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Capítulo 43
O que aconteceu ao plano de Brasília nos
Estados Unidos?1
h ciiS . Keller
University of North Ctiroliihi, Chape! I ////, hsLidos Unidos
Quando o Hólio [Guilhardi] me convidou para falar a vocês, hoje, minha primeira
reação foi dizer-lhe não. Não sou psicoterapeuta e nunca trabalhei na área da medicina
comportamental. O que poderia eu dizer que pudesse interessar a uma audiência como
esta? Como poderia justificar a minha vinda aqui?
Ao me deitar, naquela noite, havia decidido escrever ao Hólio pela manhã, explicando
por que não poderia aceitar seu convite. Mas, de manhã, ao acordar, descobri que meu
problema havia sido resolvido. Subitamente, me dei conta de que tenho trabalhado com
deficientes há 60 anos ou mais e que, durante 30 anos, vinha divulgando um tipo especial
de terapia - que até tivera origem no Brasil. Deixem-me explicar.
Em 1962, Darcy Ribeiro, antropólogo social e educador, uma figura de destaque
na Universidade de Brasília, desde o seu início, convidou Carolina Martuscelli Bori para
chefiar o novo Departamento de Psicologia daquela instituição. Ela teria permissão para
selecionar sua equipe de trabalho, para comprar livros e equipamentos de laboratório e
para escolher qualquer método de instrução que decidisse como sendo o mais eficaz. O
convite foi aceito.
Ao se preparar para esse projeto, Carolina recebeu o apoio de dois jovens
professores da Universidade de São Paulo - Rodolfo Azzi e J. Gilmour Sherman. Rodolfo
fora meu assishntó ’> lá, em 1961, quando eu era professor visitante daquela Universidade,
e Gilmour Sherman, meu jovem colega em Colúmbia, me substituíra lá, em 1962. Ambos
eram excelentes professores.
Concordei em participar do grupo durante o ano de 1964, último ano antes de
minha aposentadoria de Colúmbia, e eles três decidiram vir aos Estados Unidos, em
1963, para comprar livros e equipamentos de laboratório e para discutir o futuro programa
para a UnB. Foi durante essa visita que nós quatro concordamos, depois de muita discussão,
em introduzir um método de instrução revolucionário no Departamento de Psicologia de
Brasília - um método que refletisse melhor os novos desenvolvimentos na ciência do
comportamento.
f t« ttia convite da Atêocmçêo Bra«fl«r* d* PtKxjfrafM* e Medicinal Compoaamantaf. em 24/04/04, em Campina* - SP PuhlKMda no original #m
ingM*«mPticologia. ToorlaePasquiM. Maio Ago 1996,VW 12n.2,pp 115-119 7raduçAo NonMnCampbelld«Aguirra
(*) N da T : Em portuguê», no original
4 6 2 fred S. Keller
Depois de uma série de eventos que incluíram um golpé '} governamental, um
atraso em Sáo Paulo e a oferta de instalações e apoio ao nosso experimento, por parte de
Zeferino Vaz, novo reitor em Brasília, finalmente chegamos à capital, encontramos um
local provisório de trabalho na Universidade e começamos a dar forma ao novo departamento
e a preparar sua função de ensino para o próximo período letivo.
Para isso, tivemos a ajuda de vários estudantes que vieram conosco da Universidade
de São Paulo. Estes incluíam João Cláudio Todorov, Luiz Otávio Seixas de Queiroz, Rachel
Rodrigues e Mario Guidi, um gênio com equipamentos, que montou nossa oficina e construiu
aparelhos para nosso laboratório. Outro ajudante, que já estava na Universidade quando
chegamos, foi Luiz Marcelino de Oliveira. Alguns desses nomes talvez sejam familiares a
esta audiência.
