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VOLUME II 1935 – Discurso radiodifundido da União Nacional, em 10 de Fevereiro, para a reeleição presidencial que havia de realizar-se por escrutínio directo dos eleitores inscritos, em 17 de Fevereiro. Era presidente o Sr. General Carmona que acedeu ao pedido do Governo para se recandidatar: Um moralista deixou escrito: Deus nos dê o sábio para nos ilustrar, o santo para nos edificar, o homem prudente para nos governar. O autor encontrara no seu bom senso a verdade política que a experiência humana tem inteiramente consagrado. Muitas pessoas se admiram, sem razão, de que na governação dos Estados seja, em geral, seja reservado tão pequeno lugar aos sábios e às pessoas piedosas, como se fosse a mesma coisa honrar virtude e a ciência e confiar aos seus maiores cultores a gerência dos negócios políticos. Certamente as qualidades dominantes requeridas aos Chefes do Estado, se as pudéssemos escolher, variariam um pouco com o carácter dos povos e com as exigências especiais de alguns períodos históricos; por vezes uma só qualidade responde à necessidade máxima do momento. Mas o melhor não é necessariamente o mais virtuoso, nem o de maior talento, nem o mais culto, nem o mais forte, nem o mais activo, mas aquele que possui, se assim me posso exprimir, a mais alta média de qualidades úteis. A ponderação, o sentido das oportunidades, o equilíbrio, a independência, a firmeza temperada de maleabilidade, o conhecimento dos homens e das suas paixões, o dom de adivinhar a consciência pública e de prever o encadeamento dos factos políticos e sociais, a dedicação desinteressada, essa entrega completa, esse sacrifício inteiro ao bem comum, à força dos quais tem de ser resgatado tudo o que possa ter havido para trás de falta de zelo, de abandono, de vaidades, de delícias do poder a substituir-se às agruras do mando, são qualidades indispensáveis no exercício da mais alta magistratura nacional. … Por este motivo, por mais alto, isolado ou inacessível que se afigure ser, nada deve quebrar o laço que une o Chefe do Estado ao povo, à Nação. Através do muro erguido pela lisonja, pelas informações tendenciosas, pelas redes de interesses, pelas cerimónias protocolares, pelas intrigas políticas, pelos despeitos, pelos conflitos de ideias ou processos de governo, a sua visão aguçada pelo sentimento das responsabilidades descobrirá nitidamente os que lamentam o povo e o exploram, os que deviam educar as massas e as enganam ou desmoralizam, os que invocam o Poder Público e desobedecem às leis, os que exercem violências em nome da justiça, os que praticam arbitrariedades em nome da autoridade, os que têm lugar de serventuários do Estado e o não servem, deturpando as intenções e inutilizando traiçoeiramente os esforças de quem governa. Será pelo espírito de justiça, pela clarividência e pela dedicação desinteressada o amigo da Nação e o seu chefe. (Discursos, volume 2º , pág. 8, 9 e 10). Nota oficiosa publicada nos jornais portugueses, em 8 de Maço, desmentindo que os três submarinos fornecidos pela Inglaterra, construídos nos estaleiros da Casa Vickers Armstrong, fossem em caso de guerra recomprados pelos ingleses bem como os dois submarinos que a seguir seriam encomendados, seriam financiados, os cinco, pelos capitalistas ingleses, e que em caso de recompra pelos ingleses, a operação seria efectuada pela empresa Electric Boat Company, americana, que retiraria do negócio algum interesse financeiro. Na verdade, os cinco submarinos foram pagos com dinheiro português: 1º É falso que haja qualquer entendimento com o governo inglês, no sentido de este readquirir, em caso de guerra, os navios vendidos a Portugal. Os barcos adquiridos e

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VOLUME II 1935 – Discurso radiodifundido da União Nacional, em 10 de Fevereiro, para a reeleição presidencial que havia de realizar-se por escrutínio directo dos eleitores inscritos, em 17 de Fevereiro. Era presidente o Sr. General Carmona que acedeu ao pedido do Governo para se recandidatar: Um moralista deixou escrito: Deus nos dê o sábio para nos ilustrar, o santo para nos edificar, o homem prudente para nos governar. O autor encontrara no seu bom senso a verdade política que a experiência humana tem inteiramente consagrado. Muitas pessoas se admiram, sem razão, de que na governação dos Estados seja, em geral, seja reservado tão pequeno lugar aos sábios e às pessoas piedosas, como se fosse a mesma coisa honrar virtude e a ciência e confiar aos seus maiores cultores a gerência dos negócios políticos. Certamente as qualidades dominantes requeridas aos Chefes do Estado, se as pudéssemos escolher, variariam um pouco com o carácter dos povos e com as exigências especiais de alguns períodos históricos; por vezes uma só qualidade responde à necessidade máxima do momento. Mas o melhor não é necessariamente o mais virtuoso, nem o de maior talento, nem o mais culto, nem o mais forte, nem o mais activo, mas aquele que possui, se assim me posso exprimir, a mais alta média de qualidades úteis. A ponderação, o sentido das oportunidades, o equilíbrio, a independência, a firmeza temperada de maleabilidade, o conhecimento dos homens e das suas paixões, o dom de adivinhar a consciência pública e de prever o encadeamento dos factos políticos e sociais, a dedicação desinteressada, essa entrega completa, esse sacrifício inteiro ao bem comum, à força dos quais tem de ser resgatado tudo o que possa ter havido para trás de falta de zelo, de abandono, de vaidades, de delícias do poder a substituir-se às agruras do mando, são qualidades indispensáveis no exercício da mais alta magistratura nacional. … Por este motivo, por mais alto, isolado ou inacessível que se afigure ser, nada deve quebrar o laço que une o Chefe do Estado ao povo, à Nação. Através do muro erguido pela lisonja, pelas informações tendenciosas, pelas redes de interesses, pelas cerimónias protocolares, pelas intrigas políticas, pelos despeitos, pelos conflitos de ideias ou processos de governo, a sua visão aguçada pelo sentimento das responsabilidades descobrirá nitidamente os que lamentam o povo e o exploram, os que deviam educar as massas e as enganam ou desmoralizam, os que invocam o Poder Público e desobedecem às leis, os que exercem violências em nome da justiça, os que praticam arbitrariedades em nome da autoridade, os que têm lugar de serventuários do Estado e o não servem, deturpando as intenções e inutilizando traiçoeiramente os esforças de quem governa. Será pelo espírito de justiça, pela clarividência e pela dedicação desinteressada o amigo da Nação e o seu chefe. (Discursos, volume 2º , pág. 8, 9 e 10). Nota oficiosa publicada nos jornais portugueses, em 8 de Maço, desmentindo que os três submarinos fornecidos pela Inglaterra, construídos nos estaleiros da Casa Vickers Armstrong, fossem em caso de guerra recomprados pelos ingleses bem como os dois submarinos que a seguir seriam encomendados, seriam financiados, os cinco, pelos capitalistas ingleses, e que em caso de recompra pelos ingleses, a operação seria efectuada pela empresa Electric Boat Company, americana, que retiraria do negócio algum interesse financeiro. Na verdade, os cinco submarinos foram pagos com dinheiro português: 1º É falso que haja qualquer entendimento com o governo inglês, no sentido de este readquirir, em caso de guerra, os navios vendidos a Portugal. Os barcos adquiridos e

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absolutamente necessários à reorganização da Marinha portuguesa não poderiam ser dispensados, e foi nessa convicção que o Governo se assegurou devidamente de que nem mesmo em caso de guerra durante a construção deixariam de ser entregues ao nosso País. Não se pode saber se terão um dia de alinhar ao lado de navios ingleses, mas será sempre como navios portugueses, tripulados por portugueses, na defesa de interesses também portugueses. E é por estes terem de ser vigorosamente defendidos que os navios encomendados têm todos os aperfeiçoamentos modernos. 2º É absolutamente falso o financiamento de capitalistas ingleses, na importância de três milhões de libras, para serem pagos os três submarinos considerados na primeira fase da reorganização da Armada e mais dois que se diz deverem ainda ser encomendados. De todos os navios entregues pelas casas inglesas ao Governo português se pode dizer o que foi dito do primeiro: entram nas nossas águas pagos, antecipadamente pagos, integralmente pagos com dinheiro todo de portugueses. Era naturalíssimo que se liquidasse com o produto de empréstimos o preço dos novos barcos; era mais que justo que a City emprestasse o dinheiro que finalmente alimentaria a indústria britânica. Mas não é verdade que o tenha feito. Dinheiro estrangeiro até ao presente só é verdade que no-lo têm oferecido e o não temos aceitado. (Discursos, volume 2º , pág. 17 e 18). Analisando os problemas políticos do momento, Salazar, faz em 27 de Abril, o Balanço da Obra Governativa, num dos Salões da Câmara Municipal de Lisboa, durante o «porto de honra» oferecido aos oficiais de terra e mar, alguns dos quais representaram as unidades da província na cerimónia do compromisso do Chefe do Estado em 26 de Abril: Faz hoje precisamente sete anos que tomei posse do cargo de Ministro das Finanças, e desde esse momento tenho-o exercido sem interrupção. Sete anos de governo são em Portugal uma eternidade. Durante este espaço de tempo bastantes coisas se passaram a que assisti ou em que tomei parte e que não muitos poderão testemunhar. Pude ver, como poucos, os perigos que correu a situação que se vos deve e, como poucos, trabalhei por libertá-la deles. Em tantos trabalhos e preocupações fui gastando as forças e perdi a saúde que sinto se não restabelecerá jamais. Eu não me queixo, mas vejo aí mais um motivo para que não sejam gastas em me combater energias que melhor se empregariam em me ajudar ou, chegada a hora, em me substituir. Quando considero os esforços realizados e os desgostos sofridos, parecem-me muito os sete anos; mas quando penso que a obra de ressurgimento nacional pouco mais está de esboçada, tornam a parecer-me muito pouco, e na verdade o são na vida do País. Seja como for, tal facto não visto em Portugal há bem mais de um século, só pode ser devido, além da patriótica compreensão do povo, à confiança do Chefe do Estado e ao apoio do Exército. (Discursos, volume 2º , pág. 39). Palavras radiodifundidas de Lisboa, e dirigidas a operários do Norte, em 1 de Maio, reunidos em imponente cortejo de trabalho na cidade de Guimarães: Seria amesquinhar o momento augusto que esse lugar fosse hoje apenas o ponto de encontro de manifestação aliás grandiosa. Quis-se mais: pretendeu-se sobretudo, inspirando-nos nele, dar os mesmos fundamentos de alto patriotismo e os mesmos voos de largas ambições à sociedade que pretendemos erguer.

