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UNIVERSIDADE PARANAENSE - UNIPAR LOURENÇO ANTONIO RODRIGUES FIGUEIRA A VALORAÇÃO JUDICIAL DO DEPOIMENTO POLICIAL UMUARAMA - PARANÁ 2006

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UNIVERSIDADE PARANAENSE - UNIPAR

LOURENÇO ANTONIO RODRIGUES FIGUEIRA

A VALORAÇÃO JUDICIAL DO DEPOIMENTO POLICIAL

UMUARAMA - PARANÁ 2006

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LOURENÇO ANTONIO RODRIGUES FIGUEIRA

A VALORAÇÃO JUDICIAL DO DEPOIMENTO POLICIAL

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Direito, do Programa de Mestrado em Direito Processual e Cidadania, na área de concentração em Direito Processual Penal, da Universidade Paranaense, como requisito final para a obtenção do Título de Mestre em Direito, sob orientação do Professor Doutor José Laurindo de Souza Netto.

UMUARAMA - PARANÁ 2005

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LOURENÇO ANTONIO RODRIGUES FIGUEIRA

A VALORAÇÃO JUDICIAL DO

DEPOIMENTO POLICIAL

BANCA EXAMINADORA Orientador: Prof. Dr. José Laurindo de Souza Netto Examinador: Zulmar Facchin Examinador: Alvacir Alfredo Nicz

UMUARAMA - PARANÁ 2005

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Dedico este trabalho à Jane, esposa e partícipe de minhas agruras; aos filhos Robespierre, Heros, Lorraine e Loisleine, fontes de vida e inspiração; à minha mãe Marina, teto humano que me abriga nos difíceis momentos da vida.

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Agradeço a Deus, único e verdadeiro, o privilégio de estar realizando o mestrado. Agradeço ao Prof. Jônatas Luiz Moreira de Paula a transmissão dos profundos e amplos conhecimentos do Direito Processual Civil e de História do Direito. Agradeço ao Prof. José Laurindo de Souza Netto, meu orientador, as preciosas diretrizes para realização deste trabalho. Aos professores do Mestrado, que me despertaram a beleza da pesquisa.

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FIGUEIRA, Lourenço Antonio Rodrigues. A valoração judicial do depoimento policial. Umuarama: Universidade Paranaense, 2005. (Dissertação para defesa do Título de Mestre em Direito Processual e Cidadania).

RESUMO

O trabalho - a valoração judicial do depoimento policial - visa buscar o entendimento

doutrinário-jurisprudencial do valor da palavra daquele policial que, de alguma

forma, participou de diligências contra o suposto autor da infração. Ou seja, se a

versão desse policial pode ser recebida como prova testemunhal ou como mera

informação; se a condenação do réu pode dar-se com fulcro exclusivo na versão

policial. Se ocorrer a condenação à revelia de outras provas, não se estaria ferindo

o sistema acusatório e o princípio do devido processo legal e seus consectários?

Palavras-chave: Sistemas; princípios; prova; Constituição Federal; Código de

Processo Penal; defesa; acusação; juiz; direito; justiça; testemunho; jurisprudências;

sentença; decisão; contraditório; processo; policial; violência; abuso.

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FIGUEIRA, Lourenço Antonio Rodrigues. A valoração judicial do depoimento policial. Umuarama: Universidade Paranaense, 2005. (Dissertação para defesa do Título de Mestre em Direito Processual e Cidadania).

ABSTRACT

The research have for object to debate the question of the valuation of the

deposition of policeman which of diligence against the defendant, how investigation

or your imprisonment. If this evidence, without other elements probatives, is enough

to conviction. Or, yet, if must the judge to appreciate how information, because the

policeman is suspect the bias, because have interest in the cause, for to justify his

work.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................... 10

PARTE I CAPÍTULO I – SISTEMAS E PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL ................ 131.1 Introdução .................................................................................................... 131.2 Sistema acusatório ...................................................................................... 151.2.1 Generalidades ............................................................................................ 151.2.2 A principal característica ............................................................................. 161.2.3 O juiz ........................................................................................................... 161.2.4 A acusação ................................................................................................. 181.2.5 A defesa ...................................................................................................... 201.3 Sistema inquisitório .................................................................................... 211.3.1 Generalidades ............................................................................................ 211.3.2 O juiz .......................................................................................................... 221.4 Sistema misto .............................................................................................. 251.4.1 Generalidades ............................................................................................ 251.4.2 Fases .......................................................................................................... 251.5 O sistema processual brasileiro ................................................................ 261.6 Os princípios do processo penal ............................................................... 271.6.1 Princípio da verdade real ............................................................................ 281.6.2 Princípio da indisponibilidade ..................................................................... 301.6.3 Princípio da obrigatoriedade ....................................................................... 311.6.4 Princípio do contraditório ............................................................................ 321.6.5 Princípio do devido processo legal ............................................................. 341.6.6 Princípio da inadmissibilidade da obtenção de provas por meios ilícitos ... 361.6.7 Princípio da presunção de inocência .......................................................... 381.6.8 Princípio do favor rei ................................................................................... 391.6.9 Princípio da publicidade .............................................................................. 401.6.10 Princípio do juiz natural ............................................................................ 411.6.11 Princípio do promotor natural ................................................................... 421.6.12 Princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional ..... 431.6.13 Princípio da oficialidade ............................................................................ 441.6.14 Princípio da legalidade ............................................................................. 451.6.15 Princípio da oportunidade ......................................................................... 461.6.16 Princípio da indivisibilidade ....................................................................... 46

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1.6.17 Princípio da identidade física do juiz ........................................................ 471.6.18 Princípio do duplo grau de jurisdição ....................................................... 471.6.19 Princípio da ampla defesa ........................................................................ 481.6.20 Princípio da oralidade ............................................................................... 491.6.21 Princípio da intranscendência .................................................................. 501.6.22 Princípio da não auto-incriminação .......................................................... 501.6.23 Princípio do juiz imparcial ......................................................................... 511.6.24 Princípio da iniciativa das partes .............................................................. 511.6.25 Princípio da economia processual ............................................................ 521.6.26 Princípio nulla poena sine judice .............................................................. 521.6.27 Princípio da vedação de revisão pro societate ......................................... 53 CAPÍTULO II – TEORIA GERAL DA PROVA .................................................... 552.1 Introdução .................................................................................................... 552.2 Breve histórico das provas no Direito ....................................................... 562.2.1 O Direito na antigüidade ............................................................................. 562.2.2 Direito medieval, ordálias e canônico ......................................................... 572.2.3 Direito penal e processual penal humanitários ........................................... 602.2.4 Desafios da atualidade .............................................................................. 622.3 A prova no processo penal ........................................................................ 652.3.1 Conceito de prova ...................................................................................... 652.3.2 Objeto da prova .......................................................................................... 672.3.3 Função da prova ......................................................................................... 702.3.4 O ônus da prova ......................................................................................... 722.3.5 Classificação dos meios de prova .............................................................. 732.3.6 Prova ilícita ................................................................................................. 752.3.7 Procedimento probatório ............................................................................ 762.4 Princípios relativos à prova ........................................................................ 772.4.1 Princípio da comunhão da prova ................................................................ 782.4.2 Princípio da liberdade da prova .................................................................. 782.5 Sistemas de avaliação da prova ................................................................ 792.5.1 Sistema da prova legal ............................................................................... 802.5.2 Sistema da íntima convicção ...................................................................... 812.5.3 Sistema da persuasão racional .................................................................. 812.6 Meios de prova ............................................................................................ 822.6.1 Prova pericial e exame de corpo de delito ................................................. 832.6.2 Prova documental ....................................................................................... 842.6.3 Os indícios .................................................................................................. 862.6.4 Prova emprestada ...................................................................................... 872.6.5 O interrogatório do acusado e sua confissão ............................................. 872.7 Prova testemunhal ...................................................................................... 902.7.1 Conceito de testemunha ............................................................................ 902.7.2 Importância da prova testemunhal ............................................................. 922.7.3 Retrospectiva histórica da prova testemunhal ............................................ 942.7.4 Características do depoimento testemunhal .............................................. 952.7.4.1 A judicialidade ......................................................................................... 952.7.4.2 A oralidade .............................................................................................. 962.7.4.3 A objetividade .......................................................................................... 972.7.4.4 A retrospectividade .................................................................................. 98

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2.7.5 A acareação ............................................................................................... 982.7.6 Impedimentos ao ato de testemunhar ........................................................ 992.7.7 O falso testemunho .................................................................................... 1032.7.8 Testemunho de criança .............................................................................. 1052.7.9 Testis unus, testis nullus ............................................................................ 1092.7.10 Forma de inquirição de testemunhas ....................................................... 1112.7.11 A contradita .............................................................................................. 1122.7.12 Problemas advindos do subjetivismo da prova oral ................................. 113

PARTE II CAPÍTULO III – A VALORAÇÃO JUDICIAL DO DEPOIMENTO POLICIAL .... 1163.1 A instituição policial e suas vicissitudes................................................... 1163.2 O policial e a violência ................................................................................ 1223.3 O depoimento policial na jurisprudência .................................................. 1293.4 A fragilidade do depoimento policial como prova ................................... 138 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 142 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 155

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INTRODUÇÃO A pesquisa busca debater a questão da valoração do depoimento de policiais

que participam de diligências contra o acusado. Têm esses depoentes interesse em

respaldar seu trabalho? Ante tal interesse, há parcialidade em seu depoimento. Se

os depoimentos desses policiais, por si sós, podem sustentar a condenação do réu.

O trabalho tem por objetivo buscar o entendimento doutrinário-jurisprudencial

sobre a valoração do depoimento policial e tomada de posição sobre o tema.

Justifica-se o presente trabalho uma vez que o tema ocupa os tribunais na

faina judiciária e, por outro lado, têm ocorrido condenações injustas devido ao

acolhimento, pelos juízes, do depoimento de policiais que contribuíram para o

conjunto probatório contra o réu, à revelia de outras provas.

A metodologia consistiu na utilização do método dedutivo, pois a pesquisa

partiu do geral para o particular, ou seja, dos diversos temas explorados até chegar

ao tema específico.

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As hipóteses em debate são: a) os policiais que participam de diligências

contra o acusado têm interesse em respaldar seu trabalho? b) tal interesse torna

seu depoimento suspeito? c) o testemunho exclusivo desses policiais, sem respaldo

em outros elementos de prova, pode sustentar uma condenação?

Encontrou-se abundante jurisprudência sobre o tema.

A fim de atingir tal desiderato, o trabalho foi dividido em duas partes. A

primeira compreendendo dois capítulos. A segunda, um capítulo.

O primeiro capítulo cuida dos três sistemas de processo penal, ou seja, o

acusatório, o inquisitório e o misto, e vinte e sete princípios do processo penal.

Tratando o tema do trabalho de matéria de prova, o segundo capítulo, ainda na

parte primeira, cuida da teoria geral da prova, abrangendo os seguintes tópicos:

Breve histórico das provas no Direito: da Antigüidade, o período medieval, as

ordálias, Direito canônico e o Direito. Da prova no processo, explora os seguintes

sub-temas: conceito de prova, objeto da prova, função da prova, o ônus da prova,

classificação dos meios de prova, provas ilícitas e procedimento probatório.

Princípios orientadores da Teoria Geral da Prova: a fim de não reiterar os princípios

estudados no capítulo próprio, analisam-se neste tópico apenas os princípios da

comunhão da prova e liberdade da prova. Sistemas de avaliação da prova: prova

legal, íntima convicção e da persuasão racional. Meios de prova: pericial e exame

de corpo de delito, documental, indícios, prova emprestada, interrogatório do

acusado e sua confissão. Prova testemunhal: conceito de testemunha, importância

da prova testemunhal, retrospectiva histórica da prova testemunhal, características

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do depoimento testemunhal (a judicialidade, oralidade, objetividade,

retrospectividade); acareação, impedimentos ao ato de testemunhar, o falso

testemunho, testemunho de criança, testis unus, testis nullus.

A segunda parte compreende o terceiro capítulo, que trata do seguinte: a

valoração judicial do depoimento policial, que se desdobra em: instituição policial e

suas vicissitudes, o policial e a violência, o depoimento policial na jurisprudência,

síntese do entendimento jurisprudencial, a fragilidade do depoimento policial.

Finalmente, formulam-se sugestões sobre a valoração do testemunho policial,

a fim de que se evitem decisões injustas, em obediência ao sistema processual

penal adotado e aos princípios do processo penal.

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PARTE I

CAPÍTULO I - SISTEMAS DO PROCESSO PENAL

1.1 Introdução

Entende-se de elevada importância o estudo dos sistemas de processo penal,

pois o sistema adotado constitui o alicerce sobre o qual se assenta toda a dinâmica

processual penal, aliado aos princípios do processo penal. Daí a razão do seu

estudo. Tomou-se como fonte norteadora da pesquisa a obra Processo Penal:

Sistemas & Princípios, do professor José Laurindo de SOUZA NETTO.

Ademais, o Processo Penal Brasileiro é guiado por princípios que exteriorizam

a dinâmica processual do atual Estado Democrático de Direito, no qual o processo

penal é um instrumento em prol dos direitos e garantias fundamentais assegurados

na Constituição Federal.

Como o atual Código de Processo Penal entrara em vigência em 1941,

inspirado pelo espírito autoritário do Estado Novo, sob a presidência de Getúlio

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Vargas, muitos de seus princípios não foram nele inseridos e outros restaram

derrogados, pela não-recepção da nova Carta Constitucional.

No Brasil, em que o regime de governo é democrático, vige o sistema

acusatório, segundo a maioria expressiva da doutrina.

Começa-se pela noção do que seja sistema.

Colhe-se o conceito de sistema processual penal fornecido por RANGEL, nos

seguintes termos:

Expressão simbólica de uma teoria que se estrutura conforme axiomas e regras operatórias bem determinadas. Idéia ou juízo preconcebido. Reunião coordenada e lógica de princípios ou idéias relacionadas de modo que abranjam um campo do conhecimento. (...) Assim, sistema processual penal é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito penal a cada caso concreto. O Estado deve tornar efetiva a ordem normativa penal, assegurando a aplicação de suas regras e de seus preceitos básicos, e esta aplicação somente poderá ser feita através do processo, que deve se revestir, em princípio, de duas formas: a inquisitiva e a acusatória (2003, p. 45).

Portanto, tratar-se-á a seguir do estudo resumido dos principais aspectos de

cada um dos três sistemas supracitados.

À medida que a sociedade evoluiu, surgiu a necessidade da adoção de

métodos ou sistemas condizentes com a solução de litígios de forma pública e

humana.

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Ao deparar-se com tamanha responsabilidade processual, o Estado se

organizou com procedimentos coercitivos, que perduram, ainda hoje, conforme

destaca SOUZA NETTO:

Assim, paulatinamente, os institutos de caráter privado vão perdendo espaço para aqueles de índole política, apontando os autores, relativamente às formas como o processo se organiza, três sistemas típicos: acusatório, inquisitório e misto. (...). O acusatório caracteriza-se como um processo de partes. O inquisitório acompanha as organizações teocráticas, tendo se caracterizado como expressão de terror dos Estados absolutistas e dos Tribunais do Santo Ofício (2004, p. 19).

Não há adoção de um sistema puro. Ao contrário, mesclam-se seus

elementos.

1.2 O sistema acusatório

1.2.1 Generalidades

O sistema acusatório era o processo do povo, por ser mais acessível aos

leigos, e tinha como características a oralidade e a publicidade do julgamento.

Nasceu como um autêntico processo de partes; considerado em sua essência,

o contraditório é pleno e a produção de prova cabe às partes, não ao juiz (SOUZA

NETTO, 2004, p. 22).

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1.2.2 A principal característica

A principal característica do sistema acusatório é a divisão das funções, ou

seja, exterioriza-se através de três sujeitos ou órgãos encarregados de acusar,

defender e julgar. O processo acusatório é um processo de partes, pois cada uma

destas tem atribuição distinta, diferentemente da forma inquisitória, que concentra os

três papéis numa só pessoa.

Assim, devido à distinção de funções, não pode o procedimento ser iniciado

de ofício pelo julgador.

Logo, somente mediante provocação tem início o procedimento no sistema

acusatório.

1.2.3 O juiz

No sistema acusatório o papel mais relevante é o desempenhado pelo

julgador. Diante de tal importância, o juiz deve ser investido na função de acordo

com a Lei Maior e as normas infraconstitucionais, mediante concurso público,

nomeação, posse e designação para o exercício jurisdicional. Cuida-se do juiz

natural. Adicione-se-lhe a imparcialidade. Sem esta não há falar-se em função

jurisdicional, uma vez que o papel de julgador pressupõe juiz imparcial.

Ora, como haveria imparcialidade se, no sistema acusatório, pudesse o juiz,

como no inquisitório, acusar, defender e julgar? Daí a importância da forma

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acusatória com suas diferentes funções, garantidoras dos direitos do acusado.

O pré-requisito da imparcialidade é a independência, pois só é possível ser

imparcial o juiz livre de ameaças, constrangimento por poderes políticos ou

econômicos que pudessem intimidá-lo a decidir desta ou daquela maneira, sob pena

de perda do cargo. Por esta razão o Estado dá garantias constitucionais ao

magistrado, como: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio

(Constituição Federal, art. 128, § 5º, I, alíneas a, b e c), bem como estabelece

vedações ao juiz, a fim de mantê-lo à distância de circunstâncias tentadoras que

poderiam fulminar-lhe a independência e a imparcialidade.

SOUZA NETTO destaca a função do juiz no processo penal do tipo

acusatório:

O juiz que preside o processo, é uma entidade suprapartes, conhece das razões de quem acusa e de quem defende e depois decide como um árbitro. Esse tipo de estrutura implica que a pessoa acusada tenha a possibilidade de se defender desde o início; essa estrutura exige também, por isso mesmo, que quem acusa seja uma entidade diferente de quem julga, isto é, a entidade que decide há de ser uma entidade a quem a acusação é trazida por outra entidade. Nesse sentido, a sua imparcialidade está assegurada. E tal tipo de processo está tradicionalmente ligado a momentos da democracia Grega e Romana, em que o julgamento das pessoas era considerado uma questão a decidir pelo povo, implicando por isso que não seriam apenas pessoas profissionalizadas que decidiram uma questão de justiça (2004, p. 24).

O juiz tem tarefa decisiva no reconhecimento dos direitos das partes,

consistentes nas garantias individuais e fundamentais elencadas na Constituição

Federal, explícita e implicitamente.

Não há falar em Estado Democrático de Direito sem julgamento por juiz

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independente e imparcial.

Diante de alguma circunstância denunciadora de parcialidade do juiz, seja de

impedimento, seja de suspeição, deve a parte prejudicada intentar a devida

exceção, a fim de afastar o juiz do processo. Quanto à honestidade do juiz, “no caso,

ao Juiz não é suficiente parecer honesto; terá de sê-lo verdadeiramente, inclusive do

ponto de vista intelectual” (PRADO, 2001, p. 131). Para melhor explicitar tal situação,

deve-se observar a conclusão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça no julgamento

do Recurso de Habeas Corpus n. 4.769-PR, 6ª Turma, citado por Geraldo PRADO

(2001, p. 131): “a confiabilidade das partes na isenção do Juiz emerge como

condição de validade jurídica dos atos jurisdicionais. Ausente tal requisito estaremos

diante de atos absolutamente nulos”.

1.2.4 A acusação

No sistema processual acusatório, como o do Brasil, no entender da maioria

da doutrina, o papel da acusação é totalmente distinto dos demais sujeitos do

processo. Cabe ao Ministério Público, estadual ou federal, por meio de denúncia, dar

início à ação penal pública, tanto incondicionada como condicionada à

representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça nos casos de

crimes contra a honra do Presidente da República ou de Chefe de nação

estrangeira. Por sua vez, à vítima, através de queixa-crime, é atribuída a faculdade

de promover a ação penal privada, nos crimes de ação penal privada, em regra; e,

excepcionalmente, nos crimes de ação pública, dentro de seis (6) meses, quando

houver inércia do representante do Ministério Público, e, neste caso, a ação penal

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continua pública, “Muito embora a ação penal privada possa ser instaurada em

virtude da inércia do Ministério Público, toda a ação é pública, porque público é o

direito de punir do Estado” (SOUZA NETTO, 2004, p. 44).

Ao membro do Ministério Público, para o exercício da ação penal pública,

também se lhe outorgam as prerrogativas da vitaliciedade, inamovibilidade e

irredutibilidade de subsídio (Constituição Federal, art. 128, § 5º, I, alíneas a, b e c);

além disso, a Constituição Federal lhe impõe vedações, como as enumeradas nas

alíneas “a” a “e” do inc. II do art. 128.

O Ministério Público dá início à ação penal com supedâneo em inquérito

policial, realizado pela polícia judiciária, polícia civil ou polícia federal, ou em outros

elementos hábeis à denúncia, já que o inquérito policial não é imprescindível.

O ofendido, por seu turno, se louva em inquérito policial ou em outros

elementos suficientes a sustentar a queixa-crime, dirigida ao juiz criminal

competente, através de advogado e com poderes especiais, nos termos da lei

processual.

Ao Ministério Público se impõe a promoção da ação penal, em estando

presentes os requisitos legais ao oferecimento da denúncia, devido ao princípio da

obrigatoriedade, norteador da ação penal pública. Neste sentido, “o processo nasce,

pois, independente da vontade dos particulares. É ao Estado, por intermédio do

Ministério Público, seu órgão especializado, que, adquirida a notitia criminis,

compete o impulso inicial do processo” (SOUZA NETTO, 2004, p. 43).

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Tratando-se de infração penal de alçada pública – crime ou contravenção – a

titularidade é privativa do Ministério Público.

Até o advento da Constituição de 1988, cabia à autoridade policial e ao juiz

dar início à ação penal pública nos casos de contravenção penal, homicídio e lesões

corporais culposas. Promulgada a Carta de 1988, restaram revogados os

dispositivos processuais autorizadores do procedimento ex officio (art. 129, I,

Constituição Federal).

1.2.5 A defesa

No sistema acusatório, a defesa é efetivada por pessoa distinta do acusador e

do julgador.

No Estado Democrático de Direito é imprescindível a atuação do defensor no

processo, sob pena de nulidade absoluta, ainda que o réu seja revel.

Daí por que a Constituição Federal, no art. 133, assevera: “O advogado é

indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e

manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei“.

A defesa do réu compreende a autodefesa e a defesa técnica.

Autodefesa consiste no direito de o réu se fazer presente aos atos

processuais, tais como prestar interrogatório e assistir à inquirição das testemunhas.

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A defesa técnica, realizada por pessoa habilitada, ou seja, com capacidade

postulatória, o advogado, é indispensável ao cumprimento dos princípios referentes

ao devido processo legal. Dentre eles, destacam-se os seguintes: devido processo

legal, contraditório e ampla defesa.

A defesa do réu não pode ser um espectro de defesa, senão defesa efetiva,

real, sob pena de nulidade da sentença condenatória.

Assim, colhe-se de PEDROSO a seguinte lição:

O processo penal, pela relevância do interesse que nele está em jogo, a liberdade do acusado, pelas gravíssimas conseqüências que acarreta uma decisão condenatória, não pode se satisfazer com uma simples aparência de defesa. Esta deve ser real, concreta, efetiva, atuante e combativa, pouco importando a condição socioeconômica do acusado ou, mesmo, a natureza do delito (1994, p. 233).

1.3 O sistema inquisitório

1.3.1 Generalidades

”O processo do tipo inquisitório puro é a antítese do acusatório” e

caracterizava-se pelo cúmulo das três funções - acusar, defender e julgar - numa só

pessoa, o juiz (SOUZA NETTO, 2004, p. 25).

Teve origem em Roma, no seio da Igreja Católica.

Discorrendo sobre a história deste sistema, RANGEL registra:

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O Sistema Inquisitivo surgiu nos regimes monárquicos e se aperfeiçoou durante o direito canônico, passando a ser adotado em quase todas as legislações européias dos séculos XVI, XVII e XVIII. O sistema inquisitivo surgiu após o acusatório privado, com o sustento da afirmativa de que não se poderia deixar que a defesa social dependesse da boa vontade dos particulares, já que eram estes que iniciavam a persecução penal (2003, p. 46).

1.3.2 O juiz

Ao contrário do acusatório, no inquisitório o juiz dava início ao procedimento,

de ofício, coletava as provas e julgava. Vê-se, portanto, que o juiz acumulava as

três funções: acusar, defender e julgar.

O procedimento era escrito e secreto.

Devido à sua importância no combate aos julgamentos secretos da época,

cita-se a palavra de BECCARIA, com o seguinte teor:

Quais são os motivos com que se justificam as acusações e as penas secretas? A salvação pública, a segurança e a manutenção da forma de governo? Mas que estranha constituição é esta, segundo a qual quem tem por si a força e a opinião pública (esta mais eficaz que aquela) teme todo e cada cidadão? A imunidade do acusador? As leis, pois, não o defendem suficientemente; e existirão súditos mais fortes que os soberanos? A infâmia do delator? Por isso, autoriza-se a calúnia secreta e pune-se a pública! A natureza do delito? Se as ações indiferentes, e também as úteis ao público se chamam delitos, as acusações e os julgamentos não são nunca bastante secretos. Pode haver delitos, isto é, ofensas públicas, sem que ao mesmo tempo não seja do interesse de todos a publicidade do exemplo, ou seja, a publicidade do julgamento? Respeito todo governo, e não falo de nenhum em particular. Tal é, algumas vezes, a natureza das circunstâncias, que podemos até crer ser extrema ruína eliminar um mal, no caso de ser ele inerente ao sistema de uma nação. Mas, se tivesse de ditar novas leis em qualquer recanto abandonado do universo, antes de autorizar tal costume, a mão me tremeria, e teria toda a humanidade diante de meus olhos (1979, p. 52).

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O procedimento realizava-se de maneira simples: “havida a notícia de um

crime, o inquisidor escutava as testemunhas, registrando só as declarações

contrárias ao acusado”. O acusado não tinha direito à defesa; a confissão, a rainha

das provas, era aceita como verdadeira (SOUZA NETTO, 2004, p. 29).

PEDROSO destaca a ausência de defesa ao réu, aduzindo “se o imputado era

inocente, não precisava de defensor e, se culpado, era indigno de defesa” (1994, p.

18).

Prossegue PEDROSO noticiando as penas infligidas no sistema inquisitório:

Como observa Mira y Lopez, já na antiga Pérsia existia um teste da verdade – ‘a prova do arroz’ - consistente em fazer engolir rapidamente certa quantidade desse alimento, ainda cru, ao fim de uma declaração, pois, segundo acreditavam os juízes persas, quem não tivesse dito a verdade ficava impossibilitado de engolir o cereal. ‘Na prova das bebidas amargas, a mulher acusada de adultério era obrigada a ingerir doses de bebidas fortes e amargas e conservar sua naturalidade. Na hipótese de seu rosto se contrair e seus olhos se injetarem de sangue, era considerada culpada’. Em outra prova, no teste da água fria, lançava-se o acusado em um reservatório d'água: se submergia, era tido como inocente; se voltava à tona, era condenado. O fato de o corpo não ir a pique - anota Tornaghi - era atribuído ao demônio, de modo que, mais dó que um ‘juízo de Deus’, dever-se-ia falar em juízo do diabo. Infligia-se ainda a prova de o acusado caminhar sobre brasas durante algum tempo ou colocar a mão em um braseiro, constituindo sua resistência ao fogo meio de aferir-se de sua sinceridade. Na prova das serpentes, o imputado era colocado entre os répteis, acreditando-se que somente seria picado se efetivamente fosse um criminoso. A prova do cadáver consistia em colocar-se o corpo da vítima diante do acusado. Se do cadáver começasse a correr sangue, o réu era havido como verdadeiro autor do homicídio. Também como prova divina ou Juízo de Deus, instituiu-se o duelo, fundado na crença de que Deus não permitiria saísse vencedor o litigante (querelante ou querelado) que pleiteasse uma pretensão injusta (1994, p. 17-18).

Sobre o suplício diz FOUCAULT:

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Pena corporal, dolorosa, mais ou menos atroz [dizia Jacourt]; e acrescenta: ‘é um fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade’. (...) O interrogatório é um meio perigoso de chegar ao conhecimento da verdade; por isso os Juízes não devem recorrer a ela sem refletir. Nada é mais equívoco. Há culpados que têm firmeza suficiente para esconder um crime verdadeiro, e outros, inocentes, a quem a força dos tormentos fez confessar crimes de que não eram culpados (1987, p. 31).

No sistema em estudo, a prova era colhida e valorada pelo juiz.

Dando início ao processo inquisitório, o juiz já prejulgava o acusado, pouco

importando a produção de prova contrária à condenação. Para RANGEL:

No sistema inquisitivo, o juiz não forma seu convencimento diante das provas dos autos que lhes foram trazidas pelas partes, mas visa convencer as partes de sua íntima convicção, pois já emitiu, previamente, o juízo de valor ao iniciar a ação (2003, p. 46).