Nesse período, a forma e o conteúdo do primeiro curso foram preparados,
principalmente por Rodolfo, de acordo com nosso plano inicial; no período letivo seguinte,
ele foi oferecido a 50 ou 60 estudantes do primeiro ano de Psicologia da Universidade. Eis
aqui a descrição do curso, que Rodolfo distribuiu a seus alunos no primeiro dia de aula:
Este curso nSo terá aulas obrigatórias, mas consistirá de uma sórle de tarefas (leituras
e trabalhos de laboratório), que devem ser realizadas com sucesso, antes do final do curso... Não
estamos lhes oferecendo um curso com duração predeterminada... Haverá grande flexibilidade
em relação ao calendário, como também foi eliminado o exame no final do curso. Cada aluno deve
demonstrar domínio do que foi estudado, depois de cada passo ou aula do curso. NSo será
possível ir adiante, antes que as tarefas anteriores tenham sido realizadas.
Havia 12 experimentos no curso de Rodolfo. Antes que cada um fosse executado,
o aluno era testado quanto à sua compreensão do material de leitura relacionado. Esses
testes eram elaborados de forma a permitir uma avaliação por parte do Senhor DanieP,
funcionário do Departamento, antes que o trabalho de laboratório fosse iniciado; os
experimentos, em si, eram realizados sob a cuidadosa supervisão dos assistentes de
laboratório — graduados de cursos anteriores na Universidade de São Paulo, alguns cujos
nomes já foram mencionados.
O programa de Brasília, completo, permitia que os alunos seguissem seu próprio
ritmo em cada curso do currículo, do primeiro ao último, independentemente do tempo
exigido para dominar cada um; a variedade de cursos era igual à de qualquer universidade
de primeira linha, em qualquer lugar, e um corpo de professores visitantes deveria garantir
a profundidade e a amplitude dos temas tratados. Infelizmente, em 1965, uma convulsão
na Universidade acabou com todos os cursos, como talvez se lembrem os membros
desta Associação. O novo procedimento, nessa época, havia sido usado com sucesso
por dois semestres, e outros departamentos estavam expressando interesse a respeito,
mas ele não foi retomado quando a Universidade reabriu, com uma liderança diferente e
com uma equipe de professores diferente.
Gil Sherman e eu estávamos na Universidade de Brasília, quando Rodolfo estava
preparando seu curso introdutório, mas cada um de nós, infelizmente, teve de retornar aos
Estados Unidos, antes que o curso fosse apresentado aos alunos. No entanto, no outono
de 1964, ano de minha aposentadoria em Colúmbia, ambos havíamos sido contratados
pela Arizona State University, onde nos prometeram que poderíamos experimentar o novo
procedimento em nossas aulas, lá. O que aconteceu depois disso é o tema de minha
palestra de hoje.
Sobre Comportamento e CoHmyJo 4 6 3
Em fevereiro de 1965, naquela instituição, uma aproximação fiel do plano de Brasília
foi usada num curso de iniciantes em análise de comportamento. Foram feitas duas ou
três modificações de menor interesse, no procedimento, e uma muito importante. A
avaliação do progresso do aluno nas unidades de estudo do curso não era feita por um
Senhor Daniel, mas por proctors (no Brasil, m o n ito re i) - alunos bem sucedidos de classes
anteriores, bem treinados para sua função e supervisionados de perto pelo professor ou
por seu assistente já graduado. Em minha seção desse curso, eu tinha uma equipe de 10
desses monitores, para avaliar os testes sobre 20 unidades do curso, no qual havia cerca
de 90 alunos. Os alunos seguiam seu próprio ritmo, neste curso, como em Brasília,
dominando perfeitamente cada unidade, antes de avançar para a seguinte. (Testes diferentes
eram utilizados, quando fosse necessário mais de um teste para passar na unidade.). Os
alunos recebiam a nota máxima no final do curso, independentemente da quantidade de
testes necessários ou da quantidade de tempo. Eram oferecidas aulas expositivas
ocasionais, mas a freqüência a elas era opcional e não havia testes baseados em seu
conteúdo. Os alunos eram livres para estudar na sala de aula, durante certas horas, ou
onde desejassem. O professor ou o assistente estavam disponíveis na sala de aula, para
consultas, durante as horas de estudo.
A interação pessoal entre os alunos e o monitor; o monitor e o assistente ou o
professor, assim como entre o professor e o aluno, nos levou, finalmente, depois de muita
discussão, a chamar a versão Arizona do plano de Brasília de personahzed system of
instruction ou, simplesmente, PSH.
