, não desaparece o nexo
de causalidade, pelo contrário, ele existe, mas servirá como atenuação da responsabilidade do
agente.189
Para Silvio Rodrigues, se não houver provas contundentes sobre a maior ou menor
participação de uma das partes na eclosão do evento, aa tese de repartição igual de
responsabilidade entre agente e vítima é muito sustentável.190
1.5.4.1.3 Culpa comum
Culpa comum pode ser caracterizada quando dois ou mais agentes cometem o dano de
maneira conjunta,191
situação em que deve ser aplicada a compensação de reparações, ou seja,
187
Curso de direito civil: fontes acontratuais – responsabilidade civil, op. cit., p.206. 188
RODRIGUES, op. cit., p.165. 189
Op. cit., p.110-111. 190
Op. cit., p.168. 191
LOPES, Curso de direito civil: fontes acontratuais – responsabilidade civil, op. cit., p.208.
66
há neutralização da responsabilidade de ambas, logo não existirá indenização se estiverem em
igual posição. Caso contrário, caracterizada a situação de desigualdade, a condenação por
perdas e danos será proporcional, tomando-se por base a contribuição culposa no evento
danoso.192
1.5.4.1.4 Culpa de terceiro ou fato de terceiro
Trata-se da situação em que, num primeiro momento, considera-se o agente material
como o causador do dano, e este, na verdade, aponta um terceiro como responsável pela
eclosão do evento prejudicial, logo, são três as figuras envolvidas: a vítima relacionada por
aquele que considera o agente lesionador e o terceiro a quem se imputa a responsabilidade.193
Maria Helena Diniz reputa como necessárias quatro verificações para imputar ao
terceiro a responsabilidade: a presença do nexo de causalidade entre o fato do terceiro e o
dano, a imprescindibilidade de que o ato do terceiro não tenha se dado por provocação do
ofensor, ser o ato do terceiro caracterizado como ilícito e, por fim, a imprevisibilidade ou
inevitabilidade do acontecimento, ainda que desnecessária a absoluta irrestibilidade e
imprrevisibilidade.194
Evidentemente, se o terceiro é alguém por quem o agente, por força da lei, deve
responder, não poderá se eximir de responsabilidade. Trata-se da hipótese de responsabilidade
por fato de terceiro.195
1.5.4.1.5 Caso fortuito e força maior
192
DINIZ, op. cit., p.111. 193
LOPES, Curso de direito civil: fontes acontratuais – responsabilidade civil, op. cit., p.211. 194
Op. cit, p.112. 195
RODRIGUES, op. cit., p.169.
67
Agostinho Alvim acredita numa distinção pela doutrina, considerando, então, o caso
fortuito como impedimento ligado ao devedor, ao passo que a força maior seria relativa a
acontecimentos externos. Isso permitiria, assim, dar tratamento jurídico diverso para ambas,
pois, se a responsabilidade se basear na culpa, caso fortuito e força maior serão aptas a
exonerar o devedor, por outro lado, se fundada no risco, caso fortuito não será suficiente para
escusar o devedor, mas apenas se existir força maior ou o também chamado caso fortuito
externo, que inclui, dentre outros, culpa da vítima, fenômenos naturais e forças invencíveis,
como guerra.196
Para Maria Helena Diniz, a força maior é ligada a evento da natureza, conhecendo-se,
então, sua causa; já no caso fortuito, o que dá causa ao dano pode advir de suas situações
diferentes, ou de causa desconhecida, como o rompimento de cabos inesperadamente ou de
fato de terceiro, como greve, motins, etc.197
A doutrinadora ainda lembra da necessidade de existência do elemento subjetivo para
a caracterização do caso fortuito e da força maior, qual seja a ausência de culpa, e que,
quando somados, elemento objetivo – inevitabilidade – e elemento subjetivo – ausência de
culpa –, há a exclusão da responsabilidade do sujeito, salvo se convencionado que ainda assim
deveria existir o pagamento ou no casos em que a própria lei afasta essa excludente, como a
responsabilidade objetiva.198
Por seu turno, Orlando Gomes expõe, antes mesmo da diferenciação entre caso
fortuito e força maior, a discussão sobre a conceituação de caso fortuito: para a corrente
objetiva ou positiva, o termo é ligado à ideia de imprevisibilidade (evento que não pode ser
previsto) ou irresistibilidade (evento que não se pode resistir) ou da junção de ambas,
dependendo do autor (três posicionamentos); já para a corrente subjetiva ou negativa, é ligado
à da ausência de culpa. A evolução, então, da discussão, deu origem à diferenciação entre o
caso fortuito e a força maior: aquele estaria marcado pela imprevisibilidade, ao passo que esta
pela irresistibilidade.199
De todo modo, Orlando Gomes lembra que as tantas discriminações criadas ao longo
do tempo pela doutrina resultaram em tamanha confusão que, atualmente, é preferível
196
Op. cit., p.330-331. 197
Op. cit., p.113. 198
Ibid., p.112-113. 199
Obrigações, op. cit., p.148-149.
68
contornar a discussão ou até mesmo ignorá-la, já que as consequências atribuídas pela
legislação são as mesmas em ambos os casos.200
Para Caio Mário da Silva Pereira, no mesmo sentido de Orlando Gomes, não existe na
lei e na doutrina moderna ou clássica diferenciação nítida entre as duas figuras. De qualquer
modo, segundo o artigo 393, parágrafo único, do Código Civil201
, ambas são o fato necessário
a cujos efeitos eram inevitáveis ou impossíveis de se impedir, impossibilitando, destarte, o
cumprimento da obrigação, sem que tenha existido culpa do devedor.202
200
Obrigações, op. cit., p.149. 201
O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou
impedir. 202
Instituições de direito civil: teoria geral das obrigações. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, Vol. 2, 2008, p.384-
385.
69
2. A ATIVIDADE PROFISSIONAL MÉDICA E A
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE
2.1 Objeto do contrato e suas partes
O médico é o principal elemento no combate das moléstias que acompanham o
ser humano desde sua existência. Nesse sentido, a ciência médica atua na constante busca pela
preservação da vida, bem-estar e da saúde do homem, verdadeiros objetivos de todo e
qualquer contrato médico.
Em 1946, para a Organização Mundial da Saúde, a saúde foi reconhecida como
um direito fundamental, sendo conceituada como “um estado de completo bem-estar físico,
mental e social e não somente ausência de doenças ou outros agravos”, afirmação que leva ao
entendimento de que saúde não pode ser considerada apenas no âmbito individual, mas
coletivo, enfatizando ainda mais sua importância.203
A Constituição Federal trouxe, no artigo 196, que “ a saúde é direito de todos e
dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação”.
Dessa maneira, idissociável do contrato médico a busca do profissional pela
preservação da vida, bem-estar e saúde do paciente, informação que também fornece as partes
do contrato: paciente, na busca de completo bem-estar físico ou psíquico, ou da eliminação de
enfermidades que tenha conhecimento portá-la previamente ou não; e o médico, capaz de
analisar com cuidado o estado de quem avalia e indicar os melhores caminhos a serem
traçados.
203
ROCHA, Júlio César de Sá da. Direito da saúde: direito sanitário na perspectiva dos interesses difusos e
coletivos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.16.
70
O Código de Ética Médica (Resolução nº 1.931, de 17 de setembro de 2009, do
Conselho Federal de Medicina204
) dispõe, quando trata dos princípios fundamentais: “o alvo
de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o
máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional”.
Para as relações médico-pacientes, regem-se, a princípio, as normas constantes
do Código Civil e, conjuntamente, os dispositivos constantes do Código de Defesa do
Consumidor. Como contrato de locação de serviço, dispõe o Código Civil nos artigos 594 a
609. Entretanto, não se olvide da hipótese, segundo alguns doutrinadores, de aplicação do
Código de Defesa do Consumidor às relações entre médicos e pacientes, na medida em que, a
uma, o paciente poderia ser considerado como consumidor, nos moldes do artigo 2º e, a duas,
o médico como fornecedor, segundo o artigo 3º, e a três o artigo 14, §4º, que fez uma ressalva
quanto à aplicabilidade da responsabilização subjetiva para os profissionais liberais, todos os
artigos do referido Código.205
Entretanto, isso será melhor visto no tópico referente à tutela
jurídica diferenciada do contrato médico.
2.2 Natureza jurídica da responsabilidade civil médica
Muitas discussões já foram travadas na perquirição da natureza jurídica contratual ou
extracontratual da responsabilidade civil decorrente da atuação médica.
Hodiernamente, segundo Sergio Cavalieri Filho, a responsabilidade de médicos e
hospitais dividem-se em dois ângulos a serem analisados distintamente: o primeiro quanto à
responsabilidade direta e pessoal do médico na atuação profissional liberal, já a segunda
quanto a responsabilidade médica pela prestação de um serviço médico revestido de forma
empresarial, tais como clínicas, hospitais, casas de saúde.206
204
Disponível: <http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=category&id=9&Itemid=122>.
Acessado em: 22 jul. 2013. 205
FARAH, Elias. Contrato profissional médico-paciente: reflexões sobre obrigações básicas. In: NERY
JUNIOR, Nelson; ANDRADE, Rosa Maria de (Org.). Doutrinas essenciais: responsabilidade civil. São Paulo:
Revista Dos Tribunais, 2010, Vol. V, p.367 e 371. 206
Op. cit., p.370.
71
Mesmo assim, em relação ao tema em voga, as discussões referentes à natureza
jurídica da responsabilidade civil se fazem de suma importância. Quanto à natureza contratual
ou extracontratual, não há como negar que se há o exercício da atividade profissional
realizada pelo médico, dificilmente existirá outra relação que não contratual.207
Nas palavras de Miguel Kfouri Neto:
A jurisprudência tem sufragado o o entendimento de que, quando o médico atende a
um cliente, estabelece-se entre ambos um verdadeiro contrato. A responsabilidade
médica é de natureza contratual.208
Ora, a atuação do profissional liberal só se dará se houver a realização de um negócio
jurídico entre ele e o paciente para o desempenho da atividade esperada.
Maria Helena Diniz também se posicionou no sentido de a responsabilidade do médico
ser contratual, ainda que o Código Civil tenha trazido a matéria no capítulo destinado aos atos
ilícitos, pois o exercício médico só poderia resultar de natureza delitual a partir de ilícito penal
ou da violação de normas atinentes à prófissão.209
Para Teresa Ancona Lopez, a discussão quanto à natureza contratual ou
exatrcontratual do médico já está superada, pois, nitidamente, é contratual, mesmo que tal
responsabilidade seja tratada pelo Código Civil [de 1916] no capítulo dos atos ilícitos.210
Miguel Maria de Serpa Lopes, ao se referir ao artigo 1545, do Código Civil de 1916,
entende também que mesmo inserido no capítulo referente aos atos ilícitos não significa se
tratar apenas de responsabilidade extracontrual, de modo que o Código Civil (de 1916) apenas
quis resguardar o ressarcimento de prejuízos se ocorrer ato ilícito.211
É importante frisar que, atualmente, o artigo correspondente ao citado 1545 do Código
Civil de 1916 (provavelmente artigo em comento também da Maria Helena Diniz, e não 948,
do Código Civil) não mais se encontra no capítulo dos atos ilícitos, mas sim no capítulo
referente às indenizações (artigo 951, do Código Civil). De qualquer modo, isso apenas
reforça a tese de que a responsabilidade civil médica tem natureza contratual, pois, se o artigo
207
GONÇALVES, op. cit., p.238. 208
Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.65. 209
Op. cit., p.299. 210
Responsabilidade civil dos médicos, op. cit., p.318-319. 211
Op. cit., p.229-230.
72
no Código Civil de 1916 estava inserido no capítulo dos atos ilícitos e ainda assim os
doutrinadores entendiam pela não exclusiva responsabilidade extracontratual, ainda com
maior razão hoje, retirado do capítulo dos atos ilícitos.
Para a atuação médica revestida de forma empresarial, a situação não é diferente,
mesmo diante da possibilidade de existir a figura de um intermediador entre os polos da
relação, pois em nada alterará a situação de relação como contratual, apesar de essa relação
estar pautada num contrato firmado entre paciente e instituição, e não entre paciente e médico.
Mas, de fato, diretamente, entre médico e paciente, não há contrato.
Pontes de Miranda lembra, outrossim, que:
Se o serviço médico provém de direito público, ou de prestação caridosa ou
beneficente ao público, sem qualquer remuneração pela pessoa que recebe o serviço
ou a obra, ou qualquer contribuição à entidade, tem-se de afastar a contratualidade
da responsabilidade.212
Pode surgir, ainda, a responsabilidade médica que não tenha origem em um contrato
em situações específicas, como um caso em que o médico atenda uma pessoa desmaiada ou
que não esteja bem em qualquer ambiente do quotidiano. Mesmo assim, havendo o dano, seja
por intermédio de contrato ou não, existirá o dever de indenizar.213
Nesse sentido, Maria Helena Diniz lembra que apenas em situações específicas o
médico responderá de maneira extracontratual, utilizando-se dos seguintes exemplos: se o
médico fornece atestado falso, consente com o exercício da medicina por pessoa não
habilitada ou se vale de técnica de tratamento cientificamente repudiada, dentre outros.214
2.2.1 Tutela jurídica diferenciada do contrato médico
Tendo sido observada a natureza contratual da relação entre médico e paciente, tal
conclusão deve ser vista com cautela quando analisada em conjunto com disposições legais
212
Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, T. 53, 2008, p.533. 213
KFOURI NETO, Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.64. 214
Op. cit., p.299.
73
especiais quando do tratamento específico conferido à responsabilidade médica. É importante
dizer que, como será visto abaixo, a partir desse regramento específico é possível entender o
porquê de a responsabilidade médica ser, ainda que contratual, subjetiva e com necessidade de
prova da culpa. A responsabilidade do profissional não decorrerá, assim, da simples
demonstração da ausência de resultados no diagnóstico ou tratamento, perfazidos de maneira
clínica ou cirúrgica, mas dependerá da prova a ser feita pelo paciente de culpa do profissional
médico, seja por negligência, imprudência ou imperícia.215
Miguel Kfouri Neto se posicionou:
A responsabilidade médica é de natureza contratual. Contudo, o fato de considerar
como contratual a responsabilidade médica não tem, ao contrário do que poderia
parecer, o resultado de presumir a culpa. O médico não se compromete a curar, mas
a proceder de acordo com as regras e os métodos da profissão.216
Dessa maneira, ainda que diante de um contrato, que normalmente bastaria ao credor
demonstrar o inadimplemento para presumir culpa do devedor, não é o que deve ser
considerado nos contratos médicos, já que, nessas hipóteses, o médico não se obriga a
alcançar a cura, mas apenas a empregar diligentemente os conhecimentos técnicos,
necessitando, pois, para responsabilização do profissional, a prova de que agiu com culpa, o
que deverá ser produzida pelo autor. Trata-se, pois, via de regra, da assunção de obrigação de
meio, e não de resultado, esta que poderá existir, excepcionalmente, como será apresentado
em tópico específico.
Entretanto, tal entendimento quanto à necessidade de prova da culpa do médico,
mesmo em se tratando de relação contratual, decorre da própria postura adotada pelo Código
de Defesa do Consumidor, no artigo 14, §4º, o qual se posicionou quanto à atuação de
determinados profissionais liberais que, a despeito de prestarem atividade de risco, caso do
próprio exercício da medicina, não estariam sujeitos à responsabilização objetiva trazida pelo
caput do artigo, entendimento que se mostra consonante com a disciplina do Código Civil, em
seu artigo 951.
Assim dispõe o artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor:
215
CAVALIERI FILHO, op. cit., p.370. 216
Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.65.
74
O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação
dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
fruição e riscos.
E seu parágrafo 4º:
A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a
verificação de culpa.
O artigo 951 do Código Civil assim tratou da matéria:
O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida
por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência
ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou
inabilitá-lo para o trabalho.
Assim, embora seja o médico um prestador de serviços, segundo alguns
posicionamentos, não deixará de responder, a princípio, mediante a verificação da culpa.
Importante destacar que essa escolha do legislador se mostra condizente com o próprio
exercício da profissão médica, que exige, muitas vezes, tomadas rápidas de decisão sem ao
menos a possibilidade de consulta ao paciente ou aos familiares, principalmente diante de
urgências que o caso concreto pode apresentar e, outrossim, trabalha com as incertezas da
própria ciência médica. Ora, aplicar a responsabilidade objetiva seria um verdadeiro
desestímulo à atuação do profissional, seja perante portadores de doenças graves ou não.
Por isso, necessários à apuração do dano os critérios subjetivos, que não podem, em
hipótese alguma, afastar o julgador da análise de todas as circunstâncias que envolvem o
atendimento, como a necessidade de tomadas de decisão rápidas pelo médico em caso de
urgência, das condições em que se encontrava o paciente, quais eram os recursos materiais
disponíveis no momento do atendimento, a própria presteza do profissional e, por fim, e
talvez a mais importante, os métodos utilizados pelo médico, se de acordo ou não com o que
recomenda a ciência.217
217
NADER, op. cit., p.406.
