UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI PRÓ-REITORIA DE ...siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Verona...
Transcript of UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI PRÓ-REITORIA DE ...siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela Verona...
1
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E
CULTURA – PROPPEC
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS - PMGPP
SUSTENTABILIDADE E PREFERÊNCIA EM LICITAÇÕES PÚBLICAS –
ASPECTOS DA LEI NACIONAL Nº 12.349/2010
GABRIELA VERONA PÉRCIO
ITAJAÍ (SC)
2013
2
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E
CULTURA – PROPPEC
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS - PMGPP
SUSTENTABILIDADE E PREFERÊNCIA EM LICITAÇÕES PÚBLICAS –
ASPECTOS DA LEI NACIONAL Nº 12.349/2010
GABRIELA VERONA PÉRCIO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora no
Mestrado Profissional em Gestão de Políticas Públicas
da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, sob a
Orientação do Prof. Dr. Flávio Ramos, como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre
em Gestão de Políticas Públicas.
Itajaí (SC), 2013
4
RESUMO
A Lei nº 12.349/2010 trouxe importantes modificações para o cenário das
licitações públicas. Um novo objetivo foi agregado ao processo de contratação, que
deverá, doravante, além de buscar a proposta mais vantajosa mediante a preservação do
princípio da isonomia, servir de instrumento para o desenvolvimento nacional
sustentável. Sob essa diretriz, a possibilidade de conceder de preferência a produtos
manufaturados e serviços nacionais para promover o incremento do mercado interno foi
integrada à dinâmica da licitação, apresentando-se como uma política pública que tem
como principal atriz a Administração Pública, na condição de contratante de bens e
serviços. Numa abordagem multidisciplinar, o presente trabalho estuda os principais
aspectos da matéria, tomando como premissa o objetivo do desenvolvimento nacional
sustentável. Delimita, com base nas normas aplicáveis, o objeto da política pública e os
requisitos para obtenção da preferência; promove a compatibilização da política pública
em estudo com outras similares, igualmente executadas por meio das licitações; co-
relaciona a concessão da preferência às licitações sustentáveis; ressalta aspectos
controversos e tece críticas no intuito de contribuir para o aperfeiçoamento da política
pública e para o controle de sua efetividade. A base lógica operacional da pesquisa foi o
a método indutivo, empregando-se a técnica da pesquisa bibliográfica combinada com
as técnicas do referente e do fichamento.
Palavras-chave: licitação pública; preferência; margem de preferência; produtos
manufaturados; serviços nacionais; licitação sustentável; desenvolvimento nacional
sustentável; política pública.
5
ABSTRACT
Law 12,349/2010 brought important changes to the landscape of public bidding.
A new objective was added to the hiring process, so that it was required to look beyond
the lowest tender by preserving the principle of equality, to serve as a tool for
sustainable national development. Under this guideline, the possibility of granting
preference to domestic manufactured goods and services, to promote the expansion of
the internal market, was integrated into the bidding process, presenting itself as a public
policy whose main proponent is the Public Administration, as the contractor of goods
and services. In a multidisciplinary approach, this paper examines the main aspects
involved, taking as its premise the goal of sustainable national development. Based on
the applicable norms, it outlines the object of public policy and the requirements for
obtaining preference; promotes the compatibility of the public policy in question with
other similar policies, also executed by means of public bidding; correlates the granting
of preference with sustainable procurement; highlights controversial aspects and makes
criticisms, seeking to contribute to improving public policy and controlling its
effectiveness. The rationale of the research was the inductive method, using the
technique of bibliographic research combined with the techniques of referent and
cataloging.
Keywords: public bidding; preference; margin of preference; manufactured
products; national services; sustainable procurement; sustainable national development;
public policy.
6
SUMÁRIO
I Introdução....................................................................................................................7
II Desenvolvimento nacional, políticas públicas e uso do poder de compra do
estado....................................................................................................................13
II.1 Os desafios do desenvolvimento nacional e o papel do Estado na indução das
políticas públicas de desenvolvimento.....................................................................13
II.2 O poder de compra do Estado como ferramenta propulsora de políticas públicas de
desenvolvimento......................................................................................................20
II.3 Políticas públicas no Brasil: breve perspectiva histórica e crítica........................25
III A lei 12.349/2010 e a política pública de preferência a produtos e serviços
nacionais...............................................................................................................28
III.1 O ciclo da política pública...............................................................................28
III.2 Aspectos controversos: planejamento, transversalidade e
efetividade...............................................................................................................32
III.3 O objeto da política pública em estudo: delimitação necessária e críticas à
normatização existente............................................................................................41
IV A política pública de preferência a produtos manufaturados e serviços
nacionais e políticas públicas similares: desempate de propostas e benefício a
microempresas e empresas de pequeno porte e preferência a bens e serviços de
informática e automação......................................................................................49
IV.1 Margem de preferência versus desempate de propostas....................................49
IV.2 Margem de preferência versus microempresa e empresa de pequeno porte.......55
IV.3 Margem de preferência versus bens e serviços de informática e
automação......................................................................................................... ......61
V - A política de preferência a produtos manufaturados e serviços nacionais em
licitação e as exigências do desenvolvimento nacional sustentável......................64
V.1 Economia e meio ambiente...............................................................................64
V.2 A governança ambiental no Brasil....................................................................66
V.3 As licitações sustentáveis e a preferência a produtos manufaturados e serviços
nacionais................................................................................................................69
VI - Considerações Finais.............................................................................................76
Referências bibliográficas.............................................................................................80
7
I - INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos, a noção de crescimento econômico foi deixada para trás,
assim como os efeitos produzidos pela crença de que a pujança econômica de uma
nação é sinônimo de desenvolvimento, devendo ser obtida a qualquer custo. A noção de
desenvolvimento econômico, então, passou a predominar nos trabalhos acadêmicos,
trazendo um ressignificado às ações do Estado, as quais devem voltar-se não apenas à
melhora do padrão econômico, mas também dos padrões sociais, culturais e intelectuais
de uma dada sociedade (GONZÁLEZ, 2010).
A Constituição de 1988 consolidou a busca pelo desenvolvimento nacional
sustentável como um dos os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
Tornou juridicamente exigível do Estado práticas que resguardem a capacidade das
gerações futuras de satisfazerem as suas necessidades, obrigando a inserção, na agenda
política, de políticas públicas voltadas para a sustentabilidade ambiental.1 Desse modo,
antigas práticas desenvolvimentistas que não consideravam a variável da
sustentabilidade ambiental no planejamento e na execução tornaram-se inadmissíveis,
razão pela qual as políticas públicas que contenham ações voltadas unicamente para o
crescimento econômico são inconstitucionais.
A partir da década de 90, os governos brasileiros passaram a adotar as licitações
públicas como ferramenta de estímulo ao desenvolvimento nacional. A redação original
da Lei 8.666, promulgada em 1993, permitia que, em caso de empate, fosse dada
preferência a empresas brasileiras de capital nacional. Esse critério passou a ser
compreendido como inconstitucional com a revogação do art. 171 pela Emenda
Constitucional nº 6/95, que extinguiu do Texto Maior a menção a empresa brasileira de
capital nacional. Mas, o §2º do art. 3º da Lei nº 8.666/93 ainda permite a preferência,
em igualdade de condições, para bens e serviços produzidos no país, bens e serviços
produzidos ou prestados por empresas brasileiras e bens e serviços produzidos ou
prestados por meio de empresas que invistam em pesquisa e desenvolvimento
tecnológico no País, tendo sido, este último critério, incluído em 2005, pela Lei nº
11.196. Tal norma, em uma análise restrita, figura como critério para solução do
impasse gerado pelo empate entre propostas, contudo, o resultado mediato de sua
1 Tomou-se, no presente momento, o enfoque ambiental do conceito de desenvolvimento nacional
sustentável para o fim estrito desta introdução. Sua característica multifária não é ignorada e será
oportunamente abordada.
8
aplicação é, exatamente, a proteção ao mercado nacional, caracterizando-a, pois, como
uma política pública. Desde 2006, as microempresas e empresas de pequeno porte são
beneficiadas no processo licitatório pela incidência da Lei Complementar 123/06, que
lhes permite comprovar a regularidade fiscal apenas ao término do certame, além de
refazer sua proposta caso uma grande ou média empresa sagre-se vencedora da
licitação. Para tanto, suas propostas não poderão ser superiores à melhor proposta em
mais que 5% ou 10%, conforme se trate de pregão ou outra modalidade licitatória,
respectivamente, hipótese que vem sendo denominada pela doutrina de “empate ficto”.
Mais recentemente, produtos manufaturados e serviços nacionais passaram a ser
o alvo da preferência das contratações públicas, em conformidade com as alterações
promovidas pela Lei 12.349/10 na Lei 8.666/93. Decretos pelo Poder Executivo federal
vem sendo editados, fixando margens de preferência para casos específicos e
possibilitando a aplicação da norma. A mesma Lei determinou que, doravante, a
licitação também terá por objetivo a busca do desenvolvimento nacional sustentável,
consolidando, para tais processos, um novo paradigma claramente já aceito pela ordem
jurídica nacional e cuja observância, deve-se salientar, condiciona a legalidade da
aplicação das margens de preferência.
Essencialmente, o processo licitatório destinar-se-ia à seleção da proposta mais
vantajosa mediante preservação do princípio da isonomia, conforme determinava o art.
3º da Lei 8.666. A vantagem seria representada pela relação custo-benefício, exigindo-
se a aquisição de produtos e serviços de qualidade ao menor preço possível. A
preservação do princípio da isonomia ocorreria mediante a realização de exigências de
regularidade fiscal, com a comprovação do pagamento de tributos, e de qualificação
técnica e econômico-financeiras necessárias e suficientes para o estrito cumprimento do
objeto contratual, devidamente previstas em lei, conforme manda o inciso XXI do art.
37 da Constituição Federal. Enfim, o objetivo da licitação seria alcançar a melhor
contratação possível, assegurando a todos os interessados iguais condições de
participação. Contudo, essa noção de licitação como sendo instrumento adstrito à
satisfação de um interesse público específico e geralmente secundário2 não subsistiu à
2 A distinção entre interesse público primário e secundário tem berço na doutrina italiana. Em rápidas
palavras, apenas a título elucidativo, considera-se interesse primário o interesse público propriamente
dito, ou seja, aquele que representa o interesse da coletividade, dos administrados, a ser perseguido e
satisfeito pelo Estado por meio da Administração Pública. O interesse secundário, por sua vez, é aquele
decorrente das necessidades da Administração Pública voltadas para a realização do interesse público
primário, sendo chamados de instrumentais. Para maior aprofundamento, ver MELLO, Celso Antônio
Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 20. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, pp. 48-58.
9
necessidade de o Estado valer-se de meios eficazes para implementar políticas públicas
voltadas ao alcance de interesses primários. A possibilidade de usar o poder de compra
para finalidades regulatórias é prática incontestada, escrevendo, Baungartner (2005, p.
A3), talvez pioneiramente, que “as compras governamentais podem desenvolver a
economia sustentável, proporcionando competitividade, estímulo ao mercado formal,
proteção à concorrência, fomento à tecnologia, arrecadação de tributos, entre outros”.
Souto (2005, p. 3) também escreveu que o “poder de compra da Administração permite
que essa forma de atuar sobre o mercado se preste à produção de resultados de interesse
público da mais alta relevância”. Na mesma linha, Justen Filho (2010, p. 60) refere-se à
licitação como “um instrumento jurídico para a realização de valores fundamentais e a
concretização dos fins impostos à Administração”. Assim, a licitação vem sendo
utilizada como instrumento de regulação do mercado e indutor de políticas públicas,
colocando-se, o edital, como expressão do poder normativo da Administração Pública,
obrigando os inúmeros interessados nas contratações a se adequarem às suas exigências.
A concepção de “proposta vantajosa” modificou-se ao longo dos anos para
apropriar elementos que considerem não apenas a vantagem econômica. A proposta
escolhida será aquela que apresentar melhores condições para atender a demandas do
interesse coletivo considerando preço, capacidade técnica, qualidade, entre outros
(JUSTEN FILHO, 2010, p. 65), devidamente indicados no edital como condicionantes
da classificação. No caso das chamadas licitações sustentáveis ou verdes, por exemplo,
“consumir com responsabilidade ambiental, ou seja, levando em conta os impactos
ambientais, atende ao interesse público primário” (BIM, 2011, p. 191), o que autoriza a
considerar vantajosa uma proposta e declará-la vencedora do certame ainda que seu
preço não seja, dentre todos, o menor, por agregar custos decorrentes da observância de
práticas que atendem às normas ambientais. Similarmente, também se mostra possível,
em teoria, ao Poder Público pagar mais por produtos e serviços nacionais se isso
representar incremento ao mercado interno, a exemplo do que ocorre nos Estados
Unidos da América em virtude de seu American Buy Act. A Lei 12.349/2010, ao inserir
no caput do art. 3º da Lei 8.666 o objetivo de promover, via licitação, o
desenvolvimento nacional sustentável, não deixa dúvida quanto a essa nova concepção
da vantagem a ser perseguida na licitação, nem quanto à possibilidade de utilização
desse processo para a obtenção de fins outros que não o próprio contrato administrativo.
10
Doravante, proposta mais vantajosa será aquela que apresentar o menor preço, uma vez
obedecidas às exigências do desenvolvimento nacional sustentável, previstas na
legislação especial.
A mesma Lei 12.349/2010 trouxe para o bojo da Lei 8.666 nova regra para as
licitações públicas, detalhada nos parágrafos 5º a 9º do art. 3º, a qual será objeto de
análise no presente trabalho: produtos manufaturados e serviços nacionais terão
preferência de contratação sobre produtos considerados estrangeiros, ainda que isso
represente maior ônus imediato ao comprador, desde que se situem dentro de uma
margem de valor preestabelecida pelo Poder Executivo e, segundo a diretriz do caput do
art. 3º, desde que atendam às exigências do desenvolvimento nacional sustentável.
O objetivo explícito dessa política, decorrente da aplicação do Plano de Governo
“Brasil Maior”, é promover o desenvolvimento econômico favorecendo determinados
setores da produção nacional, especialmente aqueles que, ao longo de anos, vem
sofrendo com a concorrência dos produtos estrangeiros que ingressam no país a preços
mais competitivos. Segundo a exposição de motivos da Medida Provisória 495, que deu
origem à Lei 12.349/2010, trata-se “de diretriz de política pública que se coaduna ao
princípio isonômico, referenciado no caput do artigo 3º da Lei nº 8.666, de 1993,
considerando-se o intuito do poder público em assegurar, com base em critérios de
proporcionalidade e razoabilidade, adequados padrões de equilíbrio concorrencial nos
certames licitatórios e, desta forma, propiciar, efetivamente, condições equânimes na
oferta de produtos e serviços nacionais e estrangeiros.”
A novidade legislativa, por si, justifica o estudo. Alguns aspectos são
fundamentais para a compreensão da política pública e necessitam de análise
aprofundada, ao mesmo tempo em que conceitos técnicos e imprecisões textuais opõem-
se como verdadeiros obstáculos à clareza, fator indispensável ao controle de legalidade
e à posterior verificação da efetividade da política pública. É fundamental, ainda,
equacionar novas e antigas regras para que se mantenham intactos os princípios
norteadores da licitação e a execução de todas as políticas públicas inseridas no bojo
desse processo. A mudança de paradigma operada com a inclusão do desenvolvimento
nacional sustentável como objeto da licitação exige um repensar das ações
administrativas relacionadas às contratações públicas, o que deverá ocorrer sob a
premissa da coerência e da coesão do ordenamento jurídico vigente.
Ademais disso, há uma preocupação de fundo. Identifica-se, em um primeiro
plano, uma possível fragilidade da política pública em estudo no que tange à sua
11
eficácia e efetividade. Quando analisada sob o enfoque do desenvolvimento nacional
sustentável, indagações inerentes aos fundamentos jurídicos, relacionadas à
constitucionalidade, legalidade e legitimidade erigem preliminarmente, sendo elas:
a) Em um país repleto de demandas sociais como o Brasil, seria legítimo
reservar parcela do orçamento público para pagar mais por produtos e
serviços nacionais, ainda que o objetivo seja o desenvolvimento econômico
nacional?
b) Essa política será capaz de atender ao objetivo constitucional de promover o
desenvolvimento nacional sustentável, considerando a concepção ampla de
desenvolvimento, avessa ao crescimento econômico predatório?
c) Quais limites objetivos podem ser impostos ao Estado, que assegurem o
desenvolvimento econômico sustentável, sem o sacrifício de outros
interesses públicos primários?
d) O controle sobre a execução da política pública considerará a necessidade de
evitar o desequilíbrio de contas para permitir a implementação de outras
políticas públicas, especialmente as relacionadas ao provimento de direitos
chamados prestacionais?
e) O controle sobre a execução da política pública será suficiente para evitar
efeitos reflexos prejudiciais e indesejados a esses interesses públicos
primários?
Especificamente no que tange a tais questões, as correspondentes respostas não
serão alcançadas neste trabalho, elaborado em fase de implementação da política
pública. A proposta, para este aspecto, é apontar aspectos críticos que servirão para
nortear sua execução e controle, em caráter preventivo. Esse mesmo objetivo será
verificado em outros momentos da abordagem, nos quais restarão pendentes respostas a
questões que demandam estudos específicos, chamadas à reflexão para ressaltar
aspectos polêmicos que cercam a matéria.
Assim, em relação à política pública de preferência a produtos manufaturados e
serviços nacionais em licitações, este trabalho tem como objetivo geral a análise de seus
aspectos fundamentais e, como objetivos específicos:
a) Contextualizá-la no cenário político-econômico nacional;
b) Caracterizá-la, no tocante à sua forma, como ação legítima do Estado;
c) Caracterizá-la como ação condicionada à observância do objetivo do
desenvolvimento nacional sustentável;
12
d) Abordar aspectos controversos relacionados ao planejamento, à
transversalidade e à efetividade;
e) Delimitar seu objeto e os requisitos para a concessão da margem de
preferência;
f) Compatibilizá-la com outras políticas públicas similares implementadas por
meio da licitação;
g) Co-relacionar seu conteúdo às licitações sustentáveis;
h) Suscitar reflexões sobre aspectos polêmicos e práticos relacionados à
aplicação da norma.
Considerando a necessidade de variar a base lógico-investigativa, foram
utilizados como base lógica operacional da pesquisa o método indutivo, que na
descrição de Pasold (2005, p.104) se consubstancia em “pesquisar e identificar as partes
de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral” e o
método dedutivo, o qual, conforme o mesmo autor, se presta a “estabelecer uma
formulação geral e, em seguida, buscar as partes do fenômeno de modo a sustentar a
formulação geral”. A técnica empregada, por sua vez, foi a Técnica da Pesquisa
Bibliográfica em conjunto com o uso combinado das Técnicas do Referente e do
Fichamento.
Os procedimentos de pesquisa centraram-se em publicações especializadas sobre
os diversos temas abordados no trabalho, abarcando livros e artigos. Foram encontrados
especialmente artigos com divulgação na Internet, publicados em revistas especializadas
com versão equivalente impressa ou somente versão eletrônica; na Scientif Eletronic
Library Online – Scielo; em anais de congressos, simpósios e encontros, os quais, em
sua grande maioria, serviram à análise pretendida para o presente trabalho.
Foram consideradas, embora em número reduzido, publicações sucintas e
objetivas com caráter puramente elucidativo publicadas em informativos eletrônicos
especializados e sites de escritórios de advocacia com atuação na área de licitações e
contratos administrativos.
Também foram encontrados documentos publicados em sites do Governo
Federal, os quais serviram de suporte à análise do tema sob o enfoque político. Por
tratar-se de política pública relativamente recente, não foi encontrado número
significativo de artigos completos ou outras formas de publicações que abordassem
diretamente o tema deste trabalho.
13
A análise documental, em grande parte, foi realizada ao longo do primeiro
período de duração do curso, em 2011, por ocasião da elaboração de trabalhos finais das
matérias integrantes da grade curricular, os quais receberam o devido aprofundamento
para serem incorporados ao texto da dissertação.
Na etapa de estudo de aspectos pontuais da política pública, foram considerados
os textos da Lei nº 12.349/2010, da Lei nº 8.666/93 e dos decretos regulamentadores, os
quais foram analisados sob as regras da hermenêutica jurídica, com base nos métodos de
interpretação gramatical, sistemático e teleológico.
II – DESENVOLVIMENTO NACIONAL, POLÍTICAS PÚBLICAS E USO DO
PODER DE COMPRA DO ESTADO
II.1 Os desafios do desenvolvimento nacional e o papel do Estado na indução das
políticas públicas de desenvolvimento
O Brasil é um país com heterogeneidades e contradições que tornam
especialmente distinto o objetivo constitucional de atingir o desenvolvimento,
relacionado à ideia de mudança e a um salto de qualidade nas áreas econômica, social,
cultural e intelectual (GONZÁLEZ, 2010). Ao longo de décadas, fórmulas tem sido
testadas para a concretização de tais mudanças, produzindo avanços, mas também
retrocessos.
A tentativa de reforma do Estado implementada por Bresser-Pereira no Governo
FHC, em meados da década de 1990, na corrente do movimento de construção do
Estado Pós-Moderno, mundialmente em expansão, que soleniza o compromisso com a
busca de resultados que assegurem a concretização dos direitos fundamentais, produziu
modificações relevantes e continua influenciando sazonalmente os governos, mas não
logrou conclusão. A superação de atributos clássicos do Estado, sem oferecer os
precisos contornos de um novo modelo, imerso em incertezas e indeterminações, pode
ser apontada como uma das causas genéricas do fracasso (CHEVALLIER, 2009), que
também decorreu, entre outras causas específicas, da prevalência da reforma fiscal sobre
a institucional (ABRUCCIO, 2007).
O fenômeno da globalização, um sistema complexo de integração política,
econômica, jurídica, cultural e social de âmbito mundial, produz a desaceleração do
processo de desenvolvimento nacional, especificamente sob o enfoque econômico, na
14
medida em que o Estado brasileiro vislumbra uma forte vinculação dos problemas
nacionais às questões internacionais, deparando-se com um espectro de interesses
privados que influenciam as decisões político-econômicas em favor do externo
(GONZÁLEZ, 2010). A intensa pressão dos setores vinculados ao sistema capitalista
internacional pela desregulamentação e liberalização dos mercados produz drásticas
consequências para o mercado interno, escorchado pela agressiva atuação de países que
buscam além fronteiras as receitas que o seu próprio status de desenvolvimento
nacional não pode prover.
A Constituição da República Federativa do Brasil - CF/88 contém um conjunto
de normas que permitem a superação do subdesenvolvimento mediante ações do Estado
inseridas na esfera de deveres inarredáveis, passíveis de serem exigidas pela
coletividade e, em caso de omissão, gerar a necessária responsabilização. A cogência
das políticas públicas previstas no Texto Constitucional é decorrente da supremacia da
Constituição, um dos paradigmas de gestão pós moderna, que eleva a sua
implementação ao nível de dever e autoriza a intervenção do Poder Judiciário para
exigir seu cumprimento (PEREIRA JUNIOR e DOTI, 2009). Segundo o art. 3º, inc. II,
um dos objetivos fundamentais da República é garantir o desenvolvimento nacional.
Cabe lembrar, ad cautelam, a distinção entre as noções de desenvolvimento e de
crescimento econômico. Tal como ensina Eros Grau (1981), o desenvolvimento de um
país pressupõe mutações dinâmicas e um processo de mobilidade social contínuo e
intermitente. O desenvolvimento envolve aspectos qualitativos e quantitativos,
conduzindo a uma estrutura social nova, em um processo que abrange não apenas a
melhoria do padrão econômico, mas também dos padrões sociais, culturais e intelectuais
de uma dada sociedade (GONZÁLEZ, 2010). Sob o enfoque ambiental,
especificamente, o crescimento a qualquer custo resulta no consumo crescente de
energia e recursos naturais, o que, por si, é insustentável, levando ao esgotamento das
fontes naturais e dos serviços ecológicos essenciais dos quais todos somos dependentes.
O crescimento econômico, que muitas vezes se opera pelas desigualdades e por efeitos
sociais perversos, não é, portanto, conexo à condição de desenvolvimento, equação que
não apresenta equilíbrio em suas variáveis (VECCHIATI, 2004). Segundo Celso
Furtado, apenas quando o projeto social confere prioridade e concretiza o incremento
das condições de vida da população, o crescimento se transforma em desenvolvimento,
o que ocorrerá, contudo, mediante vontade política, em uma sociedade que desempenhe
15
um papel dinâmico nesse processo evolutivo (FURTADO, 1961, apud Cadernos do
Desenvolvimento).
A busca pelo desenvolvimento nacional é um grande desafio, permanecendo, os
mecanismos sutis que conduzem a ele, envoltos em um grande mistério (ARBIX, 2007).