Na reunião da American Psychological Association (APA), em Chicago, naquele
ano, fiz um relato de nossas descobertas na Arizona State, que demonstravam a evidente
superioridade de nosso sistema, em termos de conteúdo aprendido e da atitude que gerava
nos alunos, quando comparado com a instrução grupai convencional pelo método expositivo.
Mais de 90 por cento de nossos alunos dizem que, embora nosso método exija mais
esforço do que o procedimento dos cursos normais, eles aprendem mais, tôm maior sensação de
realização, sentem-se mais considerados como Indivíduos e apreciam mais seu trabalho... Também
relatam, de maneira bastante geral, uma melhora em seus hábitos de estudo, [e] uma atitude mais
positiva em relação ò realização de provas.3
Nos dois anos seguintes, Sherman e eu fizemos muitas palestras sobre o plano e
escrevemos uma série de trabalhos, descrevendo nossos resultados. Nossos relatos levaram
vários outros professores a experimentarem o sistema, sempre com bons resultados, se
seguissem nossa receita. Não apenas em cursos de psicologia, mas em muitas outras
disciplinas, e o número de adoções parecia crescer a cada ano. Tais resultados fizeram
com que nos tornássemos missionários e promotores do plano. Em 1967, me aposentei
da Arizona State e mudei para Maryland e desenvolvi duas extensões da nova abordagem,
como visitante, no Institute for Behavioral Research4. Além disso, escrevi um trabalho
' N dn T : Slatama P#f»onalu:ado d« Frwlno
* CilaçAo axtraldn do rtlato N*w mnforcmrmU contingtncm» m th» ciMtroom?, aprMontado na Rauniâo Anual da APA. em Chicago, um S da aetembro de
190A
* N d# T Inalítulo para » Pmk)lmm Comportanwnl»!
4 6 4 f rcd S. K cllcr
para meus colegas da APA. O título era “Good-bye, teacher...’’, e foi publicado posteriormente
em Ciência e Cultura, como “Adeus, Mestre"R.
Em 1968, mudei-me para a Western Michigan University, onde me foram dadas
tarefas mínimas de ensino e a oportunidade máxima de divulgar o PSI por todo o pais. Gil
mudou-se para a Ceorgetown University, em 1969.
Esse foi, talvez, o período mais ocupado de minha vida. Em 1971, por exemplo,
recebi 34 convites para falar sobre PSI, em 14 estados diferentes, no Canadá e no México.
Viajei milhares de milhas e conversei com centenas de professores e diretores, a respeito
de nossa versão Arizona do plano Brasília. O ponto máximo do ano foi no Massachusetts
Institute o f Technology, onde Ben A. Green, Jr., um físico que havia usado o plano, havia
organizado uma conferência a respeito. Lá, encontrei físicos, químicos, biólogos, psicólogos,
matemáticos e outros, que haviam usado o plano ou planejavam usá-lo. Isaias Raw, da
Universidade de São Paulo, relatou que o PSI estava vivo e bem na terrinhet'\ Carolina
estivera ocupada por lá, assim como Maria Inez Rocha e Silva, que havia trabalhado com
Charles Ferster no Institute for Behavioral Research. Ela levara a adaptação que ele fizera
do plano para o Departamento de Física, na USP.
Também em 1971, Ben Green e Gil Sherman, em Georgetown, criaram lá um
Centro para Ensino Personalizado, subsidiado pelo Ministério da Educação dos Estados
Unidos e pela Carnegie Foundation, de Nova York, com o único objetivo de divulgar o PSI
nas faculdades e universidades do país. Isso significava que seminários eram realizados
em Georgetown e em outras universidades, um Boletim Informativo e uma Revista logo
foram publicados e Convenções anuais foram organizadas.
Alguns dos bem sucedidos usuários do plano logo se uniram ao processo de
divulgação - um biólogo de Massachusetts, um engenheiro elétrico do Oregon, um
engenheiro nuclear do Texas, um psicólogo da Virgínia e vários outros. Alguns desses
homens e mulheres mantêm seu apoio até hoje.