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Não temos o encargo de salvar uma sociedade que apodrece, mas de lançar, aproveitando os sãos vigamentos antigos, a nova sociedade do futuro. Ela é ordeira e pacífica; ela conhece as fronteiras da Pátria, alargadas por esse Mundo, a golpes de audácia, por antepassados ilustres; ela respeita a hierarquia e diferenciação de funções como facto natural e humano, necessário ao progresso geral, ela honra e defende o trabalho, como base da prosperidade e lai inelutável da vida, fonte de riqueza e de saúde física e moral; ela tomará a capacidade e o mérito como os critérios fundamentais de valorização social; ela compreenderá, na luta incessante pelo pão de cada dia, que o homem não vive só de pão e que uma vida, esmagada pelo anseio de materialidades sem o culto dos valores morais, seria humanamente inferior e indigna de viver-se. Nessa sociedade nova haverá certamente ainda a dor, o luto e as lágrimas – a nenhum homem é dado eximir-se a elas ou fazer que os seus semelhantes as não chorem; mas na paz que cobre a terra trabalhada e as almas conformadas e simples, na alegria do esforço criador, na garantia do trabalho e da suficiente satisfação das necessidades, na segurança do lar e no doce convívio familiar, o homem tem providencialmente o bálsamo para a dureza da vida. Que nos importam a nós os gritos de ódio que dividem os homens e os povos, as revoltas e os crimes que aumentam a miséria em vez de diminui-la? À sombra do castelo augusto, oito séculos depois de Afonso Henriques, o nosso grito no limiar da nova idade, trabalhadores do Norte, trabalhadores do meu País! O nosso grito é: Na ordem, pelo trabalho, em prol de Portugal! (Discursos, volume 2º , pág. 43, 44 e 45). 14 de Agosto, “Aljubarrota Festa da Mocidade”. Relembrando a batalha travada entre portugueses e castelhanos. Palavras para serem lidas nas escolas do País, e fazer-se em todas elas, com discursos alusivos, à comemoração da batalha que em 1385 numa desproporção das forças em presença, 7.000 portugueses contra mais de 30.000 inimigos, chefiados por D. Nuno Álvares Pereira, se havia de manter a liberdade e independência de Portugal: Festa popular e festa de mocidade. Nun´Álvares tinha 23 anos quando da revolução em Lisboa e 25 em Aljubarrota; D. João I, 25 ao ser proclamado defensor do reino e 27 na segunda daquelas datas. O estado maior do Condestável eram rapazes, de pouca idade, com o espírito aventuroso e irrequieto dos jovens, insofridos nas pelejas mas obedecendo cegamente ao chefe. Com estes se fez a campanha e se assegurou a independência de Portugal. Hoje como então se exige espírito novo para fazer a revolução nacional, e espírito novo é mais fácil encontrá-lo em novos que em velhos, ainda que haja velhos com mocidade de espírito, e moços gastos por interesses e preocupações que não costumam ser da sua idade. É porém essencial que o espírito da mocidade seja para nós formado na sentido da vocação histórica de Portugal, com os exemplos de que é fecunda a história, exemplos de sacrifícios, patriotismo, desinteresse, abnegação, valentia, sentimento de dignidade própria, respeito absoluto pela alheia. Facto cheio de ensinamentos é o comemorado hoje; homens que sirvam de exemplo para a nossa formação esses que, à volta de D. João I e do Condestável, batalharam e serviram e foram de tamanha estatura que futuros séculos de maravilhas não lhes tocaram nem os puderam diminuir. Sobretudo esse Condestável D. Nuno, depois frei Nuno de Santa Maria, guerreiro e monge, chefe de exércitos e edificador de conventos, vencedor de castelhanos e distribuindo em maus anos seus bens pelos mesmos que derrotara em baralhas para não mandarem na sua terra, erguido por sua valentia no

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altar da Pátria como a igreja o havia de erguer pelas suas virtudes nos altares da fé, cheio de honras e riquezas e enterrado em vida no Convento do Carmo, na dura estamenha de frade, quando depois de Ceuta lhe pareceu já não ser necessária a espada para defesa da Pátria, mas disposto de novo a tomar as armas, se el-rei de Castela alguma vez tentasse invadir Portugal. (Discursos, volume 2º , pág. 53, 54 e 55). Nota oficiosa publicada nos jornais em 11 de Setembro, a propósito dos acontecimentos da véspera: tentativa de revolução ou golpe de Estado, a partir do destacamento da Penha de França. Estava comprometido o capitão de mar e guerra Mendes Norton de bordo do Bartolomeu Dias. Outro militar envolvido e preso foi o tenente-coronel dentista veterinário Manuel Valente: Desde há muito tempo vem o Governo seguindo, por intermédio dos seus órgãos de informação e vigilância, os trabalhos preparatórios de alteração da ordem prosseguidos por elementos inimigos ou apenas descontentes com a marcha política e administrativa do País. Conheciam-se os locais das reuniões, os dirigentes, os elementos de ligação, os futuros ministros, os planos de acção e o seu projectado desenvolvimento. Mais se conheciam os entendimentos estabelecidos entre indivíduos de antigos partidos, militares demitidos das velhas revoluções e elementos das chamadas direitas, alguns com serviços à situação política actual e simpatizantes com os processos políticos do nacional-sindicalismo já dissolvido. Por falta de acordo, primeiro acerca da distribuição das pastas, depois acerca da chefia do governo que cada um dos grupos que cada um dos grupos desejava para si, desavieram-se os principais dirigentes, mas os elementos de uma e outra banda continuaram trabalhando de modo que pudessem no momento decisivo usufruir sozinhos os proventos da vitória. Convinha ao Governo desta vez não se mostrar informado da conjuntura nem tomar prevenções que fizessem adiar o movimento. E por isso o esperou para as seis horas da manhã de hoje em que devia eclodir. Estava no plano que o sinal fosse dado do destacamento da Penha de França, tendo-se comprometido o capitão de mar e guerra Mendes Norton a secundá-lo de bordo do Bartolomeu Dias. O Presidente do Conselho e alguns Ministros deviam ser presos. Como quer que a Polícia fosse prendendo, à sua chegada à Penha, os conjurados e à espera destes se encontrasse o oficial comprometido a revoltar a unidade, o sinal não foi dado. Por seu turno o comandante Mendes Norton entrava abusivamente no Bartolomeu dias e, não conseguinte fazer-se obedecer pela guarnição, foi por esta preso. À mesma hora já se encontravam em Cascais dois conspiradores – um civil e outro militar – os quais tinham tomado sobre si a missão de comunicar ao Chefe do Estado a revolução e de convidar o Sr. Presidente da República a tomar o movimento como expressão da vontade do País – o que pelos motivos referidos não pôde sequer ser tentado. Os elementos presos à sua chegada à Penha de França, bem como os civis detidos em vários pontos da cidade, são conhecidos revolucionários dos antigos partidos e das organizações secretas da Confederação Geral do Trabalho com os quais deveriam colaborar oficiais de bem diferente ideal. O mais categorizado destes presos é o tenente-coronel dentista veterinário, Manuel Valente. Está-se procedendo à prisão dos conspiradores para aplicação das sanções legais, devendo reunir-se amanhã o Conselho de Ministros para tomar conhecimento pormenorizado dos acontecimentos e adoptar as medidas que se tornem necessárias

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para continuar assegurando ao País a tranquilidade e ordem que mais do que nunca ele tem o direito de exigir, para eficaz defesa dos seus maiores interesses. Todos os factos se desenrolaram sem que o público tivesse conhecimento do que se passara, e sem se ter notado a menor alteração da ordem pública. (Discursos, volume 2º , pág. 59, 60 e 61). Nota oficiosa publicada nos jornais, em 20 de Setembro, descrevendo o MOMENTO POLÍTICO, nove dias após a tentativa do golpe de Estado da “Penha de França”: Muitas das afirmações desta exposição devem aparecer dentro de poucos dias completamente deturpadas, senão voltadas do avesso, nos estreitos círculos agitados da vida política portuguesa; mas os homens de boa fé sabem que lhes falo sempre com perfeita sinceridade. …QUESTÃO POLICIAL: O Governo fez ciente o País do golpe revolucionário cuja eclosão, várias vezes adiada, deveria dar-se na madrugada de terça-feira. Não temos que estranhar nem a heterogeneidade dos elementos comprometidos na conjura, nem a própria agitação revolucionária, nem que aparecessem tão poucos no momento decisivo, nem mesmo os motivos de ordem pessoal para a acção dos conspiradores. Um dia que o interesse público o exija faltar-se-á à caridade no necessário e há-de expor-se, caso por caso e com os nomes, a situação económica, social ou jurídica dos egrégios conspiradores: este não pode dentro das leis existentes obter a promoção desejada, aquele está envolvido em processo que corre seus termos nos tribunais comuns, aqueloutro tem responsabilidades graves apuradas em sindicâncias ou inquéritos, um quarto endividou-se e está sendo executado, um quinto não foi feliz em pretensões apresentadas ao poder, um sexto… enfim todos, como se verá. …QUESTÃO POLÍTICA: Temos em primeiro lugar o conflito que chamaremos entre a força e a violência. Não desculpo qualquer fraqueza do Governo na defesa da situação política criada, com o assentimento da Nação, pelo 28 de Maio, tenho sido, até onde chego, absolutamente inflexível contra a desordem, a imoralidade administrativa, o compadrio nacional, o assalto dos interesses ilegítimos, as cumplicidades na protecção e defesa de todos os culpados. Mas tenho sido sempre contra a violência do Governo – quero dizer contra o emprego da força, arbitrariamente, sem limitações da moral e sem a definição de certo estado de legalidade. …O segundo conflito é entre a política e a administração. …É necessário a política no governo das nações, mas fazer política não é governar. Para além do ambiente moral de confiança e de apoio, criado à volta de quem dirige os destinos do País, há a realidade viva dos problemas desse mesmo País, e estes ou são resolvidos ou não são, e, se não são, o povo não é governado. Ora a absoluta esterilidade da política considerada como fim em si mesma não foi suficientemente demonstrada pela experiência ante alguns espíritos a quem em regra geral repugna o trabalho sério, mas a quem fascina a agitação, o ruído, as vãs promessas, o simples efeito político. O conflito toma aqui outro aspecto – diríamos que é entre a improvisação e o espírito de sistema, mas, assim considerado, não é só conflito do Governo com este ou aquele, é conflito do Governo com os serviços e com a Nação.