São necessárias ações em setores diversos e complementares, entre eles a educação, a
ciência e a tecnologia, com o objetivo de propiciar ao Brasil o desenvolvimento de
tecnologias que produzam a modernização econômica e social e permitam a
participação igualitária no mercado internacional (GONZÁLES, 2010), deixando a
condição de economia periférica e passando a usufruir dos benefícios oferecidos pelo
mercado globalizado. De acordo com o art. 219 da CF/88, “o mercado interno integra o
patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural
e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia do País, nos termos de lei
federal”, não havendo dúvidas quanto ao dever do Estado, sob o mote do
desenvolvimento nacional, de intervir na economia, criando e implementando políticas
públicas para setores incapazes de competir igualitariamente com o mercado externo.
Apesar da evolução do conceito de desenvolvimento nacional que se operou nas
últimas décadas, o desenvolvimento econômico continua a orientar, precipuamente, as
ações do Estado. Contudo, na esteira do movimento mundial em torno da conservação e
preservação do meio ambiente e com respaldo no próprio Texto Constitucional,
encontra-se definitivamente adjetivado pela sustentabilidade, não se admitindo,
modernamente, um desenvolvimento econômico focado apenas ao aumento da
produção, do consumo e da riqueza, agregando-se obrigatoriamente a tais fatores a
busca por um desenvolvimento sociocultural, que preserve recursos naturais e não gere
ou amplie diferenças sociais. Muito embora o conceito de desenvolvimento sustentável
ainda seja um conceito em evolução (MATOS; ROVELLA, 2011), é perfeitamente
possível identificar os deveres do Estado que concretamente exalam dessa nova
concepção de desenvolvimento equilibrado, que trata de monitorar, gerir e controlar os
estoques de recursos naturais (FERNANDES, 2003). Equilibrar ou reequilibrar essa
equação econômica e social talvez seja um dos mais difíceis desafios de nossos tempos.
O conceito de sustentabilidade em breve deverá ser substituído por sobrevivência.
Deve-se então ter em mente um sistema jurídico e político com metas claras ao menos
para garantir a sobrevivência humana. A atuação do Estado, enquanto garantidor dos
direitos humanos de cidadania e sobrevivência socioambiental deve, então, ser
exemplar.
16
Uma vertente ainda tímida do debate atual acerca do desenvolvimento nacional
propugna que o desígnio de uma nação rica social, econômica, científica e
tecnologicamente e a criação de uma verdadeira espiral do desenvolvimento econômico
sustentável, depende fundamentalmente de iniciativas nos campos da ciência, da
tecnologia e da inovação, voltadas para capacidade do Estado e do setor empresarial de
desenvolver e aplicar políticas e incentivos destinados à criação de ambientes e
processos capazes de gerar riquezas adicionais a partir da inteligência nacional e do que
já existe no País (FANTINE; ALVIM, 2011). Segundo essa teoria, que já se difunde no
País, a nova essência de um processo desenvolvimentista seria inteligência, tecnologia e
inovação decorrentes, transformando-se em moeda ou capacidade de agir,
competitivamente, no mercado mundial e nacional, seguindo o exemplo de países que
se tornaram industrialmente poderosos sem dispor de riquezas naturais como o Brasil.
Nessa esteira, a propósito, estudos da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2004 confirmaram que o desenvolvimento de
produtos ou processos inovadores para os padrões mundiais proporcionam aos
respectivos países benesses competitivas singulares em mercados dispostos a aumentar
as quantidades adquiridas e a pagar preços altos, justificando, pois, políticas públicas
nessa direção (ARBIX, 2007).
Contudo, é importante ressaltar que os debates deflagrados pelas realidades de
países que eclodiram em desenvolvimento, como os denominados Tigres Asiáticos,
convergiram para as escolhas de longa duração, em detrimento das estratégias de curto e
médio prazo, realçando o fato de que os mecanismos de impulsão do crescimento não
são espontâneos, automáticos ou naturais (ARBIX, 2007). Os extensos processos de
aprendizagem e inovação, produção do conhecimento e capacitação científica e
tecnológica estiveram na raiz do desempenho diferenciado de tais países, motivando o
estudo de como esses processos possibilitaram a superação do atraso social e econômico
e o catching-up.3 Em tal contexto, as políticas públicas, revitalizadas e redefinidas,
surgiram como “atividade nobre”, tendo, o Estado, desempenhado papel de suma
relevância como indutor de escolhas que sustentaram um crescimento econômico de
longo prazo.
Cardoso Jr. (2009) analisou o papel que o Estado, o planejamento público
governamental e as políticas públicas federais devem e podem ocupar como indutoras
3 Citando Arbix (2007), o conceito de catch up refere-se às habilidades que um determinado país
desenvolve para viabilizar a redução da distância que o separa de um país líder.
17
do desenvolvimento nacional. Tomando como premissas as sete grandes dimensões ou
eixos estruturantes para o desenvolvimento brasileiro identificadas pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA ao longo do processo de planejamento estratégico
em curso por ele referidas, quais sejam: (1) inserção nacional soberana; (2)
macroeconomia para o pleno emprego; (3) infraestrutura econômica, social e urbana; (4)
estrutura tecnoprodutiva avançada e regionalmente articulada; (5) sustentabilidade
ambiental; (6) proteção social, garantia de direitos e geração de oportunidades; (7)
fortalecimento do Estado, das instituições e da democracia, o autor elencou dimensões
que comporiam, no Brasil, “o espectro de qualificativos indispensáveis para uma
compreensão contemporânea, civilizada e civilizante do desenvolvimento” (CARDOSO
JR., 2009. p. 4), além da dimensão social, as quais estariam em estágio de maturação
política inicial, mas já presentes em debates públicos. Em apertada síntese:
a) Em primeiro lugar, a questão dos espaços possíveis e adequados de
soberania em suas respectivas inserções e relações externas, partindo da
premissa de que o movimento das forças de mercado, sozinho, não conduz
economias capitalistas a condições aceitáveis de emprego, geração e
distribuição de renda, sendo, o pleno emprego dos fatores produtivos, entre
eles o conhecimento, interesse e objetivo coletivos, apenas possível por um
manejo de políticas públicas que articule virtuosamente os diversos atores
sociais em torno de projetos de desenvolvimento includentes, sustentáveis e
soberanos.
b) Em segundo lugar, aspectos microeconômicos cruciais do desenvolvimento,
ligados às esferas da produção (primária, secundária e terciária), da inovação
e da competitividade sistêmica e dinâmica das empresas e do próprio país
são questões que se mostram relevantes no plano estritamente interno.
Contudo, ressalta que não se trata de priorizá-las frente a outras dimensões
igualmente relevantes do desenvolvimento, sendo clara a compreensão de
que ganhos sistêmicos e dinâmicos de produtividade somente podem ser
obtidos de também estiverem satisfeitas condições postas pelas dimensões da
soberania externa, da coerência macroeconômica, da regulação pública, da
sustentabilidade ambiental, da convergência regional, do equilíbrio
campo/cidade, da inclusão e sustentação humana e social, dentre outras.
Concebem-se, no entendimento do autor, as atividades de ciência, tecnologia
e inovação, territorialmente articuladas, como fundamentais para a redução
18
das desigualdades e para o desenvolvimento nacional, reforçando-se que as
políticas de desenvolvimento produtivo e tecnológico devem ser econômica,
social e ambientalmente sustentáveis, além de atentas às diversas realidades
regionais.
c) Em terceiro lugar, temáticas ligadas à territorialização e regionalização do
desenvolvimento, com a redução de desigualdades entre os diferentes
espaços de um lado e a configuração planejada das cidades, de sua
infraestrutura, habitação, saneamento e transporte público de outro.
d) Em quarto lugar, cidadania, inclusão e proteção social seriam elementos
constitutivos cruciais para estratégias e trajetórias de desenvolvimento com
equidade. “A expansão e a consolidação dos direitos civis, políticos e
sociais, reunidos sob a ideia de cidadania, devem, portanto, orientar o
planejamento, a implementação e a avaliação das políticas públicas em
geral.” (CARDOSO JR., 2009, p. 7.)
Ao final, o autor suscita questões pertinentes ao debate público e que
representam, em grande parte, preocupações relacionadas a este trabalho, razão pela
qual seguem transcritas:
Em que consiste a prática de planejamento governamental hoje e que
características e funções deveria possuir, frente à complexidade dos
problemas, das demandas e necessidades da sociedade?
Quais as possibilidades de redesenho e revalorização da função planejamento
governamental hoje?
Quais as características (atualmente existentes e aquelas desejáveis) e quais
as possibilidades (atualmente existentes e aquelas desejáveis) das instituições
de Governo/Estado pensadas ou formatadas para a atividade de planejamento
público?
Quais os instrumentos e técnicas existentes (e quiçá aqueles necessários ou
desejáveis) para as atividades de planejamento governamental condizentes
com a complexidade dos problemas, das demandas e necessidades da
sociedade?
Que balanço se pode fazer das políticas públicas nacionais mais importantes
em operação no país hoje?
Que diretrizes se pode oferecer para o redesenho (quando for o caso) dessas
políticas públicas federais, nesta era de reconstrução dos Estados nacionais, e
como implementá-las? (CARDOSO JR., 2009, p. 8.)
19
Para Magalhães (2009, p. 259), a discussão sobre desenvolvimento deve retornar
à esfera política, retirando-lhe a roupagem técnica e afastando-a dos denominados
“modelos econométricos”, em que a técnica do economista é usada para vestir as
decisões políticas. Em suas palavras:
Esse estado de espírito sob aparente roupagem técnica é que precisa ser
enfrentado, em luta aberta de índole política, colocando em confronto os que
pregam a essencialidade de um projeto de desenvolvimento sob a égide do
governo e os que defendem o aprofundamento do projeto neoliberal, que
desde a sua implantação, no início dos anos 1990, não garantiu ao país senão
taxas pífias de desenvolvimento econômico, contribuindo para o
agravamento das condições de vida de grande parte da população, cuja
situação não está ainda mais grave pelo efeito amortecedor provocado pelos
programas sociais de natureza compensatória que o governo vem executando.
Nessa esteira, o autor defende a necessidade de que o Estado seja mais atuante
no planejamento dos rumos do processo, sendo
“mais que oportuno, na proximidade do segundo século de independência –
em 2022 o país comemorará 200 anos de autonomia política - que o Brasil
volte a discutir, para valer, um projeto nacional de desenvolvimento, único
instrumento capaz de rasgar caminhos para a resolução definitiva da questão
social (...).” (MAGALHÃES, 2009, p. 255.)
Ainda segundo Magalhães (2009, p. 255), a opção brasileira pela liberalização
da economia como consequência da globalização na década de 1990 teria passado para
segundo plano a discussão sobre a importância de um projeto nacional de
desenvolvimento como elemento aglutinador da vontade política dos brasileiros. E,
diante dessa lacuna, a agenda política teria se deslocado para temas como inflação,
gastança pública e privatização.
E, sobretudo, engendrou uma agenda negativa de desmoralização dos
governos, como as entidades a serem desconstruídas, quando são as únicas
capazes de lastrear as mudanças necessárias para a implementação de
decisões essenciais para que o país cresça a taxas que permitam combinar,
com a urgência requerida, desenvolvimento e justiça social.
20
Em tempo, o autor esclarece que não se trata de converter o Estado em
empresário ou em produtor de riqueza, mas de assumir o papel de mobilizador das
energias nacionais “como catalisador e formulador de um projeto nacional que desperte
no inconsciente coletivo o desafio de participar de um esforço conjunto de transformar a
realidade brasileira” (MAGALHÃES, 2009, p. 260). A utilização de instrumentos de
planejamento sob a liderança regulatória do Estado possibilitaria o crescimento às
maiores taxas, como mostra a história da Rússia, Índia e China, consideradas por ele a
melhor demonstração do sucesso dos projetos de desenvolvimento logrados sob a
liderança de Estados nacionais. O projeto nacional deveria, pois, segundo entende, ser
norteado por uma política de desenvolvimento e pleno emprego.
II.2 O poder de compra do Estado como ferramenta propulsora de políticas
públicas de desenvolvimento
A atuação normativa concretiza a intervenção do Estado na economia em
sentido lato, ou seja, toda atuação do Estado no âmbito da economia, admitindo-se
como tal qualquer tipo de atividade institucional que reflita a participação direta ou
indireta do Estado nessa seara (COLLAÇO, 2011). Nos anos 2000, houve no Brasil
uma significativa intervenção nesse sentido. A preocupação principalmente com o
ingresso de produtos e serviços estrangeiros no mercado interno, a preços muito mais
competitivos do que os nacionais, tem conduzido a uma atividade estatal reguladora, de
criação de incentivos ao mercado nacional. Não se trata de atuação inovadora, pois tais
espécies de discriminações são praticadas por diversos países, inclusive os
desenvolvidos, em defesa da economia nacional e em nome do princípio da soberania
(GRAU, 1981).
As compras públicas também passaram a ser utilizadas como ferramenta de
indução de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento de setores estratégicos,
servindo, o poder econômico do Estado, aos seus objetivos maiores. Não se olvida
tratar-se, esta, de uma atuação legítima e lícita. Segundo Souto (2005), o poder de
compra da Administração possibilita uma forma de atuação no mercado que se preste a
resultados de interesse público primário. Ferraz (2009), enfocando o uso da licitação
como instrumento de regulação de mercado, afirma que uma leitura constitucionalizada
da licitação possibilita prescrever-lhe outros papéis fundamentais à economia de
mercado, sendo necessária uma mudança de paradigma, percebendo e aceitando que a
21
licitação é um instrumento de alcance e garantia do interesse público e que nem sempre
cabe na rigidez dos Códigos. Justen Filho (2002, p. 40), conceituando regulação,
escreve tratar-se do “conjunto ordenado de políticas públicas que buscam a realização
dos valores econômicos e não econômicos”, envolvendo a “adoção de medidas
legislativas e de natureza administrativas destinadas a incentivar práticas privadas
desejáveis e reprimir tendências individuais e coletivas incompatíveis com a realização
dos valores fundamentais da República”. Ressaltando a necessidade de sincronizar, no
Brasil, as atividades de administração pública e de políticas públicas, Moreira (2011)
defende a possibilidade de “governar por contratos” e a eficácia dessa medida para
garantir a efetividade das políticas públicas. Assim, não há óbice jurídico a que as
contratações administrativas sirvam de instrumentos à regulação do mercado.
Essencialmente, o processo licitatório destinar-se-ia à seleção da proposta mais
vantajosa mediante preservação do princípio da isonomia, conforme determinava o art.
3º da Lei 8.666. A vantagem seria representada pela relação custo-benefício, exigindo-
se a aquisição de produtos e serviços de qualidade ao menor preço possível. A
preservação do princípio da isonomia ocorreria mediante a realização de exigências de
regularidade fiscal, com a comprovação do pagamento de tributos, e de qualificação
técnica e econômico-financeiras necessárias e suficientes para o estrito cumprimento do
objeto contratual, devidamente previstas em lei, conforme manda o inciso XXI do art.
37 da Constituição Federal. Enfim, o objetivo da licitação seria alcançar a melhor
contratação possível, assegurando a todos os interessados iguais condições de
participação. Contudo, essa noção de licitação como sendo instrumento adstrito à
satisfação de um interesse público específico e restrito, geralmente secundário, não
subsistiu à necessidade de o Estado valer-se de meios eficazes para a implementação de
políticas públicas e para o alcance de interesses públicos primários. A possibilidade de
usar o poder de compra para finalidades regulatórias é prática incontestada, escrevendo,
Baungartner (2005), talvez pioneiramente, que “as compras governamentais podem
desenvolver a economia sustentável, proporcionando competitividade, estímulo ao
mercado formal, proteção à concorrência, fomento à tecnologia, arrecadação de tributos,
entre outros”. Souto (2005) também escreveu que o “poder de compra da Administração
permite que essa forma de atuar sobre o mercado se preste à produção de resultados de
interesse público da mais alta relevância”. Na mesma linha, Justen Filho (2010, p. 60)
refere-se à licitação como “um instrumento jurídico para a realização de valores
fundamentais e a concretização dos fins impostos à Administração”. Assim, a licitação
22
vem sendo utilizada como instrumento de regulação do mercado e indutor de políticas
públicas, colocando-se, o edital, como expressão do poder normativo da Administração
Pública, obrigando os inúmeros interessados nas contratações a se adequarem às suas
exigências. Considerando as modificações promovidas pela Lei 12.349 na Lei 8.666,
Ferreira (2012, p. 41) destaca a promoção do desenvolvimento nacional sustentável
como a terceira função social da licitação pública, escrevendo que “outrora, os
processos licitatórios podiam servir de instrumento para fomentar comportamentos de
pessoas físicas e de pessoas jurídicas que se revelam úteis ou necessários à promoção do
desenvolvimento nacional sustentável. Agora, devem”.
A concepção de “proposta vantajosa” modificou-se ao longo dos anos para
apropriar elementos que considerem não apenas a vantagem econômica. A proposta
escolhida será aquela que apresentar melhores condições para atender a demandas do
interesse coletivo considerando preço, capacidade técnica, qualidade, entre outros
(JUSTEN FILHO, 2010, p. 65), devidamente indicados no edital como condicionantes
da classificação. No caso das chamadas licitações sustentáveis ou verdes, por exemplo,
“consumir com responsabilidade ambiental, ou seja, levando em conta os impactos
ambientais, atende ao interesse público primário” (BIM, 2011, p. 109), o que autoriza a
considerar vantajosa uma proposta e declará-la vencedora do certame ainda que seu
preço não seja, dentre todos, o menor, por agregar custos decorrentes da observância de
práticas que atendem às normas ambientais. Similarmente, também se mostra possível,
em teoria, ao Poder Público pagar mais por produtos e serviços nacionais se isso
representar incremento ao mercado interno, a exemplo do que ocorre nos Estados
Unidos da América em decorrência do American Buy Act.
Foi a partir da década de 1990 que os governos brasileiros passaram a adotar as
licitações públicas como ferramenta de estímulo ao desenvolvimento nacional. A Lei
8.666/93 - Lei de Licitações e Contratos administrativos – admite como critério de
desempate na disputa, em igualdade de condições, que seja dada preferência,
sucessivamente, a bens e serviços produzidos no país, produzidos ou prestados por
empresas brasileiras e produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa
e no desenvolvimento de tecnologia no País (art. 3º, §2º). A preferência a empresas
brasileiras de capital nacional situava-se como primeira opção nesse rol (inc. I), mas
não vinha sendo aplicada desde a Emenda Constitucional nº 6, de 1995, que revogou o
art. 171 da Constituição da República. O dispositivo estabelecia distinção entre
empresas brasileiras e empresas brasileiras de capital nacional, possibilitando a estas
23
benefícios considerados necessários ao desempenho de atividades estratégicas ou
imprescindíveis ao desenvolvimento nacional e, ainda, a possibilidade de tratamento
preferencial nas aquisições de bens e serviços. A Lei 12.349/2010, que alterou a Lei
8.666/93, corrigiu essa incompatibilidade, revogando expressamente o inc. I do §2º do
seu art. 3º. O mesmo art. 3º da Lei 8.666/93 permite a preferência, em igualdade de
condições, nessa ordem, para bens e serviços produzidos no país, bens e serviços
produzidos ou prestados por empresas brasileiras e bens e serviços produzidos ou
prestados por meio de empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de
tecnologia no País. Em uma análise restrita, a norma figura como um critério de
solução de impasse gerado pelo empate entre propostas, mas o resultado mediato de sua
aplicação é, exatamente, a proteção ao mercado nacional, caracterizando-a como uma
política pública de caráter residual. Nessa esteira, desde 2006, as microempresas e
empresas de pequeno porte são beneficiadas no processo licitatório pela incidência da
Lei Complementar 123/06, que lhes permite comprovar a regularidade fiscal apenas ao
término do certame, além de refazer sua proposta caso uma grande ou média empresa
sagre-se vencedora da licitação. Para tanto, suas propostas não poderão ser superiores à
melhor proposta em mais que 5% ou 10%, conforme se trate de pregão ou outra
modalidade licitatória, respectivamente, hipótese que vem sendo denominada pela
doutrina de “empate ficto”.
Mais recentemente, produtos manufaturados e serviços nacionais passaram a ser
beneficiados pela preferência em contratações públicas, em conformidade com as
alterações promovidas pela Lei 12.349/10 na Lei 8.666/93. Doravante, atos do Poder
Executivo poderão estabelecer margem de preferência nas licitações para tais produtos e
serviços, de até 25% sobre os preços de produtos manufaturados e serviços estrangeiros,
a qual será aplicada se forem atendidas as normas técnicas brasileiras. Na fixação dos
percentuais deverão ser considerados indicadores relacionados à geração de emprego e
renda, o efeito na arrecadação de tributos federais, estaduais e municipais, o
desenvolvimento e a inovação tecnológica realizados no País, o custo adicional dos
produtos e serviços; nas revisões periódicas, deverá ser realizada uma análise
retrospectiva de resultados. Ainda, produtos e serviços que resultarem de
desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País também poderão beneficiar-
se de margem de preferência adicional à normal, também limitada a 25%. É oportuna,
contudo, a crítica de Niebuhr (2011), questionando a eficácia da política pública tal
como concebida:
24
(...) a margem de preferência importa que certo estado da Federação despenda valores
mais elevados em contrato administrativo a favor de empresa que, muitas vezes, produz
noutro estado, o que não lhe traz nenhum benefício direto. Os tributos serão arrecadados
e os empregos serão criados nos estados de origem. A margem de preferência
beneficiará os estados industrializados, expandindo as desigualdades regionais.
Outrossim, a correlação entre o sucesso no certame e a criação de empregos nem
sempre é verdadeira ou necessária. A Lei nº 12.349/10 não prescreve nenhuma
obrigação para a empresa beneficiada de manter ou criar empregos. Por exemplo, pode
ser que, em razão do contrato administrativo, a empresa beneficiada invista em
maquinário, novos equipamentos e demita empregados. Pode ser que outros fatores,
estranhos à licitação pública e ao contrato administrativo, acarretem a demissão de
empregados.
De mais a mais, quantos empregos devem ser mantidos ou criados para compensar o
pagamento a maior pela Administração Pública? Enfim, quanto custa um novo emprego
ou a manutenção de um emprego? Qual o impacto para o Estado brasileiro? Por
exemplo, vale a pena pagar dez milhões de reais a mais em contrato administrativo em
troca da criação de dez novos postos de trabalho? Como mensurar quanto vale a pena
pagar a mais em contrato administrativo por dez novos postos de trabalho? (...)
O problema é como estabelecer essa relação de proporcionalidade entre quanto a
Administração Pública pagará a mais e quanto o Estado brasileiro será beneficiado com
a contratação do nacional em lugar do estrangeiro.
Cálculos desse quilate dependem de uma plêiade de variáveis, praticamente impossíveis
de serem definidas de antemão por ato do Executivo federal e para todo o País. É
inviável empreender avaliações desse porte de maneira científica e com o mínimo grau
de objetividade, sopesando todos esses fatores de maneira abstrata, sem saber qual
empresa será beneficiada, quanto ela pagará de tributos e para quem, quantos empregos
ela realmente pretende criar e qual tecnologia será aplicada ao contrato. O receio é que a
margem de preferência seja definida intuitivamente, diante de critérios casuísticos, mais
políticos do que técnicos.
A exposição de motivos da Medida Provisória 495/2010, que deu origem à Lei
12.349/2010, deixa clara a intenção de posicionar o Estado, efetivamente, como agente
indutor do desenvolvimento nacional, mediante a utilização de seu poder de compra
para estimular a produção doméstica de bens e serviços e produzir um correlato efeito
multiplicador sobre o nível de atividade e a geração de emprego e renda (VALENTE,
2011). E, acrescenta-se, a aplicação concreta dessas margens de preferência não se
poderá distanciar do propósito do desenvolvimento nacional sustentável, estando, sua
25
legalidade, condicionada ao atendimento deste objetivo, em seu sentido amplo,
conforme adiante se verá.
II.3 Políticas públicas no Brasil: breve perspectiva histórica e crítica
A concepção de políticas públicas nasceu nos EUA como disciplina acadêmica,
sem estabelecer uma ligação do papel do Estado sobre a ação do Governo. Por sua vez,
na Europa, a área da Política Pública surge como um divisor explicativo entre o papel
do Estado em relação ao Governo (PIMENTA DE FARIA, 2003; SOUZA, 2007;
TREVISAN e VAN BELLEN, 2008). Souza (2007) alerta sobre as dificuldades em
obter consensos no que se poderia compreender como políticas públicas. Os estudos
envolvendo o tema, na Europa, apresentam acentuadas diferenças com as pesquisas
desenvolvidas nos Estados Unidos. O enfoque da perspectiva européia contempla a
própria concepção e o papel do Estado, enquanto nos EUA a preocupação reside nas
efetivas ações governamentais. De um lado, essas diferenças correspondem à amplitude
que podem assumir temas ou áreas disciplinares como meio ambiente, políticas
públicas, democracia etc. Mais do que disciplinas tradicionais, conferem centros
irradiadores de abordagens diversas e, muitas vezes, divergentes.
