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A Viagem ao Brasil de MARIANNE NORTH 1872-1873

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A Viagem ao Brasil deMARIANNE NORTH

1872-1873

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Julio Bandeira__________________

A Viagem ao Brasil de

1872-1873

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�umário

Introdução �

A Lady de Hastings 11

A Instalação de Marianne North em Kew 19

A natureza invisível: Brasil 29

Solteironas audaciosas ��

North e os ArtistasViajantes ��

North, Merian e Mee �9

Do rio Hudson ao Rio de Janeiro �

Notas, Bibliografia e Cronologia 8

Catálogo das obras 6

Recordações de uma vida feliz 1 �

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em memória de

Geraldo Jordão Pereira—————————

diretor do

jardim botânico do

rio de janeiro

1985-1987

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de três vezes as 32 paisagens brasileiras deRugendas1 e as 26 pranchas de botânica eregistros da natureza brasileira de Debret,2

parcialmente reproduzidas pelos dois artistasem seus livros, além de serem quase o dobrodas 59 pranchas do primeiro volume da Florabrasiliensis de Von Martius, cujos impressosreunidos foram feitos também a partir deThomas Ender e Benjamin Mary.

Os quadros de North, com intensos tonsde rosa, amarelo, azul e escarlate, revelamuma paleta de cores tropicais na paisagemque, para um público britânico maishabituado a sutis variações de verdes emmeio a um colorido aguado, beiravaalucinações visuais. Essa inglesa, que aos 43anos viajou sozinha ao Brasil, soube, comoninguém, capturar as maravilhas botânicasem seus ecossistemas, unindo a arte à ciência.Somente cem anos depois, no século xx,outra inglesa, Margaret Mee3 (1909- 1988),faria um número reduzido, não mais que umadezena de pinturas a guache, de obras àmaneira intensa com que North mostrara oBrasil e o mundo, suas superfícies plásticasonde a pintura de botânica reencontrava apaisagem de seu hábitat tropical.

O conjunto da obra sobre o Brasil deNorth teria sido mais do que suficiente paraformar, já à sua época, um belíssimo volumede “quadros da natureza” (Ansichten der

enhum dos artistasviajantes do século xix –nem os franceses Jean--Baptiste Debret e oConde de Clarac, nem oaustríaco Thomas Ender,

nem o belga Benjamin Mary, para citar osmais relevantes – foi capaz de retratar apaisagem e a flora brasileiras com aintensidade e o colorido dos óleos da pintorainglesa Marianne North (1830-1890).

Todos aqueles artistas buscaram, emalgum momento, revelar a natureza dafloresta úmida tropical que encontraram no Brasil. Eles obedeciam aos cânones que o naturalista Alexander von Humboldtestipulara a partir de sua viagem ao NovoMundo, na virada do Setecentos para oOitocentos, considerada, então, como umaredescoberta da América.

Era também com aquarelas que essesartistas seguiam o breviário humboldtianode uma representação dessa natureza novel,densa e emaranhada. Nada, portanto, secompara às 112 pinturas a óleo sobre papel e à solitária tela de Marianne North, reunidaspela primeira vez neste catálogo raisonné desua obra brasileira realizada nos anos 1872- 1873.Elas formam um conjunto de extraordináriabeleza, que impressiona pela modernidade eimpetuosidade. Seus óleos equivalem a mais

ao l ado :

Marianne North pintando fotógrafo desconhecido

royal botanic gardens, kew

1850

Introdução_____________

Um volume inédito

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quando das duas montagens que Northrealizou na galeria que leva seu nome, emKew Gardens.

Seus trabalhos a lápis e tinta, tomados a partir do natural na América, da mesmaforma que em todos os outros continentespor ela explorados, eram, portanto, apenas a base para a ultimação a óleo realizada orain situ, ora em seu quarto de hotel, ou nacasa de amigos onde estava hospedada. Ao contrário de seus contemporâneos,North pintava muitas vezes sem paleta,com a tinta espremida diretamente do tubo sob o suporte, sendo esta finalizaçãodireta com tinta a óleo mais uma dasrazões que tornam sua arte tãosingularmente bela.4 Uma vez feito oesboço a lápis ou nanquim no cartão, elelogo seria encoberto pela untura colorida da iluminação de suas tintas.