Ressalte-se que no Brasil, durante o domínio português, prevaleceram os

métodos punitivos de terror, em nome de Deus, efetivados no corpo e na alma do

condenado. À época, a legislação vigente eram as Ordenações Filipinas, em cujo

Livro V tratou do processo inquisitório, durante dois séculos. A vítima mais

expressiva dessa fase negra foi Tiradentes, cujo processo externou as

características da face negra do Direito Penal da época.

Nessa época, feiticeiros, hereges, apóstatas, benzedores sem o

consentimento do rei, eram submetidos às diversas formas de suplício e condenados

a penas cruéis de castração ou de mutilação.

Todavia, as crueldades, previstas nas Ordenações Filipinas, foram banidas

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pela Constituição de 1824, em seu art. 179. Doravante, os Códigos Civil e Criminal

se assentariam na sólida base da justiça e da eqüidade.

Conclui-se, portanto, inexistir, no sistema inquisitório, processo como

instrumento a serviço da verdade real, mas como meio de condenação do acusado.

1.4 O sistema misto

1.4.1 Generalidades

Graças às idéias filosóficas do século XVIII, ligadas à Revolução Francesa de

1789, segundo o professor SOUZA NETTO, o sistema de processo penal sofreu

modificações substanciais absorvidas do processo inglês (2004, p. 31).

O sistema misto é conhecido também como sistema formal.

Consagrou a separação de funções – acusação, defesa e julgamento – sendo

o Ministério Público o dominus litis.

1.4.2 Fases

O processo penal misto flui em etapas:

1ª) fase de instrução preliminar, com as características: inquisitória, secreta,

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escrita e sem contraditório, bem como a instrução probatória, secreta e não

contraditória;

2ª) fase de julgamento: acusatória, em que se observam a oralidade,

publicidade, o contraditório, a concentração dos atos processuais, a intervenção de

juízes populares e livre apreciação das provas.

Sobre as distintas fases do sistema misto e suas características:

Enquanto no processo inquisitivo todas as etapas eram secretas, não contraditórias, escritas, com as funções de acusar, defender e julgar concentradas nas mãos do juiz; no processo misto, na fase do julgamento, o processo desenvolve-se oral, pública e contraditoriamente (SOUZA NETTO, 2004, p. 32).

Finalmente, a maior conveniência do sistema misto consiste em que ele traz

“as vantagens e elimina os inconvenientes dos outros dois” (TORNAGHI apud

SOUZA NETTO, 2004, p. 32).

1.5 O sistema processual brasileiro

O Código de Processo Penal vigente fora promulgado durante a ditadura do

Estado Novo, imposto por Getúlio Vargas. Porém, com a nova ordem constitucional

introduzida pela Constituição Federal, desde 05 de outubro de 1988, muitos de seus

dispositivos foram derrogados, pois não recepcionados.

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De acordo com o professor SOUZA NETTO (2004, p. 34), a Constituição

Federal de 1988 adotou o sistema acusatório, cujo entendimento encontra homizio

em diversos doutrinadores de renome, também por ele enumerados, como Tourinho

Filho, René Ariel Dotti, Ada Pellegrini Grinover, José Frederico Marques, Afrânio

Silva Jardim, Edgard Magalhães Noronha, Romeu Pires de Campos Barros, além de

outros. De outra forma, entendendo de maneira diversa, pela adoção do sistema

misto, por exemplo, pugnam Guilherme de Souza Nucci e Rogério Lauria Tucci.

1.6 Princípios do processo penal

No Estado Democrático de Direito, como o Brasil, o processo penal é um

instrumento contra o arbítrio do Estado e em prol da liberdade do indivíduo.

O processo penal é reflexo do momento em que foi formado, como o atual que

traz os estigmas do momento político da época, o regime ditatorial de Getúlio

Vargas, pois aprovado em 1941 e vigente a partir de 1942.

Devido à nova ordem constitucional, muitos dos preceitos da lei processual

penal não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988.

Os princípios se prestam à correta aplicação da lei. Daí a necessidade do seu

estudo. Ressalte-se que dos princípios estudados, alguns têm vinculação direta com

o depoimento policial, são eles: princípio do devido processo legal, princípio do

contraditório, princípio da ampla defesa, princípio da verdade real, princípio da

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inadmissibilidade da obtenção de provas por meios ilícitos, princípio da presunção

de inocência, princípio do favor rei, princípio do livre convencimento motivado ou da

persuasão racional, princípio da legalidade, princípio da identidade física do juiz,

princípio da oralidade, princípio da não auto-incriminação. Outros, não, mas são

importantes para o tema como um todo, pois são voltados para o juiz, o aplicador da

lei.

Antes do estudo de cada princípio, busca-se o conceito do que seja princípio.

MELLO o conceitua como:

(...) por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de estrutura mestra (1996, p. 545-546).

Colhida a noção de princípio, passa-se ao seu estudo.

1.6.1 Princípio da verdade real

Verdade real é a que mais se aproxima da realidade do ilícito objeto do

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processo; emerge o princípio do dever de o juiz buscar provas, não se limitando aos

elementos probatórios carreados aos autos pelas partes, já que a finalidade do

processo penal, como instrumento, é a concretização dos direitos e garantias

constitucionais. Autorizam-no a fazê-lo, por exemplo, os artigos: 156 (determinar

diligências para dirimir dúvidas); 196 (pode a todo tempo proceder a novo

interrogatório); 209 (ouvir outras testemunhas além das arroladas pelas partes); 234

(determinar a juntada de documentos de que tenha conhecimento); 147 (proceder à

verificação da falsidade); 408 (ordenar diligências antes do julgamento do Tribunal

do Júri); 616 (no julgamento da apelação poderá o tribunal, câmara ou turma,

proceder a novo interrogatório do réu, reinquirir testemunhas ou determinar outras

diligências).

Este princípio sofre limitações pelo respeito à dignidade humana (CF, art. 1º,

III); pela proibição da obtenção de provas por meios ilícitos (CF, art. 5º, LVI); pela

proibição da revisão criminal pro societate. Todas as provas são relativas; nem

mesmo a confissão do acusado tem valor absoluto, consoante exposição de

motivos do CPP, item VII. Está irmanado com o princípio da ampla defesa, pois

sem a efetiva busca da verdade real, não haverá concretização da plenitude de

defesa.

Ressalte-se que este princípio não é incompatível com o sistema acusatório,

apesar das medidas tomadas pelo juiz, de ofício, na busca da verdade processual.

Ora, quando a prova carreada ao processo se restringe à versão de policiais ligados

à apuração do fato imputado ao réu, a verdade real, em regra, não foi alcançada,

porque em geral os policiais não expressam a realidade, como se vê na faina

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policial o famigerado “auto de resistência à prisão” lavrado durante o inquérito

policial, visando justificar o abuso no emprego de força contra o imputado, quando

de sua prisão. Este auto é falacioso. Não houve resistência. Houve arbitrariedade

redundando em crime de abuso de autoridade e, para “legalizá-la”, busca-se tal

estratagema. Eis aí o liame entre o princípio e o tema do trabalho.

Comentando o princípio em apreço, e refutando, aliás, uma pretensa verdade

real, diz RANGEL:

Afirmar que a verdade, no processo penal, não existe é reconhecer que o juízo penal decide com base em uma mentira, em uma inverdade. Ao mesmo tempo, dizer que ele decide com base na verdade real, como se ela fosse única, é uma grande mentira. (...) A verdade é processual. São os elementos de prova que se encontram dentro dos autos que são levados em consideração pelo juiz em sua sentença. A valoração e a motivação recaem sobre tudo que se apurou nos autos do processo. O caráter instrumental do processo demonstra que (o processo) é meio para se efetivar os direitos e garantias individuais assegurados na Constituição e nos tratados e convenções internacionais de que o Brasil seja parte, não sendo, como pensam alguns autores, instrumento para aplicar o direito penal, única e exclusivamente (2003, p. 5).

Finalmente, é inerente ao princípio da ampla defesa, pois sem a efetiva busca

da verdade real, ela não se efetivará.

1.6.2 Princípio da indisponibilidade

Refere-se à impossibilidade de desistência da ação penal pública pelo

Ministério Público. Uma vez iniciada deve fluir até o final, até a sentença. Está

atrelado ao princípio da obrigatoriedade da ação penal. Outrossim, o dominus litis

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não pode também desistir nem do recurso por ele interposto.

O princípio não se aplica à ação penal privada, regida que é pelo princípio da

conveniência ou oportunidade para iniciá-la e disponibilidade para dar-lhe ou não

prosseguimento.

Quanto ao porquê da indisponibilidade da ação penal, colha-se a seguinte

lição de SOUZA NETTO:

Ademais, se a ação pertence ao Estado, salvo as exceções, aquele a quem se atribuiu o exercício não pode dela dispor, desistindo ou transigindo. (...) O processo penal, após ter sido iniciado, não pode ser suspenso ou abandonado salvo nos casos expressamente previstos em lei, devendo o Juiz concluir o processo com decisão. Para com o Juiz, expõe-se com inderrogabilidade, indeclinabilidade e improrrogabilidade da jurisdição penal. Assim, o juiz tem o dever de concluir e não pode subtrair-se a sua atividade jurisdicional, nem deferi-la a outro. Para ele, a obrigatoriedade se traduz no dever de cumprimento das funções a ele conferidas pela lei (2004, p. 102-103).

No entanto, com o advento da Lei 9.099/95, ao tratar das infrações cuja pena

mínima não ultrapasse um ano (atualmente dois anos, devido à aplicação do

princípio da isonomia em relação à Lei dos Juizados Especiais Federais), pode o

Ministério Público, ao oferecer a denúncia, propor a suspensão do processo.

Aceita pelo denunciado, são-lhe impostas certas condições a serem

observadas por 2 a 4 anos e, cumpridas, o juiz declara extinta a punibilidade do réu.

Porém não se trata de desistência da ação.

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1.6.3 Princípio da obrigatoriedade

Diz respeito à ação penal pública; uma vez infringida a norma penal e

presentes os requisitos legais - indícios da autoria, materialidade - e ausente causa

de extinção da punibilidade, deve o Ministério Público promover a ação penal. Pelo

princípio, o órgão ministerial não tem a faculdade de fazê-lo, senão a imposição

legal. Aplica-se, como o princípio da indisponibilidade, apenas à ação penal pública,

pois em relação à ação penal privada impera o princípio da conveniência e

oportunidade.

1.6.4 Princípio do contraditório

É inerente ao sistema acusatório; está consagrado no art. 5º, LV, da

Constituição Federal. Visa à garantia de participação, incluindo a par conditio, ou

seja, efetiva igualdade processual, com direitos e oportunidades iguais. Assegura a

concretização da ampla defesa.

A não-observância deste princípio, em detrimento do réu, produz nulidade

absoluta. Seu vínculo com a prova produzida por policiais, que realizam diligências

contra o réu, consiste em que este não se coloca na mesma igualdade de armas

perante o Estado.

Visando expor à sociedade quantidade de fatos desvendados, ainda que ao

arrepio da lei, ou buscando a impunidade de seus desmandos, bem como a

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intimidação que imprime ao réu, o testemunho policial fulmina este princípio, pois

superar o desequilíbrio entre ele e o aparato estatal lhe é, geralmente, impossível,

uma vez que não tem meios para impugnar totalmente as provas contra si

produzidas, máxime quando se tratar de prova ilícita.

RANGEL destaca o cumprimento deste princípio pelo chamamento do réu ao

processo, pela citação:

O ato jurídico que garante o direito do réu de ser ouvido sobre as acusações que pesam sobre ele é a citação. No processo penal, o respeito a este chamado vai tão longe que, uma vez citado e não comparecendo (ou não sendo encontrado porque em lugar incerto e não sabido), o Estado-juiz nomeia-lhe defensor para que faça sua defesa técnica (2003, p. 16).

O equilíbrio processual tem origem no princípio, pois “sendo o órgão estatal

acusatório eminentemente técnico, a ele não poderá o imputado ficar inferiorizado,

sob pena de quebrar-se o princípio do equilíbrio processual entre as partes”

(PEDROSO, 2005, p. 33).

Sobre a abrangência do princípio do contraditório, eis a lição de SOUZA

NETTO (2004, p. 123):

O contraditório entendido como o direito a ser ouvido (audiatur et altera pars), conseqüentemente de defender-se, compreende uma acusação de fato concreto, devidamente claro, preciso e delimitado (imputação), o conhecimento deste fato por meio de ato formal (citação), a presença do acusado a todos os atos do processo, em igualdade de posição com a acusação, exigindo correlação entre a acusação e a sentença (sententia debet esse conformis libello, ne eat iudex extra et ultra petita partem).

Ademais, enfático, GRECO FILHO, acrescenta:

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(...) consiste praticamente em: poder contrariar a acusação; poder requerer a produção de provas que devem, se pertinentes, obrigatoriamente ser produzidas; acompanhar a produção das provas, fazendo, no caso de testemunhas, as perguntas pertinentes que entender cabíveis; falar sempre depois da acusação; manifestar-se sempre em todos os atos e termos processuais aos quais devem estar presentes; e recorrer quando inconformado (1999, p. 73).

Finalmente, prima este princípio, segundo NERY JÚNIOR, pela necessidade

de dar-se às partes ciência da ação e oportunizar-lhe os meios de contestação de

seus termos:

Por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis. Os contendores têm direito de deduzir suas pretensões e defesas, de realizar as provas que requererem para demonstrar a existência de seu direito, em suma, direito de serem ouvidos paritariamente no processo em todos os seus termos (2002, p. 137).

1.6.5 Princípio do devido processo legal

Está previsto no art. 5º, LIV, da Constituição Federal; segundo ele, ninguém

pode ser privado de sua liberdade e de seus bens sem a instauração de um

processo, em conformidade com o ordenamento jurídico. Dele decorrem outros

princípios, tais como o da ampla defesa, proibição de produção de prova por meios

ilícitos, publicidade dos atos processuais, julgamento por juiz imparcial, etc. Impõe

sejam observados os direitos e garantias fundamentais assegurados

constitucionalmente. Assim, é condizente com o sistema acusatório.

Compreende, pois, dois aspectos: o material (Direito Penal) e o processual

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(procedimento e direito à satisfatória produção de prova). Porém, permite a

aplicação de pena de multa ou restritiva de direitos sem a instauração de um

processo judicial aos delitos de pequeno potencial ofensivo, conforme autorização

do art. 76 da Lei n. 9.099/95 e art. 98, I, da Constituição Federal. Este princípio é o

alicerce que sustenta os demais. Tem conotação com o testemunho de policiais,

pois este, quando falacioso, fere este princípio porque o processo se forma ao

arrepio do ordenamento jurídico.

Para SOUZA NETTO, o devido processo legal significa que: “O princípio, na

sua acepção mais nobre, é um instrumento de libertação da jurisprudência das

amarras das normas que se tornam conflitantes com a realidade social que se

espera num estado democrático de direito” (2004, p. 119).

O contraditório é essencial à configuração do devido processo legal. Segundo

Frederico MARQUES:

Sem o contraditório não se pode haver o devido processo legal. Uma vez que a lide tem sentido bilateral, porque a sua parte nuclear é constituída por interesses conflitantes, o processo adquire caráter verdadeiramente dialético, enquanto que a ação, como diz CARNELUTTI, se desenvolve como uma contradição recíproca (1997, p. 176).

Relativamente à aplicação da pena de multa ou restritiva de direitos sem

processo, na alçada do Juizado Especial Criminal, explica RANGEL:

O princípio em análise permite-nos entender o porquê da aplicação da pena de multa ou pena restritiva de direitos sem a instauração de um processo judicial, como permite o art. 76 da Lei nº 9.099-95. Ou seja, a adoção, na ordem jurídica brasileira, do bill of attainder (ato legislativo com que se inflige pena sem processo judicial) (2003, p. 2).

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1.6.6 Princípio da inadmissibilidade da obtenção de provas por meios ilícitos

Está consagrado no art. 5º, LVI, da Constituição Federal. Exige seja a

instrução processual penal lastreada em provas legais e legítimas. A ilicitude

abrange as espécies: prova ilegal (ofende direito material, v.g., escuta telefônica

não autorizada, confissão mediante tortura) e ilegítima (ofende direito processual -

diz respeito à introdução da prova no processo).

O depoimento do policial que diligenciou contra o réu, quando não

corresponde à realidade fática, gera prova ilícita contra o acusado. Como tal, não

pode produzir efeito contra ele. Deve ser banida do processo.

Veja-se a respeito a lição de SOUZA NETTO:

A teoria dominante, fulcrada no art. 5º, LVI da CF, entende que toda prova obtida por meios ilícitos deve ser expurgada do processo, por mais relevantes que sejam os fatos por ela apurados, uma vez que se torna inconstitucional por atacar normas ou princípios constitucionais, e.g. a intimidade, o sigilo das comunicações, a inviolabilidade do domicílio, a integridade e a dignidade da pessoa humana. Todavia, há uma questão que divide a doutrina e a jurisprudência: a teoria da proporcionalidade das provas ilícitas (2004, p. 71).

Cuidando-se da aceitação da prova obtida por meio ilícito, existem duas

teorias:

a) Teoria da prova ilícita por derivação: também chamada de “frutos da árvore

envenenada” ou ainda “efeito à distância”; traduz a idéia de que a prova obtida

ilicitamente contamina as demais provas dela decorrentes; como exemplo, a prova

colhida através de escuta telefônica não autorizada. Ora, se a escuta é ilícita, ilícitas

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serão todas as provas conseguidas por meio dela. Conclui-se pela inadmissibilidade

da prova.

b) Teoria da proporcionalidade: o princípio ou teoria da proporcionalidade é

conhecido também como princípio da razoabilidade ou do interesse predominante;

objetiva equilibrar os interesses individuais e os interesses da sociedade; por este

princípio não se admite a rejeição contumaz das provas obtidas por meios ilícitos;

devem-se ponderar os interesses em disputa, ao violar-se uma garantia

constitucional. Assim, por exemplo, quando o próprio réu produz a prova ilícita em

defesa própria, sendo ela a única de que dispõe, a fim de provar sua inocência.

Confira-se este raciocínio em NERY JÚNIOR:

A ilicitude do meio de obtenção da prova seria afastada quando, por exemplo, houver justificativa para a ofensa a outro direito por aquele que colha prova ilícita. É o caso de o acusado que, para provar sua inocência, grava clandestinamente conversa telefônica entre outras duas pessoas. Age em legítima defesa, que é causa da exclusão da anti-juridicidade, de modo que essa prova antes de ser ilícita é, ao contrário, lícita, ainda que fira o direito constitucional de inviolabilidade da intimidade, previsto no art. 5º, X, CF, que, como já se disse, não é absoluto (2002, p. 159).

Finalmente, registre-se a posição seguinte a respeito deste princípio:

Na doutrina, a tendência majoritária é, do mesmo modo, no sentido da contamïnaçao e inadmissïbilidade da prova derivada da ilícita. Mas também no campo teórico ainda falta um posicionamento mais preciso sobre a matéria. (...) Mencione-se, como exemplo significativo, entre as propostas de reforma do CPP elaboradas por Comissão de Juristas constituída pelo Ministério da Justiça pela Portaria 61/2000, presidida por Ada Pellegrini Grinover, e que resultou no Projeto de Lei do Executivo 4.205/01, a inclusão do § 1.° na nova redação do art. 157: "São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, quando evidenciado o nexo da causalidade entre umas e outras, e quando as derivadas não pudessem ser obtidas senão por meio das primeiras" (GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 2004, p. 167).

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1.6.7 Princípio da presunção de inocência

Também conhecido como princípio do estado de inocência ou da não-

culpabilidade, tem previsão no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, segundo o qual

todo réu é presumido inocente enquanto não advier sentença condenatória com

trânsito em julgado.

Impõe ao acusador o ônus da prova da culpabilidade, não à defesa a prova

da inocência; excepciona a prisão cautelar, as medidas referentes à quebra dos

sigilos fiscal, bancário e telefônico, e a violação do domicílio por mandado judicial de

busca; abrange o princípio do interesse do réu (in dubio pro reo) e o da intervenção

mínima do Estado na vida do cidadão; obsta à obrigação da auto-acusação,

legitimando o direito ao silêncio; impede o lançamento do nome do réu no rol dos

culpados antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, revogando o

inciso II do art. 393 do Código de Processo Penal.

Contudo, não obsta ao decreto de prisão cautelar e não afasta a exigência de

recolhimento do condenado à prisão para apelar nos casos impostos pela lei.

O princípio em estudo tem aplicação ao tema do trabalho, pois a prova

produzida exclusivamente por policiais, contra o réu, afronta este princípio,

dificultando ou impedindo-o de provar o contrário da versão policial.

Sobre o não-impedimento do decreto de medidas cautelares antes do trânsito

em julgado da sentença, ensina RANGEL:

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O princípio do estado de inocência não impede que sejam determinadas medidas contra o réu antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, desde que, de conteúdo cautelar, sejam provisórias e necessárias (...). tal necessidade pode decorrer de apreciação concreta ou abstrata. No primeiro caso, cuida-se de consideração do Juiz durante a instrução criminal (ex.: prisão preventiva). No segundo, pode ocorrer que o próprio legislador, em face da natureza do delito, de circunstâncias sociais etc., entenda conveniente, a priori, o estabelecimento de certas medidas cautelares de ordem processual penal (ex.: recolhimento à prisão para apelar nas hipóteses de crimes do colarinho branco) (2003, p. 4).

SOUZA NETTO destaca os aspectos pelos quais é visto o princípio da

presunção de inocência:

O princípio constitucional da presunção de inocência pode ser entendido sob dois aspectos, o formal e o substancial. O aspecto formal diz respeito a sua qualidade de direito constitucional fundamental, assegurado como cláusula pétrea pelo constituinte. No aspecto substancial, a presunção da inocência é definida como um direito de caráter processual, que percute no campo da prova e no tratamento do acusado (2004, p. 157).

1.6.8 Princípio do favor rei

É conhecido também por favor libertatis, favor innocentiae; preconiza que,

em caso de interpretações antagônicas de uma norma legal, deve-se optar pela

interpretação mais favorável ao réu; está entrelaçado com o princípio da presunção

de inocência. Aplica-se também quando houver conflito entre o direito-dever estatal

de punir e a inocência do réu e sua liberdade (art. 386, VI, do Código de Processo

Penal). É compatível com o sistema acusatório.

Assim, em se restringindo a prova contra o réu a testemunhos de policiais,

que contribuíram na busca de prova contra ele, ante o interesse em legitimar seu

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trabalho, surge a dúvida e, neste caso, não se chegou à verdade exigível à

condenação. Conseqüentemente, deve-se, com amparo neste princípio, absolver o

acusado.

Sobre este princípio, eis a palavra de PEDROSO:

Grafe-se nesse passo, contudo, que a simples alegação do acusado, contraria ao teor acusatório contra si irrogado, não possui robustez bastante para, por si só e desacompanhada de outros elementos introdutórios, delinear in dubio pro reo. Este princípio só tem condão de beneficiar o agente de um delito quando as provas carreadas para determinado processo se dividam, id est, quando, não se inclinado todas para uma ou outra versão dentre as oferecidas, bifurquem-se para estas versões, gerando incertezas quanto à acolhida de uma delas. Não fosse assim e bastaria que todo e qualquer sujeito ativo de um crime, quando submetido ao procedimento penal, alegasse o que bem lhe aprouvesse, sem provar, para que o non liquet obtivesse descortino. Por isso, allegare nihil, allegatum et non probare, paria sunt (2005, p. 48).

1.6.9 Princípio da publicidade

Tem amparo no art. 93, IX, da Constituição Federal, e art. 792 do Código de

Processo Penal. Impõe sejam públicos os atos processuais, franqueadas as

audiências e sessões à sociedade; impede a prática de atos processuais de forma

misteriosa; cuida-se de verdadeiro controle externo da atividade jurisdicional. Trata-

se de publicidade absoluta.

Este princípio é excepcionado pela lei, casos em que é restringida a presença

de determinadas pessoas em audiência, como ocorre no caso do Tribunal do Júri,

quando da votação na sala secreta, conforme artigos 476, 481 e 486 do Código de

Processo Penal. Cuida-se, neste caso, de publicidade restrita. Assim, a restrição ao

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princípio da publicidade limita a: a) quando o exigir o interesse público; b) quando o

exigir o interesse social; c) quando o exigir o interesse da intimidade.

O peso do princípio ora examinado é destacado por SOUZA NETTO, ao dizer

que ”(...) desempenha, no processo penal, função de fundamental importância, qual

seja: a de tornar transparente o exercício da jurisdição, assegurando, desse modo, a

imparcialidade do Juiz” (2004, p. 177).

1.6.10 Princípio do juiz natural

Cuida do juiz previamente investido no cargo, em obediência às normas

constitucionais, consoante art. 5º, LIII, da Constituição Federal, segundo o qual

“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

Evita-se, através dele, o juízo ou tribunal de exceção (Constituição Federal, art. 5º,

XXXVII), que seria o juiz ou tribunal escolhido para analisar determinado caso, após

a ocorrência do ilícito penal, pois “o princípio do juiz natural diz também com um

importante preceito, que é a proibição de instituição de juízes ou tribunais

extraordinários ou especiais” (SOUZA NETTO, 2004, p. 80). Objetiva a

imparcialidade do julgador.

TUCCI, citando CALAMANDREI, lembra que a idéia de juiz natural é

indissociável do sistema da legalidade e competência, ou seja, a concepção de juiz

natural equivale a de juiz legal e de juiz competente (2004, p. 110).

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Didaticamente, disserta RANGEL sobre o princípio:

Dogma constitucional, o princípio do Juiz Natural está expresso nos Incisos XXXVII e LIII do art. 5º da CRFB, deixando antever que juiz natural é o órgão jurisdicional constitucionalmente competente para processar e julgar uma causa. Portanto, não basta ser Juiz, mister se faz que seja aquele com delimitação de poder previamente feita pela norma constitucional. Ou seja, trata-se de um verdadeiro pressuposto processual de validade do processo. A Constituição é clara em afirmar: ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (grifo nosso), pois, assim dizendo, exige que todos os atos processuais (postulatórios, ordinatórios, instrutórios e decisórios) sejam presididos pelo Juiz natural da causa (2003, p. 314) [destaques no original].

Finalmente, para NERY JÚNIOR:

a garantia do juiz natural é tridimensional: Significa que: 1) não haverá juízo ou tribunal ad hoc, isto é, tribunal de exceção; 2) todos têm direito a submeter-se a julgamento (civil ou penal) por juiz competente, pré-constituído na forma da lei; 3) o juiz competente tem de ser imparcial (2002, p. 67).

1.6.11 Princípio do promotor natural

Diz que o indivíduo tem direito a ser acusado por órgão imparcial estatal, pré-

existente à ocorrência do fato ilícito, vedando-se designação de membros do

Ministério Público para casos determinados, a bel-prazer da chefia da instituição, a

fim de favorecer ou prejudicar alguém, como os chamados “promotores de

encomenda”. Pode haver designações nos estritos termos da lei, conforme dispõe o

art. 10, IX, da Lei n. 8.625/93 (Lei Orgânica do Ministério Público).

É conseqüência do princípio da independência funcional e da garantia

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constitucional da inamovibilidade. Tal princípio está inserto na Constituição Federal,

arts. 5º, XXXVII, e 128, § 5º, I, b, e na LOMP, art. 38, II.

Ensina RANGEL, sobre o princípio em estudo:

O Promotor Natural, assim, é garantismo Constitucional de toda e qualquer pessoa (física ou jurídica) de ter um órgão de execução do Ministério Público com suas atribuições previamente estabelecidas em lei, a fim de se evitar o chamado Promotor de encomenda para esse ou aquele caso. O princípio existe muito mais em nome da sociedade do que propriamente da pessoa física do Promotor de Justiça, pois, na verdade, exige-se, dentro de um Estado Democrático de Direito, que a atuação dos órgãos do Estado seja pautada pelos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade (cf. art. 37, caput, da CRFB), não sendo admissível que os atos sejam praticados pelo Mistério Público com interferência de terceiros em afronta ao Devido Processo Legal (2003, p. 36) [Destaque no original].

NERY JÚNIOR enfatiza o vocábulo “processar”, destinado exclusivamente ao

Ministério Público:

Em face disso, extrai-se da locução ‘processar’, que vem no art. 5º, n. LIII, da CF, o sentido de que é a atribuição que se confere ao Ministério Público para mover ação judicial, pois somente ele pode ‘processar’ alguém; não mais o juiz, a quem se aplica o vocábulo ‘sentenciar’ constante da mesma norma constitucional em exame.

1.6.12 Princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional

Encontra respaldo legal no art. 157 do Código de Processo Penal, ao referir-

se à prova. Ao fundamentar a sentença, o juiz aprecia livremente a prova, com base

nos elementos constantes dos autos. Sofre a exceção no julgamento pelo Tribunal

do Júri, em que os juízes de fato decidem com base no princípio da íntima

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convicção, sem necessidade de fundamentar a decisão.

