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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA JESSÉ JESUS DE MEDEIROS O BARÃO DO RIO BRANCO E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL E INTERNACIONAL DO BRASIL: UMA ANÁLISE DOS CASOS DE FRONTEIRA E ESCRAVIDÃO

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

JESSÉ JESUS DE MEDEIROS

O BARÃO DO RIO BRANCO E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

NACIONAL E INTERNACIONAL DO BRASIL: UMA ANÁLISE DOS CASOS

DE FRONTEIRA E ESCRAVIDÃO

Florianópolis

2018

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JESSÉ JESUS DE MEDEIROS

O BARÃO DO RIO BRANCO E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

NACIONAL E INTERNACIONAL DO BRASIL: UMA ANÁLISE DOS CASOS

DE FRONTEIRA E ESCRAVIDÃO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais.

Orientador: Prof. Luciano Daudt da Rocha, Me.

Florianópolis

2018

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JESSÉ JESUS DE MEDEIROS

O BARÃO DO RIO BRANCO E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

NACIONAL E INTERNACIONAL DO BRASIL: UMA ANÁLISE DOS CASOS

DE FRONTEIRA E ESCRAVIDÃO

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel e aprovado em sua forma final pelo Curso de Relações Internacionais da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Florianópolis, 27 de Novembro de 2018

______________________________________________________Professor e orientador Luciano Daudt da Rocha, Me.

Universidade do Sul de Santa Catarina.

______________________________________________________Prof. Emilly Fidelix da Silva, Me.

Universidade Federal de Santa Catarina.

______________________________________________________Prof. Gustavo Tiengo Pontes, Me.

Universidade Federal de Santa Catarina

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AGRADECIMENTOS

Nesta pequena parte de agradecimentos, quero expressar minha alegria de

poder contar com pessoas incríveis do meu lado. Mas primeiramente, quero agradecer a

Deus por tudo o que ele tem feito em minha vida e por me dar a oportunidade de ter

essas pessoas me ajudando incansavelmente. Minha esposa, Nathália Medeiros, merece

destaque. Sempre me apoiando e me incentivando neste projeto. Não conseguiria a

construção deste trabalho sem a ajuda dela. Meus pais foram essenciais pra que tudo

ocorresse bem. Meu muito obrigado a eles que acreditaram e investiram em mim. Ao

meu orientador, por todas as dicas para que este trabalho pudesse ser feito da melhor

maneira possível.

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RESUMO

Um dos maiores influenciadores da identidade nacional e internacional do Brasil foi o

Barão do Rio Branco. E neste trabalho analisou-se seus artigos a respeito de Fronteiras,

especificamente o Acre, e a Escravidão. Estes artigos estão inseridos nos “Artigos

Anônimos e Pseudônimos do Rio Branco”. Artigos estes que foram disponibilizados

apenas no início dos anos dois mil. O objetivo traçado neste projeto é evidenciar como a

identidade nacional e internacional do Brasil foi influenciada pelos pensamentos do

Barão do Rio Branco à luz dos artigos Anônimos e Pseudônimos.

Palavras-chave: Barão do Rio Branco. Artigos Anônimos e Pseudônimos. Identidade

nacional e internacional. Fronteiras. Escravidão.

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ABSTRACT

One of the major influencers of Brazil’s national and international identity was the

Baron of Rio Branco. In this work he analyzed his articles about Frontiers, specifically

Acre and Slavery. These Articles are included in the “Anonymous Articles and

Pseudonyms of Rio Branco”. These articles were made available only in the early

2000s. The objective of this project is to show how the national and international

identity of Brazil was influenced by the thoughts of Baron of Rio Branco in light of the

articles Anonymous and Pseudonyms.

Keywords: Baron of Rio Branco. Articles Anonymous and Pseudonyms. National and

International identity. Frontiers. Slavery.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...................................................................................................82. O PAPEL DA POLÍTICA EXTERNA NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL E INTERNACIONAL DO BRASIL...........................122.1 CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA DO IMPÉRIO E DA PRIMEIRA REPÚBLICA DO BRASIL.........................................................................122.2 IDENTIDADE NACIONAL E INTERNACIONAL DO BRASIL.................202.3 DIFERENTES CONCEPÇÕES SOBRE A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA..................................................................................................................233 O BARÃO DO RIO BRANCO E SEU PENSAMENTO: OS ARTIGOS ANÔNIMOS E PSEUDÔNIMOS................................................................................273.1 BIOGRAFIA DO BARÃO DO RIO BRANCO...............................................273.2 CENTRO DE HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO..........................................323.3 HISTÓRICO DO CONFLITO NO ACRE.......................................................333.3.1 QUESTÃO COM O PERU................................................................................373.4 A QUESTÃO DO ACRE NOS ARTIGOS ANÔNIMOS E PSEUDÔNIMOS DE RIO BRANCO..........................................................................................................383.4.1 A QUESTÃO DO ACRE E O TRATADO COM A BOLÍVIA I..........................383.4.2 A QUESTÃO DO ACRE E O TRATATO COM A BOLÍVIA II.........................423.4.3 A QUESTÃO DO ACRE E O TRATADO COM A BOLÍVIA III.......................433.4.4 A QUESTÃO DO ACRE E O TRATADO COM A BOLÍVIA IV.......................453.4.5 CENSURAS PLATINAS....................................................................................473.5 HISTÓRIO DA ESCRAVIDÃO ATÉ SUA ABOLIÇÃO...............................493.5.1 A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL................................................534 DEBATES SOBRE O ACRE E A ESCRAVIDÃO........................................594.1 O DEBATE DA QUESTÃO FRONTEIRIÇA E A AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL E INTERNACIONAL DO BRASIL................................594.2 CRÍTICA AO PROCESSO ABOLICIONISTA BRASILEIRO......................625 CONCLUSÃO....................................................................................................67REFERÊNCIAS............................................................................................................69

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1. INTRODUÇÃO

O cenário que comporta os séculos XIX e início do século XX é, para a

diplomacia brasileira, especial. Muitos eventos influenciaram a forma com que a

política se desenvolveu até os dias de hoje. Contextos de Independência, Império,

Abolição da Escravidão, República e tantos outros temas marcaram esses dois séculos.

Estes períodos serviram para modelar a identidade brasileira, tanto nacional quanto

internacional. Rubens Ricupero relata que “O Brasil é o único dos países continentais que se

distingui apenas pelo poder de persuadir, e conversar pela diplomacia e pela negociação”1. Esta

fama, da qual o Brasil viveu, vale-se muito pelos diplomatas que o país teve. Porque, de

fato, as políticas internas e externas são uma construção diplomática. E diante de

muitos contribuintes da nossa nação, um dos principais, se não o principal, chama-se

José Paranhos da Silva Júnior, mais conhecido como “Barão do Rio Branco”. Ele, com

todo o seu esforço intelectual, contribuiu para uma nova realidade da política

internacional do Brasil.

O modo pragmático com o qual conduziu a política externa durante o período assegurou a restauração do prestígio internacional do Brasil: por um lado, relacionado ao período de desenvolvimento experimentado pelo país; por outro lado, à formação de sua identidade internacional.2

Há muitos relatos sobre a sua vida política, e de alguma maneira, isso evidencia

a sua importância para o cenário político brasileiro. Mas apesar de tantos materiais

produzidos a respeito dele, o intento desde trabalho é, tanto reiterar a sua importância,

como também, apresentar diferentes concepções e visões daquilo que via e pensava. O

que mais fala-se a respeito dele é a questão das fronteiras, onde o Barão pode ajudar o

Brasil, principalmente quando se tornou Ministro das Relações Exteriores, em 1902.

Porém, antes de assumir, já havia demonstrado, diante de arbitragem, ao Brasil, que era

competente e habilidoso em questões fronteiriças.

As vitórias de Rio Branco nos arbitramentos internacionais em matéria de fronteiras são reveladoras igualmente da força do argumento científico na transição do século XIX para o século XX. História, Geografia e Direito Internacional assinalaram tanto a escolha do quadro pessoal da pasta de relações exteriores do Brasil, como também os atributos e concepções intelectuais do próprio chanceler.3

1 (APUD GOMES, 2012, pág.156)2 (LIMA, 2013, pág.78)3 (LIMA, 2013, pág.7)

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Sua contribuição nessa área ainda é espelhada por muitos:

Rio Branco deixou como herança princípios que, durante décadas, serviram a condução da política externa brasileira. Diferentes governos, de ditadores a democratas, de populistas a sóbrios presidentes, invocaram esses princípios e fizeram releituras de Rio Branco para legitimar suas decisões.4

Mas além da sua construção diplomática, Rio Branco também era um pensador

de questões relacionadas a identidade nacional. Quando veio ao Brasil para ser Ministro,

disse: “Venho servir o Brasil, que todos desejamos ver unido, íntegro e respeitado.”5

Essa frase regia a sua visão, em relação aos desafios que o século XIX propunha.

Por ser escritor e ter um relacionamento constante com os jornais da época, muito do

que ele pensava era conhecido do público local. Assim, participou, de certo modo, pelos

seus escritos e influência, para a construção de identidade do Brasil. Identidade essa que

se constrói após a Independência. Como nação jovem grande, que não almejava se

desfazer pelas diferenças, era preciso construir a ideia de comunidade. E é sobre essa

comunidade pluralista, que o Barão expõe seus pensamentos de uma sociedade propensa

à se relacionar com as diferenças sociais e raciais. É claro que, este trabalho proporciona

uma área de debates entre autores sobre seus posicionamentos de diferentes visões sobre

diferenças sociais e raciais, assim como, das fronteiras.

A fonte de base deste trabalho é a partir da leitura dos “Artigos Anônimos e

Pseudônimos do Barão do Rio Branco”. A leitura desta documentação impõe a esta

pesquisa um questionamento central: Como os entendimentos de Rio Branco sobre as

questões fronteiriças e da escravidão, presentes nos artigos anônimos e pseudônimos,

refletem as suas posições sobre a identidade nacional e internacional do Brasil?

Para alcançarmos resposta para este questionamento, foram traçados objetivos.

Como objetivo geral temos a pretensão de buscar a compreensão de como Rio Branco

entendia a identidade nacional e internacional brasileira, os rumos do desenvolvimento

do Brasil e de sua inserção internacional, em especial nas questões de fronteira e

escravidão. Para o cumprimento deste objetivo é necessário: (a) debater, a partir da

historiografia, o período do final do Império e Primeira República do Brasil, com vistas

a entender a formação da identidade nacional e internacional do Brasil; (b) analisar os

“Artigos Anônimos e Pseudônimos do Barão do Rio Branco”, em especial aqueles que

4 (SCHWARCZ, 2007, pág.160)5 (SCHWARCZ, 2007, pág.147)

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tratam sobre questões fronteiriças e escravidão; (c) perceber como a identidade nacional

e internacional do Brasil é expressa por Rio Branco em seus artigos.

Para a operacionalização desta pesquisa, destacamos abaixo os métodos de

abordagem e os métodos do procedimento. Segundo Lakatos e Marconi, o método de

abordagem “se caracteriza por uma abordagem mais ampla, em nível de abstração mais

elevado, dos fenômenos da natureza e da sociedade. É, portanto, denominado método de

abordagem, que engloba o indutivo, o dedutivo, o hipotético-dedutivo e o dialético.”6 E

de acordo com o autor, o método de procedimento é constituído em “etapas mais

concretas da investigação, com finalidade mais restrita em termos de explicação geral

dos fenômenos menos abstratos.”7

Em relação à aplicabilidade da pesquisa, ela é considerada como básica. Ela se

preocupa em gerar novos conhecimentos, mas sem a obrigação necessária de aplicação

imediata. Na forma de abordagem do tema, o trabalho é caracterizado por ser

qualitativo, ou seja, considera a forma subjetiva do pesquisador, que nem sempre pode

ser quantitativa.

Quanto ao procedimento, é considerada bibliográfica, com base em materiais já

divulgados e publicados. A pesquisa bibliográfica serviu para esclarecer as questões

referentes ao primeiro objetivo específico. Para alcançar os demais objetivos, esta

pesquisa valeu-se do uso de fontes documentais, especialmente os artigos relatados

acima. Portanto, quanto aos objetivos, esta pesquisa se caracteriza como explicativa, ou

seja, não se contenta apenas em informar o fenômeno, mas em analisá-lo, entendendo os

fatores que contribuem para o fenômeno estudado.

Esta pesquisa está narrada em cinco capítulos. Além desta introdução, o capítulo

dois trata sobre o fundo teórico a respeito de política externa. E para conseguir

fundamentar os pensadores, foi preciso explanar o contexto histórico em que vivia o

Brasil. Império e República são focados na parte histórica. Evidenciam-se os principais

temas da PEB neste período e como o Brasil lidou com essas políticas. Neste capítulo

também é exposto autores, que tem diferentes perspectivas sobre a política externa.

Alguns discordam uns dos outros. O objetivo é fornecer um debate sobre estas

perspectivas. A identidade nacional e internacional é o centro do capítulo. Como que foi

construída a identidade do Brasil internamente e perante o mundo, é o enfoque dos

autores.

6 (LAKATOS E MARCONI, 2003, pág.221)7 (LAKATOS E MARCONI, 2003, pág.221)

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No capítulo três é dada uma pequena biografia sobre o Barão do Rio Branco e

como a população o recebeu quando, vindo da Europa, chegou ao Brasil para ser

Ministro das Relações Exteriores. E é aqui, neste capítulo, que os “Artigos Anônimos e

Pseudônimos do Rio Branco” são analisado. Estes artigos são comprovadamente,

segundo o centro de história e documentação, do Barão. Neles estão contidos uma série

de pensamentos de Rio Branco a respeito de vários temas. No Trabalho em questão,

foram escolhidos os temas de Fronteira, especificamente o Acre, e de Escravidão,

especificamente a abolição da mesma. Como o Barão tinha uma aproximadamente

grande com os jornais da sua época, fornecendo através destes, informações, foi

possível analisar com mais minúcia os seus pensamentos.

No quarto capítulo, expõem-se críticas ao pensamento que Rio Branco relata nos

artigos Anônimos e Pseudônimos. Nas questões do Acre, a resolução deste litígio foi

alvo de críticas. Uma delas foi feita pelo então senador Ruy Barbosa, cujo cerne da

crítica está neste capítulo. Na questão da Escravidão, foi tecida críticas ao processo

abolicionista por pensadores da literatura brasileira.

E o quinto e último capítulo é feita uma conclusão sobre o Barão do Rio Branco

e sua importância para a moderação da identidade nacional e internacional do Brasil.

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2. O PAPEL DA POLÍTICA EXTERNA NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

NACIONAL E INTERNACIONAL DO BRASIL

Para que possamos entender o período em que o Barão do Rio Branco esteve em

evidência na vida pública no Brasil, este capítulo inicia com uma explanação sobre o

pano de fundo teórico sobre características do Império e da República Velha e, a

identidade nacional e internacional do Brasil. A finalidade disso é explanar temas,

mediante os debates de autoras e autores sobre temas pertinentes, como: pluralidade

étnica, regionalismos, conceito de comunidade, política externa como polícia pública,

contexto e problemas raciais. É preciso esclarecer que o objetivo dessa construção

teórica é explicar o contexto no qual o Barão do Rio Branco será protagonista na

diplomacia brasileira. Neste capítulo ainda, explicam-se algumas singularidades do

Brasil enquanto país continental, e suas benésses e conflitos produzidas por essas

singularidades. Entende-se como o Brasil se insere na América Latina e no Mundo com

a fundamentação teórica. Obras de autores como: Celso Lafer, Gilberto Freyre, Letícia

Pinheiro, Carlos Milani, Jessé Souza, Dawisson Lopes, Amado Cervo, Clodoaldo

Bueno, Renato Mendonça, foram consultados para a formação do cenário brasileira

antes e após a Independência. Algumas críticas às questões de democracia e interesses

nacionais são feitas, mediante a identidade internacional brasileira.

2.1 CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA DO IMPÉRIO E DA PRIMEIRA

REPÚBLICA DO BRASIL

Com a independência, o Brasil passava a se estruturar como novo membro e ator

internacional. Coube a José Bonifácio de Andrada e Silva o cargo para os negócios

estrangeiros, em maio de 1822. Deste período até 1828, para a política externa

brasileira, foi o momento mais significativo para a época da independência.8

Durante esse período, o Brasil, para se inserir ao cenário internacional, passava

por alguns momentos importantes. O primeiro é o desligamento com o país colonizador,

Portugal, tanto no âmbito jurídico e econômico. Esse processo era um tanto demorado

pelo desinteresse de reconhecer o Brasil como soberano.9 Para manter um país de

dimensões continentais em alinhamento com o pensamento da jovem nação, algumas

8 (CERVO E BUENO, 1994)9 (CERVO E BUENO, 1994; MENDONÇA, 2013)

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guerras aconteceram. E uma das principais ações da política externa, foi negociar, com

outros países, o reconhecimento da Independência. A palavra negociar é proposital, pelo

fato de que muitos países reconheceram o Brasil por causa de concessões feitas, por

parte do Brasil, em favor destes.

Para o desligamento político-jurídico com Portugal, algumas medidas foram

tomadas pelo Imperador D. Pedro I e José Bonifácio. Criaram um Conselho dos

Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil. Começou naquele momento, um período

de imposição da autoridade imperial. As tropas portuguesas foram expulsas. Caso os

portugueses, que estavam no Brasil, não aceitassem a Independência, os seus bens eram

confiscados. Houve também uma integração de diplomatas, correspondendo ao corpo de

diplomacia Brasileira. O rompimento com Portugal se deu juridicamente, militarmente e

diplomaticamente.10

O início do Império foi obtido através, também, de forças nacionais. As tropas

portuguesas estavam em praticamente todos os pontos estratégicos do país. Assim,

ficaria inevitável um conflito interno. Nem todas as regiões foram lidadas com

violência, como o exemplo do Rio de Janeiro. Outras, como a Bahia, as tropas

portuguesas saíram por razões de guerra. Todo o financiamento para o deslocamento do

exercício, armas, e recrutamento de soldados, foi conseguido internamente, mediante

impostos, rendas da alfândega e empréstimos. Neste período, o exército brasileiro era

comparado com o dos Estados Unidos.11 A causa da independência fez com que todos se

engajassem nesse objetivo. Até mesmo alguns soldados portugueses aderiram à causa

brasileira.

