XII Congresso Internacional do CLAD sobre a Reforma do Estado...

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1 XII Congresso Internacional do CLAD sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública. Santo Domingo, República Dominicana, 30 de outubro a 2 de novembro de 2007 Painel - Inovações na gestão pública como prática de transformação do Estado Continuidade e disseminação de inovações na gestão pública subnacional no Brasil * Marta Farah * Trabalho preparado para apresentação no XII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma Del Estado y de la Administración Pública. Santo Domingo, República Dominicana, 30 de outubro a 2 de novembro de 2007. Painel “Inovações na gestão de políticas públicas como prática de transformação do Estado”.

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XII Congresso Internacional do CLAD sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública. Santo Domingo, República Dominicana, 30 de outubro a 2 de novembro de 2007 Painel - Inovações na gestão pública como prática de transformação do Estado

Continuidade e disseminação de inovações na gestão pública subnacional no Brasil*

Marta Farah

* Trabalho preparado para apresentação no XII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma Del Estado y de la

Administración Pública. Santo Domingo, República Dominicana, 30 de outubro a 2 de novembro de 2007. Painel “Inovações na gestão de políticas públicas como prática de transformação do Estado”.

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1. Introdução Nas últimas décadas, organizações governamentais e não-governamentais têm procurado contribuir para a disseminação de inovações na gestão pública, por meio de iniciativas como promoção de programas de premiação; criação de boletins, sites específicos e outras formas de publicação, acadêmicas e não-acadêmicas; organização de seminários, congressos e outros tipos de encontros ou ainda pelo incentivo à constituição de redes de inovadores, especialistas e organizações da sociedade civil mobilizadas em torno de inovações em políticas públicas e na gestão pública. Organismos internacionais, como a ONU, governos nacionais e estaduais, universidades, fundações privadas e associações engajaram-se neste esforço desde os anos 70 e 80 do século passado, com o propósito de dar visibilidade a iniciativas inovadoras no setor público, contribuindo para a continuidade das inovações e para a reprodução de “boas práticas” em outros locais. No Brasil, são diversas as iniciativas neste sentido, promovidas desde os anos 80, destacando-se, a partir da década de 90, as que se organizaram como programas de premiação. Dentre estes últimos, há tanto programas com foco abrangente, que procuram identificar inovações em políticas públicas e na gestão pública independente do setor em que estas ocorrem, como programas com foco em áreas específicas, como a de educação ou a de segurança pública. Dentre os primeiros, incluem-se iniciativas do governo federal, como o Prêmio Hélio Beltrão, promovido pela ENAP – Escola Nacional de Administração Pública, desde 1996, com foco em inovações na administração pública federal; o Prêmio Mario Covas - Inovações na Gestão Pública no Estado de São Paulo, desenvolvido desde 2004 pelo governo do Estado de São Paulo, por iniciativa da Casa Civil e da FUNDAP – Fundação do Desenvolvimento Administrativo, para incentivar inovações na gestão estadual, e o Programa Gestão Pública e Cidadania, iniciativa conjunta da Fundação Getulio Vargas de São Paulo e da Fundação Ford, criado em 1996, com foco em inovações no nível subnacional de governo, incluindo em seu banco de dados programas estaduais, municipais e indígenas. Dentre os programas de premiação como foco específico, podem ser citados, a título de exemplo, o Prêmio Innovare: A Justiça do Século 21, promovido pelo Ministério da Justiça, desde 2004, com o objetivo de difundir inovações que contribuam para a modernização e otimização dos serviços prestados pela Justiça brasileira; o Prêmio Polícia Cidadã, promovido pela ONG Sou da Paz e que concede prêmios ao “funcionário”, no caso o policial, responsável por “boas práticas” na área de Segurança Pública e o Prêmio Inovação em Gestão Educacional 2006, criado pelo Ministério da Educação, com foco em iniciativas inovadoras de gestão educacional em nível municipal. A incorporação de inovações pelo setor público tem sido acompanhada não apenas por este esforço de disseminação mas também por uma expressiva produção acadêmica que procura analisar as transformações do Estado no período recente, a natureza das inovações na gestão pública e nas políticas públicas, suas principais determinações, fatores de sucesso, atores engajados no processo de mudança, além de impactos das inovações para o cidadão. Desde o início dos anos 90, este tem sido o foco de uma parte expressiva da literatura sobre Administração Pública e do campo de estudos de políticas públicas no Brasil. Políticas, programas, projetos e práticas identificados por programas de premiação e por outras iniciativas de identificação e disseminação de inovações em governos têm servido de apoio a análises sobre inovações na área pública no país, em diferentes níveis de governo, ao fornecer base empírica para a reflexão analítica. Mas, na literatura sobre as transformações recentes no Estado Brasileiro e sobre a inovação no setor público em particular há alguns temas ainda pouco explorados. Dentre os temas ainda pouco estudados incluem-se a continuidade de programas bem sucedidos e o processo de disseminação ou difusão das inovações em gestão pública.