A liberdade do julgador decorrente deste princípio sofre limitações: a) não-

condenação do réu com fulcro exclusivo nas provas do inquérito não reiteradas na

instrução processual (SOUZA NETTO, 2004, p. 142); b) não-condenação do réu

com supedâneo em provas obtidas por meios ilícitos. Cuida-se de princípio

referente ao sistema de valoração da prova, que propicia ao juiz total liberdade na

apreciação da prova. Com base nele, pode e deve o julgador absolvê-lo sempre que

o suporte probatório não for além do depoimento de policiais que diligenciaram

contra o réu. Conclui-se, por conseguinte, poder-se acrescentar mais uma limitação

vertida do princípio do livre convencimento: “não-condenação com suporte exclusivo

em depoimentos de policiais que efetuaram diligências contra o réu”.

Claus ROXIN (2000, p. 110) afirma que o princípio da livre valoração da prova

diz respeito ao fato de o juiz ou tribunal decidirem segundo sua convicção extraída

do conjunto probatório apresentado.

1.6.13 Princípio da oficialidade

A persecução penal é poder-dever do Estado, em decorrência de seu

monopólio do direito de punir; realiza-a através de seus órgãos constituídos, a

polícia judiciária (CF art. 144, § 1º, incisos I, II, IV, § 3º e 4º; CPP, art. 6º), o

Ministério Público (Constituição Federal, art. 1129, I, Código de Processo Penal, art.

29) e o Poder Judiciário (Constituição Federal, artigos 92 e seguintes).

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A respeito deste princípio, enfatizando a necessidade da presença estatal na

ação penal, diz SOUZA NETTO:

A oficialidade da ação penal pública advém da necessária participação do Estado, que por intermédio de um seu órgão exercita o jus puniendi. Este princípio é gradualmente enunciado no sentido de que a lei confere a órgãos específicos do Estado a incumbência de promover e exercitar a ação penal (2004, p.42).

1.6.14 Princípio da legalidade

Vem consagrado na Carta Magna, art. 5º, II, cujo teor consiste em que

ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei.

Constitui-se no alicerce do Estado Democrático de Direito. É garantia da justiça

punitiva e segurança contra o abuso do poder público. Implica regularidade

processual, condenação do culpado por órgão jurisdicional (juiz natural, decisão

motivada e direito de recorrer). Já se disse antes que toda prova carreada ao

processo deve ser legal.

A ilegalidade em relação à palavra de policiais, contra o réu, quanto a este

princípio, tem sua razão comum aos princípios do devido processo legal e ao da

proibição de obtenção de prova por meios ilícitos.

Portanto, quando o depoimento policial não encontra amparo em outras

provas dos autos, presente está a ilegalidade da prova contra o acusado.

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1.6.15 Princípio da oportunidade

A previsão legal deste princípio está no Código de Processo Penal, artigos 30,

31, 33 e 34. É aplicável à ação penal privada e à pública condicionada à

representação, regidas pela conveniência do ofendido. Quanto aos ilícitos de ação

de penal pública de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima não ultrapasse a

dois (2) anos, da alçada do Juizado Especial Criminal, impera o princípio da

oportunidade regrada.

SOUZA NETTO traduz o sentido do princípio: “Entende-se por princípio da

oportunidade a faculdade que assiste ao titular da ação penal, de dispor, sob

determinadas condições, do seu exercício, em confronto a quem foi atribuída a

existência de um fato punível” (2004, p. 50).

1.6.16 Princípio da indivisibilidade

Refere-se à ação penal privada. Relativamente à ação penal pública, sua

aplicação é controvertida, porque nela a indivisibilidade decorre do princípio da

obrigatoriedade. Assim, caso haja diversos autores do fato ilícito, deve o querelante

oferecer a queixa-crime contra todos, não lhe sendo lícito escolher este ou aquele;

caso deixe algum envolvido fora da queixa-crime deve o Ministério Público requerer

ao juiz seja o querelante intimado a aditá-la, sob pena de renúncia tácita, extensível

a todos os envolvidos, consoante artigos 48 e 49 do Código de Processo Penal.

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1.6.17 Princípio da identidade física do juiz

Sem previsão no Código de Processo Penal, diferentemente do Código de

Processo Civil, que o prevê no art. 132. Segundo este princípio, o juiz que conclui a

audiência de instrução e julgamento deve julgar a causa, salvo as exceções legais.

Sua aplicação é possível e útil ao processo penal. Encontra acolhimento no Juizado

Especial Criminal, de forma implícita. Aplica-se à produção da prova oral e, no

específico caso do depoimento policial, é vital que o juiz que colheu os depoimentos

profira a sentença, pois foi ele, “olhos nos olhos” dos depoentes policiais, quem

recolheu as impressões de verdade ou falsidade do depoimento.

Confira-se, no sentido de vinculação do juiz à causa, em SOUZA NETTO:

O principio da identidade física consiste na vinculação do juiz, que inicia a instrução, ao processo e ao julgamento da causa. A legislação processual penal desconhece a identidade física do Juiz como um princípio de Direito. Tal postulado já foi adotado, por certo período, pelo legislador pátrio (2004, p. 99).

1.6.18 Princípio do duplo grau de jurisdição

Objetiva o reexame da decisão por órgão jurisdicional superior; não tem

previsão constitucional expressa, mas passou a integrar o ordenamento jurídico

pátrio pelo acolhimento do art. 8º, item 2, h, do Pacto de San José da Costa Rica,

que preconiza o direito de interpor apelação; decorre do direito à ampla defesa,

razão por que se aplica ao processo penal.

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Finalmente, não há garantia constitucional do princípio do duplo grau de

jurisdição, mas mera previsão (NERY JÚNIOR, 2002, p. 175).

1.6.19 Princípio da ampla defesa

Encontra fundamento no art. 5º, LV, da Constituição Federal. É compatível

com o sistema acusatório. Consiste na garantia constitucional mais importante no

âmbito processual penal, proporcionando ao réu a possibilidade de amplos meios

de defesa, habilitando-o a contestar a acusação, quer com a técnica da autodefesa

(ser ouvido e participar pessoalmente dos atos processuais), quer com a da defesa

técnica, esta com previsão no art. 261 do Código de Processo Penal, através de

profissional habilitado, advogado.

Pela razão exposta no estudo do princípio supra (contraditório), a disparidade

de armas não permite seja efetivada a defesa, na sua plenitude, quando a produção

de provas contra o réu se limita a depoimentos de policiais, já que nem sempre

consegue ele destruir inverdades contra si, como por exemplo, a acusação de

resistência à prisão, quando não ocorreu, mas o auto de resistência foi lavrado para

“legalizar” o arbítrio policial.

Por fim, o princípio da ampla defesa compreende “(...) a adoção do

contraditório, a apresentação formal da acusação, a citação regular, a instrução

contraditória, o princípio da verdade real e o exercício de defesa técnica” (GRECO

FILHO, 1999, p. 72).

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1.6.20 Princípio da oralidade

É próprio do sistema acusatório, com prevalência da palavra falada sobre a

escrita; está consolidado no julgamento em plenário do Tribunal do Júri, em que

sobressai a palavra oral sobre a escrita, e no Juizado Especial Criminal.

Associa-se com os seguintes princípios relativos à prova: a) concentração - a

produção das provas e o julgamento devem limitar-se a uma só audiência. No

Juizado Especial Criminal este princípio se concretiza literalmente, porque na

audiência de instrução e julgamento se realizam todos os atos instrutórios:

contestação da denúncia pelo réu, na pessoa de seu advogado, inquirição da vítima

e testemunhas da denúncia, as da defesa, o interrogatório do réu, debates orais e

sentença; b) imediatidade - o juiz deve colher pessoalmente a prova, facilitando a

formação de sua convicção; c) identidade física do juiz - o juiz que conclui a

audiência de instrução, em que se colheram as provas, fica vinculado à causa,

devendo julgá-la. Este princípio tem familiaridade com o tema porque é oralmente

que se colhe o depoimento policial.

CHIOVENDA apud SOUZA NETTO (2004, p. 150), diz que este princípio

consiste num conjunto de princípios:

a) Prevalência da palavra falada sobre a escrita. b) Imediatidade entre o juiz e as pessoas cujas declarações aquele deva valorar. c) Identidade da pessoa física do juiz. d) Concentração do trabalho de coleta da prova, discussão da causa e seu julgamento em uma única audiência, para que se mantenham vivas as impressões do julgador. e) Irrecorribilidade das decisões interlocutórias para não suspender o curso da causa.

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1.6.21 Princípio da intranscendência

A ação penal não pode ir além da pessoa do autor do ilícito penal, pois a

responsabilidade é pessoal e individual. Está consagrado no inciso XLV do art. 5º da

Constituição Federal.

1.6.22 Princípio da não auto-incriminação

Também conhecido como o princípio de que ninguém é obrigado a produzir

prova contra si mesmo. Decorre dos princípios da dignidade da pessoa humana

(CF, art. 1º, III), da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII), da ampla defesa (CF,

art. 5º, LV) e do direito de o réu manter-se calado (CF, art. 5º, LXIII). Ora, se pode

permanecer calado, não pode ser constrangido a produzir prova contra si.

Graças a tal princípio, a Constituição Federal derrogou os artigos 186 e 198

do Código e Processo Penal. Este princípio se homizia também no art. 8º da

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).

Saliente-se o surgimento da Lei 10.792/03, que deu nova redação a esses

dispositivos (artigos 186 e 198 do Código de Processo Penal).

Sua ligação com o depoimento de policiais (que participaram de produção de

prova contra o réu) consiste na hipótese de não ser ele obrigado a confessar

infração penal que não cometeu ou não da forma como é acusado.

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1.6.23 Princípio do juiz imparcial

É consentâneo com o sistema acusatório. Tem amparo expresso no art. 252

do Código de Processo Penal e implicitamente no art. 5º, § 2º, da Constituição

Federal. Ademais, é fruto do Pacto de San José da Costa Rica (Convenção

Americana sobre Direitos Humanos), art. 8º, 1. Igualmente, no caso do Tribunal do

Júri há previsão no art. 424 do Código de Processo Penal. Constitui-se na garantia

de um julgamento livre de dúvidas, pois um julgamento exige seriedade e

imparcialidade. Assim, o juiz impedido ou suspeito não pode exercer a jurisdição no

processo e, se o fizer, pode ser recusado por qualquer das partes, conforme artigos

252 e 254 do Código de Processo Penal.

1.6.24 Princípio da iniciativa das partes

Próprio do sistema acusatório, pois à parte cabe provocar a prestação

jurisdicional. O juiz não pode dar início à ação penal. A inércia é uma das

características da jurisdição. O princípio está previsto nos artigos 24 (ação penal

pública) e 30 (ação penal privada) do Código de Processo Penal, cujos titulares são,

respectivamente, o Ministério Público e o ofendido. E, se o Ministério Público não o

fizer no prazo legal, pode o ofendido intentar a ação penal privada subsidiária da

pública (Constituição Federal, art. 5º, LIX). Até o advento da Constituição de 1988,

cabia à autoridade policial e ao juiz dar início à ação penal pública nos casos de

contravenção penal, homicídio e lesões corporais culposos. Promulgada a Carta de

1988, restaram revogados os dispositivos processuais autorizadores do

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procedimento ex officio (art. 129, I). Contudo, ainda remanescem exceções a este

princípio, pois o juiz pode, de ofício, conceder habeas corpus, decretar a prisão

preventiva e dar início à execução, que são verdadeiras ações.

1.6.25 Princípio da economia processual

Os atos processuais devem ser realizados no menor tempo possível,

poupando tempo e recursos das partes. A Emenda Constitucional 45/2004, inserta

no art. 5º, LXXVIII, assevera que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são

assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade

de sua tramitação”. Foi consagrado, também, na Lei nº 9.099/95, em seu art. 62.

1.6.26 Princípio nulla poena sine judice

Está inserido no artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal, e no art. 1º do

Código Penal, em ambos com o seguinte teor: ”Não há crime sem lei anterior que o

defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Quer dizer, primeiro a lei definidora

da conduta como ilícita e da respectiva pena; após, a realização da conduta. Por

outro lado, a aplicação da pena é tarefa exclusiva do Poder Judiciário (Constituição

Federal, art. 5º, LIII: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela

autoridade competente”).

Discorrendo sobre o princípio, diz Frederico MARQUES:

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Ao legislador cumpre definir os fatos delituosos e as regras sancionadoras de natureza penal, para que uma conduta possa ser considerada penalmente ilícita e, por isso, sujeita a pena. Todavia, limitada está a atividade legislativo-penal, porque as regras da nulla poena sine judicio impede a promulgação de leis particulares que, sob a forma de norma-sentença, imponham desde logo uma pena a determinada pessoa ou grupo de pessoas. Como bem dizia Rui Barbosa, ‘não há pena sem processo, nem processo senão pela justiça’ (1997, p. 180).

Para SOUZA NETTO:

Desde que a sociedade moderna proibiu a vingança privada e concedeu ao Estado o poder penal, a pena só pode ser imposta por órgão oficial determinado por lei, nas vestes de uma sentença proferida após um processo anterior a ela, imparcial e regulado por lei. (...) A pena é sempre pública, e a sua imposição só pode advir de uma sentença condenatória lavrada por um juiz competente (2004, p. 83-84).

1.6.27 Princípio da vedação de revisão pro societate

Está inserido no ordenamento pátrio, implicitamente no sistema de garantias

constitucionais, e, expressamente, por meio do Decreto nº 678/92, do chamado

Pacto de San José da Costa Rica, resultante da Convenção Americana de Direitos

Humanos, art. 8º, 4. Traduz este princípio a impossibilidade de novo julgamento,

pelo mesmo fato, do réu absolvido por sentença com trânsito em julgado, ainda que

decorrente de erro judiciário no julgamento. Graças a ele é vedada a revisão criminal

contra o réu. Contudo, o princípio não veda a revisão pro societate se esta decorrer

de fato posterior criminoso do réu, ou seja, não oriundo do Estado, como por

exemplo, a decisão de extinção da punibilidade alicerçada em certidão de óbito

falsa.

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A respeito do princípio comenta Eugênio Pacelli de OLIVEIRA:

Nesse campo, o que deve orientar a aplicação do direito é a proteção do jurisdicionado contra a ineficiência e o abuso da atividade estatal. O princípio atuaria, pois, como norma de controle das atividades do poder público, de modo a garantir que somente uma persecução penal fundada em provas seguras possa ser instaurada. Na dúvida ou na insuficiência do material probatório, o caminho dever ser sempre o arquivamento do inquérito ou das peças de informação (2004, p. 29).

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CAPÍTULO II – TEORIA GERAL DA PROVA

2.1 Introdução

As questões envolvendo o processo penal atualmente são ricas e geram

muitas controvérsias. A demora na prestação jurisdicional, processos e decisões

justos são exemplos que têm em comum a solução, pois ambos convergem para um

mesmo fim, a melhor adequação e utilização dos meios de provas no processo

penal.

Em uma primeira parte deste capítulo busca-se fazer uma análise geral da

teoria geral da prova no processo penal.

O exame passa por uma análise direta do Código de Processo Penal,

correspondente ao sentido literal do texto normativo, à compreensão do espírito de

suas normas. É aquilo que se lê e que se interpreta com obediência às regras

gramaticais. Em suma, é a primeira forma de contato com a lei. Sendo obrigação

primeira do operador do direito conhecer o texto da lei, senão ao menos, lê-lo,

decifrando o que sua representação gráfica significa.

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Contando com o acréscimo valioso da doutrina nacional e estrangeira,

trazendo classificações, críticas e as soluções adotadas, sem fugir da realidade dos

tribunais, o estudo apresenta as decisões jurisprudenciais majoritárias com as

respectivas análises.

A Teoria Geral da Prova no Processo Penal tem seu início num breve estudo

histórico, demonstrando a evolução e a diferença entre o processo inquisitorial e o

acusatório. Realizando-se comentários sobre as críticas mais recentes ao processo

acusatório vigente atualmente. A prova é analisada apresentando seu conceito, suas

classificações, funções e os princípios que vigoram sobre o tema. Tentando traçar

um caminho de estudo que prima pela análise e delimitação do objeto que é a prova

no processo penal.

Os meios de prova são relacionados e examinados em separado, dando-se

especial ênfase à prova testemunhal, num exame minucioso da importância, da

forma e dos problemas que existem em torno dela.

2.2 Breve histórico das provas no Direito

2.2.1 O direito na antiguidade

O procedimento do Antigo Egito seguia o sistema inquisitório, pois era escrito

e secreto, com a administração da justiça entregue aos sacerdotes.

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O processo penal grego tinha como uma de suas características o fato do

julgador singular ceder espaço para a Assembléia do Povo ou por tribunais formados

por dezenas de juízes. O ônus da prova cabia ao acusado, pois era responsável

pela busca de provas de sua defesa.

BARROS traz maiores detalhes sobre o processo penal ateniense especial e o

ônus da busca da prova: “As provas deviam ser produzidas pelo acusador durante

os debates realizados no dia do julgamento. De seu turno, ao acusado cabia

produzir provas de sua inocência, além de prestar juramento de dizer a verdade”

(2002, p. 53).

Entretanto, o direito grego, com características de democrático, convivia com

a escravidão, e no caso de ser o acusado escravo, poderia ele ser torturado.

Em Roma a tortura teve papel preponderante no Baixo Império, após 284 d.C.,

passando a ser utilizada no processo e ganhando espaço entre os institutos

processuais romanos. Entretanto, BARROS assevera que a tortura não foi uma

invenção romana (2002, p. 58).

2.2.2 Direito medieval, ordálias e direito canônico

O sistema feudal, também chamado Medievo (Idade Média, em latim), foi

caracterizado por uma sociedade hierarquizada com base na propriedade das terras.

Assim, o senhor feudal, proprietário das terras, era também o detentor do poder

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militar, político e judiciário.

A Igreja, na Idade Média, foi a instituição de maior prestígio e poder, sendo

detentora de 2/3 de todas as terras da Europa, e por séculos ditou normas culturais,

morais e jurídicas. A esse modo, BARROS expõe que:

O processo penal canônico exerceu grande influência no Continente Europeu. É preciso lembrar que a ordem jurídica da Igreja manteve, durante grande parte da Idade Média, a tradição abrigada no uso da escrita e na manutenção do ensino da teologia. Sua base institucional tinha por fontes os documentos escritos e os preceitos relativos à aplicação do direito, que consistiam: na Sagrada Escritura, nas decisões dos concílios e dos sínodos, nos cânones e nas decretaes dos Papas (2002, p. 63).

A partir do Século XIII a Igreja adotou o processo inquisitório, que se alastrou

por toda a Europa. Neste período o processo penal eclesiástico poderia iniciar-se por

três modos: acusação, denúncia ou inquisição, sendo que a denúncia podia ser feita

de forma anônima.

O meio de prova mais aplicado neste período foi as ordálias, também

denominadas de Juízos de Deus, sob a falsa crença de que a Divindade intervinha

nos julgamentos e, num passe de mágica, revelava ser o réu culpado ou inocente.

As ordálias, preexistentes em outras culturas, tiveram sua maior aplicação na

Idade Média, entre os europeus.

Acrescentando a lista de exemplos de ordálias, colha-se a lição de BARROS:

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a ‘prova pelo fogo’, por uma de suas formas, fazia o acusado caminhar com os pés nus sobre nove ou doze barras de ferro incandescentes, sem se queimar; a ‘prova d’água fria’ consistia em atar a mão direita com o pé esquerdo do acusado, que ao ser atirado na água, vindo a sobrenadar seria havido como criminoso, mas se ao fundo fosse era tido como inocente; e na ‘prova do cadáver’, segundo qual o suspeito era obrigado a tocar no corpo da vítima, exposto no esquife, e se nesse contato o cadáver deixasse cair uma gota de sangue, tinha-se por confirmado a autoria do homicídio (2002, p. 60-61).

BRUM discorre sobre o período de maior expressão das ordálias:

a fase religiosa ou mística, que influenciada principalmente pelo direito dos povos germânicos, difundiu-se em toda a Europa. Baseava-se na ignorância e no fanatismo religioso. O sistema ficou conhecido como ‘Juízos de Deus’ ou ‘Ordálio’ e consistia em submeter os acusados a determinadas provas (‘prova do fogo’, ‘prova da água’ etc.) ou, então, submeter acusado e acusador a um duelo. Acreditava-se que os deuses favoreciam quem tivesse razão, fazendo prevalecer a verdade e a justiça; (...) (1980, p. 55).

As regras básicas da Inquisição foram ditadas no IV Concílio de Latrão,

realizado em 1216, em que “a Igreja introduzia largamente a persecução de ofício,

permitindo ao juiz, independentemente da existência da acusação, instaurar o

processo, ouvir testemunhas e pronunciar uma condenação” (BARROS, 2002, p.

64).

A tortura passou a ser aceita como meio de prova na inquisição:

(...) em 1244 , o Papa Inocêncio IV aprova a legislação penal de Frederico II, e, em 1252, proclama a Lex Ad Extirpanda, aceitando que os ‘hereges, sem mutilação e sem perigo de vida, pudessem ser torturados a fim de revelar os próprios erros e acusar os outros, como se faz com os ladrões e salteadores’. (...) Por outro lado, a submissão do acusado à tortura, feita com o propósito de forçá-lo a auto-acusar-se, passou a ser legitimada, somente configurando ilegalidade quando se desse continuidade aos tormentos mesmo após a obtenção da confissão. E assim vedou-se a defesa, pois dizia-se que ela poderia interferir prejudicialmente na busca da verdade (BRUM, 1980. p. 64-65).

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Neste mesmo sentido veja-se o comentário de TORNAGHI (1991, p. 15):

Infelizmente o segredo, o uso da tortura, a concentração de poderes na mão do juiz transformaram o processo inquisitório em instrumento superlativamente perigoso para a segurança dos indivíduos, dando lugar a abusos que a objetividade científica, a probidade histórica e, sobretudo, o dever de justiça mandam proclamar e até profligar com veemência.

No Século XV criou-se o Tribunal do Santo Ofício ou Tribunal de Inquisição.

Importante documento da época é o manual da inquisição, o Malleus Maleficarum -

Martelo das Feiticeiras, escrito em 1484 pelos inquisidores KRAMER e SPRENGER,

que esclarecem sobre como funcionava o processo penal na inquisição:

E enquanto estiver sendo interrogada a respeito de cada um dos pontos, que seja submetida à tortura com a devida freqüência, começando-se com os meios mais brandos; o Juiz não deve se apressar em usar os meios mais violentos. E enquanto isso é feito, que o Notário a tudo anote: de que modo é torturada, quais as perguntas feitas e quais as respostas obtidas. (...) Se após a devida sessão de tortura a acusada se recusar a confessar a verdade, caberá ao Juiz colocar diante dela outros aparelhos de tortura e dizer-lhe que terá que suportá-los se não confessar. Se então não for induzida pelo terror a confessar, a tortura deverá prosseguir no segundo ou no terceiro dia, mas não naquele momento, salvo se houver boas indicações de seu provável êxito (2004, p. 433).

Esse sistema perdurou até o século XVIII, voltado que era mais à punição do

acusado do que à busca e à elucidação da verdade (BARROS, 2002, p. 67).

2.2.3 Direito penal e processual penal humanitários

A partir do séc. XVIII os criminalistas passaram a re-estudar a prova judiciária,

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imbuídos pelos ideais de BECCARIA, lançados na obra jurídica Dos delitos e das

Penas, que repercutiu por toda a Europa, tendo sido fortalecido ainda mais pelas

obras de Montesquieu, Rousseau e Voltaire.

O Iluminismo (doutrina que surgiu na segunda metade do século XVIII)

incentivou a humanização da pessoa no âmbito penal, indo contra um sistema de

leis que tinha o delinqüente como “exemplo”.

BECCARIA foi um dos defensores do fim do processo penal inquisitorial como

se conheceu na Idade Média. Sobre a tortura noticia:

Uma crueldade consagrada pelo uso na maior parte das nações é a tortura do réu, enquanto se forma o processo, ou para obrigá-lo a confessar um delito, ou para fazê-lo incorrer em contradições, ou para descobrir os cúmplices, ou por não sei qual metafísica e incompreensível expiação de infâmia ou, finalmente, por outros delitos de que poderia ser réu, mas dos quais não é acusado (1979, p. 56-57).

Demonstra, ainda, BECCARIA, o porquê desta tomada de posição contrária à

utilização da tortura para obtenção de provas ou confissões:

Este é o meio seguro de absolver os celebrados fortes e condenar os inocentes frágeis. Eis os inconvenientes fatais, deste pretenso critério de verdade, critério digno de um canibal, que os romanos, também eles bárbaros por mais de um título, reservavam somente aos escravos, vítimas de uma virtude feroz e muito louvada. De dois homens igualmente inocentes, ou igualmente réus, o forte e corajoso será absolvido, o fraco e tímido condenado, em virtude deste exato raciocínio: - ‘Eu, juiz , devia considerar-vos réus de tal delito: tu, vigoroso, soubeste resistir à dor, e por isso te absolvo; tu, fraco, cedeste, e por isso te condeno. Sinto que a confissão arrancada no meio dos tormentos não teria nenhuma força; mas eu vos atormentarei novamente, se não confirmardes aquilo que confessastes’. (...) Uma conseqüência curiosa, que necessariamente deriva do uso da tortura, é que o inocente é colocado em condição pior do que a do réu: porque, se

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ambos são submetidos ao tormento, o primeiro tem todas as condições contra si; porque ou confessa o delito e é condenado, ou é declarado inocente mas sofreu uma pena indevida. O réu, porém, tem uma condição que lhe é favorável, isto é: resistindo à tortura com firmeza e sendo absolvido como inocente, transformou uma pena maior numa pena menor. O inocente, pois não pode senão perder, e o culpado pode ganhar (1979, p. 57).

A Revolução Francesa marcou o fim do Direito Inquisitorial que vigorava na

Idade Média.

Abandonando assim as fórmulas preexistentes na Idade Média, de um

processo totalmente inquisitorial, os dogmas lançados na Revolução Francesa de

um sistema misto foram acolhidos em muitos países.

2.2.4 Desafios da atualidade

O Brasil, em sua história, enfrentou muitos momentos em que a democracia e

a liberdade correram riscos e até violações aos direitos e garantias constitucionais.

A propósito, cite-se a Ditadura Militar de 1964, cuja marca foi a

institucionalização da tortura como forma de interrogatório.

A tortura para obtenção de testemunhos e depoimentos é confirmada pelos

próprios torturadores, conforme trechos da entrevista concedida à Revista Veja, por

Marcelo Paixão de Araújo, 51 anos, que serviu como tenente no 12º Regimento de

Infantaria do Exército, em Belo Horizonte, nos anos de 1968 e 1971:

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Sim. Todos os depoimentos de presos que me acusavam de tortura são verdadeiros. (...) A primeira coisa era jogar o sujeito no meio de uma sala, tirar a roupa dele e começar a gritar para ele entregar o ponto (lugar marcado para encontros), os militantes do grupo. Se ele resistisse, tinha um segundo estágio, que era, vamos dizer assim, mais porrada. Um dava tapa na cara. Outro, soco na boca do estômago. Um terceiro, soco no rim. Tudo para ver se ele falava. Se não falava, tinha dois caminhos. Dependia muito de quem aplicava a tortura. Eu gostava muito de aplicar a palmatória. É muito doloroso, mas faz o sujeito falar. Eu era muito bom na palmatória (Revista Veja, ano 31, nº 49, edição 1.576. 9 de dezembro de 1998, Editora Abril).

Eram vítimas da tortura crianças, mulheres e gestantes:

No Recife, o Conselho de Justiça ouviu, em 1970, este depoimento da estudante Helena Moreira Serra Azul, de 22 anos: (...) que o marido da interrogada ficou na sala já referida e ela ouviu, do lado de fora, barulho de pancadas; que, posteriormente, foi reconduzida à sala onde estava o seu marido, que se apresentava com as mãos inchadas, a face avermelhada, a coxa tremendo e com as costas sem poder encostar na cadeira; que o Dr. Moacir Sales, dirigindo-se a interrogada, disse que, se ela não falasse, ia acontecer o mesmo com ela; (...) na Delegacia, todos já sabiam que a interrogada estava em estado de gestação(...) (...) Algumas crianças foram interrogadas, no intuito de se obter delas informações que viessem a comprometer seus pais. O ex-deputado federal Diógenes Arruda Câmara denunciou, em seu depoimento , em 1970, o que ocorreu a filha de seu companheiro de cárcere o advogado Antônio Expedito Carvalho: (...) ameaçaram tortura a única filha, de nome Cristina, com dez anos de idade, na presença do pai; ainda assim, não intimidaram o advogado, mas, de qualquer maneira, foram ouvir a menor e, evidentemente, esta nada tinha para, dizer, embora as ameaças feitas – inúteis, por se tratar de uma inocente que, jamais, é óbvio, poderia saber de alguma coisa (...) (Brasil Nunca Mais, p. 95).

Vigorou nesse período um sistema inquisitorial em busca exclusiva da

punição.