Em 1973, passei um mês na Colorado State University e um semestre na Texas
Christian University, a convite dessas escolas, como consultor para potenciais usuários
do plano. Depois, em 1974, me reuni ao grupo de Georgetown para um período de dois
anos, como consultor, no Centro.
Em Georgetown, me conscientizei da magnitude do avanço do movimento. Parecia
haver amigos douPSI em toda parte. O Boletim Informativo estava repleto de novos
acontecimentos, a Revista prosperava, seminários eram amplamente requisitados e as
convenções anuais atraíam um número crescente de professores e pesquisadores. Fiquei
sabendo que o PSI havia sido utilizado com sucesso, em muitos níveis de instrução, e que
chegara a muitos lugares distantes, como Nova Zelândia, India, Iríanda, Argentina e Samoa.
Comecei a achar que PSI poderia ser o acrônimo de Sistema Perfeito de Ensino. Mas,
isso foi em 1976. A história do que aconteceu ao PSI, pelo menos nos Estados Unidos,
não estava completa. Havia inimigos, assim como amigos!
O inimigo mais antigo de que consigo me lembrar foi um aluno da Arizona State.
Era um aluno excelente - do tipo que fora bem sucedido na competição com seus pares
‘ Kellw, KS (1UM) Cood by», lw»ch«r JoumtloíAppliedBttwviorAtmlynt, f, 78 88
K#ltef, FA (1872) Adeu*. Mertr#... Cl*nda• CiMur», 24,207-217.
Sobre Comportamento e Co#niç»lo 4 6 5
e que apreciara a avaliação alta que havia conquistado. Quando descobriu que todos os
alunos, no PSI, recebiam um "A" ao completar o curso, ele parou de freqüentá-lo, dizendo
que preferia o método expositivo.
Outro inimigo pode ser o professor. Alguns professores, dizem, não estão muito
preocupados em ensinar, ao selecionar sua profissão. Podem estar interessados
principalmente em pesquisa ou na oportunidade de exercitar suas habilidades expositivas,
de entretenimento ou de debate. Ou podem simplesmente estar seguindo os passos de
professores que admiravam ou porque nenhuma outra profissão era atraente.
Os inimigos do PSI talvez incluam diretores administrativos e suas equipes de
apoio, que acreditam que um dos objetivos importantes de sua instituição ó classificar o
desempenho de estudantes bem selecionados, de acordo com uma escala que corresponda
aos desejos do Comitê de Bolsas de Estudos, da Phi Beta Kappa1’ e similares, ou que
atenda aos objetivos da General Motors, IBM ou outros usuários do produto acadêmico.
Os administradores talvez se perturbem também com todos os "As"; eles sabem que os
alunos não são "iguais” .
Um assunto afim ô a "carga" de cursos que o professor tem que manter. O professor
que usar o PSI descobrirá que ele "dá muito trabalho”, não desagradável, mas que reduz o
tempo para outros assuntos, dos quais talvez dependam seu salário ou promoção. Um
único curso de PSI, especialmente o primeiro, talvez seja o máximo que se deva ensinar,
e mais de dois não deveria ser recomendado como “carga". Um professor que conheço,
que usou o plano por 19 anos, dizia o seguinte: “Se você ensina bem, não terá tempo para
fazer pesquisa, escrever propostas de subvenção, visitar clientes ou dar palestras para o
Clube Kiwanis”.
Os inimigos do PSI incluem as agências e fundações que fornecem as bolsas de
estudos; oferecem prêmios para alunos excelentes; fazem comparações entre vários grupos
de alunos, com base em seu desempenho nos testes de realização acadêmica; ou apoiam
novas propostas para a melhora da educação nas escolas. Gil Sherman, numa publicação
recente, disse algo relevante:
O sistema educacional ó imenso; os grupos de constituintes sâo múltiplos e variados...