75
Maria Helena Diniz, utilizando-se dos artigos acima mencionados – 948, do Código
Civil, e 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor – também acredita que a
responsabilidade dos médicos deve ser apurada subjetivamente, salvo exceções.218
Por outro lado, existem autores que se posicionam pela não aplicação do Código de
Defesa do Consumidor às relações travadas entre médicos e seus pacientes na defesa de que
não se trata de uma relação de consumo. Entretanto, a maior parte da doutrina entende pela
aplicabilidade do diploma, até mesmo em razão da precisão do que dispõe em seu já citado
§4º do artigo 14. Se traz uma exceção explícita apenas quanto à responsabilização dos
profissionais liberais é porque os considera inseridos no seu âmbito de aplicação.
De qualquer forma, vale dizer que, independentemente de aplicação ou não do Código
de Defesa do Consumidor, o Código Civil também trouxe a necessidade de verificação da
culpa do profissional para que exista o dever de indenizar.
2.3 Natureza do contrato da relação médico-paciente
Há divergência doutrinária quanto à natureza do contrato que permeia a relação entre
médico e paciente. Basicamente, são duas as principais correntes: para alguns, como José de
Aguiar Dias219
e Gualter Adolpho Lutz220
, trata-se de verdadeiro contrato sui generis, na
medida em que o médico não se mostra apenas como um consultor técnico ou como destinado
apenas a executar o ato previamente estipulado, mas também representa a figura de um
conselheiro e guardião do paciente e de toda sua família; para outros, trata-se de contrato de
prestação de serviços.221
José de Aguiar Dias lembra que entender a relação como simples locação de serviço é
desconsiderar, de maneira desatenta, “a feição especial da assistência médica”, pois o contrato
218
Op. cit., p.299. 219
Op. cit., p.330. 220
Erros e acidentes em odontologia. Rio de Janeiro, 1938, p.44. 221
CAVALIERI FILHO, op. cit., p.370.
76
exige “consciência profissional”, que não poderia ser alcançada pela definição da locação dos
serviços.222
Paulo Nader, por outro lado, explicita dois motivos para adoção do contrato como
prestação de serviços: o primeiro é o de que o contexto dos laços de amizade e orientação que
antes uniam médicos e seus pacientes não se mostra mais amparada pela realidade atual que
permeia a profissão, uma vez que os atendimentos médicos se mostram cada vez mais
massificados pelos atendimentos ligados aos convênios de planos de saúde, que pouco
valorizam a atuação do profissional, inclusive remunerando-o de maneira insuficiente. O
segundo é o de que muitas vezes as orientações possam estar baseadas em interesses e
conveniências, tais quais ocorrem numa relação entre fornecedor e consumidor.223
Assim, ainda que exista posicionamento em sentido contrário, o mais acertado
aparentemente é que se trata de uma contrato de prestação de serviço, a uma porque relações
de amizade, conselho, proteção e guarda tão antes presentes em ralações entre médico e
pacientes de mais a mais se mostram raras na atualidade e, a duas, pela aplicação à espécie,
como discutido alhures, o Código de Defesa do Consumidor, motivo pelo qual, supostamente,
perdeu a discussão razão de ser.224
2.4 Deveres do profissional na relação médico-paciente e condutas
inapropriadas
Analisados o objeto do contrato médico-paciente e sua natureza jurídica, e vista a
natureza jurídica da responsabilidade civil médica, cabe agora estudar os deveres de ambas as
partes desse contrato: médico e paciente.
Não há dúvida de que numa relação entre médico e paciente vários são os cuidados
que devem ser tomados por ambas as partes para a melhora sensível da possibilidade de se
alcançar o resultado esperado e pretendido.
222
Op. cit., p.330. 223
Op. cit., p.407. 224
CAVALIERI FILHO, op. cit., p.371.
77
Em relação ao médico, conforme já exposto, ficou evidenciado uma dos maiores
empenhos que deve ter em relação ao paciente, qual seja o agir com cuidado e diligência no
desenvolver de suas atividades, seguindo-se, assim, os ditames consagrados pela ciência
médica.
Mas não é só. José de Aguiar Dias expõe outras obrigações que estariam implícitas do
contrato médico: conselhos, cuidados, obtenção do consentimento, abstenção de uso ou
desvio de poder e dever de sigilo.225
2.4.1 Dever de conselho
O dever de conselho se refere à necessidade de o médico instruir a pessoa sob seus
cuidados sobre as precauções indispensáveis que devem ser tidas diante do estado em que se
encontra. Há infringência a esse dever quando o médico não recomenda uma internação
necessária, por exemplo, ou quando não alerta seu paciente sobre algum procedimento que
deve ou não pode ser realizado em seu domicílio.226
Ainda incorre nessa infração o médico que não adverte seu paciente dos riscos de
intervenções e tratamentos, traduzindo-se, assim, num verdadeiro dever de informação, que
não pode ser negligenciado, tomando maior importância de acordo com o perigo da
intervenção.227
Em que pese existir uma grande discussão a respeito dos limites ao dever de
informação, principalmente ligados a aspectos do estado emocional e da psique do paciente,
bem ainda da dificuldade técnica, muitas vezes, em compreender os detalhes procedimentais,
o mais correto, quanto a isso, aparentemente está nos ensinamentos de René Savatier: não
deve haver tratamento perante o paciente que não esteja dotado da razão e da liberdade, e a
dificuldade de explanação técnica não pode se mostrar como um entrave para o mínimo
aconselhamento dos eventuais riscos do tratamento. Por fim, ainda que a moral impeça o
profissional de informar ao paciente sobre as conduções de seu tratamento, situação que de
225
Op. cit., p.337. 226
Ibid., p.337. 227
Ibid., p.337.
78
acordo com o que a ciência médica recomenda deve ser vista como muita cautela, os
membros da família com autoridade sobre o doente devem ter informações completas.228
Inclusive o artigo 34, do Código de Ética Médica dispõe que é vedado ao médico:
Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos
do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa provocar-lhe dano,
devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.
Por outro lado, aparentemente claro está que o discutido acima não se aplica aos casos
de cirurgia estética, situação que exige a maior exaustividade possível de informações
prestadas pelo médico, não só em relação aos riscos da cirurgia, mas também em relação aos
medicamentos e procedimentos necessários.229
2.4.2 Dever de cuidado
Quanto ao dever de cuidado, trata-se da impossibilidade da prática de abandono do
paciente pelo médico, infração que pode ocorrer, por exemplo, se o profissional não atende ao
chamado do enfermo. Por outro lado, para se caracterizar a infração, deve existir no acordo
entre as partes entendimento no sentido ou haver necessidade de atendimento no caso
concreto, de acordo com a moléstia sofrida pelo paciente.230
Outro caso de violação ao dever contratual implícito de cuidado ocorre quando o
médico negligencia o doente que, em virtude de seu estado, morbidez, impossibilidade de se
autodeterminar ou inconsciência pela anestesia, por exemplo, pode causar danos a si mesmo,
os quais, se verificados no caso concreto, geram o dever de reparar do profissional. Lembre-
se, outrossim, que diante da infringência ao dever imposto, o médico pode responder não só
pelos danos que o paciente vier a sofrer, mas também pelos que vier a causar a terceiros.231
228
Op. cit., nº 782, p.398. 229
AGUIAR JR., Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico. In: NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE,
Rosa Maria de (Org.). Doutrinas essenciais: responsabilidade civil. São Paulo: Revista Dos Tribunais, Vol. V,
2010, p.512. 230
DIAS, op. cit., p.338. 231
Ibid., p.339.
79
2.4.3 Obtenção de consentimento
A terceira obrigação implícita do contrato médico, segundo José de Aguiar Dias, se
refere à necessidade da obtenção do consentimento do paciente pelo médico para qualquer
intervenção ou tratamento de risco, lembrando que, via de regra, toda operação envolve risco.
Assim, o dever abarca não apenas uma resposta positiva do paciente, mas uma vontande livre
e consciente de se submeter ao procedimento depois de receber todas as explanações sobre
seus riscos e possíveis consequências.232
A regra, evidentemente, é excepcionada para os
casos de urgência e, diante dela, pelos prejuízos que podem ser causados ao paciente, o
médico está autorizado a agir sem seu consentimento.
José de Aguiar Dias expõe esta e outras hipóteses em que seria incompatível com a
realidade exigir o consentimento do paciente:
(...) a) quando se trata de alienado ou de menor: o consentimento não pode,
evidentemente, ser obtido deles, mas sim das pessoas sob cuja guarda estejam; b)
quando a operação ou tratamento se imponha como decisão de emergência, em face
do estado de necessidade ou de situação de perigo; se é possível obter o
consentimento dos parentes da pessoa em iminente perigo de vida, é claro que o
médico não agirá sem o haver obtido; c) quando em face do propósito suicida do
paciente: o médico não poderia, decerto, ater-se à consideração da vontade de quem
manifesta claramente não a possuir, intentando um gesto que se considera como
revelador de perturbação mental.233
Saliente-se, desde já, que a aquiescência não pode ser dada minutos ou até mesmo
horas antes da intervenção, na medida que a vontade do paciente deve ser construída ao longo
de um período de internalização e sopesação de todo o conjunto de informações, podendo
buscar outras fontes e motivos para a sua tomada de decisão. Um parco espaço de tempo ou,
ainda, a pressão do procedimento, não seria capaz de lhe oferecer tal gama de liberalidade ou,
pior, viciar-lhe-ia o consentimento.
232
Op. cit., p.340. 233
Ibid., p.341-342.
80
José de Aguiar Dias, ainda, lembra quais são os procedimentos que necessitam do
consentimento prévio: operações cirúrgicas, anestesias, inoculação de vírus ou sérum,
tratamentos à base de eletricidade ou radiologia e, por fim, em tudo o mais que possa oferecer
perigo real.234
Para os demais casos, em que o médico dispense a obtenção do consentimento por
achá-lo desnecessário diante da ausência de contra-indicações, não há falta de advertência da
sua parte, dada a dispensabilidade do tratamento que não apresenta inconvenientes. Se,
entretanto, sobrevierem resultados inesperados e indesejados, a responsabilidade do
profissional se dará pela análise da culpa, vista sob o ângulo de fatos que poderiam ocasionar
o resultado danoso, em virtude de uma consequência normalmente não observada, e não pela
simples ausência de consentimento.235
Quanto a isso, Pontes de Miranda lembra: “o consentimento não afasta a
responsabilidade do médico por seus erros, ou descuidos, inclusive quanto ao diagnóstico”236
Como assevera José de Aguiar Júnior, se a intervenção, que era imprescindível,
causou dano, pouco importa a falta de informações ao paciente e, consequentemente, do
consentimento, a não ser para o pleito de danos morais, que ainda assim poderiam se
configurar; se o procedimento, diferentemente, era dispensável, o total esclarecimento do
paciente é de suma importância, já que de acordo com elas decide correr ou não o risco.237
Por outro lado, existem determinados casos em que, mesmo tendo sido o paciente
informado dos riscos da operação e ainda assim tenha decidido correr o risco, não pode o
médico, de maneira alguma, eximir-se de responsabilidade sob argumentação de ter cumprido
o dever de informação: são aqueles em que existe excessiva desproporção entre as vantagens
e desvantagens ou riscos de se submeter ao procedimento, como no caso da cirurgia estética.
Nesse casos, deve o médico se recusar a realizar a cirurgia.238
Miguel Kfouri Neto, no mesmo sentido, entende que se o médico decide prosseguir
com a cirurgia mesmo sabendo que os riscos que o paciente corre são desproporcionais em
relação aos benefícios vindouros pelo procedimento, nem a comprovação de causa adversa
234
Op. cit., p.341. 235
Ibid., p.340. 236
Op. cit., p.534 237
Op. cit., p.512. 238
DIAS, op. cit., p.342.
81
estaria apta a elidir sua responsabilidade. Assim, ainda que tenha informado o paciente sobre
tais riscos e mesmo tendo obtido seu consentimento expresso, será o médico responsável
pelos danos.239
Para José de Aguiar Dias, o médico deve recusar-se, ainda que reconhecida a
necessidade da cirurgia, a realizar o procedimento se este é desproporcional em relação aos
perigos e benefícios que trará ao paciente. Completa, ainda, ser impossível não atribuir ao
profissional responsabilidade pelo eventual dano ocorrido em cirurgia estética contrária ao
preceituado acima, de modo que sempre estaria ele obrigado a produzir prova de que a
operação, uma vez realizada normalmente, não ofereceria riscos desproporcionais aos fins
pretendidos.240
Henri Mazeaud, Léon Mazeaud e Jean Mazeaud partilham da mesma ideia ao
lembrarem que, em se tratando de ato cirúrgico perigoso com fins meramente estéticos, ainda
que exista não apenas informação ao paciente, mas também seu consentimento expresso,
aceitando os riscos e suplicando ao médico a intervenção, não há a possibilidade de se afastar
a ilicitude do ato cometido pelo cirurgião.241
De qualquer modo, tamanha a importância da obtenção do consentimento, obrigação a
ser observada pelo médico, que, hoje, fala-se em consentimento esclarecido. Genival Veloso
de França assim define o termo:
(...) o obtido de um indivíduo capaz civilmente e apto para entender e considerar
razoavelmente uma proposta ou uma conduta médica, isenta de coação, influência
ou indução.242
Complementa, ainda, lembrando que deve ser desconsiderado o consentimento obtido
pelo singelo ato de assinatura do formulário escrito com textos minúsculos e lido de maneira
apressada momentos antes do procedimento médico, pois existe a real necessidade de uma
linguagem acessível ao nível de conhecimento e compreensão do paciente, imperativo do
princípio da informação adequada.243
239
Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.172. 240
Op. cit., p.379. 241
Traité theórique et pratique de la responsabilité civile délictuelle et contractuelle. 6. ed. Paris:
Montchrestien, T. II, 1970, p.603. 242
Op. cit., p.210. 243
Ibid., p.210.
82
Assim, o consentimento esclarecido vai além do simples informar ao paciente, ou
tomar o médico sua anuência por meio de formulário técniccos e muitas vezes difícieis de
serem entendidos; é o ter certeza de que o paciente tem a exata noção do que lhe pode
acontecer, com segurança e confiança, utilizando, o médico, para tanto, de liguagens menos
técnicas e conferindo tempo suficiente para o discernimento.
Para Edmilson de Almeida Barros Júnior, a ausência da obtenção do consentimento é
afronta à autonomia da vontade do paciente e aos seus direitos de personalidade, sendo que o
verdadeiro consentimento se baseia em escolhas tomadas a partir de informações claras e
precisas, para uma avaliação consciente de todas as opções e riscos. Considerando que o
paciente tem pouco ou nenhum conhecimento da técnica médica, é dever de seu médico guiá-
lo na tomada de uma decisão esclarecida.244
2.4.4 Abstenção de abuso ou desvio de poder
Por seu turno, o dever de abstenção de abuso ou de desvio de poder se refere à
vedação de o médico praticar experiências médicas sobre o corpo humano, a não ser no
ímpeto de frear mal que acomete o paciente de riscos à sua vida ou integridade. Ainda que aja
desinteressadamente, a responsabilidade do médico por violação a esse dever persiste.245
René
Savatier lembra que a vedação persiste até mesmo com o consentimento do paciente, pois
ainda assim a intervenção experimental não se justificaria diante da ausência de benefícios à
saúde do paciente246
, mas, pelo contrário, poderia colocá-lo em risco.
Nesse mesmo sentido, está o médico proibido de extrapolar os limites contratuais
estabelecidos; logo responderia por eventuais danos decorrentes da recusa em chamar médico
especialista a pedido do doente ou de sua família ou, ainda, se o médico assistente se recusar a
cumprir determinação do médico especialista, salvo expressa autorização contratual em poder
fazê-lo.247
244
Direito médico: abordagem constitucional da responsabilidade médica, op. cit., p.36. 245
DIAS, op. cit., p.343. 246
Op. cit., nº 787, p.404. 247
DIAS, op. cit., p.344.
83
Não só o contrato, mas também não pode violar a lei, podendo ser
administrativamente ou penalmente responsabilizado e, ainda, obrigado a reparar os danos
decorrentes. Tal violação pode ocorrer, por exemplo, se se valer de auxiliares não habilitados,
praticar aborto em casos não permitidos pela legislação e receitar substâncias tóxicas que
satisfaçam o vício do paciente. Segundo José de Aguiar Dias, estaria caracterizada presunção
de culpa do médico pelas lesões causadas ao seu paciente em se tratanto de exercício ilegal da
medicina.248
2.4.5 Dever de sigilo
Já o dever de sigilo se mostra como outra importante obrigação constante do contrato
médico. Por ela, restringe-se a atuação do profissional no sentido de não divulgar informações
relativas aos seus pacientes a outrem, admitindo-se, quando muito, informações genéricas em
situações especiais, como quando envolver pessoas públicas, por exemplo.249
O Código de Ética Médica tem, em seu capítulo I, como princípio fundamental, o
sigilo: “XI – o médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha
conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei.”
Mas vai além e dedica um capítulo inteiro ao tema, tamanha sua importância. Trata-se
do capítulo IX, que contempla os artigos 73 a 79.