A tortura sempre foi negada pelo Estado Brasileiro, desde a proclamação da

independência. A 1a Constituição, do Império do Brasil, de 1824, garantiu a abolição

da tortura, em seu artigo 179, incisos 19 e 21, ao dizer que "desde já ficam abolidos

os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as demais penas cruéis", e "as

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cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para

separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes"

(NUCCI, 1999, p. 141-142).

Entretanto a utilização de meios ilícitos na produção de provas é fato notório

no Brasil. A tortura é utilizada em larga escala em depoimentos na fase de inquérito

policial, bem como a produção de provas falsas.

Não sendo apenas uma figura fantasmagórica da Ditadura Militar, é sim um

monstro que não mais se esconde em porões de delegacias.

Referindo-se à Constituição Federal, e ao artigo 1º, I, letra “a”, da Lei 9.455,

de 07 de abril de 1997, assevera BARROS:

É quanto basta para apagar, definitivamente, a mais tênue dúvida que possa ainda pairar sobre os fins que legitimam o Poder Público. A prática da tortura, de triste lembrança quando se consulta o desenvolvimento histórico dos métodos empregados na apuração da verdade do processo penal, foi enfim defenestrada da instrução criminal e só subsiste agora como fato típico punido com rigor (2002, p. 92).

Assim, nesta nova ordem constitucional, as autoridades constituídas têm o

desafio de evitar e combater todo gênero de ilicitude na condução de procedimentos

administrativos e processos na produção de provas, a fim de que o devido processo

legal seja observado.

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2.3. A prova no processo penal

A regulação da prova no processo penal está prevista no Código de Processo

Penal (Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941) com várias modificações por leis

posteriores. “Seus noventa e seis artigos tratam quase que exclusivamente de

fornecer as regras técnicas de produção de provas” (BRUM, 1980, p. 57).

2.3.1 O conceito de prova

A palavra prova provém do latim probatio, que por sua vez emana do verbo

probare. Na lição de DE PLÁCIDO E SILVA, entende-se prova como:

a demonstração que se faz, pelos meios legais, da existência ou veracidade de um fato material ou de um ato jurídico, em virtude da qual se conclui por sua existência ou se afirma a certeza a respeito da existência do fato ou do ato demonstrado (1967, p. 1253).

Representa a prova, assim, o conjunto de atos praticados, pela parte, pelo juiz

ou por terceiros com o fim de gerar convicção sobre a existência de um fato ou a

veracidade de uma afirmação.

TORNAGHI cita os termos usados para procedimento de prova em outros

países: “os franceses usam a expressão administration de Ia preuve, e os alemães

falam Beweisführung ou Beweísver-fahren: de Beweís, prova, demonstração (o

verbo é beweísen); führung, condução (verbo führen, conduzir); verfahren,

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procedimento” (1991, p. 266).

DELLEPIANE conceitua prova como:

No sentido ordinário, prova é sinônimo de ensaio, experimentação, revisão, realizadas com o fim de aquilatar da bondade, eficácia ou exatidão de algo, quer seja uma coisa material ou uma operação mental, traduzida ou não em atos, em resultados. Tal ocorre quando se põe em marcha uma máquina para verificar-se funcional bem, se satisfaz o seu fim, confrontando-se assim, em certo modo, a teoria com a realidade prática (2004, p. 23).

MALCHER ao conceituar a prova faz diferenciação entre três sentidos

existentes:

A palavra prova é usada em três sentidos: no primeiro, para designar a atividade desenvolvida antes e no processo, pela autoridade, juiz e partes no sentido de reconstituir o fato, suas circunstâncias, conseqüências e motivos a fim de permitir uma perfeita aplicação pelo juiz das normas adequadas de direito material (direito penal); no segundo, para referir os meios empregados nesta atividade reconstrutiva do fato, e no terceiro sentido, para designar o resultado desta atividade submetido ao raciocínio crítico do juiz (1999, p. 332) [destaques no original].

De forma geral se pode conceituar a prova como o conjunto de todos os atos

praticados pelas partes, por terceiros (testemunhas, peritos etc.) e pelo próprio juiz

para comprovar a verdade de um fato ou afirmação, conseguindo assim formar a

convicção deste último (SMANIO, 2000, p. 85).

Detalhando a conceituação de prova, TORNAGHI (1991, p. 265) faz

acréscimo no intuito de demonstrar que a prova não se destina apenas à

comprovação de fatos, mas de alegações das partes.

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2.3.2 Objeto da prova

O objeto da prova são os fatos ou alegações que devem ser demonstrados

como verdadeiros diante do julgador, a fim gerarem o seu convencimento. “Objeto

de prova, ou thema probandum, é a coisa, fato, acontecimento, ou circunstância que

deva ser demonstrado no processo” (MARQUES, 1997, p. 255).

E com esta mesma posição MALCHER assim conceitua objeto de prova: “são

os fatos cujo conhecimento pelo juiz importa para a decisão da causa. Só fatos

podem ser provados, e todos aqueles que, a critério do juiz e das partes, tenham

interesse para solução do litígio” (1999, p. 332).

ROXIN (2000, p. 186-187) elenca os fatos que devem ser provados no

processo penal: a) os fatos diretamente importantes que dizem respeito às

circunstâncias essenciais ao crime, b) os indícios que permitem extrair conclusões

de fatos relativos ao crime (ex: mancha de sangue no paletó do réu); e c) fatos que

ajudam a prova referem-se aos fatos que permitem extrair conclusões sobre a

qualidade da prova colhida (avaliação da memória da testemunha).

Com a máxima de que o juiz deve conhecer o direito (iure novit curia) o objeto

da prova fica delimitado apenas às questões de fato surgidas no processo.

Entretanto essa regra geral permite exceções no caso do direito estrangeiro, direito

consuetudinário, direito municipal e nos juízos de valor (MARQUES, 1997, p. 255).

São excluídos do objeto da prova os fatos sem pertinência ao processo, sendo

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assim todos os fatos e afirmações que não pertencem ao litígio, ou que não

guardem uma relação com o objeto da acusação.

AMARAL SANTOS (2003, p. 336) assevera sobre a desnecessidade de se

fazer girar a máquina judiciária para provar fatos irrelevantes à causa, uma que

objeto da prova devem ser os fatos relevantes ou influentes, capazes de exercer

influiência na decisão da causa.

Por sua vez, NORONHA disserta sobre a inutilidade da prova de certos fatos:

É perder tempo e ferir a economia processual preocupar-se com questões que não interessam à decisão da demanda. Assim, indagar da residência ou grau de instrução do acusado ou da vítima, quando isso em absoluto influi na acusação ou na defesa. Caso típico de questões sem propósito era o hábito que tinha certo juiz de, quando a testemunha dizia, p. ex., que vira uns cães, antes do delito, perguntar qual o nome deles; se se referia, v. g., a um jantar, inquiri la acerca dos pratos que foram servidos; se dissesse que vinha de um jogo de futebol, perguntar-lhe qual o resultado do embate etc (1986, p. 88).

FRAGA apud ARANHA (2004, p. 28) usa a expressão fatos inúteis e define

“sejam verdadeiros ou não, não podem influir para a decisão neste ou naquele

sentido; e, assim sendo supérfluos, não devem ser admitidos à prova: frusta probatur

quod probantum non relevat”.

No Processo Civil tem-se que “os fatos por provar devem ser controvertidos,

ou controversos. Onde não haja controvérsia quanto aos fatos alegados pelos

litigantes, a questão se traduz à mera aplicação do direito” (AMARAL SANTOS,

1997, p. 335).

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Entretanto, o processo penal não exclui a prova do chamado fato

incontroverso, diferentemente do processo civil, pois no processo penal o juiz não

está obrigado a admitir o que as partes afirmam contestes. Utilizando-se como

exemplo ilustrativo a própria confissão do acusado, que embora seja uma prova

eficaz, poderá ficar sujeita a questionamento do julgador que pode exigir sua

comprovação por outros meios de provas.

Da mesma forma não precisam ser provados os fatos axiomáticos, os tidos

como evidentes, daí a máxima latina notoria vel manifesta non egent probatione (o

notório e o evidente não precisam de prova).

Exemplo de fato axiomático é a morte em um cadáver em estado avançado de

putrefação.

Também independem de prova os fatos notórios (notoria non egent

probatione). Sendo fatos notórios aqueles “cujo conhecimento integra a cultura

normal, a informação dos indivíduos de determinado meio” (MARQUES, 1997, p.

257; NORONHA, 1986, p. 88). Ilustre-se fato notório com a queima do cartório de

registro civil de Francisco Beltrão. Assim, os interessados em restaurar assento de

nascimento, casamento ou óbito não precisam provar a destruição do cartório,

porque tal circunstância se constitui fato notório na comarca.

Também os fatos presumidos não precisam ser provados. “Presumir é tomar

como verdadeiro um fato, independentemente de prova, levando em conta aquilo

que em geral acontece. A presunção se baseia na experiência quotidiana, no que

ocorre normalmente” (TORNAGHI, 1991, p. 277).

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E neste sentido traz-se caso exemplificativo de TORNAGHI demonstrando

que a presunção ocorre de forma natural e normal no seio da sociedade:

Assim, por exemplo, o juiz vê sentar-se na cadeira do advo- gado alguém que ele não conhece e o advogado, por seu turno, vê no lugar reservado ao juiz alguém que ele também desconhece. Apesar disso o juiz presume que aquele sujeito é advogado, tendo em consideração id quod plerumque accidit, isto é, o que ocorre quase todos os dias. E o advogado, por sua vez, presume que o outro seja o magistrado, pelas mesmas razões. Todos nós, a cada momento aceitamos como verdadeiros inúmeros fatos sem exigir a prova deles (1991, p. 279).

A presunção relativa (juris tantum) ocorre quando o fato é presumido

verdadeiro, até prova em sentido contrário.

Denomina-se presunção absoluta (juris et de jure) quando não se admite

prova em contrário, tendo o fato ou afirmação como verdade. Na área penal como

não há dispositivo expresso sobre a distinção entre a presunção relativa e absoluta,

deve-se entender todas as presunções como absolutas.

2.3.3 Função da prova

A função da prova é gerar convicção quanto à existência dos fatos da causa,

levando ao juiz o conhecimento da verdade dos fatos e das afirmações

(ALVIM,1999, p. 510). Ao deduzir sua pretensão em juízo, o autor da demanda faz

suas alegações, enquanto a outra parte faz as suas, que se contrapõem com as

primeiras, cabendo ao juiz decidir sobre as muitas “verdades” trazidas pelas partes

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ao processo.

E neste mesmo sentido AMARAL SANTOS traz um raciocínio que demonstra

a função da prova, consistente em convencer o juiz sobre a existência de um fato ou

a veracidade de uma afirmação:

Toda pretensão tem por fundamento um ponto de fato. É com fundamento num fato, e dele extraindo conseqüências jurídicas, que o autor formula o pedido sobre o qual o juiz irá decidir na sentença. O autor, assim, faz afirmação de um fato, que poderá, ou não, corresponder à verdade. Se a essa afirmação se opõe a afirmação do réu, a qual também poderá, ou não, corresponder à verdade, quer negando aquele fato ou revestindo-o de outros caracteres, ou consistente num outro fato, cuja existência importe na negação daquele, ou do qual deduza conseqüências obstativas à pretensão do autor, se esbatem afirmações igualmente respeitáveis mas que igualmente não subsistem por si mesmas em relação ao juiz. Este, a quem as afirmações são dirigidas, para considerá-las na sentença e, por sua vez, fazer a sua afirmação quanto aos fatos deduzidos pelas partes, precisa convencer-se da existência ou inexistência dos mesmos. Porque a afirmação do juiz necessariamente deverá corresponder à verdade. Para o juiz, não bastam as afirmações de fatos, mas impõe-se a demonstração da sua existência, ou inexistência. Por outras palavras, o juiz quer e precisa saber da verdade em relação aos fatos afirmados pelos litigantes (1997, p. 327).

DELLEPIANE assevera que a prova vem reconstruir o fato acontecido e faz

analogia entre a prova e as ciências reconstrutivas (história, geologia e arqueologia):

À primeira vista se não percebe que relação pode existir entre a formação de um terreno geológico, e um feito humano suscetível de provocar um processo judicial; que analogia se relaciona a instrução de um delito e a reconstituição dos animais, dos vegetais ou das línguas que existiram no passado. Essas semelhanças, nem por parecerem aparentes são menos reais. Em todos esses casos o problema a resolver consiste em reconstruir fatos ou seres desaparecidos. E a solução do problema obtém-se do mesmo modo pela reconstrução (2004, p. 11).

Assim, tem a prova o condão de esclarecer a verdade existente por trás das

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alegações (afirmações e negações) das partes, visando propiciar ao juiz

conhecimento o mais próximo possível da realidade de todos os aspectos

(relevantes) que envolvem a causa e seu julgamento.

2.3.4 O ônus da prova

A regra geral do processo penal pátrio consiste em que a prova da alegação

incumbirá a quem a fizer. Assim o acusador teria o ônus de provar o fato e sua

autoria, enquanto ao acusado cabe provar as excludentes da antijuridicidade, da

culpabilidade e da punibilidade, bem como a "inexistência do fato" e as

circunstâncias que impliquem diminuição da pena (SMANIO, 2000).

Entretanto a regra do ônus da prova não é absoluta, pois por força do art. 156,

segunda parte, do Código de Processo Penal, o juiz poderá, antes de proferir a

sentença, determinar diligência para dirimir dúvida sobre ponto relevante, ou

conforme o artigo 502 do mesmo diploma legal, poderá ordenar diligências para

sanar qualquer nulidade ou suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade.

À regra GRECO FILHO apresenta críticas, ao afirmar “é manifestamente

insatisfatória”, preferindo o critério acolhido pelo Código de Processo Civil: “de que à

acusação cabe a prova do fato constitutivo de sua pretensão ou de seu direito, que

são as elementares do tipo e a autoria” (1999, p. 197).

A posição de MITTERMAIER é de que a regra geral vigente no processo civil

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não pode ser aplicada ao processo penal, pois neste não teria a parte o ônus de

provar:

Quando muito, dir-se-á seria possível haver questão quanto ao processo por via de acusação; aí aparece um acusador articulando os fatos, procurando a satisfação de seus direitos lesados, e fazendo frente à parte a quem acusa de modo que todo o processo consiste em um combate singular entre o os dois; de modo quem, esforçando-se cada um por atrair a si as convicções do juiz, é também cada um forçado a dar a prova ou a contraprova, e a absolvição se torna a conseqüência necessária da prova não produzida pelo acusador. Porém no processo por inquirição não se trata simplesmente de provar a acusação; vê-se aí um magistrado, que tem do poder social a missão de investigar a verdade, qualquer que seja ela, contrária ou favorável ao acusado; e se magistrado sem estrépito, longe de afirmar, como a pouco vimos fazer o acusador, guia-o a dúvida. Nunca vem de chofre articular uma criminação, que poderia prejudicar injustamente aquele a quem ferisse. Em uma palavra, toda a inquirição é a procura diligente e constante de todos os materiais capazes de esclarecer o juiz e de habilitá-lo a proferir não sempre uma condenação, mas sim uma sentença justa. E também o inquiridor não deve tomar só para ponto de mira a culpabilidade, senão a verdade; e consignará com igual cuidado as circunstâncias favoráveis ao acusado. A certeza, aliás, com respeito mesmo à culpabilidade, não pode ser admitida um só momento enquanto restar a mais ligeira dúvida sobre a realidade dos atos em indagação. Só neste ponto da imparcialidade obrigada do magistrado preparador seria, repetimos, pouco exato dizer que lhe incumbe dar a prova da criminação, enquanto que ao acusado compete produzir a da defesa (1997, p. 119-120).

Assim o mestre alemão traz uma acepção de ônus ligada ao moderno

processo acusatório.

2.3.5 Classificação dos meios de prova

Inúmeras são as classificações de prova oferecidas pela doutrina e até pela lei

em alguns países.

José Frederico MARQUES classifica os meios de provas em provas históricas,

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provas críticas, provas pessoais e provas reais:

Prova histórica é ‘um fato representativo de outro fato’, tal como o conteúdo de um documento, ou o depoimento de uma testemunha. A prova crítica, ao revés, não tem função representativa, mas apenas indicativa, pois que não é um equivalente sensível do fato a provar; é o que sucede, verbi gratia, com os indícios. Provas reais são aquelas em que o elemento instrumental está constituído por uma coisa ou bem exterior ao indivíduo; já as provas pessoais são aquelas cujo objeto instrumental está constituído por um ser com personalidade e consciência que contribui para formar o convencimento do juiz mediante declarações de conhecimento (1997, p. 309).

MALATESTA (1996, p. 109) assentou sua classificação em três critérios:

quanto ao objeto, ao sujeito e à forma. Por seu turno, AMARAL SANTOS (1997, p.

330) determina quatro critérios para classificação da prova: o do objeto, o do sujeito,

o da forma e quanto à preparação da prova. Quanto ao objeto da prova a divisão se

faz em diretas ou indiretas. Sendo as diretas ou históricas as aquelas que se referem

ao próprio fato. E as indiretas ou críticas aquelas que não se referem ao próprio fato,

mas sim a outro que se leva àquele.

Neste sentido é importante trazer à tona exemplo citado por ARANHA sobre a

diferenciação entre provas diretas e indiretas:

Quando uma pessoa é chamada em juízo e, depondo, afirma ter visto o réu, de arma em punho, ameaçando a vítima e retirando bens, temos uma prova direta sobre o roubo, pois se está falando sobre o próprio fato cuja existência é o fulcro da acusação. Entretanto, se a testemunha afirma apenas ter visto o réu ser preso e com ele encontrado o relógio reclamado pela vítima temos apenas uma prova indireta do roubo, pois para se chegar ao fato probando usaremos do raciocínio indutivo. Logo, na prova direta a conclusão é imediata e objetiva, resultando apenas da afirmação; na prova indireta exige-se um raciocínio, com formulação de hipóteses, exclusões e aceitações, para uma conclusão final. São provas indiretas as presunções e os indícios (2004, p. 24).

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Quanto ao sujeito da prova a divisão se faz em pessoal ou real. Prova pessoal

“é toda afirmação pessoal consciente, destinada a fazer fé de fatos afirmados”,

enquanto que a prova real “de um fato consiste na atestação inconsciente, feita por

uma coisa, das modalidades que o fato probando lhe imprimiu” (AMARAL SANTOS,

1997, p. 330).

No sentido da classificação da prova quanto ao sujeito, ensina BARROS:

Tocante ao sujeito da prova – entendendo-se aí a pessoa ou coisa de quem ou de onde deriva a prova -, pode ser pessoal ou real. A prova pessoal consiste numa afirmação de conhecimento (testemunha ou na certificação do de fato ou fatos do processo . De seu turno, a real equivale a atestação que advém da própria coisa constitutiva da prova (o ferimento; o projétil balístico da arma utilizada ou testemunhal. (2002, p. 107).

Relativamente à forma da prova, ela se divide em testemunhal, documental ou

material. A prova testemunhal é a afirmação pessoal oral, a prova documental é a

afirmação escrita ou gravada; a prova material consiste na atestação emanada da

coisa.

Pela ótica da preparação, a prova subdivide-se em causal e pré-constituída.

Causal seria a preparada no curso da demanda, enquanto que pré-constituída é a

preparada preventivamente em vista de possível utilização em futura demanda.

2.3.6 Provas ilícitas

O presente tema foi objeto de análise, também, no estudo dos princípios do

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processo penal, no primeiro capítulo do trabalho.

Não é tão simples definir prova ilícita, pois ilícito é tudo aquilo que fere o

direito, a moral, os bons costumes, etc.

Neste sentido, NUCCI dá a seguinte abrangência do presente tema:

Salienta-se que no âmbito dos meios ilícitos não estão somente os proibidos expressamente pela lei, mas também todos aqueles que forem considerados imorais, antiéticos, atentatórios à dignidade ou à liberdade da pessoa humana e aos bons costumes, portanto, contrários aos princípios gerais de direito (1999, p. 63).

Questão atual e importante diz respeito à chamada prova ilícita por derivação.

Um exemplo clássico da prova ilícita por derivação é o caso do réu que sob tortura

afirma o local onde se encontra o produto do crime, apreendido posteriormente.

A prova ilícita por derivação é conhecida pela "teoria dos frutos da árvore

envenenada" (fruits of the poisonous tree), criada pela Suprema Corte Norte-

americana, cuja aplicação consiste em que o vício da árvore se transmite a todos os

seus frutos.

2.3.7 Procedimento probatório

O procedimento probatório compreende quatro fases: a) propositura ou

requerimento da prova, na inicial acusatória (denúncia ou queixa), e na defesa

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prévia; b) deferimento da prova, quando o juiz defere a produção da prova; c)

produção da prova, ou seja, oportunidade em que a prova é realizada, consiste na

fase inquisitória (inquérito policial) em que é realizada a prova pericial e, na instrução

processual, em que é colhida a prova oral (inquirição das testemunhas arroladas na

denúncia e na defesa prévia); d) finalmente, a da valoração da prova, a sentença,

que mais interessa ao presente estudo, pois é neste momento em que o juiz aprecia

e valoriza a palavra do policial que investigou o crime ou apenas efetuou a prisão do

réu.

BARROS traça os momentos em que o juiz delibera sobre as provas:

No curso do processo, o juiz é chamado a deliberar sobre a prova em pelo menos três momentos distintos: primeiramente o julgador procede ao juízo de admissibilidade das provas requeridas pelas partes; depois passa a colher as deferidas; e, finalmente, as avalia. Nesse labor interessa ao juiz encontrar aquilo que constitui a pérola do contexto probatório dos autos, isto é, formar o livre convencimento acerca da exatidão de afirmações feitas sobre fatos relacionados com a infração penal (2002, p. 127).

2.4 Princípios relativos à prova

Para a boa aplicação do Direito, em geral, e para a efetivação da norma, o

intérprete não pode prescindir de uma visão principiológica. Assim, neste tema se

propõe, ainda que de forma breve, a traçar os mais importantes princípios que

norteiam a prova no direito processual penal, uma vez que os princípios em geral

foram estudos do primeiro capítulo. Analisam-se apenas dois princípios nesta

oportunidade, porque outros alusivos à prova são objeto de estudo no capítulo dos

princípios do processo penal.

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2.4.1 Princípio da comunhão da prova

Toda prova produzida na esfera penal tem interesse comum; assim a prova

produzida pela acusação pode ser usada pela defesa e vice-versa.

A prova passa pertencer ao processo. No campo penal não há prova

pertencente a uma das partes, mas sim o ônus de produzi-la.

Toda a prova produzida integra um campo unificado, servindo a ambos os

litigantes e ao interesse da justiça (ARANHA, 2004, p. 33).

2.4.2 Princípio da liberdade da prova

Sabe-se que as partes têm o ônus da produção da prova. Ônus difere de

obrigação. Daí terem as partes a disponibilidade de produzi-la ou não. Neste

sentido, veja-se a seguinte lição de MALCHER:

Assim sendo, o princípio dominante é o da liberdade da prova:as partes são livres para provar o que pretendam, e o juiz tem o dever de colher tudo aquilo que necessita para julgar. Este seu dever é indeclinável, e, se não consegue formar seu convencimento de acordo com a pretensão punitiva, tem o dever de absolver (o art. 386 é expresso quando manda que a sentença seja absolutória quando ‘não existir prova suficiente para a condenação’), pois o Homem é livre e o Estado, por seus órgãos, antes de ter o direito de restringir sua liberdade tem o dever de a garantir (1999, p. 334) [destaques no original].

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ARANHA enfatiza que este princípio da liberdade da prova não é absoluto,

citando alguns impedimentos à produção de prova:

Da mesma forma, são também proibidas as provas conseguidas por hipnose, por estupefacientes em geral, por narcoanálise, pelo ritmoscópio, pelo soro da verdade (serum truth); com estes expedientes procura-se retirar a pessoa de seu estado de normalidade e controle psíquico, o que contraria um princípio de direito que exige a plenitude emocional e psíquica da pessoa para se dar como válida alguma declaração feita por ela (2004, p. 54)

Ressalta TORNAGHI a ligação existente entre o princípio da liberdade da

prova e o princípio da verdade real:

Contém esse dispositivo a regra da admissibilidade de todos os meios de prova. No processo penal busca-se a verdade acerca dos fatos, tal como se passaram. Para usar uma expressão pleonástica, mas ao mesmo tempo enfática, procura-se a ‘verdade verdadeira’. Daí, a necessidade de admitir tudo quanto possa provar os fatos ocorridos. Se a assistência a um filme, a audição de um tape, a inspeção de um lugar, o exame de uma coisa, enfim, se um ato qualquer pode trazer luz ao processo, a realização dele é permitida por lei. Pela mesma razão, não há por que refugar o depoimento do louco ou do menor ou de qualquer outra pessoa (1991, p. 294).

2.5 Sistemas de avaliação da prova

Existem vários métodos para avaliar a prova, do que três sistemas principais

se destacam e passam a ser examinados.

São eles: sistema da prova legal, da livre convicção e o da persuasão racional

ou misto (NUCCI, 1999, p. 73).

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2.5.1 O sistema da prova legal

O sistema da prova legal tem sua origem nas ordálias. Neste sistema existe

um regramento ou tarifamento do valor de cada prova, regras pré-estabelecidas para

avaliar a prova, de modo que o juiz não as valora, apenas aplica o valor de cada

uma para obter o resultado final, ou seja, faz mera operação aritmética.

Neste sentido, ARANHA discorre sobre o sistema da prova legal:

Cada prova tem um valor certo, constante e inalterado, preestabelecido pela norma, de tal sorte que ao juiz só é permitida a apreciação dentro da eficácia que a lei lhe atribui. O juiz torna-se um órgão passivo, pois, diante do valor tabelado, a ele cabe apenas verificar o valor atribuído pela lei, reconhecendo-o na sentença, sem que possa fazer sua apreciação diante da própria convicção (2004, p. 76).

Complementando sobre o sistema da prova legal, colhe-se o ensinamento de

BARROS:

Noutro vértice, pelo sistema da prova legal, também chamado de ‘certeza legal’, substitui-se a certeza moral do juiz pela lei, obrigando o julgador a avaliar as provas obedecendo a uma escala de valores hierarquizados pela própria lei. O juiz era obrigado a apreciar as provas segundo o valor tarifado em lei, como acontecia, por exemplo, com a aplicação do brocardo latino, unus testis, nullus testis, inviabilizando a condenação do réu com base num único testemunho, ou, como sucedia em sentido oposto, respeitar o valor máximo atribuído à confissão do acusado, tida como prova plena de sua culpabilidade. Era a lei que previamente estabelecia quais as provas que serviriam de fonte para o convecimento do juiz (2002, p. 129).

TORNAGHI nomeia este sistema como o sistema de regras legais, tendo

como características a imposição “ao juiz a observância de certos preceitos até o

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ponto de não lhe deixar nenhuma liberdade de apreciação” (1991, p. 276), forçando-

o a decidir contra uma verdade. Continua que, por serem as normas que formam

esse sistema originadas de conhecimento empírico, poderiam ser adotadas apenas

como regras técnicas, mas nunca como jurídicas (TORNAGHI, 1991, p. 276-277).

A crítica mais pesada ao sistema da prova legal é a de que a lei restringia em

muito o arbítrio do juiz na análise das provas, jungindo esta análise a uma tabela

que podia contrariar a verdade.

2.5.2 O sistema da íntima convicção

Neste sistema, o juiz julga de acordo com o seu convencimento, formado por

quaisquer elementos. Não fica vinculado às provas produzidas nos autos. Este

sistema está em desuso no processo civil, sendo adotado no Tribunal do Júri, em

que os jurados não têm necessidade de fundamentar seu voto.

2.5.3 O sistema da persuasão racional

O sistema da persuasão racional é também nomeado pela doutrina como o

sistema do livre convencimento motivado. Trata-se de um sistema híbrido. Busca

vencer as críticas aos dois sistemas.

Surgido em Roma, o sistema da persuasão racional foi criado como uma

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reação contra o arbítrio possível no sistema de livre convicção. O juiz deve,

conforme o sistema da persuasão racional, examinar as provas conforme sua

convicção, devendo entretanto seguir as regras ajustadas, regras jurídicas e lógicas

preestabelecidas e deve obrigatoriamente motivar a decisão.

NOGUEIRA diz que no sistema da persuasão racional ou da livre convicção

motivada: “o juiz não fica preso a critérios valorativos; é amplo o seu campo de

investigação. Toda prova tem valor relativo. Sistema adotado pelo nosso processo

para o juiz togado, que precisa dar as razões da sua convicção (art. 157)” (2000, p.

195).

Neste sentido NUCCI discorre sobre o sistema de persuasão racional com o

seguinte teor:

(...) o sistema da persuasão racional permite ao juiz formar livremente o seu convencimento, exigindo que ele fundamente sua decisão, vale dizer, não basta que o julgador se convença e desse modo manifeste-se ao decidir, mas deve cuidar de convencer também as partes e a comunidade em abstrato. O juiz mostra à sociedade quais foram os critérios que adotou para avaliar a prova que lhe foi apresentada, demonstrada, ainda se a verdade que acolheu correspondente à realidade dos fatos (1999, p. 79).

