Van Villela Vieira Enviado em: Protocolo ...

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De: Enviado em: Para: Cc: Assunto: Anexos: Prezados, Van Villela Vieira <[email protected]> terça-feira, 6 de julho de 2021 14:40 Protocolo Ademir Pereira Junior Protocolo - Ato de Concentração nº 08700.000726/2021-08 DOC 01 - Parecer Econômico.pdf; Neo_Apresentação_Parecer Econômico.pdf Na qualidade de representante da Associação NEO, encaminho petição e Parecer Econômico (DOC 01), ambos públicos, para protocolo nos autos do AC 08700.000726/2021-08 (Requerentes: Oi S.A., Claro S.A., Telefônica Brasil S.A. e TIM S.A.): Obrigado, Van Villela Vieira T 55 11 3030 9000 / [email protected] Av. Brigadeiro Faria Lima, 2012 - andar - CEP 01451-000 - São Paulo - SP SHN Quadra 1- Lote A - Bloco A - Cj. 1516 - CEP 70701-010 - Brasília - DF www.ajdc.com.br ATTORNEY-CLIENT PRIVILEGE AND CONFIDENTIALITY NOTICE: This message may contain information that is privileged and confidential. lf you have received this message in errar, please notify the sender by replying to this message and then delete it immediately. ln this case, please refrain from copying or disclosing the contents of this message. Thank you. AVISO DE CONFIDENCIALIDADE E DE RELAÇÃO CLIENTE-ADVOGADO Esta mensagem contém informações que podem ser objeto de confidencialidade e de relação cliente-advogado. Se você não é o destinatário desta mensagem, por favor, notifique o remetente e delete esta mensagem imediatamente. Neste caso, não copie ou divulgue o conteúdo desta mensagem. Obrigado.

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De: Enviado em: Para: Cc: Assunto: Anexos:

Prezados,

Van Villela Vieira <[email protected]> terça-feira, 6 de julho de 2021 14:40 Protocolo Ademir Pereira Junior Protocolo - Ato de Concentração nº 08700.000726/2021-08 DOC 01 - Parecer Econômico.pdf; Neo_Apresentação_Parecer Econômico.pdf

Na qualidade de representante da Associação NEO, encaminho petição e Parecer Econômico (DOC 01), ambos públicos, para protocolo nos autos do AC nº 08700.000726/2021-08 (Requerentes: Oi S.A., Claro S.A., Telefônica Brasil S.A. e TIM S.A.):

Obrigado, Van Villela Vieira

T 55 11 3030 9000 / [email protected] Av. Brigadeiro Faria Lima, 2012 - 9º andar - CEP 01451-000 - São Paulo - SP SHN Quadra 1- Lote A - Bloco A - Cj. 1516 - CEP 70701-010 - Brasília - DF www.ajdc.com.br

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110 ADVOCACIAJOSÉ m·m DELGIIARO

ILUSTRÍSSIMO SENHOR DOUTOR ALEXANDRE MACEDO, SUPERINTENDENTE-GERAL DO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE

CORDEIRO CONSELHO

APENAS VERSÃO PÚBLICA

Ato de Concentração nº 08700.000726/2021 -08

ASSOCIAÇÃO NEOTV ("NEO"), já qualificada nos autos em epígrafe, regularmente

admitida como terceira interessada nos termos do Despacho SG 605 (SEI nº 0896160),

vem, respeitosamente, por seus advogados, apresentar o Parecer Econômico anexo

(DOC 01 ), elaborado pelos Professores Camila Cabral Pires Alves, Luiz Carlos Delorme

Prado e Eduardo Pontual Ribeiro, para auxiliar esta Superintendência-Geral na análise da

aquisição da Oi Móvel por Claro, Telefônica e TIM (a "Operação").

Av. Brigadeiro Faria Lima, 2012 - 9º andar - São Paulo-SP - CEP 01451-000 TEL (11) 3030-9000 - FAX (11) 3030-9037

Setor Hoteleiro Norte - Quadra I - Lote A- Cj.1516- Brasília-DF- CEP 70701-010 TEL (61) 3328-1857 - FAX (61) 3327-7779

Page 3: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

1111 ADVOCACIAJOSÉ nn1 DELCTilARO

1. Como explicado pela NEO em suas manifestações de habilitação como terceira

interessada 1, a Operação será um divisor de águas para o mercado brasileiro de SMP,

uma vez que, caso seja aprovada como propostas pelas Requerentes, resultará em

aumento significativo da concentração deste mercado, incremento substancial das

barreiras à entrada e à expansão e condições para a coordenação entre o TTC.

2. A despeito desses nítidos efeitos anticompetitivos, as Requerentes buscam

convencer o CADE de que nenhuma preocupação concorrencial adviria da Operação.

Para isso, sem apresentar qualquer dado ou estudo específico ao contexto do setor

de telefonia móvel brasileiro, as Requerentes se valem de relatórios elaborados pela

GSMA2, uma associação global de prestadoras de telefonia móvel, e da existência de

movimentos de consolidação do setor de telefonia móvel em jurisdições estrangeiras

- em especial, por meio de operações que reduziram o número players de telefonia

móvel de quatro para três - para argumentar que haveria uma tendência "natural" de

concentração desse mercado em todo o mundo, o que teria gerado, em jurisdições

estrangeiras, aumento de investimentos em redes sem resultar em aumentos de

preços. Essa imagem, entretanto, não condiz com a realidade.

3. Para auxiliar na análise desta Superintendência-Geral ("SG"), portanto, a NEO

apresenta o Parecer Econômico anexo (DOC O 1 ), elaborado pelos Professores da

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Cam ila Cabral Pires Alves, ex

Economista-Chefe Adjunta do CADE, Eduardo Pontual Ribeiro, ex-Conselheiro do

CADE, e Luiz Carlos Delorme Prado, ex-Conselheiro do CADE.

4. Com o explicado pelos Professores, o Parecer Econômico "tem como objetivo analisar

[ ... ] argumentos de relação positiva entre concentração, preços e investimentos

permitindo melhoras de qualidade do serviço, discutindo sua base teórica, bem como

sua validade à luz de ampla revisão da literatura internacional, em particular

europeia", e discorre, para tanto, "sobre os aspectos metodológicos, as diferentes

conclusões obtidas para os efeitos estimados (em preço, investimento e qualidade),

sem deixar de lado as questões regulatórias e da dinâmica concorrencial mais

diretas e particulares ao Brasi/"3. A ampla e detalhada revisão realizada no Parecer

1 Documentos SEI nº 0892684 e 0899858.

2 "Assessing the case for in-country mobile consolidation", disponível em:

https ://www.gsma.com/publicpolicy/wp-content/uploads/2015 /O 5 / Assessing the case for in-country mobile consolidation.pdf e "Mobile market structure and performance in Europe - Lessons from the 4G era", Disponível em: https://www.gsma.com/publicpolicy/resources/mobile-market-structure-and­performance-in-europe. 3 .

Vide p. 2.

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Econômico aponta que operações "4 para 3" na telefonia móvel, como a Operação

ora em análise, resultaram nos seguintes efeitos:

• Preços: "vemos que na maioria dos estudos os efeitos são de aumento de preços"4

• Qualidade: "os estudos não apontam para uma direção clara. excluindo o resultado de um aumento de qualidade. ( . .) Mesmos nestes casos de aumentos de qualidade. as dimensões de qualidade estudadas são bastante limitadas. a saber. velocidade de download'5

• Investimento: "Em qeral os resultados são de redução de investimentos na média dos operadores do mercado para as operações estudadas''6

5. De fato, além de verificarem que uma revisão de literatura sobre operações "4 para

3" não permite chegar às mesmas conclusões alegadas pelas Requerentes quanto à

geração de aumento de investimentos em redes sem aumentos de preços ao

consumidor final, os Professores destacam no Parecer Econômico que a presente

Operação "possui características preocupantes do ponto de vista concorrencial em

comparação aos mercados nos países europeus"7, onde ocorreram diferentes

operações "4 para 3" na telefonia móvel, uma vez que:

(i) na Europa há maior participação de MVNOs;

(ii) mercados no Brasil contam com concentração tão grande ou maior que na Europa;

(iii) na Europa há mercados com entrantes recentes (o que não se verifica no Brasil);

(iv) há no Brasil extensa rede de acordos de RAN Sharing entre as empresas envolvidas na operação, o que reduz em grande parte os benefícios de otimização de rede entre empresas, talvez em maior grau do que na Europa;

4 . Vide p. 30.

5 . Vide pp. 30-31.

6 . Vide p. 31.

7 . Vide p. 36.

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(v) a renda per capita no Brasil é muito menor do que a europeia, o que implica que preços baixos são muito mais importantes no Brasil (para ampliar o acesso a esses serviços) do que na Europa"8

6. Assim, com o intuito de contribuir com a análise desta Operação, a NEO

respeitosamente requer a juntada do Parecer Econômico anexo (DOC 01) e

permanece à disposição desta SG para apresentar esclarecimentos adicionais.

7. Por fim, considerando que a Operação implica riscos gravíssimos à concorrência no

mercado de SMP e não gera eficiências que possam com pensar tais riscos, a NEO

respeitosamente reitera sua solicitação de que esta SG não aprove a Operação como

proposta pelas Requerentes.

Termos em que pede deferimento,

De São Paulo para Brasília em 06 de julho de 2021

EIRA J R

8 . Vide pp. 36-37.

4

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Parecer Econômico

Concorrência em mercados de telefonia móvel: o que a experiência internacional pode nos dizer sobre os possíveis

efeitos concorrenciais de fusões?

Camila Cabral Pires Alves

Luiz Carlos Delorme Prado

Eduardo Pontual Ribeiro

Objeto: Ato de Concentração no AC 08700.000726/2021-08.

1. Introdução

Problemas financeiros em uma das importantes operadoras de serviços de

telefonia no Brasil- a Oi - que levaram a sua recuperação judicial, obrigaram esse grupo,

em decorrência de decisão judicial, a alienar ativos de sua operação de telefonia móvel.

No leilão judicial, esses ativos foram adquiridos, em conjunto, por seus três maiores

concorrentes: Claro, Vivo e Tim. Conforme previsto no Contrato, os ativos que formam

a UPI Ativos Móveis serão segregados em 3 (três) sociedades de propósito específico

("SPE"), de modo que cada uma das Compradoras deverá adquirir, no fechamento da

Transação, a totalidade das ações de uma única SPE detentora do conjunto de ativos

específicos que lhe couber, de acordo com plano de segregação acordado entre as

Compradoras.

1

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Esta transação tem como consequência o aumento expressivo da concentração e

a redução do número de players de telefonia móvel de quatro operadoras para três

operadoras de grande porte (MNO's na sigla em inglês) nos mercados relevantes afetados

pela operação. Além disso, observa-se uma reordenação do mercado, acordada entre os

concorrentes, para a divisão dos ativos entre as operadoras nos mercados relevantes.

Entretanto, conforme alegam as requerentes: (i) não haveria aumento significativo de

concentração no mercado de telefonia móvel no Brasil em decorrência da operação e; ii)

há potencialmente ganhos de eficiência que seriam repassados para os consumidores.

Em particular, as requerentes apresentaram, em sua notificação inicial ao Cade1,

argumentos favoráveis à operação derivados de estudos realizados para a indústria na

Europa (Frontier Economics, 2015;GSMA, 2020)2, tais como o de que mercados de 3

players na Europa proporcionaram melhor desempenho em investimento e em qualidade

do que mercados de 4 players, sem aumentos de preços, e o de que existiria uma relação

positiva entre aumento da concentração e investimento, por conta de maiores margens

esperadas após a operação. Nesse sentido, afirmam as requerentes: "Não há evidências

empíricas recentes a apontar correlação positiva relevante entre concentração e preço no

mercado de SMP (pelo contrário, estudos empíricos preparados em jurisdições em que

houve consolidação no mercado mostram a existência de importantes eficiências advindas

deste processo)." (p. 3)

Esta Nota Técnica, solicitada pela Associação NEO, tem como objetivo analisar

esses argumentos de relação positiva entre concentração, preços e investimentos

permitindo melhoras de qualidade do serviço, discutindo sua base teórica, bem como sua

validade à luz de ampla revisão da literatura internacional, em particular europeia. Além

disso, a experiência destes países traz importantes lições sobre o que esperar do efeito em

preços pela extensão de avaliações ex-post de operações. Esta Nota Técnica discorrerá,

ainda, sobre os aspectos metodológicos, as diferentes conclusões obtidas para os efeitos

1 Formulário de notificação - AC 08700.000726/2021-08. 2Frontier Economics (2015) Assessing the case for in-country mobile consolidation: A report prepared for the GSMA 2015. Disponível em https://www.gsma.com/publicpolicy/wp­content/uploads/2015/05/Assessing the case for in-country mobile consolidation.pdf mobile consolidation.pdf e GSMA (2020) Mobile market structure and performance in Europe- Lessons from the 4G era. Disponível em https://www.gsma.com/gsmaeurope/news/mobile-market-structure-and­performance-in-europe-2/

2

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estimados (em preço, investimento e qualidade), sem deixar de lado as questões

regulatórias e da dinâmica concorrencial mais diretas e particulares ao Brasil.