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A maior dificuldade que se tem encontrado em pôr em ordem alguns sectores da administração pública é proveniente da verdadeira hostilidade do nosso espírito a um programa de acção. Tudo na administração do Estado e na administração local, se pretende deixar à improvisação do momento, aos desejos da ocasião; a disciplina de um plano estudado, aprovado, assente, que se executa anos sucessivos custa-nos a suportar como violência ao nosso temperamento. …O terceiro conflito é sobre a constitucionalização da Revolução nacional, o que trouxe naturalmente consigo ser deslocado o eixo das forças políticas da situação. Eu entendo que a Constituição Política, longe de tirar à Constituição a sua força criadora, visto possuir elasticidade suficiente para acompanhar a evolução das circunstâncias e as modificações profundas da vida portuguesa, é a maior garantia de se consolidarem e de frutificarem os princípios fundamentais do sistema. Outros porém quereriam que a Ditadura continuasse um pouco oscilante e incerta, mesmo com risco de lhe alterarem as grandes directrizes simples substituições das pessoas do Governo. …QUESTÃO MILITAR: O Exército obedeceu a verdadeiro imperativo nacional, fazendo o 28 de Maio e criando com esse movimento as condições de governo estável e sã administração que nos faltavam. …De dedução em dedução a necessidade do Exército considerado elemento da política externa e colonial aparece como exigência essencial da nossa Revolução; e o que se pergunta é se a sua reorganização e prestígio são compatíveis com a intervenção directa na política interna, ou se pelo contrário não convém ao interesse nacional, desde que está assegurada a continuidade da Revolução, libertá-lo e libertar o mais possível os seus membros de preocupações que não sejam as da preparação moral e técnica em ordem à defesa da Pátria. Ora a experiência demonstra que aquela é prejudicada pelo exercício demorado das funções civis, em que se podem prestar esplêndidos serviços, mas onde a ciência e o espírito militar não podem em regra conservar-se ou desenvolver-se. É certo que não tenho – nunca quis ter – nenhuma milícia ou força armada com que no caso de revolta ou de oposição violenta possa apoiar este pensamento governativo, e por isso ele não vale nada, se o Exército o não perfilha: no domínio dos factos ou da força material o Exército pode mesmo impor, se quiser, outra directriz. …POLÍTICA EXTERNA: Ora a nação portuguesa sempre que fora da península interveio nas contendas ou lutas da Europa fê-lo, a bem dizer, acidentalmente e raro terá nisso defendido um interesse vital. Somos sobretudo uma potência atlântica, presos pela natureza à Espanha, política e economicamente debruçados sobre o mar e as colónias, antigas descobertas e conquistas. Nem sempre a nossa política se fez de Lisboa ou da parte continental, mas de outros pontos, tal a ideia de que as colónias não o foram à maneira corrente mas partes integrantes do mesmo todo nacional. Nestas condições sente-se que a linha tradicional da nossa política externa, coincidente com os verdadeiros interesses das Pátria portuguesa, está em não nos envolvermos, podendo ser, nas desordens europeias, em manter a amizade peninsular, em desenvolver as possibilidades do nosso poderia atlântico. Para nos podermos dedicar a este último nós desejamos tão amigáveis e cordiais relações com a Espanha, que desapareçam desse lado todas as desconfianças e preocupações. Não só no campo económico se podem desenvolver muito as relações entre Portugal e a Espanha, mas ainda no campo político parece não ter hoje aquela

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nação nenhum interesse contrário aos interesses portugueses, dado que a nossa plena independência, para a realização dos nossos destinos no Mundo, tem de ser axioma fundamental da política espanhola. Nesta base temos o campo aberto para entendimentos mútuos. Nasceu ainda do mesmo carácter de potência atlântica a aliança inglesa, que interesses comuns têm mantido através dos séculos sem sofrer as vicissitudes das ligações deste género. …QUESTÃO COLONIAL: Um dos pontos salientes da aliança inglesa não podia deixar de ser o reconhecimento e defesa da integridade das nossas colónias, exactamente porque Portugal constitui com as suas colónias um todo, em virtude de um pensamento governativo que se fez pelos tempos fora realidade política…Houve boatos a propósito do Pacto dos Quatro e mais recentemente a propósito das negociações de Ribentroup em Londres: ali teria sido a Itália e aqui a Alemanha a pôr o problema das colónias portuguesa. O Sr. Mussolini declarou terminantemente não ter qualquer pretensão colonial contra os interesses e direitos portugueses. De Londres o Governo inglês fazia saber nada se ter tratado que dissesse respeito a colónias portugueses. O Governo sossegou a opinião pública, fundado em tão categóricas afirmações: pôr em dúvida, como já se fez, as declarações dos governos estrangeiros é ter em muito pouca conta a seriedade pessoal alheia e a dignidade do poder nas respectivas nações. …Eu cuido que as nações coloniais estarão dispostas a encarar em comum os problemas actualmente postos, e estranho que os homens de grande responsabilidade, para afastarem perigos iminentes, se tenham disposto a aceitar o bem fundado de princípios de que hão-de nascer grandes dificuldades futuras. Um pouco ligeiramente se têm aceite, ao menos como pontos a esclarecer e a discutir, ideias que são erros em demografia, erros em economia, erros em política, erros em administração colonial. Mas as nossas posições estão marcadas e hão-de ser mantidas. Reproduzem-se do discurso de 1 de Junho de 1933 as seguintes passagens: «é na verdade com o mesmo critério de Nação, agregado social diferenciado, independente, soberano, estatuindo, como entende, a divisão e organização do seu território, sem distinções de situação geográfica, que nós consideramos, administramos, dirigimos as colónias portuguesas. Tal qual o Minho ou a Beira é, sob a autoridade única do Estado, Angola ou Moçambique ou a Índia. Somos uma unidade jurídica e política, e desejamos caminhar para uma unidade económica, tanto quanto possível completa e perfeita… Entre nós constituímos a variedade da unidade, campo de trabalho comum nas condições definidas pelas conveniências de todos; perante os outros países somos simplesmente a unidade, um só e o mesmo em toda a parte». …ALGUNS REFLEXOS DA POLÍTICA FINANCEIRA: a) Vejamos em primeiro lugar o problema do trigo. Sabe-se em que consiste, conhecem-se os principais dados. Sobraram das colheitas anteriores 320 milhões de quilogramas, que dão para cerca de dez meses de consumo; fez-se a colheita desta ano que deve chegar para todo o ano. Nesta hipótese excedente igual transitará para daqui a um ano: um problema de armazenagem, um problema de pagamentos. b) O problema do vinho. Mais do que má, tem sido péssima a situação dos vinicultores. Com excedentes sucessivos, talvez diminuição de consumo, alguns mercados fechados, outros reduzidos, o vinho baixou de preço além do que deve considerar-se o seu custo de produção. Ultimamente os preços reagiram porque a próxima colheita se mostra pequena. Só por isso?

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Não falando na Casa do Douro, e na Adega do Dão, e na Adega Social de Colares, e na Região de Vinhos Verdes, que todos receberam milhares de contos para solucionar os problemas vinícolas locais, só a Federação dos Vinicultores do Centro e Sul de Portugal retirou do mercado 350 mil pipas, parte de cotização dos vinicultores, parte por compra com dinheiro da Caixa. Para completo pagamento destes vinhos a Federação pediu agora novo empréstimo, e a respectiva soma eleva a importância do seu débito a 70 mil contos, que noutras circunstâncias financeiras não poderiam ser obtidos. Se as 350 mil pipas retiradas do mercado continuassem a pesar na oferta, nenhuma força poderia travar o aviltamento dos preços até limites que traduziriam a ruína total das regiões vinícolas. c) Poderia dizer o mesmo das frutas verdes, cuja exportação se regularizou e valorizou mediante a organização decretada e o respectivo financiamento; da actividade administrativa local para que se canalizaram nos últimos anos mais de 200 mil contos; de certas actividades coloniais que se têm mantido mercê de empréstimos que devem andar por 140 mil contos; dos melhoramentos rurais e da obra das casas económicas, cuja realização se deve aos saldos das contas e aos empréstimos da Caixa Geral de Depósitos. …RECONSTITUIÇÃO ECONÓMICA E DEFESA NACIONAL: «Serão estabelecidos os planos e os projectos fundamentais, a executar no prazo de 15 anos, na importância de 6.500:000 contos, respeitantes: 1º - à defesa nacional, compreendendo: a) a reforma geral do Exército e seu armamento, fortificações, edifícios e outras obras militares; b) o prosseguimento da restauração da Marinha de Guerra, incluindo, além da aquisição de novas unidades, o que for necessário à sua eficiente utilização. 2º - à reconstituição económica, abrangendo: a) conclusão das redes de caminho de ferro e das estradas e construção de aeroportos, sem prejuízo da dotação orçamental estabelecida para estradas; b) portos comerciais e de pesca; c) rede telegráfica e telefónica; d) rede eléctrica nacional; e) hidráulica agrícola, irrigação e povoamento interior; f) edifícios para escolas e instalações de outros serviços do Estado; g) reparações extraordinárias de monumentos nacionais; h) trabalhos de urbanização de Lisboa e Porto; i) crédito colonial; j) outros problemas ou realizações que interessem directamente ao objectivo previsto neste número». …COISAS CORRENTES DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: Nós temos, antes de mais, de sistematizar os serviços, a composição dos quadros, as categorias dos funcionários, porque sem esse trabalho prévio, quanto mais se tocar em vencimentos, mais injustiças se cometem. Sob este aspecto o caso do funcionalismo civil é sem comparação com o Exército e a Marinha: a composição de alguns quadros é tal que os funcionários constituem quasi uma pirâmide invertida, sendo mais numerosos os de maior categoria que os menos graduados na escala. Depois existe mais que na força armada a anarquia dos vencimentos, sendo estes muito diferentes em categorias iguais e diminuindo até por vezes à medida que o funcionário vai sendo promovido. O que acima de tudo se pretende é pôr ordem nesta desordem, porque há depois a certeza de não se fazerem injustiças quando se alterarem para mais ou para menos por meio de percentagens, conforme a situação do Tesouro, os vencimentos fixados. …Verifiquei em tempos haver grande disparidade entre os salários de operários da mesma categoria em diferentes serviços do Estado – Casa da Moeda, Imprensa Nacional, Arsenal da Marinha, estabelecimentos do Ministério da guerra – e grande disparidade também entre os salários pagos pelo estado e os pagos pelas empresas