A outra justificativa para o longoineditismo estaria relacionada aos limitadosmeios de reprodução disponíveis em seutempo para a impressão de imagens emlivro. Inventada no fim do século xviii, a litografia, embora fosse excelente para areprodução de aquarelas e desenhos, nãopermitia reproduzir as cores e, sobretudo, as texturas da pintura a óleo, mesmo quandorealizada sobre papel. As reproduçõesfotográficas coloridas em fac-símile só

Natur) – título humboldtiano empregado,em 1808, na primeira tentativa do naturalistaprussiano de classificar as particularidadesda Terra. Várias razões contribuíram,porém, para esse longo ineditismo da obrade North. Em primeiro lugar, seu método:ao contrário do que ocorria com os demaisartistas aqui mencionados, as aquarelas e os esboços de Marianne North iamdesaparecendo à medida que ela terminavasuas pinturas a óleo.

Como se descobriu durante arestauração recente de seus óleos sobrepapel, ela pintava em pentimento por cimadas outras técnicas. Assim, ao mesmotempo que tomavam forma, suas pinturasa óleo iam se alimentando dos desenhos e aguadas. A isto se deve a ausência nestecatálogo de outros meios, a presença delessendo apenas virtual, ocultos sob camadasmais espessas de tintas e cores.

Também os registros originaismanuscritos de suas anotações de viagemdesapareceriam atrás das pinturas,encerrados entre o suporte dos óleos e arigidez do papelão que a artista colou como reforço. Os textos com a sua delicadacaligrafia, que foram as legendas originaisdas pinturas, só seriam redescobertos em2009, durante a mencionada restauração.Eles haviam desaparecido em 1882, ou 1885,

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Alexander von Humboldt

por Friedrich Georg Weitsch

óleo sobre tela

126 × 92,5 cm

alte nationalgalerie, berlim

1806

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estariam disponíveis após a morte de North, e a artista provavelmente receava que aimagem de seus quadros perdesse a essênciaao ser impressa por qualquer meio mecânicode reprodução incapaz de se aproximar daqualidade do colorido de sua pintura. Isso fez com que proibisse a publicação das pinturas, permanecendo até 19805 agaleria construída por ela o único lugarpossível de vê-las.

Esta ausência se torna notável em seustrês livros post mortem de viagens, editadospela irmã, nos quais as únicas ilustrações sãodois desenhos a lápis da flora mediterrâneae retratos em preto e branco de Marianne e seu pai.6

Em 2007, o Royal Botanic Gardens de Kew, após cuidadoso diagnóstico –quando ficou evidente que infiltrações na construção vitoriana estavamcomprometendo o prédio e haviamcontaminado com fungos as pinturas –,iniciou um amplo projeto de restauração.Diante dos sérios riscos que corria dedesaparecer, o legado de Marianne Northprecisava urgentemente sofrer umaintervenção rigorosa, com um cronograma de pelo menos três anos: a galeria seriafechada e todas as 848 pinturas removidaspara a restauração dos óleos e do prédio.Em 2010, todo esse trabalho foi concluído.

Isto significa que suas pinturasbrasileiras, cerca de 80% delas inéditas,também estão sendo reproduzidas aqui pelaprimeira vez, com todo o coloridorecuperado, o mesmo que tanto maravilhouos olhos de contemporâneos seus comoCharles Darwin.

Cones de Araucaria araucana macha

nanquim e óleo sobre papel

35 x 50,9 cm

royal botanic gardens, kew

1884

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Em 1855, pouco antes da morte de suamãe – havia muito inválida –, Marianne feza promessa de jamais se casar e de cuidar do pai e da casa, tornando-se assim, aos 25anos, a “lady” solteira de Hastings. Algo quenão parece ter sido uma escolha difícil, vistoque demonstrara sempre em seus escritosuma indiferença, e até mesmo repulsa, peloconformismo implícito no casamento. O matrimônio era, para ela, uma instituição“que levava a uma experiência terrível, naqual a mulher era transformada numaespécie de criada eminente”.

Se o seu compromisso de dedicação aopai viúvo lhe permitira compartilhar desdecedo uma paixão por viagens e botânica, asua condição de solteira foi o que lhe fezsenhora de si após a morte do pai em 29 deoutubro de 1869, podendo dar livre curso aos seus périplos.9 Entre 1871 e 1885, ela fariaduas circum-navegações, atravessando oitovezes o Atlântico e duas vezes o Índico e oPacífico, indo de um hemisfério a outro commais facilidade do que poucos europeusteriam para atravessar o canal da Mancha.