Para isso, a Nota Técnica começará discutindo, na seção 2, como se dá a

concorrência em telefonia móvel; na seção 3 tratará de questões teóricas da relação entre

concentração e inovação; na seção 4 discutirá as experiências das operações de telefonia

móvel na Europa e nos EUA através de avaliações ex-post. Finalmente, a seção 5 será

uma conclusão.

2. Como se dá a Concorrência em Telefonia Móvel

O objetivo da concorrência sob ponto de vista da empresa é distinto do objetivo

da concorrência como instrumento de política pública. Neste último caso, promove-se ou

protege-se a concorrência para produzir determinados resultados esperados na teoria que

têm o caráter de beneficiar a coletividade, através de aumento do bem-estar dos

consumidores. No primeiro caso, ou seja, para a empresa, concorre-se para obter

vantagem competitiva - ou seja, para aumentar a capacidade de gerar lucro para seus

acionistas ou proprietários através de atributos internos da empresa, suas relações com

clientes e concorrentes e, finalmente, sua capacidade de incorporar inovações que

reduzam seus custos e/ou aumentem suas receitas. Quando o objetivo da política pública

e o objetivo da empresa privada convergem temos a situação retratada na literatura

econômica de concorrência possível - Workable competition 3.

No entanto, em determinados mercados, a relação entre a dinâmica privada da

concorrência e o interesse público é bem mais complexa e, normalmente, espera-se um

olhar mais atento do Estado, através de agências reguladoras ou de um escrutínio mais

próximo por parte das autoridades de defesa da concorrência. Este é o caso dos mercados

de telefonia móvel, que historicamente trouxe grandes desafios para reguladores e para

3 Workable Competition é definida por J.S. Bain da seguinte forma: "The term workable competition was coined to denote competition that may be considered as leading to a reasonable or socially acceptable approximation of ideal performance in the circumstances of a particular industry". Ver verbete "W orkable Competition" na Encyclopaedia Brittanica, de autoria de Bain, disponível em https ://www.britannica.com/topic/monopoly-economics/W orkable-competition acesso 07/06/2021.

3

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as agências de defesa da concorrência. Uma atenção às peculiaridades desse setor é, nesse

sentido, essencial para decisões tanto das agências de defesa da concorrência como para

as agências reguladoras. Esta seção tratará de analisar os principais elementos que se

destacam para a análise da dinâmica concorrência em telefonia móvel.

Os mercados de telefonia móvel operam em uma infraestrutura de rede que deve

ser criada pelas operadoras de telefonia móvel ( ou MNOs na sigla em inglês de mobile

network operators). Para isso, essas empresas têm de realizar elevados investimentos

prévios ao início de sua operação. Esses investimentos são exigências que decorrem da

necessidade de terem licença para terem acesso a espectro, que é um recurso escasso. A

obtenção de licenças de acesso a espectro é uma barreira à entrada elevada que depende

das exigências estabelecidas pelas autoridades regulatórias nacionais. Essas licenças são

concedidas com condições - essas podem ser compromissos de qualidade de serviço,

cobertura geográfica, ou compromissos de investimento. 4 Além disso, a tecnologia que

é usada está embutida no equipamento adquirido.

Construir uma rede de telefonia móvel implica na construção ou aluguel de

antenas para transmissão de sinais, construção de dutos para transmissão de cabos,

montagem de equipe de instalação e manutenção dos equipamentos, montagem de equipe

para administrar os contratos, comercializá-los, e disputar clientes para obter um market

share que permita a amortização de seus investimentos e um retorno esperado. A telefonia

móvel passou rapidamente de um mercado baseado em propriedade estatal, ou forte

regulação, para um modelo de mercado menos regulado, onde a atuação das autoridades

antitruste passa a aumentar de importância em relação à agência reguladora. 5

O mercado de telefonia móvel é historicamente menos regulado do que o de

telefonia fixa. A telefonia fixa dependia de elevados investimentos em cabeamento das

ruas e, antes da difusão das redes de cabos lógicos, o monopólio da última milha era uma

imensa barreira à concorrência com as empresas incumbentes. Na telefonia móvel, no

entanto, o investimento concentra-se em: (i) construção da infraestrutura de rede (antenas

e sua interconexão); (ii) investimento em uma sofisticada tecnologia para gerir e

4 Ver, como exemplo, as diretrizes para licitação das faixas de frequências de 700 Mhz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz para o uso de tecnologia 5g: PORTARIA Nº 1.924/SEI-MCOM, DE 29 DE JANEIRO DE 2021. 5 Para uma descrição da relação entre concorrência e a infraestrutura de rede na telefonia móvel ver Nuchterlein, Jonathan E. & Wiser, Philip J. , Digital Crossroads, American Telecommunications Policy in the Internet Age, MIT Press, 2005, chapter 8.

4

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transmitir as comunicações de milhões de usuários de telefonia móvel. Essa infraestrutura

de rede ( a construção de antenas e sua interconexão) depende de autorização nos

municípios, além dos custos de instalação, e além disso, depende de uma tecnologia

avançada de sistemas nas estações de base. A conexão do consumidor com a rede não é

tão problemática como na telefonia fixa, já que não depende de cabos, mas de espectro

eletromagnético. O acesso ou a alocação desse espectro, entretanto, é barreira importante

à entrada nesse mercado.

Portanto, a concorrência no mercado de telefonia móvel depende, em primeiro

lugar, das regras de concorrência e metas estabelecidas pelas agências reguladoras- ou

seja, objetivos a serem cumpridos, padrões tecnológicos aceitos, regras de precificação

de serviços, investimentos e tipos de infraestrutura exigidas no processo de licitação ou

autorização de uso de espectro. Em segundo lugar, a concorrência vai depender de fatores

de demanda e oferta definidos localmente. Em terceiro lugar, a concorrência dependerá

da estrutura de mercado, do número de operadores no mercado (MNOs ), de provedores

de serviços (PS) e suas capacidades e incentivos de rivalizar. Em quarto lugar, mas não

menos importante, a concorrência dependerá das políticas das autoridades de defesa da

concorrência - ou seja, quanto à possibilidade apenas de crescimento orgânico ou de

crescer via fusões ou aquisições de concorrentes; da rigidez das implementações de

Processos Administrativos em decorrência de condutas, etc.

Dessa forma, ao analisar as condições de concorrência nessa indústria deve-se

considerar, principalmente, os seguintes fatores: (i) as condições institucionais em que a

concorrência se dá - ou seja, os parâmetros definidos para atuação dos agentes

econômicos a partir das políticas de concorrência das autoridades reguladoras e das

autoridades de defesa da concorrência; (ii) o grau de concentração do espectro; (iii) o grau

de rivalidade e/ou o poder de mercado desses players e sua capacidade de competir.

Na última década, houve um importante número de fusões e aquisições de

operadoras de telefonia móvel em algumas jurisdições. No entanto, esse processo de

concentração tem sido sistematicamente questionado. Cada vez que há uma redução no

número de players de 5 para 4, e, especialmente, de 4 para 3, há sempre argumentos a

favor e contra essas operações. Como veremos na seção 4, as evoluções dos mercados

possuem suas particularidades, com entrada de empresas, inclusive como resultado de

duros remédios aplicados por autoridades antitruste. Ainda, ao contrário de qualquer

5

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possível argumento genérico, em muitos casos não foram autorizadas as reduções de 4

para 3 operadores, ou só foram autorizadas com fortes restrições. 6 Portanto, esse processo

de concentração é, no mínimo, controverso.

Assim, a ideia de um número ótimo de players é sem sentido, já que os mercados

dos diversos países não são similares e os problemas concorrenciais e regulatórios podem

ser muito diferentes dependendo das características dos diversos países e dos diversos

mercados. Além disso, o impacto da redução do número de players no mercado depende,

entre outras coisas, do grau de concentração pré-existente, visto que a redução de MNOs

pode alterar pouco ou muito a concentração dependendo do tamanho das empresas

envolvidas na operação.

A ideia de que há um número de players ótimo a ser perseguido não é considerada

nem na União Europeia, quem dirá em países fora do contexto europeu. Em estudo, a

Ofcom (2020, p.4), agência reguladora no Reino Unido, reforça:

"Jt is important to emphasize that - in our view - there is no magic

number of MNOs for a well-functioning, competitive, mobile market.

Whilst Ofcom has acted to maintain the existing leve! of competition in the

UK market in previous policy decisions, we recognize that the consumer

impact of any potential future consolidation would be specific to the

transaction itself, and dependent on a range of factors - including market

conditions prevalent at the time and in the country of the transaction. As a

result, while empirical analyses [. .. ] can be informative to the debate, each

potential future consolidation must be considered on its own merits ".

Ademais, para citar o caso específico da União Europeia, a essência dos debates

envolvendo a realização de operações de 4 para 3 foi apontada pela Conselheira

Margarethe Vestager da Comissão Europeia que afirmou que não há números mágicos de

6 Por exemplo, no caso H3- Telefonica no Reino Unido a operação foi rejeitada ( embora, tenha sido posteriormente liberada no judiciário em 2020); no caso de 2016 H3 Italy - Wind-JV foi autorizada com a obrigação de garantia de entrada de uma quarta MNO.

6

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players e que, no desenho de remédios, o que é efetivo para enfrentar os efeitos de um

processo de concentração em um caso, pode não ser igualmente efetivo em outro. 7

Algumas observações em relação aos fatores institucionais merecem ser

destacadas. Como dito anteriormente, a dinâmica concorrencial em telecomunicações

passou por modificações em decorrência de mudanças tecnológicas e regulatórias.

Originalmente o serviço de telecomunicações era visto como um monopólio natural

sujeito a regulação setor-específica onde o espaço de atuação fora de normas rígidas

estabelecida pelas autoridades regulatórias era restrito. Em decorrência da convergência

tecnológica nas telecomunicações, a ênfase da política de promoção de concorrência

deixou de centrar-se na regulação ex-ante e passou a aumentar a ênfase do uso de políticas

antitruste, em um ambiente de crescente desregulação.

No entanto, o equilíbrio entre essas duas políticas - ou seja, de regulação ex ante

e de defesa da concorrência - é distinto em diferentes jurisdições. Os EUA tendem a ser

o mercado mais desregulamentado, a Europa tem uma posição intermediária, embora

com desregulação crescente, e o Brasil, que tem muitos problemas especificas de um país

em desenvolvimento, com grandes diferenças regionais e uma das piores distribuição de

renda do mundo, exige um grau maior de intervenção ex-ante do Estado. 8 Além disso,

nas diversas jurisdições, a regulação econômica ex-ante pode ter objetivos distintos - o

que traz consequências para a dinâmica da concorrência nesses mercados.

Em especial, as políticas de regulação em telecomunicações na União Europeia

foram muito influenciadas pela importância da constituição de um mercado único

integrado na região, onde previamente predominavam monopólios ou oligopólios

nacionais. A União Europeia tem historicamente os seguintes objetivos nas suas políticas

públicas para concorrência (regulatória e concorrencial) para o mercado de telefonia

móvel: (i) A criação de um mercado integrado para tecnologia de telecomunicações e

serviços de telefonia móvel no conjunto da União Europeia; (ii) Usar a concorrência para

7 Ver Vestager M (2015) "Competition in Telecom Markets" (42nd Annual Conference on International Antitrust Law and Policy, Fordham University, 2 October 2015). https://ec.europa.eu/competition/speeches/index_2015.html.Ver,também,o artigo de Tyagi,Kalpana, Four­to-Three Telecoms Mergers: Substantial Issues in EU Merger Control in the Mobile Telecommunications Sector, IIC - International Review oflntellectual Property and Competition Law volume 49, pages185-220 (2018) ver pgs.186. 8 Para uma história das políticas públicas e economia das telecomunicações nos EUA ver o interessante livro de Sterling, C, Bernt, P. & Weiss, M, Shaping American telecommunications : a history of technology, policy, and economics, Lawrence Erlbaum Associates, Inc., Publishers, N.Jersey, 2006.