As noções de descentralização dos processos decisórios e as noções de
participação e cidadania ampliadas e novas e inovadoras formas de gestão permeiam o
debate na atualidade. Formas de participação, limites dessas mesmas concepções de
participação e deliberação e transformações na esfera democrática predominam nesse
amplo debate envolvendo as relações entre Estado e sociedade e as políticas públicas
advindas desse processo (ARRETCHE, 1999, FREY, 2004; GUGLIANO, 2004, 2005;
NOGUEIRA, 2004; PAES DE PAULA, 2005).
No Brasil, os estudos envolvendo políticas públicas são relativamente recentes.
A década de 1980 inaugurou uma sequência de trabalhos contemplando o tema, fruto do
processo de democratização do País. Cidadania, direitos humanos, saúde, educação e as
ações sociais do Estado brasileiro constituíram esse ambiente fecundo para que as
políticas públicas e seus enfoques sociais ganhassem destaque. Houve um esforço
acentuado para que tais ações fossem devidamente analisadas, desde aspectos
envolvendo a formulação dessas políticas, como sua efetividade. As relações entre
Estado e sociedade, adquirindo novos patamares, privilegiam atores até então não
contemplados por estudos do gênero. De outro lado, os cidadãos encontram
26
dificuldades para exigir que as ações governamentais sejam cumpridas, por vários
motivos e interesses. A garantia de uma efetiva accountability encontra limitações. A
relação entre governos e cidadãos e entre Estado e Sociedade não favorecem o
monitoramento e a avaliação dos programas sociais, mecanismos que podem contribuir
para formas de controle social das ações governamentais (PIMENTA de FARIA, 2005;
JANNUZZI, 2005; PRZEWORSKI, 2006, ABRUCIO, 2007; ARRETCHE, 2007).
A Constituinte de 1988 definiu em grande parte o desenho do Estado brasileiro e
as concepções de políticas públicas a partir dessa nova arquitetura. A redemocratização
criou um ambiente mais propício para que os cidadãos pudessem participar de um
debate mais amplo envolvendo os assuntos que afetam a sociedade e o espaço público.
Destaca-se a consolidação da esfera municipal como responsável pelo desenvolvimento
local (CRFB, art. 182 e ss). Os espaços públicos não estatais tornaram-se arenas de
negociação entre as diversas instituições públicas e as demandas da sociedade (FREY,
2004; GUGLIANO, 2004; NOGUEIRA, 2004, 2008; PAES DE PAULA, 2005).
A década de 1990 trouxe o debate envolvendo o desenho do Estado e as
reformas administrativas englobando a estrutura burocrática brasileira. A ideologia
(neo) liberal conheceu seu apogeu e as reformas administrativas que contemplaram
organizações públicas e a busca por flexibilidade nos modelos de gestão foram
associadas a esse movimento de escala global. A abordagem neoliberal cedeu espaço
para novas formas de crescimento econômico, welfare state e democracia. Draibe
(2007) assinala que possivelmente estejamos a vivenciar, não apenas no Brasil, uma
nova fase de política desenvolvimentista em que o Estado assume compromissos
abandonados desde meados da década de 1980. Independente das divergências
envolvendo o tema, fatos como a intervenção do Estado assumindo a promoção de
políticas de desenvolvimento ganham destaque na atualidade.
Mas, a discussão em torno da configuração do Estado e da formulação,
implementação e avaliação de políticas públicas permanece ativa. Os instrumentos
formais de representatividade, notadamente os processos de controle vertical,
demonstram não atender às necessidades de uma sociedade multifacetada. Demandas
diferenciadas fazem pressão sobre um Estado que não apresenta as respostas esperadas.
A confusão entre governo e Estado e a concentração e manutenção de poder subsumem
a gestão e a cidadania a um segundo plano, equiparando-as a meras consequências do
poder político.
27
O acesso dos problemas à agenda política ocorre, predominantemente, sob
critérios políticos e eleitorais, atendendo a interesses partidários, em prejuízo de um
planejamento considerando resultados de longo prazo. A propósito do tema, Munhoz
(2009) registra o “o aumento excepcional das áreas desmatadas em períodos de
transição administrativa, ou seja, nos anos de mudança de governo”, indicando
fragilidade institucional dos setores da administração federal responsáveis pela
aplicação de políticas de defesa do meio ambiente e recursos naturais. O planejamento
com o objetivo de garantir a eficiência da gestão pública e da própria política pública,
que exige racionalidade nas decisões para que sejam evitados processos econômicos,
sociais e políticos cumulativos e irreversíveis, em direções indesejadas (SILVA, 2011),
não é devidamente realizado por força de interesses diversos da estrita satisfação do
interesse público.
Oliveira (2006) relata que, a despeito de terem sobrevindo, no Brasil, mudanças
significativas nos aspectos que caracterizam as diferenças dos processos de
planejamento de políticas públicas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento –
político e institucional, capacidade financeira e capacidade técnica de gestão – não
houve melhoria de resultados na efetividade das políticas públicas. Segundo avalia,
apesar de mais de 20 anos de democracia não há, ainda, um sistema político-
institucional efetivo no planejamento, remanescendo conflitos de jurisdição e
distribuição de responsabilidades entre os níveis de governo e organizações estatais,
além da pouca accoutability. Apesar do aumento expressivo da arrecadação, o Estado
ainda dedica boa parte dos recursos para pagamento de dívida, folha salarial e déficits
da Previdência. Ainda, a evolução da capacidade de gestão do planejamento não teria
sido suficiente para corrigir falhas de articulação entre as organizações envolvidas no
planejamento das diversas políticas públicas, limitando seu planejamento. Em
acréscimo, o autor conclui, sob outro enfoque, que a visão do planejamento como uma
forma de controle da economia e da sociedade ao invés de um processo de decisão
construído política e socialmente com os diversos atores interessados e afetados pela
decisão responderia à indagação sobre por que costumamos falhar no planejamento das
políticas públicas.
28
III A LEI 12.349/2010 E A POLÍTICA PÚBLICA DE PREFERÊNCIA A
PRODUTOS E SERVIÇOS NACIONAIS
III.1 O ciclo da política pública
O processo de formação de uma política pública inicia-se a partir da
identificação de um problema ou de um estado de coisas que exija uma intervenção
governamental. O ingresso de uma questão na agenda governamental depende de tornar-
se um problema político a partir de mobilização de atores articulados suficientemente a
ponto de fazer como seja reconhecida como problema e entre na agenda (MENICUCCI,
2006). A transição de uma questão para a agenda como alvo de decisões e ações
públicas deve ser explicada em cada caso concreto, considerando o contexto social,
político e econômico e a compreensão dos problemas que guiaram o processo de
definição das políticas. Sob essa perspectiva, questão fundamental na análise de
políticas públicas é a compreensão de sua origem e criação. Para tanto, existem diversos
modelos de formulação e análise de políticas (JANNUZZI, 2005; SOUZA, 2007;
CAPELLA, 2007; TREVISAN e VAN BELLEN, 2008).
Aparentemente, a edição da Lei 12.349/2010 e a política pública de preferências
a produtos manufaturados e serviços nacionais em licitações seguiu o ciclo da política
pública – Modelo Multiple Stream, idealizado por John Kingdom, que privilegia os
processos situados em momento anterior à formação da decisão, quais sejam, a
formação da agenda e a construção das alternativas de solução. A construção desse
modelo inicia-se com a busca pelas respostas às seguintes indagações: Por que alguns
problemas se tornam importantes para um governo? Como uma ideia se insere no
conjunto de preocupações dos formuladores de políticas, transformando-as em uma
política pública? (CAPELLA, 2007)
Para Kingdom, a multiplicidade de questões com potencial para ser consideradas
problemas e, assim, ingressarem na agenda decisional demonstra que isso ocorre apenas
com aquelas que realmente importam aos formuladores de políticas públicas. São
questões que já se encontram prontas para a decisão e transformação em políticas
públicas. Nesse passo, é a convergência de três fluxos – problemas, soluções ou
alternativas e política – que determina, em um determinado momento crítico, a alteração
da agenda decisional (KINGDOM, 2003).
29
No fluxo dos problemas, o autor propõe que o interesse especialmente relevante
dos formuladores de políticas públicas será despertado mediante a interferência de três
mecanismos básicos: indicadores; eventos crises e símbolos e feedback de ações
governamentais. Os indicadores nem sempre são suficientes para, isoladamente,
evidenciar a existência de um problema, dependendo, normalmente, do emprego de
metodologias de recolhimento dos fatos e de interpretações que neles são colocadas
(KINGDOM, 2003). Os eventos crises e símbolos, por sua vez, possuem a característica
de evidenciar a preexistência de um problema, o que faz com que sejam poderosos
elementos de convencimento, não obstante o ingresso na agenda dependa, em regra, de
da conjugação de outras circunstâncias (CAPELLA, 2007). Os feedbacks, por fim,
podem demonstrar a ineficiência ou a ineficácia de ações, atraindo a atenção para a
necessidade de transportar questões da agenda governamental para a agenda decisional.
Segundo Capella (2007), quaisquer desses eventos externos precisam ser percebidos e
interpretados pelos decisores públicos, sendo que o resultado dessa compreensão é que
fará com que a questão passe a ser encarada como um problema.
No fluxo das soluções ou alternativas não há uma ordem lógica, de modo que as
soluções muitas vezes já se encontram disponíveis quando o problema surge. As
soluções são criadas pelos chamados geradores de ideias, comunidades integradas pelas
mais variadas classes de sujeitos, permanecendo aquelas que, por questões inerentes à
interesses comuns e ao processo de persuasão empregado na sua difusão, que deverá
abarcar não apenas membros integrantes da comunidade de criação de soluções, mas os
interessados em geral. Tais ideias sobreviventes passam a integrar o “caldo primitivo de
políticas”, disponíveis, então, aos problemas supervenientes.
Enfim, no fluxo da política, Kingdon situa três elementos influenciadores, quais
sejam: o “humor nacional”, as forças políticas organizadas e as mudanças no governo
(CAPELLA, 2007). O primeiro relaciona-se a um consenso generalizado quanto à
necessidade de solucionar certos problemas, formando-se um ambiente político
propício; o segundo atrela-se à pacificação de questões entre grupos de interesses e
forças políticas, donde o senso comum reverte o ambiente de disputas e torna o solo
fértil à propositura de soluções; o terceiro, revela-se pela alternância de ocupantes de
cargos ou posições estratégicas no governo - as pessoas certas nos lugares certos –, fator
decisivo para a efetivação das mudanças pretendidas.
Os três fluxos convergentes – problemas, soluções ou alternativas e política –
podem ser verificados na política pública em análise.
30
Conforme relatado no tópico anterior, a demanda por um novo conceito ou
ressignificado de desenvolvimento econômico que considere aspectos como
sustentabilidade ambiental, microeconomia, diferenças regionais e o pleno emprego dos
fatores produtivos como sendo de interesse e objetivo coletivo (CARDOSO JR., 2009),
bem como a identificação da necessidade de um plano nacional de desenvolvimento
capitaneado pelo Estado, com ações regulatórias e propulsoras de políticas públicas
adequadas e suficientes para alavancar as taxas de crescimento (MAGALHÃES, 2009)
revelaram um ambiente propício. Sob o enfoque econômico, o cenário especialmente
crítico marcado pela desvantagem que fabricantes nacionais vêm sofrendo no próprio
mercado interno diante de preços mais competitivos praticados por empresas
estrangeiras serviu de elemento propulsor, completando a caracterização da policy
window.
Nesse sentido, a exposição de motivos da MP 485, convertida na Lei
12.349/2010, reporta-se ao estabelecimento da margem de preferência como sendo uma
diretriz de política pública que se coaduna ao princípio isonômico,
referenciado no caput do artigo 3º da Lei nº 8.666, de 1993, considerando-se
o intuito do poder público em assegurar, com base em critérios de
proporcionalidade e razoabilidade, adequados padrões de equilíbrio
concorrencial nos certames licitatórios e, desta forma, propiciar,
efetivamente, condições equânimes na oferta de produtos e serviços nacionais
e estrangeiros.
Ainda:
...a orientação da demanda do setor público preferencialmente a produtos e
serviços domésticos reúne condições para que a atuação normativa e
reguladora do Estado efetive-se com maior eficiência e qualidade do gasto
público e, concomitantemente, possa engendrar poderoso efeito multiplicador
na economia mediante: (i) aumento da demanda agregada; (ii) estímulo à
atividade econômica e à geração de emprego e renda; (iii) incentivo à
competição entre empresas domésticas, particularmente no que tange a
setores e atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico; (iv)
mitigação de disparidades regionais; e (v) incentivo à geração de emprego em
segmentos marginais da força de trabalho.
De outro lado, a possibilidade de aquisição, via licitação, de produtos e serviços
a preço vantajoso, mas com qualidade inferior é um risco iminente, havendo concretas
31
chances de um consumo ineficiente pelo poder público e, consequentemente, do
desperdício dos seus escassos recursos. A doutrina especializada sempre alertou para a
necessidade de cuidados envolvendo a análise da vantagem auferida na licitação, de
modo a afastá-la da noção estrita de menor preço e aproximá-la da noção ampla de
“custo-benefício”. Justen Filho (2010, p. 66) lembra que “o Estado necessita receber
prestações satisfatórias, de qualidade adequada”, de nada servindo “pagar valor irrisório
para receber objeto imprestável”. Cautelas com a descrição do objeto a partir de
qualidades necessárias para assegurar bons produtos e serviços e análise de amostras
para garantir que o bem ofertado corresponde ao edital, à proposta e aos requisitos
obrigatórios de qualidade sempre foram objeto de recomendações de órgãos de controle
aos agentes públicos responsáveis pela elaboração de editais e condução dos certames.
É orientação do Manual de Licitações e Contratos do Tribunal de Contas da União, em
sua 4ª Edição (2010, p. 109), que “Menor preço não é justificativa para compra de
produtos de baixa qualidade. Deve a Administração, em busca do melhor preço,
verificar se as propostas estão de acordo com as especificações do ato convocatório,
amostras ou protótipos exigidos.” Daí o requisito do atendimento a normas técnicas
brasileiras como condição para a aplicação da margem de preferência, assegurando que
a proteção do mercado interno não resultará em prejuízo ao interesse público mediato
visado pela licitação.
Nesse contexto, a política pública de preferência a produtos manufaturados e
serviços nacionais em licitações, desde que atendam a normas técnicas brasileiras,
surgiu como medida integrante da execução do plano do Governo Federal para a
legislatura de 2011 a 2014 para indústria, tecnologia, serviços e comércio exterior. O
intitulado “Plano Brasil Maior” tem foco no estímulo à inovação e à produção nacional
para alavancar a competitividade da indústria nos mercados interno e externo
(CARTILHA BRASIL MAIOR), estabelecendo um conjunto inicial de medidas a ser
implementadas, entre elas a regulamentação da lei de compras governamentais para
estimular a produção e a inovação no país. Prevê estímulos ao crescimento de pequenos
e micronegócios, fortalecimento da defesa comercial, criação de regimes especiais para
agregação de valor e de tecnologia nas cadeias produtivas. Foi assim que a “nova velha”
solução de proteger o mercado nacional em busca do desenvolvimento econômico
encontrou solo fértil no governo Dilma Roussef (2011-2014), completando-se o último
fluxo do modelo de Kingdom.
32
III.2 Aspectos controversos: planejamento, transversalidade e efetividade
O processo que leva à formulação de uma política pública é um importante
objeto de estudo, não havendo consenso doutrinário em torno dele. Os diversos modelos
de formulação e análise de políticas públicas4 demonstram tratar-se de processo
complexo, multidisciplinar e multisetorial, conduzido por diversos atores e influenciado
por aspectos exógenos e endógenos. A definição da agenda, a identificação de
alternativas, a avaliação e a seleção das opções, fases que, no ciclo das políticas
públicas, antecedem a implementação e a avaliação, ocorrem sob a ascendência de
fatores sociais, econômicos, religiosos, políticos e, ainda, humanos, o que as torna
sensíveis a erros. Sob tal premissa, resta claro que a fase de planejamento é essencial
seja para possibilitar os resultados, seja para evitar consequências indesejadas no âmbito
de outras searas do interesse público.
Segundo Costaldello (2001, p. 37), o planejamento de políticas públicas
“pressupõe o exame cuidadoso e completo do objeto que constituirá as políticas
públicas e dos meios para sua materialização”, conceito que, modernamente, exige o
enfoque sob o aspecto do “planejamento estratégico”. Essa noção contém dois marcos
bem delineados: o rito a ser seguido e os resultados a serem obtidos, sendo-lhe ínsito,
ainda, o elemento temporal, o qual delimitará o prazo para o alcance dos fins visados.
Trata-se de uma estratégia de planejamento da ação administrativa que congrega vários
elementos e um prazo determinado, independentemente da alternância de titulares que
exercem a tarefa de governar. Cita, a autora, que o planejamento estratégico pode
revelar e voltar-se para várias necessidades indicadas no ordenamento jurídico e
comprometendo o respectivo aparelhamento estatal, tal como no seguinte exemplo: as
políticas públicas em educação devem ser realizadas com os recursos públicos
disponíveis que visam obter esses resultados. Desse modo, o planejamento estratégico
envolve não apenas os aspectos do planejamento de uma dada política pública, mas da
ação global em relação às diversas políticas públicas elencadas na Constituição e ao
alcance dos objetivos do Estado.
No Brasil, a confusão entre planejamento de políticas públicas com plano de
governo vem em prejuízo de projeções futuras e de reflexos em uma perspectiva macro.
As ações do governo comumente estão vinculadas à duração do mandato, de modo que
4 Para maior aprofundamento, vide SOUZA, Celina. Estado da arte e da pesquisa em políticas públicas
e CAPELLA, Ana C. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas.
33
os resultados se possam sentir em tempo de serem utilizados como argumento de uma
nova campanha eleitoral. Esse uso indiscriminado do poder-dever estatal não leva em
consideração no planejamento das políticas públicas as reais dificuldades de
implementação, sua complexidade e as consequências de longo prazo.
Conforme já mencionado, a política pública que confere preferência a produtos
manufaturados e serviços nacionais em licitações remete à execução do “Plano Brasil
Maior”, o qual estabelece a política industrial, tecnológica, de serviços e de comércio
exterior do Governo Federal para o período de 2011 a 2014, com foco no estímulo à
inovação e à produção nacional para alavancar a competitividade da indústria nos
mercados interno e externo (CARTILHA BRASIL MAIOR). O Plano estabelece um
conjunto inicial de medidas para o citado período, entre elas a regulamentação da lei de
compras governamentais para estimular a produção e a inovação no país. Traz, ainda,
outras ações voltadas para o desenvolvimento econômico, como desoneração dos
investimentos e das exportações, ampliação e simplificação do financiamento ao
investimento e às exportações, aumento de recursos para inovação, aperfeiçoamento do
marco regulatório da inovação, estímulos ao crescimento de pequenos e micronegócios,
fortalecimento da defesa comercial, criação de regimes especiais para agregação de
valor e de tecnologia nas cadeias produtivas. A Medida Provisória 495/2010, que trouxe
para o mundo jurídico a política de preferência a produtos manufaturados e serviços
nacionais em licitação foi editada, portanto, com o estrito objetivo de estimular a
produção e a inovação no país por meio das compras governamentais.
A Medida Provisória não fazia referência ao novo objetivo do desenvolvimento
nacional sustentável. Tal como submetido pela Presidência da República ao Congresso
Nacional, o referido ato modificava o art. 3º da Lei 8.666 para que passasse a
contemplar entre os objetivos da licitação a “promoção do desenvolvimento nacional”.
As medidas preconizadas nos parágrafos do art. 3º, especialmente a preferência a
produtos manufaturados e serviços nacionais, voltavam-se, então, exclusivamente para o
incremento do mercado nacional e o desenvolvimento da inovação tecnológica no país,
em clara intenção de viabilizar o desenvolvimento econômico nacional. Na tramitação
da Medida Provisória pelas Casas Legislativas, a palavra “sustentável” foi acrescentada
à expressão “desenvolvimento nacional”, dando nova tônica ao texto que passou a
integrar a Lei 8.666, conforme a conversão da referida Medida Provisória na Lei
12.349/2010. A modificação, percebida com bons olhos diante das demandas
ambientais mundialmente reconhecidas, tornou efetivas as recomendações da Agenda
34
Ambiental na Administração Pública - A3P - a qual, bem alerta Valente (2011), era
marco meramente indutor de adoção da gestão socioambiental da Administração
Pública brasileira - evitando, assim, doravante, o trancamento de licitações por
questionamentos quanto à legalidade de restrições editalícias fundadas no argumento da
sustentabilidade.5
Nada há de equivocado no aspecto material da modificação perpetrada, que
deverá produzir efeitos benéficos inimagináveis. Não era mais possível ignorar os
reclamos da sustentabilidade ambiental, mundialmente proclamados. O próprio Plano
Brasil Maior aponta como um dos objetivos estratégicos, norteadores da construção de
um conjunto de indicadores e metas destinadas a orientar a execução e o monitoramento
do Plano, o desenvolvimento sustentável: “inovar e investir para ampliar a
competitividade, sustentar o crescimento e melhorar a qualidade de vida” (CARTILHA
BRASIL MAIOR). Mas, é interessante notar que, sob o viés político, a inserção da
expressão “sustentável” produziu, acidentalmente ou não, uma mudança estratégica
fundamental e um magistral desvio de foco: de norma estritamente voltada para o
desenvolvimento econômico nacional, com todas as críticas negativas que poderia
produzir, a Lei 12.349/2010 passou a norma consolidadora do marco regulatório das
licitações sustentáveis, concretizando uma louvável conquista para a sociedade
brasileira.6
A norma do art. 3º da lei 8.666/93 (com redação dada pela Lei. 12.349/2010), ao
explicitar o desenvolvimento sustentável como objetivo das licitações, vincula todos os
editais a adotar critérios de concretização direta do principio da sustentabilidade.7 Mais
5Após a Lei 12.349/2010, é possível observar na jurisprudência do Tribunal de Contas da União um sensível aumento das recomendações relacionadas à observância de requisitos de sustentabilidade em
editais e contratações respectivas. Como exemplo, citam-se o Acórdão nº 275/2010 - Plenário, que
determinou que “ao definir o termo de referência para elaboração de estudo de impacto ambiental,
procure determiná-lo de forma definitiva”; o Acórdão nº 2.380/2012-2ª Câmara, que deu ciência a um
órgão federal de que a Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional deve, na
especificação de bens, serviços e obras a serem licitados, indicar critérios de sustentabilidade ambiental.
O Manual de Licitações e Contratos editado pelo Tribunal de Contas da União contem orientação
expressa para atendimento dos requisitos de sustentabilidade indicados pela IN nº 01/2010-MPOG tanto
nas obras e serviços, como nas compras. 6 Eis mais um exemplo do novo paradigma da administração pública, voltado para abraçar a eficácia
intertemporal (expressa no principio da sustentabilidade), assim como da gestão da cidadania ativa e
altiva, em vez a imposição unilateral e autoritária. Sobre o tema, ver Relatorio Mundial do Setor Público
2005, da ONU. 7 No âmbito da Administração Federal, a instrução normativa nº1 de 19 de janeiro de 2010 do Secretario
de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão estabelece,
em seu artigo 1º, que a “aquisição de bens, contratação de serviços e obras por parte de órgãos e entidades
da administração publica federal direta, autárquica e fundacional deverão conter critérios de
35
do que incentivar o efeito indutor do desenvolvimento nacional, as licitações e compras
públicas podem e devem também alavancar as políticas públicas em prol da
sustentabilidade, conforme abordagem realizada em tópico anterior. Diante do cenário
de crise socioambiental em que nos encontramos como sociedade de consumo
globalizada, o papel regulador do Direito e mais especialmente do Direito
Administrativo é decisivo. Impera incorporar metas para as políticas públicas que não
se confundem com o simples e assimétrico crescimento econômico - como bem revela a
insuficiência de seu maior índice, o PIB -, mas que impliquem políticas públicas
qualificadas e garantidoras da universalização do bem estar físico e psíquico. Neste
sentido, é salutar a conclusão de Freitas: em face do embate em modelos de
administração e políticas públicas “não resta lugar para abstenção: O Direito
Administrativo da Regulação haverá de ser o Direito Administrativo da
Sustentabilidade ou não passará de mais uma fonte de poluição e de degradação” (2011,
p. 233).
A inclusão do princípio do desenvolvimento nacional sustentável entre os
objetivos das licitações públicas permite vislumbrar uma mudança de paradigma do
direito administrativo, espelhando também uma esperada mudança na administração
pública como um todo: da insaciabilidade para a sustentabilidade (FREITAS, 2011).8 E,
como uma primeira mudança concreta do panorama, as licitações sustentáveis devem
ser vistas como obrigatórias. É preciso deixar claro, portanto, que a modificação
legislativa foi um avanço sem precedentes.