Este sistema é o adotado pela legislação pátria.

2.6 Os meios de prova

O Código de Processo Penal traz os meios legais de prova: o exame de corpo

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de delito e das perícias em geral (arts. 158 a 184); o interrogatório do acusado (arts.

185 a 196); a confissão (arts. 197 a 200); as perguntas ao ofendido (art. 201); as

testemunhas (arts. 202 a 225); o reconhecimento de pessoas ou coisas (arts. 226 a

228); a acareação (arts. 229 e 230); os documentos (arts. 231 a 238); os indícios

(art. 239); a busca e a apreensão (arts. 240 a 250).

2.6.1 Prova pericial e exame de corpo de delito

Considerando que nem sempre o juiz detém o conhecimento técnico suficiente

para poder apreciar a prova, busca um parecer técnico. Conforme preleciona

NORONHA: “Tendo que julgar as causas mais diversas e complexas, necessita o

juiz de conhecimentos enciclopédicos, o que, evidentemente, não é possível. Daí a

necessidade de recorrer a técnicos e especialistas (...)” (1986, p. 98).

MITTERMAIER assevera que: “Tem lugar o exame de peritos sempre que se

apresentarem na causa criminal questões importantes, cuja solução, para poder

convencer o juiz, exija o exame de homens, que tenham conhecimentos e aptidão

técnicos e especiais” (1997, p.145).

O art. 166 do Código de Processo Penal estabelece o valor da prova pericial

como uma presunção juris tantum. Assim a conclusão a que chegaram os peritos

pode ser rejeitada pelo juiz, mas somente quando dispuser de argumentos

científicos. E o artigo 275 sujeita os peritos à disciplina jurídica, devendo os não

oficiais prestarem compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo para o

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qual foram nomeados, conforme o § 2º, do art. 159.

E entre todos os exames periciais (insanidade mental, dos instrumentos do

crime, etc.) sobressai o do corpo de delito, consistente no exame dos elementos do

fato criminoso.

Neste sentido, NOGUEIRA observa os sentidos que podem ser adotados para

o corpo de delito:

Em sentido amplo o exame de corpo de delito é a prova da existência do crime (fato típico); em sentido restrito, é o conjunto de vestígios materiais deixados pelo crime. Pode ser direto, se depende de inspeção ocular sobre os elementos sensíveis que permaneceram atestando a prática delituosa, ou indireto, quando se forma por depoimentos testemunhais acerca da materialidade do fato e de suas circunstâncias (2000, p. 197) [destaques no original].

Conclui-se ser o exame de corpo de delito o meio material que comprova a

existência e os pormenores do fato delituoso. Sendo indispensável sua realização

nas infrações que deixam vestígio, como determina o art. 158 do Código de

Processo Penal.

2.6.2 A prova documental

Documento é qualquer coisa representativa de um fato, ou a coisa que deva

fixar e provar o fato ou a alegação (AMARAL SANTOS, 1997, p. 385).

Este meio de prova tinha no Direito Romano uma importância superior ao

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testemunho, conforme se demonstra nas sentenças de Paulo citadas por

TORNAGHI:

Lê-se nas sentenças de Paulo (V., 15, 4): ‘Testes, quum de fide tabularum nihil dicitur, interrogari nom possunt’ (‘Quando nada se alegue quanto à autenticidade dos documentos não serão admitidas testemunhas para contrariar escritos’). E no 1 C. 4. 20: ‘contra scriptum testemonium, nom scriptum testemonium nom fertur’ (‘não se aceita testemunho oral contra testemunho escrito’) (1991. p. 448).

NORONHA faz a diferenciação entre os sentidos lato e o estrito da expressão

documento; o primeiro se refere a “todo objeto hábil para provar uma verdade, ao

passo que, no segundo sentido, é o objeto que contém a manifestação do

pensamento ou da vontade da pessoa, bem como a menção de um fato, a narração

de um acontecimento etc” (1986, p. 126).

TORNAGHI traz importante estudo sobre o significado da palavra documento:

A palavra documento pode ser tomada em sentido amplo, para significar qualquer objeto que contém a expressão de um fato, e em sentido estrito, para designar os escritos, isto é, aquilo que abriga a expressão gráfica de um fato. Na primeira acepção, as pirâmides, que atestam a civilização dos egípcios, são um documento de suas atividades, perpetuam sua glória. Na percepção mais estrita, documentos são apenas os escritos (1991, p. 440).

Pode ser apresentado para o processo penal todo e qualquer documento, pois

conforme o artigo 232 do Código de Processo Penal, são aceitos documentos

escritos (documentos que tomam corpo no papel) e gráficos (representação por

sinais gráficos).

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2.6.3 Os indícios

O indício é também meio de prova, sendo uma prova indireta, porque a

representação do fato a provar se faz através de indução lógica.

O artigo 239 do Código de Processo Penal considera o indício como a

circunstância a ser provada através de indução e da qual se conclui a existência de

outra ou outras circunstâncias.

Esclarece MITTERMAIER a importância do indício e da sua utilização para o

esclarecimento das circunstâncias da causa:

Na maior parte dos casos falecem os meios, que, segundo o pensar comum, produzem o que se chama aprova natural; ou, se entenderem melhor, não existem na causa a inspeção do juiz, a confissão das testemunhas do fato. Porém o espírito investigador do magistrado deve saber achar uma mina fecunda para o descobrimento da verdade no raciocínio apoiado pela experiência, nos processos que aplicar ao exame dos fatos e circunstâncias, que se encadeiam e fazem o cortejo do delito. Estas circunstâncias são outras tantas testemunhas mudas, que a providência parece ter colocado em torno ao crime para fazer brotar a luz da sombra em que o agente se esforça por sepultar o fato principal: são como um fanal que aclara o espírito do juiz, e o dirige para vestígios certos, que basta seguir para atingir a verdade. De ordinário, o culpado ignora a existência dessas circunstâncias mudas, ou as julga de nenhuma importância; entretanto não as pode evitar; os pregos da sola de seus sapatos traem a sua passagem; um botão perdido no lugar do crime fornece um indício importante; uma mancha de sangue em sua roupa atesta a sua participação no ato de violência. Todas estas circunstâncias servem ao juiz de ponto de partida; a marcha ordinária dos acontecimentos humanos fornece-lhe analogias, e por via de inferência conclui dos fatos conhecidos para outros fatos necessários constitutivos da criminação (1997, p. 315).

NORONHA dá exemplo de indício e como usá-lo:

O raciocínio indiciário é um silogismo: premissa maior – a proposição geral; premissa menor – o fato ocorrido; conclusão lógica – a prática dos delitos. Os autores, em geral, exemplificam com o furto – crime em que a prova freqüentemente é indiciária. Um homem, que não é da casa, é visto sair, de madrugada, sobraçando um objeto que não se distingue bem. No dia

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seguinte descobre-se que dali furtaram uma bandeja, o quod plerumque accidit, mostra que o estranho que desse modo sai de uma casa é ladrão. Essa premissa, como se vê, é abstrata e genérica. Premissa menor: foi aquele homem visto nessa situação. É essa premissa concreta, real e particular. Conclusão lógica: é ele o autor do furto praticado naquela madrugada (1986, p. 131).

2.6.4 A prova emprestada

A prova emprestada é a utilização de prova produzida num processo para

elucidar a verdade de outro.

ARANHA discorre sobre os princípios constitutivos da prova emprestada e

quando e como utilizá-la:

No que diz respeito aos efeitos, valor e avaliação, devem ser observados quatro princípios: a) ter sido produzida em processo formado entre as mesmas partes ou, ao menos, naquele em que foi um das partes quem suportou seus efeitos; b) no feito anterior e no qual era primitivamente destinada terem sido observadas todas as prescrições legais relativas à sua natureza; c) os fatos serem semelhantes; e d) no reproduzido a observância das determinações relativas à prova documental (2004, p. 246).

2.6.5 O interrogatório do acusado e sua confissão

Consiste o interrogatório em um dos atos processuais mais importantes.

Através dele o juiz ouve do acusado esclarecimentos sobre a imputação lhe

atribuída na denúncia ou queixa-crime. Fornece ele, elementos importantes à

formação do convencimento do julgador.

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No mesmo diapasão fala NORONHA, ao asseverar que o interrogatório é, ao

mesmo tempo:

meio de prova e meio de defesa, pois enquanto o acusado se defende, não deixa de ministrar ao Juiz elementos úteis à apuração da verdade, seja pelo confronto com provas existentes, seja por circunstâncias e particularidades das próprias declarações que presta (1986, p. 105).

Sobre a finalidade do interrogatório, eis a lição de ESPÍNOLA FILHO:

A finalidade do interrogatório é tríplice: a) facultar ao magistrado o conhecimento do caráter, da índole, dos sentimentos do acusado: em suma, compreender-lhe a personalidade; b) transmitir ao julgador a versão, que, do acontecimento, dá, sincera ou tendenciosamente, o inculpado, com a menção dos elementos, de que o último dispõe, ou pretende dispor, para convencer da idoneidade da sua versão; c) verificar as reações do acusado, ao lhe ser dada diretamente, pelo Juiz, a ciência do que os autos encerram contra ele. Aí está porque se costume dizer, e muito razoavelmente, que o interrogatório é uma fonte de prova (2000, p. 498).

TORNAGHI sintetiza a principal característica do interrogatório, ato

personalíssimo:

O interrogatório é ato personalíssimo. Não admite representação, substituição nem sucessão. Interrogado tem de ser o próprio réu e ninguém por ele. Nem mesmo o defensor do acusado maior, ou o curador do menor. Quanto ao primeiro, a lei expressamente o proíbe de intervir ou influir nas perguntas do juiz ou nas respostas do interrogado (1991, p. 359).

Ressaltem-se as recentes alterações trazidas ao interrogatório pela Lei nº

10.792/03, consistentes em: 1) a necessária presença do defensor ao interrogatório

(CPP, art. 185); 2) o direito de entrevista do acusado com o defensor antes do

interrogatório (CPP, art. 185); 3) o reconhecimento, em nível legal, do direito

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constitucional ao silêncio (CPP, art. 185); 4) o estabelecimento do contraditório no

interrogatório do acusado (CPP, art. 188); 5) supressão da figura do curador do

acusado menor (entre 18 anos e 21 anos incompletos) (CPP, art. 194).

Por sua vez, a confissão é o meio de prova mais procurado, “mas nem sempre

produzido de forma correta e legítima” (NUCCI, 1999, p. 80).

A confissão é uma forma de testemunho, em que o interrogado declara os

fatos contra si, pois reconhece a prática da infração penal.

NUCCI assevera que a confissão no âmbito do processo penal significa

“admitir contra si, por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno

discernimento, voluntária, expressa e pessoalmente, diante da autoridade

competente, em ato solene e público, reduzido a termo, a prática de algum fato

criminoso” (1999, p. 80).

Por seu turno, ARANHA compara a confissão a um bálsamo no processo

penal, e ostenta seu título de a rainha das provas “pelo conforto que traz à

consciência dos que trabalharam no processo, pois como meio de prova o seu valor

é idêntico ao das demais, avultando-se apenas por sua força tranqüilizadora” (2004,

p. 108).

Para NUCCI (1999, p. 80) deve a confissão ser examinada com cuidado, pois

é necessário saber os reais motivos que levaram o acusado a confessar, para assim

se determinar se esta é verdadeira ou falsa.

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Conforme ROXIN (2000, p. 111) o imputado além de ser sujeito do processo é

meio de prova também, pois suas declarações e seu comportamento em juízo têm

importante papel na convicção do juiz, entretanto apesar da grande força probatória

existente na confissão, não é ela uma prova absolutamente segura, podendo ser até

mesmo falsa por vários motivos.

Finalmente, em relação à confissão, que pode resultar de tortura, é de bom

alvitre lembrar as palavras de Santo Agostinho, citadas por CARNELUTTI:

Santo Agostinho escreveu a este propósito uma de suas páginas imortais; a tortura, nas formas mais cruéis, está abolida, ao menos sobre o papel; mas o processo por si mesmo é uma tortura. Até um certo ponto, dizia, não se pode fazer por menos; mas a assim chamada civilização moderna tem exasperado de modo inverossímil e insuportável esta triste conseqüência do processo. O homem, quando é suspeito de um delito, é jogado às feras, como se dizia uma vez dos condenados oferecidos como alimento às feras. A fera, a indomável e insaciável fera, é a multidão. O artigo da Constituição, que se ilude de garantir a incolumidade do acusado, é praticamente inconciliável com aquele outro que sanciona a liberdade de imprensa. Logo que surge o suspeito, o acusado, a sua família, a sua casa, o seu trabalho são inquiridos, investigados, despidos na presença de todos. O indivíduo, assim, é feito em pedaços. E o indivíduo, assim, relembremo-nos, é o único valor da civilização que deveria ser protegido (2004, p. 47-48).

2.7 A prova testemunhal

2.7.1 Conceito de testemunha

A palavra testemunha vem de testibus, que significa mostrar, asseverar,

testificar, dar fé da veracidade de um fato. Outro entendimento “é que este vocábulo

provém de antesto ou antisto, que quer dizer: uma pessoa que vê diretamente um

fato e conserva sua imagem” (AQUINO, 2002, p. 11).

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Testemunha “é a pessoa que perante o juiz declara o que sabe acerca de

fatos sobre os quais se litiga no processo penal” (NORONHA, 1986, p. 113). A

palavra testemunha, segundo alguns autores, deriva de testando e, segundo outros,

de testibus, que equivale a dar fé da veracidade de um fato.

PAIVA, juiz português, dá o seguinte conceito de testemunha:

A testemunha é a pessoa que, estando presente no momento em que o fato se realiza, atesta a verdade deste. Desde que ela conte o que viu e ouviu, por certo não há meio mais seguro de o saber. Os vestígios, indícios e exames valem, sem dúvida, menos que o depoimento de uma testemunha, porque ao passo que é mister verificar e explicar aqueles, esta responde a todas as perguntas, é uma explicação viva do acontecimento, um comentário de todas as circunstâncias que o revestem (2003, p. 69).

A prova testemunhal está baseada na “presunção da veracidade humana,

inspirando fé na afirmação de pessoa, faz com que seja procurada e aceita como

prova pessoal, do mesmo modo que a presunção da veracidade das coisas,

inspirando fé na afirmação de coisa (...)” (MALATESTA, 1996, p. 319).

BENTHAM apud ARANHA assevera de forma brilhante o papel das

testemunhas:

As testemunhas são os olhos e os ouvidos da justiça. Desde que os homens existem e desde que têm a pretensão de fazer justiça hão valido das testemunhas como o mais fácil e comum meio de prova; sua importância no campo criminal é considerável; frequentemente é a única base das acusações. Sábias palavras de Bentham, reproduzindo, numa essência, todo o significado da prova testemunhal (2004, p. 147).

Arrole-se, também, o estudo de MITTERMAIER sobre o significado da palavra

testemunha:

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Pela palavra testemunha designa-se o indivíduo chamado a depor segundo sua experiência pessoal, sobre a existência e a natureza de um fato. Propriamente falando, testemunha é o personagem que se acha presente no momento em que o fato se dá; porém na prática, em relação à prova, não tem importância, e nem verdadeiramente se trata dela como tal, senão quando fala e refere o que viu. Este depoimento, concebe-se, pode bem facilmente opor-se à verdade objetiva; a individualidade da testemunha só por si pode influir muito no modo de observar; se aparece impensadamente ou por acaso, se nada a provoca a um exame sério, apenas prestará atenção (1997, p. 232) [destaques no original].

2.7.2 A Importância da prova testemunhal

Apesar da falibilidade da prova produzida através do testemunho, não se pode

ver em toda pessoa a intenção de iludir a justiça, segundo o entendimento abaixo:

Na consideração da prova testemunhal deve o juiz partir do pressuposto do que a testemunha fala a verdade. As pessoas estão a merecer fé. A própria evolução do ser humano está a confirmar essa exaltação. A evolução passa pela confiança depositada nas palavras do pai, da mãe e dos amigos, dos autores dos primeiros livros, etc. É inconcebível a ilação de alguns magistrados, receosos do conhecimento da verdade, que chegam a imaginar, prematuramente, que uma testemunha mente, considerando seu entendimento previamente, que uma testemunha mente, considerando válido seu depoimento unicamente quando em consonância com entendimento previamente fixado, normalmente viciado pela precipitação e pré-julgamento. Os testemunhos presumem-se válidos e honestos, mesmo ante a indiscutível possibilidade da mentira (FERREIRA, 1996, p. 24).

Nesta concepção, veja-se a clássica lição de MALATESTA:

O fundamento, portanto, da afirmação de pessoa em geral, e do testemunho em especial, é a presunção de que os homens percebam e narrem a verdade, presunção fundada, por sua vez, na experiência geral da humanidade, a qual mostra como na realidade e no maior número dos casos, o homem é verídico; verídico, pela tendência natural da inteligência, que encontra na verdade, mais facilmente que na mentira, a satisfação de um bem ingênito; verídico, pela tendência natural da vontade, a quem a verdade aparece como um bem e a mentira como um mal; verídico, enfim, porque esta tendência natural da inteligência e vontade é fortificada no homem social não só pelo desprezo da sociedade para com o mentiroso, mas também pelas penas religiosas e penas civis que se erguem ameaçadoras sobre sua cabeça (1996, p. 319).

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Igualmente, TORNAGHI leciona:

O testemunho é a fonte por excelência da certeza histórica. Todo homem normal tem como certo um sem-número de acontecimentos, graças ao testemunho que deles lhe dão pessoas dignas de crédito. Não vi o satélite russo (refiro-me ao ‘Sputinik’ e não aos povos que sofrem o jugo do imperialismo soviético), mas não tenho a menor dúvida de que ele está gravitando em torno da Terra, e minha convicção advém do que dizem pessoas nas quais eu creio.

Ora, a prova tem por finalidade exatamente demonstrar a verdade história a respeito de determinados fatos, saber como eles realmente se passaram. Isso faz compreender a razão pela qual, apesar da desconfiança com que sempre foi encarada, a prova testemunha tenha atravessada os séculos impondo-se nos mais variados tipos de procedimento, sempre, em todos os povos (1991, p. 392).

DELLEPIANE, sobre a confiança depositada no testemunho no dia-dia das

pessoas:

(...) o testemunho humano desempenha um papel importantíssimo na ciência e em toda a vida humana. Para compreendê-lo é bastante lembrar que a maior parte das noções e verdades que norteiam a nossa conduta tem como origem a crença no testemunho dos homens. A existência, por exemplo, de uma cidade que não visitamos é, para nós, artigos de fé unicamente baseado na informação daqueles que a conheceram de visu. (2004, p. 174).

A prova testemunhal pode provar quaisquer circunstâncias da infração:

provar a existência de um crime, de uma qualificadora, de circunstâncias agravantes, de causas especiais de aumento de pena, como pode igualmente demonstrar a existência de uma causa de exclusão da antijuridicidade ou culpabilidade, de circunstâncias atenuantes, de causas de diminuição de pena ou do reconhecimento do delito na forma privilegiada (FERREIRA, 1998, p. 24).

Outrossim, salvo alguns fatos que o juiz pode confirmar pela sua inspeção

pessoal, fica ele adstrito à “experiência de outros homens, pois que não há outro

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meio de verificar fatos ocorridos longe dele e que já não existem” (PAIVA, 2003, p.

67).

2.7.3 Retrospectiva histórica da prova testemunhal

No Egito Antigo a legislação tinha previsão para a prova testemunhal,

conforme informa João Mendes de ALMEIDA JÚNIOR apud AQUINO:

As testemunhas de um fato criminoso eram obrigadas, por lei, a mostrar que não puderam evitar o crime e socorrer a vítima; além disso, eram obrigadas a denunciar o crime e prosseguir na acusação, sob pena de umas tantas bastonadas. O acusador, convencido de calúnia, sofria a pena do crime que imputou. Havia ali um caso único de acusação e defesa orais: era o processo de julgamento dos mortos perante os curiosos e defesa orais: era o processo de julgamento dos mortos perante os curiosos reunidos às margens do Lago Moeris. Mas este processo era, em geral, destinado ao exame da conduta dos reis e grandes do Estado no dia destinado às suas exéquias (2002, p. 4).

O Código de Leis de Manu, na Índia, também trazia em seu diploma prova

testemunhal nos arts. 41 a 89. Devendo as testemunhas pertencer ao mesmo sexo e

classe social do imputado, havendo exceção apenas no caso dos fatos ocorridos em

aposentos interiores ou em lugar ermo, ou ainda em caso de assassinado em que

qualquer pessoa poderia prestar testemunho (AQUINO, 2002, p. 5).

No Direito Romano já havia previsão do juramento diante de Deus, invocando-

lhe a ira e a punição para o caso de perjúrio (TORNAGHI, 1991 p. 292).

2.7.4 Características do depoimento testemunhal

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O depoimento é prestado oralmente ao juiz, sendo assim vedado o

depoimento escrito, pois perderia o juiz a possibilidade da avaliação da testemunha.

A testemunha não pode externar sua opinião, devendo apenas narrar o que viu ou

ouviu.

SMANIO traz de forma sintética as principais características da prova

testemunhal:

a. judicialidade: tecnicamente, só é prova testemunhal aquela prestada em juízo (prova é aquela produzida perante o juiz); b. oralidade: o depoimento deve ser prestado de viva voz, sempre que possível, embora deva ser reduzido a termo. Exceções: surdos-mudos, Presidente da República, Vice-presidente, Presidentesda Câmara, Senado e STF (art. 221, § 1°, CPP); c. objetividade: a testemunha deve limitar-se a depor sobre os fatos, sem emitir suas opiniões ou externar juízos valorativos; d. retrospectividade: a testemunha depõe sobre fatos passados;nãopode fazer prognósticos futuros (2000, p. 83).

São quatro as principais características do depoimento: judicialidade,

objetividade, oralidade e retrospectividade, que seguem devidamente detalhadas.

2.7.4.1 A judicialidade

De acordo com esta característica a prova testemunhal é produzida perante o

juiz.

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Neste sentido ESPÍNOLA FILHO:

Em verdade, parece-nos que somente em um sentido amplo pode ser considerada testemunho a prova produzida extrajudicialmente. Aquela que se presta como alicerce de uma decisão deverá ser, necessariamente, produzida em Juízo, com a observância dos diversos princípios pertinentes ao Processo Penal (contraditório, ampla defesa, publicidade, dentre outros), de tal sorte que um testemunho isolado, formulado na Polícia, jamais poderá lastrear uma decisão condenatória, enquanto um único testemunho judicial, afastada a arcaica tese do testis unus, testis nullus, possui tal capacidade (2000, p. 261).

2.7.4.2 A oralidade

O artigo 204 do Código de Processo Penal incisivamente determina que “o

depoimento será prestado oralmente”.

MALCHER (1999, p. 345) refere-se à importância da oralidade para a

avaliação psicológica da testemunha pelo juiz.

Sobre a necessidade da característica da oralidade no depoimento, MOREIRA

explicita que essa “se justifica plenamente, pois o testemunho tem que expressar

fisicamente as impressões sensoriais do depoente, o que só é verdadeiramente

possível se realizado oralmente” (2003, p. 318).

O Código de Processo Penal abre duas exceções, nos artigos 192 e no

parágrafo único do art. 223, quando possibilita às testemunhas mudas e surdas-

mudas, por causa da sua deficiência na fala, produzir por escrito seu testemunho.

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Outra exceção é a prevista no § 1.º do art. 221 do Código de Processo Penal,

ao determinar que o Presidente e o Vice-Presidente da República, os Presidentes do

Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal,

poderão optar por fazer seus depoimentos por escrito, neste caso as perguntas

feitas pelas partes e deferidas pelo juiz serão transmitidas por ofício .

2.7.4.3 A objetividade

Esta característica refere que a testemunha deve falar sobre “os fatos

percebidos por seus sentidos e objeto da demanda, sem emitir sua opinião pessoal”

(ARANHA, 2004, p. 153).

MARQUES leciona que a testemunha deve, em seu depoimento, trazer ao

processo a realidade que obteve pela percepção de seus sentidos, ou seja, ”sobre o

que viu, como sobre o que ouviu, e ainda sobre qualquer outra percepção obtida por

um dos demais sentidos, como, verbi gratia, o olfato ou tato” (2000, p. 404).

NORONHA faz a advertência de que “não se admite, por conseguinte, que

uma pessoa, depondo em juízo ou perante a Autoridade Policial, diga que, se fosse

o réu, não teria aborrecido com as palavras proferidas pela vítima etc” (1986, p.

269).

A parte final do artigo 213 da lei processual penal admite como exceção a esta

característica a apreciação pessoal nos casos em que se exigir a apreciação, e esta

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for indissolúvel do fato. Um exemplo seria o caso de a testemunha “ao dizer que o

automóvel trafegava em alta velocidade fez um juízo, porém inseparável do fato

percebido; ao afirmar que o acusado é pessoa correta, emitiu uma apreciação ligada

aos fatos conhecidos e que serviram como antecedentes” (ARANHA, 2004, p. 153).

2.7.4.4 A retrospectividade

Tal característica diz respeito à reprodução em juízo de fatos passados e não

a previsões sobre fatos futuros.

É lição de ESPÍNOLA FILHO (200, p. 262) desta a retroatividade, uma vez

que a opinião sobre o futuro seria mera congectura e, portanto, irrelevante.

Outra característica do testemunho, na legislação pátria, não comumente

citada pelos autores, mas digna de menção, é a sua gratuidade, porque em outras

legislações o Estado ou a parte responsável pelo arrolamento é incumbida de

remunerar o tempo que a parte disponibilizou para o ato de testemunhar

(TORNAGHI, 1991, p. 428).

2.7.5 Acareação

Acareação consiste em confrontar duas ou mais pessoas (algumas

legislações como a italiana, a alemã e a austríaca exigem que sejam testemunhas)

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para averiguar sobre pontos confrontantes em seus depoimentos, a fim de averiguar

a verdade dos fatos. “Acarear consiste no ato processual de natureza probatória e

pelo qual duas ou mais pessoas são colocadas em confronto, frente a frente, para

que elucidem pontos controvertidos de seus depoimentos e de natureza relevante

para a solução da causa” (ARANHA, 2004, p. 135).

Ainda, para NORONHA, “Acareação ou acareamento ou careação é o ato de

acarear, isto é, pôr em presença uma da outra, pessoas cujas declarações são

contraditórias, ou não concordes” (1986, p. 122).

A acareação é realizada a pedido das partes ou por deliberação do juiz,

sendo essencial a presença das pessoas cujos depoimentos confrontam. Expõe-se

o fato conflitante e passam os acareados a expor seus pontos de vista.

2.7.6 Impedimentos ao ato de testemunhar

O Código de Processo Penal pátrio possibilita a toda pessoa poder ser

testemunha, não havendo assim limitações Em sentido lato testemunha “é a

pessoa que assistiu a um fato ou dele sabe alguma coisa” (MALCHER, 1999, p.

347).

Intimada, em regra, toda pessoa é obrigada a comparecer a juízo e prestar

seu testemunho, sob pena de condução coercetiva e até multa.

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Há, entretanto, pessoas proibidas de depor, como o ascendente, o afim em

linha reta, o cônjuge, mesmo que separado judicialmente, o irmão, o pai, a mãe ou

o filho adotivo do acusado.

Assim a lei “atende aos laços afetivos de consangüinidade que prendem a

testemunha ao acusado, acode a paz e harmonia das famílias etc., não impondo a

essas pessoas a desumana obrigação de depor” (NORONHA, 1986, p. 113-114).

Essa exceção desaparece toda vez que a prova do fato se fizer necessária

com o depoimento do impedido, ou se de outra forma não se puder obter a

verdade sobre os fatos, conforme artigo 206 do Código de Processo Penal.

Quando estas pessoas citadas no artigo 206 do Código de Processo Penal não

puderem esquivar-se ou quiserem testemunhar, estarão isentas do dever de

prestar juramento. Assim como menores de 14 anos, os doentes e deficientes

mentais, o ascendente e o descendente do réu, o afim em linha reta, o cônjuge, o

irmão, o pai, a mãe ou filho adotivo, conforme artigo 208 do Código de Processo

Penal.

TORNAGHI ressalta o fundamento das restrições ao dever de testemunhar:

As limitações ao princípio da liberdade de prova baseiam-se no fato de a lei considerar certos interesses de maior valor que o da prova de um fato, ainda que ele seja ilícito. Razão de política criminal ou processual. Assim, por exemplo, a proibição contida no art. 207 do Código de Processo Penal decorre da circunstância de a lei considerar o sigilo profissional um bem mais valioso que a apuração de um crime. Em outras palavras: a infração penal deve ser averiguada de modo que não fira o segredo; se o descobrimento da verdade houver de acarretar a violação do sigilo e a conseqüente defraudação da fidúcia é preferível que ele não se faça (1991, p. 302).

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A discussão sobre a necessidade do juramento ainda persiste, entendendo

parte da doutrina que ela reforça a consciência cívica da testemunha, mas sem

necessidade legal; enquanto outra parte pugna pela nulidade por omissão de

formalidade essencial.