7

Page 13: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

promover a contínua introdução de novas tecnologias de comunicação e manter a Europa

na liderança no uso intensivo das diversas gerações tecnologias de rede. Portanto,

atualmente o objetivo é avançar rapidamente para viabilizar investimentos no mercado

emergente de 5G.

Assim, como esperado, a partir dessas diretrizes, o ambiente concorrencial no

setor de telecomunicações da União Europeia passou por mudanças profundas nos

últimos 25 anos. Ao longo deste século foram criadas condições para surgimento de um

mercado integrado comunitário, crescentemente competitivo. As mudanças promovidas

pela Comissão Europeia iniciaram-se com o Green Paper on Telecommunications de

1987.9 Esse documento observou que os países da União Europeia estavam defasados em

tecnologia de informação e precisavam abrir o setor de telecomunicações, atualizando as

condições de concorrência e atualizando a regulação para abrir novas oportunidades. A

partir do diagnóstico realizado, a União Europeia empreendeu uma estratégia que tinha

por objetivo criar uma avançada infraestrutura comum de telecomunicações no conjunto

da Comunidade, unificar os mercados para equipamentos, terminais e serviços de

telecomunicações e, finalmente, criar um ambiente concorrencial que promovesse a

competitividade da indústria e dos serviços de telecomunicações na região. 10 As reformas

que foram implementadas produziram resultados muito positivos em relativamente pouco

tempo, e já em 2000 a União Europeia, que estava substancialmente atrás em número de

acessos por 100 habitantes com relação aos EUA, ultrapassa esse país tanto na telefonia

fixa, como na móvel. 11

Por 15 anos, entre 2003 e 2018, a União Europeia manteve o mesmo marco

regulatório 12, com um processo contínuo de flexibilização e desregulação, sendo que a

regulação setor-específica só foi mantida em mercados onde se mostrava que firmas

exerciam um poder de mercado significativo. Desta forma, em 2018, a regulação estava

9 Ver Commission ofthe European Communities, Towards a dynamic European Economy - Green Paper on the development ofthe common market for telecommunications services and equipment,, Brussels, 30 Junho 1987. 10 Ver Commission of the European Communities, Green Paper, On the Development of the Common Market for Telecommunications Services and Equipment,Report on the State oflmplementation, Brussels, Luxembourg, 1989. 11 Em 2000 a EU-15 ultrapassa os EUA em acessos de telefonia fixa e móvel, em 2002 a EU-28, que inclui os países que se transformaram em membros plenos da EU depois de 2004, alcançaram os EUA. Ver Cave, Martin; Genakos, Christos, e Tomaso Valletti, The European Framework for Regulating Telecommunications: A 25-year Appraisal, Review oflndustrial Organization (2019) 55:47-62, pg.49. 12 Framework Directive 2002/21/EC e a Access Directive 2002/19/EC

8

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restrita a um pequeno número de mercados de atacado, em que qualquer operador com

poder de mercado era obrigado a prover acesso de interconexão para seus concorrentes.

Apesar disso, Cave, Genakos e Valleti (2019, p. 51)13 apontam que dois desafios

permaneceram: (i) a harmonização e uma maior integração dos Mercados Europeus - ou

seja, enfrentar as diferenças que permanecem entre os diferentes mercados dos países

europeus; (ii) a abordagem regulatória foi mais eficiente em alcançar eficiências estáticas

do que em estimular uma transição dinâmica para novas gerações e infraestrutura que

requerem um considerável investimento adicional. A partir da identificação desses

problemas uma série de documentos recentes da UE e a nova legislação europeia tentam

enfrentar estas questões. 14

Desde o surgimento da terceira geração tecnológica (3G), que foi a primeira

desenvolvida para transmissão de dados, e não apenas de voz, o desenvolvimento

tecnológico desse serviço se centrou na velocidade e capacidade de transmissão de

informações. Nessa passagem os governos aumentaram o número de licenças para

aumentar a concorrência, e muitas autoridades reguladoras centraram a licitação de

licença na seleção das firmas que atendessem determinados objetivos, ( como, por

exemplo, cobertura geográfica, preço, qualidade), diferente dos EUA cujas licitações

baseavam-se exclusivamente em leilões de espectro (Cave et al, 2018 p.56). A

ultrapassagem da telefonia fixa pelo mercado de telefonia móvel trouxe, ainda, novos

desafios. As Agências Nacionais na Europa regulavam principalmente o varejo, mas para

que os preços se mantivessem baixos nessa área era necessário manter baixo também o

preço de atacado que era regulado no nível comunitário. Para isso, o caminho na Europa

foi unificar o mercado acabando com o roaming. Depois de um processo que se iniciou

em 2007, em junho de 2017 todas as tarifas de roaming foram abolidas - e toda a União

Europeia tornou-se um mercado doméstico para fins de roaming.

Nos EUA, como na Europa, o mercado de telefonia que era originalmente

considerado um monopólio natural passa a ser progressivamente desregulado a partir da

13 Cave, M., Genakos, C. & Valletti, T. The European Framework for Regulating Telecommunications: A 25-year Appraisal. Review of Industrial Organization 55, 47-62 (2019). https://doi.org/10.1007/slll51-019-09686-6 14 Cave, Genkos e Valleti, 2018 apontam que o European Eletronic Communicatios Code (EECC) de 2018, que altera o marco regulatório de 2003, e várias Recomendações e Diretrizes para as Redes de Nova Geração tem por objetivo enfrentar a falta de investimento em rede na União Europeia.

9

Page 15: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

década de 1980. 15 Mas o momento de maior mudança foi o Telecommunication Act de

1996, que apontou na direção de aumentar a concorrência nos serviços de telefonia. Nessa

época, a principal preocupação era com o mercado de telefonia fixa, e o mercado de

telefonia móvel estava, ainda, nos primórdios. O grande debate na década de 1980 sobre

telefonia móvel era se o FCC - Federal Communication Commission ou o mercado

deveria estabelecer o padrão tecnológico desse serviço. 16 Seguindo um caminho diferente

da Europa, os EUA permitiram que a concorrência definisse o modelo tecnológico a ser

seguido no país. Na década de 1990 três sistemas incompatíveis disputavam a liderança

no país: o GSM, o TDMA e o CDMA. Essa decisão atrasou o desenvolvimento do

mercado norte-americano,já que a única forma do consumidor passar de um sistema para

o outro era comprar um novo celular, enquanto na Europa foi estabelecido que o standard

seria apenas o GSM. Em outras palavras, o modelo que seguiu os EUA foi o de

desenvolver o mercado de telefonia móvel através de um modelo de política que foi

chamado de market-oriented, jlexible spectrum policy. 17 Esse modelo se opõe à política

de promover uma tecnologia homogênea que segue uma única trajetória tecnológica,

definida pelo regulador, como no caso da Europa com o GSM. No mercado de telefonia

móvel nos EUA, o principal papel da autoridade é apenas a licitação de espectro, sendo

um modelo de menor interferência do Estado do que o Europeu ou o brasileiro. As

políticas de alocação de espectro e de estabelecimento de um teto no acesso ou no uso

desse espectro é um importante instrumento de política de concorrência nesse país.

Diferente da União Europeia, que tinha a preocupação de estimular a formação de um

Mercado Unificado na região, a preocupação dos EUA é criar um mercado competitivo

e, acessoriamente, resolver os problemas da assimetria de acesso de telefonia móvel de

qualidade nas diversas regiões do país e setores da população.

15 Até 1984, a AT&T dominava o mercado de serviços de telecomunicações e a indústria de equipamento de telecomunicações nos EUA. O governo considerava a empresa um provedor de serviço que era, na prática, um monopólio natural nas áreas que atuava. Contudo seus lucros eram sujeitos a regulação de taxa de retomo cuja a origem foi um acordo com o DoJ em 1913, posteriormente codificado em regulação de 1934. Ver Turk, J.Isaak & Montes, Sabrina, The US Telecommunications Services Industry: Assessing Competitive Advantage, ESA/OPD 95-4, 1995, p.11. 16 Em 1988 o FCC decidiu que "We believe it would be premature for the Commission to intervene in the standard setting process. Industry is in a better position to evaluate the technical advantages and disadvantages of the various advanced cellular technologies and develop approaches to compatibility" ver Sherille, Ismail, Transformative Choices: A Review of 70 Y ears of FCC Decisions, FCC Staff Working Paper 1, 2010, p.18. 17

- Ver Home, David, Market-Oriented Spectrum Policy Evolution in the United States: Regulatory History from Cellular to PCS, Intel Corporation, Global Public Policy, April 6, 2009

10

Page 16: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

Já a telefonia móvel no Brasil teve uma importância maior que em países de renda

elevada, pelo seu papel de ampliação do acesso a serviço de telefonia no país. Em 2021,

90, 11 % da população está em municípios com serviço de internet móvel, sendo que a

previsão é que até 2023, 98,65% da população seja coberta por esse serviço, sendo que,

no Brasil, 75% dos acessos de telefonia móvel são através de tecnologia 4G. Os acessos

de tecnologia fixa no Brasil são de 23,3 milhões, enquanto os de telefonia móvel são de

235,4 milhões (dados de janeiro de 2021) 18. Portanto, os serviços de telecomunicações

no Brasil têm na telefonia móvel seu esteio, tanto para acesso de voz, como para banda

larga. Por essa razão, os leilões de espectro no Brasil são realizados com metas de

cobertura e contrapartidas estabelecidas pelas autoridades regulatórias. Diferentemente

do caso norte-americano, parte importante dos investimentos em tecnologia usada pelas

empresas telefônicas são estabelecidas como compromissos por ocasião dos leilões de

espectro. Além disso, não há no Brasil uma política industrial, de orientação tecnológica,

embutida na ampliação dos serviços de telefonia, como no caso europeu.

A política de telecomunicação no Brasil tem o papel de integrar o mercado

nacional, ampliar o acesso a populações de baixa renda e de áreas menos rentáveis. No

caso brasileiro, a qualidade dos serviços é regulada, e o preço é uma variável importante

em vista da renda média inferior a jurisdições como a da União Europeia. Em princípio,

não é uma boa alternativa para a realidade brasileira permitir um ambiente concorrencial

menos competitivo - e, portanto, preços mais elevados - em troca de serviços

supostamente melhores e maior investimento. Ao contrário, o que é importante para a

realidade brasileira é a ampliação da área de cobertura com preços baixos, já que as áreas

de menor densidade populacional, fora dos grandes centros são, também, as de menor

renda total. 19 Nesse sentido, um ambiente com pressão competitiva e com políticas para

incentivar pequenos operadores em regiões pouco atendidas, como meios para acessar

espectro e usar, de forma complementar, a infraestrutura das grandes operadoras, pode

ser uma alternativa mais adequada à realidade brasileira. Embora a tecnologia 5G possa

alterar o cenário concorrencial, a alteração dos ciclos tecnológicos não possui nexo com

18 Dados do Panorama Setorial de Telecomunicações, janeiro de 2021. 19

- Um trabalho do IPEA de 2014, mostra que, mesmo se considerarmos a convergência das rendas per capita entre as regiões que estava ocorrendo na primeira década do século XXI, as regiões com menor renda - e menor densidade populacional - demorariam mais de 20 anos para alcançar a renda per capita equivalente a 75% da média nacional. Ver Cruz, Bruno de Oliveira, 2014 Dinâmica recente dos pibs per capita regionais: quanto tempo para chegar em 75% do pib per capita nacional? Boletim Regional, Urbano e Ambiental, n.9, Jan.-Jun. 2014, disponível em repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/5577 /1/BRU _ n09 _ dinamica.pdf, acesso junho 2021.

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Page 17: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

uma operação, no sentido de que não é a sua realização que viabilizará tais mudanças;

além disso, há bastante incerteza sobre como se dará a competição em 5G, e se haverá

um nível adequado de competição num futuro tangível. Novamente, destacam-se a

heterogeneidade nos diferentes mercados e regiões do país e do alcance das novas

tecnologias e, portanto, no que se espera desses serviços (melhores coberturas, melhor

velocidade, menores preços, etc.) em termos de desenho ideal regulatório.