Embora tivesse tido aulas de desenhodesde criança, sua verdadeira paixão até aadolescência fora a música, em particular o canto. A opção por uma vida no palco ou numa sala de concertos seria, contudo,definitivamente afastada após uma febre

arianne North nasceuem Hastings, nocondado de East--Sussex, na residênciafamiliar de HastingsLodge, em 24 de

outubro de 1830. Ela pertencia a uma famíliada aristocracia inglesa, proprietária deterras, sendo descendente do Honorable7

Roger North (1653-1734) que, como filhocadete de Lorde Dudley North, 4o Barão deNorth (1602-1677), só herdara o nome e umaboa educação, tornando-se um jurista de fortuna. O pai de Marianne, FrederickNorth (1800-1869), tetraneto do barão, quefora eleito8 aos 31 anos pela primeira vezpara o Parlamento como whig (membro doPartido Liberal) por Hastings, era tambémjuiz de paz em Norfolk. Já pelo lado deJanet, sua mãe, Marianne era neta de SirJohn Majorybanks, baronete e membro doParlamento por Berwickshire.

Marianne, a filha do meio – tinha umirmão dois anos mais velho e uma irmãcaçula sete anos mais nova –, foi inicialmenteeducada em casa. Sua verdadeira formaçãodar-se-ia, contudo, durante as viagens quecomeçara a fazer regularmente na companhiado pai desde os 17 anos, quando a famíliamorou três anos no continente europeu,sobretudo na Alemanha e na Áustria.

A Lady. de .

Hastings

�Roger North

Óleo sobre tela de Sir Peter lely

National Portrait Gallery

ao lado:

Fotografia de marianne publicada

na primeira edição de seu livro

de Memórias

A Lady. de .

Hastings

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tifoide contraída em Munique, que levou omelhor da sua voz, em 1847. Ela encontraria,então, na pintura, bem como nas viagens,uma vocação que viria, literalmente, bater à sua porta.

Entre os amigos de seu pai estava opintor de paisagem e escritor Edward Lear(1812-1888), cuja biografia, The Life of aWanderer, por Vivien Noakes, revela ter sidoum globe-trotter quase da mesma linhagemque North. Pois foi esse frequentador damansão de Hastings quem primeiroinfluenciou os destinos das viagens da jovemcom seu pai e o gosto de Marianne pelapaisagem. Na companhia paterna ela visitariatodos os locais pintados por Lear no sul daItália e no Oriente Médio. Essa cumplicidadeem seguir os roteiros de Lear prosseguiriamesmo após a morte de Frederick North:Lear visitaria mais tarde a Índia, onde viveupor dois anos, entre 1873 e 1875,10 no que foiseguido por Marianne, entre 1877 e 1879.Além de ter sido o autor do best-seller de1846, A Book of Nonsense, Lear impressionarade tal modo a Rainha Vitória com asilustrações de seus livros de viagem à Itália,que seria feito professor particular de pinturaem aquarela de Sua Majestade.

Preparando mais uma vez o futuro deMarianne, entre os hóspedes da casa tambémestavam os botânicos William Jackson

Hooker (1785-1865) e Joseph Dalton Hooker(1817-1911), pai e filho, sucessivamentediretores de 1841 a 1885 do Royal BotanicGardens de Kew.11 Contudo, a mais famosadas relações ilustres de Hastings era CharlesDarwin. O naturalista, que tinha JosephHooker entre seus amigos mais diletos, seria,muitos anos depois, impedido pela própriamorte de inaugurar, como havia prometido, a North Gallery, em 1882. Na introdução quefez à segunda edição de Recollection of a HappyLife, autobiografia de Marianne, SusanMorgan lembra que a contribuição deDarwin para a construção da galeria vai desdea sugestão de que North visitasse a África e aOceania, para acrescentar novas pinturas, atéa coleta das pranchas de madeira de 240países que formam o lambri que reveste asparedes ao longo da galeria.

Assim, os anos entre 1859 e 1870 podemser considerados os de sua formação comopintora e botânica, realizando, também,sempre que seu pai perdia uma eleição, umasérie de grands tours sistemáticos pela Europa.A lista de suas viagens pelo continenteeuropeu e o Oriente Próximo, na companhiade Frederick North, inclui: Munique,Heildelberg e Salzburg (1847); Espanha(1859); Suíça, Itália, Constantinopla e Atenas(1862); Síria e Egito (1865); Palestina (1866);Áustria (1867); e os Alpes (1869).