Não obstante, o legislador brasileiro deixou a desejar no que tange à clareza e
objetividade das novas normas impostas, permitindo erros de interpretação,
manipulações intencionais ou mesmo conflitos judiciais que poderiam ser originalmente
evitados. Portanto, a crítica que se faz é quanto à forma, não quanto ao conteúdo da
norma. A complexidade e a delicadeza do tema exigiam do legislador uma postura mais
cautelosa, que produzisse um texto normativo claro e inequívoco. Ao contrário, o texto
legal demanda do aplicador da lei a utilização de técnicas de hermenêutica para
sustentabilidade ambiental, considerando os processos de extração ou fabricação, utilização e descarte dos
produtos e matérias-primas.” 8 Segundo o autor: “O paradigma antiquado (o da insaciabilidade patrimonialista e patológica), ainda
dominante, por força do peso inercial do status quo, entroniza o irracionalismo e o emotivismo
decisionista. Cultua a autoridade pela autoridade e se fia nos poderes erráticos da discrição. Já o
emergente paradigma da sustentabilidade precisa ver ampliada a força de sua aderência fática e se pauta
pela racionalidade dialógica, pluralista e democrática, com a plasticidade adaptativa acoplada pás
exigências de fundamentação endereçada ao cumprimento coerente da Constituição” (FREITAS: 2011, p.
323-3).
36
identificar os contornos das novas normas jurídicas, sendo indispensável uma leitura
atenta e conjunta do novo caput do art. 3º e seus parágrafos para evitar conflitos
normativos.
O norte para uma interpretação correta é a premissa de que a aplicação do
critério de preferência a produtos manufaturados e serviços nacionais submete-se ao
novo objetivo das contratações públicas de promover o desenvolvimento nacional
sustentável, conforme alteração promovida no art. 3º da Lei 8.666/93 pela mesma Lei
12.349/2010. Significa que nenhuma preferência poderá ser concedida a produtos
manufaturados e serviços nacionais sem atentar para possíveis ações incompatíveis com
o desenvolvimento nacional, nos seus diversos planos. Na atividade de extração da
norma jurídica é, pois, indispensável considerar que a (simples) inclusão da palavra
“sustentável” ao texto do caput do art. 3º trouxe limites claros e intransponíveis a serem
observados na aplicação das normas constantes dos seus parágrafos, modificando sua
amplitude e, quiçá, interferindo no alcance dos objetivos políticos (econômicos) iniciais.
Tais limites, é fundamental que se diga, relacionam-se não apenas ao aspecto ambiental
embutido na noção de “desenvolvimento nacional sustentável”, mas a todos os
componentes desse conceito. Essa deve ser a conclusão, sob pena de constatar-se que o
conjunto das inovações legislativas trazidas pela Lei 12.349/2010 encontra-se eivado
dos vícios da incoerência e, mais gravemente, da inconstitucionalidade.9 Somente
haverá uma interpretação coerente do novo texto legal se o objetivo do desenvolvimento
nacional sustentável orientar, inclusive, a aplicação do critério de preferência.10
Portanto, para além da sustentabilidade ambiental, de modo algum a utilização
das margens de preferência em prol do crescimento econômico poderá ser levada a cabo
em detrimento das outras facetas do desenvolvimento nacional – social, cultural e
intelectual, sob o risco de se retroceder ao crescimento econômico perverso, alheio ao
projeto social e a melhoria das condições de vida da população (FURTADO, 1961,
apud Cadernos do Desenvolvimento). Assim, é condição de constitucionalidade das
medidas autorizadas pelos parágrafos do art. 3º da Lei 8.666 que a adoção das referidas
margens de preferência não produzam efeitos reflexos prejudiciais à concretização de 9 Nessa esteira de raciocínio, já no contexto da Medida Provisória 495/2010, muito embora as normas dos
parágrafos do art. 3º se voltassem exclusivamente para o crescimento econômico, o conceito de
desenvolvimento nacional, mais amplo e multifacetado, não poderia ser desconsiderado como limite à
aplicabilidade das regras de preferência. 10
A propósito, o novo § 5º do art. 3º da Lei 8.666/93 estabelece que “Nos processos de licitação previstos
no caput, poderá ser estabelecido margem de preferência para produtos manufaturados e para serviços
nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras”, dentre elas as referentes à preservação e
conservação ambiental, tema que será abordado em outra oportunidade.
37
outros direitos prestacionais resguardados pela Constituição e atrelados à noção de
desenvolvimento nacional sustentável. Não obstante, considerando a importância que a
sustentabilidade ambiental vem adquirindo no cerne das licitações públicas, é relevante
frisar que não caberá contratar sob o manto da preferência legal protecionista produtos e
serviços que não observem os ditames da sustentabilidade ambiental, conforme
estabelecido pelo ordenamento jurídico.
A inclusão da palavra “sustentável” trouxe um critério/valor para a
aplicabilidade dessas normas. O texto convertido na Lei 12.349/2010 aponta como
condição de legalidade das contratações públicas a conformidade com o novo objetivo
de garantir a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Tal conceito, ainda
que em evolução, não deixa dúvidas de que a implementação de políticas públicas de
desenvolvimento nacional deve ser precedida de estudo de viabilidade que considere as
repercussões provocadas no âmbito da concretização de direitos fundamentais. Deixar
de atentar para esse aspecto produz uma abissal distância entre as normas que visam o
desenvolvimento econômico pela via da preferência a produtos manufaturados e
serviços nacionais e o objetivo de garantir o desenvolvimento nacional sustentável,
fazendo emergir a citada dificuldade no sistema.
O direito de viver em um ambiente equilibrado, seguro e saudável, assegurado
pelo art. 225 da Constituição Federal de 1988, está umbilicalmente vinculado à
concretização de outros direitos prestacionais, especialmente os direitos à educação e à
saúde. Fundamentalmente, o indivíduo necessita de educação para compreender a
relevância da preservação e da conservação do meio ambiente em que vive e definir seu
destino. É com educação que o indivíduo apreende a importância do passado e do
presente para o futuro, a importância de preservar edificações históricas, de usar
racionalmente os recursos naturais, de separar o lixo, de combater focos de doenças
endêmicas, entre outras ações primárias e ao alcance da população em geral. De outra
parte, políticas públicas na área da saúde e do saneamento básico são primordiais para
que o desenvolvimento nacional possa atingir a perspectiva da sustentabilidade
enquanto conjunto de ações equilibradas, focadas nas múltiplas dimensões do
desenvolvimento e não apenas na dimensão econômica.
O alcance da sustentabilidade ultrapassa a mera preservação e conservação de
bens ambientais e a análise técnico-jurídica dos dilemas ambientais da humanidade.
Requer a promoção da qualidade de vida em toda a sua amplitude, que inclui geração de
emprego e renda; desenvolvimento humano e econômico equitativo; acesso à educação
38
e, em especial, à informação; possibilidade de exercício da cidadania e democratização
dos processos decisórios; promoção do multiculturalismo; superação da desigualdade;
exclusão social e ambiental; bem como o respeito a todas as etnias. Este, portanto, é o
objeto do “Direito da Sustentabilidade”, mais amplo do que aquilo que se tem entendido
como objeto do Direito Ambiental. Tem como meta a integração entre as questões
ambiental stricto sensu, social, econômica, política e cultural na análise e no tratamento
dos dilemas de sustentabilidade enfrentados pela sociedade contemporânea. Portanto o
socioambientalismo e a Justiça Ambiental, ao preconizarem uma maior interface entre o
social e o ambiental e a consideração de variáveis mais amplas do que o conhecimento
técnico e científico na abordagem da questão ambiental, podem se apresentar como
suportes teóricos e práticos para o Direito da Sustentabilidade (VIEIRA, 2012).
Desse modo, o comprometimento do orçamento público com o desenvolvimento
econômico nacional por meio das ações autorizadas pela Lei 12.349/2010 não poderá
produzir o sacrifício de direitos de primeira grandeza, consagrados na Constituição
Federal de 1988. Os limites para a aplicação das novas normas estão claramente
definidos pelo objetivo insculpido no caput do art. 3º, de garantir o desenvolvimento
nacional sustentável.
Nesse contexto, pergunta-se: qual será a medida exata que irá definir se a
preferência a produtos manufaturados e serviços nacionais atende ao princípio
constitucional do desenvolvimento nacional sustentável, ora um objetivo da própria
licitação? A título de exemplo, estaria, o Estado, considerando os dispêndios em busca
do crescimento econômico conforme autorizado pelas normas dos parágrafos do art. 3º
da Lei 8.666/93, legitimado a arguir a teoria da reserva do possível (MÂNICA, 2007;
OLIVEIRA e CALIL, 2008; DIAS, 2011) para negar ao cidadão a obtenção de um
determinado medicamento via SUS ou a concessão de bolsas de estudo, sob o
argumento de excesso de ônus aos cofres públicos? Estaria escusado de não realizar
ações de saneamento básico argumentando insuficiência de recursos orçamentários? A
par da complexidade que cerca ações dessa natureza e da diversidade de decisões
judiciais que podem delas decorrer considerando as inúmeras variáveis possíveis, parece
não haver dúvida de que o objetivo do desenvolvimento nacional sustentável não estará
sendo alvo da ação estatal nessas hipóteses.
A margem autorizada pela Lei 12.349/2010, de até 25% sobre o preço dos
produtos e serviços estrangeiros concorrentes, pode gerar impacto nos cofres públicos
suficiente para comprometer a realização de outras políticas públicas prioritárias, além
39
de demais destinações orçamentárias que sejam necessárias ao adequado funcionamento
da máquina administrativa e ao respeito aos princípios e normas que regem as compras
públicas nacionais. Ilustrativamente, cita-se a prática de outros países da América
Latina, que adotaram políticas similares: na Colômbia, a margem de preferência pode
chegar a 20%11
e na Argentina, a meros 7% em ofertas realizadas por micro e pequenas
empresas e de 5% para outras empresas.12
Por sua vez, a política nacional que atribui
preferência a microempresas e empresas de pequeno porte em licitações, de natureza
similar, traz conteúdo distinto, possibilitando que as empresas cujos preços estiverem
até 10% acima da proposta melhor classificada, pertencente a empresa de grande porte,
ofereça novo lance, percentual que é reduzido para 5% quando a modalidade de
licitação for o pregão. Cabe questionar se, no caso do Brasil, um país carente de
políticas públicas em áreas como educação e saúde, trata-se da melhor entre outras
possíveis alternativas? Sob outro enfoque, pagar até um ¼ além do valor proposto para
produtos manufaturados e serviços estrangeiros poderá contribuir para o crescimento
econômico nacional, mas trará o necessário equilíbrio às contas públicas, especialmente
considerando as deficiências de planejamento que já se tornaram tradição na
Administração Pública brasileira, evitando que sejam escamoteados recursos destinados
à concretização de direitos prestacionais e trapaceando a busca pelo desenvolvimento
nacional sustentável? Não será, o expressivo “limite” de 25%, um retrato de uma
urgência incompatível com os processos de longa duração que resultaram,
historicamente, na superação do atraso econômico e no catching-up de países hoje
desenvolvidos?
Os estudos que conduzirão à fixação de margens de preferência deverão levar
em consideração a geração de emprego e renda; o efeito na arrecadação de tributos
federais, estaduais e municipais; o desenvolvimento e inovação tecnológica realizados
no País; o custo adicional dos produtos e serviços e, ainda, em suas revisões, a análise
retrospectiva de resultados (§6º do art. 3º da Lei 8.666, conforme modificações da Lei
12.349/10). Então, em que momento dessa política pública serão levados em conta
elementos não econômicos e impactos negativos produzidos em outros valores e
direitos, constitucionalmente protegidos e na condição de deveres do Estado?
Justen Neto (2012) alerta ser imprescindível à Administração Pública a total
consciência do custo econômico que a realização de outras finalidades representa aos
11 Lei nº 816/2003. 12 Lei nº 25.551/2001.
40
cofres públicos e à Nação. É fundamental a existência de ponderação dos custos
envolvidos em cada solução, sendo que o mote do desenvolvimento nacional sustentado
não torna legítimas contratações ruinosas e economicamente ineficientes, nem pode
conduzir à impossibilidade de atender a outras necessidades igualmente relevantes
diante da supremacia da dignidade humana.
As maiores dificuldades despontam a partir da constatação de que a forma de
implementação da política pública é matéria reservada à atuação administrativa
discricionária, aspecto que sabidamente oferece complexidade ao controle externo e que
constitui tema intrincado, cuja delimitação não comporta espaço no presente ensaio. O
Decreto nº 7.546/2011, ao propósito de regulamentar parcialmente as normas inseridas
pela Lei 12.349/2010, instituiu a Comissão Interministerial de Compras Públicas, com
atribuições específicas atinentes à proposição e ao acompanhamento da margem de
preferência, de promover avaliações de impacto econômico e examinar os efeitos da
política sobre o desenvolvimento nacional. Os decretos federais supervenientes,
editados com o objetivo de regulamentar a preferência, identificando os produtos e
serviços beneficiados e as margens respectivas, fixam prazo para que a respectiva
política pública seja avaliada e sua efetividade, demonstrada.13
Contudo, estarão sendo
considerados, nessa avaliação, os critérios amplos aqui sugeridos? Ou apenas os
critérios de desenvolvimento econômico e resultados imediatos para o setor
beneficiado? Serão, tais resultados, divulgados à população?
Segundo a própria Lei, algumas medidas de compensação comercial, industrial,
tecnológica ou de acesso a condições vantajosas de financiamento poderão ser
13
Decreto n° 7.709/2012 - estabelece a aplicação de margem de preferência nas licitações realizadas no
âmbito da Administração Pública Federal para aquisição de retroescavadeiras e motoniveladoras (alterado
pelo Decreto nº 7.841/2012); Decreto nº 7.713/2012 - estabelece a aplicação de margem de preferência
nas licitações realizadas âmbito da Administração Pública Federal para aquisição de fármacos e
medicamentos; Decreto nº 7.756/2012 - estabelece a aplicação de margem de preferência nas licitações
realizadas no âmbito da Administração Pública Federal para aquisição de produtos de confecções,
calçados e artefatos; Decreto nº 7.767/2012 - estabelece a aplicação de margem de preferência nas
licitações realizadas no âmbito da Administração Pública Federal para aquisição de produtos médicos;
Decreto nº 7.810, de 20/9/2012 - estabelece a aplicação de margem de preferência em licitações
realizadas no âmbito da administração pública federal para aquisição de papel-moeda; Decreto nº
7.812/2012 - estabelece a aplicação de margem de preferência nas licitações realizadas no âmbito da Administração Pública Federal para aquisição de veículos para vias férreas; Decreto nº 7.816, de
28/9/2012 - estabelece a aplicação de margem de preferência em licitações realizadas no âmbito da
Administração Pública Federal para aquisição de caminhões, furgões e implementos rodoviários; Decreto
nº 7.840/2012 - estabelece a aplicação de margem de preferência em licitações realizadas no âmbito da
administração pública federal para aquisição de perfuratrizes e patrulhas mecanizadas; Decreto nº
7.843/2012 - estabelece a aplicação de margem de preferência em licitações realizadas no âmbito da
administração pública federal para a aquisição de disco para moeda; Decreto nº 7.903/2013 - estabelece a
aplicação de margem de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal
para aquisição de equipamentos de tecnologia da informação e comunicação.
41
estabelecidas em editais, em favor de integrantes da administração pública, conforme
estabelecido em decreto, medida que aparentemente objetiva equilibrar os impactos
financeiros. Entretanto, será imprescindível à legalidade e à constitucionalidade das
margens de preferência, fixadas com o fim de tornar efetiva a regra da preferência, a
comprovação da existência de um planejamento econômico integrado e estratégico, que
assegure a existência de recursos orçamentários suficientes para a realização de outras
políticas públicas fundamentais ao desenvolvimento nacional sustentável. Nesse
enfoque, que meios de controle serão efetivamente utilizados pelos executores da
política pública no intuito de evitar a concretização dos possíveis desvios aqui
apontados? Que meios serão concretamente viabilizados aos cidadãos para prover a
necessária accountability, notoriamente deficiente em se tratando das políticas públicas
no Brasil?
III.3 – O objeto da política pública em estudo: delimitação necessária e críticas à
normatização existente
De acordo com a nova redação do art. 3º da Lei nº 8.666/93, em conformidade
com as alterações promovidas pela Lei nº 12.349/2010, podem ser identificados como
objeto da política pública em estudo os seguintes:
- produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas
brasileiras, os quais poderão ser beneficiados pela margem de preferência normal,14
de
até 25%;
- produtos manufaturados e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e
inovação tecnológica realizados no País, os quais poderão ser beneficiados pela margem
de preferência normal e pela margem de preferência adicional, também de até 25%.15
14 O Decreto nº 7546/2011, em seu art. 2º, considera:
“I - Margem de preferência normal - diferencial de preços entre os produtos manufaturados nacionais e
serviços nacionais e os produtos manufaturados estrangeiros e serviços estrangeiros, que permite
assegurar preferência à contratação de produtos manufaturados nacionais e serviços nacionais;
II - Margem de preferência adicional – margem de preferência cumulativa com a prevista no inciso I do
caput, assim entendida como o diferencial de preços entre produtos manufaturados nacionais e serviços
nacionais, resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País, e produtos
manufaturados estrangeiros e serviços estrangeiros, que permite assegurar preferência à contratação de
produtos manufaturados nacionais e serviços nacionais;” 15 Bens e serviços originários dos Estados Partes do Mercosul também poderão ser beneficiados pela
preferência estabelecida pela Lei nº 12.349/2010, segundo a própria norma estabelece.
42
A correta aplicação da norma apenas se dará mediante a exata noção do que são
produtos manufaturados nacionais, serviços nacionais e normas técnicas brasileiras,
conceitos que pertencem ao substrato da política pública em análise. Nessa linha, a Lei
nº 12.349/2010 alterou a Lei nº 8.666/93 para que seu art. 6º passasse a conter as
seguintes definições:
XVII - produtos manufaturados nacionais - produtos manufaturados,
produzidos no território nacional de acordo com o processo produtivo básico
ou com as regras de origem estabelecidas pelo Poder Executivo federal;
XVIII - serviços nacionais - serviços prestados no País, nas condições
estabelecidas pelo Poder Executivo federal;
O Decreto nº 7.546/11, editado para estabelecer diretrizes que orientarão a fixação
das margens de preferência pelos decretos específicos, estabelece no art. 2º:
IV - Produto manufaturado nacional - produto que tenha sido submetido a
qualquer operação que modifique a sua natureza, a natureza de seus insumos,
a sua finalidade ou o aperfeiçoe para o consumo, produzido no território
nacional de acordo com o processo produtivo básico definido nas Leis nos
8.387, de 30 de dezembro de 1991, e 8.248, de 23 de outubro de 1991, ou
com as regras de origem estabelecidas pelo Poder Executivo federal, tendo
como padrão mínimo as regras de origem do Mercosul;
V - Serviço nacional - serviço prestado no País, nos termos, limites e condições
estabelecidos nos atos do Poder Executivo que estipulem a margem de preferência
por serviço ou grupo de serviços;
VI - Produto manufaturado estrangeiro e serviço estrangeiro - aquele que não
se enquadre nos conceitos estabelecidos nos incisos IV e V do caput,
respectivamente; e
VII - Normas técnicas brasileiras - normas técnicas produzidas e divulgadas
pelos órgãos oficiais competentes, entre eles a Associação Brasileira de
Normas Técnicas - ABNT e outras entidades designadas pelo Conselho
Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial -
CONMETRO.
43
As diferenças encontradas no texto do Decreto, comparativamente ao texto da Lei
nº 8.666/93, apenas detalham conceitos gerais. O Decreto ainda detalha, com fins
operacionais, conceitos ausentes naquele diploma legal. Tudo, portanto, dentro dos
limites do poder regulamentar.
Diante das normas transcritas, tem-se que o objeto “produto manufaturado
nacional” resulta da reunião de dois conceitos:
- Produto manufaturado: produto que tenha sido submetido a qualquer operação
que modifique a sua natureza, a natureza de seus insumos, a sua finalidade ou o
aperfeiçoe para o consumo;
- Produto nacional: produto que tenha sido produzido no território nacional de
acordo com o processo produtivo básico definido nas Leis nos
8.387, de 30 de dezembro
de 1991, e 8.248, de 23 de outubro de 1991, ou com as regras de origem estabelecidas
pelo Poder Executivo federal, tendo como padrão mínimo as regras de origem do
Mercosul.
Tais produtos, além de serem manufaturados e nacionais, nos termos das normas
transcritas, devem, obrigatoriamente, para obterem o benefício da margem de
preferência, atender às normas técnicas brasileiras, conforme frisado reiteradamente ao
longo deste trabalho. A definição correspondente também integra o texto do Decreto,
como acima destacado.
É importante destacar, a priori, que não há identidade ou confusão entre as
situações de atendimento a normas técnicas brasileiras e de atendimento ao processo
produtivo básico. As normas técnicas são estabelecidas com vistas à preservação da
qualidade de produtos e serviços, enquanto que o processo produtivo básico (PPB) tem
por fim a concessão de incentivos fiscais. Em regra, a iniciativa de fixação ou alteração
do PPB para um determinado produto parte da própria empresa fabricante, interessada
nos incentivos fiscais, cabendo ao governo avaliar e propor alterações para que seja
atingido o máximo de valor agregado nacional, por meio do adensamento da cadeia
produtiva, observando a realidade da indústria brasileira.16
Portanto, o fato de um
16 São diretrizes ou indicadores para a fixação ou alteração de um PPB:
- montante de investimentos a serem realizados pela empresa para a fabricação do produto;
- desenvolvimento tecnológico e engenharia local empregada;
- nível de empregos a ser gerado;
- se haverá a possibilidade de exportações do produto a ser incentivado;
- nível de investimentos empregados em P&D;
- se haverá ou não deslocamento de produção dentro do território nacional por conta dos incentivos
fiscais; e
44
determinado bem ter sido produzido de acordo com o processo produtivo básico não é
pressuposto de atendimento às normas técnicas brasileiras porventura existentes para o
seu segmento.
Em relação aos serviços nacionais, sua definição plena ainda não pode ser obtida
pelo aplicador da norma. De acordo com as normas colacionadas, serão nacionais
aqueles serviços prestados no País que seguirem regras a serem estabelecidas pelos
mesmos decretos que fixarão as respectivas margens de preferência. Contudo, nenhum
dos atualmente vigentes fixa preferência para serviços, apenas para produtos, o que
impede, nesse momento, a conceituação de serviços nacionais e também a aplicação da
margem de preferência para esse objeto.
Nesse ambiente normativo, surge uma questão prática relacionada à forma de
comprovação das condições necessárias à aplicação da margem de preferência para
produtos, quais sejam: ser manufaturado e nacional, nos termos da legislação vigente, e
atender às normas técnicas brasileiras pertinentes. É fundamental para a efetividade da
política pública que a ação estatal concreta que beneficiará tais produtos esteja fundada
em provas cabais do cumprimento desses requisitos. O ônus da prova pertence ao
interessado, que deverá apresentar documentos suficientes para assegurar à
Administração Pública uma decisão correta. Com o escopo de disciplinar a questão, os
atuais decretos regulamentadores das margens de preferência têm apresentado as
seguintes disposições padrão:
- Será aplicada a margem de preferência apenas para os produtos manufaturados
nacionais, conforme a regra de origem estabelecida em ato do Ministro de Estado do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;
- O licitante deverá apresentar, juntamente com a proposta, formulário de
declaração de cumprimento da regra de origem, conforme modelo publicado em ato do
Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;
- Na modalidade pregão eletrônico, o licitante declarará, durante a fase de
cadastramento das propostas, se o produto atende à regra de origem, devendo, o
formulário, ser apresentado com os documentos exigidos para habilitação;
- se afetará ou não investimentos de outras empresas do mesmo segmento industrial por conta de aumento
de competitividade gerado pelos incentivos fiscais.
Para maiores detalhes, consultar o site do Ministério do Desenvolvimento -
http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=2&menu=1103.
45
- O produto que não atender às regras de origem ou cujo licitante não apresentar
tempestivamente o formulário será considerado como produto manufaturado
estrangeiro.
Como se observa, as normas regulamentares centram-se na comprovação do
atendimento da regra de origem como prova da nacionalidade do produto. Não há
menção ao atendimento do processo produtivo básico, o que, segundo a Lei nº 8.666/93
e o próprio decreto, é uma alternativa ao não cumprimento das regras de origem. Em
outras palavras, são duas as situações que caracterizam o produto como nacional e, por
isso, possibilitam a aplicação da margem de preferência: 1) fabricação de acordo com o
processo produtivo básico; 2) fabricação de acordo com as regras de origem. Essa
situação conduz-nos a duas possíveis conclusões:
a) A ausência de menção ao processo produtivo básico decorre do fato concreto
de que, para todos os produtos até o presente momento contemplados pelas
margens de preferência, não há processo produtivo básico estabelecido;
b) A ausência de menção ao processo produtivo básico é uma falha de
regulamentação, hipótese em que caracterizará ilegalidade quer pela restrição
indevida aos efeitos da política pública em estudo, quer pela omissão dos
agentes competentes.
