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WANDIRLEY FILHO 1

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

Departamento de ciências jurídicas

WANDIRLEY RODRIGUES DE SOUZA FILHO

IMUNIDADE PARLAMENTAR

Monografia apresentada à Banca Examinadora da Universidade Católica de Goiás, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do professor Dr. Ari Ferreira de Queiroz.

GOIÂNIA – 2007

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Dedicatória

Ao meu pai e à minha mãe; aos meus irmãos, a minha avó Olinda Rodrigues de Moraes, ao meu padrinho e minha madrinha, aos meus tios e tias, aos meus primos, a minha namorada Daniela Cristina Borges e Silva e ao meu orientador, professor Dr. Ari Ferreira de Queiroz.

Agradecimentos

Em primeiro lugar a Deus.

Ao meu pai e à minha mãe, pelo amor e carinho dedicados a minha pessoa, pela educação que me proporcionaram e por todos os esforços que fizeram para que eu pudesse estudar.

Aos meus irmãos, tios e tias, primos e primas e a minha avó Olinda Rodrigues de Morais, pelo incentivo ao estudo.

Ao meu padrinho e a minha madrinha, pela atenção e satisfação que sempre demonstraram pela minha vida estudantil.

A minha namorada Daniela Cristina Borges e Silva, pela ajuda na escolha do tema da monografia e pelo estimulo prestado nos momentos de dificuldades.

Ao professor Dr. Ari Ferreira de Queiroz, pela orientação, pelo empenho enquanto educador e pelo notório saber jurídico colocado a disposição.

A todos os amigos presentes, fisicamente ou espiritualmente, que contribuíram para realização dos meus estudos, em especial a esta monografia, dando força e coragem para prosseguir nessa caminhada.

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RESUMO:

O Poder Legislativo é um dos pilares que sustentam a República do Brasil. Estão a frente deste Poder os parlamentares, a qual são conferidas imunidades por suas opiniões, palavras e votos, contra prisão e possibilidade de sustação de processo contra ele intentado, para que possam exercer suas atividades de representantes da população. Ocorre que o Poder Legislativo enfrenta uma enorme crise, pois imagem dos parlamentares brasileiros a cada dia que passa está mais arranhada, devido escândalos envolvendo os seus nomes, que se tornam cada vez mais comuns e raramente são esclarecidos, transmitindo uma sensação de impunidade. Em torno desta crise que cerca o Legislativo brasileiro, urge se discutir o instituto da imunidade concedida aos parlamentares, verificar se esta é prerrogativa realmente necessária para o exercício das atividades inerentes do Poder Legislativo ou privilégio pessoal concedida aos nossos mandatários.

PALAVRAS-CHAVE

Parlamentar. Imunidade. Material. Formal. Prerrogativa. Privilégio.

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Sumário 1 CAPÍTULO I: HISTÓRICO DAS IMUNIDADES PARLAMENTARES. 7

1.1 ORIGEM......................................................................................8 1.2 IMUNIDADE PARLAMENTAR NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS..................................................................................12

1.2.1 Constituição de 1824..........................................................12 1.2.2 Constituição de 1891..........................................................15 1.2.3 Constituição de 1934..........................................................16 1.2.4 Constituição de 1937..........................................................18 1.2.5 Constituição de 1946..........................................................19 1.2.6 Constituição de 1967..........................................................21 1.2.7 Constituição de 1988..........................................................23

2 CAPÍTULO II: TIPOS DE IMUNIDADES...........................................24 2.1 CONCEITO DE IMUNIDADE PARLAMENTAR.........................24 2.2 DISTINÇÃO ENTRE IMUNIDADE E INVIOLABILIDADE.........27 2.3 ESPÉCIES DE IMUNIDADES PARLAMENTARES...................31

3 CAPÍTULO III: IMUNIDADE MATERIAL E IMUNIDADE FORMAL . 35 3.1 IMUNIDADE MATERIAL............................................................35

3.1.1 Noções................................................................................35 3.1.2 Conceito..............................................................................36 3.1.3 Objeto.................................................................................38 3.1.4 Natureza jurídica................................................................39 3.1.5 Características da Inviolabilidade.......................................41

3.1.5.1 Absoluta.......................................................................41 3.1.5.2 Permanente.................................................................44 3.1.5.3 De Ordem pública.......................................................44 3.1.5.4 Irrenunciável................................................................46

3.1.6 Abrangência da imunidade material...................................47 3.2 IMUNIDADE FORMAL...............................................................59

3.2.1 Noções................................................................................59 3.2.2 Conceito..............................................................................60 3.2.3 Objeto.................................................................................61 3.2.4 Natureza Jurídica...............................................................62 3.2.5 Características da imunidade formal..................................63

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3.2.6 De ordem pública e irrenunciável.......................................64 3.2.7 Relativa...............................................................................64 3.2.8 Temporária..........................................................................65 3.2.9 Extinção da licença prévia..................................................66

3.3 Imunidade formal em relação à prisão .....................................68 3.4 Imunidade formal em relação ao processo...............................70 3.5 Imunidades e estado de sítio.....................................................73

4 CAPÍTULO III: IMUNIDADE PARLAMENTAR: PRERROGATIVA OU PRIVILÉGIO?........................................................................................75

4.1 CONCEITO DE PRERROGATIVA.............................................75 4.2 CONCEITO DE PRIVILÉGIO....................................................76 4.3 IMUNIDADE PARLAMENTAR: PRIVILÉGIO OU PRIVILÉGIO?..........................................................................................................78

4.3.1 Argumentos favoráveis à imunidade parlamentar como prerrogativa...................................................................................78 4.3.2 Argumentos desfavoráveis à imunidade parlamentar como prerrogativa...................................................................................87

5 CONCLUSÕES.................................................................................91 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................92

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INTRODUÇÃOO Poder Legislativo brasileiro tem sua credibilidade cada

vez mais abalada em razão da inoperância do Congresso Nacional, mas principalmente pelo fato de alguns congressistas estarem envolvidos em escândalos como o mensalão, dólar na cueca e etc. Acontecimentos como estes se tornam cada vez mais comuns e raramente são esclarecidos, em razão disso tornado se questionável as prerrogativas parlamentares concedias aos nossos representantes do poder legislativo.

Esta monografia focará o estudo da imunidade parlamentar, prerrogativa conferida aos congressistas no exercício de suas funções, buscando esclarecer se esta é privilégio ou prerrogativa e confrontando a necessidade e a forma que tem sido utilizada.

Para entender a situação atual da imunidade parlamentar e distinguir se é privilégios ou prerrogativa, se faz necessário reportar a 1688, ano da Revolução Inglesa, onde se originou, para estudar o contexto histórico do seu surgimento e compreender a necessidade aos parlamentares durante o mandato.

No Brasil, a imunidade parlamentar foi abordada pela primeira vez na Constituição de 1824 para assegurar tranqüilidade aos deputados e senadores no exercício de suas atividades, tendo sido contemplada nas constituições posteriores.

Desta forma, verificar se a imunidade parlamentar é utilizada de forma correta, desde o seu surgimento no ordenamento jurídico brasileiro, é uma maneira de entender como este instituto tem sido aplicado nos dias atuais, mas principalmente uma forma de buscar mecanismos que possam neutralizar excessos e possíveis desvios de sua finalidade, que ocorrem atualmente e poderão se alastrar nos próximos anos.

1 CAPÍTULO I: HISTÓRICO DAS IMUNIDADES

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PARLAMENTARES

1.1 ORIGEM

Os primeiros relatos acerca das prerrogativas parlamentares surgem na Inglaterra1, no ano de 1397, com intuito de proteger o parlamento contra as arbitrariedades dos monarcas absolutistas. Pedro Aleixo assevera sobre o surgimento desta prerrogativa:

Antes, muito antes, mesmo da elaboração doutrinária do sistema representativo, surgiu na Inglaterra a prerrogativa de proteger-se o membro do Parlamento contra as prisões arbitrarias determinadas pelo rei. 2

O primeiro caso de conflito entre o monarca absolutista e o parlamento é o de Haxey, que teria proposto com aprovação da Câmara dos Comuns, a redução das despesas da Casa Real, o que motivou a prisão do proponente e censuraras de Ricardo II àquela Câmara, em 1397, relata Carlos Maximiliano:

O primeiro caso de conflito entre o rei e a Câmara dos Comuns, que costuma ser citado, é o de Haxey, que teria proposto com aprovação da Câmara dos Comuns, a redução das despesas da Casa Real, o que motivou a prisão do proponente e censuraras de Ricardo II àquela Câmara, em 1397. Dois anos depois Haxey foi libertado, quando subiu ao trono Henrique IV, que reconheceu a ilegalidade da prisão. 3

No decorrer dos anos ocorreram outros entre o parlamento e o monarca absolutista e até com a Corte Judiciária, fatos este que

1 As franquias parlamentares encontram suas raízes na Inglaterra, onde surgiu e se estruturou o regime representativo, ao qual são inerentes, concorrendo para a independência dos mandatários do povo. FALCÃO, Alcino Pinto. Apud ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 76.

2 ALEIXO, Pedro. Imunidades parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 23

3 MAXIMILIANO, Carlos. Apud ALEIXO, Pedro. Imunidades parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 23., (reporta se a Anson, Lei e Prática Constitucional da Inglaterra).

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acabaram por estabelecer o princípio da liberdade de expressão do parlamento inglês, liberdade que foi assegurada pelo Bill of Rights de 1689. Esta situação é explicitada por Pedro Aleixo:

Entre outros conflitos entre a Câmara dos Comuns e a Coroa e até em conflito daquela com a Côrte Judiciária, acabou sendo afirmado o principio da liberdade de opinião para os membros do Parlamento. Os incidentes, em que se verificava a contestação da liquidez e da certeza da prerrogativa, foram afinal resolvidos coma vitória da tese que proclama como consta o Bill of Rights de 1689 “The freedom of speech or debates or proceedings in Parliament ought not to be impeached or questioned in any Court or place out of Parliamente”. Mantido é o uso de reivindicar o speker, ao ser investido de suas funções “a liberdade da palavra nos debates e a imunidade que subtrai a toda a prisão os membros da Câmara dos Comuns”. 4

Diante de tantos conflitos a imunidade parlamentar torna se instrumento imprescindível no combate às arbitrariedades contra os mandatários do povo. Alexandre de Moraes remete a presença deste instituo entre os romanos:

Importante relembrar que foi basicamente o direito europeu que consolidou as imunidades parlamentares, dando-lhes os contornos atuais, porém, elas não passaram despercebidas pelo povo romano, pois eram intangíveis, invioláveis (socrosancta) as pessoas dos tribunos e dos edis, seus auxiliares; tendo o povo romano outorgado-lhes por lei essa inviolabilidade e, para torná-la irrevogável, santificou-a com um juramento (lês socrata), punindo com a pena de morte os atentados contra esta regulamentação. Esta inviolabilidade do tribuno garantia-lhe no exercício das suas funções ou fora delas e obstava a que ele pudesse ser acusado, preso ou punido. 5

4 ALEIXO, Pedro. Imunidades parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 23

5 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 416.

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No direito norte-americano o instituto da imunidade parlamentar também está presente. A jurisprudência e a doutrina norte-americana, historicamente, pacificaram se no sentido de imunidade processual ser impeditiva de prisão tão-somente em procedimentos cíveis. Por sua vez, a imunidade material se encarrega de defender o parlamentar, geralmente através da constituição de comissão parlamentar de inquérito, afirma Alexandre de Moraes:

A jurisprudência e a doutrina norte-americana, historicamente, pacificaram se no sentido de a freedom from arreste ser impeditiva de prisão tão-somente em procedimentos cíveis. Por sua vez, a freedom of speach considera que o privilégio pertence à própria Casa Legislativa, a qual se encarrega de defendê-lo, geralmente através da constituição de comissão parlamentar de inquérito. Em relação à abrangência, também a origem histórica do instituto aponta que somente as palavras e os votos proferidos dentro do recinto das sessões ou das comissões é que são cobertos pela imunidade material, inclusive se o pronunciamento for considerado perigoso à segurança do Estado. Posteriormente, as imunidades parlamentares foram inscritas constitucionalmente na Carta Magna dos Estados Unidos da América (17-9-1787) afirmando:

“Em nenhum caso, exceto traição, felonia e violação da paz, eles (senadores e representantes) poderão ser presos durante sua freqüência às sessões de suas respectivas Câmaras, nem quando elas se dirigirem, ou delas retornarem; e não poderão ser incomodados ou interrogados, em qualquer outro lugar, por discursos ou opiniões omitidos em uma ou outra Câmara” (art. 1º, seção 6).6

No direito francês a imunidade parlamentar se faz presente “É no direito público francês que estão as origens da imunidade

6 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 416.

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contra processos criminais” 7, sendo que estas origens já encontravam-se antes da Revolução Francesa de 1789 “A afirmação da inviolabilidade parlamentar já se fizera, por ocasião da reunião dos Estados Gerais, que precedeu a Revolução de 1789”8. Esmein acrescenta sobre o surgimento da imunidade parlamentar no direito francês:

Aos 23 de junho daquele ano9, reunido o terceiro estado em Versalhes, recusa-se a Assembléia popular a obedecer a ordem de Luiz XVI, no sentido de dissolver e, sob a inspiração de MIRABEAU, decreta a inviolabilidade dos deputados afirmando que nenhum deles poderia ser inquirido, perseguido, detido ou preso, por motivo de proposta, parecer, opinião, ou discurso feito aos Estados Gerais. 10

Alexandre de Moraes comenta a presença do instituto da imunidade no direito francês:

Anote-se ainda que na França, em 23 de junho de 1789, houve nova proclamação das imunidades, ante a ameaça de dissolução do Terceiro Estado; a assembléia decretou inviolabilidade dos seus membros e declarou “traidor, infame e digno de morte quem pusesse a mão sobre eles”. 11

Apesar da presença deste instituto já no ano de 1789, ele se solidifica no direito francês com a constituição de 1799, afirma Fernanda Dias Menezes de Almeida:

(...) Com a Constituição de 1799, a imunidade formal adquire os

7 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 78.

8 ESMEIN, A., Elements de droit costitutionnel francais et compare, Paris: Recuell Sirey, 1928. 8. ed., v.ii, p.419. Apud ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 78.

9 1789 ano que aconteceu a Revolução Francesa.

10 ESMEIN, A., Elements de droit costitutionnel francais et compare, Paris: Recuell Sirey, 1928. 8. ed., v.ii, p.422. Apud ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 78.

11 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 417.

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contornos que se vão sedimentando no Direito Constitucional francês, impedindo que qualquer processo, em matéria criminal, pudesse ser iniciado contra deputados, sem prévia autorização do Legislativo. 12

O que se pode notar é que as imunidades surgem e são normatizadas em meio a vários conflitos (monarcas e parlamentos) na tentativa de igualar os poderes existentes no Estado. Pedro Aleixo afirma em ralação ao surgimento e da normatização desse instituto:

Com o sentido de garantia contra a opressão, de proteção contra as violências do Poder armado e, muitas vezes, como epílogo de lutas pela liberdade, foi que se concebeu e se formulou nas leis a imunidade parlamentar. 13

Ante este contexto histórico, na Roma antiga, Inglaterra, França e Estados Unidos, visualiza se a importância do surgimento e da normatização das imunidades parlamentares no direito público, que buscam garantir a liberdade de opinião (freedom of speach) e proteção processual (freedom from arreste) dos parlamentares, para que desta forma possam exercer com tranqüilidade as suas funções.

1.2 IMUNIDADE PARLAMENTAR NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS.

1.2.1 Constituição de 1824A imunidade parlamentar começa a se formar no

ordenamento jurídico brasileiro no ano de 1823, por meio do projeto da constituinte, buscando assegurar aos deputados e senadores a inviolabilidade por suas opiniões, conforme tratava o art. 72.: “Os Deputados e Senadores são invioláveis pelas suas

12 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 79.

13 ALEIXO, Pedro. Imunidades parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 24.

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opiniões proferidas na Assembléia”. Os deputados e senadores não poderiam ser demandados ou

executados por causas cíveis, nem ter andamento os processos pendentes, salvo com seu consentimento, conforme disposto no art. 73.:

Art. 73. Durante o tempo das sessões, e um termo marcado pela lei, segundo as distancias das províncias, não serão demandados ou executados por causas cíveis, nem progredirão as que tiverem pendentes, salvo com seu consentimento.

No que diz respeito à prisão dos deputados e senadores, eles não poderiam ser presos durantes as sessões, salvo em flagrante delito, sem que essa prisão fosse apreciada pela primeiramente pela Assembléia, situação essa preceituada no art. 74.: “Em causas criminais não serão presos durante as sessões, exceto em flagrante, sem que a respectiva sala decida que o deve ser, para que sejam remetidos os processos.”.

A prerrogativa concedida aos parlamentares abrangia-os somente enquanto estivesse no exercício de suas funções, situação essa que fica evidenciada no art. 75: “No recesso da Assembléia (os Deputados e Senadores) seguirão a sorte dos demais cidadãos”.

Nota-se que o projeto da constituinte de 1823 tem como base os princípios do Bill of Rights, protegendo aos parlamentares de possíveis desmandos e perseguições por parte do imperador, além de assegurar ao parlamentares as condições necessárias para o exercício de suas funções.

A imunidade parlamentar que começou a se formar no ordenamento jurídico brasileiro no ano de 1823, foi normatizada no ano de 1824, com a Constituição Política do Império do Brasil, que trazia nos artigos 26, 27 e 28 as prerrogativas concedidas aos congressistas.

Alexandre de Moraes discorre acercar do surgimento desta prerrogativa concedia aos parlamentares e sua abrangência:

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No Brasil, a Constituição Imperial de 1824, concedia aos membros do Parlamento as inviolabilidades pelas opiniões, palavras e votos que proferissem no exercício das suas funções, bem como a garantia do parlamentar não ser preso durante a legislatura, por autoridade alguma, salvo por ordem se sua respectiva Câmara, menos em flagrante delito de pena capital. Além disto, previa-se a necessidade de licença da casa respectiva para o prosseguimento da ação penal. 14

A constituição de 1824 tratava da inviolabilidade pelas palavras proferidas no seu art. 26: “Os membros de cada uma das Câmaras são invioláveis pelas suas palavras que proferirem no exercício de suas funções.”. A respeito da inviolabilidade prevista no art. 26., Pedro Aleixo afirma:

Para que melhor se compreenda, o relevo da expressão invioláveis, empregada no art. 26 daquela constituição, deve ser observado que no art. 99 da mesma se dizia que a pessoa do Imperador era inviolável e sagrada, explicando-se: “ ele não está sujeito a responsabilidade alguma.”15

A imunidade contra prisão encontra-se prevista no art. 27. “Nenhum Senador, ou Deputado, durante a sua deputação, pode ser preso por autoridade alguma, salvo por ordem de sua respectiva Câmara, menos em flagrante delito de pena capital.”. Já a licença para o prosseguimento da ação penal está prevista no art. 28, que diz:

Art. 28 Se algum Senador, ou Deputado for pronunciado, o Juiz, suspendendo todo ulterior procedimento, dará conta à sua respectiva Câmara a qual decidirá se o processo deva continuar, e o membro ser, ou não preso, suspenso no exercício de suas funções.