Dentre as políticas regulatórias para expansão da rede e seus trade-offs para a

competição, vale comentar sobre os acordos de compartilhamento de rede (RAN

Sharing)2º, como os recentemente aprovados pelo CADE. Estes acordos podem reduzir a

pressão pela duplicação de investimentos em algumas regiões sendo justificados pelo

compartilhamento de infraestrutura. Destaca-se que a remuneração entre as partes se dá

na forma de troca, em que o acesso a algumas regiões da infraestrutura da operadora A

por parte da operadora B impõe contrapartida de oferta de infraestrutura da operadora B

para a operadora A em outras regiões. Apenas em casos de desequilíbrios de uso relativo

haveria pagamento monetário. O mecanismo de remuneração é tal que uma expansão da

concorrência em uma região por parte de B (usando mais infraestrutura de A) deve ser

compensada com expansão das operações de A em outra região operada por B. Por essa

razão, estes acordos não são acessíveis para operadoras de telefonia móvel regionais, que

não contam com infraestrutura instalada suficiente para permutar com as grandes

operadoras.

De outro lado, com relação aos acordos de compartilhamento de redes com

operadoras virtuais (MVNOs), uma expansão de concorrência por MVNO que utilize a

rede de uma MNO terá como contrapartida a perda de clientes por esta MNO, sem

compensação, a não ser financeira. O ofertante de infraestrutura, frente a ameaça de

concorrência, deve impor um preço às MVNOs que compense não só o uso da

infraestrutura (talvez ociosa), mas também e não menos importante, a perda de clientes e

margens dos serviços prestados aos consumidores finais (Aguzzoni e DiMartile, 2020).

Assim os custos para MVNOs se colocam mais altos do que o possível para uma

competição por clientes finais. Desta forma os incentivos da regulação são desalinhados

2° Casos Telefônica e Claro (08700.006656/2020-l l), Telefônica TIM (08700.006163/2019-39), TIM e Oi (08700.002276/2018-84) para considerar os casos mais recentes. As decisões apresentam os detalhes da remuneração e acesso nos casos.

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para que a infraestrutura compartilhada com MVNOs sejam economicamente viáveis para

sua expansão. Com isto as MVNOs apresentam mínima parcela de mercado no Brasil.

Esta seção teve o objetivo de pontuar sobre os principais elementos que definem

a dinâmica concorrencial nos mercados de telefonia móvel. As experiências regulatórias

e seus objetivos e ações, que refletem diferentes expectativas em torno de um cenário

concorrencial e regulatório desejável para o conjunto da sociedade, tornaram também

distintos os cenários e as formas nas quais as empresas atuam e exercem suas capacidades

competitivas e sua rivalidade. A capacidade de investimento é desejável, entretanto, a

ideia de que existe um inevitável trade-off entre incentivos para aumento de investimento

ou qualidade e concentração de mercado, e de que os primeiros seriam preponderantes

sobre os segundos na indústria- seja em configurações 4 para 3 em geral, seja no presente

caso - parece equivocada.

Para considerarmos a pertinência desses argumentos é necessário enfrentar, em

primeiro lugar, as questões teóricas na relação entre concentração de mercado e de fusões

e aquisições horizontais e investimento, o que será feito na próxima seção.

3. A relação entre concentração e investimento - bases teóricas

Uma parte dos argumentos levantados pelas requerentes é a existência de uma

possível relação positiva entre as operações realizadas em mercados de telefonia móvel

na Europa e um aumento de seus investimentos e da qualidade dos seus serviços. Esta

seção discutirá a literatura teórica que relaciona concorrência e investimentos em

inovação. Como parte do investimento realizado pelas operadoras no Brasil são

direcionados para introdução de melhorias da qualidade, e acompanhando a revisão

teórica dos estudos que trataram da relação empírica entre concorrência e investimentos

para telefonia móvel21, vamos tratar fundamentalmente da literatura que discute

investimentos em inovação, embora, conforme destacado acima, as operadoras de

21 São exemplos desses Genakos, C. et al. (2018). "Evaluating Market Consolidation in Mobile Communications." Economic Policy 33(93):45-100. Ofcom (2020). "Market structure, investment and quality in the mobile industry". Economics Discussion Paper Series, Issue Number 1.

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Page 19: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

telefonia celular, em sua maior parte, sejam compradoras de tecnologia e inovação de

outros setores e/ou países e não invistam de forma significativa em P&D interno, sendo

seus maiores gastos em inovação via aquisição de máquinas e equipamentos e P&D

externo. 22

Advêm da tradição do paradigma estrutura-conduta-desempenho os estudos que

tratam de testar a relação empírica entre a concentração ou tamanho das firmas ( como

medida de poder de mercado) e os incentivos e capacidade de investir em inovação, seja

no âmbito intersetorial como nas comparações intrasetoriais. Os seus resultados

empíricos não conseguem ser unânimes em definir uma relação positiva ou negativa

entre essas variáveis. As possíveis direções para as relações entre essas variáveis são

representadas, por um lado, pela "hipótese schumpeteriana" - de que maiores firmas ou

mercados mais concentrados teriam maior capacidade de inovar (por maior capacidade

de financiar a inovação, acesso a mão de obra especializada, etc.) -e, por outro, a posição

de Arrow (1962) 23, de que uma empresa com lucros substanciais não teria incentivo a

inovar, seja pela ausência de pressão competitiva, seja pelo interesse em proteger sua

posição temendo ações desestabilizadoras como a inovação, por exemplo. 24 Também

neste rol de trabalhos, encontram-se aqueles que encontram uma relação na forma de U

invertido entre concorrência e inovação, como em Aghion et al. (2005) 25.

Assim como os trabalhos empíricos, a literatura teórica, na sua maior parte,

relaciona concentração de mercado ou alguma proxy para concorrência e investimento e

inovação, mas não relaciona inovação com a realização de fusões e aquisições

22 Dados PINTEC 2017, do IBGE, cálculos dos autores para a CNAE - Telecomunicações (que envolve fixa, móvel, internet e TV cabo). O setor gasta 5,67% do faturamento em atividades de inovação e P&D. Destes gastos 3,79% são inovação via aquisição de máquinas e equipamentos e 1,87% P&D. 4/5 dos 5,67% são aquisições externas (P&D externo e Máquinas e Equipamentos). 23 Arrow, K. (1962). "Economic Welfare and the Allocation of Resources to Invention." ln The Rate and Direction of Inventive Activity: Economic and Social Factors, 467-92. Princeton, NJ: Princeton University Press. 24 Em Cohen, W. M., & Levin, R. C. (1989). Empirical studies of innovation and market structure. Handbook of industrial organization, 2, 1059-1107 e em Kamien, M. 1., & Schwartz, N. L. (1982). Market structure and innovation. Cambridge University Press. 25 Aghion, P., N. Bloom, R. Blundell, R. Griffith and P. Howitt (2005). 'Competition and innovation: an inverted-U relationship', Quarterly Journal of Economics, 120, 701-28.

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especificamente.26 Gilbert (2006., p. 204)27 conclui, ao revisar esta parte da teoria, que,

embora seja difícil obter conclusões robustas, é possível afirmar que "[t]he incentives to

invest in R&D incre ase with the profits that a firm can earn ar protect by innovating and

decrease with the profits that a firm can earn if it does not innovate" (p. 204) e que a

relação entre concorrência e incentivos a inovar28 dependerá da possibilidade da empresa

obter ganhos exclusivos da inovação ou não, podendo então ser positiva ou negativa,

respectivamente.

Estes estudos, entretanto, não consideram de forma completa as alterações de

incentivos geradas por uma operação, tal como estamos discutindo no caso em tela, mas

sim pela alteração de proxies de concorrência que afetam todo o mercado, tais como

concentração, número de empresas e outras medidas de poder de mercado) e o

investimento em inovação. Nesse sentido, afirmam Motta e Tarantino ( op. cit. p.2), a

literatura ( que relaciona concentração ou número de empresas e inovação) exposta até

aqui "analyses what happens to investment when some proxy variable for competition

relaxes symmetrically for all firms", enquanto que uma fusão ou aquisição "is an

inherently assymetric change: two firms combine their asset whereas the competitive

environment (for instance the toughness of competition ar the extent of product

differentiation) is otherwise the sarne". 29

Por sua vez, os esforços teóricos de analisar o efeito de fusões e aquisições

especificamente quanto aos incentivos a inovar são não só muito recentes, como também

apontam para resultados diversos. Esse último grupo de contribuições teóricas30 vai

discutir os incentivos a inovar a partir de efeitos de fusões e aquisições horizontais,

especialmente para inovações de produtos obtidas por esforços em P&D, mas não

somente, e consideram, entre outros efeitos, aquele decorrente da internalização com a

26 Para revisão ver Genakos et. al. op.cit., Motta e Tarantino (2018). The Ejfect of Horizontal Mergers, When Firms Compete in Prices and Investment, Working Paper. May, 2018. Disponível em: https://docs.google.com/viewer?a=v &pid=sites&srcid=ZGVm YXV sdGRvb WFpbnxldGFy YW50a W5vf Gd40jY4MTMyYzRkNjYxZmYwMDU 27 Gilbert, R. (2006). Looking for Mr. Schumpeter: Where Are We in the Competition--Innovation Debate?. Innovation policy and the economy, 6, 159-215 28 Para alguns tipos de inovação. 29 Ver debate também em Federico, G., Morton, F. S., & Shapiro, C. (2020), Antitrust and innovation: Welcoming and protecting disruption. Innovation Policy and the Economy, 20(1).pp. 135-6: "As one might expect, the narrative that "too much competition might be badfor innovation" has become popular among firms seeking to merge. However, that conclusion does not follow from a more careful reading of the literature". 30 Ver revisão em Federico et al (2020), op. cite Motta e Tarantino (2018), op.cit., por exemplo.

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Page 21: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

fusão dos chamados "business-stealing effect" de esforços inovativos realizados pela(s)

empresa(s) envolvida(s) na operação - ou seja, da internalização das vendas perdidas que

haveria com os novos ou melhores produtos ou processos resultantes da inovação - o que

altera os incentivos a inovar. O exercício analítico é análogo, portanto, ao que se realiza

nos exercícios de cálculo de taxas de desvio ou UPP para avaliar as pressões para aumento

de preços. Esse efeito pode ser medido a partir do innovation diversion ratio. De acordo

com Federico et. al. (2020, p.132): "This ratio is defined as the expected lost profits at

Firm A, caused by successful development of Product B, measured in proportion to the

expecte d extra profits Firm B would achieve from that success". Esse efeito depende dos

efeitos da quantidade e do preço do novo produto (B) sobre o produto A e da proximidade

dos produtos envolvidos. Assim, esse efeito é negativo ( ou seja, de reduzir os incentivos

a inovar com o produto B) no caso de inovações que envolvem a concepção de novo

produto de melhor qualidade ou melhorias em produto existente e que, portanto,

representam uma ameaça às vendas do produto A em decorrência do sucesso do novo

produto B, que será internalizada com a operação diminuindo o incentivo de inovar. Ou

seja, após a fusão, ao decidir sobre seu investimento em inovação, a empresa passa então

a considerar a perda de vendas do produto A para o produto B ( encarada pelos autores

como uma "taxa" que a firma fusionada irá enfrentar para realizar a inovação do produto

B, em decorrência da internalização do business-stealing effect). As eficiências e

sinergias específicas podem compensar essa redução de incentivo. 31

Há ainda trabalhos que tentam incorporar, além do business-stealing effect, a

interação dos efeitos unilaterais em preços dos produtos presentes e futuros e dos efeitos

unilaterais em inovação de uma fusão. Ou seja, uma fusão pode resultar em aumentos de

preço e margem sem a inovação, o que por sua vez irá aumentar o innovation diversion

ratio, e, assim, os efeitos em preço e em inovação se reforçariam em prejuízo aos

consumidores. Outro possível efeito seria pelo aumento do lucro incremental do novo

produto devido à redução da concorrência em preço (Federico et al, 2020, p. 163). Este é

o mecanismo específico por trás da alegação de que uma fusão que aumenta preços e

margens, pela redução da concorrência, poderia aumentar o incentivo a inovar. Sobre este

ponto afirmam Federico et al 2020:

31 Ver Federico, et. al (2020), op.cit. pp. 128-133 para aplicações do conceito.

16

Page 22: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

"The key theoretical question is whether we are to usefully identify

circumstances under which that indirect boost to the profitability

of innovation is sufficiently large that a merger would increase net

innovation incentives, even after accounting for the postmerger

"tax" on innovation that results from innovation diversion effects.