As barreiras à reforma educacional sâo terríveis, até mesmo aterradoras. O poder, o dinheiro, o
investimento para m anter as coisas como estâo talvez sejam im possíveis de superar. /\s
recomendações talvez sejam aceitáveis, mas apenas se nâo alterarem muito as coisas... Melhorar
a educação ô o objetivo, mas apenas no contexto de não mudar nada que seja importante para
quaisquer InveStidores. Talvez estejamos presos ao sistema que temos...
Gil tinha motivos para seu pessimismo. Em 1978, o Centro para Ensino
Personalizado chegou ao fim abruptamente. O principal financiamento para sua operação
expirara e sua extensão foi negada; a Georgetown University havia retirado seu patrocínio
e o diretor do departamento de Gil havia decidido contra o uso de nosso sistema em
quaisquer de seus cursos. Para Gil e seus associados, isso foi um golpe fatal, e todos
nós ficamos sem um escoadouro para nossos relatórios de pesquisa ou um posto de
troca de informações sobre o plano, dentro e fora dos Estados Unidos. Sem jeito de
descobrir o que havia acontecido, por exemplo, com a Associação Indiana de PSI para
Ensino Técnico, em Calcutá; ou no Instituto de Tecnologia de Monterey, no México, onde
outrora mais de 60 cursos usavam o PSI.
* Noma d« inttHutçAo, no» Calado* Unidos. qu« r*ún«MtudantM d« grande dwtinçAoacadêmica.
4 6 6 Frcd S. Kcllcr
Nosso fracasso generalizado em encontrar um lugar para o plano de Brasília no
ambiente escolar pode estar relacionado a um assunto mais amplo. John Kenneth Galbraith,
o eminente economista americano, num livro entitulado The Culture ofContentment (1992)7,
nos diz que um inimigo importante da mudança social, nos Estados Unidos, ó a "maioria
satisfeita" ou os eleitores que vão às urnas da nação a cada anoH, Essa maioria inclui,
segundo ele, os "módicos, advogados, cientistas, contabilistas”, jornalistas, professores,
fazendeiros prósperos e cidadãos idosos em confortável aposentadoria.
De acordo com o Professor Galbraith, o bem-estar dessa maioria depende da
existência de uma "subclasse", constituída de "grupos minoritários, negros e pessoas de
origem hispânica, que são mais evidentes em nossas maiores cidades". Sáo eles que
realizam o trabalho que a maioria considera desagradável. Qualquer melhora importante
em seu modo de vida ou na educação de seus filhos reduziria a renda e os padrões de vida
dessa população satisfeita e seria, portanto, rechaçada.
Ao ler essa explicação, compreendi por que alguns de meus bons amigos, quando
eu lhes dizia que o PSl era o único sistema que oferecia a todos os alunos de nossas
escolas uma igual oportunidade de aprender, subitamente ficavam silenciosos, desviavam
o olhar ou mudavam de assunto. Seriam eles, também, parte do problema? E o que dizer
de mim mesmo, outro aposentado bem cuidado?
Enquanto isso, a eficácia da educação formal está decrescendo, não apenas para
os filhos da "subclasse", mas em toda parte, nas escolas secundárias, nas escolas
primárias, nas faculdades e universidades. O noticiário da Carolina do Norte, estado onde
resido atualmente, me informa que as notas estão decrescendo na avaliação nacional de
nossos estudantes secundários; que as faltas e desistências estão aumentando e que o
vandalismo também ó crescente. As drogas estão se tornando comuns nos pátios de
nossas escolas, assim como as armas de fogo, com eventuais tiroteios; e a gravidez
entre adolescentes tem se tornado comum. O estupro vem aumentando em nossa
universidade local.
Muitos críticos culpam nosso sistema educacional, e várias soluções sáo
sugeridas, de um ano para outro: aumentar o pagamento dos professores; alterar a proporção
aluno-professor; envolver mais os pais; colocar policiais nos corredores e pátios das escolas;
convidar pessoas de fora para as aulas - bem-sucedidos homens de negócios, artistas
populares, ex-presidiários, policiais, usuários de drogas reabilitados - , para falar aos alunos
sobre a importância do sucesso escolar em seu futuro. Com mais freqüência, sáo sugeridas
mudanças nas matérias que ensinamos ou nos métodos que usamos para avaliar o
progresso dos estudantes. Ainda estou por ler uma única proposta (além da minha) para
mudarmos nosso sistema de educação.