Nota–se que as prerrogativas conferidas aos parlamentares

14 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. (atualizada até a EC n° 35/01). São Paulo: Atlas, 2002, p. 397.

15 ALEIXO, Pedro. Imunidades parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 11.

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na Constituição Política do Império do Brasil de 1824, não fazem referências aos membros das Assembléias Provinciais, situação que foi apreciada no Ato Adicional de 1834 no art. 21, que diz “Os membros das Assembléias Provinciais serão invioláveis pelas opiniões que emitirem no exercício de suas funções”.

1.2.2 Constituição de 1891A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil,

promulgada no ano de 1891, tratou da imunidade parlamentar nos arts. 19 e 20, garantindo a inviolabilidade dos Deputados e Senadores por suas opiniões, palavras e votos além de não poderem ser presos e nem processados criminalmente, sem licença da sua Câmara, salvo em flagrante delito.

A Constituição de 1891 tratava da inviolabilidade concedias aos parlamentares por suas opiniões palavras e votos no seu art. 19: “Os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato.”.

Os Deputados e Senadores não poderiam ser presos e nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua respectiva Casa, exceto no caso de flagrante delito, conforme dispunha o art. 20 da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil:

Art. 20. Os Deputados e Senadores, desde que tiverem recebidos diploma até a nova eleição, não poderão ser presos e nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Câmara, salvo caso de flagrante delito. Neste caso, levado o processo até a pronúncia exclusiva, a autoridade processante remeterá os autos à Câmara respectiva para resolver sobre a procedência da acusação, se o acusado não optar pelo julgamento imediato.

A presença do instituto da imunidade parlamentar, prévia a imunidade material e a imunidade formal, e estavam elencadas nos arts 19 e 20, da Constituição de 1891, afirma Alexandre de Moraes:

A Constituição da República de 1891, em seus arts. 19 e 20, prévia as imunidades matéria e formal, pois os parlamentares eram

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invioláveis pelas opiniões, palavras e votos, bem como não poderiam ser presos nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Câmara, salvo caso de flagrante em crime inafiançável.16

Pedro Aleixo ressalta da inviolabilidade parlamentar prevista nos arts. 19 e 20 da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil promulgada no ano de 1891:

No exercício do mandato, eram também invioláveis por suas opiniões e mais por suas palavras e votos os deputados e senadores da República de 1891. Nem mesmo processados criminalmente podiam ser, sem prévia licença de sua Câmara, e sem tal licença apenas era permitida a prisão em caso de flagrância em crime inafiançável. Preso o congressista em flagrante delito, instaurava-se e formava-se o processo até a pronúncia inclusive, mas daí por diante sòmente seria autorizado o prosseguimento, se o acusado optasse pelo julgamento imediato ou se a Câmara, de posse dos autos, resolvesse ser procedente a acusação. 17

As prerrogativas parlamentares presentes na Constituição de 1891 da mesma forma que as presentes na Constituição de 1824, mantiveram o princípio de e assegurar aos parlamentares as condições necessárias para o exercício tranqüilo de suas funções.

1.2.3 Constituição de 1934A imunidade parlamentar foi abordada na Constituição de

1934, nos arts. 31, 32 e 175, garantindo a inviolabilidade dos Deputados e Senadores por suas opiniões, palavras e votos além de não poderem ser presos e nem processados criminalmente, sendo que estas prerrogativas foram estendias ao suplente imediato do deputado em exercício.

A inviolabilidade aos parlamentares por suas opiniões 16 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. (atualizada até a EC n°

35/01). São Paulo: Atlas, 2002, p. 397.

17 ALEIXO, Pedro. Imunidades parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 12

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palavras e votos foi tratada no art. 31: “Os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos no exercício das funções do mandato.”.

Os Deputados, desde que tiverem recebidos diploma até a expedição dos diplomas para a legislatura subseqüente, não poderiam ser presos e nem processados criminalmente, sem licença da sua Câmara, salvo no caso flagrante de crime inafiançável, além da extensão destas garantias ao suplente imediato, diz o art. 32., que traz a seguinte redação:

Art. 32. Os Deputados, desde que tiverem recebidos diploma até a expedição dos diplomas para a legislatura subseqüente,, não poderão ser processados criminalmente, nem presos, sem licença da Câmara, salvo caso de flagrância em crime inafiançável. Esta imunidade é extensiva ao suplente imediato do Deputado em exercício.

§ 1º A prisão em flagrante de crime inafiançável, será logo comunicado ao Presidente da Câmara dos Deputados, com a remessa do auto e dos depoimentos tomados, para que ela resolva sobre a legitimidade e conveniência, e autorize, ou não, a formação de culpa.

§ 2º Em tempo de guerra, os Deputados, civis ou militares, incorporados às forças armadas por licença da Câmara dos Deputados, ficarão sujeitos às leis e obrigações militares.

A proteção contra as medidas restritivas da liberdade de locomoção dos Deputados e Senadores encontra-se no art. 175, § 4º, que diz:

Art.175 (...)

§ 4º. As medidas restritivas da liberdade de locomoção não atingem os membros da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Corte Suprema, do Supremo Tribunal Militar, do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, do Tribunal de Contas, e, nos territórios das respectivas circunscrições, os Governadores e

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Secretários de Estado, os membros das Assembléias Legislativas e dos tribunais superiores.

Pedro Aleixo compara o instituto da imunidade parlamentar presente na Constituição de 1934 com a imunidade presente na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil promulgada no ano de 1891, e aponta as modificações ocorridas:

A Constituição de 16 de julho de 1934 repetiu, em substância, o disposto nos artigos 19 e 20 da Constituição de 1891. As modificações feitas se limitaram a conceder imunidade processual ao suplente e a prescrever que logo depois da prisão em flagrante do deputado o fato fosse comunicado ao presidente da Câmara, a quem seriam remetidos os autos e os depoimentos tomados, cabendo à própria Câmara resolver sobre a legitimidade e a conveniência da prisão e autorizar, ou não, a formação da culpa. 18

Constituição de 1934 manteve as disposições referentes a imunidade parlamentar presentes na Constituição de 1891, fazendo com que os congressistas pudessem exercer as atividades suas atividades com tranqüilidade e sem a interferência dos demais poderes da República do Brasil (Executivo e Judiciário).

1.2.4 Constituição de 1937A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, outorgada no

ano de 1937, contemplou o instituto da imunidade parlamentar nos arts. 42 e 43, no entanto trouxe mudanças significativas, pois não isentava a responsabilidade civil e criminal dos membros do Parlamento Nacional por difamação, calúnia, injúria, ultraje à moral pública ou provocação pública de crime, além de possibilitar a perda do cargo.

A responsabilidade civil imputada ao congressista, por difamação, calúnia, injúria, ultraje à moral pública ou provocação pública ao crime, no exercício de suas funções, bem como a

18 ALEIXO, Pedro. Imunidades parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 12.

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possibilidade da perda do cargo, por manifestação contrária à existência ou independência da Nação ou incitamento à subversão violenta da ordem política ou social é tratada no art.43, cabeça e parágrafo único, respectivamente:

Art. 43. Só perante a sua respectiva Câmara responderão os membros do Parlamento Nacional pelas opiniões e votos que emitirem no exercício de suas funções, não estarão porém isentos de responsabilidade civil e criminal por difamação, calúnia, injúria, ultraje à moral pública ou provocação pública ao crime.

Parágrafo Único. Em caso de manifestação contrária à existência ou independência da Nação ou incitamento à subversão violenta da ordem política ou social, pode qualquer das Câmaras, por maioria de votos, declarar vago o lugar do Deputado ou membro do Conselho Federal, autor da manifestação ou incitamento.

No que diz respeito às modificações trazidas pela Constituição de 1937, Alexandre de Moraes afirma:

A carta de 1937 alterou o tratamento das imunidades parlamentares, pois apesar de prevê-las, tanto a matéria quanto a formal, possibilitava a responsabilização do parlamentar por difamação, calúnia, injúria, ultraje à moral pública ou provocação pública ao crime. 19

A imunidade contra prisão e processos criminais é abordada no art. 42. da Carta de 1937, que diz:

Art. 42. Durante o prazo em que estiver funcionando o Parlamento, nenhum de seus membros poderá ser preso ou processado criminalmente, sem licença respectiva Câmara, salvo em caso de flagrante em crime inafiançável.

Constata-se, que com a outorga da Carta de 1937 as prerrogativas concedidas os parlamentares sofreram significativas mudanças com relação às previsões constitucionais anteriores, pois

19 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. (atualizada até a EC n° 35/01). São Paulo: Atlas, 2002, p. 398.

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ocorrem limitações no instituto da imunidade parlamentar, permitindo que o parlamentar pudesse ser processado e até perder o mandato, provocando assim entrave no exercício das funções desenvolvidas pelos congressistas.

1.2.5 Constituição de 1946Em 1946, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil tratou o

instituto da imunidade parlamentar nos arts. 44, 45, e 213, retomando o texto da Constituição 1934 e pondo fim a responsabilidade civil imputada aos parlamentares pela Constituição de 1937.

Pedro Aleixo discorre acerca das mudanças trazidas pela Constituição de 1946:

Restabeleceu a Constituição de 1946 a tradição democrática do Brasil, interrompida clandestinamente com a outorga da Carta de 1937. Os dispositivos dos arts. 44 e 45 consagram, em termos praticamente iguais ao da Constituição de 1934, a isenção de responsabilidade de deputados e senadores, no exercício do mandato, por suas opiniões palavras e votos, e a imunidade processual. 20

Acerca da previsão da imunidade parlamentar na Constituição de 1946, Alexandre de Moraes assevera:

Em, 1946, a Constituição brasileira consagrando regras mais democráticas, previa as clássicas prerrogativas parlamentares. Assim, a imunidade material foi prevista no art. 44 e as imunidades formais foram previstas no art. 45 (...). 21

A inviolabilidade aos parlamentares por suas opiniões palavras e votos foi abordada no art. 44: “Os Deputados e Senadores são invioláveis no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos.”. A imunidade contra prisão e processos criminais encontra-se no art. 45., cabeça, e nos

20 ALEIXO, Pedro. Imunidades parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 13

21 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. (atualizada até a EC n° 35/01). São Paulo: Atlas, 2002, p. 398.

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parágrafos 1º e 2º, com a seguinte redação:

Desde a expedição do diploma até a inauguração da legislatura seguinte, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em caso de flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente sem previa licença de sua Câmara.

§ 1º No caso de crime inafiançável, os autos serão remetidos, dentro de quarenta e oito horas à Câmara respectiva, para que resolva sobre a prisão e autorize, ou não, a formação da culpa..

§ 2º A Câmara interessada deliberará sempre pelo voto da maioria de seus membros.

A Constituição de 1946 trata da imunidade durante o Estado de Sítio no art. 213, que diz:

Art. 213. As imunidades dos membros do Congresso Nacional subsistirão durante o Estado de Sítio; todavia, poderão ser suspensas, mediante o voto de dois terços dos membros da Câmara ou do Senado, as de determinados Deputados ou Senadores cuja liberdade se torne manifestamente incompatível com a segurança das instituições políticas ou sociais.

Verifica-se que a Constituição de 1946, pois fim aos entraves instituídos pela Carta de 1937 as funções desenvolvidas pelo parlamento brasileiro, retomando as normas democráticas que norteiam o instituto das imunidades parlamentares.

1.2.6 Constituição de 1967A imunidade parlamentar, no ano de 1967, foi contemplada pela

Constituição da República Federativa do Brasil no art. 34, todavia trouxe novidade em relação às constituições anteriores, pois permitia a concessão tácita para processar os congressistas brasileiros. A presença do instituto da imunidade parlamentar na Constituição de 1967, bem como a inovação trazida por esta Constituição e apontada por Alexandre de Moraes, em sua obra de Direito Constitucional:

Em 1967, a Constituição Federal consagrou as imunidades

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material e formal no art. 34, prevendo a inviolabilidade do parlamentar, no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos; bem como a necessidade de licença da casa respectiva para prisão e processo. Inovou, porém, ao permitir a concessão tácita de licença para o processo de parlamentar, ao prever que, se no prazo de noventa dias, a contar da data do recebimento, a respectiva Câmara não deliberasse sobre o pedido de licença, o mesmo seria incluído na Ordem do Dia, permanecendo durante 15 sessões ordinárias consecutivas, quanto então, permanecendo a inércia, se teria como concedida a licença. 22

A inviolabilidade aos parlamentares por suas opiniões palavras e votos foi abordada no art. 44., cabeça, que afirma: “Os Deputados e Senadores são invioláveis no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos.”.

A prerrogativa contra prisão e processos criminais encontra-se no art. 34., § 1º e § 3º, bem como a concessão tácita de licença para processo criminal no § 2º, que têm a seguinte redação:

§ 1º: desde a expedição do diploma até a inauguração da legislatura seguinte, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente sem prévia licença de sua Câmara.

§ 2º: se no prazo de noventa dias, a contar do recebimento, a respectiva Câmara não deliberar sobre o pedido de licença, será este incluído automaticamente em Ordem do Dia e nesta permanecerá durante quinze sessões ordinárias consecutivas, tendo-se como concedida a licença se, nesse prazo, não ocorrer deliberação.

§ 3º: no caso de flagrante de crime inafiançável, os autos serão remetidos, dentro de quarenta e oito horas, à Câmara respectiva, para que, por voto secreto, resolva sobre a prisão e autorize, ou não, a formação de culpa.

As Emendas Constitucionais a Constituição de 1967, ocorridas

22 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. (atualizada até a EC n° 35/01). São Paulo: Atlas, 2002, p. 399.

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no ano de 1969 com a Emenda Constitucional nº. 1/69 e posteriormente com Emenda Constitucional nº. 11 de 1978, retomaram a responsabilidade civil imputada ao congressista no exercício de suas funções, no caso de cometimento de crime contra a Segurança Nacional, afirma Alexandre de Moraes:

A Emenda nº. 1, de 17-10-1969, e, posteriormente, a Emenda nº. 11, de 13-10-1978, à Constituição Federal de 1967, alteram a regulamentação das imunidades parlamentares, prevendo, em regra, que os deputados e senadores eram invioláveis no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos, porém, excepcionalmente poderiam ser responsabilizados, no caso de crime contra a Segurança Nacional. 23

Desta forma as prerrogativas concedidas aos membros do Congresso Nacional foram atingidas com as publicações das respectivas emendas constitucionais, prejudicando desta forma o livre exercício das funções dos parlamentares brasileiros.

1.2.7 Constituição de 1988A Constituição Federal, promulgada em 1988,

restabelecendo a ordem democrática do país, contemplou o instituto da imunidade parlamentar no art. 53., pondo fim a responsabilidade civil imputada aos parlamentares pelas Emendas Constitucionais nº. 1 e nº. 11, de 1969 e 1978, respectivamente. A presença da imunidade na Constituição Federal de 1988 e comentada por Alexandre de Moraes:

A redação original da Constituição Federal de 1988 previa as imunidades material e formal no art. 53, §§ 1º, 2º e 3º determinando que os deputados e senadores eram invioláveis por suas opiniões, palavras e votos, bem como desde a expedição do diploma não poderiam ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Casa. Ainda disciplinava que, no caso de flagrante de

23 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. (atualizada até a EC n° 35/01). São Paulo: Atlas, 2002, p. 399.

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crime inafiançável, os autos seriam remetidos, dentro de vinte e quatro horas, à Casa respectiva, para que, pelo voto secreto da maioria de seus membros, resolvesse sobre a prisão e autorizasse, ou não, a formação de culpa. 24

No ano de 2001, com a publicação da Emenda Constitucional nº. 35, de 20-12-2001, ocorrem mudanças expressivas no instituto das imunidades parlamentares, mudanças essas que analisaremos no decorrer do desenvolvimento deste trabalho.

2 CAPÍTULO II: TIPOS DE IMUNIDADES

2.1 CONCEITO DE IMUNIDADE PARLAMENTAR

Compreender o conceito de imunidade parlamentar é de fundamental importância para entender sua função e importância no ordenamento jurídico brasileiro, é também forma de esclarecer se as imunidades são em sua essência prerrogativa ou privilégio, contribuindo para que possamos acompanhar seus desdobramentos nos dias de hoje.

Fernanda Dias Menezes de Almeida afirma sobre a necessidade de compreensão do conceito das imunidades parlamentares: “A conceituação das imunidades revela fazer, particularmente, por isso que deriva, não raro, da má compreensão de seu sentido e alcance, a censura que muitos dirigem ao instituto”.25

De Plácido e Silva, traz no seu Vocabulário Jurídico a seguinte conceituação de imunidade:

Imunidade – do latim immunitas (isenção, dispensa) entende-se o privilégio outorgado a alguém para que se livre ou se isente de

24 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11.ed. (atualizada até a EC n° 35/01). São Paulo: Atlas, 2002, p. 399.

25 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 59.

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certas imposições legais, em virtude do que não é obrigado a fazer ou a cumprir certo encargo ou certa obrigação, determinada em caráter geral.

Em princípio é atribuída a certas pessoas em face de funções públicas exercidas (parlamentares, congressistas, diplomatas). E, por ela, é assegurada às mesmas uma soma de regalias e prerrogativas excepcionais em relação às demais pessoas.

A imunidade coloca as pessoas, a quem se atribuem semelhantes prerrogativas ou regalias, sobre proteção especial.26

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira apresenta em sua obra o significado da palavra imunidade: “1. Condição de não ser sujeito a algum ônus ou encargo. (...) 3. Jur. Direitos, privilégios ou vantagens que alguém desfrute por causa do cargo ou função que exerce: imunidade parlamentar”.27

De Plácido e Silva ainda em seu Vocabulário Jurídico nos apresenta a conceituação de imunidade parlamentar:

Assim se diz da soma de regalias e prerrogativas assinadas ou concedidas, legalmente, aos delegados do povo no congresso, a fim de que possam exercer livremente o seu mandato legal, sem qualquer restrição.

As imunidades parlamentares concretizam-se, principalmente na inviolabilidade da pessoa. E, assim, não poderá ser presa e nem processada criminalmente, sem licença especial da corporação a que pertence, salvo se pegada em flagrância em crime inafiançável (Constituição Federal, art. 53 § 3º).28

Alexandre de Moraes afirma acerca da conceituação das

26 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico/ atualizadores: Nagib Slabi Filho e Gláucia Carvalho. 26 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, p 718.

27 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI Escolar: o minidicionário da língua portuguesa. 4 ed. Ver. Ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 378.

28 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico (atualizadores: Nagib Slabi Filho e Gláucia Carvalho). 26 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, p 718.

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imunidades parlamentares:

São garantias funcionais, normalmente divididas em material e formal, admitidas nas Constituições para o livre desempenho do oficio dos membros do poder legislativo e para evitar desfalques na integração do respectivo quorum necessário para deliberação.29

Em pesquisa a rede mundial de computadores, encontramos na enciclopédia livre Wikipédia o seguinte conceito acerca das imunidades parlamentares:

Imunidade parlamentar é uma prerrogativa que assegura a membros de parlamentos ampla liberdade e independência no exercício de suas funções, protegendo-os contra abusos e violações por parte dos outros poderes constituídos, como o poder executivo e judiciário. O exercício da imunidade é exercido diretamente pela possibilidade de uso do foro privilegiado, ou seja, membros de parlamentos (e outras legislaturas) têm acesso, segundo a lei de cada país, a uma praxe processual diferente da ordinária, usada pelos cidadãos comuns.30

No site da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) consta o seguinte conceito de imunidade parlamentar: “Instituto que garante um estatuto de especial protecção aos titulares de cargos electivos ou de quem exerça determinadas funções políticas”.31

Fernanda Dias Menezes de Almeida assevera sobre o conceito das imunidades parlamentares:

(...) conceituar as imunidades como prerrogativas funcionais que se reconhecem aos parlamentares, para garantir-lhes diante dos

29 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 04. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 1038.