Plus, even if this happens, under what circumstances would the

merger actually benefit customers, notjust the mergedfirm?"

Essa tarefa não é fácil, uma vez que os resultados dependem largamente dos

modelos/parâmetros utilizados, conforme apontam os autores, argumentando pela adoção

do princípio geral ( de internalização do business-stealing) e que, em geral, as interações

entre efeito preço e inovação também confirmam as preocupações com os efeitos à

inovação e/ou ao bem-estar dos consumidores (Federico, et al, 2020, p. 164). 32 Entre os

modelos mais discutidos que estão nessa direção, podemos destacar o de Federico et al.

(2018)33e Motta e Tarantino (2018)34.

Federico et al. (2018), a partir de modelos sequenciais de oligopólio com

inovações de produto estocásticas, em que novos produtos substituem os produtos

antigos, simulam modelos assumindo várias formas funcionais da demanda e encontram

que, na ausência de eficiências, fusões entre duas rivais inovadoras gerariam redução

da inovação, aumento dos preços e danos aos consumidores, mesmo considerando não

apenas o innovation diversion effect ( ou "innovation externality"), sempre negativo, mas

também os efeitos gerados pela redução da concorrência em preço (''price coordination

channel"), que podem ser positivos ou negativos, segundo os autores. 35

Motta e Tarantino (2018)36, motivados pela discussão em Telecomunicações na

Europa, desenvolvem modelo em que as firmas oferecem produtos diferenciados e

competem em preços e investimentos para redução de custo marginal (inovações de

32 Ver revisão recente em Federico et al (2020), op. cit, Appendix A. 33 Federico, Giulio, Gregor Langus, and Tommaso Valletti. (2018). "Horizontal Mergers and Product Innovation." International Journal of Industrial Organization, 59, 1-23. 34 Motta e Tarantino (2018), op. cit. 35 Em Federico et al (2018, p. 3): "Similar to the standard unilateral price effect, the internalization of the innovation externality and the assoe iate d loss of innovation competition are more likely to be significant when (1) the merger brings together two out of a limited number of significant innovators and (2) the merging firms, absent the merger, would have been likely to divert to a significant extent future sales from each other when introducing innovative products". Em relação ao efeito negativo total previsto pelo modelo dos autores, este seria maior quando as empresas fusionadas são competidoras próximas (p.17). 36 Motta e Tarantino, op.cit.

17

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processo), porém também consideram um modelo para investimentos em inovação que

aumentam a qualidade dos produtos. No primeiro caso, em que as empresas escolhem

preço e investimento para redução de custo marginal e sob diferentes formas funcionais

da demanda, na ausência de eficiências, a fusão seria anticompetitiva, reduzindo

investimento da empresa fusionada e o excedente do consumidor, uma vez que com a

redução da quantidade pelo aumento de preços, diminuiriam os ganhos pela redução de

custo obtidos com o investimento (também chamado de "margin-expansion effect"). 37 No

segundo caso, em que o investimento se dá para melhoria de qualidade, os mesmos

resultados são obtidos, também na ausência de eficiências, para diferentes classes de

funções de demanda empregadas, mesmo que considerando pelos ambíguos efeitos de

interação entre efeito preço e efeito inovação, além do negativo "innovation diversion

effect". A partir dos resultados dos modelos, segundo os autores, fusões não são

necessariamente anticompetitivas, o que não ocorreria se as eficiências obtidas por

combinações de ativos que reduzissem os custos do investimento fossem grandes o

suficiente para aumentar o investimento a ponto de compensar o efeito deletério do

aumento de preços.

Motta e Tarantino (2018, p.35)38 destacam ainda resultado de análise realizada

quando considerados acordos de cooperação em P &D ( com efeitos análogos aos acordos

RAN Sharing em telecomunicações, tal como observado pelos autores39) vis a vis fusões

e aquisições:

"we have showed that to the extent that the sarne efficient

gains can be achieved by a R&D cooperative agreement, such an

agreement is likely to be superior to the merger from the welfare

point of view. This implies that the merging parties should prove

not only that the merger will lead to dynamic efficiencies, but also

that such efficiencies are merger-specific."

37 Os mesmos resultados são obtidos para o modelo de escolha sequencial investimento-preço. 38 Motta e Tarantino, op.cit. 39 Motta e Tarantino, op.cit, p. 32.

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Discutindo os resultados desses modelos dois modelos, Borreau et al. (2018

Jullien & Lafouilli, 2018; Federico et al, 2020) 40 encontram relação positiva entre uma

fusão e o incentivo para investimento em inovação num modelo de diferenciação de

produto horizontal (ou seja, em que o investimento não é realizado para obter um produto

melhor, mas para produzir produtos distintos). Neste caso, o business-stealling effect seria

positivo, como apontam Federico et al. (2020):

"ln a model of that type, a merger will naturally increase the

incentive to engage in such product repositioning, due to the

internalization of business-stealing effects. [. .. ] These results are

not applicable to the canonical case in which innovation consists

of product improvement and thus has predominantly a vertical

dimension ".

Bourreau e Jullien (2018, apud. Jullien & Lafouilli, 2018; Federico et al, 2020) 41

consideram uma diferenciação de produto espacial e investimento em cobertura de nova

tecnologia, com atenção particular ao setor de telecomunicações. Os autores, chegam a

um resultado de que, numa situação de assimetria em cobertura de uma nova tecnologia

entre firmas atuando em um duopólio (uma empresa com maior cobertura e, portanto,

com parcela de demanda contestada pela outra, e outra parcela da demanda na qual serve

como um monopólio), e a partir de hipóteses específicas42, a fusão aumentaria preços ( e

margens) e a cobertura total e reduziria a cobertura contestada ( e a variedade). O incentivo

viria pelo aumento da margem nos dois serviços ofertados ( devido ao "demand-expansion

effect" dada a natureza do investimento). Entretanto, "the net effect of the merger on

consumer welfare is negative for most parameter values, based on the simulations

reported by the authors" (Federico et al, 2020).

40 Bourreau, M., Jullien, B. and Lefouili Y. (2018), "Mergers and Demand-Enhancing Innovation", TSE Working Paper 18-907. Ver discussão em Jullien, B., & Lefouili, Y. (2018). Horizontal mergers and innovation. Journal of Competition Law & Economics, 14(3), 364-392.; e Federico et al, 2020 ( op.cit), AppendixA. 41 Bourreau, Marc, and Bruno Jullien. 2018. "Mergers, Investments and Demand Expansion." Economics Letters 167: 136-41 42 Preços são iguais para demanda cativa e contestada e são indicadores da cobertura total, ou seja, a firma com maior cobertura cobra preços mais elevados, por exemplo. Após a fusão a firma consegue cobrar preços e definir coberturas diferentes para os dois serviços.

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Page 25: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

Finalmente, conforme destacam Federico et al (2020, pp. 163)43 apontando para

uma direção de cautela, de maior atenção aos resultados empíricos e às lições mais

robustas da literatura ( dando destaque ao incentivo negativo gerado pela intemalização

do innovation diversion effects com a fusão de duas inovadoras):

"The conditions under which a merger that internalizes

both price and innovation diversion effects reduces expected

consumer surplus have not beenfully characterized as a theoretical

matter. Nor has the set of conditions under which such a merger

necessarily lowers innovation incentives. Some ambiguity is the

norm for game-theoretic models of imperfect competition, and for

models of price discrimination, so policymakers must be guided by

empirical findings and by the most robust lessons from the

theoretical literature. The theoretical literature can be useful

because it can focus directly on how mergers affect innovation

incentives, which is difficult to study empirically ".

Em sequência , afirmam os autores, resumindo os achados teóricos mais recentes

dos modelos de interação entre efeito preço e efeito inovação:

"To summarize, recent theoretical work on the interaction

between unilateral price effects and unilateral innovation effects

supports the broad economic principle that, in the absence of

efficiencies, these two effects are likely to harm consumers when

considered together. ln line with the general principles governing

unilateral effects, the ultimate harm to consumers is likely to be

larger if the merger brings together two out of a limited number of

significant firms pursuing a particular innovation trajectory, in a

market characterized by high barriers to entry" (Federico et al.,

p165).

43 Federico et al (2020), op.cit.

20

Page 26: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

A análise da literatura nos indica importantes conclusões. Em primeiro lugar,

estudos gerais, seja do ponto de vista teórico, seja empírico, sobre a relação entre

concentração ou número de players ( e não dos efeitos de fusões propriamente ditos)

podem, no máximo, nos ajudar a entender sobre os pontos relevantes para a inovação e

sua relação com a estrutura de mercado, mas não é em nada conclusiva, tampouco resolve

os problemas envolvidos na análise específica dos efeitos de uma operação ( alteração dos

incentivos unilaterais, efeito liquido esperado para o excedente do consumidor, etc.).

Em segundo lugar, ainda assim, nesta literatura, uma boa parte das discussões

sobre as vantagens da relação positiva entre concentração ou tamanho da empresa e

esforços inovativos vem do alto grau de incerteza dessa atividade, das dificuldades de

empreender e ser bem sucedido na realização das atividades de P&D, e das vantagens de

se internalizar esse tipo de atividade, bem como da necessidade de financiamento interno

ou melhores condições de financiamento externo. Os esforços de diferenciação realizados

pelas operadoras não são, ao menos em sua maior parte, investimento de inovação de

produto a partir de esforços em P&D interno, mas investimento em máquinas e

equipamentos e P&D externo para ampliação de cobertura, redução de custo unitário e/ou

melhoria de qualidade dos seus serviços a partir de compras de tecnologia de terceiros.

Sobre isso, importa: não estamos diante de um modelo tradicional de firma grande

inovadora que empreende P&D e que necessariamente precisa de condições internas de

financiamento ou de execução desta atividade ou, ainda que isso seja verdade, como

vimos, tampouco faz sentido atribuir a uma dada operação esse condão.

Terceiro, a literatura teórica que trata dos efeitos de fusões especificamente traz

como direção geral que, na ausência de eficiências ou spillovers, é possível esperar a

redução dos incentivos a inovações que reduzem custo (inovações de processo) ou

inovações de produto ( no sentido de gerar melhorias ou novos produtos melhores) como

resultado de fusões entre concorrentes inovadoras. Os modelos recentes que analisam os

efeitos de fusões, incorporando a interação entre a pressão do aumento de preço com a

fusão e os incentivos a inovar (ou seja, que tentam dar conta do efeito alegado de que o

aumento do preço após a fusão aumentaria esses incentivos) apontam para direções

variadas e o debate não está encerrado ( ao contrário, ele está se dando hoje no meio

acadêmico). Dada a dificuldade de se considerar os possíveis efeitos ambíguos das

interações entre efeito preço e inovação pós fusão, os modelos estudados que incorporam

21

Page 27: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

essa interação carregam hipóteses restritivas. Em particular, no caso daqueles modelos

em que houve previsão de aumento de preço e aumento do investimento pela firma

fusionada, é alta a incerteza sobre os efeitos líquidos positivos da fusão ao bem-estar do

consumidor. Finalmente, quando há investimentos em inovação concomitantes de

diversas naturezas pouco se tem a dizer sobre os efeitos finais nos incentivos a inovação

e para o excedente do consumidor.

Diante dessa constatação, importa olhar também para os exercícios empíricos

disponíveis. A próxima seção, vai abordar estes trabalhos, com o objetivo de nos apontar

algumas lições da experiência internacional, que, ao final, podem ser úteis para indicar os

potenciais efeitos da operação em questão.

4. A experiência das operações de telefonia móvel na Europa e EUA por meio de avaliações ex-post

Se grande parte da argumentação a favor de estruturas sob o ponto de vista

concorrencial de mercados formados por 3 empresas em telefonia móvel resulta do debate

em torno de estudos empíricos realizados para a experiência internacional, em especial

na Europa, nada mais natural do que recorrer a essa experiência para, sem desconsiderar

as suas particularidades evidentemente, não só avaliar a pertinência desses argumentos,

como também para auxiliar na compreensão dos possíveis efeitos anticompetitivos de

operações no Brasil.