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O presente trabalho pretende contribuir para a discussão destes temas, tendo por base a análise de iniciativas selecionadas como inovadoras por programa de premiação e disseminação de inovações promovidas por governos subnacionais no Brasil, o Programa Gestão Pública e Cidadania.

2. O Programa Gestão Pública e Cidadania O Programa Gestão Pública e Cidadania é um programa de disseminação e premiação de inovações de governos subnacionais brasileiros, fruto de iniciativa conjunta da Fundação Ford e da Fundação Getulio Vargas de São Paulo – FGV-EAESP. O programa, iniciado em 1996, contou, desde de 1997, com apoio do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. O objetivo do programa brasileiro consiste na identificação, disseminação e premiação de iniciativas inovadoras de governos estaduais, municipais e de organizações próprias dos povos indígenas. A seleção das experiências governamentais, por sua vez, tem por base os seguintes critérios:

a. introdução de mudança qualitativa ou quantitativa em relação a práticas governamentais anteriores;

b. impacto na melhoria da qualidade de vida do público beneficiário; c. possibilidade de ser transferido para outras regiões ou administrações; d. ampliação ou consolidação do diálogo entre sociedade civil e agentes públicos; e. utilização responsável de recursos e oportunidades, na perspectiva de um desenvolvimento

sustentável. Participam do programa Gestão Pública e Cidadania iniciativas promovidas por instituições públicas governamentais dos níveis estadual e municipal e por organizações próprias dos povos indígenas. Só podem participar programas com pelo menos um ano de existência, de modo a se divulgarem apenas experiências efetivamente implantadas. Entre 1996 e 2006, o Gestão Pública e Cidadania reuniu um banco de dados de mais de 8 169 programas inovadores de governos subnacionais, tendo premiado 20 iniciativas a cada ano, num total de 200 inovações de diferentes áreas1. Dentre os inscritos, há uma forte concentração de iniciativas municipais: 82,12% das experiências inscritas são municipais, 16,98%, estaduais e 0,90%, indígenas. A predominância de programas municipais deve-se em parte ao fato de os municípios serem muito mais numerosos que os estados (no Brasil, há mais de 5000 municípios e 27 estados) e ao fato de as organizações indígenas não terem estatuto de governo no âmbito do federalismo brasileiro. Mas, a presença expressiva de municípios dentre os promotores de inovações em políticas públicas e na gestão pública se deve também ao fato de a Constituição de 1988 ter transferido aos municípios novas competências e responsabilidades e ao impacto da crise fiscal sobre a capacidade de gastos do governo federal, a qual reforçou a tendência de “transferência” de atribuições para os municípios. A distribuição regional dos inscritos, por sua vez, mostra participação bastante desigual das diferentes regiões do país: 50,64% programas são da região Sudeste, 27,40%, da região Sul; 14%, da região Nordeste; 4,30%, da Centro-Oeste e 3,66%, da região Norte. Esta distribuição é afetada pela participação dos municípios no Gestão Pública e Cidadania , os quais, como visto, são responsáveis por mais de 80% das inscrições. A distribuição dos municípios pelas regiões brasileiras por sua vez obedece à seguinte distribuição: 32,46%, Nordeste; 30,26% Sudeste; 21,04, Sul; 8,15, Norte e 8,09, Centro-Oeste (IBGE, 2000). Tal distribuição mostra que o “desequilíbrio” regional dos inscritos deriva em parte da distribuição regional dos municípios. Mas, a influência deste fator não é suficiente para explicar a distribuição regional desigual entre os inscritos, o que sugere que estudos específicos sejam desenvolvidos sobre a distribuição regional da inovação na área pública no país. Mas, alguns fatores adicionais podem ser considerados a título de hipótese como elementos explicativos da desigualdade da distribuição regional dos inscritos no Gestão Pública e Cidadania : em primeiro lugar, a persistência em algumas regiões de formas “tradicionais” de governo e de gestão pública, resistentes à mudança e à 1 Para maiores informações sobre o Gestão Pública e Cidadania, para acesso ao banco de dados e às publicações sobre os