Também não há, nos decretos mencionados, qualquer referência à comprovação
do atendimento às normas técnicas brasileiras, requisito indispensável à concessão da
preferência, conforme estabelece a Lei nº 8.666/93. De acordo com a Lei nº
12.349/2010 e o novo §5º do art. 3º da Lei nº 8.666/93, é insuficiente, para tal propósito,
ser o produto manufaturado e nacional. Apenas tais condições não lhe garantem o
benefício da preferência, salvo se acompanhados da prova do atendimento das normas
técnicas brasileiras pertinentes. Tal afirmativa não comporta, em nosso sentir, qualquer
questionamento em sentido contrário.
A exigência legal de atendimento às normas técnicas brasileiras está diretamente
vinculada à garantia da qualidade do objeto que está sendo contratado pela
Administração Pública. Se é lícito ao Poder Público pagar preço maior como medida
protecionista do mercado interno, não deve fazê-lo, contudo, sem as devidas cautelas.
Dito de outro modo: paga-se preço mais elevado em decorrência da aplicação da
margem de preferência, mas com a segurança de que o produto ou serviço nacional
possui qualidade igual ou superior a do produto estrangeiro mais barato, preterido na
disputa. É possível, ainda, vislumbrar outro objetivo a ser alcançado pela imposição
46
dessa condição, mais vocacionado aos objetivos principais da política pública: atrelar a
preferência a produtos que atendam as normas técnicas significa iniciar um processo de
nivelamento da qualidade de produtos e serviços nacionais que poderá resultar em um
mercado forte e competitivo, realizador do objetivo do desenvolvimento sustentável.
Desse modo, havendo norma técnica brasileira que estabeleça regra pertinente ao
produto manufaturado que está sendo licitado, dependerá, a aplicação da margem de
preferência, da demonstração do atendimento dessa norma. Porém, os Decretos federais
nada dizem acerca da forma com que essa comprovação deverá ocorrer e, como visto, a
mera comprovação da regra de origem não será suficiente, pois, como visto, apenas
atesta que o produto é nacional.17
Portanto, a regulamentação do §5º do art. 3º da Lei nº
8.666/93 apresenta (outra) lacuna, com repercussão direta na implementação da política
pública em estudo.
Como regra, a comprovação do atendimento a uma norma técnica se dá com a
apresentação da respectiva certificação emitida pela ABNT ou do laudo de
conformidade expedido pelo INMETRO ou organismo de certificação acreditados,
dependendo do produto a ser adquirido. A Administração Pública brasileira, escorada
no princípio da isonomia e no dever de ampliar a competição pela busca da proposta
mais vantajosa, tem entendido indevida a exigência exclusiva de certificações como
prova de qualidade. Especificamente para o caso em análise, a própria Lei nº
12.349/2010 refere-se ao “atendimento” a normas técnicas, sem, contudo, mencionar a
certificação, deixando um vácuo que pode ser preenchido pelo entendimento de que não
há obrigatoriedade de manifestação formal daquelas entidades competentes.
17
As regras de origem são critérios eleitos por países ou blocos para caracterizar a origem das
mercadorias. Podem ser classificadas em duas categorias: preferenciais e não preferenciais. Regras de
origem preferenciais são aquelas negociadas entre as partes signatárias de acordos preferenciais de
comércio com o objetivo principal de assegurar que o tratamento tarifário preferencial se limite aos
produtos extraídos, colhidos, produzidos ou fabricados nos países que assinaram os acordos. Nestes casos,
se o produto for objeto de preferências pactuadas, para usufruir deste tratamento é necessário obter o
Certificado de Origem. Este Certificado é o documento que permite comprovar se os bens cumprem os
requisitos de origem exigidos em cada acordo e as condições estabelecidas. Regras de origem não preferenciais são as leis, os regulamentos e as determinações administrativas de aplicação geral, utilizados
para a determinação do país de origem das mercadorias, desde que não relacionados a regimes comerciais
contratuais ou autônomos que prevejam a concessão de preferências tarifárias. Esta categoria abrange
todas as regras de origem utilizadas em instrumentos não preferenciais de política comercial (como no
caso dos direitos antidumping e compensatórios, salvaguardas, exigências de marcação de origem,
restrições quantitativas discriminatórias ou quotas tarifárias, estatísticas e compras do setor público, entre
outros). Estas normas são estabelecidas pelo país importador. Por isso, o MDIC não é autoridade
responsável, nem credencia entidades para emissão de certificados de origem não preferenciais.
(http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=406)
47
A propósito do tema, a Instrução Normativa nº 01, de 19 de janeiro de 2009,18
que regulamenta a inserção de requisitos de sustentabilidade ambiental nos editais,
prevê a realização de diligências para verificar o atendimento das condições exigidas,
caso não haja a correspondente certificação (art. 5º, §§1º e 2º). Esse procedimento
poderá, por semelhança e diante do silêncio do regulamento específico, vir a ser adotado
para os fins da aplicação da margem de preferência.
Nesse ponto, indaga-se se os Certificados de Boas Práticas - CBP19
e também a
comprovação de inclusão no Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade – PBPQ
configurariam a prova exigida pela Lei para a obtenção da margem de preferência.20
Tais documentos têm sido refutados reiteradamente pelo Tribunal de Contas da União
enquanto requisitos de habilitação, por não corresponderem a exigências estabelecidas
em lei especial.21
Um estudo mais aprofundado dos aspectos técnicos da edição de tais
certificados poderá dizer quanto ao seu cabimento e admissibilidade para comprovar o
atendimento às normas técnicas brasileiras e possibilitar a concessão da margem de
preferência.
É possível vislumbrar, ainda, outros obstáculos a serem superados. A rigor, o
edital da licitação deverá indicar as normas técnicas brasileiras aplicáveis ao produto
licitado. Ao licitante caberá comprovar o seu atendimento após a fase competitiva,
conforme estabelecem as normas aplicáveis. Nessa esteira, é imprescindível uma correta
atuação administrativa na fase preparatória da licitação, especificamente na
identificação da norma técnica brasileira aplicável em cada caso. Diante disso, com foco
nessa atuação a priori da Administração Pública que elaborará o edital, vislumbra-se o
seguinte percalço: a necessidade de conhecer com certo nível de profundidade as
18 Dispõe sobre os critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou
obras pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências. 19
A legislação em Boas Práticas relacionada a produtos para a saúde, por exemplo, determina os
requisitos aplicáveis aos estabelecimentos que fabriquem ou comercializem esses produtos de forma a
garantir a qualidade do processo, visando à segurança e eficácia dos mesmos e o controle dos fatores de
risco à saúde do consumidor. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, está autorizada
pela Lei nº 9.782/92, que a instituiu, a “normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde” (art. 2º, inc. III) e a “conceder e cancelar o certificado de cumprimento de boas
práticas de fabricação” (art. 7º, inc. X). 20 O Inmetro, por meio do Sinmetro, está envolvido em atividades relacionadas ao Programa Brasileiro de
Qualidade e Produtividade - PBQP, voltado para a melhoria da qualidade de produtos, processos e
serviços na indústria, comércio e administração federal. 21
Estabelece a Lei nº 8.666/93:
“Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a: ...
IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso.”
48
inúmeras normas técnicas brasileiras existentes, as quais, a rigor, não são divulgadas ao
público em geral e não podem ser acessadas gratuitamente.22
A premissa da qual parte o Decreto nº 7.546/11, de que as normas são
“divulgadas pelos órgãos oficiais competentes”, não está correta. Com raras exceções,
as normas editadas pela ABNT necessitam ser adquiridas, mediante pagamento
correspondente, para que seu conteúdo possa ser acessado. De outra parte, aqueles que
se responsabilizarão pela preparação do certame deverão, obrigatoriamente, conhecer as
normas técnicas brasileiras de modo a não cometer equívocos. Essa tarefa será
peculiarmente difícil considerando os inúmeros objetos possíveis e a quantidade de
normas existentes. O “público em geral” – incluindo fornecedores interessados não
certificados –, também deverá ter acesso às normas técnicas pertinentes para que possa
comprovar o atendimento às suas exigências. Assim:
- a Administração Pública deverá adquirir o catálogo integral de normas da
ABNT ou celebrar ajuste com a entidade e as empresas responsáveis pela normalização
para que lhe franqueiem o acesso gratuito a tais normas;
- os fornecedores interessados em participar da licitação correspondente deverão,
igualmente, adquirir a norma;
- o ajuste acima referido poderá abarcar a autorização para divulgar a norma
correspondente em cada licitação, de modo a aumentar a competição e eliminar
possíveis custos a empresas fornecedoras de produtos manufaturados nacionais.23
É importante lembrar que a política pública em questão tem por objetivo a
proteção do mercado nacional e que isso apenas ocorrerá se ações complementares
forem realizadas de modo conjunto e congruente. Sendo assim, não é equivocado
apontar como melhor conduta da Administração Pública aquela que facilite o acesso às
normas técnicas brasileiras por seus possíveis fornecedores, como medida acessória à
22 Notícia veiculada no site www.abntcatalogo.com.br: “O Sistema CONFEA/CREA/Mutua e a ABNT se
juntaram para disponibilizar as Normas Técnicas Brasileiras para os profissionais de engenharia,
arquitetura e agronomia do Brasil. Vocês que tem ajudado a construir o desenvolvimento do nosso país
em tantas áreas, terão acesso às normas técnicas via internet com um desconto especial .Você terá 50% de
desconto se estiver regularmente inscrito no Sistema CONFEA/CREA, e terá 60% de desconto se for
associado à Mutua. É simples, você escolhe as normas, faz o pagamento e acessa na tela do seu
computador direto em nosso site, as normas não são enviadas por email. Você imprime sua cópia na impressora e pode visualizar quantas vezes quiser, basta instalar o Visualizador da ABNT.” 23 O Ministério Público Federal firmou termo de ajustamento de conduta com a Associação Brasileira de
Normas Técnicas – ABNT e a empresa Target Engenharia e Consultoria Ltda., no qual as mesmas
concordaram com a divulgação pela Internet ou pelo Diário Oficial da União das normas da ABNT de
interesse social, em especial aquelas relacionadas direta ou indiretamente às pessoas com deficiência
citadas pela legislação nacional. No ato, as compromissadas entregaram aos representantes do Ministério
Público Federal e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos de CD´s/disquetes contendo os arquivos
eletrônicos das normas abaixo relacionadas, relativas aos direitos das pessoas com deficiência.”
49
efetividade da política pública e à eficácia da licitação na busca do objetivo do
desenvolvimento nacional sustentável.
Avançando no tema, outra discussão emerge: as normas internacionalmente
aceitas editadas pela International Organization for Standardization – ISO teriam sido
afastadas do rol das normas técnicas que possibilitariam a aplicação da margem de
preferência, diante da menção expressa a “normas técnicas brasileiras?
As normas denominadas “ISO”, expressão derivada do prefixo grego isos, que
significa “igual”, foram assim batizadas apenas para evitar uma abundância de signos
criados pelos diversos países membros (MARIANI, 2006). São, contudo, normas
produzidas por um consenso mundial com o intuito de criar um padrão global de
qualidade para produtos e serviços. A ISO é uma organização não governamental
sediada em Genebra, da qual participam cerca de 160 países, e que é responsável pela
elaboração de um conjunto de normas sistêmicas para a qualidade. A Associação
Brasileira de Normas Técnicas – ABNT é a entidade que representa o país perante essa
entidade e o INMETRO é o responsável pela certificação. No Brasil, tais normas
circulam sob o signo ABNT NBR ISO.
Não há qualquer indício de que a política pública de preferência a produtos
manufaturados e serviços nacionais pretenda afastar a incidência dessas normas,
especificamente. Não há razão para distinções e prioridades, nesse caso. Ao contrário, o
bom senso e a coerência apontam no sentido de não ignorá-las e, mais, de privilegiar
aqueles fornecedores ou prestadores de serviço que estejam em consonância com suas
exigências. Desse modo, as denominadas normas ISO também autorizarão a concessão
da margem de preferência em estudo, conforme inicialmente nos parece.
IV – A POLÍTICA PÚBLICA DE PREFERÊNCIA A PRODUTOS
MANUFATURADOS E SERVIÇOS NACIONAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS
SIMILARES: DESEMPATE DE PROPOSTAS, BENEFÍCIO A
MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE E PREFERÊNCIA
A BENS E SERVIÇOS DE INFORMÁTICA E AUTOMAÇÃO
A licitação pública vem sendo utilizada no Brasil, há alguns anos, como meio de
concretizar políticas públicas. A preferência a produtos manufaturados e serviços
nacionais não é, pois, a única política pública a ser implementada por meio do processo
50
licitatório. O desempate de propostas, segundo a Lei nº 8.666/93, também será resolvido
mediante preferências a certos produtos ou licitantes; as microempresas e empresas de
pequeno porte usufruem de condições diferenciadas na licitação que lhe facilitam o
acesso aos contratos públicos e, ainda, bens e serviços de informática e automação são
regrados por norma própria que lhes confere preferência na licitação.
Nas três situações citadas, o ordenamento jurídico valora e confere proteção a
determinados bens jurídicos de modo similar ao tratamento dado, atualmente, aos
produtos manufaturados e serviços nacionais que atenderem às normas técnicas
brasileiras. A norma que visa ao desempate de propostas, embora figure como regra
objetiva destinada a solucionar impasse procedimental, possui raízes protecionistas e
apresenta-se como uma política pública integrada à dinâmica do processo licitatório. A
norma que beneficia microempresas e empresas de pequeno porte é uma política pública
com previsão constitucional e contornos bem definidos. Por fim, a preferência a bens e
serviços de informática e automação visa à capacitação e a competitividade do setor,
objetivo que também está presente na política pública de preferência a produtos
manufaturados e serviços nacionais.
Desse modo, mostra-se relevante a análise comparativa com o fim de possibilitar
a compreensão precisa do alcance da política pública em estudo diante das demais,
preexistentes.
IV.1 Margem de preferência versus desempate de propostas
Ao disciplinar o procedimento a ser adotado em caso de empate de propostas, o
§2º do art. 3º da Lei nº 8.666/93 – a propósito, mesmo artigo cujo §5º autoriza a
aplicação da margem de preferência a produtos manufaturados e serviços nacionais –
estabelece que, em igualdade de condições na licitação, será dada preferência,
sucessivamente, a:
- bens e serviços produzidos no país;
- bens e serviços produzidos ou prestados por empresas brasileiras;
- bens e serviços produzidos ou prestados por empresas que invistam em
pesquisa e desenvolvimento de tecnologia no País.
51
De outra parte, como já se observou, a regra de preferência inserida na Lei nº
8.666/93 pela Lei nº 12.349/2010, em linhas gerais, pode ser assim definida:24
- autoriza o estabelecimento e aplicação, na licitação, de margem de preferência
para produtos manufaturados e para serviços nacionais que atendam a normas técnicas
brasileiras (§5º do art. 3º);
- autoriza o estabelecimento e aplicação, na licitação, de margem de preferência
adicional à do §5º para produtos manufaturados e serviços nacionais resultantes de
desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País (§7º do art. 3º).
A análise comparativa entre ambas as políticas públicas deve ocorrer, em nosso
sentir, considerando as respectivas hipóteses de incidência e as diferenças entre os
objetos.
Nessa linha, o primeiro aspecto a ser destacado é que a aplicação da margem de
preferência independe da ocorrência de empate. Essa hipótese sequer é considerada para
o fim da execução da política pública de preferência a produtos manufaturados e
serviços nacionais em licitações. O objetivo, neste caso, é possibilitar a prevalência dos
produtos na concorrência direta com produtos estrangeiros. Assim, a simples existência
de produto ou serviço nessas condições provocará, desde logo, a aplicação da margem
de preferência para fins de adjudicação do objeto licitado. A análise que se fará,
portanto, será para verificar se o preço do produto manufaturado ou serviço nacional se
atem aos limites da respectiva margem de preferência. A aplicação da preferência
ocorrerá após o término da fase competitiva da licitação, se a melhor proposta for
referente a produto ou serviço estrangeiro, funcionando como um acréscimo de valor ao
produto ou serviço estrangeiro que ocupar a melhor posição na licitação, cujo preço será
majorado de acordo com a seguinte fórmula: PM = PE x (1+M), onde PM corresponde
ao preço com margem, PE a menor preço ofertado do produto manufaturado estrangeiro
e M a margem de preferência em percentagem, conforme definido nos decretos
(JUSTEN NETO, 2012).25
24 A Lei nº 8.666/93 traz outras características, as quais não se mostram relevantes para o estrito fim do raciocínio que se deseja traçar. 25 É oportuno esclarecer que a possibilidade de estabelecer e aplicar as margens de preferência não
autoriza a vedação, na licitação, à oferta de produtos e serviços “não nacionais”, salvo na hipótese
prevista no §12 do art. 3º da Lei nº 8.666/93, que permite que nas “contratações destinadas à implantação,
manutenção e ao aperfeiçoamento dos sistemas de tecnologia de informação e comunicação, considerados
estratégicos em ato do Poder Executivo federal, a licitação poderá ser restrita a bens e serviços com
tecnologia desenvolvida no País e produzidos de acordo com o processo produtivo básico...”. O Tribunal
de Contas da União já decidiu nessa linha, no Acórdão nº 3.769/2012-2ª Câmara, entendendo ilegal a
exigência de equipamento (retroescavadeira) de fabricação nacional: “Salvo melhor juízo, e com o fito de
52
Um impasse aparente poderia ser produzido na hipótese de o preço de produto
manufaturado ou serviço nacional ser igual ao de produto manufaturado ou serviço
estrangeiro ofertado na licitação, gerando momentaneamente a dúvida sobre a regra a
ser aplicada. A resposta, em um primeiro momento, é simples: se o preço do produto
manufaturado ou serviço nacional não for superior ao do produto manufaturado ou
serviço estrangeiro, não cabe falar em aplicação da margem de preferência, benefício
concedido a produtos manufaturados ou serviços nacionais com preços maiores do que
os correspondentes estrangeiros. Assim, considerando que primeiro critério de
desempate previsto no §2º do art. 3º da Lei nº 8.666/93 é “bem ou serviço produzido no
País”, prevalecerá, para fins de contratação, o produto manufaturado ou serviço
nacional. Contudo, a análise pode ocorrer sob outro enfoque, tangenciando o conteúdo
estrito das políticas públicas em questão e centrando-se na relevância que o legislador
atribuiu a ambas, individualmente: enquanto que a preferência aplicada em caso de
empate de propostas possui um caráter residual, ou seja, apenas a ela se recorrerá se não
houver, objetivamente, um vencedor imediato na licitação, a aplicação da margem de
preferência a produtos manufaturados e serviços nacionais deveria ocorrer a priori,
possibilitando a escolha do produto nacional mesmo que seu preço seja superior,
considerando uma nova concepção de proposta vantajosa. Portanto, é equivocado
afirmar que, substancialmente, o empate, nessa hipótese, sequer poderá ocorrer,
considerando a prerrogativa, em forma de preferência legal, concedida ao produto
manufaturado ou serviço nacional. Em outras palavras, a escolha sempre recairá sobre
este último. Apenas se cogitará de empate entre propostas se não existirem, na
competição, produtos manufaturados e serviços nacionais atendendo as normas técnicas
brasileiras. Do contrário, serão eles, automaticamente, preferidos aos demais.
Em relação aos objetos das diferentes formas de preferências ora analisadas,
vejamos. Ao tratar dos “bens e serviços produzidos no País” como critério de
desempate, o objetivo da Lei nº 8.666/93, tal como ocorreu com a política pública de
ampliar a competição, a Administração licitante deverá admitir à disputa o produto estrangeiro, desde que
esse atenda ao interesse público em conformidade com o similar nacional em todos os aspectos, inclusive no tocante às condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas. Em outras palavras: ao
invés de restringir indiscriminadamente e aprioristicamente a cotação de equipamentos não fabricados no
país, basta estabelecer, como o fez (expurgada a menção ao tempo de prestação de serviços de 02 anos),
os critérios de manutenção e suprimento de peças, e não de antemão supor que, por se tratar de
maquinário importado tal implicaria riscos relevantes à Administração, comparativamente ao produto
nacional, a ponto de justificar a exclusão de pronto de empresas que operam com fabricantes de outras
nacionalidades.” (item 6.3.6 da análise técnica, acolhida in totum pelo Relator).
53
preferências implantada pela Lei nº 12.349/2010, foi priorizar a fabricação e a produção
em território nacional buscando geração de emprego e renda e incrementos tributários.
Contudo, o art. 6º da Lei nº 8.666/93, modificado pela Lei nº 12.349/2010, e o art. 2º do
Decreto nº 7.546/2011, que regulamenta a aplicação de margens de preferência,
consideram, respectivamente:
Art. 6º ...
XVII - produtos manufaturados nacionais - produtos manufaturados,
produzidos no território nacional de acordo com o processo produtivo
básico ou com as regras de origem estabelecidas pelo Poder Executivo
federal;
XVIII - serviços nacionais - serviços prestados no País, nas condições
estabelecidas pelo Poder Executivo federal; (Sem grifos no original.)
Art. 2º ...
IV- Produto manufaturado nacional - produto que tenha sido submetido a
qualquer operação que modifique a sua natureza, a natureza de seus insumos,
a sua finalidade ou o aperfeiçoe para o consumo, produzido no território
nacional de acordo com o processo produtivo básico definido nas Leis nos
8.387, de 30 de dezembro de 1991, e 8.248, de 23 de outubro de 1991, ou
com as regras de origem estabelecidas pelo Poder Executivo federal,
tendo como padrão mínimo as regras de origem do Mercosul;
V - Serviço nacional - serviço prestado no País, nos termos, limites e condições
estabelecidos nos atos do Poder Executivo que estipulem a margem de
preferência por serviço ou grupo de serviços; (Sem grifos no original.)
Sendo assim, pode-se afirmar que, para fins de desempate, salvo regulamentação
especial para determinados produtos ou serviços, a regra de preferência será genérica,
ou seja, bens e serviços produzidos no País prevalecerão sobre bens e serviços
produzidos em território estrangeiro; já a aplicação da margem de preferência restringe-
se a bens e serviços que atendam a determinadas regras de produção e industrialização
estabelecidas pelo Poder Executivo nacional e, ainda, atenderem as normas técnicas
brasileiras. Esse requisito é obrigatório para a aplicação da margem de preferência e está
ausente na preferência aplicada com o único propósito do desempate de propostas.
Sob a luz de critérios técnicos e objetivos, comparativamente às regras
preexistentes, pode-se avaliar a criação da margem de preferência como um avanço em
matéria de política pública de proteção ao mercado interno. A genérica e pouco aplicada
54
inserção26
, como mero critério de desempate de preços, da preferência a bens e serviços
produzidos no país foi superada por uma regra mais específica e que conduz à
adjudicação compulsória em caso de existência de objeto nas condições previstas pela
Lei 12.364/2010. Diferentemente da regra de desempate, entretanto, e como dito, a
preferência não recairá sobre quaisquer bens ou serviços produzidos no país, mas, sim,
sobre produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam as normas técnicas
brasileiras, adjetivos compatíveis com os objetivos da nova política pública e com a
necessidade de assegurar ao Estado contratações de qualidade ao optar pelo mercado
nacional.
Quanto ao segundo critério de desempate, seguindo a ordem atual do §2º do art.