30 WIKIPÉDIA enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Imunidade_parlamentar>. Acesso em: 03 Set. 2007, às 11h49min.

31 Comissão Nacional Eleitoral (CNE). Disponível em: <http://www.cne.pt/index.cfm/video/swf/0505000000/index.cfm?sec=1001000000&step=2&letra=I&PalavraID=72>. Acesso em 03 Set. 2007 às 11h33min.

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demais Poderes e dos particulares, a independência imprescindível ao cumprimento do mandato representativo.

Trata-se de garantias constitucionais, naquele sentido amplo da expressão, que as identifica com as providências na Constituição destinadas a manter o desempenho harmônico de suas funções.32

Pedro Lenza, em sua obra de Direito Constitucional Esquematizado, afirma no que diz respeito à conceituação das imunidades parlamentares: “Imunidades parlamentares são prerrogativas inerentes à função parlamentar, garantidoras do exercício do mandato parlamentar, com plena liberdade”.33

Sérgio Barreto, em artigo publicado na rede mundial de computadores, define imunidade parlamentar como:

(...) conjunto de prerrogativas, imanentes à função parlamentar, espraiadas por várias searas de suas atividades, garantidoras do exercício do mandato, com plena liberdade de atuação cujo objetivo é roborar os princípios democráticos de um estado.34

Por fim pode se entender que as imunidades parlamentares na essência de seu conceito são prerrogativas funcionais concedidas aos parlamentares com a finalidade de manter a independência entre os Poderes, possibilitando que os parlamentares exerçam suas funções com tranqüilidade.

2.2 DISTINÇÃO ENTRE IMUNIDADE E INVIOLABILIDADE.

O artigo art. 53 da Constituição Federal tem a seguinte redação: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente,

32 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 61.

33 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: LTr, 2000. p. 163.

34 MORAIS, Sergio Barreto. Imunidade parlamentar nos tempos hodiernos. Viajurica 14/10/2005. Disponível em: < http://www.viajuridica.com.br/FrmE.aspx?cod=1567&tipo=1>. Acesso em: 04 set. 2007, às 11h46min.

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por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Nota-se que nesta redação não há menção à expressão “imunidade” e sim “inviolabilidade”, diante do que fazem necessários alguns apontamentos. Retomemos a definição de De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, sobre o que sejam imunidade e imunidade parlamentar:

Imunidade – do latim immunitas (isenção, dispensa) entende-se o privilégio outorgado a alguém para que se livre ou se isente de certas imposições legais, em virtude do que não é obrigado a fazer ou a cumprir certo encargo ou certa obrigação, determinada em caráter geral.

Em princípio é atribuída a certas pessoas em face de funções públicas exercidas (parlamentares, congressistas, diplomatas). E, por ela, é assegurada às mesmas uma soma de regalias e prerrogativas excepcionais em relação às demais pessoas.

A imunidade coloca as pessoas, a quem se atribuem semelhantes prerrogativas ou regalias, sobre proteção especial.

Imunidade Parlamentar. Assim se diz da soma de regalias e prerrogativas assinadas ou concedidas, legalmente, aos delegados do povo no congresso, a fim de que possam exercer livremente o seu mandato legal, sem qualquer restrição.

As imunidades parlamentares concretizam-se, principalmente na inviolabilidade da pessoa. E, assim, não poderá ser presa e nem processada criminalmente, sem licença especial da corporação a que pertence, salvo se pegada em flagrância em crime inafiançável (Constituição Federal, art. 53 § 3º).35

Já no que diz respeito à inviolabilidade De Plácido e Silva assevera:

Inviolabilidade. Derivado do Latim inviolabilis (que é respeitado, que é livre, que não se quebra) entende-se prerrogativa o

35 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. (atualizadores: Nagib Slabi Filho e Gláucia Carvalho). 26 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, p 718.

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privilégio outorgado a certas coisas ou pessoas, em virtude do que não podem ser atingidas, molestadas ou violadas.

Mostram-se, assim, com a qualidade de imunes ou protegidos pela imunidade, em virtude do que não podem ser atingidas, molestadas ou violadas.

E desta forma, possui sentido equivalente a imunidade e indevassabilidade.

A inviolabilidade é atribuída ao domicílio, às repartições públicas, à correspondência, aos segredos, aos parlamentares, diplomatas, e outras autoridades públicas.

Em relação às pessoas é propriamente dita de imunidade.36

A inviolabilidade é atributo da pessoa que não esta sujeita a justiça, afirma José Cretella Júnior:

Em Roma, o vocábulo latino inviolabilis, empregado pelo historiador Cornélio Tácito, ou Tácito, nas Historias, 2,61, e dos Anais, 3,62 e pelo poeta Lucrécio, no De natura rerum, 5,305, tinha sentido de invulnerável, intocável, intangível. “Inviolável” é o atributo da pessoa contra a qual não se pode praticar nenhuma violência ou que não está sujeita a ações da justiça.37

De Plácido e Silva ao conceituar a inviolabilidade parlamentar consegue de maneira clara e objetiva diferenciar este instituto da imunidade parlamentar:

Inviolabilidade Parlamentar. Neste sentido, a inviolabilidade tem o conceito mais estrito que a imunidade.

A inviolabilidade parlamentar é atribuída à prerrogativa outorgada aos representantes do povo ou congressistas como garantia das opiniões, palavras e votos, que manifestarem no

36 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. (atualizadores: Nagib Slabi Filho e Gláucia Carvalho). 26 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, p 775.

37 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Federal de 1988. 2 ed. v. 5. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. p. 2621

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exercício de sua delegação seja durante as reuniões ou fora delas.

É assim a segurança à liberdade de manifestação de seus pensamentos.

A imunidade, de conceito mais amplo, abrange a inviolabilidade, como garantia da liberdade de pensar, bem assim assegura ao parlamentar outras regalias a respeito de atos delituosos que venha a praticar, pois que salvo o caso de prisão em flagrância em crime inafiançável, não poderá ser preso e processado criminalmente, sem a licença do órgão a que pertence.38

Alexandre Pouchain de Moraes define imunidade e inviolabilidade como:

Inviolabilidade, que é a exclusão de cometimento de crime por parte de Deputados e Senadores por suas opiniões, palavras e votos.

Imunidade, que é uma prerrogativa processual, não exclui o crime, mas, tão somente, impede o processo. Envolve ainda a disciplina da prisão e do processo do congressista.39

Jose Afonso da Silva, em sua obra de Curso de direito constitucional positivo, destaca a diferença entre a inviolabilidade e a imunidade parlamentar:

A inviolabilidade sempre foi a exclusão de cometimento de crime de opinião por parte de Deputados e Senadores; mas agora com a redação da EC-35/2001 ao caput do art. 53, se estabelece que eles são invioláveis civil e criminalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Exclui-se assim os congressistas também da responsabilidade civil. A Inviolabilidade, que, às vezes, também é chamada de imunidade material, exclui o crime nos

38 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. (atualizadores: Nagib Slabi Filho e Gláucia Carvalho). 26 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, p 776.

39 MORAES, Alexandre Pouchain de. Imunidade p'rá lamentar . Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 24, abr. 1998. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=188>. Acesso em: 04 set. 2007, às 11h13min.

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casos admitidos; o fato tipo deixa de constituir crime, porque a norma constitucional afasta, para a hipótese, a incidência da norma penal.

A imunidade (propriamente dita),40 ao contrário da inviolabilidade, não exclui o crime, antes o pressupõe, mas impede o processo. Trata-se de prerrogativa processual. É esta a verdadeira imunidade, dita formal, para diferenciar da material. Ela envolve a disciplina da prisão e do processo do congressista. 41

Gustavo Rabay Guerra apresenta a seguinte diferenciação entre imunidade e inviolabilidade:

A diferenciação premente entre imunidade e inviolabilidade consiste na asserção de que a primeira pressupõe a conduta antijurídica, mas não permite a respectiva persecução criminal; constitui prerrogativa processual, meramente formal, porquanto a segunda exclui o próprio crime, tendo natureza material.42

Diante desta analises podemos distinguir a inviolabilidade da imunidade, sendo que a primeira é mais estrita por garante a liberdade de expressão dos parlamentares, excluindo o crime por suas palavras, opiniões e votos (imunidade material), em quanto à segunda abrange um sentido mais amplo, pois além de garantir a liberdade de expressão engloba a prerrogativa processual (imunidade formal).

40 Cf. Alcino Pinto Falcão, Da imunidade parlamentar, Rio de Janeiro, Forense; Raul Machado Horta “ “Imunidades parlamentares”, RDP3/31 e ss.; Pedro Aleixo, Imunidades parlamentares, Belo Horizonte, Ed. RBPE, 1961; Fernanda Dias Menezes de Almeida, Imunidades parlamentares, Brasília, Câmara dos Deputados/ Coordenação de Publicações, 1982; Zeno Veloso, “ Imunidades parlamentares dos vereadores”, RIL 92/147 e ss.

41 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28 ed., revista e atualizada até EC 53/2006. São Paulo: Malheiros: 2007, p. 535.

42 GUERRA, Gustavo Rabay. Considerações sobre o sistema brasileiro de imunidades parlamentares. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 47, nov. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=187>. Acesso em: 05 set. 2007 às 11h02min.

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2.3 ESPÉCIES DE IMUNIDADES PARLAMENTARES

As imunidades parlamentares se dividem em duas espécies: a imunidade material, também conhecida como inviolabilidade parlamentar que garante a liberdade de expressão das suas idéias, e a imunidade formal ou processual que impede que a prisão ou que se instaure processo contra o parlamentar sem a expressa autorização da sua Câmara respectiva, salvo nos casos de flagrante delito. Fernanda Dias Menezes de Almeida distingue essas espécies de imunidades parlamentares:

Costuma-se distinguir duas espécies de imunidades parlamentares: a material ou real e a processual ou formal.

A primeira é a que irresponsabiliza o parlamentar por suas opiniões, palavras e votos proferidos no exercício do mandato.

A segunda respeita a intangibilidade pessoal do congressista, que não poderá ser processado ou preso, sem previa licença da Câmara a que pertence.

Repontam ainda como franquias asseguradas aos deputados e senadores, no ordenamento jurídico pátrio, a imunidade à incorporação às forças armadas, salvo autorização da respectiva Câmara e o direito a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.43

Acerca das espécies de imunidades e de sua suspensão Ari Ferreira de Queiroz, em sua Obra de direito constitucional, afirma:

Doutrinariamente, dividem-se as imunidades em material e formal, a primeira incidindo sobre a ilicitude do fato em si, e a segunda, sobre o processo.

As imunidades dos parlamentares não podem ser cessadas, mas podem ser suspensas durante o estado de sítio, que é medida drástica, pelo voto de 2/3 dos membros da respectiva Casa, e ainda assim somente por atos praticados fora do recinto do

43 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 74.

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Congresso e que sejam incompatíveis com a execução das medidas decretadas pelo presidente da República (art. 53, § 8º).44

No que tange as denominações das imunidades parlamentares, Pedro Aleixo afirma:

Sob a denominação das imunidades parlamentares, são concedidas aos representantes do povo nas Câmaras certas garantia que impedem a prisão deles ou a instauração de processo contra eles sem previa licença ou autorização da entidade de que fazem parte, e até mesmo a instauração de qualquer processo. A especificação das imunidades recebe denominações diversas, variáveis no fundo e na forma de país para país. Assim, entre nós, a inviolabilidade assegurada a deputados e senadores no exercício do mandato, pro suas palavras, opiniões e votos, é chamada de imunidade material, enquanto a imunidade processual ou formal é exigência de licença prévia da Câmara a que pertence o congressista para a prisão ou processo do mesmo.45

Pedro Lenza, ao sistematizar o tema das imunidades parlamentares, vale-se do voto do Ministro Celso de Melo proferido no Inq. 510-DF e extrai a seguinte lição no tocante às denominações das imunidades conferidas aos congressistas brasileiros:

Imunidade material e formal: “Dentre as prerrogativas de caráter político-institucional que inerem ao Poder Legislativo e os que o integram, imerge, com inquestionável relevo jurídico, o instituto da imunidade parlamentar, que se projeta em duas dimensões: a primeira, de ordem material, a consagrar a inviolabilidade dos membros do Congresso Nacional, por suas palavras, opiniões e votos (imunidade parlamentar material), e a segunda, de caráter formal (imunidade parlamentar formal), a gerar, de um lado, a improcessabilidade dos parlamentares, que só poderão ser submetidos a procedimentos penais acusatórios mediante prévia licença de suas Casas, e, de outro, o estado de relativa incoercibilidade pessoal dos congressistas (freedom from

44 QUEIROZ, Ari Ferreira de. Direito constitucional. 13 ed. rev., ampl. e atual. até fevereiro de 2002. Goiânia: IEPC, p. 330.

45 ALEIXO, Pedro. Imunidades parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 67.

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arrest), que só poderão sofrer prisão provisória ou cautelar numa única e singular hipótese: situação de flagrância em crime inafiançável”. 46

O sistema de prerrogativas compreende duas espécies de imunidades parlamentares: a relativa ou processual, e a absoluta ou material. A primeira é denominada normalmente de imunidade parlamentar, em sentido lato; a segunda é também denominada inviolabilidade dos atos parlamentares ou indenidade, afirma Gustavo Rabay Guerra, em artigo publicado na rede mundial de computadores:

O sistema de prerrogativas em comento compreende duas espécies de imunidades parlamentares: a relativa ou processual, e a absoluta ou material. A primeira é denominada normalmente de imunidade parlamentar, em sentido lato; a segunda é também denominada inviolabilidade dos atos parlamentares ou indenidade parlamentar.

A imunidade parlamentar relativa decorre de uma prerrogativa, conferida ao detentor de mandato eletivo do Poder Legislativo, que isenta o seu titular de responder pela prática de quaisquer de seus atos, concernindo em assegurar liberdade "total" às ações realizadas. Em outras palavras, consiste em um instituto que retira a possibilidade de punição do agente que comete ilícito ou conduta indigna, em razão desse estar investido em função parlamentar. O substrato desse proibitivo legal que afasta a penalização do parlamentar transgressor pode ser vislumbrado de diversas formas, como adiante analisaremos.

De outra leva, a inviolabilidade dos atos parlamentares diz respeito à garantia alçada aos membros do Poder Legislativo que confere a aqueles uma margem segura de atuação sem interferência de óbices de natureza legal ou meramente coativas.47

Eustáquio Lagoeiro Castelo Branco, no que tange as

46 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: LTr, 2000. p. 164.

47 GUERRA, Gustavo Rabay. Considerações sobre o sistema brasileiro de imunidades parlamentares. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 47, nov. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=187>. Acesso em: 05 set. 2007. às 10h55min.

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denominações das imunidades parlamentares, assevera:Nas constituições, podemos perceber dois tipos de Imunidades

parlamentares: A Imunidade Material (Freedom of speech) assegura ao parlamentar inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos, no recinto da respectiva câmara, e garantindo ampla liberdade no exercício do seu mandato, não só frente ao governo, como aos partidos e ao corpo eleitoral. A Imunidade Formal (Freedom from arrest) protege o congressista contra prisões arbitrárias e processos tendenciosos.48

Airton Rocha Nóbrega assevera sobre os dois aspectos principais das imunidades:

Com a promulgação da Constituição Federal de 04 de outubro de 1988 – a denominada "Constituição Coragem",nas palavras emocionadas do Deputado Ulysses Guimarães proclamadas em histórica sessão do Congresso Nacional, reafirmou-se a inviolabilidade de deputados e senadores por suas opiniões, palavras e votos (art. 53, caput), com a garantia expressa no sentido de não poderem ser presos nem processados criminalmente sem prévia licença de sua Casa (§ 1º).

Trata-se, pois, de assegurar a imunidade parlamentar sob dois aspectos principais: o material, quando se afasta a incidência do tipo penal, e o formal, quando se impede a prisão ou o curso do processo sem prévia licença a ser deferida pela Casa a que se acha integrado o parlamentar. Releva notar que esta última garantia não tem em conta o tipo ou a natureza do crime. Qualquer que seja o fato criminoso cometido, o processo apenas poderá ter curso se houver autorização da Casa em que se acha investido de mandato o congressista. Sequer se admite o recebimento da denúncia sem a prévia licença.

Feita a divisão das imunidades parlamentares em material e formal, passaremos a seguir a analisá-las, em suas particularidades, no intuito de verificar a sua importância aos congressistas

48 Castelo Branco, Eustaquio Lagoeiro. A imunidade parlamentar Disponível em: < http://eduquenet.net/imunidade.htm >. Acesso em: 05 set. 2007. às 13h21min

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brasileiros, além de sua aplicabilidade nos dias atuais.

3 CAPÍTULO III: IMUNIDADE MATERIAL E IMUNIDADE FORMAL

3.1 IMUNIDADE MATERIAL

3.1.1 NoçõesA imunidade material ou inviolabilidade fez se presente no

art. 53, cabeça, do texto original da Constituição Federal de 1988, que trazia a seguinte redação: “Os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos”. Contudo a Emenda Constitucional n. 35 de 12 de dezembro de 2001 alterou este artigo, que passo a vigorar com nova redação art. 53, cabeça, “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Alteração esta que, “não acabou, e nem deveria mesmo acabar, com a imunidade parlamentar. Pelo contrario, manteve-a e explicitou que se estende até mesmo ao campo da responsabilidade civil.”49, e passaremos a estudar este instituto com foco na redação trazida pela Emenda Constitucional nº. 35/01.

3.1.2 ConceitoConceituar a imunidade material ou inviolabilidade é de

fundamental importância para que se possa compreender a existência e aplicação deste instituto. Jorge Kuranaka faz uma análise deste instituto:

A inviolabilidade (também denominada de imunidade material, real, substantiva, absoluta e ainda, indenidade), a freedom of speech, pode ser observada no caput do art. 53 da vigente Carta Política, o qual menciona que os Deputados e os Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões,

49 QUEIROZ, Ari Ferreira de. Direito constitucional. 13 ed. rev., ampl. e atual. até fevereiro de 2002. Goiânia: IEPC, p. 331

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palavras e votos. Esta imunidade exime o parlamentar de ver sua conduta se amoldar a um tipo penal, livrando-o portanto de ser processado e julgado na esfera penal, assim como o exime da responsabilidade civil, disciplinar ou política. O parlamentar não é responsabilizado por seus votos, opiniões e palavras manifestados durante o exercício de seu mandato, mesmo após a cessação de seu mandato.50

Após esta análise, Jorge Kuranaka conceitua o instituto da imunidade material presente na Constituição Federal como:

Prerrogativa concedida aos Deputados Federais, Senadores, Deputados Estaduais, Deputados Distritais e Vereadores Municipais, que lhes assegura a plena liberdade de manifestação de suas opiniões, palavras e votos, tornado-os invioláveis civil e penalmente, visando o pleno exercício e desempenho do mandato parlamentar. (...)51.