Desde meados dos anos 2000, destacam-se onze operações na Europa e duas nos

EUA, como pode ser visto na Tabela 1 abaixo. Estas operações foram analisadas pelas

autoridades e, na sua maior parte, tiveram conclusões negativas sobre seus resultados,

obtendo-se os seguintes desfechos:

22

Page 28: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

(i) Três foram reprovadas ou houve desistência das partes na operação (ATT­

T-Mobile nos EUA, Teliasonera/Telenor na Dinamarca e Hutchison

3G/Telefonica UK, no Reino Unido44);

(ii) Das nove operações aprovadas, seis tiveram remédios estruturais e

comportamentais extensos impostos às partes45. Os remédios estruturais e

comportamentais endereçavam efeitos das operações que reduziam de

forma significativa a concorrência. Os remédios buscavam garantir a

entrada de um novo concorrente (mantendo o número de MNOs, como nos

EUA e na Itália) ou alavancar concorrencialmente MVNOs quando estes

já possuíam força competitiva no país ( como Alemanha e Áustria).

(iii) As três operações aprovadas sem restrições tinham por característica

baixos níveis de concentração.

44 Esta decisão de 2016 foi revertida pela Corte da Europa (General Court) em 2020, sendo a decisão contestada na Corte Suprema da Europa pelo DGComp. 45 Maiores detalhes dos remédios podem ser vistos na Petição de apresentação de informações adicionais para completar o pedido de habilitação como terceiro interessado pela Associação NeoTV (doe. SEI 0899858).

23

Page 29: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

Tabela 1 -Atos de Concentração - Operadores de Telefonia Móvel - Europa e EUA - 2006-20018 e Estudo de Análise

Ato de País/ Ano Decisão / Remédio

[1] [1] [2] [2] [3] [3] [4] [5] [6] [7] [8] Concentração p Q Q I p I p p Q p p

TPF IV/ Q-Telecom EL / 2006 Aprov (fase 1)

T-Mobile / tele.ring AT / 2006 Aprov / Desinvest ll espectro e antenas

T-Mobile /Orange NL / 2007 Aprov (fase 1) jI jP

T-Mobile /Orange UK / 2010 Aprov/ Desinv espectro e lP Roaming

Hutchison 3G AT / 2012

Aprov / Desinv espectro, jP lQ iQ jP jP

/Orange acesso VMNO Hutchison 3G

IE / 2014 Aprov / Acesso VMNO jP lQ ll /Telefonica IE

Telefonica / E-plus DE/ 2014 Aprov / Desinv espectro,

jP lQ ll Acesso VMNO

Teliasonera /Telenor DK / 2015 Desistência

Hutchison 3G UK / 2016 Reprovação

/Telefonica UK Hutchison 3G /

IT / 2016 Aprov. / Desinv espectro

WIND e antenas T-Mobile NL /

NL / 2018 Aprov. Tele2NL

ATT / T-Mobile us / 2010 Desistência

T-Mobile / Sprint us / 2019 Aprov. / Desinv espectro

e antenas. Fonte: Aguzzoni e DiMartile (2020), Fruits et al. (2019) documentos dos casos em DGComp e DOJ. Siglas: EL - Grécia, AT-Austria, NL -Holanda, UK -Reino Unido, !E-Irlanda, DE- Alemanha, DK-Dinamarca, IT-Itália, US -Estados Unidos. Efeitos: P-preços; Q - qualidade; I -investimentos. [l] BEREC, 2018; [2] OfCom(2020);[3] Gajec et al.(2019); [4] Aguzzioni et al. (2018); [5] Lear (2017); [6] GSMA (2017); [7] BWB (2016); [8] RTR (2016);. Apenas artigos que utilizaram métodos causais (DiD ou controle sintético). Em cinza os casos analisados. Célula em cinza sem preenchimento indica ausência de resultados com significância estatística. Referências completas no apêndice.

24

Page 30: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

O setor sofreu grande escrutínio por especialistas e acadêmicos que

desenvolveram estudos quantitativos sobre possíveis efeitos das operações. Os estudos

quantitativos utilizam métodos econométricos para identificar o chamado efeito causal da

operação, ou seja, entender o quanto a operação alterou dimensões relevantes para a

análise de concorrência, como preços e investimentos e qualidade dos serviços. Há oito

estudos que cobrem diferentes operações de forma individualizada, como visto na tabela

1.

Há outros tipos de artigos, que tentam, ao colecionar vários mercados em um só

modelo empírico, entender o efeito de diferentes graus de concentração de mercado ( ou

pelo número de empresas) nas variáveis chave, numa perspectiva comparativa geral. 46

Estes estudos, que chamamos de "estudos de concentração", não devem ser

considerados para compreender os efeitos de operações entre empresas por duas

importantes razões. Primeiro, os resultados não são especificas a cada operação. Ou se

referem à média dos países ou utilizam coeficientes da experiência geral, isto é, de um

país representativo, para, aplicado aos dados de um país de interesse, prever o que teria

acontecido com a operação. O uso da reação às variáveis (como aumento de HHI) de um

país médio para indicar o efeito de uma operação específica perde a capacidade de

reconhecer a especificidade de cada operação. Em adição, resultados não são

apresentados com associados intervalos de confiança, sendo assim impossível saber o

grau de precisão nos resultados.

Segundo, os estudos não reconhecem tampouco exploram o nexo causal de

operações. Os coeficientes são estimados comparando mercados com 4 e com 3

46 GSMA (2020), Assessing the impact of mobile consolidation on innovation and quality GSMA; Genakos et al. (2018) Evaluating market consolidation in mobile communications Economic Policy, 33(93) 45-100, Jeanjean e Houngbonon (2017) Market structure and investment in the mobile industry Information Economics and Policy 38(C) 12-22; Ofcom (2016); WIK (2015) Competition & Investment: An analysis of the drivers of investment and consumer welfare in mobile communications". ; Csorba e Pápai (2015) Does one more or one less mobile operator affect prices? A comprehensive ex-post evaluation of entries and mergers in European mobile telecommunication markets, IEHAS Discussion Papers, No. MT-DP -2015/41, ISBN 978-615-5594-05-2, Hungarian Academy of Sciences, Institute of Economics, Budapest; Frontier (2015) "Assessing the case for in-country mobile consolidation". Study prepared for GSMA; Houngbonon G.V. & Jeanjean, F. (2016-b). "Optimal market structure in the wireless industry". Information Economics and Policy, 38, 12-22.; Houngbonon, G.V. & Jeanjean, F. (2016-a). "What level of competition intensity maximises investment in the wireless industry?", Telecommunications Policy, 40(8), 774-790.Affeldt & Nitsche (2014) A price concentration study on European mobile telecom markets: Limitations and insights. ESMT Working Paper No. 14-07 ..

25

Page 31: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

operadoras, ao invés de se estudar as mudanças em mercados que passaram de 4 para 3

players. Não há nexo, portanto, entre as conclusões e os efeitos de operações. Os

coeficientes associados a mudanças de concentração são calculados basicamente

olhando-se a variação de concentração sem mudanças do número de players. Nas palavras

de um dos autores do mais amplo e completo estudo (Genakos et al. 2018) de análise

entre países, Tomaso Valletti, "Em nossos dados nós temos muito poucas operações para

achar seus efeitos. Toda a ação [ de aumento de concentração] vem de crescimento

orgânico"47.

Diante destas limitações dos estudos de concentração48 com dados entre vários

países para estudar a relação entre aumento de concentração e aumento de preços ou

investimento ou qualidade, a análise dos efeitos de operações basear-se-á em estudos de

avaliação de impacto de operações específicas.

Em si a tentativa de realizar uma avaliação de impacto ex-post traz desafios

conhecidos, como enfrentados pelo próprio CADE nessas avaliações49. Os desafios

passam pela mensuração das varáveis de interesse (preços representativos, medidas de

qualidade e investimento) e a busca de uma boa estimativa do contrafactual, ou seja, o

que teria acontecido com as variáveis de mercado, se a operação não tivesse acontecido.

Para este desafio significativo, deve-se considerar limitações nos dados e contexto

das operações nos diferentes estudos. Estes estudos podem e devem ser avaliados

individualmente pela qualidade e credibilidade da evidência obtida, ou seja, se se pode

entender a estimativa como o efeito real da operação ou do efeito da operação e outros

fatores que ocorrem de forma simultânea, confundindo a intepretação dos resultados. 50

Tal filtro foi empregado na apresentação dos resultados na tabela 1. Foram

incluídos apenas estudos que tinham clara preocupação de evitar problemas de inferência

47 Publicação do autor T. Valletti no Twitter, reproduzido em https://rudolfvanderberg.medium.com/your­academic-research-doesnt-support-mobile-mergers-just-say-it-does-69b4f4cdb6fl 48 Além de diversas outras limitações metodológicas, para um bom resumo destas ver Ofcom (2020) e seu anexo, Ofcom (2020a). 49 Por exemplo, a avaliação Sadia Perdigão em Severino et al. (2019) Avaliação ex post de ato de concentração: o caso Sadia-Perdigão. Documento de Trabalho 3/2019 https://www.gov.br/cade/pt­br/ centrais-de-conteudo/publicacoes/ estudos-economicos/ documentos-de-trabalho 50 Uma discussão no contexto de defesa da concorrência está em OECD (2016) Reference guide on ex-post evaluation of competition agencies' enforcement decisions https://www.oecd.org/dafi'competition/Ref­guide-expost-evaluation-20 l 6web.pdf

26

Page 32: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

causal errada, como estudos de um só país ao longo do tempo, ou estudos que não incluem

o período antes do ato de concentração, mesmo que entre vários países, como WIK

Consult (2015) e Frontier Economics (2015) citados acima.

Além de questões sobre a qualidade da evidência que é apresentada, no emprego

de métodos mais ou menos críveis na interpretação causal dos resultados ( ou seja, que

estão menos ou mais expostos à confusão na intepretação do efeito causal), deve-se

atentar para a interpretação dos resultados em si, baseado na melhor prática e teoria

econométrica 51. Por exemplo a resenha de Fruit et al. (2019)52

, embora interessante pela

amplitude da revisão, traz uma interpretação completamente equivocada dos resultados.

O estudo BEREC (2018), citado acima, ao concluir que a operação na Áustria teve efeito

de aumento nos preços, como medido no estudo, os autores corretamente reconhecem que

o efeito é relativo, ou seja, com a operação (e remédios) os preços na Áustria foram

maiores em média do que teriam sido sem a operação e remédios (o preço contrafactual).

Esse preço contrafactual - ou seja, o preço estimado caso não ocorresse a operação -

decorre do modelo econométrico que usa para determinar esse preço a experiência de

outros mercados não afetados pela operação e que se comportaram de forma similar ao

mercado afetado. O resultado apontado pelos autores em Fruit et al. (2019) mostra que,

comparado com o preço estimado na trajetória do contrafactual, houve um aumento de

preço. No entanto, ao observar, que os preços pós-operação não seriam superiores aos

praticados antes da operação, concluíram de forma equivocada, que a operação não gerou

aumento de preços. Essa afirmação colocada pelos autores em Fruit et al. (2019) não se

sustenta. Os preços no contrafactual mostravam uma tendência a queda similar à

tendência de queda observada na Áustria. Seria de se esperar que, na ausência da

operação, os preços dos serviços de telecomunicação cairiam na Áustria na mesma

velocidade. Se os preços pós-operação não se reduziram como vinham fazendo, a

conclusão óbvia é que eles ficaram mais elevados do que seria praticado, caso não fosse

realizada a operação. Nesse caso, houve um flagrante erro de interpretação em Fruit et

51 Dois trabalhos com boas introduções à avaliação de impacto e a interpretação dos métodos são Gertler P., et al. (2016). Avaliação de Impacto na Prática 2ª Edição. Banco Mundial, Washington, D.C. https://www.worldbank.org/en/programs/sief-trust-fund/publication/impact-evaluation-in-practice e Menezes Filho, N , Pinto, C. (2017) Avaliação econômica de projetos sociais -- 3. ed. -- São Paulo : Fundação Itaú Social. https://www.itausocial.org.br/wp-content/uploads/2018/05/avaliacao-economica-3a­ed_l513 l88151.pdf. Um texto mais avançado indicado recente seria Cunningham, S. (2020). Causal Inference: the mixtape. https://mixtape.scunning.com/ . 52 Fruits et al. (2020) A review ofthe empirical evidence on the effects of market concentration and mergers in the wireless telecommunications industry ICLE White Paper 2019-09-12

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Page 33: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

al. (2019). O modelo econométrico mostra que dada a trajetória austríaca de queda de

preços em telefonia móvel ( em geral preços em voz, mas também de uma cesta de

serviços, voz, SMS e dados) antes da operação, similar a outros mercados na Europa

utilizados como grupo de controle, após a operação os preços poderiam ter sido menores

se a operação não tivesse sido aprovada na forma observada na realidade. Não há dúvidas

que, diante da tendência de queda generalizada de preços (generalizada e esperada pela

experiência dos outros mercados), os consumidores austríacos foram prejudicados pela

operação ao pagar preços maiores.