O artigo 203 do Código de Processo Penal determina que: "A testemunha

fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for

perguntado (...)". E o art. 210 completa: "(...) devendo o juiz adverti-la das penas

cominadas ao falso testemunho".

Conforme ensinamento de TORNAGHI, no Direito antigo o depoimento

sempre vinha precedido de juramento, “tinham forma solene e caráter religioso e

eram não só uma promessa de dizer a verdade, como também a invocação de

Deus, para fiador da veracidade e repressor da mendacidade” (1991, p. 412).

Continua TORNAGUI:

O que explica o valor dado ao juramento é a convicção generalizada de que Deus puniria o perjuro. Para compreender hoje que ninguém pusesse em dúvida o que era dito sob juramento, é preciso lembrar que tanto quem o prestava quanto quem o ouvia temia sincera e profundamente o castigo divino (1991, p. 448).

E se não for colhido o juramento? Tal omisão nenhuma conseqüência traz

ao depoimento.

As pessoas que em razão de função, ministério, ofício ou profissão têm

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dever de guardar segredo só poderão depor se desobrigadas pela parte

interessada, conforme estatui o artigo 207 do Código de Processo Penal.

ESPÍNOLA FILHO, em excelente exemplo, ilustra a exceção do dever de

testemunhar em razão da profissão:

Posição especial é a de certos artistas, quando recebem, no exercício do seu mister, algumas confidências, que lhes cumpre guardar; assim, imaginemos que uma pessoa, posando para escultor ou pintor, lhe deixe ver um sinal característico do corpo, sob o compromisso do segredo; se for necessário ao esclarecimento de um crime conhecer a realidade de ter a pessoa focalizada esse sinal ou marca não poderá, evidentemente, ser tomado o depoimento do artista em questão (2000, p. 154).

MITTERMAIER traduz a importância da exclusão da figura do padre do dever

de depor, baseando se em dogma da própria fé católica:

Para os católicos o silêncio é mesmo um dever importante pela lei espiritual; os segredos de confessionário são sagrados, e, se a lei civil quisesse obrigar o confessor a falar, isso importaria em nada menos do que a sua violação completa; faria o padre cometer um delito eclesiástico, punido com severidade; derribaria, enfim, toda a instituição da confissão. O que efetivamente impede a maior parte das consciências culpadas a abrirem-se com um padre, é saberem que um silêncio religioso lhe é imposto por uma lei que ninguém pode obrigar a infringir (1997, p. 247-248).

SMANIO lembra a profissão do advogado como inclusa na exceção ao dever

de testemunhar:

É direito do advogado recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte (art. 7°, XIX, Estatuto da OAB) (2000, p. 83).

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2.7.7 O falso testemunho

A testemunha é obrigada a dizer a verdade. Após o juramento, se falta com a

verdade, sua conduta se amolda ao tipo penal do falso testemunho, seja o falso

referente ao conteúdo do depoimento, seja sobre a identidade da testemunha.

Sobre o procedimento que se segue na apuração do falso testemunho, diz

NORONHA:

Providenciando para que o falso não fique impune, o Código determina que o juiz remeta à polícia cópia do depoimento falso, instaurando-se o inquérito. O reconhecimento dessa falsidade é feito pelo juiz na sentença; conseqüentemente, é útil que, com aquela cópia, envie uma de sua decisão à autoridade policial (1986, p. 117).

O falso testemunho é tão grave que foi considerado por FARINÁCIO apud

FERREIRA como “três crimes distintos: contra Deus, cujo nome a testemunha

perjurava; contra o juiz, que enganava; e contra os homens, que os tornava vítimas

de uma injustiça” (1998, p. 17).

A legislação hebraica determina que “Não dirás falso testemunho contra seu

próximo” (Êxodo, cap. 20, v. 26). Enquanto que o Direito Romano previa até a morte

do autor de falso testemunho, que seria atirado da Rocha Tarpéia. Em outras

legislações, como a de Carlos Magno, o autor do falso era punido com o corte da

mão (FERREIRA, 1998, p. 18).

As Ordenações Filipinas, que vigoraram no Brasil enquanto colônia de

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Portugal, no Livro V, Título 54, estabeleciam como pena para o falso testemunho a

morte e o confisco de bens. Já o Código do Império e 1830, no título V, Capítulo II,

punia o falso em crimes capitais com a pena de galés perpétua (art. 169 da citada

lei) (FERREIRA, 1998, p. 19).

O abrandamento da punição do falso testemunho ocorreu sem retirar a

previsão deste delito nas legislações, por se tratar de crime que corrompe (ou visa

corromper) a decisão judicial, punindo o inocente ou libertando o autor do crime.

O artigo 342 do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 10.268/2001,

pune o falso testemunho, tipificando-o como o ato de testemunha, perito, contador,

tradutor ou intérprete, em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou

em juízo arbitral, de fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade.

Delito este de autoria exclusiva da testemunha, não sendo admissível ampliar

sua interpretação para incluir a vítima ou o advogado, pois a estes dois não pesa o

dever de dizer a verdade.

Deve-se fazer importante distinção: se o agente é vítima de erro, de uma falsa

percepção da realidade, do próprio esquecimento ou de uma deformação

inconsciente da lembrança, fica excluído o elemento subjetivo do crime. E neste

sentido o maciço entendimento jurisprudencial de que não é suficiente, para

constituir falso testemunho, o depoimento seja contrário à verdade e possa causar

um prejuízo, é preciso a vontade de falsear a verdade.

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2.7.8 Testemunho de criança

De antemão, para o conceito de criança para o presente fim e no sentido de

acordo com o vernáculo, é a pessoa até os 14 anos de idade.

O artigo 202 do Código de Processo Penal esclarece que “toda pessoa

poderá ser testemunha”, entretanto o mesmo diploma, em seu artigo 208, determina

que não se colhe o compromisso dos menores de 14 anos.

O depoimento de criança é aceito como meio de prova, especialmente porque

em certos crimes esta é a única testemunha existente, embora se reconheça a

dificuldade de se chegar à verdade real através dela.

O Código de Manu já preconizava: “Só quando o fato houver ocorrido em

lugar ermo, é que a criança poderá ser inquirida; mas nesse caso o juiz equiparará o

depoimento dela ao do alienado” (ARANHA, 2004, p. 145).

Entendimentos doutrinários e jurisprudenciais demonstram que os

depoimentos feitos por crianças têm a mesma validade do testemunho feito por

pessoas adultas, defendendo-lhes a mesma equivalência, independente da idade

das testemunhas:

(...) pureza de espírito das crianças, na sua ingenuidade, candura e ausência de malícia, já se asseverou que os depoimentos infantis são tidos como a exata expressão da verdade, porque se julga a criança tão inocente que sequer sabe mentir - ex ore parvulorum veritas (PEDROSO, 2005, p. 85).

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Outra posição, esta majoritária, defende que os púberes menores não têm a

necessária maturidade de inteligência para apreciar a gravidade de um ato, todas as

suas circunstâncias e as conseqüências de um depoimento falso (MITTERMAIER,

1997, p. 251).

Entre os fatores que determinam a precariedade do testemunho infantil pode-

se trazer à baila especialmente três. O primeiro seria a imaturidade, pois o

desenvolvimento psíquico da criança ainda está incompleto, sem ter a completa

noção das conseqüências dos seus atos. O segundo fator é o da imaginação, que

está presente na criança por meio de mentiras, usadas também como meio de

defesa, e nas suas fantasias. O terceiro fator é a sugestibilidade, pois a fragilidade

da criança importa que ela possa ser facilmente sugestionável (família, escola, meio

religioso etc).

ARANHA faz uma análise sobre os fatores que influenciam o testemunho

infantil, tornando-o deficiente:

Os fatores psicológicos que tornam deficientes os testemunhos infantis são os seguintes: a) imaturidade psicológica: a imaturidade orgânica do infante traz a imaturidade funcional, com o que o desenvolvimento psíquico será incompleto; b) a imaginação: atua duplamente na criança: meio de defesa (mentira defensiva ou interesseira) ou de satisfação de desejos (brinquedos fantasiosos); e, c) sugestibilidade: é bem acentuada nas crianças, surgindo mais ou menos aos cinco anos de idade, atinge seu ponto máximo em torno de oito anos para, a partir de então, entrar em decrescimento (2004, p. 167).

Tal afirmação é corroborada por PEDROSO: “falta à criança a experiência da

vida, elemento indispensável para o bom entendimento e a crítica dos fatos, motivo

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porque é extremamente maleável, vulnerável às sugestões, dominando-lhe a

atividade mental a imaginação” (2005, p. 85).

MALATESTA demonstra que as diferenças de desenvolvimento intelectual

entre as crianças em muito influenciam o testemunho infantil, sendo apenas a idade

um critério que não poderá dizer se a criança tem capacidade ou não de

testemunhar:

Ora, seria prejudicial à justiça privá-la, por razões de idade, de um testemunho que talvez seja o único possível, e apto a gerar a legítima certeza; como, por outro lado, seria também prejudicial, como uma fonte de erros, admitir seu depoimento, qual testemunha idônea, que de fato não possui tal idoneidade (1996, p. 344).

Assim MALATESTA defende uma idade mínima de 12 anos, mas a ser ouvido

um menor desta idade, deveria submetê-lo “a um exame preliminar de sua

capacidade, colhendo, ao mesmo tempo, informações dos pais ou tutor” (1996, p.

345). E com esse exame o juiz teria condições de declarar “nos casos em que a

idade o justifique, inidônea a testemunha, impedindo-a de depor, ou então admiti-la-

ia a depor, declarando-a idônea, ainda que suspeita por motivos de idade” (1996, p.

345). A jurisprudência pátria, no que tange à testemunha infantil, analisa-a com

salvaguardas:

Prova Criminal - Testemunho infantil - Desvalia se desacompanhado de outros elementos - Absolvição decretada - É fato amplamente sabido, extensa e intensamente demonstrado por psiquiatras, psicólogos, tratadistas da prova e processualista de renome, que a criança habitualmente falta com a verdade sempre que chamada a depor, quer como vítima, quer como simples testemunha. Ganha mesmo nítido destaque nos Tribunais pátrios e estrangeiros, o entendimento que a Justiça Criminal, pouco, ou quase nada, pode esperar dos depoimentos de menores, insuficientes para estribar condenação (TJSP. Rel. Silva Leme, RJTJSP 82/409).

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O perigo do testemunho infantil é indiscutível. Fatores psicológicos o tornam deficiente, principalmente a imaturidade psicológica e a sugestibilidade. Outro fato atuante e sentido negativo é a imaturidade moral, resultante de estímulos ambientais e pressões externas. Verel, citado por Maurice Debesse (‘Psicologia da Criança’, pág. 70), adverte: ‘Sujeita a errar, inclinada a alterar, voluntária ou involuntariamente, a verdade, a verdade... a criança não poderia ser considerada como testemunha segura. Mesmo quando, suas afirmações ou negações não podem ser acolhidas sem reserva, pois o seu cunho de sinceridade e a precisão de certos detalhes podem encobrir tanto o verdadeiro como o falso (TJSP. Dec. de voto vencido, Des. Andrade Cavalcanti, RJTSP 125/531).

O depoimento de crianças deve ser aceito como expressão da verdade,

quando seus relatos estiverem em harmonia com o restante da prova e encontram

apoio em testemunhas adultas e outros meios probatórios (TACrimSP, Rel. Pedro

Gagliardi, JUTACrim 92/368):

No processo penal todos os meios de prova teoricamente são admitidos, observadas apenas as restrições legais. A criança pode depor, notadamente quando é vítima, devendo ser as suas declarações analisadas com as reservas naturais, mas ser aceitas quando se apresentam coerentes e verossímeis (TJSP, Rel. Dalmo Nogueira, RT 497/20).

Não obstante tais e tantas restrições aos depoimentos infantis, vezes há em que as declarações judiciais, de menores de pouca idade, são acolhidas e consideradas expressão da verdade, e servem de lastro a decisões condenatórias. Isto, quando seus relatos guardam coerência, são harmônicos com o restante da prova e encontram apoio em depoimentos de testemunhas adultas (TJSP, Rel. Jarbas Mazzoni, RJTJSP 98/453).

Neste mesmo sentido, também a doutrina: “É evidente que uma certa

precaução se deve ter com o depoimento de crianças, mas nunca a ponto de torná-

las incapazes para depor, apenas não se lhes deferirá o compromisso” (MOREIRA,

2003, p. 319).

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Sendo o testemunho infantil um importante meio de prova, pois ele em certos

crimes é o único existente para se chegar à verdade do fato ocorrido, deve-se

sempre utilizar deste meio com o devido cuidado pelos motivos expostos e próprios

das crianças.

2.7.9 Testis unus, testis nullus

A origem deste preceito está fundada em preceitos jurídicos bíblicos: “Quando

um homem matar um outro, o assassino será morto, baseando-se no depoimento de

testemunhas; mas não se pode condenar à morte com o depoimento de uma única

testemunha” (Números, 35:30).

Em outra passagem bíblica mantém-se o mesmo posicionamento: “Uma só

testemunha não é bastante contra uma pessoa, por qualquer pecado ou falta ou

delito que tiver cometido. Pelo depoimento de duas ou três é que constatará o fato”.

(Deuteronômio, 19:15).

A legislação pátria silencia sobre o tema. Consubstancia-se no princípio da

livre apreciação das provas pelo juiz, deixando para a jurisprudência a árdua tarefa

de traçar parâmetros para análise.

BECCARIA asseverava que: “é necessária mais de uma testemunha porque,

desde que uma assegure e a outra negue, nada fica provado, e prevalece o direito

que cada um tem de ser acreditado inocente” (1979, p. 49).

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A parte da doutrina que valida uma testemunha única se baseia no fato de

que a análise do depoimento se faz no seu conteúdo e não no número de

testemunhas:

O que importa para a solução da lide não é o número de testemunhas, mas sim a idoneidade de seu depoimento e o poder de convencimento que ele produz no julgador. O juiz, para aferir o valor do depoimento da testemunha, deve preocupar-se com o conceito, com a idoneidade das pessoas, a verossimilhança do depoimento, ainda que provenha de uma única testemunha (RT 478/391). Assim, não deve o juiz preocupar-se com o número de testemunhas, mas com a qualidade e eficácia de seu depoimento. O julgador deve apreciar as provas dentro do contexto e tirar sua convicção fundamentando seu decisório, mas sempre livre ao formar seu convencimento sobre as provas aportadas ao processo, sendo o que se chama persuasão racional ou livre convicção motivada (TACrimSP, Rel. Silvério Ribeiro, RT 723/628).

As decisões jurisprudenciais que repudiam um único testemunho como capaz

de gerar a convicção se consubstanciam na sua precariedade. A vertente mais

moderna neste assunto não repudia o testemunho único.

Neste sentido, veja-se a visão de MOREIRA:

No antigo sistema da certeza legal ou da prova legal prevalecia o brocardo testis unus, testis nullus (voix d'un, voix de nul, para os franceses), onde uma só testemunha não valia como prova. Hoje se admite até uma condenação com base em um único testemunho, desde que corroborado com os demais meios probatórios colacionados aos autos. Por outro lado, muitas vezes vários testemunhos não são suficientes para uma sentença condenatória. Portanto, o que importa não é o número de testemunhas, mas a credibilidade do respectivo depoimento e o critério com que o julgador o aferirá (2003, p. 315).

Uma versão um pouco mais liberal encontra-se em AQUINO:

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Com a introdução em nossa sistemática processual penal do corolário da livre-apreciação das provas por parte de quem deve prolatar o veredictum, findou a significação jurídica do brocardo testis unus, testis nullus, onde um só testemunho não fazia prova. (...) Entrementes, a prática judiciária indica que, muitas vezes, um processo pode apresentar um número apreciável de testemunhos, e dele não se obter nenhuma prova. Assim, de acordo com a nova concepção, o testemunho singular está apto a merecer inteira credibilidade e ter total validade, uma vez que seja a palavra de uma só pessoa, seja o uníssono de mil vozes (...) (2004, p. 22).

Entretanto, a posição majoritária é de que deve ser aceito um testemunho

único apenas nos casos em que este estiver corroborado por outras provas

existentes no processo.

2.7.10 A forma de inquirição de testemunhas

Adotado o sistema presidencialista na inquirição das testemunhas, as

perguntas das partes às testemunhas são dirigidas ao juiz, que as formulará

diretamente ao depoente, cujas respostas são transcritas no termo o mais fielmente

possível (arts. 212 e 215).

Salienta MOREIRA que as perguntas requeridas e não aceitas pelo juiz

devem ser anotadas na ata da audiência para que em grau de recurso possa ser

averiguado possível cerceamento de defesa. Podendo o juiz somente recusar as

perguntas que não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de

outra já respondida (2003, p. 325).

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MALCHER assevera que no sistema do livre convencimento a busca da

verdade e da certeza através da prova pauta a ação do juiz:

O Juiz deve, na inquirição, buscar que a testemunha vá se recordando dos fatos, em ordem lógica e cronológica, fornecendo a ele os pormenores, de modo a fazer uma descrição do acontecimento, com os antecedentes e os conseqüentes ao fato. Para uma perfeita avaliação do temperamento das testemunhas, do seu grau de observação, inteligência e relações com as partes, o Juiz deve se cingir, quando necessário, às próprias palavras da testemunha (1999, p. 348).

Sobre a posição do juiz na inquirição de testemunhas, observa TORNAGHI:

o juiz não é um inquisitor preocupado em sondar as profundezas d’alma do interrogado. Também não é um psicanalista que remexe nos escaninhos do inconsciente. Ele deve se portar, no interrogatório, como o bom professor no exame do aluno: as perguntas hão de ser claras, em seu conteúdo; precisas, em seus contornos; unívocas, isto é, sem ambigüidade. Não deve agir como vilão, armando ciladas para o réu; nem como Javert, perseguindo, encurralando-o. (1991, p. 363-364).

ROXIN (2000, p. 219) entende inadmissíveis os seguintes métodos de

interrogação: a) todas as formas que produzem uma influência corporal (tortura); b)

todas as formas de influência psíquica (hipnose); c) a coação ilegítima segundo o

ordenamento processual; e, d) as medidas que afetam a memória e a capacidade de

compreensão.

2.7.11 A contradita

É a argüição feita pelas partes de suspeição ou inidoneidade de determinada

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testemunha.

A lei pátria não determina expressamente os casos em que o testemunho

pode ser contraditado, trazendo-se à tona os seguintes casos:

as pessoas que mantêm com a vítima, ou com o acusado, laços íntimos de amizade, inimizade, dependência econômica, bem como os malfeitores, os suspeitos de colusão (acordo anterior para prestar depoimento em certo sentido), os corruptos ou subornados, etc (AQUINO, 2004, p. 50).

2.7.12 Problemas advindos do subjetivismo da prova oral

Embora tenha um papel essencial na decisão do processo criminal a prova

testemunhal deve ser examinada pelo juiz com a devida cautela.

De acordo com NORONHA, pois “falível que é o testemunho, sujeito a vícios

que o deturpam, deve merecer toda a cautela do juiz, não apenas quanto ao

conteúdo, mas também quanto à idoneidade de quem o presta, o modo por que o

faz etc” (1981, p. 113).

Da inexistência de critérios legais ou científicos que estabeleçam a avaliação

da prova decorre sua falibilidade.

O Codex Iuris Canonici, em seu cân. 1.572, traz, de acordo com AQUINO,

considerações a serem levadas em conta ao se avaliar o testemunho:

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1) qual a condição da pessoa e sua honestidade; 2) se é testemunha de ciência própria, principalmente por ter ela visto e ouvido; se ela se baseia em sua própria opinião, na fama ou por ter ouvido de outros; 3) se a testemunha é constante e firmemente coerente consigo mesma ou é variável ou incerta ou vacilante; 4) se tem testemunhos concordes, ou se é ou não confirmada por outros elementos probatórios (cân. 1.572) (2004, p. 51).

ESPÍNOLA FILHO (2000, p. 128) ressalta a variedade de fatores que

contribuem para a precariedade da escolha das testemunhas, devido aos

transtornos que elas sofrem, tais como incômodos nas delegacias de polícia, a perda

de tempo nos pretórios, a não indenização das despesas e da inatividade

profissional durante horas.

Entende NORONHA que a falibilidade ocorre por erro na percepção humana

através dos seus sentidos: “sabido que nossos sentidos freqüentemente nos iludem.

Influem ainda diversamente a capacidade de observação e a memória, já não se

falando na mendacidade que freqüentemente vicia o depoimento” (1986, p. 114).

MITTERMAIER, igualmente, destaca que se tem “dito bastante para

demonstrar quanto se deve ser prudente na apreciação da prova testemunhal, e

como freqüentemente sucede que, com a melhor vontade do mundo, a testemunha,

em vez da verdade, afirma perante o juiz fatos puramente imaginários” (1997, p.

234).

Por seu turno, MALCHER assevera que a prova testemunhal “é avaliada,

como todas as provas no processo criminal, livremente pelo Juiz em busca de sua

compatibilidade ou concordância com as demais provas do processo” (1999, p. 348).

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Apesar da liberdade absoluta do juiz na apreciação da prova (sistema do livre

convencimento), adverte TORNAGHI que se deve no caso do testemunho “fazer um

exame psicológico da testemunha e um estudo lógico do depoimento” (1991, p.

426).

CARNELUTTI (2004, p. 48) expõe que a testemunha, ser humano, não pode

ser examinada como uma prova documental, pois o documento é uma coisa, a

testemunha é um homem, “um homem com o seu corpo e com a sua alma, com os

seus interesses e com as suas tentações, com suas lembranças e com os seus

esquecimentos, com a sua ignorância e com a sua cultura, com a sua coragem e

com o seu medo.”

Finalmente, LOCARD (1939, 114) sintetiza a questão da falibilidade do

testemunho, devido às percepções incompletas, imagens introduzidas ou

substituídas, recordações que se apagam, palavras que atraiçoam as idéias que

pretendem traduzir.

Conclui-se, assim, inseparável a importância da prova testemunhal de sua

falibilidade. Por esta razão, é necessário avaliar cada testemunha, caso a caso, com

os meios e princípios já demonstrados, na busca da verdade existente no

testemunho.

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PARTE II

CAPÍTULO III - A VALORAÇÃO JUDICIAL DO DEPOIMENTO POLICIAL

3.1 A instituição policial e suas vicissitudes

A polícia, órgão responsável pela realização da segurança e polícia judiciária,

tem sua origem anterior ao apogeu grego, tendo sido enfatizado o seu valor até

mesmo pelos faraós egípcios. É que, segundo SILVA apud BACILA, a origem do

órgão policial se deu no Egito:

(...) o primeiro exemplo conhecido de Polícia que se tem notícia veio do Egito. Mesmo antes de existirem Babilônia, Atenas e Roma, já o faraó confiava a um chefe escolhido por ele para fazer a vigilância das ruas de 42 regiões administrativas, no intuito de evitar que o povo cometesse infrações. Há 3.000 anos, esse chefe de polícia assistia diretamente o faraó e era simultaneamente, juiz de instrução, policial e carrasco (2002, p. 47).

Na visão do criminologista Juarez Cirino dos SANTOS, o aparelho policial tem

a seguinte origem:

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O surgimento do aparelho policial, na sua forma moderna, coincide com o advento e expansão da sociedade capitalista, na Europa Ocidental, como conseqüência das freqüentes perturbações coletivas da ordem pública burguesa, especialmente agravadas por duas ordens de fatores correlacionados: a concentração da propriedade da terra e da indústria (meios de produção) em poder da burguesia, e o êxodo rural provocado pelos métodos de acumulação primitiva do capital, descritos exaustivamente por Marx (O Capital, Rio, Civilização Brasileira, 1971, p. 828-882). As desordens públicas, intensificadas pelo êxodo rural provocado pela acumulação primitiva do capital (com a violenta expropriação da propriedade parcelaria da terra e dos instrumentos de trabalho, produzidos pelo trabalho pessoal e familiar do camponês), com o aparecimento, nas cidades, das hordas famintas, enxotadas do campo e privadas de quaisquer meios de subsistência, exigiu a formação de corpos especializados e disciplinados, para o exercício do poder de polícia, isto é, com tarefas especiais de prevenir e controlar as desordens públicas, colhendo as informações e usando dos meios necessários para esses objetivos, exercendo uma função de permanente vigilância sobre todo o território submetido à autoridade política do Estado (1984, p. 19-21).

Responsável pela segurança pública, a polícia deve preceder à ação da

justiça e a vigilância deve ser o seu principal ofício.

No Brasil, a instituição “polícia”, inicialmente, teve sua regulamentação pelas

Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, que regularam a atividade policial,

juntamente com as determinações reais de Portugal. As atividades judiciais e

policiais eram conjuntas e mescladas, inexistindo divisão nítida de atribuições. E,

para Luiz Gilmar da SILVA apud BACILA:

Foi o Alvará de 25 de Junho de 1760, criando o lugar de Intendente Geral de Polícia, o Ato Legislativo que, manifestando o pensamento de separar duas classes de funções até então confundidas, as funções policiais e as funções judiciárias, entre si tão incompatíveis, dizia o Alvará que cada uma delas pela sua vastidão se faz quase inacessível às forças de um só magistrado, veio confundi-las ainda mais e de um modo mais deplorável: antes do Alvará, os Corregedores, os Ouvidores, os Juizes de Fora e os Juizes Ordinários acumulavam funções policiais às judiciárias; depois do Alvará, o Intendente Geral da Polícia acumulou funções judiciárias às policiais (2002, p. 50).

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Sob as Ordenações, imperava a violência na atividade policial, pois o

procedimento era inquisitorial. Eram comuns os castigos corporais e as prisões sem

formação de culpa. Estas arbitrariedades foram proibidas com as medidas tomadas

por Dom Pedro I e com o surgimento do Código de Processo Criminal de 1832. Veja-

se, a respeito, BACILA:

Mas a regra era a violência sem limites na fase de investigação ou do processo, ou melhor, sob os ditames atrozes das Ordenações do Reino. Importante conquista humanitária (formal) surgiu no tempo de Dom Pedro I, quando foram proibidos os castigos corporais e a prisão sem culpa formada e estipulados prazos para a conclusão dos processos criminais, bem como a argüição pública das testemunhas (1824). O Código de Processo Criminal de 1832, além de seguir este espírito anti-inquisitorial "estabeleceu, primeiro, normas de organização judiciária, mantendo a divisão territorial do País, em distritos, termos e comarcas. Em cada distrito havia um juiz de paz, um escrivão, inspetores de quarteirão e oficiais de justiça; nos termos, um conselho de jurados, um juiz municipal, promotor público, escrivão das execuções e oficiais de justiça; nas comarcas, um juiz de direito, ou mais, conforme a população (2002, p. 50).

A organização policial passa a possuir um novo perfil a partir de 1841, quando

D. Pedro II faz a reforma do Código de Processo Criminal.

Nasce o inquérito policial. O instrumento em que se condensam as provas da

infração e útil até os dias de hoje, o inquérito policial, nasceu com a Lei n° 2.033, de

20.9.1871, regulamentada pelo Decreto-Lei n° 4.824, de 22.11.1871, em seu artigo

42, da seguinte forma: "O inquérito policial consiste em todas as diligências

necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de

seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito” (BACILA,

2002, p. 53).

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O papel da instituição policial, segundo o modelo brasileiro, consiste nas

tarefas seguintes: 1) prevenir o crime; 2) descobrir os criminosos, numa função

investigatória; 3) manter a ordem segundo os princípios do direito; 4) controlar a

circulação do trânsito.

A investigação dos fatos ilícitos nasce com a notícia-crime levada à autoridade

policial. Essa atribuição é normativa e a autoridade policial atua como verdadeiro

titular da instrução preliminar. No modelo agora analisado, a polícia não é um mero

auxiliar, senão o titular da investigação, com autonomia para decidir sobre as formas

e os meios empregados nas diligências, inclusive, sem qualquer subordinação

administrativa a juízes e membros do Ministério Público, em razão da tripartição das

funções estatais. Ora, os juízes pertencem ao Poder Judiciário; o Ministério Público

constitui-se num órgão público autônomo no mesmo nível de um dos poderes

estatais; a instituição policial faz parte do Poder Executivo e, assim, subordinada ao

Chefe do Executivo.

Como é cediço, a atuação policial se faz presente nos grandes centros e na

menor fração territorial do país. Daí a sua importância como instituição,

sobrepujando, em efetivo numérico, até juízes e membros do Ministério Público. Eis

o principal argumento do legislador de 1941 na Exposição de Motivos do Código de

Processo Penal, para justificar a manutenção do Inquérito Policial.

A polícia está mais próxima do povo, está em todos os lugares, e por isso

dispõe de meios mais rápidos e eficazes para condução da investigação.

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“A polícia é o símbolo mais visível do sistema formal de controle da

criminalidade, e, em regra, representa a first-line enforcer” (DIAS; ANDRADE, 1997,

p. 443) da norma penal. Por isso, dispõe de uma "discricionariedade de fato" para

selecionar as condutas a serem perseguidas.