Ari Ferreira de Queiroz apresenta a seguinte consideração acerca da imunidade material “A imunidade material está no caput do art. 53, e significa que as palavras, opiniões e votos que seriam crimes, se pronunciadas pelo homem comum, não são, se ditos por um parlamentar.”52. Já Alexandre de Moraes salienta que “A imunidade material implica subtração da responsabilidade penal, civil, disciplinar ou política do parlamentar por suas opiniões, palavras e votos.”53. Na mesma linha temos Fernanda Dias Menezes de Almeida que afirma que a imunidade material “é a que irresponsabiliza o parlamentar por suas opiniões, palavras e votos proferidos no exercício do mandato.”54.

50 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 115.

51 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 116.

52 QUEIROZ, Ari Ferreira de. Direito constitucional. 13 ed. rev., ampl. e atual. até fevereiro de 2002. Goiânia: IEPC, p. 331

53 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 420.

54 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 74.

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Pedro Aleixo, por sua vez no que diz respeito a imunidade material, assevera:

(...) a imunidade real, a inviolabilidade, a isenção de responsabilidade, a irresponsabilidade parlamentar, a indenidade, o instituto enfim, que assegura a liberdade de manifestação de opinião, da palavra ou do voto do representante do povo exclui qualquer crime que no âmbito, nos limites, na circunscrição da palavra esteja contido. (...)55.

Eustáquio Lagoeiro Castelo Branco, sobre a conceituação da imunidade material, afirma:

(...) A Imunidade Material (Freedom of speech) assegura ao parlamentar inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos, no recinto da respectiva câmara, e garantindo ampla liberdade no exercício do seu mandato, não só frente ao governo, como aos partidos e ao corpo eleitoral. (...)56.

Desta forma a imunidade material ou inviolabilidade é aquela que isenta e irresponsabiliza, civil e penalmente, o parlamentar por suas opiniões, palavras e votos proferidos no exercício do mandato.

3.1.3 ObjetoA imunidade material tem por objeto a proteção do Poder

Legislativo em face os demais Poderes (Executivo e Judiciário), assevera Jorge Kuranaka:

A instituição jurídica da inviolabilidade tem por objeto a proteção do Poder Legislativo, contra os abusos, ataques e pressões que lhe possam encetar os demais Poderes, máxime o Executivo, através da garantia da mais absoluta liberdade de expressão do Deputado ou Senador , quando do uso da palavra, da emissão de

55 ALEIXO, Pedro. Imunidades parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 70.

56 Castelo Branco, Eustáquio Lagoeiro. A imunidade parlamentar Disponível em: < http://eduquenet.net/imunidade.htm >. Acesso em: 05 set. 2007. às 13h21min

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uma opinião ou da manifestação do voto.57

Alexandre de Moraes, sobre esse objeto de proteção do Poder Legislativo, assevera:

Na independência harmoniosa que rege o princípio da Separação dos Poderes, as imunidades parlamentares são institutos de vital importância, visto buscarem prioritariamente, a proteção dos parlamentares, no exercício de suas nobres funções, contra os abusos e pressões dos demais poderes; constituindo-se, pois, um direito instrumental de garantia de liberdade de opiniões, palavras e votos dos membros do Poder Legislativo, bem com de sua proteção contra prisões arbitrarias e processos temerários.58

O ministro Celso de Mello, em relação ao objeto da imunidade material, ressalta este caráter de proteção do Poder Legislativo:

Inquérito - Crime contra a honra - Senador da Republica - Imunidade parlamentar material - Constituição Federal de 1988 - Evolução do constitucionalismo brasileiro - Aspectos do instituto da imunidade parlamentar - Inviolabilidade e improcessabilidade - "Freedom from arrest" - Discurso parlamentar - Irrelevância do Local em que proferido - Incidência da tutela constitucional - Pedido de arquivamento do Chefe do Ministério Público - Irrecusabilidade - Monopólio constitucional aa Ação Penal Pública - Inquérito arquivado. - O instituto da imunidade parlamentar atua, no contexto normativo delineado por nossa Constituição, como condição e garantia de independência do Poder Legislativo, seu real destinatário, em face dos outros poderes do Estado.(...)59.

Ante o exposto, comprovasse que o objeto da imunidade

57 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 116.

58 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 415.

59 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq 510/DF, relator ministro Celso

de Mello, julgamento 01/02/1991, DJ 19-04-1991 pp-04581 ement vol-01616-01 pp-00086 RTJ vom-00135-02 pp-00509.

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material é realmente a proteção do Poder Legislativo em face aos demais Poderes, garantindo assim a liberdade de expressão dos parlamentares.

3.1.4 Natureza jurídicaA natureza jurídica da imunidade material ou

inviolabilidade é apresentada sobre vários aspectos, segundo Jorge Kuranaka, consiste “em uma isenção de responsabilidade de índole jurídico-constitucional, servindo a razões político-constitucionais de liberdade e representação da sociedade.”60. Na visão do Ministro Celso de Mello a imunidade tratar-se:

A imunidade material ou real, de causa justificativa (excludente da antijuridicidade da conduta típica), ou de causa de excludente da própria criminalidade, ou, ainda, de mera causa de isenção de pena, o fato é que, nos delitos contra a honra objetiva (calunia e difamação) ou contra a honra subjetiva (injúria), praticados em razão do mandato parlamentar, tais condutas não são mais puníveis.61

A natureza jurídica da inviolabilidade trata-se de uma excludente de ilicitude do fato, pois exclui o crime e isenta até mesmo a responsabilidade civil, particularmente quanto à indenização por danos morais, relata Ari Ferreira de Queiroz:

Na verdade, é uma excludente de ilicitude do fato, pelo que exclui o crime e isenta até mesmo de responsabilidade civil, particularmente quanto à indenização por danos morais, segundo entendimento firme do STF, que, aliás, foi acolhido pelo novo art. 53: “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.”62.

60 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 116.

61 MELLO FILHO, José Celso. A imunidade dos deputados estaduais. Justitia, 43/114. Apud, MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 420.

62 QUEIROZ, Ari Ferreira de. Direito constitucional. 13 ed. rev., ampl. e atual. até fevereiro de 2002. Goiânia: IEPC, p. 331.

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Para o ministro Celso Ribeiro de Bastos “esta espécie de imunidade exime o parlamentar do enquadramento no tipo penal. Portanto, o que seria crime se fosse cometido por um cidadão, não o é sendo cometido por um parlamentar”.63

Alexandre de Moraes, ao tratar a natureza jurídica da imunidade material, nos traz a posição de vários doutrinadores brasileiros com relação ao tema em questão:

Dessa forma, Ponte de Miranda (Comentários à Constituição de 1967), Nelson Néri Hungria (Comentários ao Código Penal), e Jose Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo) entendem-na como uma excludente de crime, Basileu Garcia (Instituições de Direito Penal), como causa que se opõe à formação do crime; Damásio de Jesus (Questões Criminais), causa funcional de exclusão ou isenção de pena; Aníbal Bruno (Direito Penal), causa pessoal e funcional de isenção de pena; Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal) considera-a causa pessoal de exclusão de pena; Magalhães Noronha (Direito Penal) causa de irresponsabilidade; José Frederico Marques (Tratado de Direito Penal), causa de incapacidade penal por razões políticas.64

Sucede-se que não há consenso formado entre os doutrinadores acerca da caracterização da natureza jurídica da imunidade material. Entendo que se trata de causa de excludente de ilicitude fato, pois uma vez que o fato se praticado por um cidadão comum é crime, mas se cometido pelo parlamentar não configura crime

3.1.5 Características da InviolabilidadeA imunidade parlamentar em sentido material ou

inviolabilidade é caracterizada como absoluta, permanente, de

63 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 352.

64 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 421.

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ordem pública e irrenunciável65. Alexandre de Moraes assevera sobre as características da inviolabilidade:

Além disso, a imunidade material possui eficácia temporal permanente ou absoluta, de caráter perpetuo, pois pressupondo a inexistência da infração penal ou ilícito civil, mesmo após o fim de sua legislatura, o parlamentar não poderá ser investigado, incriminado ou responsabilizado.66

Passaremos a seguir a analisar estas características da inviolabilidade individualmente.

3.1.5.1 Absoluta

A inviolabilidade é tida com absoluta uma vez que ela irresponsabiliza, civil e penalmente, totalmente o parlamentar por suas opiniões, palavras e votos proferidas no exercício de suas funções. Jorge Kuranaka afirma esse caráter absoluto:

Trata-se da insindacabilità das opiniões e dos votos, no exercício do mandato, que imuniza o parlamentar em face de qualquer responsabilidade: penal, civil, ou administrativa, e que perdura após o término do próprio mandato. Tem-se, pois, a total irresponsabilidade do parlamentar pelas opiniões expressas no exercício de suas funções.67

A irresponsabilidade geral, conferida ao parlamentar, é ressaltada por Alexandre de Moraes:

Independentemente da posição adotada, em relação à natureza jurídica da imunidade, importa ressaltar que da conduta do parlamentar (opiniões, palavras e votos) não resultará responsabilidade criminal, qualquer responsabilização por perdas e danos, nenhuma sanção disciplinar ficando a atividade do

65 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 120.

66 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 424.

67 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 120.

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congressista, inclusive, resguardada da responsabilidade política, pois trata-se de cláusula de irresponsabilidade geral de Direito Constitucional material.68

A irresponsabilidade civil e penal do parlamentar por quaisquer de suas palavras, opiniões e votos e sua amplitude é evidenciada proferido ministro Celso de Mello:

EMENTA: Interpelação judicial. Pedido de explicações. Lei de Imprensa (Art. 25) e Código Penal (Art. 144). Ofensas equívocas que teriam constado de Discurso proferido da Tribuna do Senado da República. Imunidade Parlamentar em sentido material. A proteção constitucional do discurso parlamentar, mesmo quando veiculado, posteriormente, pelos meios de Comunicação Social. Amplitude da garantia institucional da imunidade parlamentar material. Impossibilidade de responsabilização - penal e civil - de Membro do Congresso Nacional "por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos" (Cf, Art. 53, "caput"), notadamente quando proferidos da Tribuna Do Parlamento. Conseqüente inadmissibilidade, Em tal Contexto, de Interpelação judicial de Senador da República ou de Deputado Federal. Doutrina. Precedentes. Pedido De Explicações A que Se nega seguimento. Decisão: Trata-se de pedido de "interpelação judicial" deduzido com fundamento no art. 25 da Lei nº 5.250/67 e no art. 144 do Código Penal (fls. 02/09). Pretende-se, com a medida processual ajuizada, que o ora interpelando, que é Senador da República, ofereça explicações necessárias ao esclarecimento de afirmações que por ele teriam sido proferidas da tribuna do Senado da República e reproduzidas, segundo alega o requerente, em diversos meios de comunicação social (fls. 02). Analiso, preliminarmente, a admissibilidade da presente interpelação judicial, considerada a garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material, que exclui a responsabilidade - penal e civil - do congressista "por quaisquer de suas opiniões,

68 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 421.

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palavras e votos" (CF, art. 53, "caput", "in fine").(...)69.

A inviolabilidade parlamentar elide não apenas a criminalidade ou a imputabilidade criminal do parlamentar, mas também a sua responsabilidade civil, explicita o ministro Sepúlveda da Pertence, em voto proferido no julgamento do Recurso Extraordinário 210917/RJ:

(...) A inviolabilidade parlamentar elide não apenas a criminalidade ou a imputabilidade criminal do parlamentar, mas também a sua responsabilidade civil por danos oriundos da manifestação coberta pela imunidade ou pela divulgação dela: é conclusão assente, na doutrina nacional e estrangeira, por quantos se tem ocupado especificamente do tem.70

A irresponsabilidade geral, civil e penalmente, do parlamentar por suas opiniões, palavras e votos proferidas no exercício de suas funções, faz que a inviolabilidade adquira caráter absoluto.

3.1.5.2 Permanente

A imunidade material ou inviolabilidade tem caráter perpétuo e permanente, pois ele resguarda o parlamentar por atos praticados durante o mandato parlamentar, isentando o congressista da responsabilidade penal, civil e administrativas, por suas opiniões, palavras e votos, e também mesmo após o fim do mandato, desde que estes atos tenham ocorrido durante o período do mandato. Jorge Kuranaka afirma este caráter permanente da inviolabilidade, e em seguida faz referencias a Raul Horta e Barthelemy y Duez que sustentam o mesmo posicionamento:

Quanto à eficácia temporal, a exclusão da responsabilidade penal, cível e administrativa dos parlamentares, por eventuais

69 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pet 3686/DF, relator ministro Celso

de Mello, julgamento 28/08/2006, DJ 31-08-2006 pp-35.

70 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 210917/RJ, relator ministro

Sepúlveda da Pertence, julgamento 12/08/1998, DJ 18-06-2001 pp-00012 ement vol-02035-03 pp-00432.

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condutas típicas praticadas durante o mandato parlamentar, através de opiniões, palavras ou votos é de caráter perpétuo, perdurando até mesmo após findo o mandato parlamentar.

A inviolabilidade é total, sendo que também no magistério de Raul Horta, “as palavras e opiniões sustentadas no exercício do mandato ficam excluídas de ação repressiva ou condenatória, mesmo depois do mandato”.

No ensinamento de Barthelemy e Duez, “em momento algum de sua existência, mesmo quando eles houverem deixado o Parlamento, os Deputados ou Senadores poderao ser acusados por responsabilidade decorrente dos atos relativos a suas funções”.71

Assim as palavras e opiniões emitidas pelo parlamentar, no exercício do mandato, ficam excluídas responsabilidade cível, penal e administrativa, mesmo depois do mandato, o que configura o caráter permanente da inviolabilidade.

3.1.5.3 De Ordem pública

A imunidade material é de ordem pública, pois esta vinculada ao exercício do mandato parlamentar, ou seja, faz parte do Poder Legislativo, e não representa uma ordem individual do parlamentar. Jorge Kuranaka ressalta a Ordem Pública da inviolabilidade:

A inviolabilidade, está vinculada ao exercício do mandato ou das funções legislativas.

É que subordina-se ao caráter teológico da imunidade - a de assegurar a independência do Poder Legislativo e o livre exercício do mandato – devendo ajustar-se ao fundamento e ao fim primordial dessas prerrogativas parlamentares.

Busca-se com as franquias, o livre exercício da atividade do Poder Legislativo, através da proteção que se oferece a seus membros. Em verdade, assim, não se confere ao parlamentar

71 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 122.

WANDIRLEY FILHO 45

privilégio pessoal, mas sim, uma garantia ao Poder que ele integra, sendo este o verdadeiro destinatário da proteção, enquanto aquele, mero beneficiário.

As imunidades não se justificam em razoes de orem individual, ou meramente garantia do mandato parlamentar.

Trata-se de condição especial para a existência do próprio Poder Legislativo, assegurando-se a sua intangibilidade diante dos outros Poderes, à sua independência e livre funcionamento.

Assegura-se na verdade, a própria estrutura no qual é erigido o Estado.72

Alexandre de Moraes afirma o caráter público da imunidade material:

Além disso, a imunidade material é de ordem pública, razão pela qual não pode ser renunciá-la, e cobre ainda a publicidade dos debates parlamentares, tornando irresponsável o jornalista que as tenha reproduzido, desde que se limite a reproduzir na íntegra ou em extrato fiel o que se passou no Congresso.73

A imunidade material pertence ao Poder Legislativo, fato este que a torna de ordem pública, trata-se de condição para existência do próprio Poder Legislativo e da garantia de independência em face aos demais Poderes.

3.1.5.4 Irrenunciável

O fato de a imunidade material ser de ordem pública a torna irrenunciável uma vez que ela não pertence ao parlamentar, mas ao Poder Legislativo no intuito de garantir a sua autonomia. Neste sentido o ministro Celso de Mello afirma que a “prerrogativa indisponível da imunidade material - que constitui garantia inerente ao desempenho da função parlamentar (não traduzindo,

72 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 118.

73 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 423.

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por isso mesmo, qualquer privilégio de ordem pessoal).”74.Acerca do caráter irrenunciável da inviolabilidade

parlamentar, Jorge Kuranaka afirma:Advém da natureza de ordem pública, a qual é dotada a

imunidade material, a sua irrenunciabilidade.Em outras palavras, porque fora estabelecida por motivos

políticos, tento como objetivo o interesse público e não o individual, não é da disponibilidade do próprio parlamentar o alvedrio de renunciá-la ou não. Como dito, o parlamentar finda por ser mero beneficiário, e não destinatário verdadeiro da proteção.75

Alexandre de Moraes enfatiza a irrenunciabilidade das imunidades parlamentares:

As prerrogativas parlamentares protegem exclusivamente um bem público, a instituição, e como tais, não são suscetíveis de renúncia. Assim, os congressistas são beneficiários das prerrogativas, porém não podem renunciar ás mesmas, que visam ao funcionamento livre e independente do próprio Poder Legislativo.76

As imunidades não são de interesse pessoal, ou seja, não constituem privilégio, mas de interesse público, e por isso não são renunciáveis, sustenta Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

A necessidade de assegurar ampla liberdade de ação parlamentar para o exercício do mandato inspira-lhe a outorga de certas prerrogativas. Estas são exceções ao regime comum, decorrentes não de seu interesse pessoal (pois se assim fossem seriam privilégios) mas do interesse público no bom exercício do mandato, do que resulta não serem renunciáveis por aquele que são

74 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq 617/RR, relator ministro Celso de Mello, julgamento 24/06/2002, DJ 28-06-2002 PP-00144.

75 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 119.

76 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 436.

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por elas escudados.77

A inviolabilidade, pelo fato de ser de ordem pública torna-se indisponível, além de ser garantia inerente ao desempenho das funções parlamentares e conseqüentemente colaborar para a manutenção da independência do Poder Legislativo.

3.1.6 Abrangência da imunidade materialO Art. 53, cabeça, da Constituição Federal afirma que “Os

Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, mas torna-se se necessário esclarecer a abrangência ou alcance da inviolabilidade concedia os deputados e senadores. Alexandre de Moraes assevera sobre o alcance da proteção do instituto da imunidade material ou inviolabilidade parlamentar:

A imunidade parlamentar material só protege o congressista nos atos, palavras, opiniões e votos proferidos no exercício congressual, sendo passíveis desta tutela jurídico-constitucional apenas os comportamentos parlamentares cuja prática possa ser imputável ao exercício do mandato. A garantia da imunidade material estende-se ao desempenho das funções de representante do Poder Legislativo, qualquer que seja o âmbito desta atuação – parlamentar ou extraparlamentar – desde que exercida ratione muneris.78

Jorge Kuranaka sustenta a necessidade da existência do nexo causal entre a inviolabilidade parlamentar e a função legislativa, para que não se conceda esta proteção a atos estanhos a atividade do congressista:

O art. 53 da Constituição Federal passara a vigorar com o comando de que “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

77 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 25. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 174.

78 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 422.