Vale notar que a análise ex-post em operações aprovadas com remédios envolve

uma análise conjunta do efeito do remédio e da operação, sendo impossível reconhecer

através de estudos empíricos o que teria sido efeito dos remédios de forma isolada da

operação. Desta forma, deve-se partir de uma posição de que uma operação aprovada

com restrições de remédios não deveria ter aumentos de preços esperados, dada a

intervenção. Estas intervenções foram significativas em vários casos de aumentos de

preços identificados em estudos empíricos, como no caso da Alemanha (venda de

espectro, obrigação de atender MVNOs, etc.).

Ou seja, em relação aos efeitos em preços, como ponto focal da análise de efeitos

unilaterais (particularmente em casos analisados pelo DGComp que emprega de forma

sistemática indicadores de aumentos de preços como UPP/GUPPI e calcula taxas de

desvio), a aprovação de um ato de concentração indica que após a operação os preços não

irão aumentar, mantendo a trajetória histórica ditada pela competição no setor e no país.

No caso europeu, o conceito de aprovação pela não redução significativa de concorrência

efetiva ( em tradução livre de "significant impediment of effective competition")53 sugere

que com a aprovação o grau de competição não se reduz e não há expetativa de aumentos

de preços devido à operação. Daí se tira que um resultado surpreendente da operação seria

um aumento de preços.

Em relação aos investimentos, análises ex-post de operações analisadas esperam

obter investimentos maiores ou constantes após a operação. Atos de concentração têm

usualmente justificativas econômicas privadas de alcance de sinergias e melhora na

53 Roller H. e Dela Mano, M. (2006) The impact of the new substantive test in European merger control. European Competition Joumal 2(1 ). https://ec.europa.eu/dgs/competition/economist/merger control test.pdf

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Page 34: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

capacidade de concorrer, seja por redução de custos e melhoras de margens (sem

aumentos de preços) e com isto maior capacidade de atender mercados e expandir a

participação. O desenho de remédios é orientado, para manter as sinergias das

operações54, ao mesmo tempo que evita o prejuízo à concorrência efetiva nos mercados

relevantes afetados pela operação. Além disso, Ofcom (2020) levanta uma questão

importante sobre a natureza do investimento realizado pós-fusão e a não garantia de que

esses investimentos sejam necessariamente revertidos em maior qualidade - "[f]or

example, an increase in capital expenditure due to costs of harmonizing two networks

post-merger may not necessarily result in better quality outcomes for consumers". Desta

forma, seria inesperado que o efeito de operações aprovadas sem restrição ou com

remédios que atuaram para manter o grau de concorrência, fosse de redução de

investimentos, deixados os incentivos econômicos de concorrência atuando. Se de fato

fosse verdadeira a hipótese de que maiores concentrações geram maiores investimentos,

as operações aprovadas com ou sem restrições, deveriam aumentar, ou ao menos manter

constantes os investimentos. Em relação a qualidade, por raciocínio análogo, mesmo que

os investimentos não fossem associados diretamente a melhorias de qualidade, não se

esperaria uma redução de qualidade. Além disso, dado que a telefonia móvel é um setor

regulado, com ou sem ato de concentração, o regulador estaria coibindo uma redução de

qualidade a partir de certo ponto e efeitos de fusões sobre qualidade não deveriam ser

percebidos pela pressão regulatória e concorrencial mantida pré e pós-operação.

Passando aos resultados dos estudos sintetizados na tabela 1, vemos que apenas

as operações europeias até 2014 foram avaliadas. Das operações europeias, as que tiveram

maior escrutínio foram a operação Hutchinson 3G Orange na Áustria com quatro

trabalhos e as operações Hutchison 3G/Telefonica na Irlanda, Telefonica Eplus na

Alemanha e T-mobile e Telering também na Áustria com 2 estudos cada. A dimensão

competitiva mais estudada (na combinação estudo x fusão) foi o preço do serviço,

seguindo por investimento e em menor grau, qualidade.

Os trabalhos diferem muitas vezes no indicador escolhido. Para preços, a

recomendação é a construção de uma cesta de produtos, dado que a precificação do setor

trabalha com pacotes. Há a recomendação de não uso de medidas de receita média ( como

54 Como explícito no guia de remédios do DOJ e como pode ser entendido no Guia de Remédios Antitruste do CADE.

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Page 35: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

ARPU (average revenue per user), devido a efeitos de volume, isto é, com menores

preços o volume consumido por consumidor aumenta, mas o efeito final sobre a receita

por consumidor depende dos perfis de consumo (BEREC, 2018 ou Aguzzoni e DiMartile,

2020)55. Para investimento, o indicador mais utilizado é o CAPEX ( capital expenditures,

ou investimentos em ativos fixos), como em Ofcom (2020). Este indicador pode ser um

agregado de investimentos, por firma, tanto em telefonia móvel como em telefonia fixa,

no caso de empresas integradas, ou incluir gastos em edificações e outros que não são

diretamente relacionados à expansão de cobertura ou qualidade. Todos os estudos

excluem os gastos com aquisição de espectro na análise, visto que estes são localizados

no tempo, determinados pela janela de oportunidade do regulador e muito significativos.

Em qualidade, o indicador mais empregado é a velocidade de downloads em pacotes de

dados, ao invés de outro indicador composto como considerado pelos diferentes

reguladores.

Passando aos resultados, a apresentação dar-se-á por indicador de resultado da

competição. Iniciando por preços, vemos que na maioria dos estudos os efeitos são de

aumento de preços, ou pela conclusão de que não se pode apontar a direção dos efeitos

sobre preços diante da imprecisão estatística das estimativas. Estes aumentos ocorreram

em todos os estudos na operação Hutchison 3G/Orange na Áustria em 2012 e nas

operações T-Mobile/Orange da Holanda em 2007, Hutchison 3G/Telefonica na Irlanda

em 2014 e Telefonica/Eplus na Alemanha em 2014. Resultados inconclusivos foram

encontrados para a operação T-Mobile/Orange da Holanda em 2007 e operações mais

antigas, TGP/Apax na Grécia e T-Monbile/tele.ring na Áustria ambas em 2006. Apenas

na operação T-Mobile/Orange na Inglaterra há evidência de redução de preços.

Os resultados de aumentos relativos de preços devido à operação surpreendem

negativamente pois todos os casos tiveram remédios impostos. No caso da Áustria há

indicação de que o remédio que dependia da força e expansão de MVNOs não teve boa

implementação (OfCom, 2020), o que explicaria o resultado. Já o caso T-Mobile/Orange

envolveu a venda de 114 do espectro detido pelas partes (na faixa 1800MHz) e obrigações

de RAN Sharing com concorrente menor (a Hutchison, que eventualmente cresceu). Vale

55 Aguzzoni, L. e DiMartile, L. (2020) The Impact of Mobile Telecom Mergers on Prices and Quality: Evidence :from Quantitative Studies in Ilzkovitz, F. Dierx, A.(eds.) in Ex Post Economic Evaluation of Competition Policy: The EU Experience.Kluwer

30

Page 36: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

notar que neste caso as preocupações concorrenciais não eram de efeitos horizontais pois

as concorrentes não eram muito próximas, mas sim quanto a efeitos verticais 56.

Considerando os resultados para qualidade, os estudos não apontam para uma

direção clara, excluindo o resultado de um aumento de qualidade. Interessante que cada

operação foi estudada em dois trabalhos (Hutchison 3G/Orange na Áustria, Hutchison

3G/Telefonica na Irlanda e Telefonica/Eplus na Alemanha) e para cada operação há um

estudo indicando queda da qualidade ou um efeito indeterminado.

Completando a análise, tratamos dos estudos que envolvem a dimensão

investimento. Em geral os resultados são de redução de investimentos na média dos

operadores do mercado para as operações estudadas T-Mobile/tele.ring na Áustria,

Hutchison 3G/Telefonica na Irlanda e Telefonica/Eplus na Alemanha em 2014. Exceto

no caso da operação T-Mobile/Orange da Holanda, cuja análise concluiu pela existência

de aumento de investimentos, há dois resultados de nenhum aumento ou redução de forma

conclusiva quanto às operações Hutchison 3G/Orange e TPG/ Apax na Grécia. Como

mencionado acima, esperar-se-ia aumentos de investimentos pelas sinergias que

justificaram a aprovação dessas operações. Em apenas um caso/estudo, T-Mobile-Orange

na Holanda, há evidência de um efeito conjunto de aumento de preços ( apesar dos

remédios) e aumento de investimentos. Tal associação, implicitamente defendida pela

GSMA, parece muito rara a partir de estudos que analisam as mudanças de estrutura de

mercado devido a atos de concentração. Dito de outra forma, a possibilidade de suposto

trade-off entre benefícios estáticos e dinâmicos da competição (menores preços

comprimindo margens, mas menores investimentos), argumentado em Genakos et al.

(2018), parece descartada pelo padrão de resultados das avaliações ex-post realizadas.

Em síntese, os estudos realizados para entender os efeitos de operações em

telefonia móvel envolvendo MNOs na Europa levantam preocupações para a análise

concorrencial e o desenho de remédios destas operações. A partir da análise de várias

operações, os estudos apontam em sua quase totalidade para preocupantes e inesperados

aumentos de preços, apesar dos remédios impostos. Já em relação às dimensões que

seriam esperadas de melhora com uma operação a partir da manutenção das forças de

mercado e de sinergias internas às operações beneficiando consumidores, uma minoria

56 Como se depreende da leitura de LEAR (2017).

31

Page 37: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

de estudos e casos encontrou aumento de investimentos e de qualidade. Mesmos nestes

casos de aumentos de qualidade, as dimensões de qualidade estudadas são bastante

limitadas, a saber, velocidade de download. Já no caso de investimentos, os resultados

positivos, como comenta o OfCom (2020), podem incluir investimentos em telefonia fixa

(e não só móvel) ou direcionados ou não para melhoria de qualidade.

Estes resultados apontam, pela sua cobertura geográfica e de diferentes contextos

competitivos, uma posição clara de preocupação em operações em telefonia móvel que

envolvam aumentos relevantes de concentração. A conclusão de que um coeficiente

indicando efeitos anticompetitivos foi significativo e positivo em um modelo de preços

deve ser lido no contexto da operação realizada com a Oi Móvel. O protagonismo das

avaliações ex-post na demonstração de que efeitos anticompetitivos são prováveis, mais

que apenas possíveis, se coloca como claro. Da mesma forma que nem toda operação de

concentração no mercado de telefonia móvel nos EUA e Europa foi reprovada, dadas as

condições de cada caso, deve-se colocar na estrutura lógica de tomada de decisão da

autoridade de que mesmo aprovações sujeitas a remédios duros podem não ser suficientes

para impedir problemas concorrenciais quando as condições da operação em si levariam

a reprovação da mesma.

A operação no Brasil possui características preocupantes como as operações que

levaram a remédios estruturais: (i) na Europa há maior participação de MVNOs no

mercado; (ii) mercados no Brasil contam com concentração tão grande ou maior que na

Europa; (iii) na Europa há mercados com entrantes recentes (o que não se verifica no

Brasil); (iv) há no Brasil extensa rede de acordos de RAN Sharing entre as empresas

envolvidas na operação, o que reduz em grande parte os benefícios de otimização de rede

entre empresas; (v) a renda per capita no Brasil é muito menor do que a europeia, o que

implica que preços baixos são muito mais importantes no Brasil (para ampliar o acesso

a esses serviços) do que na Europa.

A experiência europeia se mantém relevante ao notarmos que o período de 2006

a 2014 envolveu a expansão da cobertura 4G, com mudanças importantes no uso de

aparelhos móveis que aceleraram a redução de preços como medido em voz ou por

pacotes que incluíam dados. Tal experiência de um contexto de possível aceleração de

gastos para atualizar a infraestrutura europeia pode ser informativo para próximos

períodos de possíveis mudanças de uso de telefonia móvel, se as promessas do 5G de

32

Page 38: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

implementação ordenada pela ANATEL e uso por parte dos clientes se confirmarem nos

próximos anos.