A autoridade policial embora titular da instrução preliminar, deve ser vigiada

por juízes e Ministério Público, pois quanto menor for a discricionariedade policial,

tanto menor o mal uso de sua força e o índice de corrupção.

Devido à proximidade da polícia com a massa populacional e sua

subordinação ao executivo, é suscetível de contaminação política e de sofrer a

pressão dos meios de comunicação. Daí a possibilidade de ser usada como

instrumento de perseguição política e de graves injustiças que comete no intuito de

resolver rapidamente os casos com maior repercussão nos meios de comunicação.

Destes inconvenientes nem a grande polícia de Nova Iorque está livre, como mostra

a mídia.

A origem dos integrantes da polícia, máxime os patamares menores, o baixo

nível cultural e econômico de seus agentes faz com que a polícia seja um órgão

suscetível de pressão da mídia, de políticos e das camadas mais elevadas da

sociedade.

Ademais, a credibilidade de sua atuação é constantemente colocada em

dúvida pelas denúncias de corrupção e de abuso de autoridade, circunstâncias que

enfraquecem a credibilidade das provas carreadas ao inquérito policial e à instrução

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processual.

A atuação discricionária da polícia leva-a a classificar os fatos ilícitos que

merecem sua investigação, ferindo assim o ideal de igualdade jurídica, como

apontam DIAS e ANDRADE:

Gravidade do delito - a discricionariedade da polícia varia conforme a gravidade do delito, de modo que a eficácia aumenta nos delitos graves. Mas o próprio conceito de gravidade varia conforme o grau cultural e as circunstâncias sociais do agente policial. Por isso, a escala de gravidade do policial de rua é diferente da realizada pelo juiz ou promotor. Também existe uma tendência de valorar mais os delitos de impacto social imediato em detrimento dos delitos sem vítima concreta ou afastados da sua realidade, como podem ser os delitos econômicos (white-collar) (1997, p. 454).

Ante tal discriminação policial, cabe ao Estado proteger as vítimas dos abusos

policiais:

Vê-se, assim, que a função punitiva, como qualquer função estatal, se há de cumprir em estrita observância dos preceitos legais que a definem e delimitam. Convém aqui lembrar a ponderação do Professor Enrico Redenti: Ao Estado impõe-se a tarefa suprema de proteger os indivíduos lesados em seus direitos, pois é salutar que a Justiça tenha uma única e genuína balança e ainda porque ela age, sendo necessário, com a espada. E a espada - símbolo da força - não pode o Estado consentir que outro dela se utilize. E porque não pode consentir que outrem use a espada nem que em nome da Justiça se usem "dois pesos e duas medidas", deve o Estado manter-se alerta para coibir qualquer abuso de poder, mormente quando tal ocorre a pretexto de aplicação da própria Justiça (SARAIVA, 1989, p. 143).

Finalmente, ressalte-se o interesse mais quantitativo da polícia do que

qualitativo na produção de provas:

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A polícia atua em função de produtividade, isto é, visando justificar atividade mediante cifras de interesse mais quantitativo que qualitativo. Isso se explica, porque é mais fácil combater os miseráveis do que os poderosos, além de não se correr o risco de não trabalhar em vão, tendo em conta que as pressões protetoras do poder são inimigas de um trabalho policial honesto e hábil (CÓRDOVA, 1979, p. 13).

3.2 O policial e a violência

O policial não tem conquistado a admiração e credibilidade das pessoas,

segundo informa o criminologista ELBERT, pois:

Seria demasiado detalhar aqui os escândalos públicos desatados por abusos de policias de todo o mundo em cumprimento real ou aparente de funções. Entretanto, deve-se dizer que nos países latino-americanos tais abusos constituem quase uma modalidade natural pela freqüência e desfaçatez, e isso provoca em nossas sociedades um difundido temor e desconfiança em relação aos funcionários policiais. Uma pesquisa recente realizada por uma empresa privada da Argentina confirmou a existência de um forte sentimento de desconfiança em relação à policia entre os habitantes da Capital Federal e da Grande Buenos Aires. Dos entrevistados, 83% reconheceram apreensões diante da policia. (237) Os excessos podem ser uma prática com numerosas variantes que podem ter origem isolada em alguns funcionários, mediante incondicionais a seu mando, ou em grupos subordinados que o praticam por ignorância de seus chefes ou, o que é pior ainda, pode resultar de diretivas e treinamentos expressamente orientados pêlos superiores, a serviço de finalidades políticas e econômicas (2002, p. 252).

O uso da violência e o excesso de arbitrariedade fazem com que o criminoso

não acate a autoridade policial. O policial não pode ser truculento com o criminoso,

sob pena de perda de sua autoridade e firmeza.

Contudo, embora a lei penal seja isonômica a todos, existe um abismo entre a

lei e a prática, pois geralmente os criminosos pobres são levados às prisões, e estas,

como se pode investigar, estão repletas de pessoas de baixa classe social.

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Além disso, a polícia estereotipa os criminosos. A propósito, colha-se a

palavra de DIAS; ANDRADE, segundo os quais:

São os estereótipos que, em grande parte, determinam para onde a polícia se deve dirigir e que tipos de pessoas deve abordar. As investigações empíricas - que se multiplicaram após o já clássico artigo de PILIAVIN e BRIAR e adotando o seu método de observação participante - apresentam resultados particularmente convergentes. A polícia tende a deslocar-se para áreas habitadas por minorias desclassificadas e a abordar, sobretudo as pessoas que - pela cor da pele, gestos, modos de vestir, corte de cabelo ou barba, etc, são a imagem exterior da desconformidade. Comparados com os outros - escrevem PILIAVIN e BRIAR, descrevendo a situação norte-americana - os jovens negros e aqueles cuja aparência corresponde ao estereótipo do delinqüente eram mais freqüentemente abordados e interrogados, muitas vezes mesmo sem quaisquer indícios da prática de crime (...). A polícia justificava o seu tratamento seletivo em termos epidemiológicos: concentrando a sua atenção sobre aqueles jovens que, segundo ela acreditava, mais provavelmente cometeriam crimes. A força dos estereótipos radica, assim, no postulado da congruência entre a imagem exterior, a conduta e a própria identidade. Ë este mesmo postulado que leva a polícia a encarar com particular suspeição as descontinuidades entre a conduta, a imagem exterior e o próprio cenário. E a acreditar, (...) que - para reproduzir, ainda uma vez, a experiência norte-americana - um jovem branco num bairro de negros procura, naturalmente, sexo ou droga; e que, inversamente, um jovem negro num bairro residencial elegante se prepara, naturalmente, para qualquer crime patrimonial (1997, p. 451).

A confirmar o preconceito policial em relação a certas pessoas, mostram-se

oportunas, também, as versões abaixo:

Veja-se que há uma idéia mais ou menos generalizada, embora falsa, de que o crime é característico das classes inferiores; o criminoso é um ser inferior, pobre, inculto, destituído de princípios, de má aparência, que mora em morros ou favelas. Daí se vai facilmente à surda hostilidade da polícia para com a população economicamente marginalizada e, por via de conseqüência, a expressivo contingente de nossa população de cor (SARAIVA, 1989, p. 163).

Também as pessoas que possuem comportamento diferente da ‘rotina’ são atingidas pelo preconceito policial (bem como da comunidade): abraçar alguém, vestir-se de modo diverso, beber com os amigos, recolher lixo nas ruas, sentar-se nos parques, usar cabelos compridos, raspar a cabeça, usar barba, fantasiar-se, ser músico, discutir idéias, peticionar à autoridade etc (BACILA, 2002, p. 44)

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Ainda quanto ao comportamento policial reprovável, o mestre Juarez Cirino

dos SANTOS enfatiza:

A violência institucional do aparelho policial é uma resultante necessária de sua própria ação de controle social, mas o exercício autorizado da violência contra as massas oprimidas normalmente extravasa os limites da própria autorização legal, ou dos deveres legais estritos, expandindo essa violência institucional em formas particulares de violência criminosa, segundo os próprios parâmetros legais do sistema: os seqüestros, as torturas, as violências, as extorsões, os assassinatos, etc., praticados por membros individuais ou grupos organizados do aparelho policial ou por grupos de extermínio (esquadrões da morte) integrados e/ou dirigidos por policiais e ex-policiais. Assim, ao lado da violência institucional intrínseca à ação de controle social sob a ideologia de ‘lei e ordem’, coexistem formas particulares de violência da instituição policial, que exorbitam os limites legais de suas atribuições e invadem a área da criminalidade comum, em uma amplitude e intensidade que ultrapassam a possibilidade de qualquer descrição exaustiva (1984, p. 123).

Não justifica a polícia combater um crime com a prática de outro, conforme

SARAIVA:

Não se pode combater o crime com o cometimento de novos crimes. As práticas abusivas e violentas de certos policiais apenas servem para aumentar o índice de criminalidade no País, pois se constituem elas próprias em crimes, não obstante não sejam, em regra, tratadas como tal, nem constem das estatísticas criminais (1989, p. 148).

Relativamente à classe social baixa da qual são recrutados os policiais, diz

DONNICI:

Os salários baixos não sensibilizam o cidadão classe média, nem o cidadão da classe mais favorecida para a entrada na polícia. Daí o recrutamento ocorrer nas classes menos favorecidas, não sendo asseguradas aos recrutados condições suficientes para as necessidades da sociedade moderna. A tendência moderna é fazer da polícia uma organização social-científica, para a prevenção e a repressão, tendo em vista os novos comportamentos

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anti-sociais, as constantes mutações sociais, que vão desde os ‘crimes sem vítimas’, da criminalidade crescente nos crimes contra as pessoas e contra o patrimônio, até a contestação dos jovens e a subversão. É preciso atentar-se para o fato de que a modernização tecnológica da polícia obrigará a uma elevação do nível geral de escolaridade do policial e uma nova formação profissional. Os esquemas clássicos de recrutamento já estão superados, impondo-se hoje ao policial uma formação sócio-psicológica, além dos ensinamentos de Direito Penar e Criminologia, sem um conjunto de exames psicométricos. Na sociedade moderna, o policial precisa conhecer as ciências do comportamento humano e no Brasil as Academias de Polícia ainda não começaram esses ensinamentos, o que somente ocorrerá quando tiverem um relacionamento completo com as universidades. O policial melhor instruído é mais tolerante e mais eficaz e os corpos policiais se esterilizam, tendo somente uma fonte de conhecimento. Hoje não mais é admissível a improvisação na atividade policial, sendo necessárias regras de trabalho, pois no Brasil muitas vezes o policial tem que improvisar respostas para situações que lhe são apresentadas, eis que não existem regras ou manuais de trabalho (1974, p. 143).

A baixa remuneração do policial, aliada a outros fatores, contribui para a

violência policial, conforme SARAIVA:

A necessidade de compensação. A remuneração do policial é muitas vezes incompatível com os relevantes serviços que dele se espera. A vida dura que enfrenta, se for honesto, e os riscos que efetivamente corre não encontram a correspondente compensação financeira nem social, através do prestígio e acatamento de que deveria gozar entre os cidadãos (1989, p. 164) [destaque no original].

Há uma luta inglória entre o delinqüente e o policial, segundo o professor de

criminologia FARIAS JÚNIOR:

O ânimo de extermínio contra o delinqüente. Então, o policial já enfrenta o bandido ou o suposto bandido para liquidá-lo sumariamente. Surgem, ainda, para colaborar no combate, os chamados grupos de extermínio, integrados por policiais da ativa, ex-policiais ou civis, para fazer Justiça pelas próprias mãos. Diante dessa luta inglória, de árdua, indormida e interminável luta sem sucesso, a polícia quer que a solução esteja no destrato e na pena de morte (1999, p. 194).

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Para o criminologista FERNANDES, o testemunho policial é vulnerável

porque:

Nada mais prejudicial ao poder público que o policial despreparado e sem vocação. Inversamente, todavia, pode a Polícia, através de maus elementos que venham integrar seus quadros, favorecer a prática de crime, por via de ações delituosas individuais e até coletivas de seus membros (abuso de poder, violência arbitrária, condescendência criminosa, corrupção passiva, peculato, concussão etc) (2002, p. 246)

Ainda quanto aos desmandos de policiais, aponta FARIAS JÚNIOR:

As autoridades acham que seus comandados estão certos, e mantêm a polícia abrigada sob o guarda-chuva do chamado espírito de corpo, ou o acobertamento de todos os abusos e prepotências. A lei não é cumprida. Ela invade domicílio, prende sem ser em flagrante delito e sem mandado judicial, não obstante tenha arrefecido um pouco essa prática após o advento da nova Constituição (1999, p. 193).

Finalmente, uma vez mas, se julga de bom proveito trazer mais lição de

Juarez Cirino dos SANTOS quanto ao comportamento policial ilícito, que contribui

para a suspeita de seu testemunho:

No sistema de justiça criminal brasileiro, o aparelho policial constitui, também, a linha de frente na repressão da criminalidade: realiza uma investigação preliminar sobre o fato criminoso, recolhendo e registrando informações sobre sua materialidade e autoria, realizando perícias, tomando declarações de autores (que conservará presos, nas hipóteses de flagrantes, ressalvados os casos de fiança e respeitadas decisões superiores), vítimas (se possível), ouvindo testemunhas e apresentando um relatório do conjunto das informações e diligências dirigidas à autoridade judiciária competente - o inquérito policial, que funciona como peça informativa geral para o início do processo criminal propriamente dito. No exercício dessas atividades regulares, são comuns as violências contra indivíduos indiciados como autores (prisões ilegais, espancamentos, torturas e, não raro, assassinatos - o mais recente e famoso é o caso Aézio) e contra testemunhas, que são outras tantas formas de violência institucional do processo de criminalização (1984, p. 124).

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Impera o espírito de corpo entre os policiais a fim de acobertar a ilicitude do

colega, pois “Existem pactos expressos ou tácitos de encobrimento profissional, que

se manifestam quando a própria policia é investigada em relação a algum fato grave

que a envolva” (ELBERT, 2002, p. 246).

Outrossim, transcrevem-se alguns dos lamentáveis casos de chacina que

abalaram a sociedade brasileira e o mundo, citados por OLIVEIRA:

Quadro 4 O Brasil das chacinas

ACARI-11 mortos Rio de Janeiro, 26 de julho de 1990 Onze adolescentes moradores da favela de Acari, foram seqüestrados em Magé (RJ) CARANDIRU-111 mortos São Paulo, 2 de outubro de 1992 A Polícia Militar invadiu a Casa de Detenção de São Paulo. O saldo de mortos somente foi divulgado após as eleições, realizadas no dia seguinte. Não houveram baixas entre os policiais. CANDELÁRIA-8 mortos Rio de Janeiro, 23 de julho de 1993 Na madrugada, cinqüenta meninos dormiam sob uma marquise, a 50 metros da Igreja da Candelária, centro do Rio de Janeiro, quando cinco ho-mens começaram a atirar. Oito meninos morreram. VIGÁRIO GERAL 21 mortos Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1993 Um grupo de extermínio matou 21 pessoas na favela de Vigário Geral, A chacina foi uma vingança pela morte de quatro policiais militares, provocada por traficantes da favela. CORUMBIARA -12 mortos Corumbiara (RO), 9 de agosto de 1995 Policiais militares, cumprindo determinação judicial, invadiram a fazenda Santa Elina, ocupada por sem-terra. Dez sem terra e dois policiais foram mortos. ELDORADO-19 mortos Eldorado (PA), 17 de abril de 1996 "As quatro e meia da tarde eu estava sentado, quando de repente ouvi muito barulho. Ao me levantar levei um tiro no pé e vi meu amigo Amâncio ser baleado na cabeça. Vi uma mulher com um tiro na boca. Muita gente gemendo. Uma coisa horrível", conta um dos sobreviventes do massacre de Eldorado, no sul do Pará. Lá a Polícia Militar começou a reforma agrária à sua maneira, distribuindo sete palmos de terra a 19 homens. Num ataque fulminante, cerca de 200 policiais dispararam contra os sem-terra que fechavam a rodovia PA-150, que liga Marabá a Carajás, e cobriram o chão

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com sangue dos feridos e dos mortos. O enterro das vítimas - no sábado, três dias depois do ataque - transformou-se em um grito por justiça que já se espalhou por 100 países em 61 idiomas (1994, p. 74-75) [destaques no original].

GIULIAN cita como exemplo de violência praticada pela polícia, o caso

ocorrido na Favela Naval em Diadema, São Paulo:

O caso que mais chocou a população brasileira e serviu de estopim para a deflagração de mudanças nas polícias, foi o caso da favela naval de Diadema - SP, local onde Policiais Militares ‘em blitz’, torturaram e mataram cidadãos, fazendo com que toda a opinião pública se voltasse contra as Polícias Militares (2002, p. 90)

Ademais, sobre a violência institucionalizada, confira-se a seguinte citação de

HIRECHE:

Em nome do Direito Penal, tortura-se, humilha-se e mata-se. É uma violência institucionalizada e ‘legitimada’ por todos aqueles que compõem a classe mais abastada da sociedade e pretendem ver eternizada a sua dominação. Os exemplos mais concretos deste quadro são Vigário Geral, Carandiru e Candelária, e, mais recentemente a invasão das tropas de choque aos centros de recuperação dos menores infratores de São Paulo, embora estes fatos tenham sido esquecidos (2004, p. 124).

Veja-se, finalmente, o testemunho de um sociólogo, que em 1985 chegou a

ingressar na Policia Civil paulista, através de concurso público, a fim de viver a

questão da violência policial e defender sua tese de mestrado sobre o assunto. Ele,

Guaracy MINGARDI apud ARAÚJO, em sua obra Tiras, gansos e trutas: cotidiano e

reforma na polícia civil, aponta:

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(...) no Distrito Policial existem algumas regras sobre quem pendurar no pau-de-arara, percebidas com relativa facilidade por qualquer pessoa que permanecer algum tempo no meio. Embora alguns policiais partidários da violência não as sigam, batendo em todos os presos, esses são os que tem maiores problemas com a justiça, terminado por serem exonerados. As regras sobre quem vai para o pau e como aplicar a tortura são as seguintes: a) maneira correta de tirar serviço de um preso é o pau-de-arara ,as outras formas deixam marcas. Na Academia de Polícia um delegado, titular de seu distrito, explicou que a maneira mais segura era enrolar pedaços de cobertor nos pulsos dos presos antes de pendurá-los, assim não ficariam marcas. O uso ou não de máquina de choques fica por conta de quem conduz o interrogatório; b) pessoas de posição social e não fichadas não devem ser penduradas, ‘só pendurar vagabundos não primários’; c) criminoso com dinheiro não apanha, quem apanha é pobre, colarinho branco não apanha, faz acerto. Essa afirmação é confirmada por um caso durante uma pesquisa de campo. Mais adiante o sociólogo explica que a extração da confissão é muito importante, ao ‘menos para justificar a prisão’, pois a justificativa pode se tornar necessária se o preso ao sair procurar a corregedoria ou a justiça, dizendo ter sido preso sem motivo, e que lhe foi exigido tanto em dinheiro pela soltura. Com a confissão na mão o policial tem pelo menos um pouco de respaldo dos superiores (1992, p. 55-58).

3.3 O depoimento policial na jurisprudência

Encontram-se na jurisprudência cinco entendimentos sobre o depoimento de

policiais, quanto à sua validade como prova, coletados por Ronaldo Batista PINTO

(2000, p. 263-271):

a) Validade do depoimento:

Sob inúmeros argumentos, parte da jurisprudência preconiza a validade do

depoimento prestado por policiais que diligenciaram contra o réu. Assim, segundo

esta corrente, "a simples condição de Policial não torna uma das testemunhas

impedida ou suspeita" (TACrimSP, Rel. Penteado Navarro, RJD 23/325). Isso

porque prescreve o próprio Código de Processo Penal, em seu artigo 202, que “toda

pessoa poderá ser testemunha”, inexistindo na lei qualquer dispositivo que invalide

os depoimentos de policiais.

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Neste sentido:

Cumpre salientar que nenhum policial, civil ou militar, está proibido de depor como testemunha, mesmo porque, competindo à Polícia zelar pela segurança pública, é ela incumbida de tomar providências na ocorrência de crimes, prendendo em flagrante, quando o caso, colhendo todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias. Nesse sentido, há dispositivo expresso no Código de Processo Penal (artigo 6°, inciso III) (TJSP, Rel. Carlos Bueno, RJTJSP 128/495).

Assim, não havendo distinção embasada em texto legal, no que se refere ao

depoimento policial, haveria preconceito e ausência de bom senso negar crédito às

declarações de policiais, se nada atenta contra a veracidade de sua versão. Tal

posicionamento está consubstanciado nos seguintes acórdãos:

Superada a tese da parcialidade dos testemunhos de policiais, agentes recrutados mediante processo seletivo e compromissados antes de oferecerem seus depoimentos. Seria contra-senso credenciar o Estado funcionários para atuar na prevenção e repressão da criminalidade e negar-lhes crédito quando, perante o mesmo Estado-Juiz, procedem a relato de sua atuação de ofício (TACrimSP, Rel. Renato Nalini, RJTACrim 30/217).

Sem o menor cabimento desmerecer a prova testemunhal, com o argumento genérico de que se cuidou de depoimento de policiais. O policial é agente do Estado e exerce função pública, dedicada exatamente à prevenção e à repressão do crime, em suas várias modalidades. Desmerecer seus testemunhos apenas pela natureza e função que exerce, a par de não ter suporte em qualquer preceito legal, implicaria num imposto, preconceituoso e desarrazoado atestado de inidoneidade de toda uma corporação(TJSP, Rel. Marcial Holianda, RT 721/414) [destaque no original].

Ao prestarem em juízo seus depoimentos, estão os policiais sujeitos à

contradita ou à argüição de suspeição. E mais, por estarem sob compromisso,

sujeitam-se às penas do falso testemunho, nos termos do artigo 342 do Código

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Penal, assim como as testemunhas em geral.

Portanto, caso haja, no caso concreto, qualquer condição que venha a tornar

parcial o seu depoimento, caberá ao acusado suscitá-la e prová-la, sendo

insuficientes alegações genéricas referentes ao exercício da atividade policial. Vide,

verbi gratia, os seguintes julgados:

Inexiste razão para não se acreditar na palavra dos Agentes da Autoridade de uma maneira em geral, sendo certo que eventual sentimento subalterno há que ser demonstrado concretamente não bastando meras alusões ou insinuações genéricas (TACrimSP, Rel. Fernandes de Oliveira, RJD 27/127).

Não se pode, prima facie, negar valor aos depoimentos prestados por testemunhas policiais, máxime se tais declarações não foram contraditadas ou argüidas de suspeitas no momento adequado, e dos quais não se vislumbra propósito ou interesse de falsamente incriminar o revisionamento (TJMS, Rel. Oswaido Rodrigues de Melo, RT 681/376) [destaque no original].

Não há obstáculo em que se tome a palavra de policiais no suporte de condenações. Não estão proibidos de depor, nem se pode previamente suspeitar da veracidade nos seus depoimentos. Sopesam-se como quaisquer outros; sujeitam-se aos obstáculos do impedimento e da suspeição, como quaisquer outros (TJSP, Rel. Ary Belfort, RT'736/625).

Não agem os policiais com intuito de defenderem interesse próprio, mas tem

em seu trabalho a finalidade institucional de proteger a coletividade, razão por que

não se pode, segundo a corrente jurisprudencial em apreço, presumir que sua

atuação em juízo se dirigirá a obter a condenação de pessoas inocentes. Vide,

neste sentido:

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Os funcionários da Polícia merecem, nos seus relatos, a normal credibilidade dos testemunhos em geral, a não ser quando se apresente razão concreta de suspeição. Enquanto isso não ocorre e desde que não defendem interesse próprio, mas agem em defesa da coletividade, sua palavra serve a informar o convencimento do Julgador (TJSP, Rel. Jarbas Mazzoni, /77 176/313).

O agente da polícia serve como testemunha, tal qual qualquer outra pessoa, até porque ele é auxiliar da Justiça Criminal e não é de supor-se que se transforme em parte, que compareça ajuízo para perseguir sistematicamente pessoas inocentes, para as quais criam crimes inexistentes (TJSP, Rel. Silva Russo, RT 728/520).

Concluindo, segundo esta corrente, o depoimento policial vale, não pela

condição de depoente policial, mas pelo seu conteúdo de verdade.

b) Validade, em consonância com outras provas:

Parcela da jurisprudência também entende válido o depoimento policial como

meio hábil a ensejar a condenação. Validade, entretanto, que não é absoluta, pois o

conteúdo do depoimento deve, necessariamente, estar em consonância com outras

provas constantes dos autos.

Vide, segundo este entendimento, os seguintes arestos:

O valor do depoimento testemunhal de servidores policiais - especialmente quando prestado em juízo, sob a garantia do contraditório - reveste-se de inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só fato de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão penal. O depoimento testemunhal do agente policial somente não terá valor quando se evidenciar que esse servidor do Estado, por revelar interesse particular na investigação penal, age facciosamente ou quando se demonstrar - tal como ocorre com as demais testemunhas - que as suas declarações não encontram suporte e nem se harmonizam com outros elementos probatórios idôneos. Doutrina e Jurisprudência (STF, CH 74.608-0-SP, 1ª T., v.u., Rel. Çelso de Mello).

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É claro que a palavra de Policiais vale como prova. Reclama-se a devida cautela e reserva, analisando o relato com as demais provas carreadas, cujo conjunto resultará na verdade real autorizadora do édito condenatório (TACrimSP, Rel. Ribeiro do AMARAL SANTOS, RJD 3/119).

Assim como na primeira corrente, em havendo interesse do agente policial na

condenação do acusado, esta deverá ser constatada in concreto, e devidamente

provada. Neste sentido:

Preconceituosa é a alegação de que o depoimento de Policiais é sempre parcial, vez que, não estando eles impedidos de depor, o valor probante de suas palavras não pode ser sumariamente desprezado, máxime quando estas se harmonizam com os demais elementos colhidos no processo e nada indique que tivessem eles a intenção de prejudicar inocentes (TACrimSP, Rel. Gonzaga Franceschini, RJD 18/80).

Inexiste impedimento para Policial figurar como testemunha, pois, depondo sob compromisso, suas informações devem ser cotejadas com as demais provas, não sendo possível passar-se um atestado de inidoneidade em relação a uma pessoa, somente pelo fato de ser ela um Agente de Segurança, seja Civil, seja Militar (TACrimSP, Rel. Walter Swensson, RJD 25/334).

A reserva natural em relação aos depoimentos policiais não se reveste de caráter absoluto, posto que as informações deles constantes devem ser analisadas em cada caso concreto, à luz do contexto probatório, certo que não se cuida de impedimento legal (TJSP, Rel. Márcio Bonilha, RT 558/313).

O depoimento policial, segundo esta corrente, somente será

aprioristicamente desprezado pelo julgador caso dissonante do contexto global

gerado pelo quadro probatório, formado nos autos.

Vide, neste sentido:

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Quanto ao depoimento de policiais, presume-se que agem eles no cumpri-mento do dever e nos limites da legalidade, havendo que se repudiar sua palavra somente quando em flagrante dissonância com os demais elementos de convicção trazidos ao processo (TJSP, Rel. Devienne Ferraz, RT 727/473) [destaques no original].

c) Maior credibilidade por tratar-se de policial:

Em sendo servidores públicos, os agentes policiais têm, no exercício de suas

funções, a presunção juris tantum de que agem escorreitamente. Tal característica é

inerente a todos os atos administrativos. Isto porque a atuação da Administração

Pública, por intermédio de seus agentes, está submetida ao crivo da legalidade (CF,

artigo 37, caput).

Ora, se em todos os aspectos de sua atividade se exige da Administração a

observância da lei, é lícito concluir que os atos de seus agentes presumem-se

legítimos e verdadeiros.

Tal entendimento está consubstanciado nos seguintes julgados:

Os agentes policiais não estão proibidos de depor sobre atos de ofício nos processos de cuja fase policial tenham participado, no exercício de suas funções (RF 208/272), e como a declaração de inidoneidade é específica e não genérica, não podendo abranger toda uma categoria de pessoas pelo fato de ser a testemunha funcionário da Polícia não basta, por si só, para afastar de seu depoimento a credibilidade (RF 209/304). Como servidores públicos que são, os agentes policiais têm, no exercício de suas funções, a presunção juris tantum de que agem escorreitamente (TJSP, Rel. Cunha Camargo, RJTJSP 81/391).

Como Servidores Públicos que são, os Agentes Policiais têm, no exercício de suas funções, a presunção juris tantum de que agem escorreitamente, não estando proibidos de depor sobre atos de ofício de cuja fase policial tenham participado(TACrimSP, Rel. Nogueira Filho, RJD 6/65).

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A palavra de Policial, acerca de fatos que, no exercício de seu mister, tenha presenciado, deve ser revestida da presunção de veracidade e legitimidade, inerente aos atos administrativos em geral (TACrimSP, Rel. Luiz Ambra, RJD 22/89).