3º da Lei nº 8.666/93, qual seja, “bens produzidos ou serviços prestados por empresas
brasileiras”, verifica-se que a preferência recai sobre a empresa, não exatamente sobre o
seu produto. Sua nacionalidade brasileira lhe confere prerrogativa sobre empresas
estrangeiras concorrentes na mesma licitação. Em outro passo, o benefício da aplicação
da margem de preferência não considera qualquer aspecto subjetivo, especialmente o da
nacionalidade da empresa licitante. O critério da Lei nº 12.349/2010 é objetivo,
recaindo sobre aspectos relacionados ao produto ou serviço, que deve ser nacional. Para
o fim de aplicar a margem de preferência não é relevante se a empresa é nacional ou
estrangeira, contanto que os bens ou serviços sejam produzidos no Brasil. Portanto, e
similarmente ao que pode acontecer na aplicação do primeiro critério de desempate -
“bens e serviços produzidos no País” – é possível que uma empresa “estrangeira” vença
a licitação, desde que forneça produto manufaturado “nacional” ou preste um serviço
“nacional”, conforme as respectivas definições. Essa situação pode ser vislumbrada
considerando uma subsidiária brasileira de uma empresa multinacional cuja produção
ocorra no Brasil, de acordo com o processo produtivo básico e com as normas técnicas
brasileiras. Essa empresa será considerada, para qualquer fim, uma empresa nacional,
por estar constituída no Brasil, de acordo com as leis locais, e possuir sede e
administração no País.27
26
Com o intensivo uso da modalidade pregão, as situações de empate de preços em licitações ficaram
ainda mais raras, diante das peculiaridades ínsitas a esse procedimento, cuja fase competitiva admite a
realização de novos lances verbais, sucessivos e decrescentes. 27 A esse respeito, é indispensável esclarecer que a distinção extinta pela Constituição da República com a
revogação do art. 171 era aquela existente entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital
nacional, conforme ensina Celso Ribeiro Bastos (BASTOS, 1996, p. 80). Remanesce, por razões óbvias
relacionadas a medidas de proteção e incentivo ao mercado nacional, a distinção entre empresas
brasileiras, ou nacionais, e empresas estrangeiras. Nesse sentido escreve Carlo José Napolitano:
“Portanto, verifica-se que, no atual ordenamento jurídico constitucional, para que uma sociedade possa
55
Em relação ao terceiro critério sucessivo de desempate, qual seja, a preferência
por “bens e serviços prestados por empresas que invistam em pesquisa e no
desenvolvimento de tecnologia no País”, se nessa hipótese o mero investimento é
suficiente para provocar o desempate, a aplicação da margem de preferência – no caso,
adicional e cumulativa com a margem normal28
- dependerá da demonstração de que o
produto ou serviço ofertado é resultado desse investimento. E, também nesse caso,
deverão tratar-se de produtos manufaturados e serviços nacionais, conforme estabelece
o novo §7º do art. 3º da Lei nº 8.666/93. Cabe observar, ainda, por oportuno, que esse
critério será o aplicável no caso de empate entre propostas referentes a produtos
manufaturados e serviços nacionais que atendam as normas técnicas brasileiras, diante
da ineficácia dos dois primeiros para solver o impasse. O desempate ocorrerá em favor
do produto ou serviço resultante de investimento em pesquisa e desenvolvimento
tecnológico no Brasil, se essa condição restar devidamente comprovada no caso
concreto.
Isto posto, em termos práticos, as distinções ora apontadas significam que as
regras anteriores destinadas a disciplinar o desempate de propostas e as posteriores,
referentes à aplicação da margem de preferência instituída pela Lei nº 12.349/2010,
coexistem no atual sistema jurídico, podendo ser compatibilizadas nos seguintes termos:
- produtos manufaturados e serviços nacionais que atenderem as normas técnicas
brasileiras serão sempre beneficiados nas disputas com seus equivalentes estrangeiros,
seja em decorrência da aplicação da margem de preferência ou do critério de desempate
referente a “bens e serviços produzidos no país”;
- um produto manufaturado ou serviço nacional que atender as normas técnicas
brasileiras poderá ser beneficiado em face de outro nas mesmas condições em caso de
ser considerada brasileira e consequentemente gozar de proteção pela legislação pátria, haverá a
necessidade da conjugação de três requisitos: 1 – a constituição da empresa deverá seguir as leis
brasileiras; 2 – a empresa deverá ter sede no Brasil; 3 – a administração da empresa
também deverá estar sediada em território nacional”, assinalando que, para Fábio Ulhoa Coelho, são
apenas dois os requisitos: sede no Brasil e organização de acordo com a nossa legislação
(NAPOLITANO, 2008). 28De acordo com o art. 2º do Decreto nº 7.546/2011, consideram-se: “I - Margem de preferência normal - diferencial de preços entre os produtos manufaturados nacionais e serviços nacionais e os produtos
manufaturados estrangeiros e serviços estrangeiros, que permite assegurar preferência à contratação de
produtos manufaturados nacionais e serviços nacionais; II - Margem de preferência adicional - margem
de preferência cumulativa com a prevista no inciso I do caput, assim entendida como o diferencial de
preços entre produtos manufaturados nacionais e serviços nacionais, resultantes de desenvolvimento e
inovação tecnológica realizados no País, e produtos manufaturados estrangeiros e serviços estrangeiros,
que permite assegurar preferência à contratação de produtos manufaturados nacionais e serviços
nacionais;”
56
empate de proposta, mediante aplicação do terceiro critério na ordem sucessiva do §2º
do art. 3º da Lei 8.666/93, ou seja, quando resultar de investimento em pesquisa e
tecnologia no País;
- produtos manufaturados e serviços não enquadrados no conceito de
“nacionais”, conforme art. 6º, incs. XVII e XVIII da Lei nº 8.666/93 e art. 2º, incs. IV e
V do Decreto nº 7.546/2011, ou que não atenderem a normas técnicas brasileiras,
somente serão beneficiados nas licitações em igualdade de condições com produtos
estrangeiros, por meio do desempate previsto no §2º do art. 3º da Lei nº 8.666/93;
- empresa nacional que não ofertar “produto manufaturado ou serviço nacional
que atenda as normas técnicas brasileiras” somente será beneficiada nas licitações em
igualdade de condições com empresa estrangeira, por meio do desempate previsto no
§2º do art. 3º da Lei nº 8.666/93.
IV.2 Margem de preferência versus microempresa e empresa de pequeno porte
A política pública de incentivo às microempresas e empresas de pequeno porte
foi instituída pela Lei Complementar 123/06,29
a qual, entre outras providências,
facilita-lhes o acesso aos contratos públicos mediante a concessão de benefícios, entre
eles o status de “empate ficto” com empresa de médio ou grande porte quando esta
figurar em primeiro lugar na ordem de classificação da licitação. A expressão “empate
ficto” foi cunhada pela doutrina especializada e refere-se à possibilidade de a
microempresa ou empresa de pequeno porte oferecer nova proposta, desde que seu
preço não seja superior em mais que 5% ou 10% ao valor da proposta vencedora,
conforme se trate de pregão ou de modalidade da Lei nº 8.666/93, respectivamente.
Em relação a essa política pública, a análise comparativa deve ocorrer, ao que
nos parece, sob o seguinte enfoque: o que deve prevalecer, o critério que valora o
elemento objetivo “produto manufaturado ou serviço nacional que atenda as normas
técnicas brasileiras” ou o critério que valora o elemento subjetivo “microempresa ou
empresa de pequeno porte”?
29 Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; altera dispositivos das
Leis no 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT,
aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001,
da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis no 9.317, de 5 de dezembro de
1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999. O Decreto nº 6.204/06 regulamenta o tratamento favorecido,
diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações públicas
de bens, serviços e obras, no âmbito da administração pública federal, instituídos pela referida Lei.
57
O benefício à microempresa ou empresa de pequeno porte ocorrerá sempre que
sua proposta estiver concorrendo com propostas apresentadas por empresas de médio e
grande porte na licitação. Melhor dizendo: sempre que a melhor proposta apresentada
for de uma empresa de médio ou grande porte. Nesta hipótese, a microempresa ou
empresa de pequeno porte terá nova chance de melhorar seu preço e vencer a licitação,
concretizando os objetivos da política pública de incentivo ao seu crescimento.
Suponha-se, então, que essa empresa de médio ou grande porte esteja ofertando produto
manufaturado ou serviço nacional que atenda as normas técnicas brasileiras, requisito
não preenchido pela microempresa ou empresa de pequeno porte sua concorrente.
Estará, então, criado o impasse.
Os decretos que atualmente fixam margens de preferência para alguns produtos
manufaturados e serviços nacionais trazem o seguinte dispositivo padrão: “A aplicação
da margem de preferência não excluirá o direito de preferência das microempresas e
empresas de pequeno porte, previsto nos arts. 44 e 45 da Lei Complementar nº 123, de
14 de dezembro de 2006”. A redação parece-nos insuficiente, mas permite extrair que a
margem de preferência será aplicada para, só então, havendo microempresa ou empresa
de pequeno porte na licitação, fazer valer o respectivo benefício legal. Resta avaliar se o
aludido decreto pode, nos limites de suas competências materiais, estabelecer a
prevalência da política pública de preferência a produtos manufaturados e serviços
nacionais sobre a política pública de tratamento diferenciado e favorecido às
microempresas e empresas de pequeno porte.
Para além da relevância substancial da questão, a identificação de uma solução
consoante à Constituição é imprescindível para que haja coerência na implementação
nacional da política pública que institui a margem de preferência. Considerando que,
segundo o Decreto nº 7.546/2011, Estados e Municípios deverão fixar margens de
preferências próprias mediante decretos estaduais e municipais, não deverão existir,
contudo, divergências de regulamentação quanto ao aspecto versado, que integra o
substrato da própria política pública.30
30
A propósito, não há como deixar de suscitar, em parênteses, outra questão: considerando a competência
constitucionalmente transferida aos estados e municípios, caberia a eles a fixação de margens de
preferências próprias? Se a concessão da preferência objetiva o desenvolvimento nacional sustentável, a
fixação das aludidas margens não seria matéria de competência regulamentar privativa da União,
figurando no sistema normativo como norma geral? Sob outro enfoque, haveria como, estados e
municípios, suportarem orçamentariamente as margens de preferência estabelecidas pela União? Ou teria
sido essa a razão pela qual a competência regulamentar lhes foi repassada, de modo a adequar a política a
uma realidade factível e preservar a eficácia da política pública? O aprofundamento do estudo do tema
sob essa perspectiva, mostra-se, sem dúvida, necessário, embora inoportuno para o presente trabalho.
58
A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, ao analisar a minuta do Decreto nº
7.767/2012, que estabelece a aplicação de margem de preferência para aquisição de
produtos médicos, não encontrou ilegalidade na regra que prioriza a aplicação de
margem de preferência sobre o benefício a microempresas e empresas de pequeno porte,
tecendo as seguintes considerações:
10. Inovando consideravelmente na disciplina das contratações públicas, com
respaldo nos princípios e fundamentos da ordem econômica brasileira e na
função regulatória do Estado, insculpidos, respectivamente, nos arts. 170 e
174 da Constituição Federal, o legislador houve por bem ampliar o conceito
de vantajosidade das propostas. Isso porque a promoção do desenvolvimento
nacional sustentável – agora um dos fundamentos do instituto da licitação –
passa necessariamente pelo incentivo ao incremento tecnológico e industrial
do país. Nesse contexto, para além do aspecto econômico, deve-se atribuir à
expressão “proposta mais vantajosa” uma conotação mais ampla, que agregue
outros critérios a serem avaliados e que, ao final, proporcione benefícios
mediatos ao Estado.
11. Ao contrário do que ocorre com a regra de preferência prevista na Lei
Complementar nº 123, de 2006, as margens previstas no projeto de
Decreto permitem que o Administrador contrate automaticamente a
licitante fornecedora de produtos nacionais, caso a sua proposta, após a
aplicação da margem, seja considerada vencedora.
12. Feita esta breve digressão sobre a inovação legislativa em comento,
conclui-se que somente após a aplicação da margem de preferência prevista
no art. 3º, § 5º, da Lei nº 8.666, de 1993, é que se irá perquirir acerca da
incidência das regras de preferência previstas na Lei Complementar nº 123,
de 2006. E nem poderia ser diferente, uma vez que o direito de preferência
das micro e pequenas empresas está condicionado à ocorrência de
empate real ou ficto – tal como definidos nos artigos 44 e 45 da Lei
Complementar. Trata-se, portanto, de regra de desempate, a incidir,
como intuitivo, em momento posterior à classificação das propostas.
13. Poder-se-ia objetar que a incidência antecipada da margem de
preferência tem potencial para frustrar a benesse concedida pela Lei
Complementar nº 123, de 2006, porquanto afastaria, por exemplo, a
contratação de ME e EPP fornecedoras de produtos estrangeiros, ainda que
portadoras de propostas mais atraentes do ponto de vista econômico.
14. Nesse ponto, imperioso atentar para o fato de que, em certos casos, é
possível que a ME ou EPP seja preterida na disputa em virtude da aplicação
da margem de preferência. Contudo, não há qualquer nota de ilegalidade
59
nesta situação. Isso porque – reitere-se – o legislador, ao realizar a
ponderação dos princípios, reduziu o âmbito de aplicação das diretrizes
contidas no art. 179 da Constituição Federal, para prestigiar o
desenvolvimento nacional, princípio igualmente caro ao Ordenamento
Jurídico pátrio.
15. A bem da verdade, não há que se falar em aparente antinomia. A regra
contida no art. 3º, § 5º, da Lei nº 8.666, de 1993, e aquela inserta no art. 4º, §
5º, do projeto de Decreto não afastam de plano o preceito insculpido nos arts.
44 e 45 da Lei Complementar nº 123, de 2006. Somente nos casos em que o
cálculo da margem de preferência descaracterizar a ocorrência de empate real
ou ficto é que não se poderá invocar o benefício dado às ME ou EPP. A
questão é de aritmética, não de conflito de leis.
16. Em síntese, a previsão de que as regras dos arts. 44 e 45 da LC nº 123,
de 2006 incidem após a definição da proposta vencedora conforme previsto
no art. 3º do projeto de Decreto guarda perfeita consonância com o
Ordenamento Jurídico.31
É evidente que a solução para esse impasse depende da realização de uma
análise da questão a luz da Constituição. O art. 3º da Constituição de 1988 elenca entre
os objetivos fundamentais da República a garantia do desenvolvimento nacional. O art.
170, por sua vez, traz os princípios da ordem econômica nacional e entre eles inclui o
tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Os princípios da ordem
econômica, assim como tantos outros extraídos do Texto Maior, serão aplicados na
realização daqueles objetivos fundamentais, donde poder-se afirmar que as políticas
públicas destinadas a dar concretude ao princípio do tratamento favorecido às
microempresas e empresas de pequeno porte são destinadas a realizar o objetivo do
desenvolvimento nacional. Desse modo, sob esse enfoque, a política pública que
estabelece, nas licitações, tratamento diferenciado e beneficiado aos produtos
manufaturados e serviços nacionais que atendam as normas técnicas brasileiras não se
diferencia da política pública que estabelece, nesses mesmos processos de contratação,
tratamento diferenciado e beneficiado às microempresas e empresas de pequeno porte. É
necessário seguir, portanto, na busca de razões que possibilitariam acomodar ambas as
regras de forma coerente na ordem jurídica.
31 Parecer PGFN/CJU/COJLC/Nº 1193/2012.
60
O enfoque da natureza das leis que estabelecem as respectivas políticas públicas
poderia ser considerado para esse fim. A lei que instituiu o tratamento favorecido às
microempresas e empresas de pequeno porte em licitações é complementar à
Constituição – Lei Complementar nº 123/06 -, enquanto que a lei que instituiu a
possibilidade de preferir produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam as
normas técnicas brasileiras é uma lei ordinária – Lei nº 12.349/2010. A rigor, maior
força tem aquela sobre esta, o que nos levaria à conclusão apriorística de que os
benefícios às microempresas e empresas de pequeno porte deveriam prevalecer sobre a
preferência objetiva sobre os produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam
as normas técnicas brasileiras. Entretanto, é imprescindível atentar para o conteúdo de
tais normas e o seu nível de importância para o resultado da licitação e o alcance dos
objetivos desse processo. É nesse ponto, pensamos, que se encontra a resposta buscada.
Segundo o art. 37, inc. XXI da Constituição de 1988, a licitação ocorrerá nos
moldes de sua lei disciplinadora, a Lei nº 8.666/93 e alterações. A Lei Complementar nº
123/06 não produziu qualquer alteração no texto da Lei nº 8.666/93, muito embora
tenha criado para a Administração Pública o dever de observar suas disposições sempre
que realizar licitações. De outro lado, a Lei nº 12.349/2010 não apenas alterou o texto
da Lei nº 8.666/93, como criou um novo objetivo específico para a licitação, qual seja, o
desenvolvimento nacional sustentável, incluindo a aplicação de margens de preferência
como mecanismo destinado a alcança-lo. Houve, portanto, uma modificação formal do
procedimento da licitação, que transcorrerá, doravante, sob novas regras. A aplicação de
margem de preferência é, ainda, claramente mais benéfica do que o “empate ficto”, pois
permite a “contratação automática” do produto ou serviço, mesmo por preço superior,
enquanto que a microempresa ou empresa de pequeno porte apenas terá uma nova
chance de reduzir seu preço e vencer o certame. Portanto, foram diferentes os pesos
atribuídos a ambos os valores beneficiados – produtos e serviços nacionais versus
microempresas e empresas de pequeno porte – sendo maior o grau de proteção
legislativa incidente sobre aqueles. Essas ponderações autorizam a afirmar que a regra
constante dos decretos que regulamentam a aplicação das margens de preferência, acima
transcrita, é a solução mais correta, ou seja, que a aplicação da Lei Complementar nº
123/06 ocorrerá posteriormente à aplicação da margem de preferência a produtos
manufaturados e serviços nacionais.
Entretanto, cabe salientar que esta solução não foi adotada em situação similar,
relacionada à política pública de concessão de preferência a bens e serviços de
61
informática e automação, objeto do tópico seguinte. Conforme regulamentação do
Decreto nº 7.174/2010, o exercício do direito de preferência será concedido após a
aplicação das regras de preferência para as microempresas e empresas de pequeno porte,
a teor do que disciplina seu art. 8º, incisos I e II.
IV.3 Margem de preferência versus bens e serviços de informática e automação
A Lei nº 8.248/91, entre outras providências, dispõe sobre a capacitação e
competitividade do setor de informática e automação, estabelecendo:
Art. 3o Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta ou
indireta, as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público e as demais
organizações sob o controle direto ou indireto da União darão preferência,
nas aquisições de bens e serviços de informática e automação, observada
a seguinte ordem, a:
I - bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País;
II - bens e serviços produzidos de acordo com processo produtivo básico,
na forma a ser definida pelo Poder Executivo.
O Decreto nº 7.174/2010 regulamenta a contratação de bens e serviços de
informática e automação pela administração pública federal, direta ou indireta, pelas
fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público e pelas demais organizações sob o
controle direto ou indireto da União, determinando:
Art. 5o Será assegurada preferência na contratação, nos termos do disposto no
art. 3º da Lei nº 8.248, de 1991, para fornecedores de bens e serviços,
observada a seguinte ordem:
I - bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País e produzidos de
acordo com o Processo Produtivo Básico (PPB), na forma definida pelo
Poder Executivo Federal;
II - bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País; e
III - bens e serviços produzidos de acordo com o PPB, na forma definida
pelo Poder Executivo Federal.
...
Art. 6o Para os efeitos deste Decreto, consideram-se bens e serviços de
informática e automação com tecnologia desenvolvida no País aqueles
cujo efetivo desenvolvimento local seja comprovado junto ao Ministério
62
da Ciência e Tecnologia, na forma por este regulamentada. (Sem grifos no
original.)
A preferência se dará, segundo o art. 8º do mesmo Decreto, com a classificação
dos licitantes cujas propostas finais estejam situadas até 10% (dez por cento) acima da
melhor proposta válida, convocando-se os licitantes classificados, na ordem do art. 5º,
para que possam oferecer nova proposta ou novo lance.
Como se pode observar, no que tange a metodologia, a política pública de
preferência a bens e serviços de automação se assemelha à política de preferência a
microempresas e empresas de pequeno porte. Parte-se, igualmente, de um “empate
ficto” e a preferência se dará com a reapresentação de nova proposta ou lance. Já para a
aplicação da margem de preferência, como visto, a matemática é outra. Não cabe falar
em empate, real ou ficto, mas, sim, acrescer à melhor proposta apresentada na licitação
o valor correspondente à margem de preferência concedida pelo decreto respectivo,
verificando, na sequência, se a proposta referente a produtos manufaturados ou serviços
nacionais não supera o valor resultante.
No que tange ao seu conteúdo, entretanto, o objeto da política pública de
preferência a bens e serviços de informática e automação identificam-se com os objetos
da política pública de preferência a produtos manufaturados e serviços nacionais, razão
pela qual, em nosso entender, esse deve ser o enfoque da análise comparativa proposta.
Nesse contexto, os impasses são os seguintes:
- Se, na mesma licitação, concorrerem entre si bens de informática considerados
produtos manufaturados nacionais e bens de informática produzidos com tecnologia
desenvolvida no país e/ou de acordo com o processo produtivo básico – PPB, qual
objeto será beneficiado? 32
- Havendo “empate” em relação às características dos produtos, ou seja, se houver
enquadramento de um mesmo produto em ambos os objetos das políticas públicas, qual
delas deverá ser priorizada? Deverá ser aplicada a margem de preferência a produtos
manufaturados nacionais, resultando na adjudicação obrigatória do objeto da licitação,
ou deverá ser concedida a mera possibilidade de ofertar nova proposta ou lance?
32 Conforme ressaltado, o conceito legal de “serviços nacionais” para o fim da aplicação da margem de
preferência da Lei nº 12.349/2010 ainda não existe no ordenamento jurídico, impedindo, pois, precisar a
comparação no tocante a este objeto.
63
- Se o produto de informática, manufaturado e nacional, resultar de
desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País, poderá ser beneficiado pela
margem de preferência adicional à normal, prevista pela Lei nº 12.349/210, ou o
benefício a ser concedido, nesse caso, será apenas a preferência para o fim de nova
proposta ou lance, conforme a Lei nº 8.428/91 e o Decreto nº 7.174/2010?
Ressaltou-se, no tópico anterior, que o Decreto nº 7.174/10 estabelece que a
preferência para bens e serviços de informática e automação instituída pela Lei nº
8.248/91 apenas será aplicada após dar-se preferência a microempresas e empresas de
pequeno porte, conforme previsão na Lei Complementar nº 123/06. Já foi dito, também,
que a política de preferência a produtos manufaturados e serviços nacionais que
atendam a normas técnicas brasileiras deve prevalecer em face da política pública de
preferência a microempresas e empresas de pequeno porte, apenas beneficiando-se estas
na impossibilidade de aplicar ou após a aplicação da margem de preferência, se for o
caso. Tal conclusão embasou-se no maior grau de proteção legislativa conferida aqueles
objetos, extraído da análise comparativa entre as políticas públicas. Nesses termos,
tendo em vista que o próprio Decreto regulamentador posicionou a política pública de
preferência a bens e serviços de informática e automação em um degrau abaixo da
política de preferência a microempresas e empresas de pequeno porte e que esta, por sua
vez, sucumbe à política de preferência a produtos manufaturados e serviços nacionais, o
mesmo ocorrerá em caso de aparente confronto entre esta e a política de preferência a
bens de informática e automação. Ou seja, a política pública instituída pela Lei nº
12.349/2010 será sempre prioritária, diretriz que deverá nortear a resposta aos
questionamentos acima formulados, nos seguintes termos:
- Bens de informática que forem categorizados como produtos manufaturados
nacionais serão preferidos aos bens de informática não nacionais, mas produzidos com
tecnologia desenvolvida no país e/ou de acordo com o processo produtivo básico – PPB.
- Se um mesmo produto porventura guardar características que possibilitem os
benefícios decorrentes de ambas as políticas públicas em questão, a política pública de
preferência a produtos manufaturados nacionais deverá ser aplicada.33
- Se o produto de informática, manufaturado e nacional, resultar de
desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País, deverá ser beneficiado pela
33
Inclusive, por ser mais benéfica do que a política pública de preferência a bens e serviços de
informática e automação, já que esta apenas possibilita novo lance ou oferta enquanto que aquela gera a
adjudicação compulsória do objeto da licitação.
64
margem de preferência adicional à normal, prevista pela Lei nº 12.349/210, nos termos
da correspondente norma regulamentadora.
V – A POLÍTICA DE PREFERÊNCIA A PRODUTOS MANUFATURADOS E
SERVIÇOS NACIONAIS EM LICITAÇÃO E AS EXIGÊNCIAS DO
DESENVOLVIMENTO NACIONAL SUSTENTÁVEL
V.1 Economia e meio ambiente
Economia e meio ambiente são conceitos que se comunicam. A ciência da
Economia estuda a forma como as sociedades utilizam os recursos escassos para
produzir bens com valor e de como distribuem esses mesmos bens entre os vários
indivíduos. O conceito tem como premissa a escassez dos bens e considera a utilização
eficientes do meios e recursos para a satisfação de suas necessidades. Por sua vez, meio
ambiente, de acordo com a Resolução CONAMA 306/2002, é o conjunto de condições,
leis, influências e infraestrutura de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas. Apesar das distinções necessárias, há, sim,
um intercâmbio de elementos e a possibilidade de convergirem em uma mesma direção,
em convivência pacífica e harmônica.
Entretanto, não é esse o enfoque que tem prevalecido nas discussões envolvendo
tais conceitos. A rigor, a percepção primeira é de tratá-los, respectivamente, como
sinônimos de crescimento econômico e conservação ambiental e, como tais, transformá-
los em opostos diante da crença sólida de que aquele não pode encontrar limites e que as
exigências ambientais são barreiras que, na medida do possível, podem e devem ser
derrubadas ou desviadas. Essa antinomia, infelizmente, vinha predominando nos
governos brasileiros e, pode-se dizer, de todo o mundo, prevalecendo o incentivo ao
crescimento econômico em detrimento de políticas ambientais. A razão é óbvia:
enquanto medidas conservacionistas têm como efeitos imediatos a restrição de direitos,
a dificuldade no alcance de metas políticas e maior demora nos resultados econômicos
visados, tais resultados são, por meio das medidas de incentivo ao crescimento
econômico, diretos e objetivamente mensuráveis.