Diante destas diferentes condições no Brasil e na Europa, particularmente a

importância relativa das MVNOs naquele continente, ao contrário do Brasil, existe forte

presunção de que a operação gerará efeitos anticompetitivos importantes, mediante

aumento de preços, sem melhora na qualidade ou investimento. Diante dessa presunção

pautada na experiência internacional, seria claramente necessário apresentar evidências

fortes e concretas de que uma operação envolvendo as maiores MNOs do Brasil não

geraria efeitos anticompetitivos seja por aumentos de preços, ou por redução de incentivos

para melhoria de qualidade ao consumidor e ou menor motivação para investimentos não

induzidos pelo regulador.

5. Conclusões

A partir da análise econômica empreendida neste parecer, podemos concluir que:

1) A concorrência no mercado de telefonia móvel depende: (i) das regras de

concorrência e metas estabelecidas pelas agências reguladoras; (ii) de fatores de

demanda e oferta definidos localmente; (iii) da estrutura de mercado, do número

de operadores no mercado (MNOs ), de Provedores de Serviços e suas capacidades

e incentivos de investir e rivalizar; (iv) das políticas das autoridades de defesa da

concorrência - ou seja, da rigidez das implementações de Processos

Administrativos em decorrência de condutas, etc.

2) Como ponto de partida, a ideia de um número ótimo de players é sem sentido, já

que os mercados dos diversos países e regiões não são similares e os problemas

concorrenciais e regulatórios podem ser muito diferentes dependendo das

características dos diversos países e dos diversos mercados.

3) Há importantes e diversos condicionantes institucionais: nas diversas jurisdições,

a regulação econômica ex-ante pode ter objetivos distintos - o que traz

33

Page 39: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

consequências para a dinâmica da concorrência nesses mercados. Em especial, as

políticas de regulação em telecomunicações na União Europeia foram muito

influenciadas pela importância da constituição de um mercado único integrado na

região e na passagem tecnológica os governos aumentaram o número de licenças,

para aumentar a concorrência, e muitas autoridades reguladoras centraram a

licitação de licença na seleção das firmas que atendessem determinados objetivos,

( como cobertura geográfica, preço, qualidade etc), diferente dos EUA cujas

licitações baseavam-se exclusivamente em leilões de espectro, sem a preocupação

de tecnologia homogênea.

4) Já a telefonia móvel no Brasil teve uma importância maior que em países de renda

elevada, pelo seu papel de ampliação do acesso a serviço de telefonia e é esteio,

tanto para acesso de voz, como para banda larga móvel. Por essa razão, os leilões

de espectro no Brasil são realizados com metas de cobertura e contrapartidas

estabelecidas pelas autoridades regulatórias. Além disso, não há no Brasil uma

política industrial, de cunho tecnológico, embutida na ampliação dos serviços de

telefonia, como no caso europeu. A política de telecomunicação no Brasil tem o

papel de integrar o mercado nacional, ampliar o acesso a populações de baixa

renda e de áreas menos rentáveis. No caso brasileiro, a qualidade dos serviços é

regulada, e o preço é uma variável importante em vista da renda média inferior a

jurisdições como a da União Europeia.

5) Em princípio, não é uma boa alternativa para a realidade brasileira permitir um

ambiente concorrencial menos competitivo - e, portanto, preços mais elevados -

em troca de suposto aumento de investimento. Nesse sentido, um ambiente com

forte concorrência e com políticas para incentivar pequenos operadores em

regiões pouco atendidas, como meios para acessar espectro e usar, de forma

complementar, a infraestrutura das grandes operadoras é uma alternativa mais

adequada à realidade brasileira. Não faz sentido relegar o papel regulatório de

organização desses incentivos e atribuir ao exercício de um aumento de poder de

mercado pelas empresas envolvidas em uma operação a organização e construção

de incentivos a investir (mesmo que fosse de fato verdadeira a tese que a operação

geraria expectativa de aumento de investimento).

34

Page 40: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

6) O que se espera da relação entre investimento em inovação e concentração de

mercado ou tamanho das empresas advêm dos resultados dos estudos de tradição

no paradigma estrutura-conduta-desempenho. Esses estudos que tratam dessa

relação de forma teórica ou empírica, seja no âmbito intersetorial como nas

comparações intrasetoriais, não conseguem ser unânimes em definir uma relação

positiva ou negativa entre essas variáveis. É importante frisar que esses estudos

não consideram de forma completa as alterações de incentivos geradas por uma

fusão, tal como estamos discutindo no caso em tela, mas sim pela alteração de

proxies de concorrência que afetam todo o mercado.

7) A literatura teórica que trata dos efeitos de fusões especificamente traz como

direção geral que, na ausência de eficiências ou spillovers, é possível esperar a

redução dos incentivos a inovações que reduzem custo (inovações de processo)

ou inovações de produto ( no sentido de gerar melhorias ou novos produtos

melhores) como resultado de fusões entre concorrentes inovadoras. Os modelos

recentes que analisam os efeitos de fusões, incorporando a interação entre a

pressão do aumento de preço com a fusão e os incentivos a inovar ( ou seja, que

tentam dar conta do efeito alegado de que o aumento do preço após a fusão

aumentaria esses incentivos) apontam para direções variadas e o debate não está

encerrado (ao contrário, ele está se dando hoje no meio acadêmico). Dada a

dificuldade de se considerar os possíveis efeitos ambíguos das interações entre

efeito preço e inovação pós fusão, os modelos estudados que incorporam essa

interação carregam hipóteses restritivas. Em particular, no caso daqueles modelos

em que houve previsão de aumento de preço e aumento do investimento pela firma

fusionada, é alta a incerteza sobre os efeitos líquidos positivos da fusão ao bem­

estar do consumidor. Finalmente, quando há investimentos em inovação

concomitantes de diversas naturezas pouco se tem a dizer sobre os efeitos finais

nos incentivos a inovação e para o excedente do consumidor.

8) Entendendo que grande parte da argumentação a favor de estruturas sob o ponto

de vista concorrencial de mercados formados por três empresas em telefonia

móvel resulta do debate em torno de estudos empíricos realizados para a

experiência internacional, em especial na Europa, recorremos a essa experiência

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Page 41: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

para, sem desconsiderarmos as suas particularidades evidentemente, não só

avaliar a pertinência desses argumentos, como também para auxiliar na

compreensão dos possíveis efeitos anticompetitivos de operações no Brasil.

9) Desde meados dos anos 2000, foram identificadas onze operações na Europa e

duas nos EU A. Estas operações foram analisadas pelas autoridades e, na sua maior

parte, tiveram conclusões negativas sobre seus potenciais efeitos anticompetitivos

(reprovadas ou aprovadas com restrições). Trazemos estudos de avaliação dos

efeitos ex-post destas operações. Descartamos estudos que chamamos de "estudos

de concentração" como os elaborados pela GSMA e mencionados no formulário

de notificação das partes, dado que não devem ser considerados para compreender

os efeitos de operações entre empresas pois os resultados se baseiam em mudanças

orgânicas de concentração em vários países ao longo do tempo e não exploram o

nexo causal de fusões.

10) Em síntese, os estudos realizados para entender os efeitos de operações em

telefonia móvel envolvendo MNOs na Europa levantam preocupações para a

análise concorrencial e o desenho de remédios destas operações. A partir da

análise de várias operações, os estudos apontam em sua quase totalidade para

preocupantes e inesperados aumentos de preços, apesar dos remédios impostos.

Já em relação às dimensões que seriam esperadas de melhora com uma operação

a partir da manutenção das forças de mercado e de sinergias internas às operações

beneficiando consumidores, uma minoria de estudos e casos encontrou aumento

de investimentos e de qualidade. Mesmo nestes casos de aumentos de qualidade,

as dimensões de qualidade estudadas são bastante limitadas, a saber, velocidade

de download. Já no caso de investimentos, os resultados positivos, como comenta

o OfCom (2020), podem incluir investimentos em telefonia fixa ( e não só móvel)

ou direcionados ou não para melhoria de qualidade.

11) Finalmente, ressaltamos que a operação no Brasil possui características

preocupantes do ponto de vista concorrencial em comparação aos mercados nos

países europeus: (i) na Europa há maior participação de MVNOs; (ii) mercados

no Brasil contam com concentração tão grande ou maior que na Europa; (iii) na

Europa há mercados com entrantes recentes (o que não se verifica no Brasil); (iv)

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Page 42: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

há no Brasil extensa rede de acordos de RAN Sharing entre as empresas envolvidas

na operação, o que reduz em grande parte os benefícios de otimização de rede

entre empresas, talvez em maior grau do que na Europa; (v) a renda per capita no

Brasil é muito menor do que a europeia, o que implica que preços baixos são muito

mais importantes no Brasil (para ampliar o acesso a esses serviços) do que na

Europa.

Rio de Janeiro, 05 de julho de 2021.

I ~

Camila Cabral Pires Alves Luiz Carlos Delorme Prado

~7~ Eduardo Pontual Ribeiro

37

Page 43: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

ANEXO: Estudos Citados na Tabela 1

[1] BEREC, 2018; Body of European Regulators for Electronic Communications

(BEREC) (2018). "BEREC Report on Post-Merger Market Developments: Price Effects

ofMobile Mergers in Austria, Ireland and Germany."

[2] OfCom(2020); OFCOM (2020) "Technical Annexes: Market structure, Investment

and Quality in the Mobile Industry". Economics Discussion Papers Series, Issue Number

1

[3] Gajec et al.(2019); Grajek, Metal. (2019) Static or Dynamic Efficiency: "Horizontal

Merger Effects in the Wireless Telecommunications Industry". Review of Industrial

Organization 55:375-402

[4] Aguzzioni et al. (2018); Aguzzoni, L. et al. (2018). "Ex-post Analysis of Mobile

Telecom Mergers: The Case of Austria and The Netherlands." De Economist 166(1):63-

87. doi:doi.org/10.1007/s10645-017-9308-5.

[5] Lear (2017); LEAR (2017). "Economic Impact of Competition Policy Enforcement

on the Functioning of Telecoms Markets in the EU." Prepared by Lear, DIW Berlin and

Analyses Mason for the European Commission, Directorate-General for Competition.

[6] GSMA (2017); Frontier Economics (2015). "Assessing the Case for In-Country

Mobile Consolidation: A Report Prepared for the GSMA."

[7] BWB (2016); Bundeswettbewerbsbehõrde (BWB (2016). "The Austrian Market for

Mobile Telecommunication Services to Private Customers: An Ex-post Evaluation of the

Mergers H3G/Orange and TA/Yesss!" BWB/AW-393.

[8] RTR (2016) RTR (2016). "Ex-Post Analysis ofthe Merger Between H3G Austria and

Orange Austria."

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Page 44: Van Villela Vieira  Enviado em: Protocolo ...

Sobre os autores

Camila Cabral Pires Alves - Doutora e Mestre em Economia pela Universidade Federal

do Rio de Janeiro (2010). É Professora Adjunta do Instituto de Economia da UFRJ (IE­

UFRJ) e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Direito, Economia e Concorrência

(Gdec). Entre 2011-13, foi cedida ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica

(CADE), onde atuou como Economista-Chefe Adjunta e Economista-Chefe. Atua nos

seguintes temas: Economia, com ênfase em Defesa da Concorrência, Economia Industrial

e Regulação Econômica.

Luiz Carlos Delorme Prado - Ph.D em Economia pelo Queen Mary College, University

of London, Mestre em Engenharia de produção pela COPPE-UFRJ e bacharel em

economia e em direito. Professor do Instituto de Economia da UFRJ. Foi editor da Revista

de Direito da Concorrência, publicada pelo CADE e primeiro editor da Revista de

Economia Contemporânea (REC) do IE-UFRJ. Foi conselheiro do CADE (Conselho de

Defesa Econômica) do MJ, por dois mandatos, entre 2004 e 2008. Foi, também,

Presidente do Conselho Federal de Economia.

Eduardo Pontual Ribeiro - Possui graduação em Ciências Econômicas (Bacharel) pela

Universidade Federal de Pernambuco (1991), e doutorado em Economia (Ph.D.) -

University of Illinois (1996). Atualmente é Professor Titular da UFRJ-Instituto de

Economia e exerceu mandato de Conselheiro no Tribunal do CADE (Conselho

Administrativo de Defesa Econômica) de agosto de 2012 a agosto de 2014. Foi professor

adjunto da UFRGS e Vice-Economista-Chefe e Economista Chefe do CADE. Atua

principalmente nos seguintes temas: Defesa da Concorrência, Economia Industrial e

Mercado de Trabalho.

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