programas premiados, consultar http://inovando.fgvsp.br

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ruptura do patrimonialismo e do mandonismo local; em segundo lugar, a dificuldade de comunicação em algumas regiões, ficando os municípios isolados, inclusive no que se refere aos processos de transformação que afetam a administração pública e o governo2; em terceiro lugar, em algumas regiões, predominam municípios muito pequenos, os quais, embora também estejam passando por processos de transformação, pelos dados obtidos, são, do ponto de vista proporcional, ainda os menos envolvidos com a mudança: 72,97% dos municípios brasileiros têm menos de 20.000 habitantes; dentre os municípios participantes do programa Gestão Pública e Cidadania , 40,23% têm este porte. Em relação às áreas de ação governamental, as inovações inscritas no Gestão Pública e Cidadania concentram-se em Serviços Públicos. 46,6% dos programas são desta área, que reúne programas do setor de educação (16,8% dos inscritos) e saúde (cerca de 11,3% dos inscritos). Outra área com grande número de programas inscritos é a de Cidadania e Direitos Humanos (24,50% dos inscritos, a qual inclui políticas e programas para Crianças e Adolescentes, Idosos e Mulheres. Dentre estas, destaca-se a de Crianças e Adolescentes que, sozinha, responde por cerca de 14,3% dos programas inscritos. A distribuição das inscrições por áreas de ação governamental reflete a agenda municipal no Brasil no período recente, condicionada pela transferência de atribuições e responsabilidades para os municípios pela Constituição de 88. Há outra área que se destaca – a de Desenvolvimento Econômico e Social (10.27%), a qual inclui programas de geração de emprego e renda, tema que passou a integrar a agenda local no período recente, diante do crescente desemprego e da retração das ações do governo federal.

3. Que inovações? Antes de passar à análise dos temas centrais deste trabalho – a continuidade e a disseminação de inovações – apresentam-se de forma sintética as principais tendências de inovação promovidas por governos subnacionais, identificadas com base na análise dos programas inscritos no Gestão Pública e Cidadania (FARAH, 2001 e FARAH, 2006a) As inovações na esfera local de governo consistem em inovações nas políticas públicas, entendidas como “produto” da ação governamental, e no processo de formulação e implementação das políticas públicas. As inovações nas políticas públicas correspondem, por sua vez, a mudanças no conteúdo das políticas públicas: que políticas, para quem, baseadas em que abordagens ou perspectivas? Trata-se, assim, de novas políticas, as quais têm como uma de suas principais características a orientação para a democratização, envolvendo a inclusão de novas parcelas da população no âmbito da atenção estatal e a adoção da perspectiva de direitos na prestação de serviços públicos. As inovações nos processos, por sua vez, dizem respeito a mudanças nos processos políticos e administrativos, afetando o como fazer: quem são os atores envolvidos na formulação e na implementação das políticas; como se relacionam entre si, por meio de que organizações e o quanto estes processos são flexíveis e eficientes no uso dos recursos públicos. As inovações, neste caso, constituem novos processos decisórios e novas formas de gestão, orientados para a democratização – ampliação da participação nas decisões relativas à formulação, à implementação e ao controle de políticas públicas - e para a eficiência da administração pública. As novas políticas constituem novas áreas de atuação dos governos locais, e incluem, de um lado, políticas e programas dirigidos a crianças e adolescentes, idosos, deficientes, negros, mulheres e comunidade indígena, e, de outro, políticas de desenvolvimento local. Mas as políticas são novas também por adotarem novas abordagens e perspectivas. Nas políticas e programas sociais, rompe-se com a perspectiva assistencialista predominante no país até então. As novas políticas e programas inovam ao adotarem a perspectiva de direitos – os cidadãos atendidos pelo Estado não recebem “favores”, mas são titulares de direitos. A abordagem das políticas também tende a ser mais preventiva que corretiva e a incorporar a perspectiva da auto-sustentabilidade e da sustentabilidade ambiental, o que é claro em programas de geração de emprego e renda e de desenvolvimento local. 2 Esta dificuldade pode eventualmente ter afetado a própria comunicação entre o Programa Gestão Pública e os programas

municipais, embora a mala direta inclua os prefeitos de todos os municípios.