A diplomacia, agora com um escopo formal, teve um papel fundamental para o

início do Império. A independência acontece em 7 de Setembro de 1822, mas Portugal

reconhece a soberania da ex colônia somente em 29 de agosto de 1825. Nesse meio

tempo, coube aos diplomatas, com um papel especial ao Caldeira Brant, o objetivo de

conseguir o reconhecimento da soberania. O ministro das relações exteriores da

Inglaterra, George Canning, foi um dos responsáveis para o reconhecimento também.

Portugal e Brasil foram arbitrados pela Inglaterra. Esta tinha o desejo de reconhecer,

mas precisaria o aval de Portugal em primeiro lugar. A decisão de convencimento foi

prejudicial ao Brasil, pagando assim, dois milhões de esterlinos para seu

10 (CERVO E BUENO, 1994)11 (CERVO E BUENO, 1994)

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reconhecimento. Para muitos, esta foi o primeiro fracasso formal da diplomacia

brasileira.12

A política externa brasileira, após a independência, teve alguns assuntos

fundamentais para a sua construção de identidade internacional. A região da Cisplatina

foi um dos principais alvos da política externa. Uma região que levava as histórias de

conflitos entre Portugal e Espanha, representadas por Buenos Aires e Rio de Janeiro. D.

Joao XI tinha um desejo de anexar Buenos Aires e Montevidéu, algo que se tornou

impossível devido às oposições, tanto dos países a serem anexados, quanto de países da

Europa. Com isso, foi-se anexado a Província da Cisplatina, em 1821. Depois,

considerada como território Brasileiro no início do Império. O agravante dessa região de

litígio foi à declaração de independência uruguaia, em 1825. Em resposta a essa

declaração, Buenos Aires decretou a incorporação da região Cisplatina. O Império,

comandado por D. Pedro I, não recebeu essas notícias com passividade, mas sim,

declarando guerra contra Buenos Aires e bloqueando as passagens navais. Diante dessa

situação de tensão, e devido o isolamento no cenário internacional, Buenos Aires enviou

Diplomatas para o Rio Janeiro para a resolução do conflito. Como já havia desgastes,

durante o período de 1827 e 1828, a Inglaterra surge, em função da solicitação das

partes, como árbitro do conflito. Assim, no final, em 27 de agosto de 1828, Brasil e

Argentina reconheceriam a soberania do Uruguai. Ambos os países cederam para o

reconhecimento uruguaio, com o benefício de navegação livre através do Rio do Prata e

seus afluentes. Esse episódio da política externa brasileira foi um triunfo da

diplomacia13.

A primeira identidade nacional Brasileira foi a Monarquia. E a primeira

instância da política externa foi, por intermédio de negociação, através da diplomacia,

conseguir que outros Estados reconhecessem a autonomia da ex-colônia portuguesa. As

concessões para que isso ocorresse foram desproporcionais e desnecessárias. O interesse

nacional não estava ligado ao interesse do Estado. É fato que o “leilão da

independência” foi um ato puro de interesse de Estado14. Em nenhum momento, as

trocas de favores, de fato, favoreceram os nacionais. Dom Pedro I despedia todos os

negociadores que eram a favor do nacionalismo. Ou seja, a sociedade foi excluída do

processo decisório. Era assim que começava a política externa Brasileira e da inserção

12 (CERVO E BUENO, 1994)13 (CERVO E BUENO, 1994)14 (CERVO E BUENO, 1994)

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internacional, um início de autonomia do Estado sobre a sociedade, e de autonomia do

interesse estatal sobre o interesse nacional.

Com o fim dos tratados, em 1844, a política externa brasileira começou a tomar

um novo rumo. Dom Pedro II tinha duas escolas a seu dispor. A primeira eram os

moderados. Acreditavam na diplomacia em seu ápice. Eram contra intervenção e o uso

da força. Já o segundo grupo, mais realista, acreditavam na força de vontade. Inclusive,

José Maria da Silva Paranhos, o famoso Visconde do Rio Branco, e pai do Barão do Rio

Branco, um dos professores de Dom Pedro II, era desse segundo grupo, porém, sensato

o bastante para transacionar e dialogar com o primeiro. Com isso, o interesse nacional

foi ganhando espaço na política externa. Naquele período alguns assuntos eram

pertinentes. A equalização de mão de obra, devido a abolição do tráfico de escravos, era

uma das pautas brasileiras. Outra eram as políticas de limites. Ou seja, garantir as

posses por meio de regulamentação definitiva das fronteiras. A PEB, a partir dos anos

de 1840, estava voltada a realidade interna. Sua política estava se baseando no interesse

nacional15. Dom Pedro II entendia que a política externa era parte do Estado. Não tinha

dificuldade de deixar instituições e homens capacitados influenciarem a PEB. Por esse

motivo que os interesses oligárquicos se equalizaram com os complexos interesses

nacionais.

Dois assuntos que mexeram de forma clara com sociedade brasileira: Tráfico de

Escravos e Imigração. A primeira tinha muito haver com o contato com a Inglaterra. As

negociações se davam por pressionar o Brasil a determinar o fim do ciclo de tráficos de

escravos. É fato que as lideranças nacionais fortes e influentes, as leis e as repressões

inglesas, foram um dos motivos mais fortes para a abolição do tráfico. Mas, havia

também o pensamento político por trás da decisão tomada, em 1850, de extinguir o

tráfico. Esse pensamento visava diminuir o conflito com a Inglaterra e, também,

eliminar a barreira contra a imigração livre. Esta última, só foi obter crescimento no fim

do Império, dos anos 1880 a 1889. Um dos fatores para a falta de constância imigratória

foi a imagem negativa que o Brasil tinha a respeito de uma sociedade escravocrata. Essa

foi uma das dificuldades encontradas pelos diplomatas na Europa. No fim do Império,

mais de 450 mil europeus migraram para o Brasil16. Com a imigração, a sociedade se

tornara pluralista em assuntos e leis internas.

15 (CERVO E BUENO, 1994)16 (CERVO E BUENO, 1994)

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Além disso, fazia-se necessário liberalizar ainda mais as instituições monárquicas em direção a uma sociedade pluralista, permitindo a liberdade de culto, os casamentos protestantes e mistos, o divórcio, a secularização dos cemitérios, o registro civil e, finalmente, revogar a lei dos contratos de serviços, que introduzia uma espécie de semi-escravidão nas relações sociais.17

Como visto a primeira responsabilidade de política externa brasileira, foi buscar

o reconhecimento dos outros Estados em relação ao Brasil. Outra ação que teve impacto

direto à PEB foram as fronteiras. No período do Primeiro Reinado, foi um processo

lento pra o reconhecimento de relevância e necessidade do assunto18. Até 1838, não

incluía-se as fronteiras como uma das questões mais importantes para a diplomacia.

Mas com o aumento de incidentes nas fronteiras ao longo desse período, a consciência

política foi gradativamente aumentando. Depois dessa data, as questões limítrofes

passaram a ser prioridade na PEB. A manutenção da paz com vizinhos se tornava,

também, prioridade.

Durante os acordos bilaterais, e até mesmo arbitrais, o Brasil manteve-se até o

final do Império, com a doutrina do uti possidetis.

Conta dos seguintes tratados limites, ratificados pelo Brasil e seus vizinho: 12 de outubro de 1851, com o Uruguai (art. 2º); 23 de outubro de 1851, com o Peru (art. 7º); convenção de 6 de abril de 1856, com o Paraguai; tratado de 5 de maio de 1859, com a Venezuela; e de 27 de março de 1867, com a Bolívia.19

Todos esses tratados tiveram, também, a doutrina do uti possidetis. Apenas dois

países não da América Latina não reconheceram a doutrina: Argentina e Colômbia.20A

base da PEB de limites, foi essa doutrina. Vindo da Monarquia, permaneceu até o Barão

do Rio Branco.

Para complementar o entendimento do uti possidetis, é preciso fazer um

parênteses para explicar o tratado de Madri. É bem sabido que a diplomacia brasileira,

como nação brasileira, concebe-se na independência, em 1822, com os negociadores

Diplomatas reconhecendo a soberania do país. Mas, efetivamente, ou melhor,

cronologicamente, é preciso passar por 1750, com o tratado de Madri. Alexandre de

Gusmão, nascido no Brasil, então colônia portuguesa, elevado à categoria de secretário

17 (CERVO E BUENO, 1994, pág.94)18 (CERVO E BUENO, 1994)19 (CERVO E BUENO, 1994, pág.108)20 (CERVO E BUENO, 1994)

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particular do Rei de Portugal, foi um dos responsáveis na tomada de decisão dos limites

entre as coroas de Portugal e Espanha21.

O Estudo do Tratado de 1750 - escreveu o Barão do Rio Branco - deixa a mais viva e grata impressão da boa fé, lealdade e grandeza de vistas que inspiraram esse ajuste amigável de antigas e mesquinhas querelas, consultando-se unicamente os princípios superiores da razão e da justiça e as conveniências da paz e da civilização da América.22

A diplomacia brasileira já começava a ser desenhada com base no pacifismo e na

boa fé.23 O Tratado trouxe uma singularidade ao direito internacional. O uso do uti

possidetis. Esse direito permitia que cada parte permanecesse com o que já se possuía.

A ocupação se daria pelo estabelecimento primário do ocupante. Ou seja, quem tomasse

a terra e a ocupasse primeiro, teria o direito da terra.

Na História das relações internacionais, o Tratado de 1750 é duplamente importante: por abandonar o famoso meridiano de Tordesilhas, que reduzia o Brasil a uma nesga de litoral, denudada a medo nos mapas do século XVII, e por ter deslocado do direito civil para as relações da vida internacional o instituto do uti possidetis como título de aquisição entre os povos.24

Durante o período do Império, a diplomacia brasileira tinha muitos princípios

que aparentavam ser irrevogáveis. Tinha-se a ação bilateral como primordial na

diplomacia, assim como, a defesa do seu território, a rejeição da expansão do mesmo, e

ser guiado pelo uti possidetis. Mas aos anos finais do Império alguns princípios, antes

inegociáveis, passaram a ser “desradicalizados”.25 O arbitramento começou a fazer parte

da diplomacia brasileira.

A PEB do Império estava acima da nação. Ou seja, seu poder decisório, não

necessariamente passava pelo interesse nacional. Desde as negociações da

Independência, até o conflito do Prata, questões foram levadas a ações Estatais, ao invés

de priorizar o desenvolvimento e a industrialização, que ocorreu de maneira lenta.

A República, instalada em 1889, com o então marechal Deodoro da Fonseca,

começou como uma continuação do Império. Assim, facilitou muitos países a

reconhecerem a nova inserção brasileira. Assim como, na época da Independência, a

21 (MENDONÇA, 2013)22 (MENDONÇA, 2013 pág.70)23 (MENDONÇA, 2013)24 (MENDONÇA, 2013 pág.71)25 (CERVO E BUENO, 1994)

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política externa brasileira no começo da sua República também tomou medidas para o

seu reconhecimento. É fato que as proporções não têm comparativas. Mas, houve um

processo. Uma das primeiras medidas da política externa foi o reconhecer, ou melhor,

dar nacionalidade brasileira aos estrangeiros que residiam no país.26 O Brasil tem uma

história de procurar, em meios diplomáticos, o convencimento diante de mudanças. Ou

seja, quando existe uma mudança significativa no escopo do país, é natural ceder ou

doar certas coisas, para o benefício da mudança. Na República aconteceu o mesmo.

O primeiro país a aceitar a República, é a Argentina. No Império, a política

abordada com a Argentina foi agressiva e imponente. Na República, acreditava-se em

uma mudança radical nessa postura. O que de fato aconteceu. A política externa era

baseada no idealismo. A inserção brasileira na América Latina no Império,

principalmente na região do Prata, foi de defender e rejeitar qualquer tipo de expansão

do governo argentino sobre a região. O que o governo, da República, almejava, era um

clima de pacificação e relações diplomáticas. Tanto é verdade, que esse foi um dos

principais motivos da aceitação rápida da Argentina, em relação à República.27

O Império, por ser governado por europeus, priorizava o estilo europeu. A

República trouxe a sensação de pertencimento à América Latina. Até mesmo houve

mais liberdade com os Estados Unidos, pelo fato, de que, o regime, devido a muitas

precauções, não se aproximava mais dos Estados Unidos por receio à Europa. De fato,

1889 trouxe uma nova visão diplomática para a América Latina. Apesar disso, mesmo

com a intensificação, de forma cordial, diplomática, os conflitos com a Argentina eram

inevitáveis. Um dos comportamentos estatais que diferenciavam a República foi a

questão de Palmas. Conflito que vinha desde o Império, com a Argentina. A

arbitrariedade passou a ser bem vista diferentemente da época do Império que o seu

quesito e princípio de vigor era o bilateralismo.

O novo ciclo brasileiro em 1889 foi de extrema diplomacia. Essa foi uma

característica de inserção internacional marcante para aquele período. Um dos pontos a

ser discorrido são as eleições do Paraguai em 1894. Onde o governo brasileiro,

representado por Floriano Peixoto, então presidente da república, interferiu nas

eleições.28 Outro ponto crucial é já no mandato de Campos Sales, a primeira visita de

um chefe de Estado estrangeiro para o Brasil. Isso se deu em 1899, na chegada do

26 (CERVO E BUENO, 1994)27 (SCHWARCZ, 2007)28 (SCHWARCZ, 2007)

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Presidente Júlio Roca, da Argentina, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, Campos Sales

retribuiu a visita indo a Buenos Aires.29 O Brasil demonstrava interesse em conduzir os

assuntos da América Latina. Existiam muitos atritos nessa região para se exercer poder

de influência. Até mesmo a visita de Júlio Roca foi estratégica para amenizar, ou

melhor, reduzir as relações Brasil-Chile. A aproximação com os Estado Unidos,

viabilizando as embaixadas, no Rio de Janeiro e em Washington, em 1905, também

mostrou a abrangência diplomática brasileira. É fato que houve um desconforto por

partes dos estados latino-americanos, o que indiretamente fazia com que o Brasil se

destacasse na América do Sul.30 Todos os passos da República, na América Latina,

foram com base na estratégica de exercer o domínio e influência da região, em bases

diplomáticas.

Se no Império, as fronteiras tinham um caráter especial, a República

engrandeceu o assunto. Conflitos, dos mais fáceis aos mais difíceis, foram resolvidos

pacificamente. Problemas decorrentes, desde o tempo do Império, foram finalmente

resolvidos, a exemplo do Amapá, conflito com a França de anos, e de Palmas, com a

Argentina. O fato é que durante todo o século XIX e o início do século XX, era

necessário fechar, por via jurídica, o território brasileiro. Como o Brasil faz divisa com

dez países, inevitavelmente haveria conflitos fronteiriços. Litígios com países da

América Latina e com países europeus foram solucionados. A defesa do território

brasileiro era ponto de continuação do Império, o que diferia era a forma de defesa da

nação. Começava uma fase de fechamento de um ciclo. O ciclo das fronteiras. Com

isso, José Maria Paranhos Júnior teve uma imagem tão forte quanto Dom Pedro II.31

Rubens Ricupero, enaltecendo Rio Branco, diz que não se encontra padrão parecido

com o do Brasil, nas fronteiras.

A concentração metódica, sistemática, de todos os recursos diplomáticos e do uso legítimo, e não violento, do poder, sem chegar ao conflito militar, para solucionar com êxito o conjunto dos problemas fronteiriços.32

A imagem pacífica do Brasil no começo da República, muito desenvolvida por

Rio Branco e preconizada por Alexandre Gusmão, não deve ser confundida com

passividade. O Estado Brasileiro se mostrou forte e audacioso na sua política externa. O

29 (SCHWARCZ , 2007)30 (SCHWARCZ , 2007)31 (SCHWARCZ , 2007)32 (SCHWARCZ , 2007, pág.160)

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conflito mais delicado e mais importante das fronteiras, a situação do Acre, é uma prova

disso. A República mostrou que quem exerce influencia diplomática com boas

estratégias e bons relacionamentos tem o domínio da região, sem exercício da força.

Outra prova é o rearmamento brasileiro, em 1906, que provocou distensões no

relacionamento com a Argentina.33 Por mais que a diplomacia era uma prioridade, o

âmbito militar não ficava como demérito. Isso se deu, muito pela figura do Barão, que

viu o Imperialismo europeu nas regiões da África. A República trouxe o equilíbrio

militar e a sagacidade diplomática.

O Brasil soube lidar com três diferentes polos: Europa, Estados Unidos e

América Latina. O primeiro, investindo de forma estratégica em territórios brasileiros,

deixou o Brasil com uma baixa territorial, que foi a região do Pirara, no conflito com a

Inglaterra. Os Estados Unidos, maior financiador do Bolivian Syndicate, foram

contornados de maneira inteligente pela diplomacia brasileira. O terceiro era o mais

interessante para o Brasil. O Uruguai passou a ser ponto importante de influência para

manter o equilíbrio da região platina.34 O Chile se tornaria um forte aliado. E a

Argentina, entre altos e baixos, continuava sendo o estado em disputa pela hegemonia

regional. Em todos esses polos a política externa brasileira se manteve forte,

principalmente, pela luta contra a intervenção estatal estrangeira na região.

2.2 IDENTIDADE NACIONAL E INTERNACIONAL DO BRASIL

O sentido de uma comunidade é baseado em uma palavra: Pertencimento. Toda

construção de uma nação que consiga lidar com regionalismos fortes, mas que ainda por

cima coloca os interesses coletivos da nação acima dos interesses coletivos de uma

região faz isso pelo sentimento de pertencimento. O pertencimento se manifesta quando

se há identificação. Michelangelo Bovero35 diz que a maneira para a construção de uma

identidade é por meio de uma ideia, que leva em si um bem comum que faz com que as

pessoas se identifiquem por semelhança. É fato que a realidade brasileira é de uma

pluralidade étnica e cultural muito grande, criando assim uma dificuldade ao censo de

comunidade.