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Porém, não se pode tomar isoladamente o pronome indefinido – quaisquer – para, ignorando-se o intento teológico da prerrogativa, conceder-se a proteção da inviolabilidade para os atos de todos estranho à atividade parlamentar, que com isso não guardem vinculo algum.79

A necessidade da existência do nexo causal entre as condutas praticadas pelo parlamentar e o exercício do mandato é explicitado por Alexandre de Moraes:

A imunidade material exige relação entre as condutas praticadas pelo parlamentar e o exercício do mandato. Assim, haverá integral aplicabilidade desta inviolabilidade, desde que as palavras, votos e opiniões decorram do desempenho das funções parlamentares, e não necessariamente exige-se que sejam praticas nas comissões ou no plenário do Congresso Nacional.

Para a incidência do princípio da imunidade material, em relação ao parlamentar, é necessária a satisfação de dois requisitos, afirma Celso Ribeiro de Bastos:

Para a incidência do princípio da imunidade material é necessária a satisfação de dois requisitos: em primeiro, o crime por ele praticado há de ser no exercício do mandato; em segundo lugar, haverá de ser um daqueles crimes passiveis de materialização por via de opiniões, palavras e votos.80

A imunidade material não se restringem ao âmbito parlamentar “segue mesmo fora do recinto parlamentar, desde que a ação impugnada seja em decorrência do exercício do mandato”81. O ministro Carlos Britto assevera sobre o tema:

A inviolabilidade (imunidade material) não se restringe ao âmbito espacial da Casa a que pertence o parlamentar,

79 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 125.

80 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição Federal (promulgada em 05 de outubro de 1988). v. 4, t. 1. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 187.

81 ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 297.

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acompanhando-o muro a fora ou externa corporis, mas com uma ressalva: sua atuação tem que se enquadrar nos marcos de um comportamento que se constitua em expressão do múnus parlamentar, ou num prolongamento natural desse mister.82

O ministro Celso de Mello, em julgamento do Agravo de Instrumento 473092/AC, ressalta a necessidade da existência do nexo causal e conduta praticada pelo parlamentar:

EMENTA: Imunidade parlamentar em sentido material (inviolabilidade). Discurso proferido por deputado da tribuna da casa legislativa. Entrevista jornalística de conteúdo idêntico ao do discurso parlamentar. Impossibilidade de responsabilização civil do membro do Poder Legislativo. Pressupostos de incidência da garantia constitucional da imunidade parlamentar. Prática "in officio" e prática "propter officium". Recurso conhecido e provido. - A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, "caput") exclui a responsabilidade civil do membro do Poder Legislativo, por danos eventualmente resultantes de manifestações, orais ou escritas, desde que motivadas pelo desempenho do mandato (prática "in officio") ou externadas em razão deste (prática "propter officium"), qualquer que seja o âmbito espacial ("locus") em que se haja exercido a liberdade de opinião, ainda que fora do recinto da própria Casa legislativa. - A EC 35/2001, ao dar nova fórmula redacional ao art. 53, "caput", da Constituição da República, consagrou diretriz, que, firmada anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 177/1375-1376, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), já reconhecia, em favor do membro do Poder Legislativo, a exclusão de sua responsabilidade civil, como decorrência da garantia fundada na imunidade parlamentar material, desde que satisfeitos determinados pressupostos legitimadores da incidência dessa excepcional prerrogativa jurídica. - Essa prerrogativa político-jurídica - que protege o parlamentar em tema de responsabilidade

82 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 20362/PA, relator ministro

Carlos Britto, julgamento 23/06/2004, DJ 22-10-2004 pp-00005 ement vol-02169-01 pp-00082 RTJ vol 00192-02 pp-00555.

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civil - supõe, para que possa ser invocada, que exista o necessário nexo de implicação recíproca entre as declarações moralmente ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao ofício legislativo, de outro, salvo se as declarações contumeliosas houverem sido proferidas no recinto da Casa legislativa, notadamente da tribuna parlamentar, hipótese em que será absoluta a inviolabilidade constitucional. (...)83.

Para o ministro Nelson Jobim aplica-se a imunidade material nos discursos proferidos pelos parlamentares desde que guardem nexo de causalidade com o exercício das atividades funcionais:

EMENTA: Queixa-Crime. Agravo regimental. Parlamentar. Discurso proferido na tribuna do senado federal. Imunidade material. Negativa de seguimento pelo relator. Possibilidade. 1. Os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos, desde que guardem nexo de causalidade com o exercício da atividade legislativa. No caso, o pronunciamento foi realizado na Tribuna do Senado Federal. O conteúdo foi de natureza eminentemente política. As manifestações estão compreendidas na esfera de proteção da imunidade material. 2. O relator poderá negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou improcedente (L. 8.038/90, art. 38 e RISTF, art. 21, § 1º). Não é preciso seguir todo trâmite regimental, para só após negar seguimento. No caso, a queixa-crime é incabível. Por isso, foi negado seguimento. 3. Agravo regimental improvido.84

Para o ministro Calos Velloso, no que diz respeito à aplicabilidade da imunidade material, só há necessidade de se perquiri o nexo causal para as condutas praticadas fora do parlamento:

83 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 473092/AC, relator ministro Celso de Mello, julgamento 07/03/2005, DJ 28-03-2005 pp-00060.

84 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq-AgR 1775/PR, relator ministro

Nelson Jobim, julgamento 21/11/2001, DJ 21-06-2002 pp-00096 ement vol-02074-01 pp-00115 RTJ vol-00191-02 pp-00448.

WANDIRLEY FILHO 51

EMENTA: Inquérito. Denúncia que faz imputação a parlamentar de prática de crimes contra a honra, cometidos durante discurso proferido no plenário de assembléia legislativa e em entrevistas concedidas à imprensa. Inviolabilidade: conceito e extensão dentro e fora do parlamento. A palavra "inviolabilidade" significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de crime ou contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo. O art. 53 da Constituição Federal, com a redação da Emenda nº. 35, não reeditou a ressalva quanto aos crimes contra a honra, prevista no art. 32 da Emenda Constitucional nº. 1, de 1969. Assim, é de se distinguir as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada "conexão como exercício do mandato ou com a condição parlamentar" (INQ 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso, o discurso se deu no plenário da Assembléia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material. Denúncia rejeitada.85

O ministro Carlos Velloso explicita que as manifestações dos congressistas, embora proferidas fora do âmbito parlamentar, estão resguardas pela imunidade material desde que proferidas em razão do exercício do mandato e estabelecido o nexo causal:

EMENTA: Constitucional. Penal. Deputado Federal. Imunidade

85 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq 1958/AC, relator ministro

Carlos Velloso, julgamento 29/10/2003, DJ 18-02-2005 pp-00006 ement vol-02180-01 pp-00068 RTJ vol-00194-01 pp-00056.

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material. I. - As manifestações dos parlamentares, ainda que feitas fora do exercício estrito do mandato, mas em conseqüência deste, estão abrangidas pela imunidade material. II. - No caso, as palavras tidas como ofensivas estão abrangidas pela imunidade material. É que, embora proferidas fora do âmbito parlamentar, decorrem do exercício da atividade parlamentar, consistente no controle e fiscalização dos atos do Poder Executivo do Município. III. - H.C. deferido para trancar o inquérito a que responde o paciente. IV. - HC deferido.86

EMENTA: Constitucional. Parlamentar: imunidade material: cf., art. 53. Responsabilidade civil: dano moral: ato ofensivo emanado de parlamentar: inocorrência da imunidade material. I. - As manifestações dos parlamentares, ainda que feitas fora do exercício estrito do mandato, mas em conseqüência deste, estão abrangidas pela imunidade material, que alcança, também, o campo da responsabilidade civil. Precedentes do STF: RE 210.917/RJ, Min. S. Pertence, "DJ" de 18.6.2001; RE 220.687/MG, Min. C. Velloso, 2ª T., "DJ" de 28.05.99; Inq 874-AgR/BA, Min. C. Velloso, Plenário, "DJ" de 26.5.95. II. - As palavras dos parlamentares, que não tenham sido proferidas no exercício e nem em conseqüência do mandato, não estão abrangidas pela imunidade material. É que há de existir, entre a atividade parlamentar e as declarações do congressista, nexo causal. Precedente do STF: Inq 1.710/SP, Min. S. Sanches, "DJ" de 28.6.2002. III. - No caso, não há nexo de causalidade entre a atividade parlamentar e as declarações do congressista. IV. - RE conhecido, mas improvido.87

A imunidade material exime o parlamentar da responsabilidade por dano moral em razão de suas opiniões, palavras e votos, desde que sejam proferidas no exercício de suas

86 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 83644/BA, relator ministro Carlos Velloso, julgamento 18/12/2003, DJ 27-02-2004 pp-00021 ement vol-02141-05 pp-00925.

87 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 226643/SP, relator ministro

Carlos Velloso, julgamento 03/08/2004, DJ 20-08-2004 pp-00059 ement vol-02160-02 pp-00377 RF v. 101, n. 378, 2005, p. 259-263.

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funções. Neste sentido entende o ministro Marco Aurélio, no julgamento do Inquérito 2282/DF:

EMENTA: Queixa-crime: Imunidade parlamentar material (CF, art. 53): incidência. As declarações proferidas pelo querelado, na qualidade de Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, alusivas a denúncias de tortura sob investigação do Ministério Público são palavras absolutamente ligadas ao exercício do mandato, donde estarem cobertas pela imunidade parlamentar material. Não é cabível indagar sobre nenhuma qualificação penal do fato objetivo, se ele está compreendido na área da inviolabilidade parlamentar.88

O depoimento prestado por membro do congresso nacional a uma comissão parlamentar de inquérito esta protegido pela cláusula de inviolabilidade que tutela o legislador no desempenho do seu mandato, especialmente quando a narração dos fatos, ainda que veiculadora de supostas ofensas morais,guarda intima conexão com o exercício do oficio legislativo e com a necessidade de esclarecer os episódios objeto da investigação parlamentar, afirma o ministro Celso de Melo:

EMENTA: Queixa-Crime - Deputado Federal - Imputação de delito contra a honra - Expressões ofensivas constantes de depoimento do congressista perante comissão parlamentar de inquérito - Inviolabilidade - Imunidade parlamentar material (cf., art. 53, caput) - Queixa-Crime liminarmente rejeitada. - O Supremo Tribunal Federal tem acentuado que a prerrogativa constitucional da imunidade parlamentar em sentido material protege o congressista em todas as suas manifestações que guardem relação com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do recinto da própria casa legislativa (rtj 131/1039 - rtj 135/509 - rt 648/318), ou, com maior razão, quando exteriorizadas no âmbito do congresso nacional (rtj 133/90). - O depoimento prestado por membro do congresso nacional a uma

88 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq 2282/DF, relator ministro Marco Aurélio, julgamento 30/06/2006, DJ 24-11-2006 pp-00064 ement vol-02557-03 pp-00429.

WANDIRLEY FILHO 54

comissão parlamentar de inquérito esta protegido pela cláusula de inviolabilidade que tutela o legislador no desempenho do seu mandato, especialmente quando a narração dos fatos - ainda que veiculadora de supostas ofensas morais - guarda intima conexão com o exercício do oficio legislativo e com a necessidade de esclarecer os episódios objeto da investigação parlamentar.89

Neste mesmo sentido posiciona-se o ministro Maurício Corrêa, no julgamento do Inquérito 655/DF:

EMENTA: Inquérito. Queixa-Crime. Calúnia. Imunidade material. Ofensa irrogada no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito instituída para apurar irregularidades no FGTS. Relação com o tema discutido: Conduta abrangida pela imunidade material. Hipótese em que o parlamentar disse que o querelante, ao responder por crime de estupro, não tinha condições morais para acusar ex-Ministro de Estado de irregularidades acerca do fato investigado. Queixa crime rejeitada.90

As opiniões, palavras e votos proferidos pelos parlamentares, por meio da imprensa, gozam da imunidade material desde que guardem relação com o exercício de suas funções. A imunidade “cobre ainda a publicidade dos debates parlamentares, tornando irresponsável o jornalista que as tenha reproduzido desde que se limite a reproduzir na íntegra ou em extrato fiel o que se passou no Congresso.”91. O Supremo Tribunal Federal tem confirmado esse posicionamento, segundo entendimento do ministro Marco Aurélio:

EMENTA: Queixa-Crime - Imunidade material parlamentar - negativa de seguimento. Constatada a imunidade material, cabe

89 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq 683/SP, relator ministro Celso de Mello, julgamento 09/03/1994, DJ 22-04-1994 pp-08941 ement vol-01741-01 pp-00168

90 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq 655/DF, relator ministro Maurício Corrêa, julgamento 01/07/2002, DJ 29-08-2003 pp-00020 ement vol-02121-01 pp-00105.

91 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 423.

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ao relator negar seguimento à queixa-crime, com base no disposto no artigo 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Queixa-Crime - Imunidade parlamentar - Veiculação de notícias em jornais. A circunstância de haver ocorrido o extravasamento de fatos veiculados por parlamentar da tribuna da Câmara e em representação ao Procurador-Geral da República não afasta a imunidade parlamentar, que se estende de forma linear, extravasando os limites da Casa Legislativa.92

Posicionamento este também da ministra Ellen Gracie, no julgamento do Inquérito 1944/DF:

EMENTA: Queixa. Art. 22 C/C 23, Ii, da Lei Nº. 5.250/67. Entrevista. Programa de tv. Deputada Federal. Imunidade parlamentar em sentido material. Art. 53 Da Cf. 1. "(...) a prerrogativa constitucional da imunidade parlamentar em sentido material protege o congressista em todas as suas manifestações que guardem relação com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do recinto da própria casa legislativa (...)" (INQ 681 QO, rel. Min. Celso de Mello). 2. Caso em que as declarações relacionam-se ao exercício do mandato parlamentar e, portanto, atraem a incidência da imunidade em sentido material, nos termos do art. 53 da Constituição Federal. 3. Queixa rejeitada.93

Na mesma linha segue o ministro Celso de Mello:

EMENTA: Interpelação judicial. Pedido de explicações. Lei de Imprensa (Art. 25) e Código Penal (Art. 144). Ofensas equívocas que teriam constado de Discurso proferido da Tribuna do Senado da República. Imunidade Parlamentar em sentido material. A proteção constitucional do discurso parlamentar, mesmo quando veiculado, posteriormente, pelos meios de Comunicação Social. Amplitude da garantia institucional da imunidade parlamentar

92 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq-AgR 1920/TO, relator ministro Marco Aurélio, julgamento 15/010/2003, DJ 05-12-2003 pp-00019 ement vol-02135-03 pp-00548.

93 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq 1944/DF, relatora ministra Ellen Gracie, julgamento 01/10/2003, DJ 21-11-2003 pp-00009 ement vol-02133-02 pp-00243.

WANDIRLEY FILHO 56

material. Impossibilidade de responsabilização - penal e civil - de Membro do Congresso Nacional "por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos" (Cf, Art. 53, "caput"), notadamente quando proferidos da Tribuna Do Parlamento. Conseqüente inadmissibilidade, Em tal Contexto, de Interpelação judicial de Senador da República ou de Deputado Federal. Doutrina. Precedentes. Pedido De Explicações A que Se nega seguimento. Decisão: Trata-se de pedido de "interpelação judicial" deduzido com fundamento no art. 25 da Lei nº. 5.250/67 e no art. 144 do Código Penal (fls. 02/09). Pretende-se, com a medida processual ajuizada, que o ora interpelando, que é Senador da República, ofereça explicações necessárias ao esclarecimento de afirmações que por ele teriam sido proferidas da tribuna do Senado da República e reproduzidas, segundo alega o requerente, em diversos meios de comunicação social (fls. 02). Analiso, preliminarmente, a admissibilidade da presente interpelação judicial, considerada a garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material, que exclui a responsabilidade - penal e civil - do congressista "por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos" (CF, art. 53, "caput", "in fine").(...)94

EMENTA: Imunidade parlamentar em sentido material (inviolabilidade). Discurso proferido por deputado da tribuna da casa legislativa. Entrevista jornalística de conteúdo idêntico ao do discurso parlamentar. Impossibilidade de responsabilização civil do membro do Poder Legislativo. Pressupostos de incidência da garantia constitucional da imunidade parlamentar. Prática "in officio" e prática "propter officium". Recurso conhecido e provido. - A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, "caput") exclui a responsabilidade civil do membro do Poder Legislativo, por danos eventualmente resultantes de manifestações, orais ou escritas, desde que motivadas pelo desempenho do mandato (prática "in officio") ou externadas em razão deste (prática "propter officium"), qualquer que seja o âmbito espacial ("locus") em que se haja exercido a

94 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pet 3686/DF, relator ministro Celso

de Mello, julgamento 28/08/2006, DJ 31-08-2006 pp-35.WANDIRLEY FILHO 57

liberdade de opinião, ainda que fora do recinto da própria Casa legislativa. - A EC 35/2001, ao dar nova fórmula redacional ao art. 53, "caput", da Constituição da República, consagrou diretriz, que, firmada anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 177/1375-1376, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), já reconhecia, em favor do membro do Poder Legislativo, a exclusão de sua responsabilidade civil, como decorrência da garantia fundada na imunidade parlamentar material, desde que satisfeitos determinados pressupostos legitimadores da incidência dessa excepcional prerrogativa jurídica. - Essa prerrogativa político-jurídica - que protege o parlamentar em tema de responsabilidade civil - supõe, para que possa ser invocada, que exista o necessário nexo de implicação recíproca entre as declarações moralmente ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao ofício legislativo, de outro, salvo se as declarações contumeliosas houverem sido proferidas no recinto da Casa legislativa, notadamente da tribuna parlamentar, hipótese em que será absoluta a inviolabilidade constitucional. (...)95.

O parlamentar e amparado pela imunidade material pelos votos emitidos ou divulgados na imprensa, desde que estejam ligados ao exercício de suas atividades. Neste sentido decide o ministro Joaquim Barbosa, em julgamento do Agravo de Instrumento 473092/AC:

Ementa: - Queixa-Crime. Parlamentar. Imunidade material. - Queixa-Crime contra Deputado Federal por crimes de calúnia e injúria, resultantes da divulgação de voto proferido em Comissão Parlamentar de Inquérito. Fato ocorrido à época em que o querelado exercia mandato de Deputado Estadual. Competência do Supremo Tribunal Federal. Manifestação associada ao exercício do mandato parlamentar, protegida pela imunidade material. Queixa-crime rejeitada.96

95 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 473092/AC, relator ministro Celso de Mello, julgamento 07/03/2005, DJ 28-03-2005 pp-00060.

96 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 473092/AC, relator ministro

Joaquim Barbosa, julgamento 13/08/2003, DJ 26-09-2003 pp-00006 ement vol-02125-01 pp-00116.

WANDIRLEY FILHO 58

Alexandre de Moraes extrai os fundamentos essências para a aplicabilidade da imunidade material ou inviolabilidade ao parlamentar no exercício de suas funções:

Em síntese final, a imunidade material apresenta certos pressupostos, para que afaste a incidência de ilícito à conduta do parlamentar, isentando-o de responsabilidade penal, civil, administrativa e política, por suas palavras, votos e opiniões no exercício do mandato.