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Em relação a novos processos e novas formas de gestão, procura-se agilizar processos, reduzir custos e tornar os procedimentos mais eficientes e mais “accountables”, permitindo o controle pela sociedade e a responsabilização dos agentes públicos. Adotam-se novas tecnologias como meio de viabilizar a agilização, a transparência e o controle da ação governamental. Ainda no que diz respeito a inovações no processo, destacam-se as que dizem respeito aos participantes do processo decisório e do processo de implementação. Em contraste com o modelo centralizado e “monopolizado” por agências estatais, são inúmeros os programas em que uma multiplicidade de atores integra o processo decisório e a implementação, por meio dos mais diversos mecanismos. Tais mudanças assinalam a emergência de novos arranjos institucionais na promoção de políticas públicas e na gestão pública no nível local de governo. Estes programas refletem em parte a institucionalização recente no Brasil (pós-88) de mecanismos de participação da sociedade civil na formulação e no controle das políticas públicas, como no caso dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas. O estabelecimento de parcerias e alianças com a sociedade civil e com o setor privado é uma característica de parte significativa dos programas inscritos no Gestão Pública e Cidadania (60%) (Farah, 2006 a). A abordagem integral e a articulação intersetorial também é um traço característico de parte significativa dos programas. 66% dos programas incluem articulação entre diferentes órgãos governamentais (Spink 2006). Destaca-se ainda a cooperação intergovernamental horizontal, que tem nos consórcios intermunicipais uma de suas formas mais difundidas. Milhares de municípios brasileiros encontram-se hoje organizados sob a forma de consórcios, por meio dos quais um grupo de municipalidades se articula para enfrentar de forma conjunta problemas comuns, como no caso de tratamento de resíduos sólidos e na área da saúde.

4. Continuidade das inovações Em 2004, pesquisa de avaliação do Programa Gestão Pública e Cidadania (FARAH, 2004) teve como um de seus objetivos verificar a continuidade dos programas premiados e a disseminação destas experiências. Foram entrevistados na ocasião os responsáveis pelos programas finalistas premiados nos sete primeiros anos do Gestão Pública e Cidadania (1996-2002), os quais forneceram informações atualizadas sobre os programas e sua percepção sobre sua evolução assim como sobre a disseminação dos finalistas. As considerações a seguir têm por base os resultados desta pesquisa. No Brasil, políticas e programas governamentais são marcados pela descontinuidade, associadas a mudanças de gestão, sobretudo a alterações de partidos políticos no governo. O estudo sobre os programas premiados revela, no entanto, uma realidade distinta. Dos 139 programas investigados, como pode ser visto na tabela 1, 121 (87,05%) continuam existindo, tendo sido interrompidos 16 (11,51%). Destes 16, quatro, embora não sejam mais desenvolvidos como programas governamentais, ainda continuam ativos, sob a gestão de organizações não-governamentais. Dos 16 programas que sofreram descontinuidade – seja por terem sido extintos, seja por deixarem de ser programas governamentais – sete (7) foram interrompidos (ou transferidos para organizações não-governamentais) em razão de mudanças de governo, segundo depoimentos dos entrevistados, conforme pode ser visto na tabela 2. Se se considera, por outro lado, a tabela 3 – Continuidade por mudança de governo – em que se relacionou a continuidade e a descontinuidade dos programas à ocorrência de mudança de governo desde que o programa foi premiado3, observa-se que, apesar de ter ocorrido mudança de governo em 94 casos (71%), houve continuidade dos programas na maior parte das vezes (88,55%), ocorrendo interrupção em apenas 9,92% dos programas. Trata-se de uma porcentagem reduzida de ocorrências, o que não parece confirmar a “tese” de que nenhuma política ou programa no Brasil “sobrevive” a mudanças governamentais. No período estudado (1996 a 2002), ocorreram duas eleições no Brasil para o executivo municipal (1996 e 2000) associadas a mudança de administração (1997 e 2001, início de 3 Considerou-se mudança de governo qualquer mudança ocorrida entre o governo inicial e o governo atual (mudança de

prefeito ou de governador), ainda quando o prefeito ou o governador da época de premiação seja o mesmo de hoje (se ele tiver sido sucedido, durante uma gestão, por outro prefeito ou governador).