33 (SCHWARCZ, 2007)34 (SCHWARCZ, 2007)35 (APUD LAFER, 2001, pág.15)

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A identidade nacional brasileira começa a ser discutida em obras clássicas da

historiografia brasileira. Como o Brasil, pelas suas dimensões, é um país continental, e

isso já é uma caracterização da sua identidade, os diferentes cantos do país foram

ocupados por diferentes nacionalidades. Por quase dois séculos, a nação brasileira era

colônia portuguesa, e segundo Gilberto Freyre (1993) na sua obra Casa Grande e

Senzala, nós carregamos características lusitanas na nossa identidade. Uma identidade

europeia e africana. Toda a identidade nacional é produzida mediante a um processo de

aprendizagem 36 processo esse, que leva tempo. Adicionando as características

portuguesas, que já fazem parte de uma singularidade na Europa, é preciso, também,

adicionarmos características de outros povos europeus no contexto de caracterização

brasileira. No século XIX houve migrações que, inevitavelmente, fizeram parte da

construção da identidade brasileira, cidadãos da Itália, Espanha, Alemanha e até mesmo

povos eslavos, recorreram ao Brasil, por motivos diversos, para ser sua nação.37 Essa

pluralidade étnica e cultural é o reflexo de como os cidadãos brasileiros se relacionam

com as mais variadas diferenças.

Neste ponto, saber lidar com as diferenças raciais que fizeram parte étnica do

Brasil, foi um passo significativo para a evolução social. O Brasil demorou em se

comprometer com a abolição da escravidão, e isso foi um dos pontos que deixaram as

relações entre Brasil-Inglaterra tensas. O fato é que, na visão de Gilberto Freyre (1993),

a sociedade deveria ser vista pela cultura e não com base na raça. Para o autor, a

construção da sociedade brasileira, mediante a unidade na diversidade, caracterizava o

Brasil de forma singular. Essa perspectiva de sociedade influenciou diretamente a

política externa do Brasil. A prioridade pacífica, principalmente denotada na República,

nas relações na América Latina, é um resultado da construção social, no âmbito do

conceito de comunidade.

A concepção de Gilberto Freyre sobre a identidade brasileira tem sido

confrontada por diferentes intelectuais na História e na Sociologia. Um destes casos é

Jessé Souza, na obra “A Ralé Brasileira”, que afirma que a tendência brasileira ao

sincretismo e ao pluralismo étnico é um mito. Afirma também que a emoção na

construção de uma identidade coletiva é essencial. O fator sentimento é uma das causas

da noção de comunidade. É quando não mais se pensa de forma individual, narcisista e

egoísta, mas passa-se a pensar de forma coletiva e compartilhada, de forma que, os

36 (SOUZA, 2009)37 (LAFER, 2001)

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objetivos coletivos passam a serem os objetivos individuais. Descobrir a identidade de

um país faz com que as pessoas descubram, também, a sua própria identidade. Esse

conceito faz com que o coletivo esteja acima do individual, e o individual dependente

do coletivo.

A noção de comunidade compartilhada é constituída pela lembrança real ou imaginaria de uma tradição comum compartilhada, seja esta baseada em hábitos comuns, origem religiosa, costumes compartilhamos ou identidade linguística. A finalidade aqui é criar um terreno de sentimentos e identidade emocionais comuns que permita que todos, dos mais amplos setores e dos diversos grupos sociais com interesses divergentes ou conflitantes, se vejam como construtores e participantes do mesmo projeto nacional.38

Ainda segundo o autor, o sentimento de pertencimento a uma comunidade é um

processo de aprendizagem. E por causa das diversidades de cultura, abriu-se o espaço

para o sentimento de pertencimento ao regionalismo. Por ser um país continental, as

migrações se deram por blocos de ocupação territorial e é através desses blocos, que

culturas regionais se estabeleceram. O conceito de comunidade coletiva de uma nação é

a habilidade de, acima de tudo, poder se reconhecer como brasileiro e não mais, como,

gaúcho, paulista ou mineiro.

Em relação ao processo de construção da identidade brasileira, no século XIX,

mais precisamente no ano de 1822, houve o desligamento da colônia portuguesa e a

proclamação da independência brasileira. Este rompimento foi um dos principais

motivos para a preocupação em se construir uma identidade nacional.39 E a partir desse

momento, algumas perguntas precisariam ser respondiam: “Quem somos? De onde

viemos? Para onde vamos?”40 Essas são perguntas que moldam tanto a identidade

coletiva de uma nação quanto a individual e conduz ao conceito de cidadania que, no

seu escopo, trás direitos e deveres igualitários a população.

Para Jessé Souza, o desenvolvimento da imagem brasileira, foi de superação. O

autor salienta que o Brasil tinha uma imagem de inferioridade em comparação aos

Estados europeus. Isso acontece por uma sociedade, recém-livre. Ou seja, nunca se

experimentou autonomia e, na sua maioria, composta por homens escravos e

analfabetos.41 A nação foi obrigada a vencer esses obstáculos para poder se inserir,

também, no âmbito internacional. Com a ausência de autoconfiança, o Brasil, na

38 (SOUZA, 2009, pág.34)39 (SOUZA, 2009)40 (SOUZA, 2009)41 (SOUZA, 2009)

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literatura, poesia e até mesmo no hino nacional, passou a mostrar, como uma nação

jovem soberana que precisava se identificar no contexto internacional, uma imagem

positiva do país usando o meio da beleza da natureza e os seus recursos naturais.42 Até

mesmo a forma de perceber a si mesmo, como nação, influenciou a política

internacional do país.

A respeito disso é preciso reiterar que a visão de moralidade, também, é trazida

dentro do conceito de cidadania. E por causa dessa preocupação, devido ao fim da era

colonial, o Brasil, como todo país no início da formação de sua identidade, passou por

diversas guerras internas durante o século XIX.43 Não somente internas, mas externas

também.

A identidade nacional e internacional de um país se expressa na condução da

política externa. Um dos grandes temas da política externa brasileira em todo o século

XIX e início do século XX foram as fronteiras. A volatilidade das fronteiras foi uma

realidade do Brasil até o fim da vida do Barão do Rio Branco, em 1912. Homem que

resolveu, usando de negociação e arbitragem, nossas fronteiras. Os problemas

fronteiriços foram demasiados, principalmente com países da América latina.

2.3 DIFERENTES CONCEPÇÕES SOBRE A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

Celso Lafer (2007) considera que a questão das fronteiras é crucial para a

formação e consolidação da identidade nacional do Brasil. O Brasil faz fronteira com

dez países. Rússia e China são os únicos países a fazerem mais fronteiras do que o

Brasil. Desse modo, os problemas eram inevitáveis. Mas a construção das fronteiras foi

também o motivo da construção na identidade diplomática do país.

O autor sugere que destaquemos um homem que contribuiu para a construção da

identidade brasileira, que foi José Bonifácio. Ele, um cientista, foi uma das principais

figuras que iniciou a composição de intelectuais com a finalidade de criar e elaborar

projetos políticos. Diante de um país multicultural e de uma pluralidade étnica impar,

Bonifácio foi um dos precursores para a elaboração das propostas contra a abolição da

escravidão e de tráfico marítimo de escravos africanos, e também, da integração dos

povos indígenas a sociedade.

42 (SOUZA, 2009)43 (SOUZA, 2009)

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A identidade nacional também colabora para a inserção internacional de um

país. Sobre isso, Lafer afirma:

No caso brasileiro, entre estes fatores cabe destacar o dado geográfico da América Do Sul, escala continental, o relacionamento com os muitos países vizinhos, a unidade linguística, a menor proximidade, desde a independência em 1822, dos focos de tensão presentes no centro do cenário internacional, o tema da estratificação mundial e o desafio do desenvolvimento. Estes fatores de persistência contribuem para explicar traços importantes da identidade internacional do Brasil, ou seja, o conjunto de circunstâncias e predicados que diferenciam a sua visão e os seus interesses, como ator no sistema mundial, dos que caracterizam os demais países.44

O Estado do Brasil tem escalas continentais devido a sua extensão territorial,

tendo 8.515.000 km2, caracterizando-se como quinto maior país mundial. O seu PIB

está entre os dez maiores países.45 A despeito de todas essas proporções geográficas e

econômicas, o Brasil nunca esteve entre os protagonistas sobre assuntos de tensão no

cenário internacional, como estratégias militares a respeito de guerra e paz. Isso o

singulariza no âmbito internacional.

Em sua obra, o autor expõe que para chegar a proporções continentais, o Brasil,

de acordo com a história, deve a três figuras, como relata Synesio Goes Filho: Os

Navegantes portugueses, os Bandeirantes e os Diplomatas. Três agentes que

proporcionaram ao Brasil a sua atual geografia. Os Navegantes portugueses tiveram

como base a expansão da ciência da navegação, no século XV.46 Portugal, usando da sua

característica de Império, expandiu seu Reino investindo em navegações. E foram esses

navegantes que acharam o território Brasileiro. Já os bandeirantes ocuparam o nosso

território e o expandiram além do Tratado de Tordesilhas.47 E os diplomatas tiveram

papel fundamental na fixação das nossas fronteiras. Antes de considerar o conceito de

fronteiras, viam-se as fronteiras como limites. No Tratado de Madri foi celebrado pela

primeira vez entre a Coroa Portuguesa e a Espanhola as possessões territoriais na

América, dirigida por Alexandre de Gusmão, considerado o avô dos diplomatas.48 De

acordo com o conceito conhecido como limites, o Brasil Independente, representado

pelos diplomatas, transformou limites em fronteiras.49

44 (LAFER, 2001, pág.20)45 (BRASIL, 2012)46 (LAFER, 2001)47 (LAFER, 2001)48 (LAFER, 2001)49 (LAFER, 2001)

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Guerras externas e internas fizeram parte da história brasileira para a sua

construção de comunidade. Assim como conflitos sociais também fizeram. O Brasil,

pela sua história de escravidão, teve que lidar com conflitos raciais e étnicos. Um dos

conselheiros de D. Pedro II, conde francês Goubileau, pensava que os mestiços eram

compostos pelo o que existia de pior no branco e pior do negro.50 Assim, é evidente que

o âmbito social influência a noção de pertencimento a uma comunidade. O

entrelaçamento cultural e a multiplicidade de hábitos fazem parte da característica

brasileira. Antes, isso era visto como vergonha, mas segundo a obra de Gilberto Freyre,

na Casagrande e Senzala, é visto como motivo de orgulho nacional.

A análise de política externa mostra que o comportamento de um Estado no

sistema internacional está relacionado ao seu plano doméstico. Uma diferença, no

entanto, é preciso ser feita entre a Política Externa Brasileira (PEB) sendo uma Política

de Estado ou como Política Pública. A partir de 1822, a PEB era relacionada como

política de Estado independente das agendas governamentais. Dava-se, portanto, uma

autonomia à instituição que elaborava e implementava a política externa.51 Esse órgão

após o fim do Império e começo da República passa a ser o Itamaraty. Logo no início da

velha República, o Barão do Rio Branco reformula a instituição, modernizando o

Itamaraty, segundo Ricupero:

Convertendo uma anacrônica e diminuta repartição com 37 empregados - tinham 38 em 1859! - em uma Chancelaria contemporânea de nível comparável às equivalentes europeias, dotando-as de “instituições modernas” como mapoteca, Arquivos, biblioteca, consultor jurídico (Clovis Beviláqua), diretores de seção, um serviço geográfico na direção do Arquivo. Receia o Gabinete do Ministro, permitindo que ele seja formado por funcionários do serviço diplomático ou consular e não só pelos que serviram no Rio de Janeiro.52

Mas ao longo do tempo, o que era antes, Política de Estado, tornou-se Política

Publica. Essa diferença entre Política de Estado e Política Pública implica dizer que a

segunda tem o governo como instituição do Estado, sendo ele, o governo, o responsável

pela produção da política externa. O governo ser o responsável único da produção de

política externa dificulta o entendimento de interesse nacional. Pelo fato da construção

da identidade nacional, passar pelo conceito de comunidade, é bem certo que o interesse

nacional pressupõe que as questões do povo seriam as questões do Estado. Ou seja, as

50 (SOUZA, 2009)51 (MILANI E PINHEIRO, 2012)52 (APUD MILANI E PINHEIRO, 2012, pág.83)

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ações governamentais estariam alinhadas com o interesse nacional. Mas de acordo com

o raciocínio que o Brasil passou a ter uma Política Publica que é, na verdade, Política do

Governo, não se pode encaixar o pensamento de alinhamento com o interesse nacional

devido às diferenças de preferências entre classes e de interesses particulares de

indivíduos do governo. O Estado não está imune às coalizões e barganhas que, também,

constituem os interesses particulares.

O comportamento do Estado, portanto, desliga-se a teoria realista clássica que

entendia que a política externa começa quando termina a política interna. As políticas

públicas, antes vistas apenas como políticas internas passam, por tanto, por uma

internacionalização de suas ações53, reconhecendo, assim, a política externa como

política pública.

A política externa brasileira, sendo política pública, assume essa identidade

também pelo fato da pluralidade de instituições, não estatais, influenciarem, com suas

ações no âmbito internacional, as decisões da PEB. Atribuía-se ao Itamaraty uma

autonomia de decisões a respeito dos desígnios da política externa brasileira. Hoje, sua

autoridade está em ser um agente de exercício democrático destas instituições não

estatais.54

O interesse nacional, que estaria relacionado com a sociedade e seus objetivos,

era considerado com intrusa nos assuntos da PEB.55 A sociedade deveria ser uma das

vozes influenciadores na tomada de decisão. Os interesses nacionais deveriam ser

prioridades. Mas essas afirmações estão no campo da utopia. A politização

governamental torna a sociedade uma intrusa. Não que os interesses nacionais se tornam

obsoletos, mas há uma diminuição de importância. O que se torna prioritário são os

interesses de diplomacia e as ambições pessoais.

A PEB é pensada pelos autores como o produto de um planejamento estratégico realizado por especialistas, capazes de vislumbrar os rumos do sistema internacional e, a partir daí perseguir os “nossos interesses”.56

53 (MILANI E PINHEIRO, 2012)54 (MILANI E PINHEIRO, 2012)55 (LOPES, 2013)56 (LOPES, 2013, pág.65)

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3 O BARÃO DO RIO BRANCO E SEU PENSAMENTO: OS ARTIGOS

ANÔNIMOS E PSEUDÔNIMOS

Neste capítulo obtêm-se informações do Barão de forma singular, devido a

facilidade de liberdade, devido aos pseudônimos. Aqui, apresenta-se uma pequena

biografia do Barão e também uma explicação sobre o centro de história e

documentação, em que se encontram os artigos Anônimos e Pseudônimos.

3.1 BIOGRAFIA DO BARÃO DO RIO BRANCO

A diplomacia brasileira, no século XIX e início do século XX, teve um papel

fundamental para a construção da identidade nacional, como aponta Synesio Goes

Filho. Um nome ganhou notoriedade pelos seus feitos: José Maria da Silva Paranhos

Júnior. Este, mais conhecido como Barão do Rio Branco, foi alvo de aclamação perante

a sociedade. Seu nome ficou evidente, depois de uma defesa ímpar a respeito da região

em litígio, Palmas. Mas é claro que sua vida como jornalista, político, advogado e

diplomata, começam muito antes.

Nascido no Rio de Janeiro, em 20 de abril de 1845, filho de José Maria Silva

Paranhos e de Teresa de Figueiredo Faria, era o mais velho, dentre nove irmãos. Já

estava envolvido indiretamente no âmbito político, devido ao envolvimento de seu pai,

conhecido como Visconde do Rio Branco. Seu pai, homem notório, e um estadista

renomado, ficou notável no Segundo Império. Foi deputado, Plenipotenciário brasileiro

no Uruguai, Ministro da Marinha e dos Negócios Estrangeiros, Senador e Primeiro

Ministro. Um dos feitos notórios do Visconde foi quando negociou o fim da guerra do

Paraguai em 1869. Inclusive nesta negociação, o Barão do Rio Branco atuava, por

alguns meses, como secretário particular do seu pai. Outro, importantíssimo, foi a

promulgação, já como Presidente do Conselho de Ministros, da Lei do Ventre Livre,

que discorria a liberdade dos filhos dos escravos. Um currículo e tanto. Seu pai era a

maior inspiração para Juca, outro nome atribuído ao Barão.

Por ser filho de uma figura tão forte, é claro que havia desconfianças a respeito

do seu futuro. Como diz Renato Mendonça, um historiador, “É sabido a tragédia que

envolve os filhos dos homens de gênio.”57

57 (MENDONÇA, 2013, pág.175)

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28

Mas este estigma não o caracterizou. Estudante do Colégio de Pedro II, “um dos

centros de maior difusão cultural no Brasil”58, já havia revelado sua paixão sobre

geografia e história. Lecionou, mais tarde, nesta mesma escola, Geografia e História.

Matérias que caracterizaram a sua vida diplomática.

Aos 17 anos, em São Paulo, ingressou sua caminhada acadêmica no curso de

direito. Veio a completar o curso em Recife. O Barão do Rio Branco, sempre foi um

colecionador de mapas, cartas e documentos. Já na época académica, correspondia-se

com o Instituto Histórico e Geográfico (IHGB) e com a Biblioteca Nacional, “enviando

cópias de documentos encontrados em Arquivos europeus e solicitando material para

sua coleção particular.”59

É fato que, para o público, era conhecido como frequentador de cabarets e night

clubs do Rio de Janeiro.60 Até assumir um compromisso, em 1876, para ser cônsul-geral

do Brasil em Liverpool, era conhecido pela sua vida boêmia. Mas sua vida política

começa um pouco antes de 1876. Especificamente em 1869, fora deputado por Mato

Grosso, cumprindo mandado por duas legislaturas, acabando somente em 1876. Mesmo

como deputado, ainda acompanhava seu pai. Especificamente, na missão que houve um

tratado de paz definitivo entre Paraguai, Uruguai, Brasil e Argentina, em 1870.

Em 1876, Rio Branco saíra do Brasil para exercer o cargo de cônsul brasileiro

em Liverpool. Esta primeira oportunidade diplomática, foi conseguida através de muito

custo. D. Pedro II não estava convencido com a nomeação proposta pelo gabinete.

Assim, foi preciso muita articulação e ajuda de amigos para que essa oportunidade se

concretizasse. Seu nome, ainda estava atrelado com os feitos de seu pai, Visconde do

Rio Branco. Antes da partida para a Europa, não se destacava, em termos intelectuais.