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privadas, o que me pareceu injustificável. Promovi a constituição de uma comissão interministerial para estudar o caso e apresentar a solução; mas os representantes do Ministério em que precisamente as regalias e salários eram maiores defenderam a tese de que aqueles não só não podiam ser diminuídos mas tinham até de ser aumentados. Se os deixo trabalhar mais, os resultados seriam contraproducentes: a comissão foi dissolvida. – Infelizmente há muita coisa que parece só eu posso fazer. …Fui demasiado longe e não disse senão pequena parte do que desejava dizer. Não penso, ainda que continuasse, dar nunca esclarecimentos bastantes para acabar com a agitação dos agitadores e as maquinações dos revolucionários, nem esses me preocupam. Também não me interessa que todos me dêem razão; basta-me que o país saiba as minhas razões. Os profissionais da agitação interna também têm as suas ideias e os seus homens. Mas fazem grande segredo dumas e dos outros, porque decididamente não podemos crer que as ideias sejam as dos papeis clandestinos e os homens os assaltantes da Penha de França. Guardam segredo e é pena, porque estamos perdendo tempo e ninguém nos diz que alguma coisa se não pudesse ir evitando. O Governo faz o que pode e não será muito: as condições de trabalho estão ainda longe de ser boas em Portugal. Os problemas são complexos, as competências poucas, a colaboração do público deficiente. A desordem era geral e custa muito a subir esta montanha do nosso resgate. Quando se ataca o Governo, ou este se não defende, e é mau, ou defende-se e é talvez ainda pior, porque, como agora, quanto mais tempo se gasta a responder, mais tempo se rouba aos interesses do estado. Por este caminho se iria até à inutilização total dos homens do Governo; a táctica é conhecida mas não é honesta. E é aqui o lugar da história. (Discursos, volume 2º , pág. 65, 66, 67, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 89, 92, 93, 94, 95, 100, 102, 104 e 105). 1936 – Discurso proferido numa das salas de S. Bento, em 21 de Fevereiro, em reunião particular de Deputados, no final dos trabalhos da actual sessão legislativa; agradecimento por toda a colaboração prestada pela Assembleia Nacional. Alusão há indiscutível e bem patente Independência da Política Nacional: Há alguns anos já que a nossa política deixou felizmente de ser o simples reflexo de dois ou três outros países. E felizmente também a experiência feita tem demonstrado que a hora não é das direitas nem das esquerdas: a hora é de quem sabe o que quer e quer na verdade realizar o seu ideal político. Enquanto fomos traçando o nosso caminho, houve muitas eleições com vitórias das direitas e das esquerdas, houve muitos movimentos revolucionários mais ou menos profundos e mais ou menos extensos, e nada disso pôde desviar-nos das nossas concepções e da firme e serena realização dos nossos princípios. Não digo que não tenha de haver cuidados especiais e que os factos desenrolados à nossa volta nos não causem preocupações, sobretudo se algum país se esquecer do que deve à correcção internacional. Nada disso porém pode ter qualquer influência na orientação a seguir, porque o nosso futuro não depende senão de nós, quer dizer da visão que tivermos dos problemas nacionais e da nossa força de vontade para servir o interesse da Nação. Numa palavra: a hora é ainda e sempre nossa! (Discursos, volume 2º , pág. 113 e 114). Discurso efectuado no Ministério da Guerra sob o tema « Temos de ter um exército» em 11 de Maio. Agradeceu e elogiou os serviços prestados pelo coronel Passos e Sousa pelo serviço prestado durante o período em que sobraçou a pasta da Guerra:

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…Temos de ter em prazo relativamente curto o Exército que nos é necessário para a defesa dos grandes interesses da Nação. Para esse objectivo é que me disponho a sacrificar mais um bocado da minha vida, pondo ao serviço desta causa a maior liberdade de movimentos e de acção que me podem dar a minha qualidade de civil, a Presidência do Conselho e o Ministério das finanças. Pode parecer muito pouco como declaração de posse, e no entanto é tudo. Isto significa que essa finalidade dominará o pensamento, a acção, os interesses, a vida das pessoas, dos organismos, dos serviços, das colectividades. A ela se subordinarão as preferências individuais, os costumes mais ou menos consagrados, as ideias ou processos mais ou menos envelhecidos e ineficazes. E não haverá resistências inúteis. Diante de tão altas preocupações como quero que sejam as da força armada, diante duma grande ambição que aliás se confessa com o coração puro e se há-de realizar por processos cuja justiça seja transparente e, segundo espero, desprovidos de violência, todos se convencerão de como são mesquinhas e indignas de nós e deste momento as pequenas coisas, reais ou imaginárias, teimosamente postadas na primeira linha das aspirações ou preocupações de tantos. E nada mais, porque o resto que é de costume nestas ocasiões ou todos o sabem já ou não o sei eu ainda. Agradeço a comparência de V. Exas. e desde já agradeceria também, se não fosse serviço, o cumprimento do que terei de exigir-lhes. (Discursos, volume 2º , pág. 122 e 123). Discurso proferido em Braga, da varanda do quartel de infantaria nº 8, em 26 de Maio, por ocasião da grande parada e festas ali realizadas em comemoração do décimo aniversário do movimento de 28 de Maio. Foram salientadas as grandes certezas da Revolução Nacional e definidos os pilares fundamentais para defesa da única revolução necessária: Às almas dilaceradas pela dúvida e o negativismo do século procuramos restituir o conforto das grandes certezas. Não discutimos Deus e a virtude; não discutimos a Pátria e sua História; não discutimos a autoridade e o seu prestígio; não discutimos a família e a sua moral; não discutimos a glória do trabalho e o seu dever. …Assim se assentaram os grandes pilares do edifício e se construiu a paz, a ordem, a união dos portugueses, o Estado forte, a autoridade prestigiada, a administração honesta, o revigoramento da economia, o sentimento patriótico, a organização corporativa e o Império Colonial. E pode perguntar-se como foi isso possível. (Discursos, volume 2º , pág. 130 e 136). Discurso proferido no Parque Eduardo VII, ao ser inaugurada a exposição comemorativa do ano X da Revolução Nacional, em 28 de Maio. Foram assinalados os primeiros dez anos “Era de Restauração”, deixando em perspectiva os dez anos seguintes “Era de Engrandecimento”: …Agora, dez anos de engrandecimento – e duas prevenções devo fazer de começo: a primeira é que me não parece possa nenhum português sentidamente patriota considerar-se em boa consciência indiferente a uma obra que se destina a engrandecer a sua Pátria; a segunda é que a própria grandeza da obra e o simples decurso do tempo fazem aumentar as nossas responsabilidades. Dez anos são muito pouco na história de um País, mas o suficiente já para que a maior parte das vezes não possam ser invocados os erros do passado com o fim de atenuar as faltas do presente. Se se trata verdadeiramente de executar o nosso pensamento e de erguer a construção cujo plano é nosso, cada vez é menos possível atribuir a outras gerações ou a outros governantes as culpas do que não soubermos fazer. Quando falo de uma era de engrandecimento, tenho presente no meu espírito três coisas: o natural

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desenvolvimento e expansão dos princípios que estão constitucionalmente assentes e nos hão-de dar, pela frutificação da boa semente lançada à terra, o Estado Corporativo – forte, justo, pacífico e próspero: o mais intenso aproveitamento das possibilidades matérias da Metrópole e de todo o Império e a valorização da gente portuguesa onde se encontre, em terra nossa ou em país estrangeiro; por último, e como natural consequências destas conquistas, a afirmação cada vez mais clara e vincada na sociedade internacional do nosso valor construtivo e da nossa acção civilizadora. Disse deverem ser mais custosos estes dez anos do que os findos, em primeiro lugar pela atmosfera internacional pesada e porventura tumultuosa em que vai ser dirigida a acção; em segundo porque, ao passo que sentimos a direcção una das forças universalmente desencadeadas contra a nossa civilização, Estados que apesar de tudo a desejariam salvar parecem fraquejar na luta, como se nela pudesse haver tréguas ou transigências e não simplesmente vencidos e vencedores. Por nós, habituados a tratar com absoluta lealdade a toda a gente e em primeiro lugar aos inimigos, apenas poderemos dizer que manteremos as mesmas posições e empregaremos até a mesma táctica: ter sempre razão; dispor da força; conservar do nosso lado a iniciativa da acção política. Julgo que nestas condições estará sempre assegurada a vitória. Para terminar: nessa indescritível apoteose feita ao Exército e à Marinha em Braga, ao comemorar-se p décimo aniversário deste movimento, milhares de pobres homens pobremente vestidos levantavam ao alto, para que fossem bem vistos de todos, cartazes com esta inscrição: a Revolução continua. E eu pergunto se, enquanto houver uma nuvem de perigo externo, um germe de desagregação interior, um português sem trabalho ou sem pão, a Revolução não há-de continuar! (Discursos, volume 2º , pág. 147, 148 e 149). Discurso proferido na sessão inaugural da I Conferência Económica do Império Colonial Português, realizada na sala das sessões da Câmara Corporativa, em S. Bento, em 8 de Junho. Em análise o Império Colonial na economia da Nação: Para alguns espíritos as Colónias deveriam constituir uma espécie de quintas de luxo, a que demais não faltaria a vegetação luxuriante das plantas exóticas, para cuja manutenção e preparo, agrado ou interesse de estranhos se deveriam destinar, sem conta ou medida, os rendimentos das demais terras ou gentes. Para outros seria precisamente o inverso – campos ou industrias de renda que permitissem ao absentista vagamente interessado a vida ociosa entre as delícias da civilização. Nascem estas posições mentais de sentimentos ou de interesses particulares, não da razão política esclarecida, e por esse motivo não coincidem nem uma nem outra com os três grandes princípios definidos no Acto Colonial: «A Metrópole e as Colónias, pelos seus laços morais e políticos têm na base da sua economia uma comunidade e solidariedade natural…». «Os regimes económicos das Colónias são estabelecidos em harmonia com as necessidades do seu desenvolvimento, com a justa reciprocidade entre elas e os países vizinhos e com os direitos e legítimas conveniências da Metrópole e do Império Colonial Português…». «Pertence à Metrópole, sem prejuízo de a descentralização garantida assegurar pelas suas decisões a conveniente posição dos interesses que… devem ser considerados em conjunto nos regimes económicos das Colónias». Se bem se lê e entende, não há aqui lugar a supor-se qualquer dessas economias ajuda, auxílio, mero suplemento de outra, mas todas hão-de considerar-se complementares na formação do todo económico correspondente ao todo político e nacional. Estes os conceitos, a luz e o guia da acção comum a desenvolver e cujos fundamentos se encontram nos factos dominantes da nossa economia.