Primeiramente, refere-se somente a atos funcionais, ou seja, a atos praticados por parlamentares, por meio de opiniões, palavras ou votos, no exercício de suas funções e sobre matéria parlamentar. Além disso, a imunidade material possui eficácia temporal permanente ou absoluta, de caráter perpetuo, pois pressupondo a inexistência da infração penal ou ilícito civil, mesmo após o fim de sua legislatura, o parlamentar não poderá ser investigado, incriminado ou responsabilizado.97

Conclui-se que a imunidade material isenta civil, penalmente, administrativamente e politicamente, o parlamentar por suas opiniões, palavras e votos, proferidos dentro ou fora do Congresso Nacional, desde que estabelecido a existência do nexo causal entre o fato ocorrido e as funções exercidas pelo parlamentar.

3.2 IMUNIDADE FORMAL

3.2.1 NoçõesO art. 53, § 1º, § 2º e § 3º da Constituição Federal de 1988,

em sua redação original, contemplava o instituto da imunidade formal que dispunha o seguinte:

Art. 53. (...)

§ 1º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso

97 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 424.

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Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante delito de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Casa.

§ 2º O indeferimento do pedido de licença ou a ausência de deliberação suspende o prescrição enquanto durar o mandato.

§ 3º No caso de flagrante delito de crime inafiançável, os autos serão remetidos dentro de vinte quatro horas, à Casa respectiva, para que, pelo voto secreto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão e autorize, ou não, a formação de culpa.

Entretanto, no dia 21 de dezembro de 2001, com a publicação da Emenda Constitucional nº. 35 o art. 53. foi alterado, e a imunidade formal ou imunidade processual foi amparada nos § 2º, § 3º , § 4º e § 5º, que passou com a seguinte redação:

Art. 53. (...)

§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.

§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora.

§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato.

A Emenda Constitucional nº. 35/2001 trouxe significativas

WANDIRLEY FILHO 60

alterações no instituto da imunidade formal, que “(...) embora não a tenha extinguido, modificou-a a profundamente e a limitou a crimes cometidos após a diplomação.”98, é sobre essa égide que passaremos a analisar este instituto e suas particularidades.

3.2.2 ConceitoConceituar a imunidade formal ou imunidade processual se

faz necessário para que se possa entender a aplicação deste instituto. Para Fernanda Dias Menezes de Almeida a imunidade formal e aquela que “respeita a intangibilidade pessoal do congressista, que não poderá ser processado ou preso, sem prévia licença da Câmara a que pertence.”99. Pedro Aleixo afirma que “a imunidade formal ou processual é a exigência de licença prévia da Câmara a que pertence o congressista para a prisão ou processo do mesmo.”100.

Porém, a imunidade formal com “A EC nº. 35/01, alterando a redação original do art. 53 da Constituição Federal, manteve a imunidade formal em relação à prisão e alterou significativamente a imunidade formal processual.”101, passou a ter no conceito que “é o instituo que garante o parlamentar a impossibilidade de ser ou permanecer preso ou, ainda, a possibilidade de sustação do andamento da ação penal por crimes praticados após a diplomação.”102.

Jorge Kuranaka apresenta o novo conceito da imunidade formal após a publicação da Emenda Constitucional nº. 35/2001:

Diante do novo texto que recebe a vigente Constituição Federal,

98 QUEIROZ, Ari Ferreira de. Direito constitucional. 13 ed. rev., ampl. e atual. até fevereiro de 2002. Goiânia: IEPC, p. 332.

99 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 74.

100 ALEIXO, Pedro. Imunidades Parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 67.

101 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 425.

102 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 424.

WANDIRLEY FILHO 61

possível definir-se a imunidade formal como sendo prerrogativa concedida aos Deputados Federais, Senadores, Deputados Estaduais e Deputados Distritais, visando o pleno exercício do mandato, consistente em no poderem ser presos, desde a expedição do diploma, salvo em flagrante de crime inafiançável, bem como, em se tratando de crime ocorrido após a diplomação, na possibilidade de sustação do andamento da ação, até a decisão final, por iniciativa de partido político nele representado e pelo voto da maioria de seus membros.103

A imunidade formal ou processual é aquela que protege o parlamentar contra prisão, exceto no caso de cometimento de crime inafiançável, e também possibilita a sustação do processo em crimes praticados após a diplomação pela respectiva Casa que pertenca o parlamentar.

3.2.3 ObjetoA imunidade formal ou processual tem por objeto a proteção

do parlamentar contra a prisão, salvo no caso de crime inafiançável, e sustação andamento do processo, ou seja “ela envolve a disciplina da prisão e do processo de congressistas.”104. Jorge Kuranaka afirma em relação ao objeto da imunidade formal:

Enquanto a imunidade material se relaciona com atos funcionais do parlamentar (por opiniões, palavras e votos do parlamentar no exercício mandato), a imunidade formal situa-se no campo de atos estranhos ao exercício do mandato parlamentar.

A Emenda Constitucional mantém ainda a proteção de duas ordens. Garante, com efeito, ao parlamentar, a proibição de sua prisão, salvo em flagrante delito de crime inafiançável (art. 53, § 2º), bem como a possibilidade de sustar-se o andamento da ação, se recebida a denúncia contra o parlamentar, por crime ocorrido após a diplomação (art. 53, § 3º). A imunidade formal ou

103 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 176.

104 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28 ed., revista e atualizada até EC 53/2006. São Paulo: Malheiros: 2007, p. 535

WANDIRLEY FILHO 62

processual é aquela que protege o parlamentar contra prisão, exceto no caso de cometimento de crime inafiançável, e também possibilita a sustação do processo em crimes praticados após a diplomação.105

Alexandre de Moraes analisa o objeto da imunidade formal, na redação original da Constituição Federal de 1988 e após a Emenda Constitucional nº. 35/01, e conclui:

Não seguindo a tendência anterior, a redação do art. 53 da Constituição Federal de 1988 consagrou a dupla imunidade formal, uma em relação à possibilidade de prisão, outra em relação à instauração do processo. A EC nº. 35/01, alterando a redação do art. 53 da Constituição Federal, manteve a imunidade formal em relação à prisão e alterou significativamente a imunidade processual.106

Embora a Emenda Constitucional nº. 35/01 tenha alterado o instituto da imunidade formal ou processual, o seu objeto permanece sendo a disciplina da prisão e do processo referentes ao parlamentares.

3.2.4 Natureza JurídicaA imunidade formal ou “a imunidade (propriamente dita),

ao contrario da inviolabilidade, não exclui o crime, antes o pressupõe, mas impede o processo.”107. Na visão de Jorge Kuranaka:

Trata-se antes de uma garantia formal, de cunho processual, na medida em que se permite à Casa respectiva a sustação do andamento da ação penal pendente contra parlamentar seu, condicionado à iniciativa de partido político nela representado e ao voto da maioria de seus membros. Consegue-se, com isso,

105 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 176.

106 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 425.

107 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28 ed., revista e atualizada até EC 53/2006. São Paulo: Malheiros: 2007, p. 535

WANDIRLEY FILHO 63

nesses casos, congelar, retardar no tempo, o processo criminal do parlamentar, protraindo-o ao término do mandato. A imunidade formal consiste, assim ainda, em uma espécie de cláusula de tempo, para fazer uso de expressão utilizada por Eloy García, na sua obra Inmunidade Parlamentaria y Estado de Partidos. Apesar de não suspender a eficácia da norma pertinente que esteja a impor ao legislador o dever de responder juridicamente por suas condutas privadas, a faz protrair no tempo, postergando-a para após o término do mandato a responsabilização judicial cabível.108

Conclui-se que a imunidade formal tem um caráter processual (formal) que não excluí o cometimento de crime por parte do parlamentar, mas possibilita a sustação da ação contra ele intentada.

3.2.5 Características da imunidade formalA imunidade formal é de ordem pública, irrenunciável, mas

diferentemente da imunidade material que é absoluta e perpétua, ela é relativa e temporária. Estas características peculiares inerentes a imunidade processual são confirmadas por Jorge Kuranaka:

Era dito, antes da reforma do art. 53. da Constituição Federal, serem ambas as espécies de orem pública e irrenunciável.(...).

Também diferentemente da imunidade material, a formal não é proteção absoluta nem perpétua, mas, sim relativa e temporária.109

Passaremos a analisar cada uma destas características da imunidade formal.

3.2.6 De ordem pública e irrenunciávelA imunidade formal conferida ao parlamentar tem como

características ser de ordem pública e irrenunciável. Jorge Kuranaka assevera acerca deste caráter da imunidade formal:

108 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 178.

109 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 179.

WANDIRLEY FILHO 64

Quantos às características, diz-se que a imunidade formal é também de ordem pública e irrenunciável, no que seriam válidas as ponderações lançadas no estudo pertinente a imunidade material. Em síntese, o argumento é o de que essa espécie de franquia é destinada não à proteção exclusiva à pessoa do parlamentar, mas, sim, enquanto condição essencial à existência do próprio Poder Legislativo.110

A imunidade formal é de ordem pública, pois não pertence ao parlamentar, mas, sim, ao Poder Legislativo, conseqüentemente é irrenunciável à medida que o parlamentar não pode abrir mão desta prerrogativa.

3.2.7 RelativaA imunidade formal é relativa, pois não irresponsabiliza o

parlamentar totalmente por seus atos (imunidade material), mas protege somente quanto a prisão, salvo nem caso de flagrante de crime inafiançável, e a sustação da ação penal. Jorge Kuranaka evidência o aspecto relativo da imunidade processual concedia ao parlamentar para que ele possa exercer suas atividade com tranqüilidade:

De outro ângulo, diferentemente da imunidade material, a formal não é absoluta, mas sim relativa. Pela prática de crime comum, se recebida a denúncia contra o parlamentar, será ele então processado, independentemente de concessão de licença para tanto, pela Casa a que pertença. Ainda que obtida a sustação do feito, isto representará óbice ao seu processamento, é verdade, mas somente pelo tempo da duração do mandato. Findo este, como adiante se pormenorizará, será ele processado.

Além disso, a imunidade formal protege o parlamentar, durante o mandato, da forma já delineada, somente quanto à incidência de processo criminal, ou daqueles pelos quais, ainda que de outra natureza, seja o réu passível de sofrer prisão. Não se o

110 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 179.

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protege, assim, de sofrer as demais ações.111

A imunidade formal comprova o seu caráter relativo, pois se limita as condutas que podem levar o parlamentar a prisão, não impedindo as demais ações que não guardem relação com instituto da prisão.

3.2.8 Temporária Enquanto a imunidade material tem caráter permanente ou

perpétuo é “importante observa que a imunidade formal possui extensão temporal, ou seja, tem eficácia temporal limitada, protegendo os parlamentares somente durante o exercício atual e efetivo do mandato”112. Jorge Kuranaka afirma o caráter temporário da imunidade formal:

Também não é perpétua essa franquia, mas temporária, tendo início a partir da expedição do diploma – e não da posse -, e perdurando até o final do mandato, quer quanto a garantia de não-prisão, quer quanto à possibilidade de sustação do andamento da ação penal. Juntamente com ela se finda, extinguindo a incolumidade parlamentar.

Assim a imunidade formal, diferentemente da material, tem eficácia temporal limitada, ou seja só protege os parlamentares durante o exercício atual e efetivo do mandato.113

A imunidade formal por possuir caráter temporal, diferentemente da imunidade material que se estende após o fim do mandato, não impede ao término do mandato do parlamentar o processamento da ação anteriormente intenta.

3.2.9 Extinção da licença préviaNo texto original da Constituição Federal de 1988 o § 1º do

111 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 180.

112 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 430.

113 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 180.

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art. 53, prévia a necessidade de licença da respectiva Casa que o parlamentar pertence para o processamento criminal “Art. 53. (...) § 1º. Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante delito de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Casa.”.

Entretanto com o advento da Emenda Constitucional nº. 35/01 esse necessidade foi suprimida. Jorge Kuranaka assevera acerca da extinção desta licença:

Suprimiu-se, com a Emenda Constitucional, a exigência de prévia licença, pela Casa respectiva, para o processo do Parlamentar, por crimes comuns, quer cometidos antes ou após a diplomação, não mais sendo contemplada no texto atual.114

O ministro Sepúlveda da Pertence enfatiza a extinção da necessidade de licença prévia para a instauração ou continuidade do processo penal contra o parlamentar, no julgamento do Inquérito 1344/DF:

EMENTA: I. Imunidade parlamentar formal: EC 35/01: abolição da exigência de licença prévia para a instauração ou continuidade da persecução penal: aplicabilidade imediata. 1. Ao contrário da inviolabilidade ou imunidade material que elide a criminalidade do fato ou, pelo menos, a responsabilidade do agente - e, substantiva, por isso, instituto de Direito Penal -, a "licença prévia" antes exigida caracterizava mera condição de procedibilidade, a qual - até que deferida ou enquanto durasse a investidura parlamentar do acusado - configurava empecilho temporário ao exercício da jurisdição, impedindo a instauração ou o curso do processo.(...)115.

A Emenda Constitucional nº. 35/01 suprimiu licença prévia

114 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 177.

115 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq 1344/DF, relator ministro

Sepúlveda da Pertence, julgamento 07/08/2002, DJ 01-08-2003 pp-00104 ement vol-02117-20 pp-04241.

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para o processamento criminal do parlamentar, que era a principal vantagem da imunidade formal, conforme afirma Ari Ferreira de Queiroz:

A principal vantagem da imunidade formal era a proibição de instauração de processo criminal contra o parlamentar sem prévia licença da Casa a que pertence.

Até o advento da EC 35/01, antes de instaurar o processo criminal contra o parlamentar, o STF, que é o foro competente, devia pedir autorização à Casa legislativa, e aguardar a resposta que nunca vinha. Essa era a regra de observância obrigatória para qualquer crime, inclusive os cometidos antes da diplomação ou da posse, e relacionados, ou não, ao exercício do mandato.

Com o advento da mencionada emenda, a imunidade formal se restringe aos crimes cometidos após a diplomação, e mesmo assim bastante atenuada, pois o STF pode instaurar processo independentemente de licença prévia, devendo, apenas, dar ciência a Casa legislativa, para que, se for o caso, determine a suspensão por iniciativa de partido político que nela tenha representação (art. 53, § 3º).116

A extinção desta licença prévia para processamento do parlamentar, contribui para a restauração da imagem do Poder Legislativo perante a opinião pública, a media que acaba com injustificável proteção e privilégio dos congressistas.117

3.3 Imunidade formal em relação à prisão

A imunidade formal protege o parlamentar contra a prisão, salvo em flagrante de crime inafiançável, afirma o art. 53, § 2º da Constituição Federal:

Art. 53. (...)

116 QUEIROZ, Ari Ferreira de. Direito constitucional. 13 ed. rev., ampl. e atual. até fevereiro de 2002. Goiânia: IEPC, p. 332.

117 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 177.

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§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

A proteção quanto à prisão e a afiançabilidade do crime é ressaltada por Jose Afonso da Silva:

Quanto à prisão, estatui-se que, salvo flagrante delito de crime inafiançável, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos dentro do período que vai desde a sua diplomação até o encerramento definitivo de seu mandato por qualquer motivo, incluindo a não reeleição. Podem, pois ser presos nos casos de flagrante de crime inafiançável, mas, nesse caso, os autos serão remetidos, dentre de 24 horas, à Câmara respectiva, para que, pelo voto da maioria (absoluta) de seus membros, resolva sobre a prisão (art. 53, § 2º, EC-35/2001). Convém ponderar a respeito da questão da afiançabilidade do crime, hoje importante, diante do disposto no art. 5º, LXVI, segundo qual ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. Se o crime for daqueles que admitem liberdade provisória, o tratamento a ser dado ao congressista há de ser idêntico ao dos crimes afiançáveis, ou seja: vedada a prisão.118

A imunidade formal impede a prisão penal como a prisão civil, seja de natureza provisória ou definitiva, do parlamentar, conforme assevera Alexandre de Moraes:

(...) a imunidade formal abrange prisão penal e a civil, impedindo, impedindo sua decretação e execução em relação ao parlamentar, que não pode sofrer nenhuma ato de privação de liberdade, exceto o flagrante de crime inafiançável. Assim, mesmo a prisão civil do parlamentar, nas hipóteses constitucionalmente permitidas do devedor de alimentos e do depositário infiel, para compeli-lo à

118 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28 ed., revista e atualizada até EC 53/2006. São Paulo: Malheiros: 2007, p. 535

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restituição dos objetos ou à satisfação dos alimentos, não poderá ser decretada.

Em regra, portanto, o congressista não poderá sofrer qualquer tipo de prisão de natureza penal ou processual, seja provisória (prisão temporária, prisão em flagrante por crime inafiançável, prisão preventiva, prisão por pronúncia, prisão por sentença condenatória recorrível), seja definitiva (prisão por sentença condenatória transitado em julgado), ou ainda a prisão de natureza civil.119

A proteção do parlamentar contra prisão não foi alterada com a Emenda Constitucional nº. 35/01, exceto o voto que decidia sobre a prisão que deixou de ser secreto, conforme afirma Jorge Kuranaka e Alexandre de Moraes:

A garantia de não prisão (art. 53, § 2º) não se modificou com a reforma, exceto por um aspecto: através da Emenda Constitucional, deixa de ser secreto o voto através do qual a maioria dos membros da Casa haverá de resolver quanto à prisão do parlamentar, em caso de flagrante de crime inafiançável. Com a alteração, obtém-se maior transparência do processo de votação, redundando em maior responsabilização do congressista por seus atos, pelo eleitorado e pela opinião pública, evitando-se a prática do corporativismo tão contrário à finalidade do instituto.120

A EC nº. 35/01 revogou corretamente a previsão existente na redação constitucional original que exigia “voto secreto” para deliberação sobre a prisão do parlamentar, pois a votação ostensiva e nominal no julgamento de condutas dos agentes políticos é a única forma condizente com os princípios as soberania popular e da publicidade consagrados, respectivamente, no parágrafo único do art. 1º e no art. 37, caput, da Constituição Federal e consagradora da efetiva democracia. Assim, a partir da nova redação, a votação

119 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 426.

120 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 183.

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dera ser ostensiva e nominal.121 Nota-se que garantia contra a prisão, penal e civil, conferida

ao parlamentar através do instituto da imunidade formal, contribui significativa para que o parlamentar exerça suas funções com tranqüilidade.

3.4 Imunidade formal em relação ao processo

Com o advento da Emenda Constitucional nº. 35/01 a imunidade formal em relação ao processo diz respeito “à possibilidade da Casa Legislativa respectiva sustar, a qualquer momento antes da decisão final do Poder Judiciário, o andamento da ação penal proposta contra parlamentar por crimes praticados após a diplomação.”122.

A persecução penal dos parlamentares sofre tratamento diferenciado dependendo do momento da prática do ato delituoso, afirma Alexandre de Moraes:

A persecução penal dos parlamentares, portanto, sofrerá tratamento diferenciado, dependendo do momento da prática do crime, da seguinte forma:

Crimes praticados antes da diplomação: não haverá incidência de qualquer imunidade formal em relação ao processo, podendo o parlamentar ser normalmente processado e julgado pelo Supremo Tribunal Federal, enquanto durar o mandato;

Crimes praticados após a diplomação: o parlamentar poderá ser processado e julgado pelo Supremo Tribunal Federal, enquanto durar o mandato, sem necessidade de qualquer autorização, porém, a pedido de partido político com representação na Casa Legislativa respectiva, esta poderá sustar o andamento da ação penal pelo voto ostensivo e nominal da maioria absoluta de seus membros. A suspensão da ação penal persistirá enquanto durar o mandato, e

121 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 426.