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novas administrações municipais) e duas eleições para o executivo estadual (1998 e 2002). Com a possibilidade de reeleição existente desde 19984, poder-se-ia supor que os programas premiados que continuaram estivessem associados sobretudo à reeleição de governantes. Mas a continuidade ocorreu de forma bastante expressiva, mesmo nos locais em que ocorreu mudança de governo: em 87,23% dos casos em que houve mudança de governo os programas continuaram. A continuidade dos programas chama ainda mais a atenção quando se considera a ocorrência de mudança de partido político no governo. Isto porque se poderia supor que, embora tivesse ocorrido mudança de governo (do governante), essa tivesse se dado num quadro de continuidade das forças partidárias havendo, portanto, uma continuidade política que explicaria a continuidade dos programas. De fato, boa parte dos 131 programas premiados (excluídos os indígenas) foi promovida em contextos de “continuidade partidária”: em 86 casos, o partido de governo não se alterou, representando 65,64% dos casos. Mas, mesmo nos 45 casos em que houve mudança de partido (34,35% dos programas), a maioria das iniciativas teve continuidade - 86,67%, correspondendo a 39 iniciativas (tabela 4). A continuidade das iniciativas não significa que mudanças não tenham ocorrido em relação aos programas originais. Uma das mudanças que pode ocorrer consiste na mudança de nome do programa. Dos 45 programas em que houve mudança de partido político, nove (20%) mudaram de nome. Dos 86 programas em que não houve mudança de partido político, por sua vez, 12 (13,8%) mudaram de nome. Em boa parte dos casos, o programa sofre também algumas alterações de rumo e de diretrizes, de forma a se integrarem à concepção geral do governo. Dentre os programas que explicaram as razões de mudança do nome (dez), os motivos alegados foram: a) motivos políticos, principalmente entre aqueles em que houve mudança de partido político, e b) motivos decorrentes de alterações nos objetivos e no foco do programa original, em geral nos casos em que não houve mudança de partido político. Em função disto, em alguns casos, a equipe associada à criação do programa não reconhece no programa “que continua” como a iniciativa original, considerando-a “desvirtuada”. Num momento marcado no Brasil por disputa de significados a respeito de “inovações” na administração pública e por disputas de caráter político-ideológico, tem ocorrido de fato a “apropriação” de iniciativas progressistas e democráticas por forças conservadoras que, por vezes, “esvaziam” as inovações de algumas de suas características essenciais, como a ampliação efetiva da participação de diferentes segmentos da população em decisões sobre políticas públicas. Por outro lado, é também possível que alguns avanços associados a inovações no tratamento de algumas questões transformem de fato a cultura da gestão pública e em determinadas áreas, no sentido de substituir, por exemplo, o modelo da tutela e do favor, pela perspectiva de direitos, de forma que, mesmo governos conservadores passem a ter sua ação “impregnada” por novas práticas. Isto também pode ser favorecido pelo fato de que parte da equipe envolvida em determinados programas - a equipe local que faz parte dos quadros da burocracia - tende a permanecer e pode contribuir para a continuidade substantiva dos programas. O esclarecimento de cada caso requereria, entretanto, a realização de estudos de caso aprofundados. Os fatores que explicam a continuidade dos programas constituem um tema para pesquisas futuras. Alguns podem, no entanto, ser desde já apontados. Em primeiro lugar, seu “enraizamento”, isto é, o grau de envolvimento de diversos atores – governamentais e não-governamentais – em sua formulação, implementação e acompanhamento ou controle (SPINK, CLEMENTE e KEPPKE,1998). Um segundo fator provável consiste nos resultados obtidos pelos programas e seu reconhecimento pela comunidade. Mas é possível considerar a hipótese de que a própria premiação pode constituir fator a reforçar a continuidade dos programas. Estudo sobre reeleição de prefeitos no Brasil aponta a premiação – especificamente o Prêmio concedido pelo Programa Gestão Pública e Cidadania aos finalistas – como um fator importante para a reeleição de prefeitos no Brasil no ano 2000:

4 A reeleição foi aprovada em 1997 e vigorou a partir de 1998 para todos os níveis de governo.

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“Diversas variáveis apontam para o monitoramento parcial da performance do gestor público. Variáveis relacionadas a fatos amplamente divulgados pela imprensa, como a acusação por cometer crime grave (CRIME) ou ser premiado por boa gestão (PRÊMIO) afetam significativamente as probabilidades de candidatura e/ou de reeleição” (Mendes e Rocha, 2003). (grifo nosso). A visibilidade associada ao prêmio pode contribuir, de forma similar, para que os programas tenham prosseguimento – seja em contextos marcados pela continuidade de governo, seja em situações em que há mudança de governo. Ocorreria assim um mecanismo de controle social da administração em que a sociedade “cobra” do governo a continuidade do que é bem avaliado. A avaliação e a divulgação dos resultados da avaliação – neste caso a premiação e a divulgação dos programas premiados – passam a funcionar como elemento de pressão para a continuidade de programas, possibilitando a ruptura e a superação da cultura da descontinuidade.