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…Por maiores que sejam os progressos da indústria nacional nos últimos anos, e são evidentes, alguma inferioridade lhe há-de entorpecer a marcha ainda durante bastante tempo – a inferioridade proveniente da estreiteza dos mercados, da deficiência da técnica, de defeitos de organização, do preço da força motriz, das condições em que se abastece de matérias primas. Pois bem: em tais circunstâncias é lógica esta solução – que as Colónias produzam e vendam à Metrópole as matérias primas e com o preço destas lhe adquiram os produtos manufacturados. O género de trabalho estará em harmonia com a densidade das populações; a produção casar-se-á intimamente com as condições naturais e económicas; o intercâmbio afirmará o carácter complementar das economias; os portugueses à frente da navegação, movimentando o comércio, explorando as minas, dirigindo ou orientando a agricultura, fixando-se na terra tornarão inequívoca a mesma essência da Nação. E nenhum obstáculo a tal programa me parece advir das actuais condições da política económica mundial; antes nenhum outro momento se afiguraria mais propício para a sua execução. …Fartos exemplos tomados ao acaso da vida corrente ilustrariam convincentemente a tese que me é cara: a obra da colonização, a valorização da população portuguesa e da sua actividade, a solução dos problemas económicos que interessem imediatamente ou em curto período, intensificando-a, à actividade metropolitana e colonial, solidárias ou complementares, deixam a perder de vista a simples acção política ou financeira do Estado, cujo fetichismo a persistir, além da errada visão, acusaria estados de espírito de decadência. Pagar o Estado dívidas e prejuízos, reconstituir com o seu dinheiro capitais que não existiram nunca, tomar para si os negócios que deixaram de render, cancelar por sistema créditos mal utilizados, autorizar fornecimentos que salvariam este ou aqueloutro, não pode pedir-se nem fazer-se, porque não está aí o interesse geral. O Estado tem acção mais meritória a desempenhar e, quando enredado em tais malhas, mais lhe vale corajosamente verificar as perdas e arrepiar caminho. (Discursos, volume 2º , pág. 155, 156, 159, 165 e 166). Discurso proferido em 14 de Agosto de um dos terraços do convento da Batalha, por ocasião da peregrinação nacional ao histórico monumento. Invocação de Aljubarrota como a verdadeira festa da independência da Pátria: Estamos no convento piedosamente erigido em comemoração da batalha, e assim chamado por esse motivo, rente à igreja onde gerações de crentes se revezam em oração, a dois passos da capela do fundador onde repousam D. João I, D. Filipa de Lencastre, os filhos (como se o carinho dos pais e a devoção filial mesmo na terra sobrevivessem à morte) – família heróica, «ínclita geração», toda sacrificada ao serviço da Pátria no estudo, nas guerras, nas descobertas e conquistas, na governação; e muito perto, na sala do Capítulo, não sei quem, filho do povo decerto, em pleno direito admitido destacadamente à convivência real do mosteiro, representa os desconhecidos esforços, as contribuições anónimas sobre que assentam as vitórias e a tantos séculos de distância o mesmo sacrifício da vida pela mesma causa da Pátria. Não sei que tenhamos em Portugal ambiente de maior espiritualidade, onde a nossa alma mais penetrada se sinta de elevados sentimentos: Deus, a Pátria, a Família, o dever, o sacrifício; o desinteresse , a paz dos mortos têm aqui representações ou projecções sensíveis, tocantes, sem que ao mesmo tempo deixe de respirar-se o ar alvoroçado das vitórias.

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Nós somos filhos e agentes de uma civilização milenária que tem vindo a elevar e converter os povos a concepção superior da própria vida, a fazer homens pelo domínio do espírito sobre a matéria, pelo domínio da razão sobre os instintos. Eu não desejaria por isso que nesta romagem, para exaltação do sentimento da independência nacional, deixassem de ser considerados aqueloutros elementos humanos e sobre humanos com os quais podem e devem coexistir as Pátrias, e em cujo ambiente e defesa há-de florescer o nosso nacionalismo. São lutas de civilização – tantos cegos o não vêem! – são lutas de civilização aquelas a que assistimos, e é verdade que entra pelos olhos estar a medir-se hoje a vitalidade dos povos pela soma de energias trazidas a este gigantesco debate. A nossa causa nem se nos pode perguntar qual seja – ela resulta da história e da nossa formação moral; a parte que nela tomam os portugueses há-de aferir-se pelo inteiro sacrifício da vida e da fortuna pelo que para nós excede em valor a fortuna e a vida. Viestes de todos os cantos do País e representais Portugal inteiro. Escutai. Paira sobre nós o espírito heróico de Nun’Álvares; parecem mesmo ouvir-se vozes de comando, o retinir das armas, estrondos da batalha: «ainda não», responderia calmo. Mas, quando preciso, à chamada que vos seja feita para lutardes sob a sua bandeira, não deixará um só de vós – sei-o bem – de responder: presente! (Discursos, volume 2º , pág. 177, 178 e 179). Nota oficiosa publicada nos jornais de 10 de Setembro, em tema «a ordem pública em Portugal e os acontecimentos de Espanha». Esclarecimento à nação referente ao sucedido com a amotinação de alguns marinheiros que se encontravam ancorados no Tejo próximo da Praça do Comércio: 1º) Muito bem se evitaram exageros e confusões inconvenientes. Algumas dúzias de marinheiros sem chefes de qualquer graduação não representam nem a tripulação dos barcos nem a Marinha de Guerra. Esta ficou onde e como estava, cônscia das suas responsabilidades e deveres, a colaborar com as forças da terra, e na parte que lhe foi ordenada, na submissão dos amotinados. 2º) Embora à custa do suor de todo o povo, com a clara consciência do dever se mandaram construir. Com a mesma imperturbável serenidade dei ordem para que fossem bombardeados até se renderem ou afundarem. A razão que se eleva acima de todos os sentimentos foi esta: os navios da Armada portuguesa podem ser metidos no fundo; mas não podem içar outra bandeira que não seja a de Portugal. Desperdiçam-se num momento economias de muitos meses, é certo: não podemos porém ficar presos de tais considerações quando o exige a honra da Nação. 3º) Sendo tão grandes os prejuízos materiais e morais, é lícita a dúvida se não seria mais razoável evitar, quando possível, factos como os de ontem, de que aliás há muitos dias recebêramos o aviso. Assim se procede geralmente; uma vez ou outra porém convém mais deixar rebentar estes pequenos tumores, porque as vantagens na ordem interna ou na ordem internacional superam os inconvenientes. 4º) A posição territorial do País dá neste momento grande interesse internacional à ordem ou desordem do nosso povo; e não podemos estranhar que os interessados na nossa anarquia redobrem de esforços a trabalhar tão ingrato terreno. Sobre três coisas os achamos equivocados: a capacidade voluntária dos seus adeptos; o valor defensivo e ofensivo das nossas forças; a resistência do povo a deixar perder, em beneficio de país estrangeiro, a sua liberdade e os fundamentos da sua civilização, que são ao mesmo tempo a razão da sua História. 5º) Duas coisas deve a força armada ter sempre presentes: a primeira é que o espírito está na base da sua organização e da sua vida. Podem não concordar todos com a