Em suma, o sigilo médico é o verdadeiro guardião da confiança que permeia a relação
entre o médico e paciente, na medida em que, não há como se negar, aquele se torna um
confidente deste, obrigando-se, então, a manter sigilo das informações obtidas pela sua
atuação profissional. Desnecessário mencionar, assim, que, se houver desrespeito a essa
confiança, caracterizado estará o dano moral e talvez até mesmo danos patrimoniais de difícil
cálculo.250
248
Op. cit., p.344. 249
Ibid., p.346. 250
BARROS JÚNIOR, Edmilson de Almeida. Código de ética médica comentado e interpretado (resolução
CFM 1.931/2009). São Paulo: Atlas, 2011, p.66-67.
84
Pontes de Miranda comenta que, na verdade, o dever do médico é de discrição, ainda
mais amplo que o dever de sigilo, na medida em que o profissional não pode divulgar até
mesmo os fatos que teve conhecimento pelo paciente não necessariamente ligados ao
exercício da profissão.251
Para Genival Veloso de França, a quebra do sigilo profissional é grave ofensa à
liberdade do indivíduo, agressão a sua privacidade ou mesmo atentado ao exercício da sua
vontade, podendo ainda ser considerado como cospiração à ordem pública e aos interesses
coletivos.252
Ora, intimidade e privacidade do paciente, como regra, não podem ser violadas. Trata-
se de verdadeiro pilar constitucional trazido pelo artigo 5º, inciso X:
São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito à indenização pelos danos material ou moral decorrente de sua
violação.
Evidentemente, assim como os demais princípios constitucionais, o sigilo não é
absoluto, podendo ser mitigado se sopesado em ralação a outros deveres do profissional. São
três, taxativamente, as situações em que o sigilo pode ser quebrado: dever legal, justa causa e
autorização expressa, prévia e por escrito do paciente ou representante legal. O dever legal é a
necessidade de revelação do segredo em virtude de determinação expressa legal; são os casos
de de doenças com notificação compulsória, mormente ligados a saúde pública ou deveres
sociais, como suspeitas de maus-tratos a crianças e idosos. Já a justa causa caracteriza-se se a
revelação do segredo for o único meio apto a afastar perigo injusto e atual ou iminente que
recaia sobre o profissional ou terceiros.253
Genival Veloso de França lembra que hodiernamente o sigilo médico não se reveste
mais da sacralidade e inviolabilidade da confissão, mas constitui instrumento social em favor
do bem comum e da ordem pública. Logo sua revelação em situações justificáveis não podem
251
Op. cit., p.536. 252
Op. cit., p.131. 253
BARROS JÚNIOR, Código de ética médica 2010 comentado e interpretado (resolução CFM
1.931/2009), op. cit., p.67-68.
85
configurar infrações éticas ou legais, principalmente em situações que envolvam a proteção de
um interesse contário superior.254
Não se deve esquecer, entretanto, que, com exceção das hipótes mencionadas, a
quebra do sigilo será vista como falta de ética profissional, podendo gerar responsabilizações
administrativas, cíveis e até mesmo penais do profissional médico e de todos os outros
funcionários administrativos ou que manuseiem as informações de alguma forma em razão do
ofício ou profissão.255
É o que se pode inferir do entabulado no artigo 154, do Código Penal,
tipificando como conduta criminosa a violação de segredo profissional:
Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função,
ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem.
Além desses verdadeiros deveres do profissional enumerados por José de Aguiar Dias,
Genival Veloso de França frisa a importância de outro: é o dever de atualização.256
Segundo o doutrinador, a simples habilitação legal não é requisito único para o regular
exercício da profissão. Manter-se atualizado e num aprimoramento continuado, como adquirir
constantemente o conhecimento de técnicas de exame e meios de tratamento mais recentes é
condição essencial ao bom exercício médico. Lembre-se que avaliações em juízo do
profissional podem ser feitas, buscando-se se agiu com a falta de conhecimentos ou
habilidades.257
2.4.6 Condutas inapropriadas
Genival Veloso de França ainda enumera de maneira sistemática quais são algumas
condutas inapropriadas que pode o médico cometer e que representam fatores de risco
contribuidores de maneira significativa para um possível e futuro mau resultado da
intervenção: relação médico-paciente desgastada; a falta de condições adequadas de trabalho;
254
Op. cit., p.131. 255
BARROS JÚNIOR, Código de ética médica 2010 comentado e interpretado (resolução CFM
1.931/2009), op. cit., p.69. 256
Op. cit., p.212. 257
Ibid., p.212.
86
o abuso de poder, ou seja, precipitação, inoportunismo ou insensatez da conduta; a falsa
garantia de resultado; a falta de consentimento esclarecido; o preenchimento inadequado de
prontuários; a precária documentação dos procedimentos realizados, dentre outros. Tais
fatores mostram desde já sua íntima relação com os deveres dos médicos que, quando
cumpridos, podem significar sobremaneira a redução de maus resultados em intervenções
médicas.258
Em relação aos prontuários, por oportuno lembrar Edmilson de Almeida Barros Júnior
no sentido de que tudo o que envolva o paciente deve estar documentado de forma exaustiva
no prontuário, pois se trata de elemento primordial da demonstração da verdade, fator buscado
pelas cognições judicias. Destarte, não se pode considerar o prontuário como mera burocracia,
devendo ser formulado sempre com vistas a possíveis implicações de ordem técnica, ética ou
até mesmo legal, situações em que o documento carregará consigo valor probatório
fundamental.259
2.5 Deveres e direitos do paciente
A análise da responsabilidade civil do médico, muitas vezes, pode levar o estudioso a
incorrer no erro não incomun de acreditar que apenas o médico, como agente ativo em relação
ao tratamento, tem deveres.
Tal equívoco é facilmente percebido quando se nota que o paciente é sujeito
diretamente envolvido no seu próprio tratamento.
Dessa maneira, antes de mais nada, o paciente tem o dever de remunerar o médico, de
acordo com o estipulado no contrato de prestação de serviço, seja ele realizado por escrito ou
verbalmente. Importante lembrar que tal remuneração pode se dar de maneira direta, com
258
Op. cit., p.243-244. 259
Direito médico: abordagem constitucional da responsabilidade médica, op. cit., p.111.
87
recursos próprios do paciente oferecidos ao médico, ou indireta, para os casos em que o
paciente se vale de sua condição de usuário do Sistema Único de Saúde, por exemplo.260
Outrossim, a segunda obrigação do paciente em relação médico, mais importante que a
primeira para o presente estudo, já que reflete diretamente sobre o tema de responsabilidade
civil do profissional, é o dever de seguir todas as recomendações terapêuticas e conselhos dos
profissionais, tais como prescritos, pois isso refletirá diretamente no resultado do
tratamento.261
Não se pode esquecer que a constatação de o paciente ter seguido ou não as
recomendações do médico é premissa básica para apuração de responsabilidade deste. Se o
paciente não se mostrou comprometido em seguir o que lhe foi prescrito, torna-se
praticamente impossível aferir se, em caso de não se obter o resultado esperado pela
intervenção médica, a culpa foi efetivamente do médico ou do paciente. Inclusive, o
descumprimento de qualquer um dos deveres impostos ao paciente significa resilição do
contrato, podendo o médico abster-se de continuar o tratamento.262
Vale lembrar que o não cumprimento pelo paciente das recomendações médicas pode
significar rompimento do nexo de causalidade entre conduta e dano, seja por culpa exclusiva
da vítima ou por culpa concorrente, esta difícil de ser caracterizada na prática médica. De
qualquer modo, Maria Leonor de Souza Kühn lembra que, em se tratando de causa
concorrente, pode haver a diminuição da responsabilidade do agente.263
Nesse mesmo sentido, não pode também o paciente omitir aspectos da sua vida e de
seus parentes, devendo prestar informações que entender necessárias e as solicitadas pelo
médico com toda a fidelidade, pois somente assim poderá o médico receitar o tratamento
adequado à circunstância.264
Noutro giro, como é cediço, ao paciente são assegurados alguns direitos essenciais à
sua condição, tais quais já tratados alhures quando das obrigações implícitas ao contrato
médico.
260
MÉMETEAU, Gérard; MÉLENNEC, Louis. Traité de droit médical. Paris, Maloine, 1982, T. 2, p.14-15,
apud KFOURI NETO, Responsabilidade civil do médico, op. cit., p. 28. 261
Ibid., p. 28. 262
Ibid., p. 28. 263
Responsabilidade civil: a natureza jurídica da relação médico paciente. Barueri: Manole, 2002, p.30. 264
ALCÂNTARA, Hermes Rodrigues de. Responsabilidade médica. Rio de Janeiro: José Konfino, 1971, p. 79.
88
O primeiro direito, base da relação entre o médico e o paciente, é o relacionado à
confiança que este deve ter sobre aquele, pois, segundo Hermes Rodrigues de Alcântara, ante
a ausência de confiança, dificilmente haverá êxito no procedimento. Assim, o paciente tem
não só o direito de confiar no médico escolhido, mas também de dele desconfiar se julgar que
é caso.265
O direito à informação merece outras considerações. Lembre-se que o tema é
amplamente discutido pela doutrina atual, procurando definir quais são os limites do dever de
informação na relação médico-paciente. É certo que tal discussão não será aprofundada para
os fins dedicados por esse estudo, entretanto, tal aspecto se revela como um verdadeiro direito
do paciente, na medida em que, para tomar todas suas decisões de maneira livre e consciente,
deve ter pleno conhecimento sobre tudo aquilo que envolve o seu caso.
Ernst Christian Gauderer aponta que é direito do paciente obter todas as informações
que envolvam o seu caso de alguma forma, de maneira legível e, inclusive, cópias de sua
documentação, como prontuários, exames – desde raios X a anotações de enfermagem –,
laudos diversos e avaliações realizadas.266
Nesse sentido, quanto à importância do paciente ter conhecimento sobre tudo aquilo
que envolve os aspectos do seu tratamento, ela pode ser também explicitada por meio do
mecanismo criado pelo ordenamento jurídico para possibilitar o seu alcance aos documentos
necessários para tanto: trata-se do habeas data. Ernst Christian Gauderer lembra que o
cabimento do habeas data só é possível em razão de as informações sobre a saúde
pertencerem ao próprio paciente, não ao médico ou ao hospital:
O paciente ou o seu responsável têm o direito de saber todos os dados a respeito do
seu corpo, de sua saúde ou de sua doença, uma vez que esse corpo, essa saúde e
inclusive a doença lhe pertencem, e não ao médico. O paciente permite ao médico
ou ao profissional de saúde lidar com ele, mas não lhe outorga necessariamente o
direito de, unilateralmente, na maioria das vezes, decidir por ele.267
Hermes Rodrigues de Alcântara volta à ideia já colocada quanto ao dever de
informação posto ao médico em relação ao seu paciente quando se refere ao consentimento. A
integridade corporal é intangível e constitui princípio não só jurídico, mas também filosófico
265
Op. cit., p. 78. 266
Os direitos do paciente. 6 ed. Rio de Janeiro: Record, 1998, p.47 e seguintes. 267
Ibid., p.47.
89
essencial. Nesse sentido, não basta a simples liberdade conferida ao paciente para tomar suas
decisões, mas precisa ser capaz de entender e avaliar a situação como um todo, inclusive
quanto às possíveis consequências que podem decorrer da atitute tomada.268
Mas não é só: Ernst Christian Gauderer aponta como direito do paciente a ampla
gravação de atos cirúrgicos e demais procedimentos médicos para posterior análise e melhor
aferição do que lhe foi dito, até mesmo para evitar interpretações equivocadas de tudo o que é
feito ou discutido durante a relação médico-paciente; isso serve para melhorar inclusive o
amadurecimento emocional a respeito de se sujeitar ou não a determinado procedimento
médico, já que a situação fora do consultório pode favorecer a compreensão269
.
Em bem da verdade, o ponto-chave da questão não é descobrir se, cada dia mais, há
maior ingerência por parte do paciente em relação ao médico, mas o fato é que o paciente está
se valendo de todos os artifícios que lhe estão disponíveis para coibir com todas as forças
erros cometidos pelos profissionais da saúde.
2.6 Obrigação de meio e resultado
Vistas todas as obrigações que incumbem a cada uma das partes no contrato médico,
cumpre estudar, para fins de apuração da responsabilidade do profissional, qual o tipo de
obrigação assumida por ele, ou seja, se ela tem caráter de meio ou de resultado.
A distinção entre obrigação de meio e de resultado é atribuída ao jurista francês René
Demogue.270
Na obrigação de meio, o profissional assume a obrigação de empreender todos
os seus esforços com intutito de alcançar o resultado esperado, sem, no entanto, garanti-lo.
Obriga-se, assim, a utilizar a melhor técnica e todo o cuidado e diligência na realização de sua
268
Op. cit., p. 77. 269
Op. cit., p.22 270
DEMOGUE, René. Traité des obligations em general. Paris: Librairie Arthur Rousseau, T. 5, 1925, nº 1.237,
p.537 e seguintes, apud LOPES, Curso de direito civil: fontes acontratuais – responsabilidade civil, p.186.
90
atividade na tentativa de alcançar determinado resultado, o qual não se sabe se será desfrutado
ou não.271
Por outro lado, a obrigação de resultado impõe ao profissional o dever de atingir
determinado resultado ajustado com o paciente, sem o qual não terá adimplido a obrigação
assumida.272
Na grande maioria das obrigações assumidas pelos médicos, vê-se que são obrigações
de meio, na medida em que, mesmo utilizando a melhor técnica e o melhor empenho, não
garantem o resultado. A partir disso, tem-se por essencial a busca incessante do profissional
pelo diagnóstico do paciente, ou seja, análise clínica que concluirá pelo estado sadio ou
doentio e, assim, apontar a necessidade do tratamento específico ou não.273
As maneiras para apuração do estado clínico do paciente são muitas e vão desde a
própria experiência do médico até a necessidade de exames laboratoriais. Assim, o médico, ao
prescrever o tratamento, deve se ater à melhor solução para o caso concreto, situação em que
não poderá ser responsabilizado, ainda que sobrevenha insucesso do procedimento realizado.
Se o médico, entretanto, optou pelo tratamento não mais adequado ao caso, deve ser
responsabilizado, uma vez que agiu com culpa baseada na imperícia.274
Entender o contrário seria cair no absurdo de responsabilizar médicos que não curam
seus pacientes em situações de doenças incuráveis ou ligadas ao próprio organismo humano,
que é imprevisível, o que não condiz com a própria atuação do profissional dessa área. É
preciso lembrar que o médico age na tentativa de livrar o seu paciente de agruras e doenças,
bem ainda, em determinados casos, postergar-lhe a vida, mas não garante a cura, tampouco a
vida eterna. Logo, não há falar-se em inadimplemento contratual pelo não alcance da cura ou
do resultado esperado com o tratamento.
Entretanto, existem outros tipos de obrigações assumidas pelos médicos que ganham
maior destaque pela doutrina e jurisprudência em razão da diculdade em classificá-las como
de meio ou de resultado. Trata-se da cirurgia estética, que, segundo Miguel Kfouri Neto, tem
271
LOPES, Curso de direito civil: fontes acontratuais – responsabilidade civil, p.187. 272
Ibid., p.187. 273
LOPEZ, O dano estético: responsabilidade civil, op. cit., p.53. 274
NADER, op. cit., p.410.
91
como gênero a cirurgia estética propriamente dita, e como espécies desta a cirurgia de
caráter estritamente estético e a cirurgia estética “lato sensu”.275
Para o autor, a cirurgia de caráter estritamente estético é aquela realizada com
intenção única e exclusiva do paciente de promover alteração física, com fim puramente
embelezador, no próprio corpo, este que não apresenta qualquer imperfeição; o que se busca,
desse modo, é tornar uma parte do corpo que não destoa das demais ainda mais bela. De se
notar que tal cirurgia apresenta um grande risco para o paciente, pois o médico pode lesionar
aquilo que já se encontra em perfeitas condições, motivo pelo qual o profissional se obriga ao
resultado, submetendo-se à presunção de culpa pelo eventual dano causado e ao ônus de prova
para eximir-se de responsabilidade.276
Por outro lado, a cirurgia estética “lato sensu” não apresenta grandes riscos ao
paciente, na medida em que busca a correção de pequena deformidade física congênita
causadora de incômodo de ordem psíquica à pessoa. Seria o caso do paciente de rosto belo
mas que apresenta um nariz irregular e destoante do conjunto. Realizado o procedimento, não
estaria o médico obrigado a atingir resultado específico, mas apenas a empregar todo o
cuidado e diligência próprios da profissão. De todo modo, ainda que possa se tratar de uma
valoração subjetiva do paciente quanto aos resultados277
, nada impede que ingresse com um
pedido para o julgador analisar a situação.278
Diferenciam-se, de plano, da cirurgia plástica reparadora, que ocorre na busca pelo
profissional em reverter enfermidade física de origem congênita ou traumatológica; assim, a
obrigação assumida é a de meio, pois não poderia o cirurgião ser responsabilizado em não ter
conseguido alcançar o resultado, mesmo que tenha utilizado toda a técnica recomendada pela
medicina.279
O certo é que a doutrina e jurisprudência pátria não subdividem a cirurgia estética
propriamente dita e acabam por considerá-la como uma só, sendo que, em se tratando de
275
Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.175. 276
Ibid., p.175. 277
VERÓN, Michel. Traté de droit médical. Paris: Maloine, T. 3, 1984, p.27-28 apud KFOURI NETO,
Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.175. 278
KFOURI NETO, Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.175. 279
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: obrigações. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, Vol.II, 2007, p.97.