Os policiais não só não estão impedidos de depor, mas, ao contrário, se mostram testemunhas qualificadas, pois, contra os réus, há toda uma realidade fálica, de evidência incontestável (TACrimSP, Rel. Dirceu de Mello, JUTACrim 67/369).

Assim, os policiais, como testemunhas, segundo esta corrente, gozam

também da presunção juris tantum de legitimidade e veracidade, o que os

transforma em testemunhas qualificadas.

d) É irrelevante a condição de policial, para conferir-se maior ou menor credibilidade

ao seu depoimento:

A corrente jurisprudencial que compartilha deste entendimento é, em

verdade, muito semelhante à primeira, pois atribui ao depoimento prestado por

policial o mesmo valor que é conferido àquele prestado pelas demais testemunhas.

Vide, exempli gratia, os arestos seguintes:

A circunstância de ser Policial a testemunha não afeta, positiva ou negativamente, o valor probante de sua palavra, pois, aprioristicamente, aquela condição funcional nem confere ao testemunho maior força persuasória, nem o inquina de suspeição, devendo-lhe aferir-se-lhe o mérito e medir-se-lhe o grau de confiabilidade, segundo os critérios ordinariamente aplicados (TACrimSP, Rel. Souza Nery, RJTACrim 35/303).

A eficácia probante de declarações de Policiais afere-se pelo seu valor intrínseco. Por sua procedência, não valem mais, nem menos. A qualidade de policial da testemunha não a qualifica, nem positiva, nem negativamente, a priori (TACrimSP, Rel. Corrêa de Moraes, RJD 5/171).

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Portanto, também aqui o depoimento deve ser avaliado por seu conteúdo, e

não pela condição ou atributo de que o profere.

e) Desvalia:

Segundo esta corrente o depoimento policial não se presta, quando

exclusivo, como meio de prova apto a ensejar a condenação. Seus adeptos

argumentam que é sistemática e constante a exclusividade dos policiais em casos

relacionados com o uso e comércio de entorpecentes, mesmo quando possível a

convocação de elementos estranhos ao funcionalismo policial militar.

Vide, a título de exemplo, o seguinte julgado:

Policiais não estão impedidos de depor mas o que torna manifestamente suspeitos seus depoimentos é a sistemática e constante exclusividade destes em casos relacionados com o uso e comércio de entorpecentes, quando facilmente, muitas vezes gritantemente, tal qual ocorre na hipótese sub judice, possível a convocação de elementos estranhos ao funcionalismo policial militar (TJSP, Rel. Silva Leme, RJTJSP 102/435).

A prática demonstra que pessoas estranhas aos quadros da polícia não são

ouvidas, nem procuram testemunhar as declarações do próprio acusado, limitando-

se a colher a versão apenas do condutor e seus companheiros de diligências. Não

procuram cercar o flagrante de cautelas outras que lhe assegurem credibilidade.

Agem no intuito de recompensa pelo serviço e demonstração a seu superior

hierárquico de sua habilidade para descobrir o verdadeiro culpado, bem como há

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interesse no êxito da diligência e legitimidade de sua conduta. Têm os tribunais

levado isso em conta, quando proferem suas decisões:

É sumamente suspeita a atitude de policiais que, devendo agir, o mais estritamente possível, dentro da lei, não procuram cercar o flagrante de cautelas outras que lhe assegurem credibilidade. De comum, em casos tais, são ouvidos apenas o condutor e seus companheiros de diligências. E invariavelmente dão crédito a denúncias anônimas contra viciados ou traficantes de tóxicos. Nunca procuram ouvir outras pessoas, circunstantes, estranhas aos quadros da Polícia, nem procuram testemunhar as declarações do próprio acusado (RJTJ, Rel. Andrade Vilhena, RT 429/370).

Freqüentemente, agentes policiais revelam desusado interesse na prisão de determinadas pessoas, o que leva a suspeitar da isenção do seu depoimento. O. Grana Larousse acentua, por exemplo, a imprestabilidade do testemunho dos denunciadores mercenários (os nossos alcagüetes): além de serem recompensados pelo serviço, precisam demonstrar a seu superior sua habilidade para descobrir o verdadeiro culpado (STF, Rel. Victor Nunes, 777 49/171).

Evidentemente, não se pode arredar o testemunho de policial só por sua condição de agente da lei mas, em havendo possibilidade, devem ser arroladas outras testemunhas, até por um imperativo da lei processual penal. Entretanto, dadas as irregularidades e violências por vezes verificadas, a prova única e exclusivamente baseada em depoimento de policiais tem sido, cada vez mais, encarada com sérias reservas (TACrimSP, Rel. Nelson Fonseca, JUTACrim 62/299).

Embora os policiais não estejam impedidos processualmente de depor e nem possam, a priori, ser considerados como suspeitos, suas narrativas devem ser recebidas com reservas, pois quando em juízo estão dando conta dos atos praticados, tendo, portanto, todo interesse em demonstrar a legitimidade da ação praticada (TACrimSP, Rel. Camargo Aranha, RT575/381).

Nada há a vedar que policiais prestem depoimentos a respeito de diligência que efetuaram, entretanto, esta não é a sua função precípua e, por mais idôneo que seja o miliciano, por mais honesto e correto, ao servir como testemunha, no fundo está procurando justificar a sua própria conduta, o que juridicamente não é admissível, sendo certo que a legitimidade dessa prova surge com a corroboração por depoentes estranhos aos quadros da Polícia (TACrimSP, Rel. Ary Casagrande, RJTACrim 33/271).

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O depoimento prestado por policiais deve ser avaliado com reserva, em face do interesse que possuem em demonstrar a eficiência e legitimidade da investigação que empreenderam. Em face de a condenação ter sido fundada apenas nos depoimentos dos policiais que efetuaram a prisão, patente a falta de robustez da prova coligida no sentido de embasar a condenação da Ré, não restando clara e induvidosa sua participação nos fatos criminosos (TRF, Rel. Edgard Lippmann, RJ 234/146).

Assim, o depoimento de policial que participou de diligências contra o

acusado implica inobservância aos princípios do contraditório e da inocência

presumida, que regem o processo penal. Assim:

A opinião de que estará bem lastreada a acusação apenas com o testemunho dos policiais, e que seriam eles suficientes, importa em quebra do princípio do contraditório, e em descaso com o princípio da inocência presumida, que regem o procedimento penal (TJSP, Rel. Andrade Vilhena, RT 434/322).

3.4 A fragilidade do depoimento policial como prova

O procedimento probatório compreende quatro fases: a) propositura ou

requerimento da prova, na inicial acusatória (denúncia ou queixa), na defesa prévia

ou ainda na fase do art. 499 do Código de Processo Penal; b) deferimento da prova,

quando o juiz defere a produção da prova; c) produção da prova, ou seja,

oportunidade em que a prova é realizada, consiste na fase inquisitória (inquérito

policial) em que é realizada a prova pericial e, na instrução processual, em que é

colhida a prova oral (inquirição das testemunhas arroladas na denúncia e na defesa

prévia); e, finalmente, d) a da valoração da prova, a sentença, que mais interessa ao

presente estudo, pois é neste momento em que o juiz aprecia e valoriza a palavra do

policial que investigou o crime ou apenas efetuou a prisão do réu.

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A respeito da testemunha policial, discorre ARANHA:

Ao depor, o policial também está dando conta de seu trabalho, do acerto da investigação realizada, da legitimidade dos atos praticados. Logo, se não tem um interesse direto na condenação do acusado, o tem em relação aos atos praticados, dando conta da legitimidade do trabalho investigatório realizado. Portanto, afirmamos: em primeiro lugar, não está impedido de depor, por não ser testemunha inidônea, nem suspeita; todavia, o valor de suas palavras é bem relativo, devendo necessariamente ser cotejado com outros elementos, pois ao depor está dando conta do trabalho realizado, tendo total interesse em demonstrar a legitimidade da investigação. Apoiamos nosso entendimento numa afirmativa feita pela Colenda 3a Câmara do Egrégio Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, em v. Acórdão relatado pelo pranteado Juiz Chiaradia Netto: ‘Por mais idôneo que seja o policial, por mais honesto e correto, se participou da diligência, servindo de testemunha, no fundo está procurando legitimar a sua própria conduta, o que juridicamentenão não é admissível. A legitimidade de tais depoimentos surge, pois, com a corroboração por testemunhas estranhas aos quadros policiais’ (ACrim 135.747). Concluindo: os policiais não são suspeitos e, como tais, não estão impedidos de depor; porém, como ao deporem estão dando conta da legitimidade do ato praticado, seus depoimentos devem ser recebidos com reservas (2004, p. 169-171).

O interesse que possa eventualmente induzir o depoente a alterar a verdade

dos fatos pode e deve ser levado em conta na valoração do seu depoimento:

Não obstante, julgados há que, entendendo serem os policiais interessados diretos no êxito da diligência repressiva e em justificar eventual prisão efetuada, neles reconhecem provável parcialidade, taxando seus depoimentos de suspeitos (PEDROSO, 2005, p. 126).

Em decorrência do princípio da persuasão racional ou livre convencimento

motivado, pelo qual o juiz forma seu convencimento pela livre apreciação da prova, a

prova testemunhal é relativa, como qualquer outra.

Ora, se a prova testemunhal é relativa, frágil, oriunda de quem deve depor

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com imparcialidade, o que se pode dizer do testemunho de quem participa da coleta

de provas contra o acusado, no caso do depoimento de policial?

Daí por que deve o julgador, ao valorar a prova, ter redobrado cuidado com a

palavra do policial que participou de diligência contra o réu.

Ao analisar a credibilidade do depoimento, BECCARIA entende:

A verdadeira medida de sua credibilidade é tão-somente o interesse que tenha em dizer ou não a verdade. A credibilidade, pois, deve diminuir na proporção do ódio ou da amizade, ou das estreitas relações existentes entre a testemunha e o réu. A credibilidade de uma testemunha torna-se tão sensivelmente menor quanto mais cresce a atrocidade do delito (1999, p. 53).

Em face das circunstâncias que envolvem o depoimento policial, o que deve o

réu fazer por ocasião da produção da prova oral? Entende-se que deve a parte

interessada contraditar o policial depoente, argüindo-lhe interesse no respaldo de

seu trabalho contra o réu. Ora todo trabalhador quer bons frutos de seu trabalho.

Entende-se como desprestígio ao policial a liberação do preso logo após a

prisão ou a absolvição do réu pela fragilidade das provas. Daí por que se justifica a

recusa do policial-depoente como testemunha por suspeita de parcialidade, nos

termos do art. 214 do Código de Processo Penal.

Endossando a idéia supracitada, quanto à suspeita de parcialidade da palavra

do policial, veja-se a exposição de TOURINHO FILHO:

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Todavia, se depuserem sobre fatos que foram objeto de diligências que contaram com a sua participação, é natural que suas palavras devam ser recebidas com certa reserva, em face do manifesto interesse em demonstrar que o trabalho realizado surtiu efeito e que a ação por eles desenvolvida foi legítima. Essa reserva deve ser ainda maior se por acaso houver outras pessoas que possam servir de testemunhas (2003, p. 299).

Cediça é a exigência de certeza para toda e qualquer condenação. Está a

certeza presente em conjunto probatório restrito a palavras de policiais que

prenderam o réu ou coligiram prova contra ele?

A respeito, obtempera Heleno Cláudio Fragoso que ‘a condenação exige certeza e não basta, sequer, a alta probabilidade, que é apenas um juízo de nossa mente em torno da existência de certa realidade’. Mesmo a íntima convicção do Juiz - pondera Sabatini -, como sentimento da certeza, sem o concurso de dados objetivos de justificação (g.n.), não é verdadeira e própria certeza (...); no lugar da certeza, em espécie tal, tem-se a simples crença. Dessa forma, uma condenação somente terá lugar quando o exame sereno da prova conduzida à exclusão de todo o motivo sério para duvidar (PEDROSO, 2005, p. 150).

Finalmente, em relação à inarredável certeza, acima mencionada,

pressuposto da condenação, colha-se, uma vez mais, a palavra de FRAGOSO apud

PEDROSO, com o seguinte teor:

No processo criminal, máxime para condenar, tudo deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão algébrica. Condenação exige certeza (...), não bastando a alta probabilidade (...), sob pena de transformar o princípio do livre convencimento em arbítrio (RT 619/267) (2005, p. 150).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

1. A pesquisa buscou debater a questão da valoração do testemunho

prestado por policial que participa de diligências contra o réu, tais como

investigação do fato lhe imputado ou sua prisão. Se tais elementos, por si sós,

podem sustentar a condenação do réu. Ou, ainda, se pode o juiz valorá-los como

prova testemunhal ou como mera informação.

2. O estudo abrangeu: a) sistemas, incluindo princípios do processo penal; b)

teoria geral da prova; c) valoração judicial do depoimento policial.

3. O primeiro capítulo se ocupou do estudo dos sistemas do processo penal.

Há três sistemas ou formas processuais penais: acusatório, inquisitório e misto. No

regime democrático vige o sistema acusatório, segundo a maioria expressiva da

doutrina. Para a pesquisa dos sistemas, além de outras obras, foram aproveitados

os ensinamentos do professor José Laurindo de Souza Netto em sua obra

“Processo Penal: Sistemas & Princípios”.

3.1 As características principais do sistema processual acusatório são: a) há

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um processo de partes, ou seja, as funções de acusar, defender e julgar são

exercidas por pessoas ou órgãos distintos (o juízo penal é o trium personarum, ou

seja, três pessoas diferentes); b) a acusação cabe ao ofendido ou a qualquer

cidadão ou ao Estado; c) há liberdade de defesa; d) isonomia entre as partes; e)

publicidade (sem embargo das exceções) e oralidade caracterizam o procedimento;

f) o contraditório se faz presente; g) admite-se a recusa do julgador; h) liberdade de

produção de provas, visando ao livre convencimento do juiz; i) participação popular

mais expressiva na realização da justiça penal; j) a liberdade do réu é a regra; l)

celeridade processual; m) imparcialidade do juiz.

3.2 Em síntese, as características do sistema inquisitório são: a) o juiz é o

detentor das funções de acusar, defender e julgar; b) o réu não tinha nenhuma

garantia, sendo objeto do processo; não sujeito de direitos e, portanto, sem direito

de defesa; c) o juiz dava início, de ofício, ao processo, produzia as provas, inclusive

utilizando-se de tortura (exemplos: prova das bebidas amargas, o teste da água fria,

a prova de o acusado caminhar sobre brasas durante algum tempo ou colocar a

mão em um braseiro, a prova das serpentes, a prova do cadáver e a prova do

duelo), visando à obtenção da confissão, tida como a rainha das provas, suficiente à

condenação; d) utilizava-se como sistema de valoração da prova o da prova tarifada

ou prova legal; e) não havia órgão específico da acusação, pois esta ficava a cargo

do próprio julgador; f) não havia relação jurídico-processual; g) o procedimento era

escrito e sigiloso, longe dos olhos do povo; h) o julgador não estava sujeito à

recusa; i) ausência de contraditório; j) nasceu em Roma; l) a partir da Idade Média,

por influência da Igreja Católica, passou a dominar quase toda a Europa; m)

finalmente, o processo não era um instrumento destinado à busca da verdade real,

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mas de mera punição do acusado.

3.3 O sistema misto se resume nos seguintes pontos: a) também conhecido

como sistema acusatório formal; b) surgiu após a Revolução Francesa; c) é um

amálgama das formas acusatória e inquisitória; e, d) compreende duas fases: 1ª)

fase de instrução preliminar, inquisitória, secreta, escrita e sem contraditório, bem

como a instrução probatória, secreta e não contraditória; 2ª) fase de julgamento:

acusatória, em que se observam a oralidade, publicidade, o contraditório, a

concentração dos atos processuais, a intervenção de juízes populares e livre

apreciação das provas.

3.4 O sistema processual brasileiro é o acusatório, adotado pela Constituição

Federal de 1988. Este entendimento encontra homizio em diversos doutrinadores de

renome, dentre eles: Fernando da Costa Tourinho Filho, René Ariel Dotti, Ada

Pellegrini Grinover, José Frederico Marques, Afrânio Silva Jardim, Edgard

Magalhães Noronha, Romeu Pires de Campos Barros, Vicente Greco Filho.

Contudo, entendendo de maneira diversa, pela adoção do sistema misto, por

exemplo, pugnam Guilherme de Souza Nucci e Rogério Lauria Tucci.

4. Em sendo a prova meio de busca da verdade e, conseqüentemente, de um

julgamento justo, não simples forma de acusação ou defesa, o estudo sobre a teoria

geral da prova foi necessário, máxime a prova testemunhal, para se chegar ao tema

específico, objeto do trabalho, sobre o depoimento policial. O estudo, contudo, não

se limitou à prova testemunhal. Analisaram-se, no segundo capítulo, o histórico da

prova no processo penal na Antigüidade até os desafios da atualidade; o conceito

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de prova, sistemas de avaliação da prova; procedimento da valoração da prova;

princípios da prova; os meios de prova, o falso testemunho, o testemunho de

criança e a palavra de uma só testemunha, etc.

5. O objeto do terceiro capítulo, o tema do trabalho, consistiu no estudo da

instituição policial e suas vicissitudes, seu surgimento embrionário no Egito e em

Roma; os problemas vivenciados pela instituição, tais como de onde são recrutados

os componentes da polícia, as conseqüências da baixa remuneração, sua

importância social.

5.1 A violência praticada no exercício da função policial, transcrevendo-se no

trabalho os principais episódios, como: violência policial com morte na Favela Naval

em Diadema, 8 mortes na Candelária, 11 mortes em Acari, 12 mortes em

Corumbiara, 19 mortos em Eldorado, 21 mortes em Vigário Geral, e, finalmente, 111

mortos no Carandiru; o depoimento, em juízo, do policial que participa de diligências

contra o acusado. Para tanto, fez-se abundante pesquisa na criminologia, além da

doutrina nacional e estrangeira.

5.2 Coletou-se rica jurisprudência referente ao depoimento policial,

encontrando-se cinco correntes: 1) validade do depoimento; 2) validade, em

consonância com outras provas; 3) maior credibilidade por tratar-se de policial; 4)

irrelevância da condição de policial; 5) desvalia.

O entendimento jurisprudencial, em síntese, consiste em:

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1) Validade do depoimento

Em não havendo na lei qualquer dispositivo que invalide os depoimentos de

policiais, sua condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita,

mesmo porque toda pessoa pode ser testemunha, nos termos do artigo 202 do

Código de Processo Penal.

Há preconceito e ausência de bom senso negar crédito às declarações de

policiais, se nada atenta contra a veracidade de sua versão.

A participação de policiais em diligências contra o réu não os torna suspeitos.

Por não defenderem interesse próprio, os policiais merecem, nos seus

relatos, a normal credibilidade dos testemunhos em geral.

Seria contra-senso o Estado credenciar funcionários para atuar na prevenção

e repressão da criminalidade e negar-lhes crédito quando, perante o mesmo

Estado-Juiz, prestam depoimentos de sua atuação de ofício.

Quando coerente e seguro, o depoimento policial é tão valioso como qual-

quer outro.

Os policiais são auxiliares da Justiça Criminal e, ao deporem em juízo, não se

transformam em partes.

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Há presunção de que agem os policiais no cumprimento do dever e nos

limites da legalidade.

Depondo sob compromisso, estão sujeitos às penas do falso testemunho,

nos termos do artigo 345 do Código Penal.

O depoimento policial vale, não pela condição de depoente policial, mas pelo

seu conteúdo de verdade.

2) Validade, em consonância com outras provas

O depoimento policial vale como prova, mas reclama a devida cautela e

reserva do julgador, que deve valorá-lo em cotejo com as demais provas.

Deve ser analisado em cada caso concreto, à luz do contexto probatório.

3) maior credibilidade por tratar-se de policial

Em sendo servidores públicos, os agentes policiais têm, no exercício de suas

funções, a presunção juris tantum de que agem escorreitamente.

Os policiais, como testemunhas, gozam da presunção de veracidade e

legitimidade, inerentes aos atos administrativos em geral.

Ora, os policiais são recrutados após rigoroso processo seletivo, razão por

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que se deve conferir credibilidade a seus depoimentos.

A inidoneidade da testemunha policial não pode ser genérica, mas sim

específica. Portanto, deve ser apurada em cada caso concreto.

Os policiais se mostram testemunhas qualificadas.

4) É irrelevante a condição de policial, para conferir-se maior ou menor credibilidade

ao seu depoimento.

A condição de policial não influi, positiva ou negativamente, no valor probante

de seu depoimento.

5) Desvalia

Observa-se exclusividade dos policiais em casos relacionados com o uso e

comércio de entorpecentes, quando possível a convocação de elementos estranhos

ao funcionalismo policial.

Não ouvem pessoas estranhas aos quadros da polícia, nem procuram

testemunhar as declarações do imputado, limitando-se a colher a versão apenas do

condutor e seus companheiros de diligências.

Não procuram cercar o flagrante de cautelas outras que lhe assegurem

credibilidade.

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Revelam interesse na prisão de determinadas pessoas, o que leva a

suspeitar da isenção do seu depoimento.

Agem no intuito de recompensa pelo serviço e demonstração a seu superior

hierárquico de sua habilidade para descobrir o verdadeiro culpado.

Devido a irregularidades e violências por vezes verificadas.

Interesse no êxito da diligência e legitimidade de sua conduta.

6. Em face das circunstâncias trazidas à colação envolvendo a atividade

policial, quanto à lamentável realidade da corrupção e violência na atividade policial,

buscou-se respaldo na Criminologia, pesquisando-se diversos autores, dentre eles,

Juarez Cirino dos Santos em sua obra Raízes do Crime.

7. A condenação com suporte exclusivo em depoimentos de policiais que

participaram de diligências contra o acusado implica inobservância ao devido

processo legal, do qual emanam os demais princípios do processo penal, como: o

contraditório, inocência presumida, ampla defesa, isonomia, verdade real,

legalidade, proibição da produção de prova ilícita, não auto-incriminação, etc.

Em face da importância dos princípios, foram pesquisados vinte e sete

princípios do processo penal. Alguns deles têm íntima relação com o tema do

trabalho, ou seja, com o testemunho policial. Outros são aplicáveis ao processo

como um todo.

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7.1 Princípio do devido processo legal. Tem conotação com o testemunho de

policiais, pois este, quando isolado, ou seja, sem outros elementos de prova, fere

este princípio devido ao interesse dos policiais depoentes em defender a eficiência

de seu trabalho contra o acusado.

7.2 Princípio do contraditório. Seu vínculo com a prova produzida por

policiais, que realizam diligências contra o réu, consiste em que este não se coloca

na mesma igualdade de armas perante o Estado-Juiz. Visando prestar contas à

sociedade de volume de fatos desvendados, ainda que ao arrepio da lei, ou

buscando a impunidade de seus desmandos, bem como à intimidação que imprime

ao réu, o testemunho policial fulmina este princípio, pois superar o desequilíbrio

entre ele e o aparato estatal lhe é, geralmente, impossível, uma vez que não tem

meios para impugnar totalmente as provas contra si produzidas, máxime quando se

tratar de ilícita.

7.3 Princípio da ampla defesa. Pela mesma razão exposta no estudo do

principio supra (contraditório), a disparidade de armas, não se efetiva a defesa, na

sua plenitude, quando a produção de provas contra o réu se limita a depoimentos

de policiais, já que nem sempre consegue destruir inverdades contra si, como por

exemplo, a acusação de resistência à prisão, quando não ocorreu, mas o auto de

resistência foi lavrado para “legalizar” o arbítrio policial.

7.4 Princípio da verdade real. Quando a prova carreada ao processo se

restringe à versão de policiais ligados à apuração do fato imputado ao réu ou à sua

prisão, em regra, a verdade real não foi alcançada, porque em geral os policiais vão

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além da realidade, como se vê na faina policial, por exemplo, o famigerado “auto de

resistência à prisão”, já citado anteriormente, lavrado durante o inquérito policial,

visando justificar o abuso no emprego de força contra o imputado, quando de sua

prisão. Em regra, este auto é falacioso. Não houve resistência. Houve arbitrariedade

redundando em crime de abuso de autoridade e, para “legalizá-la”, busca-se tal

estratagema. Eis aí o liame entre o princípio e o tema da pesquisa.

7.5 Princípio da inadmissibilidade da obtenção de provas por meios ilícitos. O

depoimento do policial que dili’genciou contra o réu, quando não corresponde à

realidade fática, gera prova ilícita contra o acusado. Como tal, não pode produzir

efeito contra ele.

7.6 Princípio da presunção de inocência. O princípio em estudo tem aplicação

ao tema do trabalho, pois a prova produzida no processo exclusivamente por

policiais, contra o réu, afronta este princípio, dificultando ou impedindo-o de provar o

contrário da versão policial, ou seja, sua inocência.

7.7 Princípio do favor rei. Assim, em se restringindo a prova contra o réu a

testemunhos de policiais, que contribuíram na busca de prova contra ele, ante o

interesse em legitimar seu trabalho, surge a dúvida e, neste caso, não se chegou à

verdade exigível à condenação. Conseqüentemente, deve-se, com amparo neste

princípio, absolver o acusado.

7.8 Princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional.

Cuida-se de princípio referente ao sistema de valoração da prova, que propicia ao

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juiz total liberdade na apreciação da prova. Com base nele, pode e deve o julgador

absolvê-lo sempre que o suporte probatório não for além do depoimento de policiais

que diligenciaram contra o réu. Conclui-se, por conseguinte, poder-se acrescentar

mais uma limitação vertida do princípio do livre convencimento: “não-condenação

com suporte exclusivo em depoimentos de policiais que efetuaram diligências contra

o réu”.

7.9 Princípio da legalidade. Já se disse antes que toda prova carreada ao

processo deve ser legal. A ilegalidade em relação à palavra de policiais, contra o

réu, quanto a este princípio, tem sua razão comum aos princípios do devido

processo legal e ao da proibição de obtenção de prova por meios ilícitos. Portanto,

quando o depoimento policial não encontra amparo em outras provas dos autos, em

geral presente está a ilegalidade da prova contra o acusado, graças ao interesse no

resultado das diligências realizadas contra o acusado.

7.10 Princípio da identidade física do juiz. Aplica-se à produção da prova oral

e, no específico caso do depoimento policial, é vital que o juiz que colheu os

depoimentos profira a sentença, pois foi ele, “olhos nos olhos” dos depoentes

policiais, quem recolheu as impressões de verdade ou falsidade do depoimento.

7.11 Princípio da oralidade. Este princípio tem familiaridade com o tema

porque é oralmente que se colhe o depoimento policial.

7.12 Princípio da não auto-incriminação. Sua ligação com o depoimento de

policiais (que participaram de produção de prova contra o réu) consiste na hipótese

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de não ser ele obrigado a confessar infração penal que não cometeu ou não da

forma como o acusam.

8. Do estudo, convence-se pela desvalia do depoimento policial, como prova

suficiente à condenação. Não por cuidar-se da qualidade de policial, mas pela sua

participação na diligência incriminadora e, conseqüentemente, seu interesse em

legitimar a eficiência e lisura de seu trabalho. Ora, “Por idôneo, honesto e correto

que seja o policial, se participou da diligência contra o acusado, ao servir de

testemunha contra ele, no fundo está procurando legitimar sua própria conduta, o

que juridicamente é inadmissível”, conforme o pensar da corrente jurisprudencial

que pugna pela desvalia dos referidos depoimentos. Ainda, no dizer de Tito

CÓRDOVA

A polícia atua em função de produtividade, isto é, visando justificar atividade mediante cifras de interesse mais quantitativo que qualitativo. Isso se explica, porque é mais fácil combater os miseráveis do que os poderosos, além de não se correr o risco de não trabalhar em vão, tendo em conta que as pressões protetoras do poder são inimigas de um trabalho policial honesto e hábil (1979, p. 13).

Sustentar condenação em depoimentos de policiais em tais circunstâncias,

sem respaldo em outras provas, como testemunhas alheias ao quadro policial, ou

prova científica, seria violar o sistema acusatório e diversos princípios norteadores

do processo penal, já que a desigualdade de armas torna difícil ou impossível a

defesa em toda sua plenitude.

Por tais razões, os depoimentos desses policiais, divorciados de outros

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elementos de prova, não podem sustentar a condenação do acusado, sob pena de

violação do sistema acusatório e diversos princípios do processo penal, pois é o

Estado que investiga, acusa e julga.

Conclui-se, portanto, em face do sistema acusatório, e pelas limitações

impostas pelo princípio do livre convencimento motivado, e da vedação de outros

princípios, pela “não-condenação com suporte exclusivo em depoimentos de

policiais que efetuam diligências contra o réu”.

Finalmente, sugere-se a necessidade de o acusado contraditar o policial-

depoente, na audiência, argüindo-lhe o interesse pessoal no coroamento de suas

diligências, recusando-o como testemunha por suspeita de parcialidade, nos termos

do art. 214 do Código de Processo Penal. A fim de que, acolhida a contradita, o

policial-depoente seja aceito como mero informante, não testemunha, e sua palavra

seja valorada com outros elementos de prova.

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