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orientação política ou certas medidas administrativas; mas se a honra e a Nação desaparecem da formação moral e intelectual do soldado, o Exército fica sem regra e sem finalidade. Quem é contra a Nação não pode ser militar. A segunda é que de toda a transigência ou descuido nesta educação ou depuração serão as primeiras vítimas os chefes, porque ou sucumbem ao cumprimento dos seus deveres ou, pela inelutável força das sanções, sofrem os efeitos da sua condescendência e fraqueza. 6º) A nossa posição relativamente ao comunismo está fixada e em relação aos comunistas também. Contrariamente ao que ele faz, não vamos combatê-lo em parte alguma, mas aqui não consentiremos que nos escravize a nós. Esta política de bondade e tolerância tem nas fronteiras e no interior o limite imposto pela salvação comum e esse em caso algum será desrespeitado. (Discursos, volume 2º , pág. 183, 184, 185, 187, 188 e 189). Nota oficiosa publicada nos jornais de 23 de Setembro sobre os acontecimentos de Espanha e a não intervenção: I – Estes os factos – e não nos importa agora qualquer responsabilidade dos homens – estes os factos que, devido ao carácter do comunismo, deram à guerra civil de Espanha a natureza de luta internacional, embora desenrolada, como já escrevi, em território nacional. II – … Supomos traduzir a realidade dos factos dizendo que no princípio dos acontecimentos a Europa encontrou diante de si, de um lado, a indiferença da Inglaterra, a fria reserva da Itália, a expectativa da Alemanha e, do outro, o apoio e incitamento da Rússia e … a atitude da França. … Não só de todas as nações europeias é a Espanha de amanhã o país a que mais parece convir a neutralidade, mas uma França que conte com a Inglaterra aliada a Portugal nada deveria recear da Espanha nacionalista, a quem aliás está ligada na Europa e na África pela vizinhança e pela amizade. As reacções externas eram, porém, fatais. III – Só por este caminho se explica a iniciativa do acordo de não intervenção proposto pelo Governo francês. … É geralmente sabido que, talvez devido a razões de urgência, o processo deste acordo não foi o da discussão e aceitação geral de um texto, mas o da adesão unilateral de cada Estado a uma ideia comum, apresentando cada qual as suas reservas ou condições. Após conversações necessárias ao esclarecimento da questão que já irritaram além de toda a medida certos meios, o Ministério dos Negócios Estrangeiros deu, por nota de 21 de Agosto, a adesão do Governo português e formulou ao mesmo tempo as reservas e condições da sua anuência, largamente fundamentadas. IV – De harmonia com o acordo, na parte e nos termos em que nos havíamos comprometido, publicou-se o decreto nº 26:935, de 27 de Agosto. Este diploma está em vigor; mais precisamente, está a ser executado, e ainda ninguém nos pôde acusar de o não cumprirmos ou de não o fazermos cumprir: declarações espontâneas nos têm sido feitas de termos mantido com honestidade os nossos compromissos. V – … A nós porém, a quem só verdadeiramente importa a essência das coisas, pouco se nos daria de substituir um processo de informação recíproca por outro se, mantidas as nossas reservas, nos fosse demonstrado: a) que estávamos rigorosamente definida a competência do «comité»; b) que a estes estavam assegurados meios eficazes de fiscalização, no caso de se querer atribuir-lhes funções fiscalizadoras; c) que estava garantida a sua absoluta neutralidade.

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VI – … Segundo o correspondente parisiense do Times (Action Française de 12 de Setembro) é-se de parecer em certos meios que «o direito de um país relativamente pequeno a manter uma atitude de intransigência a propósito de uma questão da mais alta importância internacional num momento em que as grandes Potências renunciaram às suas preferências pessoais ultrapassa os privilégios normais da soberania interna e torna-se negócio de interesse geral». «Pergunte-se agora, conclui o correspondente, se não chegou o momento de dar uma expressão prática a esta desaprovação geral». Por mais alta e bem abastecida que seja a fonte aonde o jornalista foi beber a sua notícia, diga-se o que se disser, não pode ser esta a doutrina de Paris. A posição oficial está fixada na seguinte passagem do discurso do Chefe do Governo francês de 17 do corrente: «A França respeita a soberania dos demais povos na medida em que é seu propósito fazer respeitar a sua». É assim que pensamos e faremos até onde chegarem as nossas forças. VII – … Muitas vezes, talvez demasiadas vezes, se nos põe a alternativa de seguirmos determinado caminho ou ficarmos com a responsabilidade de desabar o mundo. Nós não acreditamos que em geral as coisas pudessem passar-se com tanta simplicidade e tão grande perigo, mas não queremos opor-nos aos bons entendimento, sempre que não temos de respeitar um alto princípio moral ou de atender a interesses vitais do País; estes não podemos sacrificá-los a nenhuma consideração, mesmo porque passa a ser naturalmente bastante secundária para nós a desgraça do mundo, se nós já não existirmos para senti-la. Ora os que têm seguido sem paixão o drama peninsular, os que não esqueceram a história de há décadas, de há anos e de há dias, os que se lembram das ambições alguma vez manifestadas do plano ibérico do comunismo, da clareza, aliás de agradecer, com que tem sido muitas vezes defendido na imprensa o direito de intervenção em Portugal, fazem-nos a justiça de crer que não são românticos os receios nem levantamos por capricho dificuldades a ninguém; simplesmente não desistimos de que seja respeitada a nossa tranquilidade nem podemos transigir no necessário à defesa da vida e liberdade do nosso povo. VIII – E a Inglaterra? Embora com razões para sorrir de tamanha ansiedade, sossegarei os intranquilos dizendo-lhes simplesmente: 1º A Inglaterra compreende a delicadeza da nossa posição e não há-de estranhar que o nosso modo de ver sobre os problemas peninsulares seja mais rigoroso que o seu próprio; 2º E porque tem da aliança com Portugal, quanto ao objecto e modo de funcionamento, uma noção diferente da dos que formulam tão aflitivas dúvidas, respeita as divergências, acompanha as discussões e certamente nos dará sem contrariedade razão naquilo em que lograrmos convencê-la. (Discursos, volume 2º , pág. 194, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 202, 203, 204 e 205). Palavras dirigidas em 19 de Outubro aos oficiais duma brigada de cavalaria no final dos exercícios que havia realizado, junto a Vila Nova da Rainha (segundo as notas dos jornais): Os Problemas do Exército; ... Quisera informar-se do valor dos exercícios realizados, da forma como decorreram, das deficiências encontradas e do melhor meio de remediá-las. Compreende bem a utilidade de ouvir da boca dos competentes as queixas ou mesmo reclamações formuladas por amor dos serviços acerca do que falte às nossas forças para constituírem um Exército de campanha que a todos plenamente satisfaça.

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No processo a seguir para chegar a esse objectivo há porém que escolher entre os dois caminhos que se nos oferecem – reparar ou criar, quer dizer, ir simplesmente remediando as pequenas falhas, deixando por debaixo intactos os vícios fundamentais do sistema, ou, convencidos da insuficiência e no final maior carestia deste método, lançar as bases sobre as quais se possa levantar o Exército do Estado Novo. Ora essa obra de criação é ao mesmo tempo de ordem moral, de ordem orgânica, de ordem técnica e de ordem material. … E as Guerras Religiosas do Nosso Tempo; … Tem havido guerras de puro interesse dinástico, guerras de carácter económico, guerras coloniais. De século a séculos porém a Humanidade atravessa ciclos de guerras ideológicas: assim foram as guerras religiosas nascidas da Reforma e as guerras oriundas da Revolução no século XIX; assim serão as guerras sociais do nosso século. Não há dúvida de que estamos a assistir a guerras deste tipo, e, mesmo que elas possam ser limitadas às fronteiras de cada país, haverá em cada um reacções de outros e terá na vida de outros largas repercussões o seu desfecho. … Qual é a posição portuguesa nestas circunstâncias? A grande previdência, a salutar energia de alguns dos nossos monarcas no século XVI pouparam Portugal aos horrores das guerras religiosas que muitos dos outros povos sofreram. Mais tarde se verá que foi a revolução «de cima» por nós defendida e firmemente realizada que poupou o País aos horrores das guerras sociais do nosso tempo. Perante a trágica convulsão de que já foram ou são vítimas outros Estados pode assegurar-se que nenhuma obra da actual situação política é comparável a esta de fazer pacificamente a sua revolução, ainda que para realizá-la tenha de impor a muitos alguns sacrifícios e a outros algumas restrições. Em tal orientação Portugal não perturba a paz do mundo nem a ninguém pode permitir que perturbe a sua: no domínio da política interna é esta nitidamente a posição. (Discursos, volume 2º , pág. 210, 211, 214, 215 e 216). Discurso proferido em 31 de Outubro, de uma das varandas do Ministério das Finanças, quando da manifestação do povo de Lisboa ao Governo: Confesso que me doeu este último e forçado acto da nossa política externa: nós e a Espanha somos dois irmãos, com casa separada na Península, tão vizinhos que podemos falar-nos das janelas, mas seguramente mais amigos porque independentes e ciosos da nossa autonomia. Como peninsulares, episódicos inimigos e constantes colaboradores nas descobertas e divulgação da civilização ocidental, cobrem-nos de luto as desgraças e horrores da sua guerra civil, sentimos como nossas as perdas do seu património material e artístico, o derramamento do seu sangue, o trágico desaparecimento de alguns dos seus maiores valores; e parece-nos que alguma coisa se quebrou – embora confiemos não ser por muito tempo – destes laços que à Espanha nos ligavam. Mas as realidades eram dolorosas e expressivas demais para sobre elas se assentaram relações com algum sentido; nem vimos outro meio de nos mantermos dentro do direito senão evitar que o direito tombasse em pura ficção e responsabilizar pelas faltas cometidas os que perante o mundo se apresentam como tendo autoridade e a força efectiva suficientes para o fazerem acatar. Para além do estremo a que se chegara, a prudência seria covardia e a maior tolerância falta de brio. (Discursos, volume 2º , pág. 224 e 225). Em nota diplomática de 11 de Dezembro, o Dr. António Oliveira Salazar dirige ao Governo Britânico a resposta do Governo Português acerca dos princípios de acção

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internacional para a conservação da paz, na sequência do projecto Anglo-Francês de não intervenção e de mediação na guerra de Espanha: Nas memórias entregues com data de 5 do corrente pelos Governos de Sua Majestade Britânica e da República Francesa são apresentadas ao Governo português as duas sugestões seguintes:

a) a declaração de resolução firme de renunciar desde já a qualquer acção directa ou indirecta que possa conduzir a intervenção estrangeira na luta de Espanha;

b) o anúncio da sua intenção de dar instruções ao representante na Comissão de Londres no sentido de tomar em consideração medidas imediatas de fiscalização efectiva sobre todo o material de guerra destinado a Espanha.