92
cirurgia plástica com fins exclusiva ou preponderantemente embelezadores, são consideradas
não como obrigações de meio, mas de resultado.
Genival Veloso de França divide as cirurgias plásticas em reparadora ou restauradora e
estética. Em relação às primeiras, defende a ideia de se tratarem de obrigações de meio, na
medida em que o cirurgião da especialidade enfrente momentos de complicação e delicadeza
pecualiar, principalmente diante de situações de urgência e emergência, quando são
enfrentadas condições excepcionais e precárias, tal como a dramática eminência de morte.280
No mais, considerando tudo o que foi explanado sobre as obrigações de meio, em que
há apenas o comprometimento do profissional em empregar todos os esforços ao alcance da
ciência médica e de recursos existentes para o alcance de um resultado, sem, no entanto,
garanti-lo, não teria como afastar tal modalidade de obrigação do cirurgião plástico no ato
reparador ou reconstrutor, pois o objeto do contrato é a assitência ao paciente, mas nunca a
garantia do resultado. Segundo o doutrinador, entender o contrário seria não considerar a
própria função da cirurgia reparadora, qual seja não a simples atribuição ao paciente de uma
aparência de normalidade, mas salvar, recuperar ou reconstruir órgãos. E mais: não em uma
situação quotidiana, mas levando em consideração todas as condições fisiológicas e
patológicas do paciente, bem ainda as limitações impostas pela ciência médica.281
Isso não significa, entretanto, que o cirurgião reparador não cometa erros ou incorra
em condutas prejudiciais culposas ao paciente, como em qualquer outro procedimento
médico, seja no diagnóstico, terapias ou técnicas, mas, conforme visto, não pode ser
considerada como obrigação de resultado.282
Situação diferente é encontrada na cirurgia plástica estética, em que, para Genival
Veloso de França, existe uma tendência de se aceitar tal obrigação como de resultado sob o
argumento de que ninguém, gozando de boa saúde, procuraria um médico unicamente pelo
intuito de melhor aspecto seu se não lhe fosse garantido certo resultado.283
280
Op. cit., p.270. 281
Ibid., p.270-271. 282
Ibid., p.271. 283
Ibid., p.272.
93
Evidentemente, existe corrente minoritária no sentido de que a cirurgia estética se
insere nos mesmos moldes de quaisquer outras atividades médicas, devendo o cirurgião
estético receber tratamento semelhante a qualquer profissional da área.284
Genival Veloso de França lembra que a jurisprudência francesa, por exemplo, quando
se pronunciou sobre os primeiros casos dessa natureza, era pouco favorável aos médicos, e
considerava culpável todo e qualquer dano proveniente da modalidade de cirurgia estética,
considerando, inclusive, dispensável a análise de imprudência, imperícia ou negligência do
profissional, salvaguardando a vida e a saúde do paciente praticamente sob o véu de uma
responsabilidade objetiva.285
De qualquer forma, os tribunais pátrios, conforme será observado quando da análise
jurisprudencial, parecem dividir de maneira estanque as cirurgias plásticas entre reparadoras
(ou reconstrutoras) e em estéticas, considerando, de forma geral, as primeiras como obrigação
de meio e a segunda como obrigação de resultado286
. Genival Veloso de França, por seu
turno, deixa clara a tese de que independentemente da forma de obrigação assumida, seja de
meio ou de resultado, o que deve ser apurado após o surgimento do dano é a responsabilidade,
que levará em conta grau de culpa, nexo de causalidade e dimensão do dano. Obrigação de
meio e de resultado definem apenas o ônus probatório.287
Neri Tadeu Câmara de Souza também já se pronunciou quanto ao tema:
E, não resta dúvida, sendo uma obrigação de meios (é a unanimidade na doutrina e
jurisprudência brasileiras) aquela através da qual o médico contratou com o
paciente, cabe ao médico agir com diligência e prudência, dentro da "lex artis", para
que tenha adimplido com aquilo pelo qual se obrigou. Ou seja, deve atuar dentro da
melhor técnica compatível ("estado da arte") com o local e tempo do atendimento
médico que realizar. A cura não pode ser o objetivo maior devido à característica de
imprevisibilidade do organismo humano – mormente em estado de doença, o que se
reflete em limitações no exercício da medicina. Já não se pode dizer o mesmo
quando estivermos frente a um atendimento médico por ocasião de uma cirurgia
plástica estética (para os casos de cirurgia plástica reparadora cabe a afirmação de
caracterizar-se como uma obrigação de meios). A doutrina e a jurisprudência
284
KFOURI NETO, Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.159. 285
Op. cit., p.272. 286
Vale lembrar que no caso de cirurgias plásticas que têm como finalidade sanar deformidade oriunda de outra
cirurgia plástica a obrigação assumida é de meio e não de resultado. 287
Op. cit., p.272.
94
brasileira são unânimes, pelo menos até o presente momento, em considerar os casos
de cirurgia plástica estética como um contrato cujo objeto é uma obrigação de
resultado.288
Para Flávio Murilo Tartuce Silva, a questão vai além da presunção de culpa do
médico, pois não mais se está no campo da verificação subjetiva da responsabilidade do
cirurgião, mas, sim, de acordo com outros posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais,
trata-se de responsabilidade objetiva do cirurgião estético.289
Para Nehemias Domingos de Melo, predomina na doutrina e jurisprudência nacionais
o entendimento amplamente majoritário, referindo-se até mesmo numa unanimidade, de que
cirurgias plásticas estéticas são obrigações de resultado, baseando-se, para tanto, numa lógica
de tratamento diferenciado pelo fato de um paciente saudável sujeitar-se ao procedimento
para melhor sua aparência. Existe, pois, um fim determinado e definido de maneira clara,
aceito pelo médico, que está adstrito ao resultado e, se não alcançá-lo, apenas se exonerará de
responsabilidade, se provar, a seu encargo – independenetemente da possibilidade de inversão
do ônus probatório admitido pela lei consumerista – caso fortuito, força maior, culpa
exclusiva da vítima ou de terceiro. Diferencia, por fim, o tratamento que deve ser dada à
cirurgia reparadora, a qual se insere dentre as obrigações de meio em razão da busca por
correções de lesões congênitas ou adquiridas, e não pela simples melhora na aparência.290
Para Caio Mário da Silva Pereira, outrossim, a cirurgia estética encerra obrigação de
resultado, não de meio, pois para o autor não há enfermidade, mas apenas a busca para a
correção de uma imperfeição, devendo o profissional, dessa maneira, se recusar a relaizar o
procedimento se não tem condições de alcançar o resultado.291
Rui Stocco, por seu turno, seguindo a mesma linha se Silvio Rodrigues, José de
Aguiar Dias e Caio Mário da Silva Pereira, vê a cirurgia estética como obrigação de resultado
e acredita ser difícil sustentar a tese de que na verdade encerra obrigação de meio, em
primeiro lugar porque o resultado é peculiar ao tipo de intervenção cirúrgica e, em segundo
lugar, porque a propaganda é tão massiva em cima do embelezamento pessoal e dos
288
Responsabilidade civil do médico. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2582/responsabilidade-
civil-do-medico>. Acesso em: 07 mai. 2013. Acessado em 7 mai. 2013. 289
Informação fornecida por Flávio Murilo Tartuce Silva em aula ministrada on-line no curso LFG. Acesso em
16 jul. 2013. 290
Responsabilidade civil por erro médico: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2008, p.71. 291
Responsabilidade civil, op. cit, p.169.
95
excelentes resultados que tais operações causam, que deixam evidente a expectativa de
resultado.292
Orlando Gomes também vê a cirurgia estética como obrigação de resultado, já que,
tendo o médico prometido determinado resultado ao paciente, o adimplemento do contrato
apenas se dará quando do alcance do resultado. Não alcançado o resultado, indubitável o
dever de indenizar, a não ser que prove ter o malogro ocorrido por fatores alheios ao seu bom
procedimento.293
Lembre-se que, basicamente, como já dito, o principal argumento para aqueles que
defendem a cirurgia plástica como obrigação de resultado é o de que ninguém se submeteria,
plenamente são e saudável, a procedimento que poderia vir a piorar-lhe a situação; por isso a
necessidade de certeza do resultado, tal quel acordado com o médico.
Para Miguel Kfouri Neto, então, este é o grande mote de inúmeros julgados que vão de
encontro ao explicitado, que ainda se impressionam com o fato de pessoas que têm leves
incorreções, com as quais poderiam perfeitamente conviver durante toda a vida, acabam, no
caso de insucesso da cirurgia, com aleijões irrecuperáveis.294
Por outro lado, observando-se doutrinas estrangeiras, julgados e posicionamentos
pátrios, a “unanimidade” apresentada por Neri Tadeu Câmara de Souza e Nehemias
Domingos de Melo parece não ser tão contundente. É o caso de Luís Andorno, jurista
argentino que vê, principalmente em razão do comportamento da pele humana, a
imprevisibilidade em toda e qualquer intervenção cirúrgica; logo, não estaria o cirurgião
plástico adstrito a um resultado, mas tão-somente em empregar as técnicas e meios adequados
para obtenção do melhor resultado possível.295
Destarte, aponta, cada vez mais tem ganhado força a tese de que cirurgias plásticas
estéticas não são meras futilididades modernas, mas têm finalidades terpêuticas e curativas;
não apenas do corpo, é certo, mas nas interferências que este causa no equilíbrio da psique
humana, ainda mais se considerada a interdependência entre ambos os fatores verificados no
292
Op. cit., p.571. 293
Questões de direito civil: pareceres, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p.451. 294
Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do
ônus probatório e consentimento informado – responsabilidade civil em pediatria responsabilidade civil em
gineco-obstetrícia, op. cit., p.264. 295
ANDORNO, Luis O. La responsabilidad civil médica. Porto Alegre: Ajuris, 1993, n. 59, p.235, apud
KFOURI NETO, Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.177.
96
atual estágio de desenvolvimento cultural. Assim, não se poderia ignorar que o melhoramento
estético reflete na saúde do paciente e lhe gera bem-estar físico e mental, o que altera
significativamente a visão tradicional da cirurgia estética como obrigação de resultado, já que
não se estaria buscando uma cura, mas os cuidados que são tão caros à medicina.296
Dessa maneira, continua Miguel Kfouri Neto, a busca da cura ou dos cuidados da
medicina estará ligada ao grau de previsibilidade adquirido pelas inúmeras especialidades
médicas, ou seja, apenas atos médicos de extrema simplicidade se amoldariam às obrigações
de resultado. Não é o caso da cirurgia estética, que, como qualquer outra especialidade
médica, se submete ao imprevisível de cada organismo humano.297
Edmilson de Almeida Barros Júnior admite, outrossim, que ainda prevalece
majoritariamente o posicionamento da cirurgia estética como obrigação de resultado, mas que
tal entendimento é equivocado. Para ele, o magistrado deve ter consciência de que a pessoa
que se submete à cirurgia é doente, pois é portadora de uma patologia tão grave quanto uma
enfermidade meramente física. Para muitos, a aparência representa um bem superior, logo, o
tratamento estético se mostra como um solucionador de uma aflição moral causadora de
grande sofrimento, inclusive retração social e pessoal, lembrando que atualmente o conceito
de saúde ultrapassou a mera ausência de enfermidade e atingiu a psique ao entender saúde
também como bem-estar.298
Não se olvide ainda que para o autor o campo de trabalho da cirurgia estética está na
imprevisibilidade do corpo humano. E complementa com a inaceitação de atribuir ao médico
obrigação de resultado:299
Exigir do médico a obrigação de resultado é o mesmo que exigir do profissional a
onipotência, a onisciência e a infalibilidade divina, sendo ele senhor absoluto da
vida, da saúde e da morte e, por que não dizer, da beleza e da resposta controlada
dos fenômenos fisiopatológicos do corpo de seu paciente.300
296
KFOURI NETO, Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias
dinâmicas, inversão do ônus probatório e consentimento informado – responsabilidade civil em pediatria
responsabilidade civil em gineco-obstetrícia, op. cit., p.263. 297
Ibid., p.267. 298
Direito médico: abordagem constitucional da responsabilidade médica, op. cit., p.141. 299
Ibid., p.142-143. 300
Ibid., p.143.
97
Gualter Adolpho Lutz já se pronunciou a esse respeito e lembrou que ainda em
tratamentos legítimos, acidentes podem ocorrer mesmo que todas as precauções estejam
sendo tomadas. É o caso de medicamentos ativos que, por si só, são nocivos; logo até mesmo
o sal de cozinha é capaz de matar. Assim, procedimentos adequados, que não necessariamento
importem em erro profissional, podem gerar resultados não esperados.301
Segundo Miguel Kfouri Neto, muitas vezes os julgadores parecem não sofrer
influência diante da correta realização da cirurgia, pois, uma vez não alcançado o resultado
pretendido (melhoramento estético), a procedência do pedido indenizatório seria certa. Assim,
o autor critica o posicionamento desses julgadores, pois eles desconsideram, em cirurgias
estéticas, influências de condições peculiares dos paciente, afirmando que elas poderiam ser
conhecidas previamente à cirurgia.302
Interessante, nesse sentido, o caso citado pelo doutrinador e exposto pelo cirurgião
plástico Walter Soares Pinto: tendo, em 1981, o cirurgião e professor Ivo Pitanguy realizado
um procedimento de blefaroplastia (para rugas e bolsas palpebrais) no então presidente João
Figueiredo, sobreveio hematoma na pálpebra inferior esquerda, que perdurou visivelmente no
rosto do estadista por vários meses. Inquestionável que o rosto do governante em exercício é
sua figura maior de destaque. Por outro lado, seria inapropriado considerar a intervenção de
um dos maiores cirurgiões brasileiros como imperita. Assim, errôneo seria considerar na
situação um caso de erro médico.303
Nesse sentido é que o cirurgião Walter Soares Pinto, elenca, no mesmo informativo,
algumas peculiaridades de cada paciente:
a) qualidade da pele (fina, grossa, gordurosa, tendência a manchas e quelóides); b)
ausência de reações alérgicas: medicamentos, esparadrapos, fio de sutura, luvas de
borracha, etc.304
301
Op. cit., p.21. 302
Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do
ônus probatório e consentimento informado – responsabilidade civil em pediatria responsabilidade civil em
gineco-obstetrícia, op. cit., p.264. 303
PINTO, Walter Soares. Informativo Incijur: Instituto de Ciências Jurídicas, Joinville, ano 2, nº 13/9, ago.
2000 apud KFOURI NETO, Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas
probatórias dinâmicas, inversão do ônus probatório e consentimento informado – responsabilidade civil em
pediatria responsabilidade civil em gineco-obstetrícia, op. cit., p.260-261. 304
Ibid., p. 260-261.
98
E também entende pela possibilidade de superveniência de problemas na cirurgia
plástica estética como em qualquer outra cirurgia: “Deiscência (abertura dos pontos de
sutura); Infecção (seja de origem hospitalar ou não)”.305
Assim, com isso, conclui pela possibilidade do surgimento de intercorrências
(“problemas surgidos após a cirurgia que devidamente orientados não prejudicam o resultado
final”) e complicações (“problemas que, mesmo devidamente orientados, afetam o resultado
final”). Por isso, importante seria, na aferição da imperícia, segundo o especialista, levar em
consideração apenas o ato sob exame, pois mesmo o melhor cirurgião, em situações
específicas, poderá revelar imperícia. Assim, a constatação da culpa é indissociável apenas ao
caso posto em questão.306
Hildegard Taggesell Giostri, por seu turno, é adepta da corrente de que nenhuma área
médica pode trazer consigo uma obrigação de resultado, já que esta obrigação é marcada pela
característica de apenas o credor poder interferir no resultado final.307
No mais, se vale do
exemplo da França, onde questionamentos de algumas áreas da Medicina como obrigações de
resultado datam de aproximadamente trinta anos atrás e, após inúmeras discussões
doutrinárias e jurisprudenciais, chegou-se a conclusão de que no campo médico sempre a
natureza da obrigação será de meio.308
Ruy Rosado de Aguiar Júnior, outrossim, pode ser apontado como um dos maiores
defensores nacionais sobre a aplicabilidade das obrigações de meios aos contratos médicos
que entabulem a cirurgia estética. O autor, se valendo de doutrinadores estrangeiros, como
Luís Andorno e a maior aceitação dessa teoria na França, seja pela doutrina ou jurisprudência,
explica que toda intervenção no corpo humano carrega consigo uma álea inafastável diante da
imprevisibilidade da reação de cada organismo. Assim, ainda que o cirurgião assuma o dever
de resultado, não há alteração na natureza obrigacional assumida, sendo esta sempre de meio
em se tratando da prestação de serviços médicos.309
305
PINTO, Walter Soares. Informativo Incijur: Instituto de Ciências Jurídicas, Joinville, ano 2, nº 13/9, ago.