A Book of Nonsense, de Eward Lear,e duas de suas famosas vinhetas.acervo particular, Londres

1862

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A jovem Marianne – cujo apelido de“Pop” (estalo/pipoca) é bastante revelador deseu temperamento irrequieto – teve, portanto,uma criação singular e cosmopolita, na qualos meios foram aliados a uma educaçãoheterodoxa e humanista, com influênciadireta da elite intelectual e liberal vitoriana.Sua já citada autobiografia, editada pela irmãCatherine Symonds,12 está repleta deobservações extravagantes, obstinadas emordazes. Os dois volumes – Recollections of a Happy Life: Being the Autobiography ofMarianne North (1892) e Some FurtherRecollection of a Happy Life: Selected from theJournals of Marianne North (1893) – baseiam--se em seus diários. Quiçá por algumareferência mais inconformista, os manuscritosoriginais continuam sendo mantidos sob aguarda da família,13 o que impediu até agoraum conhecimento ainda mais aprofundadosobre a personalidade da artista.

As Recordações de uma vida feliz noscontam que um dos grandes acontecimentosna vida de Pop, ocorrido entre o Natal e oAno-Novo de 1866-1867, foi sua iniciação à pintura a óleo. Coincidentemente, essatécnica chegaria até ela pelas mãos de umartista de outro hemisfério, o australianoRobert Hawker Dowling (1827-1886), pintorde costumes e retratos, mais um dosconvidados de seu pai em Hastings. Dowling,

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Vista do “Parade” de Hastings em dia de ressaca.Cartão-postal anônimo

1891

ao lado:

Edward Lear por William HuntLiverpool Museum

1890

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dono de um estilo vigoroso e muitas vezesetnográfico, que registrava em grandes telasgrupos de aborígines e europeus, parece tersido outro que introduziu em North o desejopor paisagens extraeuropeias.

Eu nunca mais pintei de outra forma desdeentão, a pintura a óleo tornara-se para mim umvício como a dipsomania, quase impossível delargar uma vez que a gente está tomada por ele.14

Foi durante uma de suas viagens à Suíça,onde vivia a maior parte do tempo a filhacaçula, Catherine, que Frederick Northadoeceu. Era um outono particularmentefrio nos Alpes, o que não impediu o velhogentleman de cometer – como mais tarde afilha nos trópicos – excessos ao praticarmontanhismo a partir do Hotel du RighiVaudois, em Montreux. Marianne conseguiuainda levá-lo via Paris para a casa emHastings, onde faleceria três dias depois.Pop, que no passado fora encorajada pelosamigos a fazer descrições e esboços dasviagens – como durante sua ida à Espanha,quando fez sua primeira tentativa de pintar a paisagem usando como meio a aquarela –,tomaria finalmente a decisão solene de sededicar por inteiro à pintura.

No dia 29 de outubro de 1869 meu paimorreu. (...) Eu queria ficar sozinha; era-meinsuportável falar sobre ele, ou qualquer outro

assunto. Logo que a situação da casa emHastings ficou resolvida, parti direto paraMentone15 (...) meu objetivo era pintar a partirdo natural, e tentar aprender com o mundoadorável que me cercava ali como tornar estaatividade doravante senhora da minha vida.16

Da Riviera, ela partiu para a Sicília, onde desembarcaria no dia 28 de fevereiro de 1870 em Palermo, seguindo para Siracusa eMessina. Este foi seu último tour europeu e sua primeira experiência de dedicaçãoexclusiva à pintura. A partir de Taormina,viajaria de início na companhia de um amigoalemão, “que evitava seus compatriotas”,17

com quem fez alguns esboços; mas foi junto a um misterioso pintor de paisagensdinamarquês que passou uma semana inteiraentregue à pintura em meio ao vento quenteque soprava do Saara:

Nós tivemos uma semana de sirocco enuvens, o que melhorou bastante a paisagem, e com suas adoráveis nuances peroladasequilibraram a grande massa do monte Etna. O dinamarquês e eu trabalhávamoshoras a fio, todos os dias, em diferentes cantos do anfiteatro.18

Apenas três óleos da sua épocamediterrânica seriam selecionados para a North Gallery, sendo fixados junto às

Robert Dowlingfotógrafo desconhecido

albúmen

1855

ao l ado :

Early effort-art in Australiapor Robert Dowling

óleo sobre tela, 7,6 x 122 ,3 cm

national gallery

of victoria, melbourne

1860

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pinturas africanas. São eles: Palmeiras etamareiras à beira do Nilo acima de Philae(Filas),19 uma paisagem de 1866 duranteviagem com o pai, Papiro, ou junco de papele Estudo de azeitonas, pintados na viagem à Sicília em 1870,20 respectivamente aspinturas de número 360, 361 e 517.