122 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 427.

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acarretará, igualmente, a suspensão da prescrição.123 O art. 53, § 3º, da Constituição possibilita a sustação do

andamento da ação penal:

Art. 53. (...)

§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.

Damásio de Jesus discorre sobre o que seja sustação do andamento da ação penal e seus efeitos:

Sustar significa impedir, continuar, fazer parar, interromper, sobrestar (Aulete e Pedro Orlando). Não criou o legislador constitucional uma causa de extinção, mas de sua suspensão (...). Assim, iniciado o procedimento criminal, poderá a Câmara ou Senado impedir seu prosseguimento. Essa causa de sobrestamento da ação penal tem o mesmo efeito da antiga negativa de licença. A deliberação da Casa do Congresso Nacional impede que o processo tenha seguimento. Entretanto, cessada, por qualquer motivo, a investidura do mandato, com seu término ou eventual cassação, o parlamentar perde a prerrogativa processual, de modo que a ação penal, desde que ainda não alcançada a pretensão punitiva pela prescrição, pode prosseguir. (...).124

Entretanto a sustação do andamento da ação penal dependerá de alguns requisitos, assevera Alexandre de Moraes:

A sustação do andamento da ação penal pela Casa Legislativa respectiva dependera dos seguintes requisitos:

Momento da pratica do crime: independentemente da

123 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 427.

124 JESUS, Damásio E. Questões... Apud MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 424.

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natureza da infração penal, somente haverá incidência da imunidade formal em relação ao processo quando tiver sido praticada pelos congressistas após a diplomação;

Termos para a sustação do processo criminal: somente poderá ser iniciado o procedimento pela Casa Legislativa respectiva, se houvera ação penal em andamento, ou seja, após o recebimento da denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal; persistindo essa possibilidade até decisão final ou até o término do mandato, quando, então cessarão todas as imunidades;

Provocação de partido político com representação da própria Casa Legislativa: importante ressaltar que não será da ciência do STF à Casa Legislativa respectiva, informando o início de ação penal contra o parlamentar por crime praticado após a diplomação, que iniciará o procedimento para a análise da sustação do processo criminal. Haverá necessidade de provocação de partido político com representação na respectiva Casa. A Casa parlamentar não poderá, portanto, agir de ofício ou mesmo por provocação de qualquer de seus membros. A EC nº. 35/01 somente concedeu legitimidade aos partidos políticos para a deflagração desse procedimento, por seus órgãos dirigentes, nos termos de seus próprios estatutos;

Prazo para análise do pedido de sustação: a Casa Legislativa terá 45 (quarenta e cinco) dias do recebimento do pedido de sustação pela Mesa Diretora, para votar o assunto, sendo improrrogável esse prazo.

Quórum qualificado para a sustação do processo: o § 3º, do art. 53, exige “voto da maioria de seus membros”, ou seja, para que a Casa Legislativa suspenda o andamento da ação penal contra o parlamentar por crime praticado após a diplomação; deverá obter maioria absoluta dos votos, que deverão ser ostensivos e nominais.125

125 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 429.

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O cometimento de crime após a diplomação, a iniciativa de partido político para o procedimento sustatório e o voto da maioria dos membros da respectiva Casa que pertença o parlamentar processado, são os requisitos necessários para a sustação do andamento da ação penal, afirma Jorge Kuranaka em sua obra Imunidades parlamentares:

A Emenda n. 35, ao abolir a figura da licença prévia da Casa para o processamento do parlamentar, manteve, ainda assim, ao Legislativo, um minus da garantia, representado pela possibilidade de a Casa respectiva sustar o andamento da ação penal promovida contra seu parlamentar. Para tanto, necessário que estejam presentes três condições essenciais: a) trate-se de crimes que tenham ocorrido após a diplomação; b) conte o procedimento sustatório com a iniciativa de partido político nela representado e, c) tenha o voto da maioria dos membros da Casa a que pertença o parlamentar processado.

Para a apreciação pela Casa respectiva, do pedido de sustação, tratou-se de estabelecer prazo máximo e improrrogável de 45 dias, a contar do seu recebimento pela Mesa Diretora (art. 53, § 4º).126

A imunidade formal em relação ao processo protege o parlamentar, pois possibilita a Casa Legislativa respectiva sustar o andamento da ação penal intentada contra o congressista por crimes praticados após a diplomação, contudo a sustação tem que ser de iniciativa de partido político e dever ser auferida por maioria dos votos dos membros da Casa respectiva que pertença o parlamentar processado.

3.5 Imunidades e estado de sítio

Conforme preceitua o art. 53, § 8º, da Constituição Federal

126 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 184.

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as imunidades subsistirão ao estado de sítio, contudo poderão ser suspensas nos atos praticados fora do Congresso Nacional, desde que incompatíveis com a execução da medida:

Art. 53. (...)

§ 8º As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida.

Desta maneira a imunidade não pode ser cassada, mas poderão ser suspensas, afirma Ari Ferreira de Queiroz:

A imunidade dos parlamentares não pode ser cassada. Pode, todavia, ser suspensa durante o estado de sítio que é medida drástica, pelo voto de 2/3 dos membros da respectiva Casa, e anda assim somente por atos praticados fora do recinto do Congresso e que sejam incompatíveis coma execução das medidas decretadas pelo presidente da República.127

A garantia da imunidade pelos atos praticados no recinto do Congresso Nacional durante o estado de sítio é absoluta, afirma José Afonso da Silva:

Vale dizer, se os atos forem praticados no recinto do Congresso Nacional a imunidade é absoluta, não comportando a suspensão pela Casa respectiva. É um a garantia importante, porque se harmoniza com o disposto no parágrafo único do art. 139 e porque afasta qualquer pretensão de aplicar a parlamentares as restrições previstas nos incisos desse artigo.128

A imunidade protegerá o parlamentar também durante o estado de sítio, contudo poderá ser suspensa somente em relação a atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional e que sejam

127 QUEIROZ, Ari Ferreira de. Direito constitucional. 13 ed. rev., ampl. e atual. até fevereiro de 2002. Goiânia: IEPC, p. 333.

128 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28 ed., revista e atualizada até EC 53/2006. São Paulo: Malheiros: 2007. p. 537

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incompatíveis que as medidas decretadas pelo chefe do Poder Executivo.

4 CAPÍTULO III: IMUNIDADE PARLAMENTAR: PRERROGATIVA OU PRIVILÉGIO?

4.1 CONCEITO DE PRERROGATIVA

Para compreender se as imunidades parlamentares são prerrogativa é de fundamental importância, em primeiro lugar, buscar conceituar o que seja prerrogativa, possibilitando a análise mais clara sobre o assunto abordado. De Plácido e Silva traz o seguinte conceito de prerrogativa:

PRERROGATIVA. Do latim praerogativa, de praerogare (pedir antes, perguntar ou falar em primeiro lugar), exprime primitivamente o primeiro voto. Originariamente, a palavra designava as centúrias dos cavalheiros, às quais, segundo a regra de Servius Tullius, instituída em sua organização, cabia o direito de voltar em primeiro lugar, pelo que se diziam praerogativa. Do sentido desta primazia ou preeminência, adveio a acepção atual do vocábulo. Prerrogativa, pois, passou a ser a vantagem, o privilégio, a imunidade, a primazia deferida a certas pessoas, em razão do cargo ocupado ou do ofício que desempenham. As prerrogativas do cargo, assim, são os privilégios, vantagens e as imunidades, que dele decorrem, em benefício ou me proveito da pessoa, que nele está provido. Nesta razão, prerrogativa, juridicamente, entende-se o direito exclusivo, que se defere ou se atribui a certas funções ou dignidades. A inamovibilidade é prerrogativa dos juizes. As imunidades parlamentares são prerrogativas dos deputados. Prerrogativa. Extensivamente, é o vocábulo empregado para designar todo direito atribuído com o caráter de exclusividade à pessoa. Assim, o direito de dispor de um bem é prerrogativa de seu proprietário, isto é, somente ele pode dispor da coisa de que é senhor. 129

129 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. (atualizadores: Nagib Slabi Filho e Gláucia Carvalho). 26 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.1083.

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Aurélio Buarque de Holanda Ferreira apresenta o seguinte significado da palavra prerrogativa: “Vantagem com que se distingue pessoa ou corporação; privilégio, regalia.”.130 Em consulta ao site do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul encontramos em seu glossário o seguinte significado de prerrogativa: “Privilégio ou vantagem que alguém tem em razão de lei ou contrato.”.131

Após essas definições pode-se concluir que prerrogativas são garantias concedidas a determinadas pessoas, buscando garantir uma exclusividade ou proteção, formando se a partir de lei ou contratos.

4.2 CONCEITO DE PRIVILÉGIO

Entender o que seja privilégio é de fundamental importância, quando se estuda as imunidades parlamentares, para que desta forma possa-se fazer a distinção entre prerrogativa e privilégio e verificar se este instituto é ou não necessário para a independência do Poder Legislativo Brasileiro. De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, traz as seguintes considerações a respeito do que seja privilégio:

PRIVILÉGIO. Do latim privilegium, palavra que se forma de privus (particular, individual) e lex (lei), exprime, em sentido originário, a lei excepcional ou a medida de exceção disposta, em caráter particular, privativo ou exclusivo, em favor de uma pessoa. Assim, privilégio designa a prerrogativa, a regalia, o direito exclusivo ou qualquer medida de exceção, prescrita em lei em favor ou benefício de alguém. E, desse modo, o privilégio se revela em tudo que, excepcionalmente, é atribuído à pessoa, como direito próprio e exclusivo. Nesta razão, o privilégio, para que possa

130 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI Escolar: o minidicionário da língua portuguesa. 4 ed. Ver. Ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 554.

131 Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, Disponível em: < http://www.mp.rs.gov.br/imprensa/desc_palavra.ptr/201.htm> Acesso em 05 de Set. 2007. às 15h57min.

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constituir privativo da pessoa, deve vir, especialmente, expressamente, consignado ou consagrado em lei. E, por sua natureza restrita, não pode ser interpretado extensivamente, não indo além dos casos indicados em lei e das pessoas, a quem foi concedido. No sentido atual, privilégio não é aplicado com dignidade ou regalia pessoal atribuída a determinadas pessoas, em virtude de seu nascimento ou de sua origem, para usufruí-las em caráter excepcional ou com exceção de Direito Comum. Mostra-se, apenas o direito próprio que a lei assegura, excepcionalmente, à pessoa, em face do cargo ou da função ocupada (privilégio ou prerrogativa do cargo), ou em virtude de direito particular ou privativo (direito preferencial, direito hipotecário, etc). Não se trata, pois, de um privilégio pessoal, mas de um direito a ser exercido exclusivamente pela pessoa, conforme a regra que a própria lei consignar, pois essa consignação explícita, conforme o princípio incontroverso admitido, não haverá prerrogativa, preferência, nem direito exclusivo de qualquer natureza em benefício de pessoa. O privilégio, pois, é um benefício legal (beneficium júris) atribuído às pessoas ou às coisas, em certas circunstâncias.132

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira apresenta o seguinte significado da palavra privilégio: “1. vantagem que se concede a alguém com exclusão de outros; exceção. 2. Permissão especial. 3. prerrogativa.”133 Na enciclopédia Wikipédia temos a seguinte conceituação “Privilégio(do latim do privilegiu) é a vantagem, ou direito exclusivo concedido a alguém com exceção de outros. Pode ser um dom natural, uma imunidade, ou uma prerrogativa”134

Diante dos apontamentos feitos, pode-se entender por privilégio uma vantagem, regalia, direito próprio e exclusiva

132 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. (atualizadores: Nagib Slabi Filho e Gláucia Carvalho). 26 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.1097.

133 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI Escolar: o minidicionário da língua portuguesa. 4 ed. Ver. Ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 557.

134 WIKIPÉDIA enciclopédia livre. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Privil%C3%A9gior>. Acesso em: 18 Set. 2007, às 11h54min.

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concedido a uma pessoa com exceção das outras. É benefício pessoal, uma permissão especial, para a realização ou não de determinadas tarefas.

4.3 IMUNIDADE PARLAMENTAR: PRIVILÉGIO OU PRIVILÉGIO?

O Poder Legislativo enfrenta uma enorme crise, pois imagem dos parlamentares brasileiros a cada dia que passa está mais arranhada, devido escândalos envolvendo os seus nomes, que se tornam cada vez mais comuns e raramente são esclarecidos, transmitindo uma sensação de impunidade. Em torno desta crise que cerca o Legislativo brasileiro, urge se discutir o instituto da imunidade concedida aos parlamentares, verificar se esta é prerrogativa realmente necessária para o exercício das atividades inerentes do Poder Legislativo ou privilégio pessoal concedida aos nossos mandatários

4.3.1 Argumentos favoráveis à imunidade parlamentar como prerrogativa.

Diversos doutrinadores brasileiros e estrangeiros defendem o instituto das imunidades parlamentares como prerrogativas funcionais necessárias ao livre exercício das funções legislativas e de fundamental importância para a independência do Poder Legislativo em face às demais Poderes. Pimenta Bueno afirma:

A inviolabilidade dos representantes da nação quanto às opiniões que proferirem no exercício de suas funções é um atributo, uma condição essencial e inseparável da existência das assembléias legislativas; é o principio de alto interesse público que anima a liberdade das discussões, é a independência da tribuna, o dogma constitucional, a soberania da nação no exercício do mandato do poder legislativo.135

Rui Barbosa defende as imunidades parlamentares como

135 PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. Rio de Janeiro: Tip. Imp. e Const. De J. Velleneuve e C., 1857, p. 118. Apud, ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 62.

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prerrogativas de maneira incisiva:Não são logo, as imunidades parlamentares esse privilégio

dos membros do Congresso, figurado pelos amigos do estado de sítio. Privilégio constituem elas, sim, mas das Câmaras do Senado, do Congresso, da Nação, cujas as vontades ele exprime no exercício do Poder Legislativo e não poderia exprimir com soberania precisa, sem esse escudo para a consciência dos seus membros. O Congresso é um poder inerme, o Presidente da República um poder armado136.

Rui Barbosa, mais expressivamente, prossegue:

Longe de ser estabelecido contra a igualdade para favorecer um número diminuto de cidadãos, foi criado com intuito de evitar, em benefício de todos eles, que o munus público do seu mandato se converta, para os encarregados de executá-lo, na mais perigosa desigualdade. Não fora esse defensiva, e mais bem guardado estaria o mais modesto particular, pela sua simples obscuridade, contra as violências do poder que o homem político indigitado pela escolha de seus concidadãos para conter o executivo e entre indefeso aos seus ressentimentos.137

Aristides Milton abaliza a presença instituto das imunidades parlamentares em um governo democrático:

A inviolabilidade dos representantes do povo, durante o desempenho de suas nobilíssimas funções, é condição essência à existência das assembléias legislativas. E se ela não fora, a liberdade das opiniões tornar-se-ai de todo impossível, como impossível a respeitabilidade do mandato; sendo tudo isto, decorrendo de um interesse público de elevada monta, se resolve afinal em merecida homenagem, rendida à soberania nacional, que é quanto devemos querer e louvar, tratando-se de um governo

136 BARBOSA, Rui. Obras Completas, v. XXV, tomo I, Rio de Janeiro: Min. Educação e Saúde, 1947 .p. 27. Apud, ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 62.

137 BARBOSA, Rui. Obras Completas, v. XXV, tomo I, Rio de Janeiro: Min. Educação e Saúde, 1947 .p. 29. Apud, ALEIXO, Pedro. Imunidade Parlamentar. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 27.

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democrático138.

Carlos Maximiliano leciona sobre o instituto das imunidades parlamentares como prerrogativas:

A imunidade não é privilégio incompatível como o regime igualitário em vigor, nem direito subjetivo ou pessoal; é prerrogativa universalmente aceita por motivos de ordem superior, ligados intimamente às exigências primordiais do sistema representativo e ao jogo normal das instituições nos governos constitucionais; relaciona-se com a própria economia da divisão dos poderes, assegurando a liberdade e independência do Legislativo; sanciona o direito impreterível que tem a nação de manifestar a própria vontade pelo órgão dos seus mandatários, não deixando estes à mercê de agentes do Judiciário que às vezes não passam de instrumentos do Executivo139.

Barbosa Lima Sobrinho em monografia específica sobre o tema das imunidades parlamentares sai em defesa deste instituto como prerrogativa que garante o funcionamento do Poder Legislativo:

Garantia ao funcionamento do Poder Legislativo, condição essencial de sua independência, instrumento para o exercício mais perfeito de um mandato popular. Nesse sentido, pertence mais às Assembléias Legislativas ou ao próprio povo, do que aos mandatários que possam invocar a proteção das imunidades140.

Por sua vez, Alcino Pinto Falcão assevera sobre o tema em questão: “Garantia funcional, em geral bipartida em expediente

138 MILTON, Aristidis A. A Constituição do Brasil, 2. ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898, p. 86. Apud, ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 62.

139 MAXIMILIANO, Carlos. Comentários a Constituição Brasileira, 4. ed., v. 2. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1948, p. 45. Apud, ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 63.

140 BARBOSA LIMA SOBRINHO. Imunidades dos Deputados Estaduais. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, 1966, p. 144. Apud, ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 63.

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material e formal, admitida nas Constituições para o livre desempenho do ofício dos membros do Poder Legislativo e evitar desfalques na integração do respectivo quorum”.141 T. Brandão Cavalcanti complementa: “ É uma prerrogativa inerente ao próprio mandato cujo o exercício tornar-se-ia impossível sem esta garantia”.142 E Paulino Jacques contribui: “Os representantes políticos gozam de ampla liberdade de opinião, palavra e votos quando no exercício do mandato... É conditio sine qua non do livre exercício do mandato”.143

As imunidades não constituem propriamente privilégio, mas sim prerrogativa dos membros do Congresso, afirma Ivair Nogueira Atagiba:

As imunidades parlamentares não constituem propriamente privilégio dos membros do Congresso. São prerrogativas criadas em bem da Câmara, do Senado, do Parlamento, da Constituição, da Lei, da Nação. Os membros do Poder Legislativo só gozam do privilégio, por serem representantes da Nação, que os escolheu, a fim de que, me nome dela e pro ele, elaborem a vontade estatal.144

Araújo Castro segue a linha de Ivair Nogueira Atagiba ao afirmar que as imunidades não representam um privilégio pessoal:

Todos os governos representativos concedem imunidades e prerrogativas aos membros do Poder Legislativo.

Tais imunidades e prerrogativas não significam um privilégio pessoal: são instituídas como um garantia funcional e,

141 FALCÃO, Alcino Pinto. Da Imunidade Parlamentar. Rio de Janeiro: Forense, 1955, p. 17. Apud, ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 63.

142 CAVALCANTI, T. Brandão. A Constituição Federal Comentada. v. 2, p. 33. Apud, ALEIXO, Pedro. Imunidades Parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 26.

143 JACQUES, Paulino. A Constituição Federal Explicada. p. 33. Apud, ALEIXO, Pedro. Imunidades Parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 26

144 ITAGIBA, Ivair Nogueira. O pensamento político universal e Constituição brasileira. p. 306. Apud, ALEIXO, Pedro. Imunidades Parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 25.