… A proposta de mediação, embora de intuitos humanitários, afigura-se ao Governo português uma tentativa destinada a não obter êxito, o que equivale a dizer, destinada pelo seu malogro a exacerbar, se ainda é possível, as paixões. Nem os mediadores propostos são tidos uns ou outros por neutros ou imparciais nos campos em luta; pelo contrário, a posição jurídica em que perante eles as partes em conflito se encontram são fundamentalmente diferentes. O que importa ver em Espanha não é a guerra, é a paz; não são os horrores da luta, as mortes e sofrimentos que esta traz, a perdoar e a esquecer, mas crimes perpetrados quando não havia luta e onde ainda não há luta – crimes que não interessam ao desfecho da contenda senão porque traduzem uma orientação, uma doutrina, uma política. E não parece justo dar um passo que possa vir a garantir a liberdade e até uma situação política aos seus fautores. Isto em nome da humanidade. O Governo português não se atreve, em virtude do exposto, a dar a sua adesão a essa ideia aparentemente tão generosa mas que, além do mais, se baseia numa confiança em actos eleitorais que ele não pode partilhar, que não atende à dificuldade invencível de garantir um mínimo de liberdade aos que não usam do terror como arma política, nem tem em conta o valor relativo das ideias e das posições morais. Mas se vier a convencer-se de que os contendores aceitam e desejam livremente a mediação proposta, de bom grado o Governo português se prestará a estudar com os outros Governos a forma que deveria tomar a acção mediadora encarada. (Discursos, volume 2º , pág. 229, 230, 238 e 239). 1937 – Novamente o Dr. António de Oliveira Salazar responde à proposta Franco-Britânica, desta vez a 2 de Janeiro relativamente ao alistamento de voluntários para a guerra de Espanha, lembrando o que havia sido já dito na nota de 21 de Agosto, onde reservava o direito de sair do acordo de não-intervenção caso algum país que fizesse parte do acordo recrutasse voluntários ou de outras formas contribuísse para a ingerência dos assuntos Espanhóis. No entanto, e apesar da dualidade de métodos de trabalho do comité criado para inspecção e garante dos acordos, o nosso governo manter-se-ia fiel às declarações proferidas sobre o assunto. Nesta nota dirigida ao Governo Inglês em 12 de Janeiro, a propósito de nova diligência Inglesa acerca dos voluntários para a guerra de Espanha, o Dr. Salazar mostra-se disposto a tornar viável a referida proposta, tendo em conta, sempre, as medidas mais restritivas que ao caso digam respeito, quer ao alistamento de voluntários em território Nacional, quer à passagem de tropas pelo nosso território, mantendo sempre a firme determinação que o facto determinante à continuidade do apoio do Estado Português está implícito no espírito que provocou a intervenção estrangeira em solo Espanhol e não em diplomas ou textos que venham a surgir.

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Nota oficiosa publicada nos jornais de 29 de Janeiro sobre o suposto arrendamento de Angola à Alemanha: fracassado o boato da venda das colónias portuguesas, surge desta vez a notícia do arrendamento de Angola à Alemanha, cujo desmentido o nosso Estado fez imediatamente. Tais boatos poderiam ser provocados pelo facto de ser a Alemanha o país com quem as trocas comerciais se faziam mais intensamente, mas ainda assim o saldo existente era sempre pago em divisas; aliás como acontecia em relação à Inglaterra, à França, à Bélgica, à Suécia e à Dinamarca. Pela Europa e em Portugal, eram já norma os boatos acerca das posições assumidas pelo nosso governo nos vários domínios e agora concretamente e ainda sobre a posição de não-intervenção na guerra Civil de Espanha. Mais uma vez o Ministério dos Negócios Estrangeiros em nota oficiosa de 20 de Fevereiro esclarece, a fim de evitar equívocos, que Portugal se mantém fiel ao acordo de não-intervenção, pelo que se se entender estorvo à unidade dos restantes países participantes, aceitaria abandonar o comité. Discurso proferido no Gabinete do Presidente do Conselho em 15 de Abril, diante dos comissionados pela colónia portuguesa do Brasil para cumprimentar o Governo: As poucas palavras que hei-de dizer não quis deixá-las à improvisação do momento. Tive receio: sei lá o que ditariam ao coração, em tão solene e grave passagem da nossa história, a saudação fraterna, o decidido apoio, o grito de orgulho patriótico da colónia portuguesa no Brasil de que vós trouxestes os ecos fiéis e sois aqui autorizados intérpretes. Como faz bem pensar que um milhão de portugueses, em toda a gama possível das situações e da fortuna, iguais porém na origem e no trabalho, se irmanam igualmente, por toda essa boa terra do Brasil, em desinteressada devoção à Pátria que tanto mais parecem amar quanto mais se julgam esquecidos dela – e alguma razão lhes poderia dar nisso – não se queixando do abandono, da vida áspera, do trabalho e da ausência, mas contentes apenas porque vão seguindo de longe, com o olhar, alta no céu, e pura, e brilhante, a estrela de Portugal! …Temos pois que, independentemente da guerra de Espanha em que mais vasto conflito pode ser enxertado – e são dignos do maior louvor os esforços do Governo inglês para o evitar –, por via de lamentáveis confusões e da loucura revolucionária que agita o mundo, uma violenta luta está desenhada ou mais concretamente travada já entre as forças da ordem e as da desordem, entre a nação e o internacionalismo, entre o comunismo e a civilização. Os povos europeus e asiáticos vão uns após outros definindo atitudes; na América do Sul o Brasil e outros grandes Estados pressentiram igualmente o perigo e tomam posições. Sabe-se o que somos e onde estamos, e enquanto o céu se turva de ameaças, não só pela boca e pela pena de brilhantes espíritos brasileiros se manifesta comovente solidariedade com Portugal, mais a colónia portuguesa sente o dever de afirmar-nos solenemente a sua presença e a sua confiança. Ela não espera certamente que um homem cônscio das responsabilidades e com algum conhecimento das circunstâncias lhe envie resposta diferente da que se contém nestas palavras: - Hoje, mais que nunca, Portugal conta com todos os seus filhos. (Discursos, volume 2º , pág. 273, 274 e 282). Em 20 de Maio o Governo português responde ao pedido de retirada dos voluntários estrangeiros do território espanhol, feito pela Inglaterra, com a mesma intransigência

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que sempre norteou o pensamento português da não-intervenção, sendo que esta pretensão do Governo britânico era vazia de informação relativamente ao plano a ser adoptado bem como à posição das partes em luta, e conclui, “…São estas as razões por que o Governo português julga não poder associar-se neste momento à diligência sugerida na Memória de 18 do corrente”. (Discursos, volume 2º , pág. 273, 274 e 282). Nota do Governo português ao Governo britânico em 21 de Maio: “Guernica”, mais um ponto de discórdia entre os dois Governos. A Portugal afigurava-se inoportuno e até descabido que fosse feito um inquérito internacional à destruição de Guernica em território espanhol: … Acresce que ao Governo português se afigura pouco em harmonia com os princípios repetidamente afirmados de não-intervenção uma proposta para inquérito internacional em território espanhol por Potências que, não sendo partes na luta, também não têm títulos para nela serem juízes. (Discursos, volume 2º , pág. 293). Em 28 de Maio são apresentadas oficialmente a Legião e a Mocidade Portuguesa e no dia seguinte o Dr. Salazar publica algumas considerações sobre o significado da parada da véspera: Ao “Diário de Notícias”: … O que vimos representa, sem dúvida, ilimitada dedicação, grandes sacrifícios pessoais, patriotismo do melhor, um milagre de esforço, mas trabalho apenas de escassos meses – e por isso foi apenas, em toda a sua beleza, pálida amostra do que há-de ser, quando a Mocidade enquadrar toda a juventude portuguesa e a Legião conseguir afeiçoar toda a Nação ao serviço das armas. Ao “O Século”: …Reservamos para a Mocidade Portuguesa e para a Legião as festivas comemorações do ano XI da Revolução nacional, precisamente o primeiro deste novo ciclo de dez anos que eu disse já haver de representar na História Pátria uma Era de Engrandecimento. (Discursos, volume 2º , pág. 297 e 298). Discurso proferido na Sala dos Passos Perdidos da Assembleia Nacional, em 6 de Julho, ao agradecer aos oficiais de terra e mar os seus cumprimentos pelo malogro do atentado de 4: Recolho no fundo da alma esta manifestação – o vosso protesto indignado, os vossos cumprimentos, a vossa simpatia e apoio. Daqui a pouco vereis porque lhes dou, independentemente das vossas pessoas e da vossa categoria, lugar especial entre as mil provas, bem significativas e comoventes, que tenho recebido. …Mas eu não posso fugir a examinar, até à descoberta das causas, os factos de algum relevo e sobretudo os que possam ter repercussões de importância na vida nacional. Vós sabeis que este regime a que ainda hoje chamam Ditadura, e agora carregado com o apodo de fascista, é brando como os nossos costumes, modesto como a própria vida da Nação, amigo do trabalho e do povo. Não há agitação superficial ou profunda, nem divisões das classes, nem ódios irreprimíveis na grande massa, irmanada hoje na aspiração suprema do engrandecimento nacional. Mas se não vemos causas internas, vemo-las de sobejo na atmosfera internacional, sobreexcitada, carregada de sistemas de ideias que são sistemas de crimes – e a nossa atitude tem sido sempre chamá-los pelo seu nome. Aqui dentro, influenciando mesmo, por vezes, pessoas dedicadas, nós temos seguido campanhas que se erguem de todos os lados do horizonte, nascidas da perturbação mental e moral da Europa a que não podemos ser estranhos e algumas das