De volta à Inglaterra, Marianne vendeu,no início de 1871, a propriedade familiarde Hastings Lodge. Aos 40 anos, tinhaafinal os meios para realizar seu desejo decrescer como artista e partir para a suaprimeira viagem transatlântica aos EstadosUnidos e à Jamaica.

Começa então a série de grandes viagensem busca de plantas de todas as latitudes para“pintar a vegetação peculiar de outras terras”.

Durante os catorze anos seguintes,Marianne iria descobrir sucessivamente aAmérica do Sul, a África, a Ásia, da Índia ao Japão, e a Oceania, da Tasmânia à NovaZelândia. Ela estava totalmente livre para sededicar ao seu “vício de pintar”, atuando coma vivacidade e o vigor característicos de suastintas a óleo, buscando flores e paisagens emtodos os continentes, cujas substâncias seriamcapturadas pelas suas pinturas:

Desde muito acalentava o sonho de partirpara algum país tropical e de pintar suavegetação peculiar do natural em meio ànatureza abundante e luxuriante.

Em meados de novembro de 1884,embarcou em sua viagem definitiva; partiaem busca da Araucaria imbricata chilena,para completar a sua galeria com a últimagrande árvore ainda não representada.Durante essa viagem iria revisitar por algunsdias o Rio de Janeiro, com sua “adorávelbaía” e passear pelo “refrescante beira-mar”.

Pop passaria o Natal e o Ano-Bom emSantiago; seus nervos, porém, já não eram os mesmos. As alucinações que sentira nas ilhas Seychelles, as várias vicissitudesfísicas que suportara a tornaram uma mulher alquebrada, para a qual os médicosencontravam como único paliativo receitasde brometo, sedativo usado em prisões equartéis em virtude de suas propriedadesmortificantes. Apesar da saúde precária, suaintenção era partir de Valparaíso tendo oMéxico como destino. Ela seria, entretanto,obrigada a desistir de Acapulco no meio daviagem, desembarcando no Panamá, pararetornar à Inglaterra no início de 1885.

Ao atravessar o istmo, onde jácomeçavam os trabalhos do futuro canal,Pop se entristeceu mais uma vez com oenxovalhamento da natureza perpetrado noNovo Mundo. Mesmo assim, reencontrariana Jamaica, junto a uma velha amiga, Mrs.C., a beleza do início de suas viagens nessaúltima escala americana, onde ficou

A casa de Marianne North em Hastings por T. Perkin

óleo sobre tela

royal botanic gardens, kew

1893

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hospedada em Raymond Hall, a mil metrosde altitude. “Uma das casas mais altas do sulda ilha, e as vistas eram magníficas a suavolta”, escreveu ela diante daquela que foi asua primeira e derradeira paisagem tropical.

De volta à Inglaterra, concluiria o arranjo da sua galeria-monumento como évista até hoje. Em seguida, partiria em suabusca final por um recanto, cuja descriçãolembra o testamento de Candide. Como apersonagem de Voltaire, nos últimos anos de vida Marianne tratou de cultivar seupróprio jardim.

“Depois disso procurei pela perfeitamorada no campo, onde já houvesse umacasa pronta e um jardim que eu pudesse fazerà minha maneira (...). Encontrei o lugarperfeito para o que desejava, com meu jardimtornando-se famoso entre aqueles que amamas plantas (...). Nenhuma vida é tãoencantadora como aquela no campo inglês, enenhuma flor é mais suave ou mais adorávelque as primroses (primaveras), cowslips(prímulas), bluebells (jacintos) e violetas, todascrescendo em abundância à minha volta.”21

Pop morreu aos 59 anos – seu pai se fora aos 49 – cercada pela companhia deseu jardim em Alderley, no dia 30 de agosto de 1890. Sua casa ficava em Cotswold, umadas regiões mais belas da Inglaterra.

Graças à precisão científica com que anatureza foi por ela registrada na pintura a óleo, seu amigo Hooker identificou para a ciência e batizou com seu nome umnovo gênero e quatro novas espécies deplantas: Northea seychellana – uma árvoredas ilhas Seychelles; Nepenthes northiana– a maior das plantas insetívoras de Bornéu,pintada pela primeira vez por Marianne;Crinum northianum – uma das amarílis;Areca northiana – palmeira do gêneroPlumeria; e Kniph ofia northiana – da famíliadas liliáceas africanas.

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Marianne North, em Alderleyfotografia anônima

1887

ao l ado :

Costwolds Houndsgravura anônima

1891

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