O status atual de nosso plano, nos Estados Unidos, é sugerido pelo título de um
trabalho recente: The Life and Times o fP S t11, mas não creio que as perspectivas sejam
totalmente desfavoráveis. Notícias ocasionais me chegam pelo correio, através de algum
visitante, em artigos de jornais e em reuniões como esta. Uma carta de um psicólogo de
Tóquio me informa que o plano está sendo usado, com um nome diferente, em diversas
'Qfllbrnllh, J.K (189?) Th» Cu/tun ofConhtntment Bo*lo<i Hoitghton Mifflm
’ (Gdlbmlth, 199?, p 10)
“ Buskist, W , Cush, D • n*Gwndpr*. R J (1991) Th*Lrf««ndTim*»olPSI Journalot M v tv to n l Educatton. 1,215-234
Sobre Comportamento e CotfnivÜo 4 6 7
escolas secundárias da cidade, e está crescendo em popularidade; um professor da
Bélgica, que me visitou em casa, descreveu sua utilização do PSI no treinamento de
psicólogos clínicos na Universidade de Mons-Hainaut; e um educador da Austrália veio me
perguntar como poderia fazer com que os professores de sua escola de medicina
desistissem do método expositivo - “Todos eles têm pretensões de serem artistas", queixou-
se ele.
Um forte apoio ao PSI, nos Estados Unidos, ó relatado ocasionalmente na literatura
da ciência do comportamento. A declaração de que mais gosto é uma que foi feita por um
bem conhecido líder de nossa área. Após uma explicação sobre as principais características
do plano, ele disse o seguinte:
ê possível construir um ambiente no qual o estudante tenha motivos abundantes para
estudar e para dominar o material, mesmo quando este nâo 6 relevante para seus problemas ou
interesses pessoais. Dessa forma, ó possível à educação capacitar novos membros de um grupo para lucrar com o que outros membros já aprenderam — e de uma maneira altamente eficiente.
(Skinner, 1978, p.157)’°.
Essa declaração de Burrhus Frederic Skinner, em 1978, nos faz lembrar vividamente
que a transmissão de nossa cultura às gerações futuras dependerá, em grande parte, da
eficácia de nossos procedimentos educacionais. Além disso, o meu velho amigo citou em
sua explicação duas virtudes especiais do nosso sistema. Ele resolve o problema da boa
motivação, que sempre depende do sucesso; e, ao usar o PSI, os cursos podem ser
continuamente melhorados, uma vez que quaisquer fraquezas nos mesmos podem ser
prontamente detectadas.
Os meus dias de promoção do PSI, no entanto, se esgotaram, assim como esta
palestrà‘K O futuro de qualquer formato do plano de Brasília, nos Estados Unidos ou em
qualquer outro lugar, está nas mãos de outros. O que acontecerá com aquelas crianças
que, no momento, estão em desvantagem em sua luta por uma educação, eu não posso
dizer, mas, como Martin Luther King, meu conterrâneo, eu tenho um sonho e gostaria de
compartilhá-lo com vocês, ao menos em parte.
Sonho com um dia em que os alunos não sejam forçados a ir à escola ou a
estudar, quando lá chegarem. Esses comportamentos derivam da oportunidade e do desejo.
A oportunidade é fornecida pelos pais, pela comunidade, pelo estado, talvez; o desejo é
resultado do desafio e do sucesso em situações de aprendizagem.
Sonho com estudantes que nunca vivenciaram o fracasso de longo prazo; cujo
potencial tenha sido avaliado inicialmente e cujas tarefas não estejam além de seu alcance;
que não tenham sido transferidos de um estágio para outro com o trabalho pela metade,
multiplicando enganos e desenvolvendo, pelo caminho, ressentimento ou sentimentos de
inferioridade.