Mas quando chegou à Europa, devido às bibliotecas e livrarias, ao contato com

intelectuais da época, suas especialidades geográficas e históricas ficaram como marca

de sua diplomacia. Sua notoriedade começa ao ser anunciado como defensor dos

direitos do Brasil no caso da região de Palmas. O litígio foi arbitrado pelo ex-Presidente

Grover Cleveland. Lá, nos Estados Unidos, fez uma defesa memorável, com

documentos e mapas geográficos. Sua importância é aumentada, após dois conflitos

resolvidos: Guiana Francesa e Ilha de Trindade. Após essas conquistas, Rio Branco já

era um nome forte e influente.

58 (MENDONÇA, 2013, pág.176)59 (HAICKEL, 2007, pág.7) 60 (MENDONÇA, 2013)

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29

Com a nomeação presidencial de Rodrigues Alves, houve uma grande

oportunidade para o Barão. Existe um paradoxo da saída e volta de Rio Branco ao

Brasil. A sua saída, para uma oportunidade diplomática, foi de baixo de muito custo

para convencer as autoridades. Já em sua volta, a convite de Rodrigues Alves, foram as

autoridades que estavam determinadas a convencer o Barão a assumir tal cargo. É

sabido que, para o Barão, à volta ao Brasil não era interessante. Por isso a sua

resistência em voltar. Mas depois de insistentes tentativas e, principalmente, devido a

uma carta definitiva de Rodrigues Alves, o Barão reconhece a sua dívida para com a sua

terra natal e aceitava o convite para o cargo para o Ministério das Relações Exteriores.61

Em muitos jornais da época, o Barão do Rio Branco era destaque nacional, por

causa da sua volta. Assim, descrevia um dos jornais, no “Diário de Pernambuco”, a

euforia popular a respeito da volta do Barão:

A recepção no Mar foi brilhantíssima. Grande número de lanchas e escalares conduziram milhares de pessoas até a bordo do paquere, desejosas de saudar o notável brasileiro. Em outras embarcações iam bandas de música militares. Ao saltas em terra o Barão do Rio Branco, redobraram as aclamações e estrugiram vivas demoradas e entusiásticos. É impossível descrever o delírio que se apoderou do povo.62

Mas apesar do clima de festa, o cenário do Brasil, em qual o Barão assume em

1902, é deplorável. O governo anterior, de Campos Sales, já fora conturbado. Na

verdade, em 1898, quando Campos Sales assumira a presidência do Brasil, o estado

financeiro já estava abalado. Existia uma crise política, economia e financeira no Brasil

que para muitos era uma questão crítica. Essa crise tem por varias motivos, dentre eles,

a inflação exorbitante, devido à crise do café, a partir de 1896. As lutas pelo poder em

diversos estados brasileiros; mas principalmente a Revolta da Armada e a Revolução

Federalista, contribuíram para o caos político-financeiro do País. Após o fim do

mandato de Campos Sales, o cenário havia diminuído um pouco, mas não resolvido à

crise. A crise industrial e comercial dos anos 1900 era ainda um ponto, cuja classe

média brasileira estava em apuros. Para tanto, um dos jornais da época, o “Pharol”, de

Juiz de Fora, em 4/12/1902, relata que até mesmo o Barão iria se arrepender de ter

voltado ao Brasil.63

61 (FRANCO, 2002)62 (FRANCO, 2002, pág.100)63 (FRANCO, 2002)

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30

O Barão do Rio Branco, se é o espírito superior de que tem dado mostras, há de se sentir, convencido de si para si, que passou por tremenda decepção, e que o seu Brasil não é a terra de outros tempos.64

Apesar de algumas desconfianças, não no Barão, mas sim, pelo cenário em que o

Brasil se encontrava, a maioria da população e dos jornais apresentava o Barão como

um salvador da imagem exterior do Brasil, que para muitos, estava se perdendo, devido

às políticas de Campos Sales. A principal expectativa de todos para que a imagem

brasileira se elevasse novamente no cenário internacional, era a região do Acre.

O jornal, “Diário de Pernambuco”, em 2/12/1902, relatava:

O caso do Acre preocupa seriamente pela sua gravidade todos os espíritos. Para ele convergem no momento as atenções dos escritores e as vistas do país. Questão que interessa profundamente os créditos do Brasil no estrangeiro e a sua integridade no interior, deve e pode ter a solução mais cabal e mais digna.65

Outro Jornal, o “Pharol”, mencionava, em 4/12/1902, o perigo do assunto para o

Barão:

(...) aí está o Acre - temeroso problema, cuja solução poderá, qual ela seja, destruir, num momento, ou toda a popularidade do diplomata ou aumentá-la.66

Havia, sobre os ombros do Barão, uma pesada responsabilidade de, não apenas

fazer um bom trabalho e um bom nome, mas, além disso, levar o País de volta a um

cenário internacional de destaque e, principalmente, instaurar uma identidade nacional

patriótica.

Para Rio Branco, o seu desempenho como Ministro das Relações Exteriores,

eram explicadas pelo seu amor a pátria e não ao amor ao novo regime. Rio Branco era

de paixões monarquistas. Além de seu pai, tinha D. Pedro II como um dos maiores

brasileiros já existentes. E foi em um dos telegramas entre o Barão e D. Pedro II, que o

antigo Imperador pedia para que o Barão ficasse na sua devida posição, por causa do

seu dever à pátria. É claro que toda a sua visão de Brasil era de tornar o país, em sua

identidade nacional, uma comunidade.

64 (FRANCO, 2002, pág.105)65 (FRANCO, 2002, pág.109)66 (FRANCO, 2002, pág.109)

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Com essa intenção, o Barão, em todo o seu período como Ministro das Relações

Exteriores, foi muito autêntico. Ele é o estadista com o maior tempo no cargo de

Ministro das Relações Exteriores, estão presente em quatro mandatos de governos

ininterruptos.67

Com este cargo, o Barão aumentou as qualidades da política brasileira. Como

diz Burns:

Rio Branco trouxe para a Chancelaria brasileira qualidades que garantiam o êxito da política exterior do Brasil. Seu conhecimento da história e da geografia da América do Sul lhe davam uma perfeita familiaridade com os vizinhos do Brasil e o relacionamento entre os países sul americanos. Um erudito ocupando cargo público, coisa rara em qualquer país, tinha uma perspectiva histórica das relações do seu país na política continental. E vinte e seis anos desempenhando uma variedade de posições diplomáticas faziam dele um conhecedor da prática da diplomacia, além da teoria diplomática. Finalmente, ele tinha e pôde desenvolver qualidades de estadista.68

Merece destaque a sua maior conquista neste período, que foi a resolução da

região litigiosa do Acre. Agregando duas soberanias, Bolívia e Peru, o Barão do Rio

Branco, de forma maestral, resolveu o problema de fronteira sem a utilização de

armamento. Rubens Ricupero relata que o Barão do Rio Branco se tornou o “refundador

da diplomacia brasileira.”69

O Barão teve uma característica única. Um dos principais biógrafos de Rio

Branco, Álvaro Lins, diz que “do estilo de Rio Branco não se podia dizer que fosse

literário ou artístico, mas um estilo de ação”.70 E de fato, ele era um homem de ação.

Sua marca ficará sempre atrelada à demarcação das fronteiras do Brasil.

Faleceu em 19 de fevereiro de 1912, aos 66 anos, de insuficiência renal. “Sua

morte causou grande comoção em todo o país e foi notícia nos principais jornais

nacionais e até no estrangeiro. Seu corpo foi velado no Itamaraty e mobilizou grande

multidão que veio prestar as últimas homenagens ao grande estadista, cujos serviços e

cujo nome ficarão eternamente vivos na gratidão brasileira”.71

67 (HAICKEL, 2007)68 (LIMA, 2013, pág.75)69 (GOMES, 2012, pág.121)70 (LAFER, 2001, pág.28)71 (HAICKEL, 2007)

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3.2 CENTRO DE HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO

Este trabalho utiliza-se de uma ferramenta, que em 2002 foi publicada. Por

intermédio dos lançamentos dos “Cadernos CHDD” (Centro de História e

Documentação Diplomática) houve-se uma oportunidade de acesso a informações

inéditas a respeito do Barão do Rio Branco. O CHDD é um órgão da Fundação

Alexandre de Gusmão, que tem a finalidade de divulgar pesquisas sobre história

diplomática e das relações internacionais do Brasil. Este Centro, devido a sua

finalidade, publicou os “Cadernos CHDD”, que são publicações inéditas e divulgadas

em etapas. No ano de 2002, onde completava-se o centenário da posse de Rio Branco no

Ministério das Relações Exteriores, os Cadernos CHDD publicaram uma série de

Artigos Anônimos e Pseudônimos do Barão do Rio Branco.

Estes artigos foram endereçados aos principais jornais do Rio de Janeiro. Sabe-

se da importância que a mídia exerce, em termos de influência, sobre a sociedade.

Como o Barão não era apenas um diplomata, mas também um pensador utilizou-se

desta ferramenta, por intermédio de jornais, para conseguir despertar o apelo popular

para certos assuntos que lhe pareciam pertinente. Para esses jornais, escrevia artigos

anônimos e também, artigos em que se ocultava através de um pseudônimo. Nestas

publicações, pôde-se observar a liberdade de Rio Branco para falar sobre certos

assuntos, já que não se identificava na maioria deles.

Foram divulgadas, nos Cadernos CHDD, cinco coleções dos artigos anônimos e

pseudônimos, onde em cada coleção existe uma série de artigos do Barão.

Na primeira edição dos Artigos Anônimos e Pseudônimos do Barão, relata-se,

primeiramente, sobre uma questão de resposta a uma crítica feita ao Barão. Nesta

questão, identifica-se com um pseudônimo chamado “Nemo”.72 O autor desta crítica era

Miguel Lemos, diretor do Apostolado Positivista no Brasil. O Barão defende, neste

artigo, suas posições contrapondo as críticas advindas de Miguel.

Nesta mesma coleção, com o pseudônimo “Kent”, têm-se cinco artigos sobre a

questão do Acre, de dezembro de 1993 a janeiro de 1904. Finaliza-se com cinco artigos

a respeito da questão do “Panther”, conflito esse entre Brasil e Alemanha. O período dos

artigos sobre o “Panther” data-se entre 10 e 15 de janeiro de 1906.

Na segunda edição dos artigos anônimos e pseudônimos, publicaram-se dois

artigos. O primeiro trava-se do tema “A abolição da escravidão no Brasil”. Este artigo

72 (FRANCO, 2002)

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foi publicado por intermédio do jornal “Liverpool Daily Post”. Esse tema, devido aos

detalhes, dificilmente um editorial britânico teria acesso. O segundo artigo relatava a

respeito do conflito entre Brasil e Argentina, publicado pelo jornal “Jornal do

Commercio” de 26 de setembro de 1908.

Na terceira edição, publicaram-se artigos que foram expostos pelo “Jornal do

Brasil” em 1891 e 1892. Trata-se de relatos em que Rio Branco, com um novo

pseudônimo “Ferdinand Hex”, fala sobre Paris. São seis artigos de “Cartas de França” e

outros seis artigos, também dentro das “Cartas de França” relatando sobre a morte de D.

Pedro II.

Na quarta edição, expôs-se trinca e três crônicas de Rio Branco, assinadas por

“Nemo”. Essas crônicas foram publicadas entre 16 de Janeiro e 25 de dezembro de

1875. Nesta edição, o Barão ainda era deputado. Os temas diversificam muito. Relatou-

se a “questão religiosa, a quebra do Banco Mauá, as relações com a Argentina,

exposições de pintura, os cantores líricos que se apresentavam na corte, os espetáculos

de teatro ou do Alcazar”.

Na quinta e última edição, tem-se dois artigos publicados. O primeiro intitulado

“Limites da Guiana Francesa e da Guiana Holandesa”, publicado no Jornal Brasil em 14

de junho de 1891. O segundo trata-se de um comentário de Rio Branco a respeito da

decisão do czar da Rússia sobre as colônias americanas dos dois países.

Para efeito desta obra, dentre todos os Artigos Anônimos e Pseudônimos de Rio

Branco, escolheu-se, portanto, para detalhar e explanar, a primeira edição dos

“Cadernos CHDD”, especificamente nos cinco artigos em que retratasse o conflito no

Acre. E também, a segunda edição, especificamente, sobre a questão da abolição da

escravidão.

3.3 HISTÓRICO DO CONFLITO NO ACRE

O cenário econômico que se inaugurou em 1902, a partir da entrada de Rio

Branco no Ministério das Relações Exteriores, foi de um início de desenvolvimento.

Uma das exportações expressivas de crescimento foi a borracha. Em 1870, ganhava-se

182 libras esterlinas a tonelada, em 1911, esse valor tinha subido para 512 libras.73 Em

alguns momentos o ciclo da borracha chegou a ter 40% das exportações do Brasil.74 O

73 (LIMA, 2001)74 (GOMES, 2012)

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início do Século XX, para as relações exteriores do Brasil, principalmente com a

América Latina, era de definição das fronteiras. Um dos conflitos que deu ao Barão

credibilidade foi o impasse com a Bolívia e o Peru, a respeito da região do Acre.

Segundo Rubens Ricupero, o Barão não encontrou desafio tão grande como este. E

complementa também, que o Acre foi comparado ao Texas, devido às suas

semelhanças.

Terras povoadas por colonos de nação contígua, revolta armada contra a distante soberania central, autonomia e, em seguida, anexação ao país de origem dos revoltosos.75

A questão do Acre é única, devido o alto interesse material da região, uma

exploração considerável econômica e também, uma região já ocupada.76 Nela,

conflitavam-se três países: Bolívia, Peru e Brasil. A resolução do problema diplomático

foi feita em duas etapas. Primeiramente com a Bolívia, e depois com o Peru. Foi

também, uma oportunidade do Barão do Rio Branco usar do bilateralismo e não mais, o

arbitramento. Fato esse, que neste caso de arbitramento, não acreditava que seria de

bom proveito.77

Como o Brasil é um país continental, segundo Celso Lafer, e principalmente

cheio de recursos, muitos brasileiros ocupavam a região do Acre, para a extração do

Látex. O conflito estava no âmbito, em que essa região era boliviana, devido ao Tratado

de Ayacucho (1867), feito pelo então presidente boliviano, General Mariano Melgarejo

e o Imperador brasileiro, Dom Pedro II. Esse tratado acordava a soberania da região

para a Bolívia. O fato é que a região, desde 1869, estava desabitada. E pelo aumento da

importância da borracha para as exportações brasileiras, devido o excesso de demanda,

a região amazônica, em 1910, era o centro da extração, do mercado internacional, de

uma árvore originária da América do Sul, Hévea.78 Isso fez com que houvesse um

crescimento dos preços de produto.

Em 1877, ocorreu uma crise. Uma seca sobreveio à região do Nordeste

brasileiro, especificamente o Ceará. Por isso, os proprietários de seringais, que tinham

mão de obra da região do Nordeste, começaram a recrutar mais retirantes para a

extração da borracha. Isso fez com que houvesse uma migração de um número muito

75 (GOMES, 2012, pág.119)76 (GOMES, 2012)77 (GOES, 2013)78 (MUÑOZ, 2010)

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elevado para o Acre, a ponto de no final do século ter mais de sessenta mil brasileiros

habitando na região.79 Contratavam-se quatorze mil trabalhadores por ano, em razão da

altíssima mortalidade.80 Com esse fluxo de brasileiros na região, e com algumas

tentativas de controle sobre a região, tentativas essas fracassadas, a Bolívia decide

arrendar a região para uma empresa, o Bolivian Syndicate, em 1901. Essa empresa era

composta por britânicos e norte-americanos. Neste contrato, a empresa ficaria

responsável pela região em um prazo de trinta anos, em que, neste período, teriam pleno

poder de governo civil.81 Com esse arrendamento, os primeiros afetados foram os

seringalistas. Com o apoio da opinião pública, meios políticos e do governo federal do

Brasil, a notícia provocou uma revolta.82

Inseguros quanto ao reconhecimento de títulos de ocupação, inconformados com o pagamento de novos tributos e temerosos dos desdobramentos prováveis do monopólio aos investidores estrangeiros.83

Como retaliação ao arrendamento, o governo brasileiro proibiu, em agosto de

1902, a navegação do Amazonas dos portos e para os portos bolivianos. Assim ficara

insustentável o cumprimento do contrato de arrendamento.84 O governo Brasileiro não

almejava, e, portanto, rechaçava qualquer tipo de período neocolonialista nas Américas.

Feito a barragem de passagem, o Brasil ainda conseguiu, por intermédio de um

pagamento de cem mil libras esterlinas, que a empresa anglo-americana renunciasse

seus direitos no Acre.85 Diante de toda essa confusão, o Brasil ainda não considerava a

região em litígio. Aliás, considerava entre Bolívia e Peru. Este fato fez com que

houvesse um isolamento da opinião pública. Na verdade, a opinião pública não entendia

o motivo pelo qual o governo brasileiro não estava do lado dos seus nacionais.86 De

certa forma entende-se o governo e sua posição, pelo fato de não considerar o território

litigioso. O diferencial de Rio Branco é que ele trás o interesse nacional para a questão

do Acre.