No governo FHC, o Ministério do Meio Ambiente ocupou visivelmente uma
posição secundária e os projetos não consideravam as exigências do Sisnama para
65
avaliações abrangentes de impactos e discussões amplas (CAVALCANTI, 2007); no
governo Lula, o objetivo foi promover “o espetáculo do crescimento”, slogan de
campanha que parece ter efetivamente orientado as ações subsequentes. No campo
tecnocrático, raros são aqueles que distinguem as medidas de conservação ambiental de
meras amarras econômicas. O objetivo de todos, em qualquer nível federativo, afina-se,
a rigor, com a edição precípua de medidas que consideram o crescimento em seu
sentido tradicional e, diga-se, superado pelas exigências socioambientais, naquilo que
Cavalcanti chama de crescimento econômico sob o disfarce da expressão
“desenvolvimento econômico”: “a situação parece certamente refletir a „visão pré-
analítica‟ – para usar a terminologia de Joseph Schumpeter – da ciência econômica
convencional, que considera o meio ambiente não como o grande todo que contém o
sistema econômico, mas como um setor menor e externo da sociedade”
(CAVALCANTI, 2007).
O conceito de “desenvolvimento sustentável” se propõe a enlaçar
definitivamente os conceitos de crescimento econômico e conservação ambiental e,
portanto, de economia e meio ambiente. Segundo o Relatório Bruntland,
desenvolvimento sustentável é aquele que procura satisfazer as necessidades atuais das
populações, sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas
próprias necessidades. Desse modo, desenvolvimento sustentável pressupõe equilíbrio
entre crescimento econômico e conservação do meio ambiente, servindo de morada
comum para ambos os conceitos originalmente antagônicos. A noção de
desenvolvimento sustentável permitiu a criação de conceitos como economia ambiental,
ciência que se preocupa com o desenvolvimento de mecanismos que objetivem a
alocação eficiente dos recursos naturais, e economia ecológica, para a qual, além de
alocar de forma eficiente os recursos, um sistema econômico deve tratar da distribuição
justa e da escala de utilização desses recursos (SOUZA, 2008). Assim, a velha ideia de
incompatibilidade entre crescimento econômico e conservação ambiental vem perdendo
terreno para um novo modelo de desenvolvimento, o sustentável.
Porém, a busca pela efetividade desse conceito, bem como de sua evolução,
passa por questões relacionadas à governança ambiental. No âmbito da sociedade civil,
uma grande mudança vem se operando desde a Eco 92, que inaugurou a década de ouro
do ambientalismo brasileiro. A sociedade brasileira parece estar incorporando novas
atitudes em relação à importância do meio ambiente e, segundo dados do Instituto de
Estudos da Religião – ISER, houve mudança significativa de percepção, tendo-se
66
fortalecido a “consciência ecológica” (CAVALCANTI, 2004). A receptividade para
assuntos relacionados ao tema tem aumentado visivelmente, o que se deve, em muito, à
atuação de ONGs e suas campanhas de conscientização. Como consequência lógica, as
exigências pautadas no direito a um meio ambiente equilibrado e a um futuro sem
heranças malditas passaram a integrar de modo legítimo a pauta de requerimentos e
manifestos sociais. Nesse contexto, como atender aos reclames ambientais de modo
razoável e proporcional, sem deixar de prover as exigências do crescimento econômico
nacional? Qual a medida da sustentabilidade? Quais as possibilidades e os limites da
atuação do Estado na criação de políticas públicas para o desenvolvimento nacional
sustentável?
Por outro lado, dados científicos demonstram que o crescimento econômico não
reduziu a pobreza no Brasil, ao contrário, provocou empobrecimento ainda maior das
parcelas da população já consideradas pobres (TORRAS, 2003, apud CAVALCANTI,
2004), a despeito de medidores estatísticos como o PIB, absolutamente deficientes no
que se refere à avaliação de custos ambientais, servirem como camuflagem a esse
“espetáculo” do empobrecimento. Surge, então, o dilema vital da era contemporânea
(SILVA, 2007): necessitamos da retomada do crescimento econômico ou de uma
política de desenvolvimento que atenda os pressupostos da sustentabilidade, na
perspectiva de conciliar produção econômica, prudência ecológica, democracia,
diversidade cultural e justiça social? O crescimento econômico é condição necessária
para garantir a sustentabilidade social, ou seja, a melhor distribuição de renda, com
diminuição de desigualdades e melhora na qualidade de vida? Ou, em um olhar sobre a
história recente, já é possível concluir não ser esse o caminho, diante da inércia
produtiva, perversidade social e destruição ambiental resultantes do crescimento
acelerado?
V.2 A governança ambiental no Brasil
Segundo o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas – PNUD,
“governança é o exercício de autoridade política, econômica e administrativa na gestão
dos assuntos de um país, em todos os níveis. Inclui os mecanismos, processos e
instituições por meio das quais os cidadãos e os grupos articulam os seus interesses,
exercem os seus direitos legais, cumprem as suas obrigações e resolvem os seu
conflitos.” O conceito de governança reconhece a gestão pública compartilhada como
67
um arcabouço participativo desejável que considere o cidadão e a sociedade civil
organizada (GREEN; BARCELLOS; PINTO, 2007), compreendendo, pois, ação
conjunta de Estado e sociedade em busca de soluções e resultados para problemas
comuns.
O processo de governança envolve múltiplas categorias de atores, instituições,
inter-relações e temas, sujeitos a arranjos específicos entre interesses e possibilidades de
negociação (FONSECA; BURSZTYN, 2009). A governança ambiental é uma
delimitação temática do conceito de governança e se refere a “processos de exercício de
poder que, na área do meio ambiente, estejam ampliando os espaços de participação dos
diversos segmentos da sociedade civil organizada” (OLIVEIRA; BARCELLOS, 2008).
No Brasil, a governança ambiental possui traços de avanço em comparação com
outros países (LEIS, 1997:236, apud CAVALCANTI, 2004), apresentando uma
perspectiva progressista e tendo evoluído para uma abordagem de proteção abrangente e
integrada, orientada pela noção de sustentabilidade ecológica abrangendo capital
natural, funções do ecossistema e serviços da natureza, não apenas restrita a poucos
setores da natureza (CAVALCANTI, 2004). A produção legislativa é qualitativa e
quantitativamente expressiva. O Código Florestal e o Código de Águas, datados de
1934, abriram as portas para a criação de instituições específicas, políticas públicas
ambientais e práticas conservacionistas nos três níveis de governo. A Lei 6.938/81, que
instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, inaugurou um novo paradigma de
governança ambiental, pois seus objetivos requerem compatibilidade entre o
crescimento econômico, a alta qualidade de vida e o equilíbrio ecológico. O Sisnama,
criado através da referida Lei, é um complexo sistema de execução de programas e
projetos e de controle de atividades capazes de provocar a degradação ambiental. A Lei
de Crimes Ambientais, nº 9.605/98, trouxe a noção de responsabilidade corporativa
penal por danos ao meio ambiente, produzindo mudanças no comportamento
corporativo e a implantação de programas educacionais pelo segmento empresarial.
Há, de fato, uma profusão de leis elaboradas com esmero, editadas ao longo de
décadas, assim como um aparato institucional teoricamente apto a torná-las efetivas.
Paradoxalmente à ampliação das exigências legais, os orçamentos públicos continuaram
a prever participação tímida e insuficiente e controles como licenças ambientais não
conseguem garantir a implementação das próprias condicionantes (FELDMAN, 2011).
Não demora a conclusão de que aludidas leis, que possuem eficácia jurídica plena, não
lograram alcançar sua eficácia social, descrita por Silva (1999) como sinônimo de
68
efetividade, designando uma efetiva conduta acorde com a prevista pela norma; a
obediência real da norma. A eficiência do sistema tem se mostrado baixa devido a
resistências de setores insatisfeitos e à ausência de coordenação e integração entre os
atores institucionais e níveis de governo, pela ausência total de normas que regulem essa
cooperação (CASTELO BRANCO et al, 2003, p. 65, apud CAVALCANTI, 2004). Não
há envolvimento significativo da população no plano local, muito embora seja traço
característico a participação de atores diversos. Por outro lado, as reformas tributárias
jamais consideraram a possibilidade de impostos ecológicos, mantendo-se a prática de
concessão de subsídios sem mensuração de externalidades negativas ao meio ambiente,
ao que se conclui que crença no crescimento econômico não pode ser afastada
(CAVALCANTI, 2004), permanecendo forte no segmento empresarial e influenciando
decisões políticas e ações de governo.
A adoção contínua de uma política de governo conservadora de ajuste
econômico tem produzido retrocesso, reconduzindo meio ambiente e justiça social ao
status de obstáculos e colocando em risco conquistas ambientais fundamentais
(ZHOURI; LASCHEFSKI; PEREIRA, 2005). Cavalcanti (2004) coloca como desafio
maior ao desenvolvimento sustentável suplantar o inconsciente coletivo nacional de que
o meio ambiente é barreira ao desenvolvimento, sob o qual se sustenta o cenário
prevalecente de crescimento econômico desenfreado. O desafio da governança
ambiental em busca de uma sociedade sustentável remete, ainda, “a um movimento
mais global da história com repercussões muito particulares nos contextos locais, quais
sejam, a perpetuação da injustiça ambiental, o desrespeito à diversidade cultural e uma
crise da democracia, para além da expropriação dos recursos naturais em si” (ZHOURI,
2008).
Mas, como ponto de partida para chegar à governança ambiental ótima no
Brasil, mostra-se indispensável o exame da atribuição de responsabilidades, o que
significa rever o modo como ocorre o exercício de poderes sobre o meio ambiente pelos
vários atores, nos diversos níveis, definindo o papel de cada um (CAVALCANTI,
2004), especialmente o do Estado.
69
V.3 As licitações sustentáveis e a preferência a produtos manufaturados e serviços
nacionais
Diante de tais desafios, qual papel o Estado deve assumir na promoção do
desenvolvimento nacional sustentável? Que políticas públicas encontram-se a
disposição dos governantes como instrumentos de efetivo incremento da ação
socioambiental?
A erosão de fronteiras do Estado nacional e a perda de seu poder decisório são
efeitos do processo de globalização, que possibilita o surgimento de novos atores e
arranjos, nem sempre com a necessária transparência e democracia no manuseio do bem
comum. O resgate do papel político do Estado vem sendo propugnado como primordial,
apontando-se como necessário, também, conceber a governança como um novo modelo
político, em que vários atores, governamentais e não governamentais, sociedade civil e
corporações se juntam de forma organizada para expor soluções em novos arranjos
sociais (BRAUNMÜHL; WINTERFELD, 2005, apud ZHOURI, 2008).
Há algumas décadas, no Brasil, fala-se na utilização do chamado poder de
compra do Estado como estratégia para fomentar políticas de desenvolvimento nacional,
categorizando as chamadas licitações “verdes” como políticas públicas que visam à
concretização dos preceitos contidos nos arts. 170 e 225 da Constituição da República.
As licitações sustentáveis “incorporam claros instrumentos de incentivo, ao abrir um
mercado significativo às empresas que produzem de um modo mais limpo e de menor
impacto ambiental” (BLIACHERIS, 2011). O papel indutor exercido pelo Estado tem
como consequência lógica a ampliação do mercado para produtos “verdes”, mediante a
criação de uma parcela específica e significativa de consumo, o que possibilita a
produção em maior escala, a redução de preços e o acesso aos demais consumidores
(idem), efeito este que já se constitui em um dos resultados esperados.
Por outro lado, lembra-se que o Estado, ao fazer suas escolhas, pode desencadear
impactos negativos sobre o meio ambiente (PEREIRA JUNIOR; DOTTI, 2009, p. 32).
Está, assim, implícita como condição de atendimento às obrigações constitucionais de
busca pelo desenvolvimento nacional sustentável e proteção ao meio ambiente que as
contratações públicas não apenas considerem seus potenciais danos, mas também
concretizem uma mudança no comportamento de consumo estatal.
As críticas que envolviam o maior dispêndio com tais produtos, colocando tal
fato como obstáculo à constitucionalidade e à legalidade desses procedimentos, parecem
70
ter sido superadas. Houve, é certo, uma mudança no conceito da vantagem buscada pela
Administração Pública por meio da licitação, passando, o princípio da economicidade, a
retratar a relação custo-benefício de modo amplo para abarcar, inclusive, os custos
ambientais. Trata-se, segundo Justen Filho (2011, p. 4 ), “de determinar a proposta que
assegurará o aproveitamento racionalmente mais satisfatório dos bens econômicos”. O
que não se admite, certamente, é o custo exorbitante ou desarrazoado ou ações que
provoquem o perecimento de outros direitos constitucionais prestacionais, por
impedirem o custeio de políticas públicas que os tenham por objeto.
A Agenda 21 traz o fundamento moral para tais ações, estabelecendo como
postura esperada “o desenvolvimento de políticas e estratégias nacionais de estímulo a
mudanças nos padrões insustentáveis de consumo” e “o exercício da liderança por meio
das aquisições pelos Governos” (Capítulo 4, subitens 4.1.b e 4.22.d). No plano
normativo, a Lei nº 6.831/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente,
elenca entre seus objetivos a compatibilização do desenvolvimento econômico-social
com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico e exige do
Estado uma postura de ativa na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o
meio ambiente como patrimônio público. Ainda, há determinação expressa para que as
diretrizes legais sejam obedecidas inclusive nas “atividades empresarias públicas”,
gênero no qual se enquadram, sem sombra de dúvida, as chamadas compras
governamentais.
Nesse contexto normativo já era possível, pois, defender a licitude e a
legitimidade das licitações sustentáveis, posicionando-se, o Estado, como ator em um
modelo de conduta de consumo a ser seguido: nas contratações públicas, assim como
nas privadas, deve-se evitar o desperdício e buscar a implementação das compras que
fomentem o desenvolvimento sustentável (SOUZA, 2011).
Mas, a amplitude da discricionariedade administrativa na definição dos critérios
que produziriam as restrições à competição colocava a atuação administrativa concreta
no alvo de questionamentos quanto à legalidade. Tal lacuna legislativa que servia de
lastro à subjetividade vem sendo saneada no decorrer dos anos com a criação de
dispositivos inseridos em leis específicas de conservação ambiental e normas executivas
de obediência obrigatória no âmbito da Administração Pública federal, as quais servem
de parâmetro para a atuação nas demais esferas governamentais.
Não obstante, é preciso lembrar que a definição dos parâmetros de
sustentabilidade é um grande e constante desafio, a começar pela flexibilidade do
71
próprio conceito que se quer precisar, a sustentabilidade ambiental. Corre-se o risco de
sua banalização e perda de efetividade pela “reprodução indiscriminada e a ampliação
interminável, ao longo do tempo, da lista de quesitos considerados como ingredientes
necessários” e pela “preocupação em cumprir formalmente com critérios gerais”, que
“pode obscurecer a sua expressão substantiva” (FONSECA; BURSZTYN, 2009). Há,
portanto, uma exigência especial de atenção para a efetividade de tais normas, ou
eficácia social (SILVA, 1999), de modo que tais normas não pereçam em efeitos e se
tornem letra morta no ordenamento jurídico. Ainda, há que se considerar que o estado
da técnica em matéria de sustentabilidade ambiental é cambiante e dessa forma
repercute nas limitações aplicáveis às licitações sustentáveis (BIM, 2011). O que
atualmente é considerado menos agressivo ao meio ambiente pode, amanhã, ser
superado pelo aperfeiçoamento científico, por novas técnicas mais sustentáveis e
economicamente viáveis (idem). Portanto, a discussão técnica estará sempre aberta e
demandará o constante aprimoramento e controle dos critérios ambientais exigidos nas
licitações.
A Portaria nº 61/08 do Ministério do Meio Ambiente veio estabelecer
objetivamente as práticas de sustentabilidade ambiental a serem observadas pelo
Ministério do Meio Ambiente e suas entidades vinculadas quando das compras públicas
sustentáveis. A Lei nº 12.187/09, que institui a Política Nacional sobre Mudança de
Clima, autoriza explicitamente o estabelecimento de critérios de preferência nas
licitações e concorrências públicas para propostas que propiciem maior economia de
energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e
de resíduos. A Lei nº 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, da
mesma forma, elenca entre seus objetivos dar prioridade, nas aquisições e contratações
governamentais, para produtos reciclados e recicláveis e bens, serviços e obras que
considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente
sustentáveis. O Decreto nº 7.404/10 regulamenta a Lei 12.305/10 e prevê a fixação de
critérios, metas e outros dispositivos complementares de sustentabilidade ambiental
para as aquisições e contratações públicas. A Instrução Normativa nº 01/2010 da
Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão traz objetivamente critérios que podem e devem ser exigidos,
especificando a conduta administrativa e minimizando a discricionariedade.
Contudo, a consolidação do marco regulatório das compras públicas sustentáveis
ocorreu com a recente modificação do art. 3º da Lei 8.666, que incluiu entre os
72
objetivos da licitação a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, prevendo,
ainda, a possibilidade de concessão de preferência a produtos e serviços manufaturados
nacionais, desde que observem as normas técnicas brasileiras, entre as quais se incluem
as destinadas à proteção ambiental. Com efeito, com exceção às exigências relacionadas
ao projeto básico de obras, que deve conter elementos que assegurem o adequado
tratamento do impacto ambiental do empreendimento, a Lei referida não continha
autorização expressa acerca de outras possíveis exigências do gênero. E, a postura do
Supremo Tribunal Federal na interpretação das condições de habilitação passíveis de
serem exigidas, conforme art. 37, inc. XXI da Constituição da República, ou seja, dos
requisitos que podem ser exigidos do fornecedor, não relacionados, portanto, ao
produto, é circunscrita às necessárias para garantir o estrito cumprimento das obrigações
contratuais assumidas, o que maculava de inconstitucionalidade exigências de
certificações e documentos similares nessa fase do procedimento, entendimento que
produziu temor generalizado quanto ao exercício de discricionariedades envolvendo
critérios ambientais (vide ADI nº 3.670).
Em verdade, a inclusão do objetivo do desenvolvimento sustentável no bojo da
lei que disciplina as licitações públicas produziu antes o efeito de confirmar a eficácia
de dispositivos constantes de leis esparsas do que o de autorizar, propriamente, as
compras “verdes”. De qualquer modo, no momento presente, pós Lei 12.349, resta
claríssima a permissão legal para que tais procedimentos contemplem o atendimento a
exigências relacionadas à proteção ambiental, servindo de instrumentos de regulação
das práticas de consumo sustentável.
Para além de um poder da Administração Pública, as licitações “verdes”
constituem, indubitavelmente, um dever inarredável do Estado. Se ele se encontra
jungido a controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente,
conforme determina o art. 225, inc. V da Constituição da República, consequentemente
não lhe é lícito contratar bens, serviços e obras que utilizem processos e produtos em
desacordo com tais proibições (SANTOS, 2011). Não se trata, portanto, de um mero
exercício da competência discricionária, estando, a atuação administrativa, vinculada à
escolha menos gravosa ao equilíbrio ambiental. Ainda à guisa de consequências, tem-se
a necessária especificação do objeto da licitação de tal modo que atenda à imposição
constitucional referida, o que deve ser feito mediante a inserção de critérios de
sustentabilidade ambiental no edital e no contrato administrativo, conforme conceitos e
73
procedimentos ditados por atos normativos do Poder Executivo (Idem). Essa é a
coerência que pode e deve ser atribuída ao sistema jurídico brasileiro.
Segundo Bliacheris (2011), é possível destacar, com base na legislação
específica em vigor, como características da política pública de licitações sustentáveis: a
opção pela sustentabilidade e o desenvolvimento sustentável como conceito aberto e
verificável caso a caso; a transversalidade; a avaliação do produto ou serviço e não do
fornecedor; o ciclo de vida do produto como medida de sustentabilidade e a
ecoeficiência como fim da política pública. Não obstante, um longo caminho há que ser
percorrido até que se o administrador público sinta-se seguro de estar atuando sob o
manto da legalidade. Todos os conceitos envolvidos nas licitações sustentáveis são
demasiadamente específicos e técnicos, compondo uma fração muito pequena do
mundo do conhecimento científico – contudo, indiretamente proporcional à sua
relevância, o que demanda intensa atividade normativa para afastar subjetividades e de
controle para garantir a efetividade da política pública.
Questão polêmica que parece ter voltado à discussão refere-se à exigência de
certificações nas licitações. O posicionamento reiterado do Tribunal de Contas da União
é no sentido de que apenas podem ser consideradas para o fim de atribuir pontuação à
proposta técnica, em licitações do tipo melhor técnica ou técnica e preço.34
Nessa
mesma linha, a Instrução Normativa nº 01, de 19 de janeiro de 201035
estabelece que as
exigências de natureza ambiental deverão ser formuladas de modo a não frustrar a
competitividade. Entretanto, cabe a reflexão: considerando o novo objetivo do
desenvolvimento nacional sustentável e o explícito requisito da aplicação da margem de
preferência apenas a produtos e serviços cuja qualidade esteja garantida pelo
atendimento a normas técnicas brasileiras, a exigência de certificações deverá continuar
sendo vista como restrição à competição? Ou passará a ser vista como um requisito que
auxiliará no propósito de fomentar a qualidade dos produtos, de criar um mercado
seguro e que adote um sistema de gestão responsável? A questão se põe, entre outras
razões, pelo fato de que a verificação do atendimento às normas técnicas por via diversa
da certificação – a exemplo da diligência prevista pela Instrução Normativa nº 01/2010
– não detém a mesma eficácia e pode comprometer, por uma questão de insuficiência de
34
Vide Acórdãos do TCU nºs 2.103/2005 - Plenário; 2614/2008 - Segunda Câmara (Voto do Ministro
Relator); nº 1.985/2010-Plenário; nº 392/2011-Plenário; nº 1.139/2011– Plenário; nº 363/2012-1ª Câmara;
nº 1.832/2011-Plenário. 35 Dispõe sobre os critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou
obras pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências.
74
recursos humanos e desconhecimento técnico, a realização da própria política pública.
Cabe observar, entretanto, que a Lei nº 12.462/2011, que institui o Regime Diferenciado
de Contratações Públicas – RDC,36
prevê expressamente a possibilidade solicitar a
certificação da qualidade do produto ou do processo de fabricação, inclusive sob o
aspecto ambiental, expedido por qualquer instituição oficial competente ou por entidade
credenciada (art. 7º, inc. III).
Nessa toada, o Decreto 7.746, de 05 de junho de 2012, veio regulamentar o art.
3º da Lei 8.666 para estabelecer critérios, práticas e diretrizes gerais para a promoção do
desenvolvimento nacional sustentável por meio das contratações realizadas pela
administração pública federal direta, autárquica e fundacional e pelas empresas estatais
dependentes, além de institui a Comissão Interministerial de Sustentabilidade na
Administração Pública – CISAP, com a finalidade de propor a implementação de
critérios, práticas e ações de logística sustentável no âmbito da administração pública
federal direta, autárquica e fundacional e das empresas estatais dependentes. Sob tal
enfoque, uma reflexão merece ser suscitada: a licitação reproduzirá, em seus editais,
requisitos de sustentabilidade ambiental estabelecidos em normas próprias, sendo um
mecanismo garantidor do cumprimento de regras especiais preexistentes. Portanto, a
efetividade da licitação, enquanto indutora de uma política pública ambiental, estará
atrelada à própria política pública ambiental existente, delimitada pelas correspondentes
normas reguladoras. Isso conduz à conclusão de que, não sendo tecnicamente adequadas
as aludidas normas ou atendendo a interesses de determinados setores do mercado e,
ainda, veladamente, outros interesses que não o estritamente público, a licitação servirá
para potencializar a difusão de uma política pública defeituosa e prejudicial ao
desenvolvimento nacional sustentável. Trata-se de um risco real, que obsta a eficácia
concreta das licitações enquanto promotoras do desenvolvimento nacional sustentável.
36 Aplicável para as licitações e contratos necessários a realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos
de 2016, constantes da Carteira de Projetos Olímpicos a ser definida pela Autoridade Pública Olímpica
(APO); da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação - Fifa 2013 e da
Copa do Mundo Fifa 2014, definidos pelo Grupo Executivo - Gecopa 2014 do Comitê Gestor instituído para definir, aprovar e supervisionar as ações previstas no Plano Estratégico das Ações do Governo
Brasileiro para a realização da Copa do Mundo Fifa 2014 - CGCOPA 2014, restringindo-se, no caso de
obras públicas, às constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito
Federal e Municípios; de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das
capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinquenta quilômetros) das cidades
sedes dos mundiais referidos nos incisos I e II; das ações integrantes do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) e das obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.