2000 apud KFOURI NETO, Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas
probatórias dinâmicas, inversão do ônus probatório e consentimento informado – responsabilidade civil em
pediatria responsabilidade civil em gineco-obstetrícia, op. cit, p.260-261. 306
Ibid., p.260-261. 307
GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico à luz da jurisprudência. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2004, p.83. 308
Ibid., p 139. 309
Op. cit., 518-519.
99
Teresa Ancona Lopez tenta colocar um ponto final na discussão ao entender que ainda
que se considere a cirurgia estética como o empenho de uma obrigação de meio, como muitos
autores recentes pretendem demonstrar, o médico, não tendo cumprido o que estava
estipulado no contrato, deve ser responsabilizado, pois ninguém se sujeita à operação, com
todos os seus riscos e inconvenientes apenas para esperar o melhor desempenho do
profissional, sem esperar melhora no resultado.310
Assim, equaciona a problemática em três subdivisões: todo e qualquer ato cirúrgico
carrega consigo a álea, portanto, quanto a isso, a obrigação será de meio; quanto à alteração
estética prometida, trata-se de obrigação de resultado, na medida em que, feito o esboço, é
álea do médico o alcance do resultado, pois responderá se não alcançá-lo ou se não informar
corretamente o paciente sobre as mudanças posteriores à cirurgia, ainda que melhores do que
a própria promessa; por fim, podem sobrevir outros danos em virtude da cirurgia, de natureza
extracontratuais, podendo ser cumulada com a responsabilidade contratual até a efetiva
reparação da vítima, seja por danos materiais, morais ou estéticos.311
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka resume o cerne da problemática em poucas
linhas, lembrando que a obrigação de ressultado em cirurgias estéticas dependerá sempre do
que foi prometido pelo médico ao paciente; afirma que, para o direito, se o médico prometer
alcançar determinado resultado, deverá fazê-lo, pouco importando para o julgador ter o
profissional se valido de todos os saberes científicos, destreza e saber, tampouco se a
inexecução pode ser atribuída à álea de reações inesperadas do organismo do paciente; o que
importa é o resultado, nada mais, salvo excepcionalíssimas hipóteses que escapam ao
controle.312
A autora expõe que o problema sempre está na frustração, pois a defesa largamente
utilizada pelos médicos de que apenas se obrigam pelo emprego da melhor técnica muitas
vezes é desmentida por eles próprios, que não deixam de apresentar montagens do tipo “antes
e depois” para mostrar ao paciente como ele ficará após a cirurgia. Não alcançado o resultado,
caracterizada estará a frustração.313
310
O dano estético: responsabilidade civil, op. cit., p.93. 311
Ibid., p.93. 312
Op. cit., p.506. 313
Ibid., p.507.
100
Para que isso não ocorra, ou seja, obrigar-se o médico pelo meio e não pelo resultado,
são necessárias algumas cautelas: devem ser realizados todos os tipos de exames para saber se
o paciente é suscetível de problemas que podem influenciar no resultado, como problemas de
cicatrização, formação de quelóides, etc.; deixar claro ao paciente que não pode garantir o
resultado, mas existem apenas possibilidades, inclusive informando sobre as possibilidades de
reações adversas do organismo e sobre todos os riscos que envolvem a operação, inclusive
não o fazendo por meio de formulários impressos, pois eles podem dar a impressão de
contrato de adesão, em que o paciente não tem exata noção dos riscos. Além disso, deve o
médico aplicar a técnica corretamente no operatório e, após, fazer todos os tipos de alerta ao
paciente sobre os cuidados que deverão ser observados.314
Percebe-se, pois, com todo o explanado, não existir um consenso doutrinário a respeito
do tema, cujas discussões são permeadas por argumentos contudentes de ambos os lados.
Mesmo assim, o posiocionamento de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka parece ser
aquele que melhor relaciona Medicina e Direito, pois, para este basta o comprometimento do
médico com o resultado para caracterizar obrigação de resultado. Assim, se ele tomar todas as
precauções em deixar evidente que não está se comprometendo com o resultado, não pode a
ele ser imputada uma obrigação de fim.
De todo modo, o Superior Tribunal de Justiça é praticamanete unânime em entender a
cirurgia plástica estética como obrigação de resultado. Entretanto, há Ministros com posições
opostas às tradicionalmente adotadas, como demonstra o principal expoente Carlos Alberto
Menezes Direito, situação que oportunamente será melhor analisada na tentativa de se
estabeler parâmetros mais seguros sobre o comportamento atual dos Tribunais.
2.6.1 Inversão do ônus probatório
Diverge, outrossim, a doutrina, referente à possibilidade de inversão do ônus da prova
para os casos de inadimplemento contratual do médico que empenhou obrigação de resultado.
314
HIRONAKA, op. cit., p.508-509.
101
Voltando a citar Neri Tadeu Câmara de Souza, o qual entendeu pela cirurgia estética como
obrigação de resultado, se pronuncia quanto ao descumprimento contratual:
Assim, há presunção de culpa, se o médico cirurgião plástico não adimplir
integralmente a sua obrigação (o adimplemento parcial é considerado uma não
execução da obrigação pela qual se comprometeu com o paciente contratante). Cabe,
pois, devido à presunção de culpa, ao médico, nos casos de cirurgia plástica estética,
fazer prova de que agiu na execução da tarefa com prudência, zelo e perícia
(opostos, que são, da imprudência, negligência e imperícia).315
Para Flávio Murilo Tartuce Silva, adepto do entendimento de que a cirurgia estética
constitui obrigação de resultado, conforme já mencionado, o cerne da questão não está na
presunção de culpa do médico, pois não mais se está no campo da verificação subjetiva da
responsabilidade do cirurgião, entretanto, de acordo com posicionamentos doutrinários e
jurisprudenciais, trata-se de responsabilidade objetiva do cirurgião estético.316
Para Miguel Kfouri Neto, nas obrigações de meio o credor (o paciente) é que deve
provar que o devedor (o médico) não teve o grau de diligência que dele se esperava; contudo,
o autor admite que a tendência atual é de que, nas obrigações de resultado, o médico é que
deve provar ter agido com toda a diligência, já que sobre ele recai presunção de culpa, culpa
esta que poderá ser afastada apenas na hipótese de comprovação de causa adversa317
:
Há, indiscutivelmente, na cirurgia estética, tendência generalizada a se presumir a
culpa pela não obtenção do resultado. Isso diferencia a cirurgia estética da cirurgia
geral.318
Tal tendência pode ser demonstrada pelo posicionamento de Sergio Cavalieri Filho:
Se o contratante assumiu a obrigação de alcançar um determinado resultado (...) e
não conseguiu, haverá culpa presumida, ou, em alguns casos, até responsabilidade
objetiva; se a obrigação assumida no contrato foi de meio, a responsabilidade,
embora, contratual, será fundada na culpa provada.319
Por outro lado, Miguel Kfouri Neto acredita que não deve militar em desfavor do
cirurgião estético presunções de culpa nem da responsabilidade sem culpa, o que está de
315
Op. cit., acessado em 07 jul. 2013. 316
Aula ministrada on-line no curso LFG, acessada em 16 jul. 2013. 317
Responsabilidade civil do médico, op. cit., p.169. 318
Ibid., p.174. 319
Op. cit., p.276-277.
102
acordo com as novas tendências de ditribuição dinâmica do encargo probatório. Assim, não se
justicaria de maneira alguma tratamento diferenciado – e mais gravoso – aos cirurgiões
plásticos, os quais devem se submeter à verificação da culpa como as demais especialidades.
Para ele, o que se justifica sim, e com muita propriedade, é um dever de informação
excepcionalmente agravado, na medida em que o que estaria dando causa às demandas
judiciais seria o distanciamento entre aquilo que é prometido pelo cirurgião e o esperado pelo
paciente.320
Caio Mário da Silva Pereira também entende que o dever de informação e de
vigilância são especialmente agravados na obrigação cirúrgica estética, apesar de discordar de
Miguel Kfouri Neto quanto à natureza da obrigação, pois considera-na como de resultado.321
Miguel Kfouri Neto ainda complementa sua ideia e expõe a necessidade de o médico
delimitar de maneira muito clara e expressa, inclusive por escrito, aquilo que poderá ser
alcançado na cirurgia, verificando com exatidão o que o paciente dela espera, deixando-o
informado, inclusive, sobre o imprevisível que acomete toda e qualquer intervenção cirúrgica.
Uma vez não alcançado o resultado esperado e formada a demanda judicial, caberá ao juiz, no
caso concreto, verificar em que medida se deu a frustração e definir se houve ou não culpa do
cirurgião.322
Giselda Maria Fernandes Novaes Horonaka, como já mencionado, entende de forma
semelhante a de Miguel Kfouri Neto, acreditando que isso dependerá de como tudo foi
acordado. Se observados determinados preceitos (constantes do tópico anterior), caracterizada
estará a obrigação de meio e, ocorrido o dano, caberá ao paciente a prova de que o médico
agiu com culpa. Por outro lado, entendendo-se se tratar de obrigação de resultado porque o
médico prometeu alcançar o esperado, haverá presunção de culpa em desfavor do
profissional, que poderá se eximir de responsabilidade se provar que não agiu com culpa e
que, na verdade, o paciente deu causa ao dano ou, ainda, que a ausência de resultado pode ser
320
Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do
ônus probatório e consentimento informado – responsabilidade civil em pediatria responsabilidade civil em
gineco-obstetrícia, p.266. 321
Responsabilidade civil, op. cit, p.169. 322
Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do
ônus probatório e consentimento informado – responsabilidade civil em pediatria responsabilidade civil em
gineco-obstetrícia, op. cit., p.266.
103
atribuída a outra causa que não à cirurgia, rompendo-se, pois o nexo de causalidade entre o
dano e conduta médica.323
De todo modo, aponta a autora, a jurisprudência não pode considerar as obrigações
assumidas pelo cirurgião estético como de resultado em qualquer hipótese, e,
consequentemente, aplicar a responsabilidade independentemente da culpa, pois não se pode
ter um parâmetro previamente estabelecido, marcado por generalizações, devendo o caso ser
analisado concretamente e, se todas as recomendações anteriormente suscitadas forem
vericadas, trata-se, evidentemente, da assunção de obrigações de meio pelo médico, que só
poderá ser responsabilizado se o paciente comprovar sua culpa.324
2.6.2 Inexecução contratual
Diante da discussão apresentada sobre a natureza das obrigações médicas estéticas,
duas alternativas se mostram viáveis em relação ao inadimplemento contratual cometido pelo
médico.
A primeira, se considerada a obrigação médica estética como de meio, tal qual alguns
autores defenderam, o adimplemento do contrato independe da cura, que no caso seria a
melhora do aspecto físico do paciente e, consequentemente, do seu estado psíquico. Isso se dá
porque para ter o médico cumprido sua parte no acordo, basta ter empregado todo o cuidado,
esforço, empenho e, o mais importante, toda a técnica e conhecimento da ciência médica
disponíveis, ainda que tudo isso, quando somados, não tenham sido suficientes para o
atingimento do resultado satisfatório, evidentemente, olhando-se sob o prisma do credor (o
paciente), pois a ele caberá intentar ação sobre o descumprimento da obrigação.
Nehemias Domingos de Melo expôs:
(...) Assim, o adimplemento do contrato não é a cura, mas a dedicação, zelo e
esforço do profissional. Provando que assim agiu, isto é, que aplicou toda sua
técnica e conhecimento para que o paciente atingisse a cura, o médico terá cumprido
323
Op. cit., p.510-511. 324
Ibid., p.512.
104
sua parte no contrato e não se poderá falar em inadimplemento se o paciente não se
curou, pois a obrigação terá sido de meio e não de resultado.325
Vale dizer que, em se tratando de uma obrigação de meio, não será suficiente
demonstrar que não foi atingido o que esperava da situação, mas deverá o paciente deixar
evidente também que houve culpa médica no não atingimento do resultado esperado, ou seja,
que o profissional tenha agido com imprudência, negligência, ou imperícia, desconhecendo ou
utilizando de maneira errônea técnica indicada pela ciência. Nesses casos, não haverá
presunção da culpa médica, que deverá ser provada, normalmente pelas provas periciais.
Não se olvide que a culpa é o aspecto mais importante quando se fala em ato ilícito
pela inexecução contratual, uma vez que não há dúvida de que nele reside todo o fundamento
jurídico da responsabilidade civil do médico.326
Mais uma vez, remete-se ao artigo 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor, que
exige a verificação da culpa dos profissionais liberais para fins de reparação de danos
causados em consonância com a regra do artigo 927 cumulado com o 951, ambos do Código
Civil.
Nesse mesmo sentido, portanto, deverá o paciente demonstrar que sofreu o dano, o
que, de certa forma, deverá ser apurado de maneira subjetiva pelo julgador na análise de uma
possível piora no aspecto físico do paciente se comparado ao estado anterior à cirurgia ou se,
ao fim, houve uma pequena melhora (mas ainda insuficiente na visão do operado) ou até
mesmo uma alteração não significativa, nem para melhor, nem para pior, casos estes em que
será ainda mais difícil de comprovar o requisito e, consequentemente, a responsabilidade.
De qualquer maneira, frise-se, predomina na doutrina e jurisprudência que, no caso de
atividade do cirurgião plástico, a inexecução parcial da obrigação, representada pela
frustração do resultado, equivale à inexecução total.327
Não se olvide, ainda, que deverá ser comprovado o nexo de causalidade entre a
conduta culposa do médico e o resultado danoso pois, eventualmente, o resultado não
esperado poderá ser consequência de fatores adversos à conduta médica, como culpa
exclusiva da vítima, de terceiro, caso fortuito ou força maior.
325
Op. cit., p.66. 326
FRANÇA, Genival Veloso de, op. cit., p.215. 327
GOMES, Orlando. Questões de direito civil: pareceres, op. cit., p.451.
105
Por outro lado, se encarada a cirurgia como obrigação de resultado, grande parte do
caminho já foi trilhado e se inserirá, nesse âmbito, segundo tem admitido maior parte da
doutrina e jurisprudência, conforme já explicitado, presunção de culpa do médico pelo não
alcance do que foi prometido, o que caracteriza a inadimplência contratual e faz com que que
o devedor assuma todos os ônus da inexecução, normalmente estampados no dever de arcar
com uma nova cirurgia e na reparação de dano moral, podendo elidir-se de responsabilidade
apenas se comprovar que a inexecução se deu por fatores adversos a sua vontade, como culpa
exclusiva da vítima ou caso fortuito.
A exceção fica evidenciada por Miguel Kfouri Neto, que vê a ausência de um dever de
informação específico como principal motivo do crescente número de demandas judiciais
relativas à inexecução de um contrato para a realização de cirurgias plásticas. Para ele, existe
um desnivelamento entra o que verdadeiramente o paciente espera da cirurgia e o que o
médico pode realizar.328
Nesse sentido, é necessário voltar a citar Caio Mário da Silva Pereira, que não deixa
dúvidas de que, primeiramente, as cirurgias estéticas estão pautadas nos mesmos direitos e
deveres do médico e paciente relatadas quando se tratou da relação médico-paciente e, em
segundo lugar, que, em se tratando de cirurgias estéticas, o dever de informação é muito mais
agravado, pela intervenção não feita especificamente para tratamento, mas para melhora no
aspecto físico. Por esse motivo, o paciente não pode correr riscos, devendo o médico,
inclusive, se recusar a realizar o procedimento, se os riscos forem maiores que os benefícios,
como já mencionado, inclusive, por José de Aguiar Dias quando se tratou das obrigações de
meio e resultado.329
2.6.3 Responsabilidade civil subjetiva com culpa presumida e
responsabilidade objetiva
328
Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do
ônus probatório e consentimento informado – responsabilidade civil em pediatria responsabilidade civil em
gineco-obstetrícia, op. cit., p.264. 329
Responsabilidade civil, op. cit., p.168-169.
106
Quando da discussão entre obrigações de meio e de resultado do cirurgião estético, foi
possível observar que os autores que entendem pelas obrigações de resultado divergem quanto
às consequências desse posicionamento: alguns acreditam se tratar de responsabilidade civil
subjetiva com culpa presumida e outros de responsabilidade objetiva. Em ambos os casos,
entretanto, os autores se referem unicamente a possibilidade de o cirurgião estético eximir-se
de responsabilidade se comprovado o caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima,
bem como os julgadores o fizeram, como será possível observar com a análise dos julgados.
Em que pese existir tal diferenciação, José de Aguiar Dias lembra que ela existe
apenas no plano teórico, razão pela qual pode-se dizer em responsabilidade objetiva apenas
para os casos flagrantemente vinculados ao sistema, trazidos expressamente pela legislação.330
Nas palavras do autor:
Não confundimos, pelo menos propositadamente, os casos de responsabilidade
objetiva com os de presunção de culpa. Na realidade, como já tivemos ocasião de
dizer, o expediente da presunção de culpa é, embora o não confessem os
subjetivistas, mero reconhecimento da necessidade de admitir o critério objetivo.