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quais nem sempre podemos tratar pela delicadeza das questões e a natureza dos documentos com força para esclarecê-las. É o momento de até onde permita a prudência, mas dentro da estrita verdade dos factos, encarar de frente alguns aspectos. …O pesado esforço de ordenar e reorganizar a vida pública e privada, a cultura do sentimento nacionalista, o sucessivo fortalecimento de todas as posições, têm o objectivo de desfazer em nós o pessimismo, a desconfiança, o receio de viver, criar a alegria, a virilidade, a fé, despertar a consciência nacional até nem sequer aceitar a discussão do valor da nossa existência independente. Paralelamente lá fora se criará a mesma noção: ela é condição indispensável da nossa vida e progresso. Este trabalho sobre o corpo e a alma da Nação é acompanhado por um elemento de política externa do mais alto valor – a secular amizade e aliança com a Inglaterra: muito do que se fez e se projecta tem a finalidade precisa de a valorizar. Ora de vez em quando em Inglaterra, pessoas de certo sem grande responsabilidade, irritadas pela nossa atitude noutros campos, têm posto, e recentemente com alguma frequência, acima dos grandes interesses nacionais ou internacionais as suas paixões ou ressentimentos e convidam o Governo inglês a rever o problema da sua aliança com Portugal. Suponho efectivamente que, pelo lado inglês, a aliança deve ser revista, mas quando findar o Império britânico e um cataclismo tenha feito perder à Inglaterra a sua natureza insular. Os argumentos clássicos de defesa da aliança luso-britânica não foram apresentados por escritores portugueses; são ainda hoje os de Lord Palmerston, na carta dirigida a J. Russell, em 9 de Agosto de 1847. Aí se lê: «estas vantagens são muito grandes e óbvias: comerciais, políticas, militares e navais, e se viéssemos a perdê-las, algumas não seriam apenas uma perda mas transformar-se-iam em formidáveis armas de ataque contra nós nas mãos de uma potência inimiga. Por exemplo, a posição naval do Tejo nunca deveria estar nas mãos de uma potência – França ou Espanha – que pudesse vir a ser inimiga da Inglaterra, e é somente mantendo-se Portugal com a sua existência independente e ligado por íntima aliança à Inglaterra que podemos estar seguros de ter o Tejo como amigo em vez de ser uma estação naval inimiga. Imagine, só por um momento, Portugal a constituir parte da Espanha e a Espanha ao lado da França em guerra com a Inglaterra, e o que seria a nossa condição naval com todos os portos, desde Calais a Marselha, a serem-nos hostis… e nada entre nós e Malta senão Gibraltar… Se, pelo contrário, o Tejo estivesse ao nosso dispor, nós ocuparíamos uma posição intermédia que grandemente ameaçaria os movimentos da França e da Espanha». Paro aqui na transcrição a que temos pouco a acrescentar quasi um século depois. Há certamente condições mudadas, umas num sentido outras noutro, mas no fundo a situação geral é ainda a mesma: deu-se a Grande Guerra, a Inglaterra tem as mais estreitas e amigáveis relações com a França e a Espanha não pensa hostilizá-la; mas o Império cresceu, desenvolveram-se outras forças e, ainda no caso certo para a Inglaterra da amizade dos Estados Unidos, ela precisa de manter livres as comunicações no Atlântico Sul, o caminho do Mediterrâneo e o caminho do Cabo para o Oriente. Nós podemos dizer que no continente, ilhas e colónias estamos na confluência e nos pontos de repouso ou segurança das grandes estradas marítimas. Nem de outra forma se poderia conceber facto tão raro na História do mundo – através de séculos manter-se intacta uma aliança: nem a Inglaterra nem nós mudámos de casa e os interesses comuns são ainda como no princípio.

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… Esforcei-me por pôr com a maior clareza esta questão, a fim de fazer compreender parte importante da nossa política externa e do nosso processo de trabalho dentro de aliança inglesa: os elementos apresentados farão naturalmente ver que a aliança não é toda a nossa política externa e que não é à Inglaterra que compete defender antes de nós ou mesmo contra nós todos os nossos interesses. Esta observação leva-me a tratar, embora sumariamente, outro ponto, este ligado com os acontecimentos em Espanha. Algumas pessoas têm sido tentadas a dizer que, por vezes, temos estado contra a política inglesa nesta questão; mas há aqui grandes equívocos a desfazer. A política inglesa na questão de Espanha tende, como mais de uma vez tem sido definido, a circunscrever a luta aos elementos puramente espanhóis, por meio da não-intervenção das potências, e a deixar no final que os espanhóis resolvam por si o seu problema político. Esta política igualmente a temos perfilhado desde o primeiro momento, menos por convicção do que pela necessidade de evitar maiores males. Mas estar de acordo com a linha ou finalidade geral duma política não é necessariamente concordar com todos os processos propostos para ela se realizar. Aqui algumas vezes temos discordado. Porquê? Nós temos na península interesses muito especiais e corremos riscos que outros não correm. Consideramos que a opinião pública de alguns países, e designadamente da França e da Inglaterra, está mal formada em relação ao verdadeiro problema espanhol e à natureza dos acontecimentos ali desenrolados. Alguns não acreditam no perigo comunista; nós, ao contrário, vemo-lo, sentimo-lo, tememos se instale em Espanha com a ajuda estrangeira e, finalmente, se frustre o intento de deixar aos espanhóis a escolha do seu regime futuro – pois não haveria liberdade nacional nem independência onde várias internacionais talhassem a seu contento os povos e os governos. Daqui vem a nossa atitude desde a primeira hora; daqui vem a nossa oposição a que a não-intervenção funcione em detrimento do nacionalismo espanhol, barreira entre Portugal e o comunismo ibérico; daqui vem o ódio de que somos objecto, e devo dizê-lo em plena consciência que o merecemos inteiramente. Apesar destas reservas e preocupações, nós temos podido colaborar e creio se pode dizer ter sido apreciada a nossa cooperação. Num caso dos mais graves em que uma fiscalização internacional se opunha a princípios por nós intransigentemente defendidos, o Governo inglês manifestava-nos o seu agradecimento pelas seguintes palavras: «o Governo de Sua Majestade apreciou muito a confiança nele depositada pelo Governo português ao convidá-lo a nomear observadores para a fronteira hispano-portuguesa. O Governo está tanto mais grato a este convite quanto considera que é mais uma indicação de estreita amizade e entendimento que existe entre os dois países». E ainda ontem, nas curtas respostas dadas nos Comuns a preocupações da oposição acerca da observação da fronteira luso-espanhola, o Ministério dos negócios estrangeiros da Grã-Bretanha, confirmando que a observação estava suspensa mas continuavam entre nós em vigor os decretos que proíbem a exportação de armas e a passagem de voluntários para Espanha, mascava a favor de Portugal uma penhorante distinção, acreditando na nossa palavra e lisura em termos que não devo deixar de sublinhar e de agradecer em nome de todo o País. (Discursos, volume 2º , pág. 301, 302, 303, 306, 307, 308, 309, 312, 313, 314 e 315). Na sequência da perturbação da paz nos vários pontos do mundo, entendeu o Secretário de Estado dos EUA do Norte enviar a todas as Potências, uma declaração em 16 de Julho, que terá ficado conhecida pelo nome “Memorandum Hull”. A esta declaração, o

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Governo português respondeu em 20 de Agosto com inteira concordância mas com as preocupações subjacentes: …As dificuldades começam apenas quando se procura saber como das intenções se há-de passar para os actos ou, mais concretamente, como é que tem de fazer-se para que os acontecimentos – em cujo desenvolvimento é bem difícil depois discriminar responsabilidades individuais ou nacionais – não contradigam as boas intenções …Se há perigo ou preocupações de guerra, é inútil tentar levar os Estados a desarmar ou a reduzir os armamentos; se há graves injustiças na solução de problemas da vida internacional e não se vê meio pacífico de as fazer desaparecer, é inútil dissuadir as vítimas de fazer pela força, se a têm, respeitar a justiça; se as nações, em virtude dos seus próprios excessos ou de estarem expostas às repercussões de erros alheios, têm de defender a sua economia e equilíbrio financeiro, e julgam útil fazê-lo elevando as pautas, desvalorizando a moeda ou proibindo a entrada de trabalhadores ou artigos estrangeiros, fá-lo-ão, ainda que o seu interesse verdadeiro e último não devesse ser procurado em tal orientação e uma e outra vez tivessem tomado o compromisso solene de o não fazer. (Discursos, volume 2º , pág. 322 e 323). Discurso proferido na sala das sessões da Câmara Corporativa, em S. Bento, em 5 de Setembro, ao ser inaugurada a X Conferência internacional contra a tuberculose: …Creio – não sei se erradamente – que a maior parte dos esforços empregados se terão de preferência dirigido para os processos de cura do verdadeiro flagelo que é a tuberculose: o desenvolvimento da aparelhagem de luta nos países civilizados tem directamente provindo das investigações científicas sobre a forma de não deixar desaparecer ou de aproveitar, mesmo diminuído, um valor humano. Para os homens e governo, porém, tal orientação, se fosse exclusiva ou predominante, criaria um problema pouco memos que insolúvel, por excessivamente oneroso e em todo o caso socialmente pouco interessante. Socialmente – e eu distingo o social do humanitário – o que mais importa não é que nos ensineis a curar o mal; seria que nos ensinásseis a evitá-lo. Ainda que geralmente os meios preventivos sejam mais caros, estamos diante de um problema cujo condicionamento nos leva a crer haver mais economia em prevenir o alastramento do mal do que em curar a doença. Assim será, independentemente do valor infinito da vida, pelo menos onde o homem tenha pelo progresso social elevado valor económico. Este é, como se vê um problema de Estado que deve dominar a orientação governativa na execução dos planos anti-tuberculosos, com base clínica, higiénica e económica sem dúvida, mas claramente com finalidade política. (Discursos, volume 2º , pág. 339 e 340). Discurso em Estremoz, em 16 de Outubro, durante as manobras militares, presenciadas pelo Chefe do Estado a convite do Presidente do Conselho: …Quando se estava tentado a crer na insuficiência de oficiais inferiores, registou-se o facto de estes tomarem conta da Legião Portuguesa e, cumulativamente com o serviço de instrução nos quartéis, centenas deles instruírem, por todo o País, dezenas de milhares de legionários, a cuja participação nestas manobras ouvimos há pouco render, pela boa vontade, dedicação e espírito de sacrifício, os maiores elogios. Na organização dos exercícios, apesar de todas as deficiências com que possam ter lutado os oficiais superiores e o Estado Maior, bastou se exprimisse o desejo de se realizarem para que tudo se estudasse com minúcia e tudo, fazendo-se impossíveis, se pusesse de pé.

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Quando tomei posse da pasta da Guerra, eu disse, traduzindo uma necessidade: temos de ter um Exército. Hoje, depois da visita ao campo de manobras, traduzirei já a minha confiança dizendo: teremos um Exército. Daqui a dois anos, nas manobras de Outono que então se realizarem, quero dizer a V. Exª, exprimindo uma consoladora realidade: Senhor Presidente, temos um Exército. (Discursos, volume 2º , pág. 347).