75
Em relação à aplicação da margem de preferência, salientou-se que dependerá da
compatibilidade com o objetivo do desenvolvimento nacional sustentável em seu
sentido amplo, mas também no enfoque estrito da sustentabilidade ambiental. Nesse
particular, observa-se que o atendimento a normas técnicas brasileiras, requisito
indispensável à obtenção do benefício legal, conforme a clara redação do novo §5º do
art. 3º da Lei nº 8.666/93, poderá contribuir para a implementação de práticas
ambientalmente sustentáveis. O tema, devido à sua extensão, não comporta
aprofundamento no presente trabalho. Mas, é possível identificar determinadas normas
técnicas vigentes no Brasil que possuem foco na gestão ambiental e socialmente
sustentável, tais como:
- ABNT-NBR 14.001: norma com propósito de certificação que especifica os
requisitos de um Sistema de Gestão Ambiental e permite a uma organização
desenvolver e praticar políticas e metas ambientalmente sustentáveis. A norma leva em
conta aspectos ambientais influenciados pela organização e outros passíveis de serem
controlados por ela. Os elementos priorizados são dejetos banais e perigosos; poluições
do ar, da água, sonora e visual; energia; matérias primas; fauna e flora associadas à
empresa. Tem por objetivos, entre outros, respeitar o direito ambiental; controlar os
riscos para a área; controlar os custos dos dejetos e melhorar o desempenho do sistema
de gestão com a introdução de um novo ângulo crítico.37
- ABNT-NBR 16001: norma com propósito de certificação, editada em 2004,
tem fundamento nas três dimensões da sustentabilidade – econômica, ambiental e
social. Estabelece os requisitos mínimos relativos a um sistema da gestão da
responsabilidade social, permitindo à organização formular e implementar uma política
e objetivos que levem em conta requisitos legais, compromissos éticos e preocupação
com a promoção da cidadania, promoção do desenvolvimento sustentável, transparência
das atividades.38
- ABNT-NBR 26.001: norma de uso voluntário, “estabelece diretrizes sobre
responsabilidade social, partindo do conceito de que a responsabilidade social se
expressa pelo desejo e pelo propósito das organizações em incorporarem considerações
socioambientais em seus processos decisórios e a responsabilizar-se pelos impactos de
suas decisões e atividades na sociedade e no meio ambiente”, o que “implica um
comportamento ético e transparente que contribua para o desenvolvimento sustentável,
37 http://certificacaoiso.com.br/iso-14001/ 38 http://www.institutoatkwhh.org.br/compendio/?q=node/110
76
que esteja em conformidade com as leis aplicáveis e seja consistente com as normas
internacionais de comportamento.”39
Servindo, tais normas, ao propósito de possibilitar a aplicação da margem de
preferência a produtos manufaturados e serviços nacionais, a relação indissociável entre
a política pública em estudo e as licitações sustentáveis estará, definitivamente,
estabelecida.
Por fim, quanto ao controle dos aspectos ambientais dessas licitações e na
execução dos contratos delas decorrentes, as seguintes indagações podem ser suscitadas:
como a Administração Pública contratante irá proceder na fiscalização da manutenção
dos requisitos de sustentabilidade ambiental? Existirão recursos humanos e técnicos
necessários e suficientes a tanto, especialmente considerando a especialidade que
envolve a matéria? Por outro lado, quais os limites da competência dos Tribunais de
Contas, à luz de suas atribuições constitucionais, para exercer o controle sobre tais
aspectos? Como evitar conflitos com o Sisnama? As respostas a esses questionamentos
são fundamentais à compreensão integral dos reflexos que as licitações sustentáveis
produzirão, para além dos efeitos desejados de proteção ambiental.
VI - CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso do poder de compra do Estado para estimular a produção doméstica de
bens e serviços de qualidade constitui importante ferramenta de política pública. Utilizar
os processos de contratação pública para fomentar o desenvolvimento nacional é
medida adequada sob o enfoque da juridicidade.
A política pública de preferência a produtos manufaturados e serviços nacionais
é mais uma no rol das políticas públicas inseridas no bojo do processo licitatório. A
diferença, como foi possível observar, está especialmente no elemento econômico, pois
permite que o Poder Público pague preço mais elevado mesmo existindo opção mais
barata, referente a produto ou serviço não enquadrado no conceito de “nacional”.
Essa novidade coaduna-se com a mais recente concepção de vantagem a ser
obtida nas licitações, também verificada no caso da exigência de requisitos de
sustentabilidade ambiental em editais. A melhor proposta não mais se apresenta como
39 http://www.inmetro.gov.br/qualidade/responsabilidade_social/iso26000.asp
77
aquela de menor valor econômico, em comparação matemática objetiva. A melhor
proposta será, sim, a que melhor atender a demandas complexas do interesse público
primário, incluindo as diferentes nuances do desenvolvimento nacional sustentável, um
dos objetivos da República Federativa do Brasil e, agora, uma das funções sociais da
licitação.
A política pública de preferência a produtos manufaturados nacionais, quando
em cotejo com as demais similares e preexistentes, também se distingue quanto à sua
relevância. O tratamento dispensado a tais objetos é mais benéfico do que o conteúdo
das políticas públicas que instituíram a preferência em caso de empate propostas, o
tratamento favorecido a microempresas e empresas de pequeno porte e a preferência a
bens e serviços de informática e automação, o que torna preferencial a própria execução
da política pública em questão.
Os conceitos necessários à sua compreensão encontram-se definidos na Lei nº
8.666/93, por força da alteração promovida pela Lei nº 12.349/2010, e no Decreto
regulamentador nº 7.174/2010. Contudo, há imprecisões normativas, especialmente no
que tange à observância das normas técnicas brasileiras, condição verificada como
imprescindível à concessão da margem de preferência. Tal situação demanda cuidados
na execução.
Permanecem em suspenso respostas a algumas questões importantes, as quais
deverão ser obtidas ao longo do processo de implementação. Outras, ainda, relacionadas
a aspectos específicos e que ultrapassam os limites deste trabalho, deverão ser avaliadas
para possibilitar a exata compreensão da política pública e seus reflexos sobre a
Administração Pública brasileira, que é, em princípio, sua principal atriz.
É possível encontrar, ainda, aspectos de fragilidade relacionados ao
planejamento, transversalidade e efetividade da política pública em referência. É
fundamental que ela esteja integrada a um planejamento estratégico que considere o
planejamento da ação global do Estado em relação às diversas políticas públicas
elencadas na Constituição, assim como ao alcance de seus objetivos. A legalidade e a
constitucionalidade das margens de preferência estabelecidas estarão condicionadas ao
equilíbrio orçamentário, de modo que o prestígio ao crescimento econômico não
prejudique políticas públicas de primeira necessidade atreladas à concretização de
direitos fundamentais salvaguardados pela Constituição Federal e a busca pelo
desenvolvimento nacional sustentável, dever inarredável do Estado.
78
A preocupação com aspectos que envolvem governança pública e accountability
também é considerável. A tecnicidade das informações que devem embasar a fixação
das margens de preferência parece não permitir um controle efetivo por parte da
sociedade. A elaboração dos decretos regulamentadores que possibilitam a aplicação da
preferência não é suscetível a intervenções externas com intento controlador. A efetiva
implementação da política pública enunciada demanda, por sua vez, atuação percuciente
dos Tribunais de Contas e do Ministério Público para evitar desvios como os ora
apontados, além de assegurar a observância de normas e preceitos constitucionais. Por
último, a avaliação dos resultados, etapa peculiarmente crítica em qualquer processo de
análise de política pública, demandará o estabelecimento de critérios e indicadores
eficazes, que considerem não apenas os aspectos econômicos, mas os efeitos reflexos da
política pública sobre a execução de outras políticas públicas, especialmente sobre o
respeito a direitos prestacionais resguardados constitucionalmente. Nesses termos, para
que haja a necessária transparência e controle, será indispensável a atuação da sociedade
exigindo ampla divulgação dos resultados.
Sob outro enfoque, a aplicação da margem de preferência apenas poderá ocorrer
se consoante ao objetivo do desenvolvimento nacional sustentável. Significa que
nenhuma preferência poderá ser concedida a produtos manufaturados e serviços
nacionais sem atentar para possíveis ações incompatíveis com o desenvolvimento
nacional nos planos social, cultural, intelectual e ambiental. Mais especificamente, é
possível dizer que não caberá contratar sob o manto da preferência legal protecionista
produtos e serviços que não observem os ditames da sustentabilidade ambiental. Nessa
linha, a exigência de que os produtos manufaturados e serviços nacionais atendam a
normas técnicas brasileiras como condição para a concessão da margem de preferência
podem contribuir para o alcance dos objetivos das licitações sustentáveis, relaciona-as à
política pública em questão de forma intrínseca e irrevogável e figurando como um
indício concreto de que as licitações sustentáveis são, realmente, possíveis.
A mesma norma que instituiu a política pública de preferência a produtos
manufaturados e serviços nacionais explicitou o desenvolvimento nacional sustentável
como objetivo da licitação, consolidando o dever do Estado de realizar licitações verdes,
não havendo mais dúvida quando ao tema, nem escusas que furtem à prática. As normas
atualmente existentes sobre o tema possibilitam uma melhor identificação de requisitos
e condições ambientais que podem ser trazidos para o cerne dos processos de compras
públicas. Assim, o dever de concretizar, doravante, os comandos legais sobre o tema é
79
incontestável, cabendo ao Estado estabelecer diretrizes inequívocas a serem
consideradas para a realização das licitações sustentáveis.
Não há dúvidas de que dificuldades ainda permeiam o tema, diante da
mutabilidade do estado da técnica, do nível de especialização de conhecimentos
necessários à sua exata compreensão, das ingerências políticas e pressões do mercado,
decorrentes da crença ainda sobrevivente de que crescimento econômico e proteção
ambiental não combinam. Mas, o balanço geral é positivo. Estão mais do que claros o
papel do Estado enquanto indutor de um novo comportamento de consumo sustentável;
a possibilidade de utilização de seu poder de compra como instrumentos de políticas
públicas ambientais e, especialmente, o dever de realizar licitações “verdes” como
forma de atendimento ao comando constitucional de busca do desenvolvimento
nacional sustentável. O caminho que se descortina é favorável a avanços. Mas os passos
devem dados com cautela e sabedoria necessárias à preservação de tal bem jurídico,
cujo valor é, certamente, inestimável.
80
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRUCIO, Fernando Luiz. Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço
crítico e a renovação da agenda de reformas. Revista de Administração Pública -
RAP, Rio de Janeiro, Edição Especial Comemorativa, 57- 86, 1967 – 2007.
ARBIX, Glauco. Tecnologia e crescimento econômico. Novos Estudos, n. 77, mar.
2007, pp. 37 a 46.
ARRETCHE, Marta. A agenda institucional. Revista brasileira de Ciências Sociais -
RBCS. v. 22, n. 64. São Paulo, 2007. p. 147- 151.
BARCELLOS, Frederico Cavadas; GREEN, Aristides Pereira Lima; PINTO, Deborah
Moreira. Avaliação sobre governança ambiental nos Municípios do semi-árido
brasileiro. Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica nº 16, Setembro,
Outubro, Novembro e Dezembro de 2007. Disponível em
http://www.ecoeco.org.br/conteudo/publicacoes/encontros/vii_en/mesa5/trabalhos/avali
acao_sobre_governanca_ambiental.pdf
BARCELLOS, Frederico Cavadas; OLIVEIRA, Sonia Maria M. C. de. Aspectos de
governança ambiental em espaços pouco e muito urbanizados do complexo regional
Centro-Sul. Disponível em
http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2008/docspdf/ABEP2008_958.pdf
BASTOS, Celso Ribeiro. Emendas à Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1996.
BAUNGARTNER, Roberto. Bom uso das compras do governo. In Gazeta Mercantil,
São Paulo, 17 de janeiro de 2005, p. A3.
BIM, Eduardo Fortunado. Considerações sobre a juridicidade e os limites da licitação
sustentável. In: SANTOS, Murillo Giordan; BARKI, Teresa Villac Pinheiro (Coords.)
Licitações e Contratações Públicas Sustentáveis. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2011.
BURSZTYN, Marcel; FONSECA, Igor Ferraz da Fonseca. A banalização da
sustentabilidade: reflexões sobre governança ambiental em escala local. Sociedade e
Estado, Brasília, v. 24, n. 1, p. 17-46, jan./abr. 2009.
81
BLIACHERIS, Marcos Weiss. Licitações Sustentáveis: Política Pública. In: SANTOS,
Murillo Giordan; BARKI, Teresa Villac Pinheiro (Coords.) Licitações e Contratações
Públicas Sustentáveis. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2011.
CADERNOS DO DESENVOLVIMENTO, Ano 1, n. 1. Rio de Janeiro: Centro
Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, 2006, 280 p.
CARDOSO JR, José Celso. Estado, planejamento e políticas públicas: o Brasil em
desenvolvimento. Disponível em
http://criseoportunidade.wordpress.com/2009/08/25/estado-planejamento-e-politicas-
publicas-o-brasil-em-desenvolvimento-jose-celso-cardoso-jr/, 11 de julho de 2012.
CAPELLA, Ana. C. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas
públicas. In: HOCHMAN, G.; ARRETCHE, M.; MARQUES, E. (Orgs.). Políticas
públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. p. 87-122.
CAVALCANTI, Clóvis. Conflito entre desenvolvimento e conservação: o caso da
governança ambiental no Brasil. Cadernos de Estudos Sociais, Recife, v. 23, º 1-2, p.
025-034, jan/dez. 2007.
____________________. Economia e Ecologia: problemas da governança ambiental no
Brasil. Revista Ibero Americana de Economia Ecológica, vol. 1: 1-10, 2004.
CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós Moderno, trad. Marçal Justen Filho. Ed.
Fórum: Belo Horizonte, 2009.
COLLAÇO, Maria Heliodora do Vale Romeiro. Do direito ao desenvolvimento.
Disponível em http://jus.uol.com.br/revista/texto/6038/do-direito-ao-desenvolvimento.
COSTALDELLO, Angela Cássia. Aportes para um ideário brasileiro de gestão pública:
a função do controle externo. In: SILVEIRA, Raquel Dias da; CASTRO, Rodrigo
Pironti Aguirre de (Coords.). Estudos dirigidos de Gestão Pública na América
Latina, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2001.
DIAS, Dhenize Maria Franco. A teoria do limite fático da reserva do possível como
obstáculo à efetivação dos direitos sociais. Revista Internacional de Direito e
Cidadania, n. 10, p. 19-31, junho/2011.
82
DRAIBE, Sônia. M. Estado de Bem-Estar, desenvolvimento econômico e cidadania:
algumas lições da literatura contemporânea. In: HOCHMAN, Gilberto (Org.). Políticas
públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. p. 27-64.
FANTINE, José e ALVIM, Carlos Feu. Um modelo de desenvolvimento nacional.
Disponível em
http://ecen.com/eee57/eee57p/um_modelo_de_desenvolvimento_nacional.htm.
FELDMANN, Fábio. Nova governança ambiental. Disponível em
http://www.brasileconomico.com.br/noticias/nova-governanca-ambiental_108754.html
FERNANDES, Marcionila. Desenvolvimento Sustentável: Antinomias de um
conceito. Belém: AUA, 2003.
FERRAZ, Luciano. Função regulatória da licitação. Revista Eletrônica de Direito
Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº19,
ago/set/out, 2009. Disponível em http://www.direitodoestado.com.br.
FERREIRA, Daniel. A licitação pública no Brasil e sua nova finalidade social – A
promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Fórum: Belo Horizonte, 2012.
FFREY, Klaus. Governança urbana e participação política. XXVIII. Encontro Nacional
de Programas de Pós-Graduação em Administração. Anais. Curitiba: Anpad, 2004.
FREITAS, Juarez. Sustentabilidade – Direito ao Futuro. Belo Horizonte: Forum,
2011.
GONZÁLEZ, Thiago Holanda. A busca pelo desenvolvimento nacional e os obstáculos
à soberania econômica: uma análise da ordem econômica constitucional de 1988 face à
globalização. XIX. Conselho Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Direito.
Fortaleza. Anais. Fortaleza: CONPEDI, 2010.
GOVERNO FEDERAL. Cartilha Brasil Maior. Disponível em
http://www.brasilmaior.mdic.gov.br/wp-content/uploads/cartilha_brasilmaior.pdf.
GUGLIANO, A. A. Democracia, participação e deliberação. Contribuições ao debate
sobre possíveis transformações na esfera democrática. Civitas. Revista de ciências
Sociais. Democracia e novas formas de participação política. Porto Alegre: PUCRS,
v.4., n.2, 2004. p. 257-284.
83
GRAU, Eros Roberto. Elementos de direito econômico. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 1981.
JANNUZZI, Paulo. M. Indicadores para diagnóstico, monitoramento e avaliação de
programas sociais no Brasil. Revista do Serviço Público - RSP. Brasília, n. 56, abr/jun
2005. p.137-160.
JUSTEN FILHO, Marçal. Direito das Agências Reguladoras Independentes, São
Paulo: Dialética, 2002.
_____________________ Comentários à Lei de Licitações e Contratos
Administrativos, São Paulo: Dialética, 2010.
_____________________ Desenvolvimento nacional sustentado: contratações
administrativas e o regime introduzido pela Lei 12.349. Informativo Justen, Pereira,
Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 50, abril 2011, disponível em
http://www.justen.com.br//informativo.php?informativo=50&artigo=528.
JUSTEN NETO, Marçal. Preferências para produtos manufaturados nacionais em
licitações. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, nº 62, Curitiba, Abril de
2012, disponível em
http://www.justen.com.br//informativo.php?&informativo=62&artigo=642&l=pt
Acesso em 22/10/2012.
KINGDON, J. W. Agendas, alternatives and public policies. 3. ed. New York: Harper
Collins, 2003.
MANUAL DE LICITAÇÕES E CONTRATOS DO TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO - 4ª Edição.
MAGALHÃES, Raphael de Almeida. Desenvolvimento econômico: escolha política, e
não técnica. In: CARDOSO JR., José Celso (Org.), Desafios ao Desenvolvimento
Brasileiro – Contribuições do Conselho de Orientação do IPEA, Livro 1, 2009.
MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a
Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas.
Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 5, n. 18, p. 169-186, jul./set.
2007
84
MARIANI, Édio João. As normas ISO. Revista Científica Eletrônica de
Administração – ISSN: 1676-6822, São Paulo, Ano VI, n. 10, jun. 2006. Disponível
em www.revista.inf.br, acesso em 29.10.2012.
MATOS, Richer de Andrade e ROVELLA, Syane Brandão Caribé. Do crescimento
econômico ao desenvolvimento sustentável: conceitos em evolução. Disponível em
http://www.opet.com.br/revista/administracao_e_cienciascontabeis/pdf/n3/DO-
CRESCIMENTO-ECONOMICO-AO-DESENVOLVIMENTO-SUSTENTAVEL-
CONCEITOS-EM-EVOLUCAO.pdf.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Preferências em licitação para bens e serviços
fabricados no Brasil e para empresas brasileiras de capital nacional. Revista eletrônica
de Direito Administrativo (REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público,
nº 15, agosto/setembro/outubro, 2008. Disponível em
http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp. Acesso em 23 de outubro de 2012.
MENICUCCI, Telma Maria Gonçalvez. Gestão de Políticas Públicas: Estratégias para
Construção de uma Agenda. IX Congreso Nacional de Recreación
Coldeportes/FUNLIBRES, 14 a 17 de setembro de 2006, Bogotá, DC, Colômbia.
Disponível em http://www.redcreacion.org/documentos/congreso9/TMenicucci.html.
Acesso em 23 de julho de 2012.
MOREIRA, Egon Bockmann. Governando por meio de contratos. Disponível em
http://www.portalbrasil.net/2011/colunas/direito/fevereiro_01.htm, acesso em
03.07.2011.
MUNHOZ, Dércio Garcia Munhoz. Obstáculos ambientais e não ambientais ao
desenvolvimento. In: CARDOSO JR., José Celso (Org.), Desafios ao Desenvolvimento
Brasileiro – Contribuições do Conselho de Orientação do IPEA, Livro 1, 2009.
NAPOLITANO, Carlo José. A nacionalidade das sociedades empresariais. V
SIMPÓSIO DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO E TECNOLOGIA. Anais. Resende.
SEGeT-2008. Disponível em
http://www.aedb.br/seget/artigos08/114_A_NACIONALIDADE_DAS_SOCIEDADES
_EMPRESARIAIS.pdf
MENEZES, Joel Niebuhr. Margem de preferência para produtos nacionais. Revista
Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 207, p. 419,
maio 2011.
85
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para a sociedade civil. Temas éticos e
políticos da gestão democrática. São Paulo: Cortez, 2004.
OLIVEIRA, Edenis César. Crescimento e desenvolvimento econômico: a
sustentabilidade como modelo alternativo. Disponível em
http://www.funge.com.br/upload_trabalhos/13_artigoiiforumambiental.pdf.
OLIVEIRA, José Antônio Puppin de. Desafios do planejamento em políticas públicas:
diferentes visões e práticas. RAP, Rio de Janeiro 40 (1):273-88, Mar./Abr. 2006.
OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de; CALIL, Mário Lúcio Garcez. Reserva do possível,
natureza jurídica e mínimo essencial: Paradigmas para uma definição. XVII. Conselho
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Brasília. Anais. Brasília: CONPEDI,
2008.
PAES DE PAULA, Ana. P. Por uma nova gestão pública. Rio de Janeiro: FGV, 2005.
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica – Idéias e ferramentas úteis
para o pesquisador do Direito. 9. ed., OAB Editora, Santa Catarina: 2005.
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres e DOTI, Marinês Restelato. Políticas Públicas nas
Licitações e Contratações Administrativas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009.
PIMENTA de FARIA, Carlos A. A política de avaliação de políticas públicas. Revista
Brasileira de Ciências Sociais – RBCS, n.59, out. 2005. p. 97-169.
PRZEWORSKI, Adam. Sobre o desenho do Estado: uma perspectiva agent x principal.
In: BRESSER PEREIRA, L. C.; SPINK, P. (Orgs.). Reforma do Estado e
administração pública. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p. 39-73.
SANTOS, Murillo Giordan e BARKI, Teresa Villac Pinheiro. Licitações e
contratações públicas sustentáveis. Editora Fórum: Belo Horizonte, 2011.
SILVA, Alex Teixeira da. Governança e sustentabilidade das políticas públicas
ambientais: processos e atores. Fortaleza, 2007. Disponível em:
www.ecoeco.org.br/conteudo/publicacoes/encontros/vii_en/mesa2/resumos/governanca
_e_sustentabilidade_das_politicas_publicas.pdf
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. rev. ampl.
e atual. São Paulo: Malheiros, 1999.
86
SILVA, Daniel Cavalcante. Contextualização: políticas públicas no Brasil. Jus
Navigandi, Teresina, ano 16, nº 2880, 21 de maio de 2011. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/19158>. Acesso em: 10 jul. 2012.
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Concorrência desleal nas licitações. Revista
Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público
da Bahia, nº 3, ato-set-out, 2005. Disponível em http://www.direitodoestado.com.br.
SOUZA, Celina. Estado da arte da pesquisa em políticas públicas. In: HOCHMAN, G.;
ARRETCHE, M.; MARQUES, E. (Orgs.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 2007. p. 65-86.
SOUZA, Lilian Castro de. Política Nacional do Meio Ambiente e Licitações
Sustentáveis. In: SANTOS, Murillo Giordan; BARKI, Teresa Villac Pinheiro (Coords.)
Licitações e Contratações Públicas Sustentáveis. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2011.
TREVISAN, Andrei. P.; VAN BELLEN, Hans. M. Avaliação de políticas públicas:
uma revisão teórica de um campo em construção. Revista de Administração Pública –
RAP. Rio de Janeiro, 42 (3), mai/jun. 2008. p. 529-550.
VALENTE, Manoel Adam Lacayo. Marco legal das licitações públicas sustentáveis na
Administração Pública, Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados,
publicado no DOU nº 93 de 16 de maio de 2008.
VECCHIATTI, Karin. Três fases rumo ao desenvolvimento sustentável: do
reducionismo à valorização da cultura. São Paulo: São Paulo em Perspectiva, 2004.
VIEIRA, Ricardo Stanziola. Rio+20 – Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento: Contexto, principais temas e expectativa em relação ao
novo “Direito da Sustentabilidade”. Revista Novos Estudos Jurídicos, v. 17, n. 1 (2012):
Edição Especial Rio +20, Itajai, p. 39-47.
ZHOURI, Andréa. Justiça ambiental, diversidade cultural e accountabillity – Desafios
para a governança ambiental. RBCS, vol. 23, nº 68, outubro/2008.
ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K.; PEREIRA, D. Introdução: desenvolvimento,
sustentabilidade e conflitos socioambientais. In ZHOURI, Andréa; LASCHEFSKI,
Klemens e PEREIRA, Doralice (Orgs.). A insustentável leveza da política ambiental:
desenvolvimento e conflitos socioambientais. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.