Teoricamente, porém, observa-se a distinção, motivo por que só incluímos como
casos de responsabilidade objetiva os que são confessadamente filiados a esse
sistema.331
Assim, não se pode cair na confusão de acreditar que o médico que assumiu obrigação
de resultado está inserido numa questão meramente processual de inversão do ônus
probatório. Trata-se de um passo além, pois se se tratasse de inversão do ônus da prova,
bastaria ao médico demonstrar não ter agido com culpa, o que, como se viu pela doutrina e
como será observado na jurisprudência, não é o suficiente para eximir o profissional de
responsabilidade, mas apenas conseguirá fazê-lo se ficar evidente caso fortuito, força maior
ou culpa exclusiva da vítima.
Alexandre Gir Gomes não é diferente, dizendo que alguns doutrinadores, a despeito de
adotarem a responsabilidade na cirurgia estética como inserida na presunção da culpa, apenas
330
Op. cit., p.99. 331
Ibid, p.99.
107
omitem a expressão “responsabilidade objetiva”, mas a diferenciação não passa de
terminologias, ou em suas palavras, “uma forma tímida de se aplicar a teoria do risco”.332
Para Miguel Kfouri Neto, mesmo em se tratando de culpa presumida do profissional,
ainda presente estaria a responsabilidade subjetiva, que necessita da verificação da culpa333
,
mas não é de fato o que se pode observar no entendimento jurisprudencial sobre o tema e de
grande parte dos doutrinadores nacionais.
Para os Tribunais, frise-se novamente, apesar de recorrente a menção da possibilidade
de o cirurgião estético eximir-se de responsabilidade pela demonstração de que não agiu com
culpa334
, a tendência atual é de responsabilização pelo simples não alcance do resultado.
332
Op. cit., p.751. 333
Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do
ônus probatório e consentimento informado – responsabilidade civil em pediatria responsabilidade civil em
gineco-obstetrícia, op. cit., p.166. 334
TJRS, Apelação nº 597183383, 3ª Câmara Cível, rel. Tael João Selistre, data de julgamento de 05.03.1998.
Responsabilidade civil. Médico. Responsabilidade contratual. Cirurgia plástica. Erro médico. Obrigação de
resultado. Indenização por danos material e moral. Cobrança do saldo dos honorários. Prescrição. Procedência,
em parte, da ação e improcedência da reconvenção. A responsabilidade civil do médico, como sabido, é
contratual, sendo a obrigacao, em princípio, de meio e não de resultado. Todavia, em se tratando de cirurgia
plástica, a obrigacao é de resultado, assumindo o cirurgião a obrigação de indenizar pelo não cumprimento da
mesma obrigação. Demonstrado o inadimplemento, inverte-se o ônus da prova, cabendo ao médico a obrigação
de demonstrar que não houve culpa ou que ocorreu caso fortuito ou força maior. Indenização pelos danos de
ordem material e moral. Procedência, em parte, da ação, por ter sido excluído o pedido de dote. Prescreve em um
ano a ação para a cobrança de honorários médicos, contado o prazo a partir da data do último serviço prestado.
Tendo isso ocorrido em maio de 1993 e a reconvenção protocolada em outubro de 1994, caracterizada está a
prescrição. Sentença mantida. Apelação não provida.
108
109
3. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Feita uma abordagem principalmente baseada em aspectos doutrinários, faz-se
necessário uma breve análise do comportamento jurisprudencial dado ao tema de
responsabilidade civil em cirurgia estética. Para tanto, foram selecionados julgados recentes
pertinentes ao tema e que responderam ao parâmetro de pesquisa “responsabilidade civil
cirurgia estética” dos Tribunais de Justiça de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio
Grande do Sul, que, aparentemente, representam o posicionamento majoritário.
Por fim foram reunidos alguns outros julgados do Superior Tribunal de Justiça, que
apontam na mesma direção dos tribunais anteriormente verificados, à exçeção de um voto
vencido proferido pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito quando da votação do
Recurso Especial 81.101, oriundo do Paraná. Apesar de o voto já contar com mais de dez
anos, pode significar a quebra de paradigmas atuais e, assim, empreender visões diferentes
num futuro próximo, ainda mais considerando o aprofundamento dado ao tema pelo ministro.
3.1 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP)
Do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, foram selecionados dois julgados que
reuniram importantes questões abordadas anteriormente. O primeiro é a apelação cível nº
0005819-76.2004.8.26.0001335
, oriunda da Comarca de São Paulo, segundo o qual o apelante,
335
TJSP, 10ª Câmara de Direito Privado, rel. Marcia Regina Dalla Déa Barone, data de julgamento de
18.06.2013. Ação de indenização por danos morais e materiais. Pedido de manutenção dos benefícios da Justiça
Gratuita inserido nas contrarrazões recursais, juntadas no processo principal. Inadequação da via eleita. Decisão
que deveria ser impugnada nos autos em apenso, em petição recursal própria. Publicação válida em nome dos
atuais advogados da autora. Impossibilidade de se alegar falta de ciência da decisão. Pedido não conhecido. Ação
de indenização por danos morais e materiais. Quadro infeccioso decorrente de intervenção estética para
emagrecimento. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Responsabilidade subjetiva do profissional
liberal. Obrigação de resultado. Culpa presumida do médico, que não comprovou ter tomado as medidas
adequadas para o caso, antes, durante e após a realização do procedimento estético. Presentes os requisitos
capazes de atestar a obrigação de reparar os danos sofridos. Possibilidade de cumular os danos morais e
estéticos. Ausência de impugnação específica em relação ao quantum fixado a título de danos morais e estéticos.
Danos materiais demonstrados pela autora. Afastamento da indenização por lucros cessantes. Não comprovação.
Sentença de parcial procedência. Recurso não provido. Não se conhece do pedido de reforma da decisão que
revogou os benefícios da gratuidade. Nega-se provimento ao recurso de apelo.
110
condenado em primeira instância, teria sido procurado pela apelada para a realização de
procedimento estético com fins de emagrecimento no qual sobreveio quadro infeccioso.
Foram pleiteados danos morais e danos estéticos. Para o deslinde do impasse, a relatora
levanta algumas questões que merecem destaque.
A primeira é a de que, conforme visto, trata-se de um evidente caso de aplicação do
Código de Defesa do Consumidor naquilo que prescreve quanto aos profissionais liberais em
seu artigo 14, §4º, ou seja, cumpre a análise dos requisitos subjetivos capazes de gerarem o
dever de indenizar, quais sejam a culpa, mediante negligência, imprudência ou imperícia,
dano, ato ilícito e o nexo de causalidade.
Outra verificação importante feita pela desembargadora é a de que primordialmente as
obrigações médicas são consideradas como de meio, entretanto, em se tratando de cirurgia
estética, é pacífico o entendimento de que o médico assume o compromisso de proporcionar
ao paciente determinado resultado, caracterizando, pois, sua obrigação, como de resultado, e
não de meio. Para reafirmar seu posicionamento, cita outros três precedentes da mesma
câmara julgadora em tela.
A consequência da diferenciação feita, segundo a magistrada, que utiliza as lições de
Sergio Cavalieri Filho, é a da presunção de culpa do médico que assumiu obrigação de
resultado, podendo elidir-se de responsabilidade apenas se comprovar a ocorrência de “fatos
alheios aos seus poderes”.
Assim, no caso concreto, não tendo o médico afastado a presunção em seu desfavor,
todos os demais elementos indicaram a verificação da negligência, tais como a existência de
laudo pericial apontando que o procedimento realizado não era adequado às especificidades
do caso, a ausência de realização dos procedimentos em centros cirúrgicos adequados, mas na
própria clínica do apelante, na ausência de anestesista, bem ainda, a falta de cuidados
prestados pelo profissional após a cirurgia. Dessa maneira, ficou verificado nexo de
causalidade das condutas médicas negligentes aos resultados danosos verificados, como a
infeccção e a formação de cicatrizes permanentes.
Algumas conclusões podem ser tiradas do caso apresentado: a primeira é a
necessidade de verificação da culpa do profissional. A segunda é a filiação da
desembargadora à posição majoritária da doutrina no sentido de considerar a obrigação
111
médica estética como de resultado e, desse modo, pesar sobre o profissional presunção de
culpa. Uma questão, entretanto, que não ficou clara e que poderia ter sido abordada, ainda que
despicienda no caso concreto diante da ampla constatação de negligência médica, é quanto à
possibilidade de afastamento da responsabilidade do médico se esse tivesse feito prova de que
não agiu com culpa. Parece que, conforme citado por Miguel Kfouri Neto336
, existe uma
tendência em não se importar com o correto procedimento médico, pois o próprio não alcance
do resultado esperado nas obrigações de resultado já seria motivo para responsabilização do
médico.
A desembargadora apenas frisou ser possível o afastamento da responsabilização do
médico se comprovadas ocorrências que fugiram do seu alcance, dentre elas, possível de se
inferir as peculiaridade da paciente que poderiam ter influência no resultado da intervenção.
Por seu turno, a apelação nº 0003414-47.2010.8.26.0360337
, oriunda da Comarca de
Mococa, elenca uma situação em que a apelante procurou o apelado para realização de
cirurgias de correção de desvio de septo (septoplastia e turbinectomia) juntamente com outra
para alteração no formato do nariz, ambos os resultado que não teriam sido alcançados.
Em relação às cirurgias para desvio de septo, para o desembargador, a necessidade de
verificação do elemento subjetivo da culpa para apuração da responsabilidade do médico é
evidente, já que se trata de profissional liberal, de acordo com o disposto no artigo 14, §4º, do
Código de Defesa do Consumidor e, segundo Ruy Rosado de Aguiar Júnior, toda intervenção
no corpo humano é carregada de certa álea, marcada pela imprevisibilidade de reações de
cada organismo às agressõs trazidas pelo ato cirúrgico.
Dessa maneira, em outras palavras, referindo-se ao autor Antonio Cabanillas Sanchez,
encerrando uma obrigação de meio, o insucesso do tratamento ou evolução do quadro
indesejado, não há automática verificação do inadimplemento contratual médico, uma vez que
ao médico cabe apenas agir com conduta diligente. Não tendo sido verificada imperícia do
336
Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do
ônus probatório e consentimento informado – responsabilidade civil em pediatria responsabilidade civil em
gineco-obstetrícia, op. cit., p.264. 337
TJSP, 6ª Câmara de Direito Privado, rel. Francisco Loureiro, data de julgamento de 13.06.2013.
Responsabilidade civil. Erro médico. Cirurgia de correção de desvio de septo nasal concomitante a cirurgia
estética do nariz. Responsabilidade subjetiva do médico não afastada diante da caracterização da cirurgia plástica
como obrigação de resultado, que gera apenas a presunção de culpa deste. Prova pericial que não constatou
ausência de danos funcional e estético. Inexistência de prova nos autos que confirmem as acusações de imperícia
feitas na inicial. Ação improcedente. Recurso de apelação desprovido.
112
cirurgião no caso concreto, bem ainda existindo laudo pericial que concluiu pela permanência
do desvio de septo mesmo após a cirurgia, mas sem prejuízos funcionais (ausência de dano),
não há que se falar no dever de reparar.
No tocante ao procedimento estético, o relator reconhece que, embora exista discussão
sobre a natureza obrigacional que empenha, se de meio ou de resultado, segue a corrente
prevalente no Superior Tribunal de Justiça, adotante da segunda hipótese.
Mesmo assim, lembra, adotar a obrigação como de resultado, não significa que a
responsabilidade do médico seja objetiva, continua a ser subjetiva, mas altera o ônus, a ele
cabendo provar que o insucesso da cirurgia se deu por fatores externos. Ausentes provas do
próprio insucesso da cirurgia, da falta do médico ao dever de informação, e de conclusões
periciais no sentido quanto à existência de dano estético, ausente responsabilidade civil do
médico nesse ponto.
Diante do exposto, mais uma vez pode ser vista a adoção pelo julgador à natureza da
obrigação do cirurgião estético como de resultado, ao passo que do cirurgião reparador como
de meio. Nestes casos, a comprovação da culpa incumbe ao paciente, naqueles, adota-se a
presunção de culpa em desfavor do médico, o que não significa, de qualquer maneira,
responsabilidade objetiva, diferentemente, por exemplo, de posicionamentos como o de
Flávio Tartuce, baseado, segundo ele, na doutrina e jurisprudência.338
3.2 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ)
Do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, foi selecionado um único julgado
pertintente ao tema e que respondeu ao parâmetro de pesquisa anteriormente mencionado.
Trata-se, da apelação de nº 0008252-91.2008.8.19.0006339
, em que a autora do pedido
338
Aula ministrada on-line no curso LFG, acessada em 16 jul. 2013. 339
TJRJ, 18ª Câmara Cível, rel. Celia Meliga Pessoa, data de julgamento de 23.01.2013. Apelação cível.
Responsabilidade civil de médica. Procedimento estético. Obrigação de resultado. Responsabilidade subjetiva
com presunção de culpa. Nexo de causalidade demonstrado. Dano moral configurado. Quantum indenizatório. A
responsabilidade civil de médica cirurgiã, apesar de ser profissional liberal, assume obrigação de resultado em
razão da natureza do serviço oferecido. Cirurgia plástica estética. E, não obstante permanecer com
responsabilidade subjetiva, entende o Superior Tribunal de Justiça que há presunção de culpa em seu atuar,
113
indenizatório de danos morais, pela piora do estado anterior ao ato cirúrgico e danos
materiais, para cobrir os custos da realização de uma nova cirurgia, tinha contratado uma das
rés para procedimento cirúrgico estético de melhoria nos constonos de seu nariz.
De plano, a desembargadora assume a orientação do Superior Tribunal de Justiça no
sentido de considerar a natureza da obrigação assumida pela médica como de resultado, o que,
apesar de não ter o condão de de sair do campo da responsabilidade subjetiva, gera sobre sua
conduta presunção de culpa, invertendo-se, assim, o ônus probatório em seu desfavor.
Tomando-se por base, então, de acordo com a desembargadora, fotografias da autora
antes e depois da cirurgia, bem ainda laudo pericial acostado, ficou evidente que o resultado
pretendido pela autora não foi alcançado. Mas não é só: formaram-se granulomas decorrentes
da cirurgia plástica, o que, para a julgadora, ensejou a responsabilidade da médica pelos danos
morais causados à paciente em decorrência do agravamento da situação.
Entretanto, no tocante aos danos materiais para o pagamento de uma nova cirurgia
estética (já que não alcançado o resultado), tal pleito foi afastado pela conclusão da perícia de
que não seria necessária nova cirurgia em razão de o nariz guardar as mesmas caracteríticas
que apresentava antes do procedimento. Não há como se afastar certo estranhamento da
decisão, pois, considerando a obrigação de resultado, o pedido de uma nova cirurgia não
necessariamente precisaria estar pautado na correção de alterações ocasionadas pela cirurgia,
mas no mero inadimplemento contratual; não produzido o resultado, deve o valor ser
ressarcido, sob possibilidade de enriquecimento sem causa.
De qualquer maneira, não se tendo acesso aos moldes do pleito formulado, não é
possível elucidar melhor a questão, mesmo sendo preciso frisar que, se adotado o
entendimento de cirurgia estética empreenderem obrigações de resultado, tal como o
direcionamento tomado pela jurisprudência pátria, ideia já vista em parte pelos julgados
selecionados e que ainda será reforçada, é devido pelo médico, a título de danos materiais,
gastos necessários à realização de um novo procedimento ou, alternativamente, os valores
pagos ao médico pela cirurgia.
invertendo-se, em consequência, o ônus da prova em seu desfavor. Sob esse prisma, não tendo sido demonstrada
a ocorrência de qualquer causa excludente de nexo causal e restando comprovado que o resultado pretendido
pela paciente não foi alcançado, há dano que deve ser reparado. Verba indenizatória, fixada de forma
proporcional e razoável. Sentença que se mantém. Recursos manifestamente improcedentes, que estão em
confronto com o ordenamento processual e com a jurisprudência dominante deste Tribunal. Art. 557, caput, do
CPC. Recursos a que se nega seguimento.
114
Contudo, no caso concreto, ficou consignado a não caracterização de danos materiais
para a realização de nova cirurgia em razão da conclusão pericial no sentido da
desnecessidade de intervenção cirúrgica para “reparar as consequências da fracassada
bioplastia”.
3.3 Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG)
Do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais foram reunidos dois julgados, que
trouxeram aspectos interessantes para serem analisados. O primeiro é a apelação nº
1.0518.04.071229-2/002340
, que traz em seu cerne a responsabilidade civil do apelado pela
relização de cirurgia estética na apelante, esta que sofreu por um longo período de tempo com
se abdome sem cicatrização, o que lhe rendeu um quadro infeccioso e posteriores cicatrizes
diversas.
Inicialmente, o relator apresenta a necessidade, assim, como constante dos julgados
anteriores, de aplicação da verificação subjetiva da responsabilidade do médico em virtude do
artigo 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor, em consonância com o disposto no
artigo 951, do Código Civil.
Outrossim, se vale da tese de que no caso de cirurgias estéticas, o médico assume uma
obrigação de resultado, presumindo-se sua culpa se houver frustrações da promessa. Isso se dá
em razão do trtamento jurídico diferenciado a que se submetem os cirurgiões plásticos, pois o
340
TJMG, 11ª Câmara Cível, rel. Marcos Lincoln, data de julgamento de 25.01.2013. Apelação cível. Ação de
indenização. Cirurgia estética. Abdominoplastia. Obrigação de resultado. Deformidade. Culpa presumida.