79 (MUÑOZ, 2010)80 (GOMES, 2012)81 (MUÑOZ, 2010)82 (GOMES, 2012)83 (GOMES, 2012, pág.122)84 (GOMES, 2012)85 (GOE, 2013)86 (GOES, 2013)

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O sentimento público [...] era outro elemento que não podia deixar de ser tomado em consideração. Desde a minha chegada da Europa, observei que se manifestava unânime a simpatia nacional pelos nossos compatriotas que se batiam no Acre. A previsão se impunha de que aquele sentimento havia de avolumar-se tanto e tomar tal forma que seria impossível a um governo de opinião como o nosso assistir indiferente ao sacrifício que faziam esses brasileiros para conseguir um dia viver à sombra da nossa bandeira.87

Para Rubens Ricupero, uma das coisas que fez com que o Barão obtivesse êxito

na questão do Acre, foi declarar o território litigioso.88 Com isso, o Brasil estava no seu

direito, portanto, de negociar com a Bolívia a resolução do problema. Isso ocorreu, não

antes de duas tentativas militares de ocupação, por parte dos bolivianos, na região de

litígio. Isso fez com que tanto Rio Branco quanto o governo brasileiro, tivessem

prerrogativas para, de antemão, ocupar militarmente a região.89 Após isso, ficara

inevitável um acordo diplomático, visto que um conflito armado com o Brasil não era

aconselhável. Então, na cidade Petrópolis, as negociações dos dois governos

progrediam. Ainda que de forma lenta, pelo fato de que a Bolívia não aceitava a

proposta de compra do Acre e o Brasil não aceitava o desarme dos insurretos.90 Mas em

17 de novembro de 1903, foi pactuado o Tratado de Petrópolis. Onde o Brasil estaria

incorporando um território de cento e noventa e um quilômetros quadrados, e pagaria

uma indenização de dois milhões de libras esterlinas para a Bolivia e mais uma

construção ferroviária Madeira-Mamoré, que daria a Bolívia o acesso ao Oceano

Atlântico.91

Figura 1 – Tratado de Petrópolis

87 (GOMES, 2012, pág.128)88 (GOMES, 2012)89 (GOMES, 2012)90 (MUÑOZ, 2010)91 (GOES, 2013)

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Fonte: Cleber (2015)

Houve muitas controvérsias sobre a tomada de decisão de Rio Branco, a respeito

do Tratado. Dentre elas, a do então senador Rui Barbosa, que considerava que o Barão

havia cedido demais. Rui Barbosa fora chamado por Rio Branco para avaliar e pensar

sobre o projeto de solução da região. Outro foi Teixeira Mendes, líder positivista, que

achava que o Barão havia “espoliado” uma nação fraca. Enfim, já não havia mais

unanimidade a respeito do Barão.92

3.3.1 QUESTÃO COM O PERU

Como continuidade dos conflitos do Acre, o Peru foi o adversário mais

conflitante nesta área litigiosa. Não apenas reivindicavam o território do Acre, mas

também o sul do Estado do Amazonas.93 Com o tratado de Petrópolis, o Peru protestou.

A causa do protesto era que supostamente o Brasil teria comprado parte do conflito

entre Peru e Bolívia.94 O conflito entre seringueiros brasileiros e peruanos se agravou

muito em 1904. Foi dado a esta crise na região que o Barão do Rio Branco decide

92 (GOES, 2013)93 (GOES, 2013)94 (GOES, 2013)

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negociar a neutralização de duas áreas, territórios do Breu e do Cataio. Ambos situam-

se no alto Juruá e no alto Purus. Com a neutralidade, enviaram-se comissões mistas para

negociar de quem, de fato, eram as terras.95 Somente em 1909, o conflito é dado à

arbitragem Argentina, representada pelo seu Presidente. A sua decisão foi de dividir as

terras, o que não agradou nem um pouco a Bolívia. Naquele mesmo ano, o Barão do Rio

Branco e o Chanceler peruano Hernán Velarde, chegaram a um acordo a respeito das

áreas litigiosas, finalizando com um tratado que colocava limites amazônicos. O tratado

dava ao Peru toda a área neutralizada. Este território era aproximadamente de trinta e

nove mil quilômetros quadrados.96 E com isso, o Peru desistia de todo o resto da área

conflituosa. Esta área era de aproximadamente quatrocentos e três mil quilômetros

quadrados.97 A questão com o Peru foi o conflito mais longo da chefia de Rio Branco

como Ministro das Relações Exteriores. Um dos seus biógrafos, Álvaro Lins, menciona

que as questões com o Peru, por acarretar muito trabalho e um longo período, esta

resolução foi sua obra-prima.98

3.4 A QUESTÃO DO ACRE NOS ARTIGOS ANÔNIMOS E PSEUDÔNIMOS DE

RIO BRANCO

Nesta sessão, relatam-se as obras do Barão do Rio Branco. Nele estão contidos

cinco artigos, entre dezembro de 1903 e, janeiro de 1904. Usando pseudônimos, o Barão

tem mais liberdade para tratar dos assuntos pertinentes as fronteiras. Mais propriamente

dito, do caso da resolução do Acre.

3.4.1“A QUESTÃO DO ACRE E O TRATADO COM A BOLÍVIA I”

Com o pseudônimo “Kent”, Rio Branco relata muitos detalhes a respeito dos

conflitos com o Acre. Sendo um defensor da monarquia, mas amante do País, o Barão

começa o artigo esclarecendo e defendendo a República. Um propagandista, chamado

Martim Francisco Ribeiro de Andrada, criticava a República e a Questão do Acre. Dizia

que mesmo que as questões do Amapá e Missões pudessem ter erros, não havia sujeiras

95 (GOES, 2013)96 (GOES, 2013)97 (GOES, 2013)98 (GOES, 2013)

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por advir do Império.99 Mas já a questão do Acre, por ser resultado da República, era

indecente. Rio Branco lembra que, na verdade, o litígio contra o Acre começa no

Império, de acordo com o tratado de Ayacucho, de 1867.

As palavras que incitaram os artigos foram essas do Sr. Martim Francisco:

As questões do Amapá e Missões, diz o Sr. Matim Francisco, “vinham do Império: poderiam ter erros, não tinham sujeiras”“. A do Acre acrescenta, “vinha da República: era-lhe inevitável a indecência.100

A resposta de Rio Branco era clara:

Se isso era “sujeira”, vinha de muito longe, e não aos que a defenderam por sentimento de solidariedade governamental, mas sim aos que a criaram é que devam ser dirigidas as censuras do Sr.Matim Francisco.101

É fato que após o Tratado de Petrópolis, houve muitas críticas a respeito das

concessões feitas à Bolívia. Um deles, como já relatado, Rui Barbosa, contestou

veemente a liberalidade do Brasil em relação à Bolívia. Neste artigo, o Barão defende

incansavelmente a respeito das benesses que construção da ferrovia do Madeira ao

Mamoré, trará para o Brasil. Começasse lembrando que essa construção foi aconselhada

ainda na época do Império, por estadistas, incluindo seu pai, Visconde do Rio Branco.

Era, também, promessa feita, segundo o Tratado de 1867. Relembra que, um dos seus

referenciais, Dom Pedro II, apostava nesta construção como um interesse comum entre

Brasil e Bolívia. O então propagandista do jornal Commercio de S. Paulo, Martim

Francisco, discordava da construção, por achar que seria de muito gasto e, que somente

atendia os interesses bolivianos. Barão enfatiza a importância do Brasil se tornar um

Estado Independente, devido a essa construção ferroviária, das comunicações fluviais

através das Repúblicas do Paraguai e Argentina.

Eis que o que o colaborador do Commercio de S.Paulo supõe ser uma via férrea dispendiosa, destinada a proteger os interesses comerciais da Bolívia, sem atender a que ela vai servir também aos de Mato Grosso, e , salvando as cachoeiras do Madeira e do Mamoré, tornar esse Estado brasileiro independente da comunicação fluvial através das Repúblicas do Paraguai e Argentina. Por tudo isso, dizia o Imperador D.Pedro II, no preâmbulo do tratado de 1882, que a estrada seria feita no interesse comum do Brasil e da Bolívia.102

99 (RIO BRANCO, 2002)100 (RIO BRANCO, 2002, pág.21)101 (RIO BRANCO, 202, pág.21)102 (RIO BRANCO, 2002, pág. 23)

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Era importante salientar, como bem fez Rio Branco no artigo, que a construção

seria custeada principalmente pelo comércio da Bolívia. E a facilidade de travessia, não

mais somente a barcos, de Belém do Pará ao Chile ou Peru, se tornaria uma via

intercontinental.

O Tratado de Petrópolis também menciona um pagamento pelo território

ocupado, e a cessão do território nacional. A visão de Paranhos Júnior é um tanto

diferente a respeito da opinião crítica de muitos da opinião pública. Ele não via como

uma cessão de território, mas sim, como uma permuta de territórios. Reconhecia a

discrepância e a desigualdade desta permuta, por isso, explica a compensação em

dinheiro que o Brasil iria dar ao governo boliviano.

É impróprio falar em cessão de território nacional quando o que há, pelo tratado, é uma permuta de territórios, permuta que, por ser sumamente desigual, explica a compensação em dinheiro com que o Brasil deve entrar.103

Transferiria à Bolívia três mil cento e sessenta e quatro quilômetros quadrados e

receberia cento e noventa e um mil quilômetros quadrados. Essa área de transferência

era insignificante, na visão do Barão, por ser, na sua maioria, uma área desabitada, e

pela sua maior parte coberta de água. Já a parte recebida, era rica em produtos naturais

e, principalmente, habitado por aproximadamente sessenta mil brasileiros. Por serem tão

desiguais às proporções de transferência e recebimento, é que o Brasil pagou ao governo

boliviano dois milhões de libras esterlinas. O Barão faz questão de explicar, também, o

pagamento ao Bolivian Syndicate, de cento e doze mil libras esterlinas. Menciona que

diferentemente da Bolívia, não havia uma operação entre compra de direitos ou de

territórios, mas sim, um sacrifício que o governo brasileiro tomou para que a relação

entre a Bolívia se findasse em um final amigável e, principalmente, para bloquear

qualquer vínculo de apoio estrangeiro que a Bolívia poderia ter.

O território em litígio era reconhecido como boliviano, de acordo com o tratado

de 1867. Mas o autor, “Kent”, relata a legitimidade e a legalidade da negociação

bilateral com a Bolívia. A obtenção do território foi por meio de compra. E, portanto,

não havia quebra de leis. Mas era claro que, para uma compra desse porte, haveria

transferência de pedaços de terra. Era isso que muitos homens influentes, como o então

senador Rui Barbosa, nem o senhor Martim Francisco, entendiam. Para o senhor

103 (RIO BRANCO, 2002, pág. 24)

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Martim, era incompreensível o Tratado de Petrópolis pelo fato de o Império nunca ter

cedido território.

O Barão pensava da seguinte forma:

Se nessa combinação não entrássemos também com a transferência de alguns insignificantes pedaços de terra, se pretendêssemos que deve ser amaldiçoado o que cede uma polegada de território nacional, mesmo em troca de região considerável e rica, como seria possível convencer a Bolívia de que nos devia abandonar mais da oitava parte do que considerava seu patrimônio nacional?104

Como um excelente estudioso de história, o Barão faz uma explanação única a

respeito do Império. Foi cedido, de forma generosa, segundo o autor, território, por

meio de tratados de limites, com: Peru (1851), Uruguai (1853), Venezuela (1859),

Bolívia (1867) e Paraguai (1872). Relembra o conflito com a França, a respeito do

Amapá, onde o Império ofereceu território à França, para por fim ao litígio da região. E

mais uma vez, considerava, não como uma cessão, mas como uma permuta, e se muito,

uma cessão mútua. Essa permuta era autorizada, de acordo com o artigo quinto do

tratado de 1867. E, também, no tempo do Império, era permitida a cessão de territórios

através da aprovação da Assembleia Geral Legislativa.

Já no fim do artigo, Rio Branco deixa uma reflexão muito ímpar. Como resposta

às críticas de Martim Francisco, o Barão levanta um pensamento. Esse relato segue o

raciocino de que, no Império, onde não houve ampliação de território, mas sim, perdas,

era lícito ceder territórios.

Durante os sessenta anos do regímen passado, o território nacional não teve aumento algum, pelo contrário, em todos os ajustes citados renunciamos a terras a que, pela aplicação do princípio do uti possidetis, tínhamos direito e sofremos até, pelo tratado de 27 de Agosto de 1828, a desagregação da Província Cisplatina, depois República Oriental do Uruguai, isto é, a perda de 187.000 quilômetros quadrados, extensão territorial - seja dito de passagem - quase equivalente à que pelo Tratado de Petrópolis vamos agora incluir dentro dos limites do Brasil...105

Na República, quando houve ampliação de território, de forma totalmente

diplomática, sem uso de força, ceder território tornara-se algo condenável.

104 (RIO BRANCO, 2002, pág. 26)105 (RIO BRANCO, 2002, pág. 27)

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3.4.2 “A QUESTÃO DO ACRE E O TRATATO COM A BOLÍVIA II”

Também com o pseudônimo “Kent”, Rio Branco inicia o artigo criticando de

forma sólida a política e os jornais. Para ele, os que estavam perturbando a paz pública,

não eram patriotas, mas sim, faziam por interesse ao partido. Relatou, também, que os

mesmos que estavam o aplaudindo, eram os mesmos que, após o Tratado de Petrópolis,

levantavam contra ele críticas excessivas. Discorre a respeito de um importante tema

sobre política externa. Onde questões de conflitos com um país estrangeiro se tornam

questões, naturalmente, nacionais.

Em outros países, onde em todos os círculos da política e da imprensa se tem melhor compreensão de patriotismo e dos interesses da causa pública, as questões com o estrangeiro são consideradas sempre questões nacionais.106

O que, na época, o Barão considerava o Brasil sem o entendimento, de forma

completa, de patriotismo. Para ele, a política brasileira era de uma anarquia mental.

Onde pensava-se em partido e não em Estado. Dando exemplo de ministros franceses

que permaneciam em gabinetes sucessivos, em diferentes mandatos, coisa improvável,

na visão do Barão, no Brasil.

Foi alvo, neste artigo, de críticas aos jornais. Segundo o autor, não eram fiéis as

notícias verdadeiras e assim, influenciavam a população. A respeito da compra do Acre

e da compensação, devido a permita desigual, o Barão relata que os jornais sabiam,

desde o começo, sobre esta compra. E desde o começo, não se manifestaram de forma

contrária a isso. Mas ao final das negociações, esquecendo-se daquilo que já se sabia,

começaram a divulgar notícias falsas a respeito do Barão do Rio Branco sobre a questão

da compra do Acre.

A incoerência das informações era algo que incomodava o Ministro das

Relações Exteriores. Um dos jornais da época, “A Notícia”, divulgou que o pagamento

de cem mil libras esterlinas para o Sindicado Boliviano era uma compra de direito

ilíquido. Já que no artigo anterior, foi-se explicado, pela visão do Barão, que não houve

compra de direitos, não se faz necessário uma segunda explicação. Mas a incoerência

está em que, meses antes, este mesmo jornal elogiava a posição do governo de eliminar

o Sindicato anglo-americano nas negociações. Outro jornal, o condenava pela

intervenção militar no Acre, dizendo que a forma diplomática havia fracassado. Esta

106 (RIO BRANCO, 2002, pág.29)

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intervenção, explica o autor, foi de cunho protetivo aos cidadãos brasileiros daquela

região.

Como resposta à um dos jornais, “Correio da Manhã”, Barão mencionou, usando

o seu pseudônimo, a inconsistência do argumento contra a intervenção:

Agora, censura o Governo porque mandou tropas para o Acre com o fim de impedir que fossem esmagados “os nossos irmão oprimidos”, que continuassem eles a ser “tratados à bala e à faca”, e que pudessem ser exterminadas por forças estrangeiras, quando - como declarou, em documento público, o Barão do Rio Branco - se queríamos adquirir aquela região, não era pelo valor da terra em si, mas para que passassem a viver sob proteção da bandeira e das leis de sua pátria os brasileiros que a povoam. 107

Mais uma vez, para complementar a incoerência, traça o paralelo com os

tempos do Império, quando em 1864, brasileiros estavam sendo vítimas de retaliações

no Paraguai. Neste caso, o exercício não demorou a entrar em um Estado vizinho.

Agora, dizia o autor, na República, em um estado litigioso, onde brasileiros estavam

sendo maltratados, certos de que estavam em território brasileiro, a pátria não iria

defendê-los. Essa era a visão do Barão a respeito da intervenção Militar no Acre, que

fez com que os bolivianos se afastassem, eliminando assim, a possibilidade de uma

guerra.

Encerra-se este artigo, novamente, com uma crítica a falta de patriotismo e

disseminação de incoerências por parte dos jornais. Permuta de territórios e intervenção

militar eram assuntos, que antes de acontecer, eram apoiados, mas depois do ato

realizado, se tornaram opositores radicais.

3.4.3 “A QUESTÃO DO ACRE E O TRATADO COM A BOLÍVIA III”

Neste artigo, o Barão do Rio Branco, disserta a respeito do motivo de não optar

pelo arbitramento, na questão do Acre com a Bolívia. Após um propagandista Rocha

Pombo, levantar a questão de arbitramento como sendo a melhor solução, o autor se

posiciona de maneira contrária. Para ele, naquela situação de conflito e de perigos, o

arbitramento levaria meses, talvez de cinco a seis anos, e durante esse tempo, a situação

no Acre se agravaria. Outra questão é a incerteza de vitória, devido ao território, que

soberanamente, era boliviano.

107 (RIO BRANCO, 2002, pág.36)

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Nas palavras do Barão...

Quantos anos durariam essas duas campanhas, a da quarta exploração da nascente do Javari e a do processo arbitral até a assinatura do laudo”? Pelo menos uns cinco a seis. E quantas complicações e quantos perigos poderão surgir durante tão largo período com os levantes dos povoadores brasileiros dessas regiões, os conflitos entre eles e os bolivianos do Orton e Madre de Diós e as instruções peruanas?Demais, que certeza poderíamos ter de que sairia vencedora perante qualquer juiz imparcial uma interpretação que o Governo brasileiro só começou a dar princípios deste ano, cabendo à Bolívia o fácil papel de defender, contra essa recente interpretação, a outra que o mesmo Governo brasileiro havia mantido invariavelmente durante trinta e cinco anos e afirmando em numerosos documentos oficiais?108

Assim, o Brasil, na visão do autor, estaria sacrificando milhares de

compatriotas, que estavam sendo maltratados “à bala e à faca”.109 Vale ressaltar, a

observação de Rio Branco, em que, durante o processo arbitral, a angústia do povo

levaria a gritos de revolta e de possível guerra, contra a forma de tratamento boliviana

para com os brasileiros. E todos aqueles que eram a favor do arbitramento, vendo a

guerrilha, se tornariam opositores, contra o arbitramento. Admitiriam que com essa

opção, o Brasil não levaria nada além do caos.