Sonho com alunos que nunca tenham sido apontados a terceiros nem com favor,
nem com desdém; que nunca tenham tido de lutar para acompanhar os outros ou sido
contidos quando prontos para ir adiante; e que nunca tenham visto seus nomes afixados
em listas, com letras ou números para mostrar o lugar que ocupam em alguma escala de
sobrevivência.
w Skinner, B F (1978) Oeaigning fiigher *duc»<ton EmB.F H9tf*c<ion»ont»twvion*mmxitou»fy(i)Ç> 148-150) fngfewood C/íff», NJ Prenííoa-
Hall Originalmente publicado 1074
468 Frcd S. K cllcr
Sonho com alunos que, em virtude de sua orientação individual, do encorajamento
de terceiros e de seu sucesso com muitos problemas de aprendizagem, vieram a gostar e
a respeitar o processo educacional e as pessoas a ele relacionadas.
Finalmente, sonho com o dia em que todas as nossas crianças, do momento que
entram na escola e até que a deixem, sejam ensinadas através do plano de Brasília, em
um ou outro formato. Até onde chegarão e em que direção, uma vez dominadas as
habilidades básicas? Que diferenças genéticas serão sugeridas, quando existir igual
oportunidade para que todas aprendam? Que atitudes novas podem ser esperadas? Que
tipo de sociedade emergirá? E como as nossas tentativas de lidar com outros problemas,
como os da superpopulação, degradação ambiental, fome e doença, crime e drogadicção
— como se alterarão, se resolvermos primeiro o problema da educação eficaz?
Esta história tem uma nota de rodapé. No início de meus comentários aqui, hoje,
mencionei estudantes prejudicados pelo sistema educacional que prevalece nos Estados
Unidos, atualmente. Eu realmente não estava brincando quando disse isso e agora me
recordo de Ignaz Semmelweis, físico húngaro do século XIX, que descobriu que a febre do
parto muitas vezes era transmitida às jovens mães pelo médico que as assistia. Há um
paralelo, talvez, com o comportamento do professor que emprega um método educacional
do século XVII com alunos do século XX, necessitados de educação. Semmelweis insistiu
em que os médicos lavassem as mãos, antes de passar da clínica para a sala de parto;
aqueles que apoiam o plano de Brasília, nos Estados Unidos, tentaram fazer com que os
professores lavassem as mãos da instrução grupai pelo método expositivo, antes de entrar
em contato com seus alunos. Até o momento, com limitado sucesso.
Chapei Hill, NC
Setembro, 1994
Fred S. Keller
Sobro Comportamento c Cojjn lçJo 469
Sobre
Comportamento
e Cognição Vítriâbilidcidc
Volume 8
C ni/j do por / íàlio José Quillumli
Mitriii Hcutriz Barbos Pinho Mddi
Pdtrícid Pidzzon Queiroz
Miirui C üro/inii Scoz
Hélio J. Gullhardi • Albina Rodrigues • Aline M. Carvalho • Almir Del Prette • Ana Lucia Cortegoso • Ana
Tereza de A. R. Cerqueira • Antonio Souza e Silva • Armando R. das Neves Neto • Cacilda Amorim •
Daniela Fazzio • Denis R. Zamignani • Diana T. Laloni • Eliane Falcone * Emmanuel Z. Tourinho • Eunice
Lima • Evandro G. Matos • Florence Correa • Francisco Lotufo Neto • Fred S. Keller • Gerry Martin • Gimol
B. Perosa • Giuliarta Cesar • Gregg Tkachuk • Ivete Dalben • Jalde Regra • José D. Ablb • Kester Carrara
• Luzia Trinca • Marcelo F. Benvenuti • Marco A. D'Assunçâo • Maria Amalia P. A. Andery • Maria Zilah da
S. Brandão • Mariângela G. Savoia • Marilza Mestre • Michela R. Ribeiro • Miriam Marinotti • Mônica Duchesne
• Neuza Corassa • Nilza Micheletto • Odete Simâo • Olavo Galvâo • Patrícia Alvarenga • Paula R. Braga-
Kenyon • Priscila Chacon • Rachel R. Kerbauy • Roberto A. Banaco • Rodrigo Dias • Roosevelt R. Starllng
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