Responsabilidade civil. Danos morais e estéticos. Cumulação. Possibilidade. Danos materiais. Ocorrência.
Lucros cessantes. Não comprovação. Recurso provido em parte.
- Responde o cirurgião plástico pelo insucesso da cirurgia, com apresentação de necroses e deformidades
estéticas, uma vez que, pela natureza do contrato, assumiu uma obrigação de resultado, sendo presumível a sua
culpa.
- É perfeitamente possível a cumulação dos danos morais e estéticos, quando a paciente tenha sido
profundamente atingida em sua esfera psicológica e física.
- A quantificação do dano extrapatrimonial obedece ao critério do arbitramento judicial, que, norteado pelos
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, fixará o valor, levando-se em conta o caráter compensatório
para a vítima e o punitivo para o ofensor.
- Para o ressarcimento dos danos materiais e lucros cessantes é necessária a efetiva comprovação. Tendo havido
a comprovação apenas dos danos materiais consubstanciados no desembolso com a cirurgia, devem ser
indenizados.
- Deve o réu ser condenado ao ressarcimento em razão de cirurgia reparadora a ser realizada na autora.
115
paciente os procuram para melhorar algo que em tese se encontra em perfeito estado de saúde;
logo inadmissível que o paciente, após a cirurgia, se encontre em situação pior a que estava
anteriormente. Dessa maneira, cabe ao profissional analisar todos os riscos antes de assumir
sua obrigação, pois lhe caberá o dever de indenizar o resultado danoso ainda que inexistentes
imprudência, imperícia ou negligência.
No caso em tela, demonstrado de maneira satisfatória que o resultado não foi
alcançado e ainda sobrevieram extensas marcas cicatriciais, presente o dever de reparar, seja
pelos danos estéticos suportados, indubitavelmente visíveis, seja pelos danos morais,
decorrentes de angústia e desgosto suportados, seja, ainda, pelos danos patrimoniais,
representados pelo custeamento de cirurgia reparadora e devolução das quantias pagas pela
cirurgia.
Dessa maneira, não há dúvida do tratamento rigoroso dado pelos julgadores ao tema.
Em determinado ponto, o desembargador chega até mesmo em falar no dever de indenizar do
cirurgião pelo resultado danoso ainda que não estejam presentes negligência, imprudência ou
imperícia, levando a entender, num primeiro momento, estar se referindo a uma
responsabilidade objetiva; entretanto, na leitura do conjunto do julgado, é possível perceber
sua inclinação à verificação da responsabilidade mediante verificação da culpa.
De qualquer modo, como pode se observar, pouco tratamento é dado ao
questionamento da possibilidade de os resultados danosos terem ocorrido por fatores diversos
ao alcance do médico. A título de exemplo, interessante rememorar o ponto suscitado pelo
cirurgião quanto ao tabagismo que acomete a autora, levantando a hipótese de culpa exclusiva
da vítima ou, ao menos, concorrente, no deslinde da ausência de cicatrização e,
consequentemente, dos demais danos.
Quanto a isso, em que pese haver evidências científicas da maior dificuldade de
cicatrização em razão do tabagismo, sendo até mesmo recomendação médica que não se fume
por longos períodos antes e depois da cirurgia, o desembargador entendeu pela não aplicação
da excludente de nexo de causalidade levantada em virtude da ausência de provas suficientes
da influência concreta, no caso em tela, do tabagismo, sobre a cicatrização.
Mesmo assim não há como negar a decisão como alinhada às demais considerações
anteriores, na medida em que se há presunção de culpa em desfavor do médico, caberia a ele
116
produzir prova de que o resultado danoso se deu exclusivamente, ou em grande medida, pela
conduta do pós-operatório tomada pela paciente, o que não se verificou.
Por seu turno, a apelação cível nº 1.0112.06.061226-7/001341
traz situação diferente
que permitiu ao julgador tomar decisão a favor do médico por duas razões bem evidenciadas:
a ausência de culpa e a existência de fatores externos à suas condutas. Tratou-se de uma
cirurgia para reparação de cicatrizes oriundas de outros dois procedimentos (vesícula e
cesariana), tida como de resultado em razão do claro propósito de melhoramento estético, sem
entretanto, dissociar-se de caráter reparador que resultou em nova cicatriz, além de ainda
manter as outras duas já existentes.
O desembargador reconhece que apesar da discussão existente entre obrigações de
meio ou de resultado em cirurgias estéticas, a maior parte da doutrina e jurisprudência pátrias
reconhecem a natureza dessas obrigações como de resultado. Independentemente disso, não se
pode deixar de levar em consideração se houve conduta culposa por parte do médico e se
existiram fatores externos que influenciaram no resultado da cirurgia.
Para tanto, vale-se do laudo pericial, que atesta a ausência de qualquer conduta
negligente, imprudente ou imperita do cirurgião, ainda que tenha resultado numa nova cicatriz
e, mesmo assim, o próprio laudo ainda concluiu por uma pequena melhora, uma vez que as
cicatrizes não apresentaram mais quelóides, mas apenas um alargamento e hipertrofia.
Outrossim, segundo o laudo pericial, à paciente sobreveio gravidez, que enfraquece as
paredes abdominais e contribui para o aparecimento de estrias e flacidez da pele, levando à
perda de resultados da cirurgia estética realizada anteriormente. Quanto aos resultados da
cirurgia, contribuiu também significativamente para que não ocorressem de forma esperado o
ganho de peso da paciente, outro fator que contribui significativamente para a cicatrização
abdominal deficiente.
341
TJMG, 14ª Câmara Cível, rel. Antônio de Pádua, data de julgamento de 25.08.2011. Civil e processual civil.
Apelação. Ação de indenização. Danos morais e materiais. Requisitos da responsabilidade civil médica.
Presença. Cirurgia estética. Obrigação de resultado. Dano estético. Erro médico não demonstrado. Sentença
reformada. O profissional ciente de seu ofício, de suas responsabilidades e de suas limitações, não pode se
esquecer desse seu dever de informação ao paciente, pois não lhe é permitido criar perspectivas que, de antemão,
ele sabe serem inatingíveis ou incertas. Comprovado que não houve imperícia do cirurgião, aliado a fatores
outros que interferiram no resultado da cirurgia, não se acha presente o dever de indenizar.
117
Dessa maneira, ausência de culpa do paciente somados a fatores que fugiram do seu
controle, como a gravidez e o ganho de peso da paciente, de rigor foi a improcedência da
demanda indenizatória.
Com o resultado do processo, é possível perceber a atenção dispensada às causas do
não alcance do resultado na cirurgia estética, essenciais para afastar a responsabilidade do
médico.
Por fim, não se olvide mais uma vez o elevado grau de importância que os laudos
periciais assumem em processos dessa natureza, ajudando significativamente os magistrados
na tomada da decisão. Decisivo foi nesse caso para atestar as condutas da paciente que
contribuíram, ou até mesmo determinaram, o mau resultado. De qualquer maneira, a
tendência dos julgados é aceitar as quebras de nexo de causalidade entre conduta e dano muito
severamente, considerando-os apenas se inequivocamente demonstrados, conclusão a que se
pode chegar na confrontação entre este julgado ora analisado e o anterior.
3.4 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS)
Do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foram reunidos dois julgados, os quais,
como será demonstrado alinham-se às decisões anteriormente apresentadas, delineando,
assim, o atual entendimento jurisprudencial pátrio conferido o tema.
A apelação cível nº 70049146731342
traz outro caso em que, em cirurgia estética, não
foi alcançado o resultado esperado pela paciente, além de sobrevierem cicatrizes, segundo o
relator, “grosseiras”.
342
TJRS, 9ª Câmara Cível, rel. Leonel Pires Ohlweiler, data de julgamento de 27.03.2013. Apelação cível.
Responsabilidade civil. Conhecimento da apelação. Nulidade da sentença. Inocorrência. Obrigação de resultado.
Inversão do ônus da prova. Possibilidade. Cirurgia plástica. Dever de indenizar. Danos morais e estéticos. Danos
materiais. Quantum. Sucumbência. Apelação - Recurso Conhecido - Preliminar contrarrecursal rejeitada, uma
vez que a apelação interposta preenche o pressuposto básico exigido nos inc. I, II e III do art. 514 do CPC.
Nulidade da Sentença. Afastamento. A responsabilidade do médico, tratando-se de cirurgia eminentemente
estética, gera obrigação do resultado para o qual o profissional foi especificamente contratado pela paciente. É
admissível a inversão do ônus da prova, sobretudo quando caracterizada a verossimilhança das alegações e a
hipossuficiência técnica da parte consumidora. E a inversão no caso em tela deu-se em momento adequado, pois
pode ser realizada pelo julgador mesmo quando proferida a sentença, pois se trata de regra de julgamento.
118
No voto, faz-se uma extensa análise das diferenciações que permeiam as obrigações de
meio de resultado e conclui pela aplicação das regras atinentes à esta última, tal como o faz os
precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Sendo assim, lembra o relator, para caracterizar a
responsabilidade do médico, basta a demonstração de que o resultado não foi atingido,
evidenciando, pois, o inadimplemento contratual. Não se olvide que o simples não alcance do
resultado, nesses casos, gera a presunção de culpa do médico, ou seja, presume-se ter ele
cometido erro médico, eximindo-se de responsabilidade apenas se elidir o nexo causal.
Outrossim, aplicável à espécie o Código de Defesa do Consumidor, segundo o
desembargador, na sua inteireza nas relações entre médicos e pacientes, na medida em que
são relações de consumo com a única especificidade de não se enquadrarem na
responsabilização objetiva. Assim, cabível, inclusive, inversão do ônus probatório diante da
vulnerabilidade e hipossuficiência presumidas do consumidor.
Não se esqueça que tal aplicação, conforme já tratado, foi amplamente discutida, de
modo que, para alguns, a regra da inversão do ônus da prova preceituada pelas normas
consumeristas não se aplicariam aos profissionais liberais. De qualquer modo, o certo é que,
na prática, a depender do caso, como o em tela, o juiz, verificando a necessidade da inversão
do ônus da prova, poderá aplicá-la, a despeito de alguns doutrinadores acreditarem que o
Julgamento Extra Petita. Inocorrência. A causa deve ser decidida de acordo com os limites definidos no pedido
inicial e na contestação. Pela análise da contestação, percebe-se que o demandado rebateu a pretensão inicial sob
o argumento de que a autora teria sido informada dos riscos da cirurgia e da presença de cicatrizes mesmo depois
da cirurgia estética realizada, sendo do demandado o ônus da prova a esse respeito; tal tema não implica
julgamento extra petita, mormente porque a decisão proferida não se afastou da tese jurídica explanada pelo
demandado, de modo que ela encontra respaldo na própria contestação ofertada nos autos. Havendo os limites
balizadores da lide, foram considerados pela sentença, a qual julgou a lide conforme as questões controvertidas
na espécie. Responsabilidade civil do médico. Na hipótese de responsabilidade civil por erro médico oriunda de
cirurgia estética, a qual se notabiliza pela obrigação de resultado a ser atingido pelo profissional, são aplicáveis
as regras da responsabilidade subjetiva com culpa presumida. Situação concreta dos autos. Na espécie, a melhora
estética pretendida (remodelagem do abdômen), embora adequada a escolha da técnica cirúrgica, à evidência,
não foi alcançada pelo resultado insatisfatório do procedimento a que se submeteu a autora; dele resultou a
presença de uma cicatriz grosseira e posicionada de uma forma muita alta, causando deformidade física.
Configurado o ato ilícito, pelo qual tem responsabilidade o demandado, e o dever de indenizar os danos estéticos
e morais, bem como os materiais, sofridos pela autora. Quantum indenizatório por danos estéticos. Súmula 387
do STJ. Caso em que se evidenciam os danos estéticos na autora, justificados em razão da permanente
deformidade física no abdômen pela presença de grosseira cicatriz, capaz de causar complexo de inferioridade.
Quantia majorada para adequar aos valores institucionalizados pela jurisprudência do Tribunal. Quantum
indenizatório por danos morais. O valor a ser arbitrado a título de indenização por danos morais deve refletir
sobre o patrimônio do ofensor, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica ao resultado lesivo
produzido, sem, contudo, conferir enriquecimento ilícito ao ofendido. Quantum mantido. Sucumbência
recíproca. Afastamento. Verba honorária sucumbencial mantida. Como é meramente estimativo o quantum
relativo ao pedido indenizatório por danos morais e estéticos, não há falar em sucumbência recíproca, mesmo
porque a autora obteve igualmente o acolhimento dos danos materiais. O demandado deve responder
integralmente pelas custas processuais e os honorários advocatícios em 15% sobre o valor atualizado da
condenação. Preliminares afastadas. Apelação desprovida. Recurso adesivo parcialmente provido. Unânime.
119
Código de Dfesa do Consumidor, ao fazer a ressalva do artigo 14, §4º, tenha expressamente
excepcionado do seu âmbito de aplicação os profissionais liberais.
No caso em voga, o desembargador, olhando subjetivamente para as fotos anteriores e
posteriores ao procedimento, percebeu não só pela ausência de alcance do resultado, como
pela superveniência de visíveis cicatrizes e, considerando a culpa presumida do médico, que
não logrou demonstrar que o resultado deixou de ser alcançado por motivos exteriores a sua
conduta, é responsável, devendo reparar os danos estéticos sofridos, os morais, bem como os
materiais, develvendo, neste caso, os valores despendidos pela paciente para a realização da
cirurgia.
A apelação cível nº 70051647840343
, por sua vez, mantém o mesmo tratamento
jurídico dispensado às obrigações de resultado assumidas pelo médico cirurgião estético e sua
culpa presumida como os demais julgados já vistos, de forma que o profissional pode elidir
sua responsabilidade apenas se provar não ter agido com culpa ou se afastar o nexo de
causalidade.
343
TJRS, 10ª Câmara Cível, rel. Paulo Roberto Lessa Franz, data de julgamento de 29.11.2012. Apelações
cíveis. Responsabilidade civil. Cirurgia estética. Colocação de próteses mamárias. Obrigação de resultado.
Responsabilidade subjetiva. Culpa presumida. Nulidade da sentença. Cerceamento de defesa. Inocorrência.
Ausente mínimo indício probatório de que o réu tenha protocolado documentos juntamente com a contestação,
os quais não teriam sido juntados aos autos, por erro cartorário, não há falar em cerceamento de defesa. Hipótese
em que, ademais, a juntada tardia dos documentos não trouxe prejuízo à parte, não havendo razão para decretar a
nulidade. Preliminar rejeitada. Resultado insatisfatório. Dever de indenizar. A obrigação assumida pelo cirurgião
plástico na cirurgia estética embelezadora é de resultado, e sua responsabilidade é subjetiva, com culpa
presumida, sendo do profissional o ônus de comprovar que não agiu com culpa em qualquer das modalidades:
negligência, imprudência ou imperícia. Aplicação do art. 14, § 4º do CDC. Hipótese em que restou demonstrado
nos autos a conduta culposa do réu, presumida pela não obtenção do resultado estético legitimamente esperado
pela paciente ao submeter-se à cirurgia plástica de aumento de mamas, ensejando o dever de indenizar do
médico. Dano material. O dano material a que faz jus à autora deve corresponder às despesas decorrentes da
realização de novo procedimento cirúrgico para correção do resultado, cujo montante deve ser apurado em
liquidação de sentença. Reforma da sentença, no ponto. Dano moral. Configuração. São evidentes os infortúnios
decorrentes da submissão à cirurgia plástica embelezadora com resultado manifestamente insatisfatório, diante
do presumível sofrimento, frustração de expectativas e impotência, capazes de retirar a pessoa de seu equilíbrio
psíquico, colorindo-se, assim, a figura do dano moral in re ipsa. Condenação mantida. Quantum indenizatório.
Majoração. Na fixação da reparação por dano extrapatrimonial, incluindo, in casu, o dano estético, incumbe ao
julgador, atentando, sobretudo, para as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, e aos
princípios da proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar quantum que se preste à suficiente recomposição dos
prejuízos, sem importar, contudo, enriquecimento sem causa da vítima. A análise de tais critérios, aliada às
demais particularidades do caso concreto, conduz à majoração do montante indenizatório em R$ 20.000,00
(vinte mil reais), corrigidos monetariamente, conforme determinado no ato sentencial. Juros de mora. Termo
inicial. Em se tratando de responsabilidade civil contratual, os juros de mora incidem a contar da citação, nos
termos do art. 405 do Código Civil, sendo inaplicável a Súmula 54 do STJ. Manutenção da sentença, no tópico.
Apelação da autora parcialmente provida. Apelação do réu desprovida.
120
3.5 Superior Tribunal de Justiça (STJ)
A análise dos julgados do Superior Tribunal de Justiça tem dois grandes sentidos: o
primeiro é reforçar todo o posicionamento adotado pelos Tribunais Estaduais, o que não podia
ser diferente, já que a Corte assume a posição de responsável pela uniformização
jurisprudencial pátria. O segundo sentido é o surgimento de um voto divergente quanto à
natureza obrigacional assumida pelo médico no procedimento estético, o que pode demonstrar
a alteração gradativa do tratamento jurisprudencial dado ao tema.