Iríamos ao arbitramento abandonando todos os proprietários brasileiros e seus empregados residentes na zona ao sul do paralelo 10° 20’, sacrificando milhares dos “nossos irmãos oprimidos”, que ali continuariam a ser “tratados à bala e à faca”, como dizia o Correio da Manhã. Durante o processo arbitral ouviríamos o grito de angústia desses nossos compatriotas; logo depois, os seus gritos de revolta e de guerra - contra o jugo estrangeiro. Então, os mestres de patriotismo que agora dizem ser uma inépcia a grande aquisição territorial que o Brasil vai fazer, clamariam contra o recurso ao arbitramento e contra o abandono dos “nossos irmãos oprimidos”. Diriam dessa vez com razão, que, pelo arbitramento, nada conseguiríamos resolver e que todas as dificuldades continuavam de pé.110

Devido a tudo isso, para o autor, o Tratado de Petrópolis era a melhor decisão.

Esse tratado iria pôr fim os conflitos e protestos no Acre. Para ele, o arbitramento, na

melhor hipótese, seria “demorada e deficiente”.111

A região do Acre era, e permanece sendo, rica em recursos naturais. Para o

autor, os opositores do governo, quando o Acre estava em posse estrangeira era motivo

de ambição. “Kent” enaltecia uma publicação onde o autor dizia que a questão do Acre

108 (RIO BRANCO, 2002, pág.40)109 (RIO BRANCO, 2002)110 (RIO BRANCO, 2002, pág.41)111 (RIO BRANCO, 2002)

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não era uma questão amazonense, mas sim, uma questão brasileira. É nítido, nas

postagens de Rio Branco, ver que, acima de tudo, lhe cabia o título de patriota. Alguns

achavam que o Acre somente seria anexado ao Brasil, por intermédio de guerra, mas

para Rio Branco, o Tratado de Petrópolis era a ferramenta que fecharia a porta da guerra

e abriria a possibilidade de resolução pacífica. Os opositores, segundo o autor, que

antes, achavam o Acre belíssimo, não o achavam mais, pelo fato de estar anexado,

mediante ao Tratado, ao Brasil. Assim, finaliza o artigo, de forma dura, criticando os

opositores de serem mais bolivianos do que os próprios bolivianos. E, desta forma,

preferiam criticar o Tratado e deixar, portanto, os brasileiros sendo tratados “à bala e à

faca”,112 pelos bolivianos. Para Rio Branco, o patriotismo deveria estar muito acima de

qualquer regionalismo e de qualquer oposição.

3.4.4 “A QUESTÃO DO ACRE E O TRATADO COM A BOLÍVIA IV”

Especificamente, neste artigo, o Barão do Rio Branco, ainda com o pseudônimo

“Kent”, oferece uma explanação de direito internacional e de história política. Ainda

nos protestos contra o Tratado de Petrópolis, o autor cita doze frases contrárias ao

Tratado. E a que merece destaque são duas citações. A primeira diz que o tratado “é a

vergonha de dois povos. Não é um ato diplomático e sim uma vergonha transação de

compra e venda em grosso.” 113 A segunda diz “O que se fez agora não é um tratado,

não é um contrato: é antes uma escritura de negócios...”114. Este último é um artigo

escrito pelo senhor Rocha Pombo, um propagandista.

Começa, então, explicando a legitimidade, no direito internacional, de aquisição

derivativa.

Mui poucos versados em direito internacional e em história política d diplomática são os que escreveram tais coisas. Não necessitamos de recorrer a jurisconsultos estrangeiros para mostrar que é muito regular e legítima, em direito, a aquisição derivatives que o Brasil vai fazer, e muito usual, nas relações internacionais, a transação a que chegaram os dois governos, do Brasil e da Bolívia. Temos prata de casa.115

112 (RIO BRANCO, 2002)113 (RIO BRANCO, 2002, pág.45)114 (RIO BRANCO, 2002, pág.45)115 (RIO BRANCO, 2002, pág.47)

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Usa artigos dos Princípios de Direito Internacional do Conselheiro Lafayette

Rodrigues Pereira, e indaga aos leitores, que decidam em quem confiar. Ou em

princípios de direito internacional, ou em uma opinião de jornal local.

Os nossos leitores decidirão entre a recente opinião do Correio da Manhã, de um lado, e do outro, a autoridade de Lafayette Rodrigues Pereira e de uma centena de outros mestres ou expositores do direito internacional que poderiam ser citados.116

Assim, mostra os países europeus que fizeram tratados de cessão, permuta e de

compra e venda de territórios. Cita Piemonte e França, em 24 de março de 1860.

Espanha e Alemanha, fevereiro de 1899. Cita, também, sete presidentes norte-

americanos que fizeram tratados desse tipo. São eles: Thomas Jefferson, James Monroe,

John Tyler, James Polk, Franklin Pierce, Andrew Johnson e Mackinley. Sendo no total

americano, até aquele momento, cinco tratados de compra e venda, um tratado de

permuta desigual, resultando em um adicional de pagamento, um tratado de limites que

resultou em permuta de territórios e um tratado de divisão de território em litígio.

Assim, defendendo o Tratado de Petrópolis, Rio Branco compartilha dos seus

conhecimentos de história e diplomacia, esclarecendo assim, a legitimidade do acordo.

Em um adicional do seguinte artigo, intitulado “O Tratado de Petrópolis”, o Barão

menciona que o Governo e o Congresso, em um Estado Federal, tinham autoridade, não

apenas de ceder territórios nas fronteiras, mas também, se assim necessitasse, de ceder

até um Estado inteiro. Essas medidas seriam extremas, para a salvação pública e pelo

interesse da nação.

Aos que se espantam de que o Governo de um Estado Federal e o Congresso dos Representantes de uma Nação assim constituída, sem consulta prévia aos Cantões ou aos Estados particulares, formadores da União, dispunham de pequenas nesgas de território nacional, bastará afirmar por hoje que o Governo e o Congresso em um Estado Federal tem o poder de ceder não só trechos de território nas fronteiras, mas até um Estado Inteiro, em casa extremo, como medida de salvação pública ou no interesse da toda a Nação, como ensinam jurisconsultos dos Estados Unidos da América.117

116 (RIO BRANCO, 2002, pág.48)117 (RIO BRANCO, 2002, pág.54)

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3.4.5 “CENSURAS PLATINAS”

Este artigo, e último da cessão sobre a questão do Acre, é o mais diferente de

todos. Abrangem-se outros conteúdos que não somente o Acre. Como resposta a uma

publicação feita em um Jornal de Buenos Aires chamada “La Prensa”, o Barão

responde, de forma clara, os objetivos do Brasil, para aquela época.

O primeiro assunto a ser tratado foi o rearmamento naval brasileiro, algo que

incomodou o governo argentino. Para eles, deveria haver um equilíbrio naval da

América Latina, o que se tornava impossível com o rearmamento brasileiro. Mas o

artigo de Rio Branco tenta explicar que desde a independência o Brasil sempre foi a

primeira potência naval da América Latina. E mesmo assim, nunca foi motivo de

ameaça ou perigo para a Argentina. Por razões de guerras internas, o Brasil precisou

fortalecer a marinha e o exército.

O Barão expõe um pensamento muito realista a respeito da América Latina.

Relata a importância de Brasil, Argentina e Chile se unirem para o benefício da região.

Esperava que em meio século, devido às obras de paz na região, a tríade se tornasse rica

e próspera.

Na previsão de futuros perigos, é conveniente que as três maiores Repúblicas da América do Sul - o Brasil, a Argentina e o Chile - se ponham em bom pé de defesa. Mais importante, porém, é que, pelas obras de paz, dentro de meio século, elas sejam três grandes e poderosas nações, prósperas e ricas. 118

Já é de conhecimento histórico o interesse que Rio Branco tinha para o ABC, já

que foi um dos precursores. Deixa claro o desejo de Aliança entre os países.

Outro assunto trazido pelo diplomata é a questão da embaixada brasileira em

Washington. Esse era mais um ponto que incomodava a República Argentina, por achar

que o Brasil pretendia uma hegemonia no continente. Achava-se, segundo o jornal de

Buenos Aires, que esta embaixada brasileira, em Washington, era uma ofensa à todas as

outras Repúblicas da América Latina. Tratavam essa situação como “inferioridade

representativa em Washington”.119 A embaixada nos Estados Unidos, foi de fato um

grande passo diplomático para o Brasil. Foi o primeiro país da América Latina a ter uma

embaixada nos EUA. A posição do Barão sobre esse tema é bem clara. Para ele, a

118 (RIO BRANCO, 2002, pág.57)119 (RIO BRANCO, 2002)

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disseminação de uma revolução era impensável, até porque, segundo ele, quando se

exporta uma revolução, dá-se a oportunidade para se criar uma dentro.

La Prensa vê no nosso projeto de lenta reconstituição naval e na criação da embaixada brasileira em Washington a pretensão de firmar a nossa hegemonia no continente. Atribui-nos aquilo que ela deseja para o seu país e que nunca pretendemos. Não andamos procurando influir na vida interna ou na política dos povos vizinhos. O Brasil não exporta revoluções para os outros países do continente, não só porque alimenta na própria casa o espírito revolucionário, mas também porque os continuados pronunciamentos e guerras civis desacreditam esta parte do mundo e fazem falar, na Europa e nos Estados Unidos, das “turbulentas repúblicas da América do Sul”.120

Com um tom provocativo, em relação ao jornal argentino, o autor indaga se era

necessário pedir licença para a Argentina para “corresponder à fineza da nossa grande

irmã do norte.”121 O raciocínio é fechado com o entendimento de que nenhuma nação se

torna inferior ou superior, em razão de ter um representante, seja um ministro residente

ou um embaixador. E deixa claro, o autor, que em relação à hegemonia regional, o

Brasil não estaria interessado em disputa com a Argentina.

A falta de imparcialidade do jornal argentino é algo que, neste artigo, Rio

Branco ataca bastante. Volta, então, a falar sobre a Bolívia e, também, do Peru. Para o

autor, a questão com a Bolívia estava findada e não havia mais o que se dizer, até

porque, a nação boliviana teria ficado satisfeita com “as grandes e valiosas

compensações que lhe demos para salvar nossos nacionais da dominação estrangeira e

para livrá-los dos estéreis sacrifícios que andava a fazer no Acre”.122

Mesmo que, pela época da publicação que datava 18 de janeiro de 1905, o autor

esperava uma resolução pacífica e honrosa com o Peru. Mas apesar disso, não poderia

deixar de mencionar que as exigências do Peru eram “tão extraordinárias e

exageradas.”123

Findando o artigo, Rio Branco, de forma harmoniosa, deixa claro que a maneira

com que o Brasil se porta em relação aos assuntos, é de única e exclusiva

responsabilidade do Brasil. Nenhum jornal ou nação ditaria as leis dentro do Brasil.

Não agimos senão estritamente dentro das nossas faculdades de nação soberana; e qualquer que seja a preeminência que La Prensa reivindique para

120 (RIO BRANCO, 2002, pág.57)121 (RIO BRANCO, 2002)122 (RIO BRANCO, 2002)123 (RIO BRANCO, 2002)

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a República Argentina, forçoso lhe será reconhecer que ela ainda não chegue ao extremo de nós ditar a Lei dentro to de nossa casa.124

3.5 HISTÓRICO DA ESCRAVIDÃO ATÉ SUA ABOLIÇÃO

Um Jesuíta de nome André João Antônil, no século XVIII, escrevia que “os

escravos são as mãos e os pés do senhor de engenho, porque sem eles no Brasil não é

possível fazer, conservar e aumentar a fazenda, nem ter engenho corrente.”125 Os negros,

em geral, trabalhavam na agricultura, e, também, nos serviços domésticos. Esses

últimos eram considerados os “mais sociáveis”.126 Era comum um negro trabalhar 14 ou

16 horas. No século XIX cresceu o número de negros de ganho e de aluguel. O primeiro

grupo trabalhava na rua, dividindo o lucro com seus senhores. O segundo grupo eram

alugados para serviços à terceiros.127 Alimentavam-se mal e vestiam-se mal.

Aos negros, cabia-se a forma de montar estratégias para as suas próprias

sobrevivências. Os quilombos eram exemplo disso.128

Desse modo, a presença do negro na sociedade escravista brasileira não pode ser medida apenas pela influência na criação de hábitos e pela participação no trabalho e na formação da cultura nacional, mas também por sua atuação quotidiana no processo penoso e difícil de conquista da liberdade e de recuperação de sua identidade.129

A Abolição dos escravos foi um processo. Processo esse que foi longo. Desde a

colonização têm-se notícias da formação dos quilombos, regiões em que negros fugidos

vivam. Este fato trás evidências, desde os tempos passados, de uma formação de um

novo grupo social.130 O desejo da liberdade, da parte dos negros, sempre fez parte da

história, desde o seu início.

De fato, existem muitos atos, durante a história da abolição, que poderiam ser

ditos. Mas é necessário fazer menção às datas mais significativas, no século XIX, que

contribuíram para o fim de um era de escravidão. A primeira delas, é a Lei que dava fim

ao tráfico de escravos, em 7 de novembro de 1831, que declarava livre todos os

escravos vindos de fora do Império. Havia motivos humanitários para o fim do tráfico

124 (RIO BRANCO, 2002, pág.59)125 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, pág.9)126 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)127 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)128 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)129 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, pág.12)130 (MENEZES, 2009)

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de escravos, pela forma cruel em que submetiam os escravos. Mas como bem observou

Joaquim Nabuco: “É irrisório pensar que tivéssemos podido, sem o terror do cruzeiro

inglês”.131 A Inglaterra se tornou uma opositora dessa prática. Os motivos que levaram à

oposição são essencialmente, de cunho econômico.132 Antes da revolução industrial,

havia uma proporção de 800 mil escravos e apenas 150 mil homens livres. Após a

revolução, e com o aumento da produtividade, o trabalho escravo passou a ser

“anacrônico”.133

Já no Brasil, a pressão inicia-se em 1810 com o Tratado de Aliança e Amizade,

assinado por D. Joao VI. Em troca de apoio inglês, o governo britânico, dentro de todas

as suas exigências, demandou, também, o fim gradual do trabalho escravo e a limitação

do tráfico.134 Já após a Independência, com o Brasil precisando do reconhecimento

inglês, no ano de 1826, a Inglaterra estipularia, como condição ao reconhecimento, um

prazo de 3 anos para o fim do tráfico de escravos, após a sua ratificação, o que ocorre

em 1827.135

Neste específico ponto, a Inglaterra tem um papel fundamental. Devido às suas

pressões para o fim do tráfico, foram feitos, antes da independência, onze atos contra o

tráfico. Datam desde 1810 a 1819. E, após a independência, mais três atos, entre eles a

Lei de 1831.136 Esta data é significativa diante dos tratados.

Entretanto, mesmo com a intenção da Lei de 1835 de dar fim ao tráfico, ela

acabou provocando a intensificação do mesmo, sem que o governo pudesse evitar.137

Diminuiu-se o preço dos escravos na África e aumentou-se os preços no Brasil, o que

fez com que ocorresse uma demanda maior de importação. Devido a esse desequilíbrio

econômico, passou a existir até mesmo manuais. Estes manuais tinham como base a

resposta de “como fazer para que ‘durem mais’”.138 Neste período tem-se uma crise

forte de mão de obra. Por esse motivo há uma intensificação ao tráfico interno de

escravos, principalmente nas regiões do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.139

Foi nessa época, também, que optou-se, devido à crise de mão de obra, ao trabalho

131 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, pág.29)132 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)133 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)134 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)135 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)136 (MENEZES, 2009)137 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)138 (MENEZES, 2009, pág.89)139 (MENEZES, 2009)

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voluntário. Pensou-se, então, em utilizar os imigrantes. Mas a visão, que os fazendeiros

tinham, era que, eles, eram “preguiçosos e desordeiros - ‘a ralé da Europa’.”140

Para muitos, essa era uma lei “para inglês ver.”141 As relações do Brasil com a

Inglaterra, nas décadas de 30 e 40, do século XIX, não eram boas. Apesar desses pontos,

após a ascensão de D.Pedro II ao poder, as pressões a favor do combate ao tráfico se

intensificaram. Em 1845, o governo inglês aprovou para si o Bill Aberdeen. Legalizava-

se o direito de aprisionar os navios brasileiros que estivessem traficando escravos e

julgar os responsáveis.142 Para Joaquim Nabuco isso era “um insulto à nossa dignidade

de povo independente.”143

Não havia mais como o governo Imperial adiar uma solução sobre o problema

do tráfico. Então, em 1850 é aprovada outra lei, que é significativa para o

desenvolvimento da abolição, chamada “Lei Eusébio de Queiroz”. Esta lei veio para

combater o tráfico clandestino. Mas apesar disso, nada era discutido sobre a abolição da

escravidão.

A partir de 1850, com a eficácia crescente da repressão ao tráfico, há uma queda no debate sobe “questão servil”, sobre a necessidade de extinguir a escravidão. Era como que o Brasil, aceitando sua “vocação agrícola”, aceitasse também uma “vocação escravocrata”.144

Diante deste cenário, pós 1850, a escravidão era ainda vista como algo natural.

Não há registros de debates sobre o assunto.145 Desde a década de 50 até a década de 60,

a luta para o fim da escravidão ficaria sobre responsabilidade dos próprios negros

escravos.146 Mas, em função dos conflitos externos, especificamente nos Estados Unidos

da América sobre o fim da escravidão, na década de 60, o Brasil, representado por

Pimenta Bueno, elaborou um projeto chamado “emancipação do Ventre Livre”147

Como a guerra do Paraguai estava eminente, o governo brasileiro pensaria sobre

a proposta somente após o conflito armado resolvido. Esta guerra deixou o Brasil em

uma situação delicada a respeito da abolição, pelo fato de nos exércitos da Argentina e

do Uruguai, que estavam combatendo o Paraguai de maneira conjunta, haver negros

140 (MENEZES, 2009, pág.89)141 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)142 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)143 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, pág.32)144 (MENEZES, 2009, pág.89)145 (MENEZES, 2009)146 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)147 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)

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livres e não somente isso, mas de ajudar, de uma forma eficaz, a vitória da guerra.148

Então, fora do parlamento, os debates sobre abolição iniciaram-se, principalmente em

Recife e São Paulo, nas universidades de Direito. Neste processo de debates, estavam:

Luís Gama, José Bonifácio, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e Castro Alves.149 Inclusive,

José Bonifácio, criou um jornal, cujo nome era “O abolicionista”.