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em tais condições, pertencem a toda Câmara e não a cada um dos seus membros, isoladamente.145

Soriano Sousa ressalta o interesse da ordem social, na defesa das imunidades como prerrogativas:

Um interesse de ordem social superior exige que o representante tenha absoluta liberdade em falar sem temer a autoridade executiva e judiciária. No exercício de suas funções de mandatário da sociedade ele não deve ter diante de si senão a autoridade do presidente de sua Câmara, ou antes, da lei interna que o regula. Tal é, em suma, o fundamento jurídico da imunidade parlamentar.146

As imunidades parlamentares não são pessoais e nem atentatórias ao principio da igualdade constitucional, afirma Rodrigo Silva:

Tais prerrogativas... não são pessoais, nem atentatórias ao princípio constitucional da igualdade de todos perante a lei, são prerrogativas inerentes à função legislativa, necessárias ao bem da dignidade e independência do Corpo Legislativo, para amparar os seus membros contra a possibilidade de violência e arbitrariedade dos outros poderes, máxime do Poder Executivo, porque pode suceder que o mandato político seja confiado a adversários do chefe de Estado. Os deputados terão de se manifestar sobre assuntos que entendem diretamente com o interesse particular, terão de verberar e reprimir abusos e para que, com toda a isenção, segurança e liberdade, possam desempenhar as funções de seus mandato, é mister garanti-los contra o receio de todo e qualquer elemento de compressão.147

145 CASTRO, Araújo. A Nova Constituição Brasileira. p. 172. Apud, ALEIXO, Pedro. Imunidades parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 27.

146 SOUSA, Soriano de. Princípios gerais de direito público e constitucional. p. 252. Apud, ALEIXO, Pedro. Imunidades parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 28.

147 Rodrigo Otavio. Elementos de direito público e constitucional brasileiro. ed. 5. p. 185. Apud, ALEIXO, Pedro. Imunidades parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 28.

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Manoel Gonçalves Ferreira Filho também ressalta:

Para que os parlamentares bem desempenhem suas funções, mister se torna que contem com ampla liberdade. Prevê, por isso, a constituição, garantias especiais para os parlamentares. Essas garantias são dadas aos parlamentares, mas em prol do Legislativo. Configuram, pois, prerrogativas e não privilégios. De fato, contem exceções ao direito comum, editadas não em favor de indivíduos, mas do órgão.148

Fernanda Dias Menezes Almeida salienta as imunidades paramentares como não sendo um privilégio e sim uma prerrogativa:

Por isso mesmo, cumpre salientar, desde logo, como aspecto fundamental, que as imunidade parlamentares não constituem um privilégio pessoal dos congressistas.

De fato, destinadas a proteção, dos parlamentares contaras as ações repressivas e judiciárias de que possam ser alvo, tanto por parte dos Poderes constituídos, como por parte de particulares, as imunidades visam, em última análise, a preservar o Poder Legislativo, impedindo que venha a ser tolhido em sua independência funcional.

Isto, posto podem-se, afinal, conceituar, as imunidades como prerrogativas funcionais que se reconhecem aos parlamentares, para garantir-lhes, diante dos demais Poderes e dos particulares, a independência imprescindível ao cumprimento do mandato representativo.

Trata-se de garantias constitucionais, naquele sentido amplo da expressão, que as identifica coma s providencias na Constituição destinadas a manter os Poderes no desempenho harmônico.

148 FERRIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira. ed. 2., v. 1. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 189. Apud, ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 64.

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Daí afirmar-se que as imunidades não correspondem a um direito subjetivo dos congressistas. O direito subjetivo equivale ao pode que seu titular tem de invocar norma jurídica para a defesa de um interesse próprio. Na espécie, o interesse juridicamente protegido é da instituição legislativa ou, antes ainda, do povo, que quer ter sua representação respeitada. Para possibilitar o exercício das funções do mandato é que se conferem imunidades ao parlamentares. São estas, pois, inequivocamente, prerrogativas funcionais outorgadas aos representantes do povo, nesta condição.149

Pedro Aleixo apresenta a seguinte posição em defesa das imunidades como prerrogativas e não privilégios concedidos aos parlamentares:

(...) as imunidades parlamentares não representam um privilégio pessoal dos congressistas, não criam um benefício próprio para as pessoas de deputados e senadores, não ferem o principio da legalidade de todos os cidadão perante a lei, não conferem prerrogativas antidemocráticas.150

Giocoli Nasci Paolo afirma a posição da doutrina italiana acerca do instituto das imunidades parlamentares como prerrogativas funcionais é não privilégio concedido à pessoas:

É, de fato, opinião largamente difundida, que a garantia constitucional não é privilégio concedido às pessoas, mas uma prerrogativa conexa à função por elas exercidas.

A propósito, pelo contrário, necessário uma exata distinção entre o privilégio, que constitui um tratamento de favorecimento a vantagem de uma pessoa, a prescindir da função da qual esta pessoa possa estar investida, e a prerrogativa, que requer o conceito de função, porque esta destina a assegurar, no caso em exame, a independência das assembléias legislativas, permitindo

149 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 61.

150 ALEIXO, Pedro. Imunidades Parlamentares. Minas Gerais: Revista brasileira de estudos políticos, 1961. p. 29.

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aos seus membros o exercício de suas funções sem obstáculos. E justamente porque a inviolabilidade não é um privilégio para o parlamentar, mas uma garantia para a Assembléia, a Constituição conferiu a esta a faculdade de tolhê-la.151

Jorge Kuranaka, em sua obra sobre imunidades parlamentares, traz as posições de alguns doutrinadores brasileiros que defendem as imunidades como prerrogativas:

Entende Nelson de Sousa Sampaio que as imunidades “se justificam pelo interesse da coletividade, e não como um privilégio puramente pessoal, violador do principio da igualdade de todos perante a lei”. Ruy Cine Lima propugna que “o mandato legislativo não é profissão, e a inviolabilidade o senador ou deputado, no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos, não é garantia de da liberdade de pensamento, senão garantia de funcionamento do Poder Legislativo”. Preleciona Pontes de Miranda que ao contemplar a imunidade, “a regra de direito material fez-se imprescindível e não ofende os princípios de democracia e de igualdade - serve a eles”. Igualmente defende a Herculano de Freitas. Zeno Veloso postula que “a imunidade parlamentar é um verdadeiro esteio do regime democrático. Não representa privilégio pessoal, insistimos, mas garantia do próprio Poder Legislativo”. Na visão de Geraldo Ataliba, “explica-se a inviolabilidade pela necessidade institucional (universalmente reconhecida) de que os parlamentares desempenhem suas funções com independência e desassombro, sem temor de qualquer conseqüência, como o requer o mecanismo constitucional”. Adilson de Abreu Dallari apresenta a seguinte posição “ o que se discute é, na verdade, a amplitude e o significado do princípio constitucional da independência dos poderes”.152

Em seguida, Jorge Kuranaka faz uma análise dos

151 PAOLO, Giocoli Nasci. Prorogation del parlamento , mandato parlamentares e prerogative di parlamentari. (Rassegna de Diritto Pubblico, p.739. Apud, KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 194.

152 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 197.

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argumentos apresentados pelos doutrinadores ora citados:

a) O critério discriminatório, ou discrimen, no caso consistirá na necessidade de garantias extraordinárias de que se devem cercar o órgão legislativo e os parlamentares que o compõem, imprescindíveis para a realização dos fins institucionais que tem a própria independência e manutenção do Estado Democrático de Direito.

b) Justificável e racional o traço desigualador, visto que o homem comum, sem as incumbências de que se vêem imbuídos os legisladores não necessitam de proteção. Ademais, têm legisladores restrições em razão da função que não se estendem aos demais (Constituição Federal, art. 54).

c) Por final, da concessão dessas prerrogativas estará dependendo a melhor discussão dos assuntos a ser votados no âmbito das funções do legislador, bem com a independência sobre o Poder Executivo eventualmente tende à centralização do poder, e o pleno exercício dos mecanismos de freios e contra-pesos sobre este e o Judiciário, todos valores prestigiados no sistema normativo constitucional.

Da somatória de todos esses argumentos, chega-se a conclusão de estar-se diante de uma prerrogativa, e não de privilégio. Este é o posicionamento clássico, consentâneo com a ordem democrática e de defesa da instituição legislativa.153

As imunidades parlamentares são prerrogativas preponderantes para a independência do Poder Legislativo e garantias funcionais dos congressistas necessárias ao livre desempenho do ofício, afirma Alexandre de Moraes em sua obra de Direito Constitucional:

As imunidades parlamentares representam elemento preponderante para a independência do Poder Legislativo. São prerrogativas, em face do direito comum, outorgadas pela 153 KURANAKA, Jorge. Imunidades parlamentares. 1ª. ed. São Paulo: Juarez de

Oliveira, 2002, p. 198.WANDIRLEY FILHO 87

Constituição aos membros do Congresso Nacional, para que estes possam ter bom desempenho de suas funções.

São garantias funcionais, normalmente divididas em material e formal, admitidas nas Constituições para o livre desempenho do oficio dos membros do poder legislativo e para evitar desfalques na integração do respectivo quorum necessário para deliberação.154

Em fim para diversos doutrinadores as imunidades parlamentares constituem uma prerrogativa funcional e não um privilégio, uma vez que estas garantias não são de ordem pessoal dos parlamentares, mas garantias que visam preservar a independência do Poder Legislativo em face aos demais Poderes Executivo e Judiciário.

4.3.2 Argumentos desfavoráveis à imunidade parlamentar como prerrogativa.

Antes de passamos as posições dos doutrinadores que defendem as imunidades como privilégios aos parlamentares, atentem as considerações de Marcelo Amaral da Silva acerca do principio da igualdade:

Prescreve o caput do art. 5º da nossa Constituição Federal de 1988: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade, (...)". Veja-se, portanto que o princípio da igualdade tem sede explícita no texto constitucional, sendo também mencionada inclusive no Preâmbulo da Constituição. Destarte, é norma supraconstitucional; estamos diante de um princípio, direito e garantia para o qual todas as demais normas devem obediência. Tal preceito constitucional não é algo inédito, pois semelhantes preceitos fizeram-se presentes em todas as constituições que orientam o ordenamento jurídico dos

154 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed., (atualizada até a EC n° 53/06). São Paulo: Atlas, 2007, p. 420.

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Estados Modernos. O insigne José Afonso da Silva, já dizia que "porque existem desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou material que busque realizar a igualização das condições desiguais", portanto, o fim igualitário, a muito já era buscado. Todavia, um desafio existe, qual seja: as efetivas desigualdades, de várias categorias, existentes e eventualmente estabelecidas por lei, entre os vários seres humanos, desafiam a inteligência dos juristas a determinar os conceitos de "iguais" e "iguais perante a lei". Assim, cumpre como papel do jurista a interpretação) do conteúdo dessa norma, tendo em vista a sua finalidade e os princípios consagrados no Direito Constitucional, para que desta forma o princípio realmente tenha efetividade. Cabe aqui, ainda, a lembrança de que o significado válido dos princípios é variável no tempo e espaço, histórica e culturalmente. E como bem ensina David Schnaid, o hermenêuta deverá intrapretar e interpretar a norma, ou seja, primeiro ele deverá penetrar no íntimo da norma visando a sua exata compreensão, para dela extrair todas suas virtualidades e depois (interpretar) revelar o sentido apropriado para a vida real, e conducente a uma decisão reta. Vale aqui também, a lembrança da lição magistral de Carlos Maximiliano quando se referindo a interpretação da norma nos adverte de que "deve ser o Direito interpretado inteligentemente, não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreve inconveniências, vá a ter conclusões inconsistentes ou impossíveis". E prossegue o ilustre autor afirmando de que "desde que a interpretação pelos processos tradicionais conduz a injustiça flagrante, incoerências do legislador, contradição consigo mesmo, impossibilidades ou absurdos, deve-se presumir que foram usadas expressões impróprias, inadequadas, e buscar um sentido eqüitativo, lógico e acorde com o sentir real e o bem presente e futuro da comunidade". No Direito, tal princípio assumiria um caráter de dupla aplicação, qual seja: uma teórica, com a finalidade de repulsar privilégios injustificados; e outra prática, ajudando na diminuição dos efeitos decorrentes das desigualdades evidenciadas diante do caso concreto. Assim, tal princípio constitucional se constitui na ponte entre o Direito e a realidade

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que lhe é subjacente. A igualdade de todos os seres humanos, proclamada na Constituição Federal, deve ser encarada e compreendida, basicamente sob dois pontos de vista distintos, quais sejam: o da igualdade material e o da igualdade formal.155

Enquanto a doutrina majoritária entende que as imunidades parlamentares sejam prerrogativas funcionais concedias aos membros do Congresso Nacional, existem doutrinadores que divergem deste posicionamento entendendo que as imunidades parlamentares “tem servido de manto de proteção a numerosos abusos”156 não constituindo uma prerrogativa, mas sim um privilégio pessoal dos congressistas ferindo ao principio da igualdade perante a lei e a justiça157.

João Barbalho, já no inicio da República, já demonstrava sua insatisfação pela a existência de invioláveis:

Num regime em que o chefe do executivo dispõe da imensa força e prestígio que é inerente a realeza, é preciso fortalecer e amparar o elemento democrático; os representantes do povo precisam ser garantidos contra o rei, que sem isso os pode perseguir e anular. É da essência do regime republicano que quem exerça uma parcela do poder público tenha a responsabilidade desse exercício; nele ninguém desempenha funções políticas por direito próprio; nele não pode haver invioláveis e irresponsáveis entre os que exercitam poderes delegados pela soberania nacional. No domínio das idéias democráticas e na cessação daquele poder onímodo e avassalador (o poder real) a imunidade realmente não tem razão de ser, é irritante e obnóxia. Na republica só a liberdade e a lei devem ser

155 SILVA, Marcelo Amaral da. Digressões acerca do princípio constitucional da igualdade. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4143>. Acesso em: 26 set. 2007 às 12h11min.

156 SOARES, Orlando. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.131.

157 Há quem se levante contra o instituto, por ver no mesmo uma verdadeira e injustificável derrogação ao principio da igualdade perante a lei e a justiça, apanágio dos regimes democráticos. ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 65.

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invioláveis.158

Aurelino Leal, que compartilha da mesma posição de João Barbalho, afirma:

Não concebo que um cidadão elevado à categoria de representante do povo precise expender opiniões caluniosas, pronunciar palavras que contenham injúrias, para desempenhar o seu mandato. Transformar a tribuna parlamentar num pelouro de alheias reputações.159

Amaro Cavalcanti analisa as imunidades concedidas aos membros do Poder Legislativo com um privilégio:

Consagrada como fato ou privilégio dos mesmos da maior gravidade; além de ser um desmentido formal do princípio da igualdade de direito da República, ele pode ainda ser aquilatado comi um documento irrecusável de nossa incapacidade política aos olhos do estrangeiro.160

Anacleto de Oliveira Faria por sua vez era favorável a imunidade material do parlamentar, mas rejeitava a imunidade formal dos congressistas:

A imunidade material ou absoluta, oriunda do exercício do mandato, é inerente ao Poder Legislativo, e indiretamente à soberania da Nação, não atentando contra a tese isonômica. Mas, a imunidade formal ou relativa constitui privilégio injustificado dos membros das casas da lei, por acobertar crimes absolutamente estranhos à atividade parlamentar, como os delitos contra o patrimônio ou contra a vida, agravando o fato com a

158 BARBALHO, João. Constituição federal brasileira. 2ª ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia. Editores, 1924, p. 93. Apud, ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 65.

159 LEAL, Aurélio. Teoria e prática da constituição brasileira. v. 1. Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia. Editores, 1925, p. 285. Apud, ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 66.

160 CAVALCANTI, Amaro. O regime federativo e a república brasileira. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1900, p. 357. Apud, ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 66.

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recusa sistemática de as Câmaras concederem licença para processar, me colisão com os interesses superiores da Justiça.161

A afronta ao princípio da igualdade é o principal argumento utilizado pelos doutrinadores contrários às imunidades parlamentares como prerrogativas, contudo as imunidades não são de ordem pessoal, mas sim institucional, com o intuito de manter a harmonia e independência entre os Poderes e consequentemente permitir o livre exercício das funções inerentes aos membros do Poder Legislativo.

5 CONCLUSÕES

Os primeiros relatos acerca das prerrogativas parlamentares surgem na Inglaterra, no ano de 1397, com intuito de proteger o parlamento contra as arbitrariedades dos monarcas absolutistas. Contudo este, instituto, tomou forma e se solidificou na liberdade de expressão do parlamento inglês, que foi assegurada pelo Bill of Rights de 1689.

No Brasil o instituto da imunidade parlamentar se fez presente em todas as constituições, garantindo ao parlamentar brasileiro a liberdade de expressão, onde eram invioláveis por suas opiniões, palavras e votos, e a proteção contra prisão e processos. Importante salientar que a Constituição Federal, outorgada no ano de 1937, contemplou o instituto da imunidade parlamentar, no entanto trouxe uma mudança significativa, pois não isentava a responsabilidade civil e criminal dos membros do Parlamento Nacional por difamação, calúnia, injúria, ultraje à moral pública ou provocação pública de crime, além de possibilitar a perda do cargo.

As imunidades parlamentares na essência de seu conceito são prerrogativas funcionais concedidas aos parlamentares com a finalidade de manter a independência do Poder Legislativo em face

161 FARIA, Anacleto de Oliveira. Do princípio da igualdade – Teoria e Prática. São Paulo, 1924, p. 155. Apud, ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados 1982. p. 66.

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aos demais Poderes (Executivo e Judiciário), possibilitando que os parlamentares exerçam suas funções com tranqüilidade.

As imunidades concedidas aos parlamentares se dividem em duas espécies: a primeira é a imunidade material também conhecida como inviolabilidade parlamentar e segunda é imunidade formal ou imunidade processual.

A expressão “inviolabilidade” difere-se da expressão “imunidade”, sendo que a primeira é mais estrita por garante a liberdade de expressão dos parlamentares, excluindo o crime por suas palavras, opiniões e votos (imunidade material), em quanto a segunda abrange um sentido mais amplo, pois além de garantir a liberdade de expressão engloba a prerrogativa processual (imunidade formal).

A imunidade material ou inviolabilidade parlamentar é aquela que isenta e irresponsabiliza, civil e penalmente, o parlamentar por suas opiniões, palavras e votos proferidos no exercício do mandato. A imunidade formal ou processual é aquela que protege o parlamentar contra prisão, exceto no caso de flagrante de crime inafiançável, e também possibilita a sustação do processo em crimes praticados após a diplomação.

Há aqueles que se levante contra as imunidades parlamentares como prerrogativa, alegando que elas são uma afronta ao princípio da igualdade, contudo as imunidades não são de ordem pessoal, mas sim institucional, com o intuito de manter a harmonia e independência entre os Poderes e consequentemente permitir o livre exercício das funções inerentes aos membros do Poder Legislativo.

Em fim as imunidades parlamentares constituem prerrogativa funcional e não privilégio, uma vez que estas garantias não são de ordem pessoal dos parlamentares, mas garantias que visam preservar a independência do Poder Legislativo em face aos Poderes Executivo e Judiciário.

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