Quanto ao alinhamento aos posicionamentos já explicitados, temos o Recurso Especial
nº 236.708/MG344
, o de nº 985.888/SP345
, que, mais uma vez, reafirmam o posicionamento
344
STJ, Quarta Turma, rel. Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal convocado Do TRF 1ª Região), data
de julgamento de 10.02.2009. Civil. Processual civil. Recurso especial. Responsabilidade civil. Nulidade dos
acórdãos proferidos em sede de embargos de declaração não configurada. Cirurgia plástica estética. Obrigação
de resultado. Dano comprovado. Presunção de culpa do médico não afastada. Precedentes.
1. Não há falar em nulidade de acórdão exarado em sede de embargos de declaração que, nos estreitos limites em
que proposta a controvérsia, assevera inexistente omissão do aresto embargado, acerca da especificação da
modalidade culposa imputada ao demandado, porquanto assentado na tese de que presumida a culpa do cirurgião
plástico em decorrência do insucesso de cirurgia plástica meramente estética.
2. A obrigação assumida pelo médico, normalmente, é obrigação de meios, posto que objeto do contrato
estabelecido com o paciente não é a cura assegurada, mas sim o compromisso do profissional no sentido de um
prestação de cuidados precisos e em consonância com a ciência médica na busca pela cura.
3. Apesar de abalizada doutrina em sentido contrário, este Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a
situação é distinta, todavia, quando o médico se compromete com o paciente a alcançar um determinado
resultado, o que ocorre no caso da cirurgia plástica meramente estética. Nesta hipótese, segundo o entendimento
nesta Corte Superior, o que se tem é uma obrigação de resultados e não de meios.
4. No caso das obrigações de meio, à vítima incumbe, mais do que demonstrar o dano, provar que este decorreu
de culpa por parte do médico. Já nas obrigações de resultado, como a que serviu de origem à controvérsia, basta
que a vítima demonstre, como fez, o dano (que o médico não alcançou o resultado prometido e contratado) para
que a culpa se presuma, havendo, destarte, a inversão do ônus da prova.
5. Não se priva, assim, o médico da possibilidade de demonstrar, pelos meios de prova admissíveis, que o evento
danoso tenha decorrido, por exemplo, de motivo de força maior, caso fortuito ou mesmo de culpa exclusiva da
"vítima" (paciente).
Recurso especial a que se nega provimento. 345
STJ, Quarta Turma, rel. Rel. Ministro. Luis Felipe Salomão, data de julgamento de 16.02.2012. Cirurgia
estética. Danos morais. Nos procedimentos cirúrgicos estéticos, a responsabilidade do médico é subjetiva com
presunção de culpa. Esse é o entendimento da Turma que, ao não conhecer do apelo especial, manteve a
condenação do recorrente – médico – pelos danos morais causados ao paciente. Inicialmente, destacou-se a vasta
jurisprudência desta Corte no sentido de que é de resultado a obrigação nas cirurgias estéticas, comprometendo-
se o profissional com o efeito embelezador prometido. Em seguida, sustentou-se que, conquanto a obrigação seja
de resultado, a responsabilidade do médico permanece subjetiva, com inversão do ônus da prova, cabendo-lhe
comprovar que os danos suportados pelo paciente advieram de fatores externos e alheios a sua atuação
profissional. Vale dizer, a presunção de culpa do cirurgião por insucesso na cirurgia plástica pode ser afastada
mediante prova contundente de ocorrência de fator imponderável, apto a eximi-lo do dever de indenizar.
Considerou-se, ainda, que, apesar de não estarem expressamente previstos no CDC o caso fortuito e a força
maior, eles podem ser invocados como causas excludentes de responsabilidade dos fornecedores de serviços. No
caso, o tribunal a quo, amparado nos elementos fático-probatórios contidos nos autos, concluiu que o paciente
não foi advertido dos riscos da cirurgia e também o médico não logrou êxito em provar a ocorrência do fortuito.
121
adotado pela Corte no sentido de que, em se tratanto de cirurgias plásticas estéticas, a
obrigação assumida pelo cirurgião é de resultado, ainda que a doutrina seja divergente.
Mesmo assim, a grande discussão que permeia demanda indenizatórias pelo insucesso
da cirurgia estética, que ocasionou danos ao paciente pela obtenção de resultados inversos aos
esperados, é quanto à existência da presunção da culpa em desfavor do cirurgião. Nesse
sentido, ambos os relatores são enfáticos ao concordarem com a referida presunção de culpa,
que não significa, de maneira alguma, responsabilidade objetiva, a teor do disposto no artigo
14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor.
Assim, em casos tais, basta que a vítima do dano comprove o dano, ou seja, que o
médico não alcançou o resultado prometido tal qual contratado, para a presunção da culpa,
invertendo-se, pois, o ônus da prova. Não desvencilhando-se da culpa que lhe foi
presumidamente imputada, por meio de comprovação de caso fortuito, força maior ou culpa
exclusiva da vítima, o médico deverá indenizar.
Não se olvide outrossim que eventuais fatores e reações estranhas à cirurgia, ainda que
não altere a natureza obrigacional assumida pelo médico como de resultado, são causas
suficientes e autônomas que podem romper o nexo de causalidade entre o dano e a conduta do
profissional. Assim, a presunção de culpa do médico pode ser afastada pela comprovação de
fator imponderável.
Dessa maneira, apesar de não haver análise fática na Corte, de acordo com a Súmula
nº 7346
, do Superior Tribunal de Justiça, os relatores frisaram de maneira clara a necessidade
de verificação da culpa do médico nas cirurgias estéticas, já que sua responsabilidade não é
objetiva, mas que há a inversão do ônus probatório, recaindo ao profissional o dever de provar
caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.
Outro ponto que merece ser levantado é a aceitação do “fator imponderável” como
fator de rompimento do nexo de causalidade, quebrando a ideia já levantada de que a análise
da responsabilidade pelo insucesso em cirurgia plástica estética está adstrita pura e
simplesmente à inexecução contratual. Na verdade, como ficou demonstrado, fatores que
fogem à diligência do cirurgião são levados em consideração, podendo-se concluir, assim,
Assim, rever os fundamentos do acórdão recorrido importaria necessariamente no reexame de provas, o que é
defeso nesta fase recursal ante a incidência da Súm. n. 7/STJ. 346
A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.
122
que, não existindo culpa, pode o cirurgião afastar-se de responsabilidade, mas deverá provar a
existência de circunstâncias que não poderia prever, ante sua presunção de culpa.
Já no Recurso Especial nº 81.101/PR347
, anterior aos demais julgados do Superior
Tribunal de Justiça apresentados, a solução da controvérsia também não é diferente e são
tecidos pelo relator, Ministro Zveiter, grande parte dos comentários já expostos sobre a
obrigação de resultado da cirurgia estética e a presunção de culpa do cirurgião.
Entretanto, a novidade fica por conta do voto do Ministro Carlos Alberto Menezes
Direito, um dos maiores expoentes da tese de que a cirurgia estética não seria regida pela
obrigação de resultado, mas pela de meio, como a grande maioria das obrigações que
permeiam médicos e pacientes.
Para o Ministro, que teve seu voto vencido mesmo após contundente argumentação, as
várias modalidades de especialidades cirúrgicas não guardam entre si diferenças essenciais ou
constitutivas, concluindo que toda cirurgia representa uma forma de tratamento. Quanto às de
natureza estética, não há dúvida da possibilidade de extremo sofrimento psíquico daqueles
que buscam esse tipo de cirurgia para o embelezamento de determinada parte do corpo; não
significa, portanto, que a cirurgia estética não busca curar uma patologia.
Nada obstante, a realização de cirurgias necessita de profissional habilitado, que age
com prudência, perícia e diligência. Mesmo assim, Direito lembra que, apesar da relação
médico-paciente estar permeada pela expectativa de bons resultados, ela também guarda a
possibilidade da superveniência de maus resultados, mesmo diante da ausência de
imprudência, imperícia e negligência, já que depende de fatores alheios, como o próprio
comportamento do corpo humano.
Dessa maneira, para o Ministro, nenhuma cirurgia guarda certeza absoluta quanto ao
seu êxito, pois toda e qualquer cirurgia pode apresentar resultados que não são esperados
mesmo na ausência de erro médico. A literatura médica, mormente no tocante à cirurgia
347
STJ, Quarta Turma, rel. Rel. Ministro Waldemar Zveiter, data de julgamento de 13.04.1999. Civil e
processual. Cirurgia estética ou plástica. Obrigação de resultado (responsabilidade contratual ou objetiva).
Indenização. Inversão do ônus da prova.
I - Contratada a realização da cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado
(Responsabilidade contratual ou objetiva), devendo indenizar pelo não cumprimento da mesma, decorrente de
eventual deformidade ou de alguma irregularidade.
II - Cabível a inversão do ônus da prova.
III - Recurso conhecido e provido.
123
estética, é vasta nesse sentido, tanto que em outros países, como a maior parte do Canadá,
adotante do sistema da Common Law, destaca a responsabilidade dos médicos como limitada
a uma obrigação de meios, pois não estão vinculados aos resultados, mas apenas a fornecer
competentes informações e tratamentos aos seus pacientes, posição partilhada pelo Ministro.
Dessa maneira, em demandas indenizatórias, a simples afirmação do paciente de que o
médico não teria alcançado o resultado prometido não é suficiente para gerar a presunção de
culpa do cirurgião e consequente inversão do ônus probatório, de acordo com o voto do
Ministro, pois o paciente deve provar a culpa ou pelo menos não ter recebido as informações
competentes sobre a cirurgia.
Segundo Direito, ainda, não bastasse todos os argumentos já elencados para
caracterizar a obrigação médica como de meios, sempre, também não poderia ser aplicado o
artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, que trata da possibilidade de
inversão do ônus da prova, porque o próprio codex afastou essa possibilidade quando da
redação do artigo 14, §4º, que não faz qualquer diferenciação ou ressalva quanto à cirurgia
estética.
De acordo com o exposto, é possível notar o alinhamento do Ministro Menezes Direito
ao posicionamento doutrinário já destacado que considera a cirurgia estética como de meio e
não como de resultado em razão das inúmeras incertezas presentes no ramo médico e na
natureza de tratamento que a ela também deve ser conferida, já que também procura curar
patologias.
Assim, nota-se o surgimento de divergência jurisprudencial que, apesar de ainda
representar muito pouco diante de todos os outros julgados analisados, pode ser considerado
como uma parâmetro para decisões futuras.
A última consideração a ser tecida de maneira geral em relação aos julgados é quanto
à tamanha importância assumida pelos laudos periciais colacionados aos autos. Os juízes,
normalmente leigos no assunto, baseiam suas decisões principalmente nas informações
fornecidas pelos experts, necessárias muitas vezes no sopesamento das demais provas
produzidas.
Outrossim, na análise dos casos, não foi possível perceber uma certa predisposição dos
peritos em afastar a conduta culposa ou errônea do médico por espírito de corpo profissional,
124
tese levantada alhures por alguns doutrinadores defendedores da não supervalorização do
laudo pericial.
125
CONCLUSÕES
É certo que algumas conclusões foram delineadas no transcorrer do desenvolvimento
do tema, entretanto faz-se necessário organizá-las sinteticamente.
O exercício da medicina, vista sob os olhares atuais da sociedade e do Direito, não
pode ser encarado como intocável ou inquestionável e, se não observados os parâmetros
estabelecidos pela ciência, ainda que se trate de um campo permeado pelo contínuo avanço e,
também, muitas vezes, pela inexatidão, poderá ensejar a responsabilização civil do médico.
Nesse sentido, a grande maioria dos procedimentos médicos é tida pela doutrina e
jurisprudência como a assunção de obrigação de meio, ou seja, o profissional se obriga única
e exclusivamente a empregar todo o cuidado e diligência, segundo os ditames da ciência, para
alcançar o resultado que dele se espera, sem, entretanto, garanti-lo, ante as incertezas do
comportamento físico e até mesmo psicológico do corpo humano. Assim, ainda que não
alcançado o resultado do procedimento, teria o médico adimplido com sua obrigação.
Dessa maneira, para alguns autores, não poderia de maneira alguma o médico se
comprometer ao alcance de determinados resultados, pois não há hipóteses em que se pode
prever com exatidão a resposta do organismo humano ao procedimento. O resultado não
depende, assim, exclusivamente da atuação do profissional, mas está sujeito a fotores que não
podem ser controlados, concluindo-se, pois, que as obrigações assumidas pelos médicos
sempre serão de meios, nunca de resultados, pois apenas deverão atuar com o zelo e destreza
no exercício do ofício.
Para outros autores, entretanto, apesar de considerarem como regra a obrigação
assumida pelos médicos como de meio, existem situações excepcionais em que empreendem
obrigações de resultado, tais como quando o procedimento depender apenas de caráter
puramente técnico, caso dos exames laboratoriais de baixa complexidade ou, ainda, se o
profissional prometeu e garantiu o sucesso da intervenção, devendo, nestes casos, responder
civilmente pela ausência dos resultados esperados.
Em se tratando da cirurgia estética, tema posto em voga, apesar de inúmeros outros
países entenderem-na como uma obrigação de meio, no Brasil prevalece a aceitação tanto por
126
parte da doutrina como da jurisprudência de que se trata de uma obrigação de resultado,
baseando-se, para tanto, na argumentação de que ninguém, plenamente saudável, se
submeteria à procedimento cirúrgico se não tivesse certeza da melhora do seu estado.
Evidentemente, não há unanimidade.
O principal efeito desse entendimento é o de que, para procedimentos considerados
como obrigações de meio, ao paciente caberá provar que o médico agiu com culpa; por outro
lado, para os procedimentos em encerrarem obrigação de resultado, basta o paciente
demonstrar o dano, traduzido na inexecução contratual, que, em desfavor do médico, pesará
presunção de culpa, cabendo a ele elidi-la por meio de provas que demonstrem que os
resultados sobrevierem por fatores externos a sua conduta.
Noutro giro, considerando as disposições legais sobre o tema, o Código de Defesa do
Consumidor traz expressamente a necessidade de verificação de culpa dos profissionais
liberais. Dessa maneira, aparentemente, ainda que a cirurgia estética seja considerada com
obrigação de resultado e gere presunção de culpa do profissional, pelos disposto no referido
codex, se houver prova de que não incorreu em imperícia, negligência ou imprudência,
também estaria afastado o dever de indenizar, como se se tratasse unicamente de inversão
processual do ônus da prova. Entretanto, a abordagem é diferente por parte da doutrina e
praticamente não observado na jurisprudência atual, uma vez que, presente a inexecução
contratual, presente também estará o dever de indenizar, como se responsabilidade objetiva
fosse, mas com absoluta impropriedade o uso do termo, pois, na verdade, como já
mencionado, trata-se de hipóteses de responsabilidade subjetiva com culpa presumida.
Assim, o mais correto, a princípio, seria o entendimento apresentado por Giselda
Maria Fernandes Novaes Hironaka, no sentido de que a verificação do tipo da obrigação
assumida pelo cirurgião dependerá do caso concreto: se prometeu alcançar determinado
resultado, apresentando fotografias “antes e depois” e levando o paciente a concluir que ficará
de determinada maneira, caracterizada estará obrigação de fim; deixando claro que se não
garante o resultado, será obrigação de meio. Entretanto, na prática, se assim fosse, difícil
imaginar uma situação em que alguém se submeteria a esse tipo de cirurgia, principalmente
sem ter a exata noção de como ficará depois; por isso a obrigação de resultado parece mais
alinhada às expectativas dos pacientes que se submetem a esse tipo de cirurgia.
127
O grande cuidado que deve ser tomado é para que os Tribunais não considerem a
questão de maneira tão estanque, ou seja, não alcançado o resultado, presente o dever de
indenizar, mas se existir inexecução que fuja do seu alcance, como caso fortuito, força maior
e culpa exclusiva da vítima, não deve ser o médico responsabilizado; e nesse tocante se insere
a álea do corpo, pois se impossível de ser aferido motivo físico próprio do paciente que
impeça a execução, caracterizado estaria o rompimento do nexo de causalidade.
Quanto à inversão do ônus da prova, presente no Código de Defesa do Consumidor, há
discussão sobre sua aplicabilidade ou não para as obrigações médicas. De todo o modo, em se
tratando de obrigação de resultado, tal discussão se torna irrelevante, pois pela sua própria
natureza, existirá inversão do ônus da prova, já que existe presunção de culpa em desvafor do
profissional, conforme o entendimento que prevalece atualmente na jurisprudência nacional.
O tema, enfim, carrega consigo tamanha complexidade que necessita, pois, de estudos
e discussões contínuos. O presente trabalho apenas buscou delinear o tratamento jurídico
conferido pela doutrina e jurisprudência atual ao tema, na busca de facilitar o entendimento
quanto à interação que sempre existirá entre as ciências médicas e as jurídicas, mormente no
tocante à responsabilidade civil decorrente das cirurgias estéticas, assunto cada vez mais em
voga diante da utilização cada vez mais comum dos referidos procedimentos. Em se tratando
de um tema ligado aos constantes avanços das ciências médicas, não poderia ser tratado, de
modo algum, com exaustão ou com soluções estanques.
128
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