Com o fim da Guerra, o governo reiniciava o debate a respeito da “Emancipação

do Ventre Livre, mas que passou a ser chamada de “Lei do Ventre Livre”“. Esta lei

declarava livre todos os nascidos de Ventre escravo, e também regulamentava outras

formas de liberdade.150 No início, a Lei enfrentava uma série de oposições, dentro e fora

do Parlamento.

Por fim, a Lei do Ventre Livre é aprovada e foi presidida pelo conservador José

Maria da Silva Paranhos, pai de Rio Branco.151 Foi promulgada em 28 de setembro de

1871. Esta Lei deu ao Brasil, um espírito antiescravista.152 Muitos movimentos se

intensificaram tanto no parlamento, na campanha popular, quanto em incentivos à fuga

dos escravos.153 Os movimentos sociais cresceram de maneira exorbitante na década de

80, no século XIX. Estados brasileiros se mobilizam em favor da causa abolicionista.

Sobre isso, deve-se destacar o Ceará. Os grupos dominantes, nesta região, haviam

diminuído o interesse de sustentar o sistema escravista.154 Em, 1880, os jangadeiros

fecharam os portos, impedindo o tráfico de escravos para o Sul do país e em 1883, ainda

no Ceará, surge um programa de libertação de escravos. Em 1822, em São Paulo, houve

uma grande revolta de escravos.155 Com as mobilizações de outras províncias como, Rio

Grande do Sul e Amazonas, o Império era impelido a agir em relação a essas

mobilizações. Foi neste contexto que, em 1884, surgiu o projeto, elaborado por Rui

Barbosa, conhecido como “Lei dos Sexagenários”, que foi promulgada no ano

seguinte.156 Esta lei pretendia a extinção gradual da escravidão. Mas principalmente a

libertação dos escravos de mais de 60 anos ou mais.

148 (MENEZES, 2009)149 (MENEZES, 2009)150 (MENEZES, 2009)151 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)152 (MENEZES. 2009)153 (MENEZES, 2009)154 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)155 (MENEZES, 2009)156 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)

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Em 1886, causada por duas mortes de quatro pessoas, que foram submetidas a

300 açoites, a campanha abolicionista conseguiu a proibição do açoite.157 Já em 1887, o

então presidente do Clube Militar, Marechal Deodoro da Fonseca, apresentava à

Princesa Isabel que “poupasse o Exército da ‘humilhante tarefa’ de perseguir

escravos”.158 Os escravos começavam, a fugir e não sofrer perseguição do exército, e,

também, os trabalhadores livres começaram a esconder os negros fugidos e os

transportarem.159 Bairros inteiros liberavam seus escravos. Dentro deste cenário, via-se

então que a mão de obra livre tornara-se mais rentável. E finalmente, em 13 de maio

1888, a abolição se tornou um fato, e a vitória se realizava ainda mais com o

conhecimento de que não haveria indenização por parte do governo.160 Princesa Isabel

sancionava a Lei Áurea, que obtinha, em dois artigos, os dizeres: “É declarada extinta a

escravidão no Brasil e Revogam-se as disposições em contrário”.161

3.5.1 A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL

Este tema é, ainda, muito relevante em debates, principalmente, acadêmico.

Quando se fala a respeito da identidade nacional brasileira, um dos pontos a serem

trabalhados é a escravidão. E a forma com que o Barão do Rio Branco aborda essa

questão é de uma maestria única. Ele, um estadista brilhante, ainda construindo, na

época, como cônsul em Liverpool, uma carreira política e diplomática, fez uma

contribuição à sociedade ao escrever sobre esse tema, que em 1888 chegava ao seu fim.

Fala-se muito sobre a questão das fronteiras onde, de maneira ímpar, Rio Branco

é aclamado. Mas o fato é que, não apenas, sendo um Estadista, Paranhos Júnior era

também um pensador influente. Neste artigo, mostra toda a sua capacidade de

abrilhantar e honrar a forma com que, de acordo com o seu ponto de vista, a sociedade

se comportou, após a lei do ventre livre, para a abolição da escravidão.

É verdade que desde 1876, o Barão já não estava mais no Brasil. Mas como um

verdadeiro patriota, não se desvinculava dos assuntos tão importantes da sua nação.

Então, no dia 29 de junho de 1888, o “Jornal do Commercio”, publicou um artigo de

Rio Branco, sendo um editorial de um jornal inglês chamado “Liverpool Daily Post”, do

157 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)158 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, pág.40)159 (MENEZES, 2009)160 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)161 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, pág.40)

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tema da abolição da escravidão. Sem assinatura, sabe-se a comprovação de autoria,

mediante uma correspondência de Gusmão Lobo com o Barão, onde Gusmão menciona

e elogia o artigo de Rio Branco.

De forma detalhada, o autor começa relatando de uma data importante: 18 de

Maio, 1888. Já não havia mais escravos no Brasil. Assim, seguindo as leis de voto, no

dia 10 de maio, a decisão do Congresso Nacional de votos foi de 9 contras, apenas, de

um número total de 125 deputados. Depois, no Senado, em uma sessão de domingo, do

dia 13, tendo apenas 6 votos contrários, de um total de 60 membros, o projeto estava

sendo aprovado e sancionado, no mesmo dia, pra Princesa Imperial Regente, D. Isabel.

Projeto este que decretava a emancipação dos escravos de forma imediata e

incondicional.

Mas, a vitória em 1888, fora algo construída anos antes. Dando ênfase em 1866,

o Barão menciona que os primeiros projetos a respeito da emancipação dos escravos no

Brasil, foram feitos por um estadista chamado Marquês de S. Vicente. Este apresentara

ao Imperados D. Pedro II, trabalhos a respeito deste tema. Mas como o Brasil, naquela

época, estava envolvido com a guerra do Paraguai, que teve a duração de cinco anos, a

orientação do Imperador, que Rio Branco faz questão de mencionar que recebeu os

projetos de forma favorável, era que esperasse o findar da guerra para retornar aos

projetos da emancipação. A guerra finda em 1870, e em Maio do ano seguinte, os

projetos voltam à tona. Agora, era o pai de Rio Branco, o Visconde do Rio Branco,

então primeiro ministro, que tomava à frente dos projetos. Para a câmera, apresentara o

primeiro projeto para a emancipação gradual, a chamada Lei do Ventre Livre.

Após cinco meses de discussões enérgicas, no dia 28 de Setembro de 1871,

mediante as duas casas, o projeto estava sendo adotado. Neste projeto, declarava-se

livre todos os nascituras de ventre escravo. Naquela época, já se somava 1.700.000

milhões de escravos. Para Rio Branco, a partir dessa decisão a escravidão do Brasil

estava condenada à findar-se. Como em 1851, já havia-se proibido o tráfico de escravos

africanos, a Lei do Ventre Livre traria, segundo o autor, um desaparecimento do tempo

de escravidão.

Pela Lei Rio-Branco foram declarados livres, desde aquela data, todos os nascituros de ventre escravo, e various impostos foram aplicados à libertação gradual dos escravos, cujo número era então maior de 1,700,000. Tendo sido suprimido vinte anos antes (1851), e graças à energia do conselheiro Euzébio de Queirós, então ministro, o tráfico ou importação de escravos africanos, e

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ficando livres de 1871 todos os que nascessem de ventre escravo, condenada estava a escravidão a desaparecer do Brasil.162

É um ponto interessante que o Barão traz neste artigo, que foi a importância dos

jornais para causar impacto na opinião nacional. Também, em 1880, formou-se um

partido, onde havia três representantes no Senado, sendo eles José Bonifácio de

Andrada, Domingos José Nogueira Jaguaribe e Silveira, e na câmara dos deputados,

Joaquim Nabuco, e segundo o autor, uns poucos liberais e conservadores. Para este

partido, e para os jornais, os seus intuitos eram de apressar a emancipação total. A

campanha abolicionista foi ganhando força a tal ponto, que segundo o autor, foi ponto

de publicação por quase todos os jornais.

Em 1880 formou-se um partido que no parlamento e na imprensa começou a pedir que se apressasse o momento da emancipação total. Este partido só três representantes tinha a princípio no Senado, os conselheiros José Bonifácio de Andrada e Silva, Domingos José Nogueira Jaguaribe e Silveira da Mota, e na câmara dos deputados, Joaquim Nabuco e pequeno número de liberais e conservadores. Na imprensa, os Srs. J.Nabuco, Patrocínio, Gusmão Lobo, Joaquim Serra, Ferreira de Menezes, Ferreira de Araújo, e outros escritores, começaram uma campanha abolicionista, que em pouco tempo, granjeou para aquela grande causa quase todos os jornais e a opinião pública.163

O Barão enaltece a atitude dos fazendeiros no processo da abolição. Segundo

ele, os fazendeiros, por ato espontâneo, liberavam seus escravos. E a partir de 1871,

com a Lei do Ventre Livre, este número subiu algumas centenas de mil. Nas famílias

era costume, em épocas de festividades, consumarem a festa libertando escravos. E

diante dessas atitudes, para o autor, a causa foi conquistando o coração dos brasileiros.

Alguns não só, apenas, libertavam seus escravos, mas também, davam-lhes as a

propriedade dos estabelecimentos que trabalhavam. Pessoas influentes do governo

passaram a aderir essa prática dentro de suas casas.

No ano próximo passado um dos mais influentes agricultores da província de São Paulo, Dr. Martinho Prado, seu filho, o senador Antônio Prado e toda a família Prado, libertaram todos os seus escravos, e este exemplo começou a ser rapidamente imitado por grande número de fazendeiros de São Pulo e da província do Rio de Janeiro.164

162 (RIO BRANCO, 2003, pág.407)163 (RIO BRANCO, 2003, pág.407)164 (RIO BRANCO, 2003, pág.407)

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Alguns estados mereciam destaque, segundo Rio Branco, eram eles: Ceará e

Amazonas, que já haviam libertado todos os seus escravos, e Rio de Janeiro e São

Paulo, que estavam aderindo rapidamente à causa.

Depois de dois anos de aprovação da Lei do Ventre Livre até 1887, os escravos

que totalizavam 1.584.974, em 1873, eram 723.419 mil, um ano antes da abolição.

Figura 2 – Libertação dos Escravos pelos seus senhores

Fonte: Rio Branco (2003, pág.408)

Número expressivo demais. Para a grande maioria da nação, segundo o autor, já

se entendia que era o momento de declarar extinta a escravidão. Alguns opositores do

projeto, segundo o autor, entendiam que por causa da lei de 1871 e pela espontaneidade

da nação, em libertar os escravos, já seria o bastante para a extinção da escravidão. Mas

com o apoio popular e dos parlamentares, em 1888, o projeto foi aprovado dentro do

prazo de cinco dias, nas duas câmaras.

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O atual gabinete pertence ao partido conservador, mas todos os partidos se uniram para ultimar esta grande reforma. Mesmo os quinze senadores e deputados que se separaram do governo votaram contra o projeto, não porque fossem defensores da escravidão, mas por entenderem que as leis de 1871 e 1885 e as libertações espontaneamente feitas pelos proprietários seriam suficientes para dentro de muito curto prazo extinguir de todo o cativeiro.165

Diante disso, houve um incentivo, da parte do governo, em projetar os

trabalhadores europeus no trabalho, que antes, era feito pelos escravos. Para o Barão, os

fazendeiros entenderam que a produtividade de um trabalhador livre era maior do que

um escravo. Mas, mesmo mediante a abolição, muitos ex-escravos permaneciam com os

seus antigos senhores. Era importante salientar, segundo o autor, que o período de

dezessete anos, entre 1871 à 1888, a produção agrícola de maneira nenhuma caiu, mas

sim, aumentou a cada ano. Portanto, Rio Branco coloca uma grande parcela de honra

aos fazendeiros, pelo fato de auxiliarem o governo e o parlamento.

Assim, em dezessete anos (1871-1888) o Brasil pode realizar tão grande transformação no regímen secular do seu trabalho agrícola sem perturbação nem desordens, e [sem] diminui[r] a produção d riqueza nacional, que desde 1871 tem ido sempre em aumento. Os fazendeiros brasileiros auxiliaram e facilitaram a ação do governo e do parlamento.166

Terminando o artigo, um dos pensadores mais brilhantes do Brasil, Rio Branco

diz que nunca havia acontecido no Brasil um ato tão grandioso de desinteresse e

generosidade nacional. Para ele, está questão é motivo de honra nacional. Honra essa,

que foi demonstrada pela seriedade que foi levado a questão, e pela forma com que a

sociedade aderiu à causa. Este ato, para o Barão, será a eterna Glória de D. Pedro II.

A história não oferece exemplo de movimento de desinteresse e de generosidade nacional mais grandioso do que este. A decisão e prudência, com que tão importante reforma foi levada ao cabo, fazem grande honra à nação brasileira, e serão a eterna glória do reinado do Imperador D.Pedro II sob cuja sabia direção se operou pacificamente a evolução emancipadora, que em outros países encontrou tantas dificuldades e tão apaixonadas resistências.167

165 (RIO BRANCO, 2003, pág.408)166 (RIO BRANCO, 2003, pág.409)167 (RIO BRANCO, 2003, pág.409)

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O contraste entre outros países se tornava inevitável, devido a grande resistência

e dificuldades que encontram para resolver tal questão, para com o Brasil, que fez

questão, com entusiasmo, de findar um ciclo de escravidão.

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4 DEBATES SOBRE O ACRE E A ESCRAVIDÃO

A figura do Barão do Rio Branco é muito importante para todo o

desenvolvimento da política externa brasileira. É fato que, até os dias de hoje, existe

uma grande admiração por tudo aquilo que ele fez para a diplomacia do Brasil. Neste

capítulo, porém, apresenta-se uma diferente ótica da que Rio Branco as vias, referente a

dois assuntos. Como no capítulo anterior foi apresentado dois de seus artigos anônimos,

um sobre a questão do Acre e outro sobre a abolição da escravidão, também neste

capítulo avalia-se estes dois assuntos, mas com diferentes perspectivas, e até mesmo,

críticas ao modo de visão de Rio Branco. Até o tratado de Petrópolis, como já dito, o

Barão era uma unanimidade entre os brasileiros. Após o tratado, começou a se

evidenciar um grupo que discordava das ações de Rio Branco.

4.1 O DEBATE DA QUESTÃO FRONTEIRIÇA E A AFIRMAÇÃO DA

IDENTIDADE NACIONAL E INTERNACIONAL DO BRASIL

A questão do Acre, principalmente o desfecho com a Bolívia, pelo Tratado de

Petrópolis, foi findado em 17 de novembro de 1903. Antes disso, o Barão do Rio

Branco, no dia 3 de dezembro de 1902, convidou duas pessoas para participar do

processo final de resolução do conflito. Estes eram: Rui Barbosa e Assis Brasil. Ambos

associados como plenipotenciários.168

Rui Barbosa, então senador, já havia produzia um numeroso material a respeito

do problema fronteiriço com a Bolívia.169 Já havia um prestígio e reconhecimento por

sua capacidade intelectual. Entre os períodos de 1899 e 1901, pelo Jornal “A Imprensa”

publicou muitos artigos sobre a questão do Acre.170 Neste tempo, já se mostrava um

intenso opositor da política externa do, então Presidente, Campos Sales. Diante da

situação do Acre, Rui não era um pacifista, mas sim, um realista. Para ele, o uso da

força era um elemento natural devido às condições que encontrava-se o Acre.171

O então Senador recebeu o convite já com as informações de que Rio Branco

desejava uma solução rápida com a Bolívia, preferencialmente em acordo direto. O

Barão tinha por ideia, que não vinha dele, mas desde os tempos do Império, a

168 (ANDRADE E LIMOEIRO, 2003)169 (COUTO, 2015)170 (COUTO, 2015)171 (COUTO, 2015)

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construção de uma ferroviária Madeira-Mamoré, que daria acesso à Bolívia ao Oceano

Atlântico, pagaria uma indenização, e cederia território. Diante de tais pensamentos, Rui

Barbosa não aceitava nenhuma delas. Para Rui, era uma questão de honra nacional. Em

carta para o Barão do Rio Branco, Rui Barbosa expõe seu pensamento:

Se a insistência da Bolívia fosse irredutível, [seria melhor] abrirmos mão das negociações, deixando-a entregue à sua fraqueza contra os insurgentes do Acre, mais capazes de resolver a questão do que o governo brasileiro, na situação a que o condena, por um lado, a debilidade lastimável dos nossos meios de ação militar, por outro a repugnância invencível da nossa gente em ceder ao estrangeiro um palmo de terra, ainda recebendo em torno a vastidão territorial de um novo Estado 172

As decisões, ao menos aparentemente, eram feitas em reunião do conselho

ministerial. Ou seja, um grupo pensava as soluções para o território litigioso. Em 21 de

setembro de 1903, houve mais uma reunião de conselho. Nesta, Rui Barbosa não

compareceu. Seus pensamentos já divergiam de maneira intensa aos do Ministro das

Relações Exteriores. O então senador era inclinado à decisão por arbitramento. No

terceiro artigo, sobre a questão do Acre, nos “artigos anônimos e pseudônimos do Barão

do Rio Branco”, entende-se a razão pela qual o ministro não desejava o arbitramento.

Em uma missiva à Rio Branco, em 23 de Setembro de 1903, Rui Barbosa expõe:

(...) sou pelo arbitramento. Conhecendo, como conheço, a opinião pública entre nós, convencido estou que ela não se confirmará com essa cessão territorial, dado que vantajosamente compensada, e que tal solução exporia o governo a sérias dificuldades.173

De certa forma, ele estava certo. Muitos jornais da época, não se conformaram

com a cessão do território. Esse é um dos porquês de Rio Branco rebater, mediante

jornais, as críticas feitas pelos próprios jornais às suas decisões. Naquela reunião, cujo

Rui Barbosa se absteve, as decisões foram feitas segundo o seu pensamento. Nenhuma

cessão seria feita à Bolívia.174 Apesar desta decisão, não foi possível convencer a

Bolívia da desistência das cessões de territórios em troca de um aumento da indenização

monetária. Visto que o caminho das resoluções do conflito iria contra aquilo que

acreditava, Rui Barbosa, em carta, pedia exoneração do seu cargo, para não ser mais um

empecilho às decisões.

172 (ANDRADE E LIMOEIRO, 2003 pág.106)173 (ANDRADE E LIMOEIRO, 2003 pág.170)174 (ANDRADE E LIMOEIRO, 2003)

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Parece-me que a Bolívia exige muito. (...) Ponho nas mãos de V. Ex.ª, para que dela use como convier, a minha dispensa da comissão, com que me honrou, e onde não quero ser obstáculo aos intuitos patrióticos do governo cujos passos não hostilidades.175

O Barão aceitou sua exoneração. Escreveu à Rui Barbosa seu parecer diante

dessa situação:Não creio que um Árbitro nos pudesse dar ganho de causa depois de 36 anos de inteligência contrária à que só começou a ser dada pelo Governo do Brasil em princípio desde ano (...) É porque entendo que o arbitramento seria a derrota que eu prefiro o acordo direto, embora oneroso. (...) Se o Congresso rejeitar o acordo direto nas condições em que o tivemos podido realizar, a responsabilidade ficará sendo sua. Eu assumirei inteira a do acordo e penso que a posição do Presidente não ficará comprometida por isso.176

Rui Barbosa não ficou feliz com a aceitação fácil de Rio Branco de sua

exoneração, que segundo ele, era uma oportunidade que o ministro teria de livrar-se da

oposição.177 No ano seguinte do Tratado de Petrópolis, em 28 de Janeiro de 1904, Rui

Barbosa divulgou publicamente seus motivos de discordância do Tratado. Alguns

pontos que merecem destaque:

(...) a minha dissidência nasceu exatamente de não estar eu pela cessão territorial, que no tratado se ajusta”.(...) eu opugnava como excessiva qualquer concessão aos bolivianos além da via-férrea e os quarenta mil contos.Do meu variar [nas negociações] ao do ilustre [Rio Branco], a diferença apenas está em que, partindo S.Ex. de uma grande concessão territorial, recuou a uma concessão reduzida, e eu, partindo de uma reduzida concessão, acabei por não tolerar nenhuma de território brasileiro.[E]stando [a aquisição vantajosa e necessário do Acre] paga de sobra com o dinheiro, que entregamos, e a estrada, que vamos construir, a mutilação, que se nos propõe, do território brasileiro, é uma prodigalidade indesculpável. 178

Por ser um homem público, influenciou alguns a respeito de suas opiniões.

Apesar disso, Rio Branco entrou para a história devido a uma resolução, que tinha tudo

para findar em um conflito armado, mas que, por vias diplomáticas, findou em um

Tratado, mediante a um acordo direto.

A identidade nacional do Brasil, após Rio Branco, foi evidenciada de uma

maneira pacífica. O pacifismo era a marca do Barão do Rio Branco. Mesmo sendo um

175 (ANDRADE E LIMOEIRO, 2003, pág.106)176 (ANDRADE E LIMOEIRO, 2003, pág.107)177 (ANDRADE E LIMOEIRO, 2003)178 (ANDRADE E LIMOEIRO, 2003 pág.110)

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admirador do Império, cujo cerne não era pacífico, adotou essa marca para a República.

Neste ponto, Rui Barbosa não compartilhava do mesmo pensamento, porque não soube

transicional a política externa do Império para a PEB da República. Para o Barão, a

honra estava em resolver os conflitos sempre de forma amigável. Mesmo a situação do

envio de tropas militares para a região do Acre, foi apenas de aviso ao governo

Boliviano. Era pacífico, mas de maneira nenhuma, passivo. Moldou a República neste

pensamento. Pensamento este que permanece até os dias de hoje, na diplomacia

brasileira.

Para a identidade internacional, o Barão deu um novo contexto aos acordos

bilaterais. O Império preconizava o bilateralismo também. A diferença era a forma com

que resolviam-se os conflitos. Ele, de fato, não fez uma política Pública, mas sim, uma

política de Estado. O interesse nacional estava alinhado com o interesse do Estado. É

possível observar este ponto, na medida em que o Barão faz de litigo, o Acre.

4.2 CRÍTICA AO PROCESSO ABOLICIONISTA BRASILEIRO

Muitas são as visões com que analisa-se a abolição da escravidão no Brasil. Uma

delas, e muito bem relatada pelo então Ministro das Relações Exteriores, Barão do Rio

Branco, foi um ponto de vista de um importantíssimo estudioso, que na época em que

ocorreu a ratificação da Lei Áurea estava em Liverpool como cônsul. Apesar da forma

com que via a abolição, e o via de forma gloriosa, há muitos outros pontos de vistas que

não veem de forma gloriosa o processo.

O Brasil, até o fim do século XVIII, era a maior nação escravista do mundo.179

Isso remete a como era importante, tanto social quanto economicamente, manter o

escravismo no Brasil. No início do século XIX, os Estados Unidos assumem esta

posição de maior nação escravista do mundo. Por mais que, como dito no capítulo

anterior, a liberdade era um almejo intenso, por parte dos escravos negros, não o era

para os fazendeiros. Em razão de dados, o Brasil durante os primeiros 250 anos de

escravidão, importou cerca de 1.895.500 escravos. E nos últimos 70 anos de escravidão,

importou cerca de 2.113.900 escravos.180 Isso corresponde a visão de que, escravos já

não era questão de luxo mas sim de necessidade.

179 (MENEZES, 2009)180 (MENEZES, 2009)

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O escravo é entre nós um verdadeiro fidalgo proletário (Andrade Figueira, deputado do Partido Conservador)”. “A escravidão é conveniente mesmo em bem do escravo (Cansanção do Sinimbu, senador do Partido Liberal)”. “Amo mais a minha pátria do que ao negro” (Conselheiro José Antônio Saraiva, Liberal)”. “O fazendeiro deve merecer mais cuidados dos poderes públicos do que os escravos (Martim Francisco Ribeiro de Andrada, deputado do Partido).181

O sistema escravista se fez ao longo do tempo “difícil e demorado”.182 Na

América, alguns países que entraram em um ciclo de independência, entraram com a

prerrogativa da abolição da escravidão. Já o Brasil, após 1822, intensificou-se o

movimento escravista.183 De ante do fato de ser um país continental, a nação brasileira

foi a maior importadora de escravos das Américas.184 Fora a importância da produção,

mediante a mão de obra forçada, os escravos, pela legislação, eram impedidos de ter

acesso à educação.185 Única educação que tinham acesso era o aprendizado da língua

portuguesa.186

Além dos desastres humanitários, o século XIX iniciava com a intensificação da

importação dos escravos. Uma das leis importantes para o fim da escravidão foi 1831,

com a proposta de dar fim ao tráfico negreiro. Esta lei é uma resposta à altíssima

pressão da Inglaterra. O que eventualmente levaria o pensamento crítico a respeito

disso. Caso a Inglaterra não viesse a pressionar, desde 1810, a escravidão não demoraria

um pouco mais? O pensamento é válido. Mas independente disso, mesmo com a

resposta à Inglaterra, a Lei é burlada de maneira frequente.187 O que levou a uma

repressão por parte dos britânicos. Tanto o parlamento quanto os donos de escravos não

estavam dispostos a uma resolução. As exceções existem, e já mencionou-se, no

capítulo anterior, os nomes destes. O fim da escravidão, em termos gerais, se concentra

nas pressões da Inglaterra e nas pressões internas produzidas pelos negros.188

Até a década de 1850 existia o contrabando de escravos. Do ponto de vista do

parlamento, existe uma contradição a intenção do combate veemente ao fim tráfico de

escravos, prevista na lei de 1831. No mesmo ano, em que a Lei é ratificada, em outubro,

o Congresso disponibiliza recursos à Marinha para o combate ao tráfico de escravos. A

181 (APUD BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, pág.35)182 (MENEZES, 2009)183 (MENEZES, 2009)184 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)185 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)186 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)187 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)188 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)

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contradição se revela no mesmo ano, em que outra lei suspende os gastos para a

Marinha.189

Os conservadores, que haviam perdido para os liberais na Lei de 1831, em 1837

encaminharam projetos a respeito da revogação desta lei. O ponto em discussão era que

não havia como substituir os escravos, com isso, aquela lei se tornara uma “ameaça à

riqueza da nação e aos mais ricos e respeitáveis cidadãos do Império”.190 Existia uma

preocupação negativa sobre a inserção do negro para a composição étnica da nação.191 A

sociedade aceitava-se ser escravista.192

Houve uma resistência forte, por parte dos senhores, donos de escravos, para que

a consciência popular se voltasse para a libertação dos escravos.193 Pós 1850, a tráfico

interno, principalmente entre as regiões de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais,

aumentavam bastante. 194 Para os dominantes do congresso, o fim da abolição não

estava na pauta. Portanto, durante o tempo, após 1850, a luta para conseguir êxito na

abolição, ficaria por conta dos próprios escravos.

Assim como, em 1810, um evento externo, Inglaterra, forçou ao Brasil pensar e

agir de acordo com o fim do tráfico, outro evento, de novo, externo fez com que o Brasil

reavaliasse sua posição. Uma delas foi a guerra civil dos Estados Unidos, que culminou

com a abolição da escravidão em 1865. Vale relembrar que, ao iniciar o século XIX, os

EUA se tornaram o país maior país escravista do mundo e mesmo assim, aboliu a

escravidão antes do Brasil. Outro evento foi a libertação dos escravos nos impérios de

Portugal, França e Dinamarca. Brasil e mais dois países se tornavam, portanto, os

únicos países do “Novo Mundo”, a estarem sobre o sistema escravocrata. A Guerra do

Paraguai, também auxiliou na retomada do pensamento abolicionista brasileiro.195 O

fato é que esperou-se eventos externos para repensar políticas internas no governo

imperial brasileiro.

O medo de uma guerra civil, no Brasil, era presente nas mentes dominantes do

congresso. Até mesmo do Imperador.196 É por isso que, uma das razões pela qual, a Lei

da “emancipação do ventre” foi elaborada, esteve este medo presente. A consciência

189 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)190 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, pág.31)191 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)192 (MENEZES, 2009)193 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)194 (MENEZES, 2009)195 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)196 (MENEZES, 2009)

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popular atestava o início de uma vergonha ao sistema escravista. Em 1869, proibia a

venda de escravos em exposição pública.197 Já não era bem quisto este tipo de atitude. A

Lei de 1871, do Ventre Livre, recebeu uma oposição fortíssima a ponte de considerarem

“um desrespeito ao direito de propriedade”.198 Os representantes das províncias do café

se mostraram grandes opositores. Mas apesar de ter um avanço social, a Lei do Ventre

Livre não era o suficiente.

Por sua vez, a Lei não prevê uma educação das crianças livres; preocupa-se com sua criação e manutenção até os 8 anos de idade, sendo que a partir daí e até os 21 anos, o jovem deveria, como retribuição, prestar serviços ao senhor de sua mãe, que tinha o direito, inclusive de castigá-lo. Aliás, a única recomendação educativa é de que o castigo não seja demasiado rigoroso, pois com isso o senhor poderia perder o direito aos serviços do menos.199

Somente após cinco anos da ratificação da Lei, é que os primeiros escravos

foram libertos. Os resultados, de fato, “deixaram a desejar” 200 Apesar de não ser o

suficiente, e nem representar os interesses completos dos escravos, a Lei estimulou o

debate sobre a abolição.201 A ideia de um fim gradual agradava as mentes parlamentares

e, também, dos proprietários de escravos.

A década de 1880, era decisiva para o fim da escravidão. Com destaque a Lei

dos Sexagenários, de 1885. A elaboração do ano anterior, por Rui Barbosa, teve tanta

oposição que o então Ministros Dantas, foi substituído por José Antônio Saraiva. Os

termos da lei amenizavam a causa, mas de maneira nenhuma a extirpavam.

Os escravos com mais de 60 anos eram libertados, mas ficavam obrigados, ‘a título de indenização (...) a prestar serviços à seus ex-senhores pelo espaço de três anos’, até que completassem 65 anos de idade. O fazendeiro que substituísse o escravo pelo trabalho livre seria reembolsado em títulos e ainda poderia obrigar os ex-escravos a servi-los por mais cinco anos. Eles receberiam um salário doze vezes menor que o valor dos juros dos títulos recebidos pela senhores.202

O Brasil caminhava para o fim da escravidão, mas de maneira lenta e tardia. Até

mesmo no ano da abolição, apresentaram-se dois projetos de abolição. Uma elaborada

por André Rebouças, que exigia uma abolição sem condições e outra, elaborada por

197 (MENEZES, 2009)198 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, pág.37)199 (MENEZES, 2009, pág.90)200 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, pág.37)201 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)202 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, pág.39)

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Antônio Prado, que estabelecia indenização para os proprietários e “a obrigação para os

ex-escravos de servirem aos seus senhores até terminar a safra de café” 203. Não havia,

de fato, unanimidade. A consciência escravista ainda persistia em tardar a abolição.

A cidadania do ex-escravo negro não foi pensada. Propostas de Patrocínio,

Joaquim Nabuco, André Rebouças, não foram acatadas. Propostas estas que visavam

“distribuição de terras para os ex-escravos, assistência econômica e social, acesso à

educação, ampliação do direito à participação política, reformas...”.204 Na visão do

sociólogo Florestan Fernandes205 os negros foram duplamente espoliados. O primeiro

ponto é não ter pensado, depois de 350 anos de escravidão, em nenhuma indenização ao

negro. O segundo ponto é o trabalho, que pós-abolição, é posto em cheque ao negro.206

O ponto em discussão jamais pode ser a abolição em si, pois de fato, como Rio Branco

escreveu, foi uma glória. Mas esta glória foi ofuscada pelo processo. Processo este que

não foi o suficiente para a integração do ex-escravo à sociedade.

O quadro de visão do Barão se enquadra na perspectiva de Gilberto Freyre,

quando em seu livro Casa Grande e Senzala, fala a respeito da glória de uma

miscigenação étnica. Já, o pensamento crítico, explanado neste capítulo, se enquadra na

perspectiva de Jessé Souza, que em seu livro A Ralé Brasileira comenta sobre o “mito

da brasilidade”. Não houve, e ainda não há, depois da Lei Áurea, uma equidade étnica.

É fato que não se pode, de maneira nenhuma, desconsiderar uma visão de alguém que

contribuiu tanto para a identidade nacional e internacional do Brasil. Mas a história, pós

Lei Áurea, somente realça o mito da brasilidade. Outro autor, que também atesta o

sincretismo cultural, é Celso Lafer. A verdade é que, o Brasil é pluralista, em termos

étnicos. Mas a pergunta crítica é, se de fato, consegue-se lidar, de maneira igual, com

essa pluralidade. Resposta esta que, de acordo com o relato deste capítulo, é negativa.

203 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, pág.40)204 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, pág.49)205 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)206 (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988)

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5 CONCLUSÃO

Como evidenciado neste trabalho, o Barão do Rio Branco tem um papel

fundamental, mediante o histórico da diplomacia brasileira, para a construção de

identidade nacional e internacional do Brasil. A premissa de que o Brasil, nos dias

atuais, é pré disposto a acordos pacíficos e, de fato, ter uma política internacional

pacificadora, tem como uma das bases, o Barão. Sua visão de um Brasil com políticas

externas bem definidas, e de um Brasil para todos, fez dele um protagonista de um novo

panorama político brasileiro.

A análise de seus pensamentos, especificamente nos assuntos tratados neste

trabalho, em relação às fronteiras e a escravidão, dão, não apenas um status de estadista,

mas também, de pensador. É claro que, de acordo com a sua época, muitos dos seus

pensamentos e conceitos, podem ser questionados. Como de fato, o foram neste

trabalho.

As fronteiras no final do século XIX se tornou ponto principal da política

externa brasileira. E em termos internos, a escravidão foi um dos temas principais do

século. Trazendo assim os dois temas que ajudaram a moldar a identidade nacional e

internacional, as atitudes e discursos do Barão fizeram com que ele participasse de

forma direta e indireta nas questões centrais de identidade do Brasil.

O Acre, que foi o enfoque das fronteiras neste trabalho, foi alvo de muitos

elogios e críticas, devido a sua resolução do conflito. É preciso, mais uma vez, reiterar

que a forma com que foi dirigida a solução da região em litígio, foi pacífica. Uma das

marcas, que até hoje, é registrada no Brasil. A forma com que ele conduziu o Brasil,

norteou os demais diplomatas que vieram após ele.

Já na questão da abolição da escravidão, apesar da explanação ser, de fato,

importante, a história após a sua morte, mostra que não foi tão eficaz quanto imaginava-

se ser. A Lei Áurea foi necessária, mas não suficiente. A Desigualdade, de cunho racial,

ainda é uma questão que discutimos no século XIX. Como foi discorrido neste trabalho,

pensou-se na liberdade do escravo, mas não na sua inserção na sociedade.

Sua contribuição foi marcada em longo prazo. Mesmo após a sua morte, sua

contribuição para a comunidade brasileira permanece. Doratioto lembra, em seu livro,

que o Brasil, na chegada de Rio Branco para assumir o Ministério das Relações

Exteriores, era mais respeitado do que era antes, mas mesmo assim, relembra o autor, o

Barão não viu um Brasil próspero e forte. Na sua época, viu concretizadas muitas

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coisas, mas nem todas que almejava. Porém, a diplomacia brasileira foi moldada com

suas ações e pensamentos. Sua visão internacional era de uma inserção do Brasil de

forma arbitral, mas hegemônica. Assim como a pergunta central deste trabalho foi,

“Como os entendimentos de Rio Branco sobre as questões fronteiriças e da escravidão,

presentes nos artigos anônimos e pseudônimos, refletem as suas posições sobre a

identidade nacional e internacional do Brasil?”, pode-se concluir que, em termos

nacionais, a identidade brasileira que o Barão entendia era de um país pacifico e

acolhedor das diferentes culturas e raças. Levou esta visão para o âmbito internacional,

sendo um dos protagonistas do projeto ABC.

A historiografia mostra que se foi muito discutido, tanto no século XIX quanto

no XX, questões de identidade nacional e internacional do Brasil. Como uma nação

jovem, era de se esperar estas discussões. A partir de agora, este trabalho abre margem

para mais discussões a respeito da abolição da escravidão, de forma parcial e da política

externa brasileira, de forma pacífica.

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