5. Disseminação de inovações Em trabalho anterior, com base em revisão da literatura sobre disseminação e em reflexões preliminares sobre o Programa Gestão Pública e Cidadania, elaborei um quadro analítico em que identifico fatores que contribuem para a disseminação de políticas públicas e inovações em gestão pública (Farah, 2006 b e 2006 c). No presente trabalho, examino o processo de disseminação dos programas finalistas do Gestão Pública e Cidadania tendo por base este referencial analítico, assim como elementos interpretativos trazidos de outros autores (Donahue, 2005, Walker, 1969). A análise resulta de pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, realizada, em 2004, com os responsáveis pelos programas finalistas do Programa Gestão Pública e Cidadania, no período 1996-2002. Não se trata, portanto, de levantamento sistemático do processo de disseminação das 139 iniciativas premiadas, o que ultrapassava o escopo da pesquisa, mas de levantamento sobre a disseminação destes programas a partir de informações fornecidas pelos responsáveis pelos programas na época de realização da pesquisa (2004). Embora estas informações sejam parciais e reflitam a percepção dos responsáveis sobre a disseminação dos programas, elas fornecem elementos suficientes para que se examine a disseminação das iniciativas premiadas à luz do quadro interpretativo elaborado anteriormente e de elementos analíticos propostos por outros trabalhos. Dentre os fatores que interferem no processo de disseminação, incluem-se (Farah, 2006 b e Farah, 2006 c):

1. Características intrínsecas da inovação, dentre as quais inclui-se a capacidade de dar respostas a problemas enfrentados pela administração;

2. Percepção por parte de tomadores de decisões em outras localidades de que a inovação tem a capacidade de dar resposta a problemas relevantes;

3. Natureza do problema enfrentado pela inovação: situação ou condição comum a várias localidades;

4. Percepção da relevância do problema ou, em outros termos, percepção da condição como problema social em outras localidades;

5. Convergência com a agenda de políticas públicas de diferentes localidades; 6. Acesso a informação sobre a inovação por parte de outras localidades, o que se dá, seja por

efeito da relação direta entre o “inovador” e adotantes, sobretudo sob a influência do “efeito vizinhança” (Walker, 1969, Berry and Berry, 1990, apud Wrampler, 2004, Sugyama, 2004); por intermédio de redes sociais de diferentes tipos (Sugyama, 2004) ou como resultado de campanhas de informação promovidas por níveis mais abrangentes de governo ou por outros tipos de entidades e atores;

7. Seleção da inovação por atores envolvidos no processo decisório nas localidades receptoras; 8. Condicionantes da seleção por atores locais (da localidade adotante): incentivos políticos,

incentivos financeiros, quadro institucional, características estruturais da localidade; legado institucional da política pública e ideologia.

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Informações e percepção sobre a disseminação de programas inovadores Segundo os responsáveis pelos programas finalistas do Gestão Pública e Cidadania, 73 (52,5%) das 139 iniciativas premiadas foram disseminadas para outras localidades, isto é, 52,5% das políticas ou programas serviram de inspiração à implantação de programas similares em outros estados, municípios ou comunidades indígenas (Farah, 2006 d). Em 18 casos (12,9%), não ocorreu disseminação, segundo os responsáveis pelos programas e, em relação a 48 dos programas (34,5%), os responsáveis não sabiam informar se a disseminação havia se dado5. Todos os 139 programas receberam prêmios, após um processo de seleção composto por três etapas seletivas, que envolveram mais de 100 especialistas, tendo sido escolhidos dentre 5100 programas, o que sugere que todos sejam de muito boa qualidade (Farah e Spink, 2004). Este mérito intrínseco do programa – sua capacidade de resolver problemas - e a percepção deste mérito constituem condições do processo de disseminação (fatores 1 e 2 acima, FARAH, 2006 b e 2006 c). Mas este é apenas o primeiro passo na direção da disseminação. Uma série de outros aspectos intervém para que a disseminação ocorra ou deixe de existir, como a análise da disseminação dos finalistas do Gestão Pública e Cidadania sugere. A análise do processo de disseminação desenvolvida a seguir inclui não apenas os programas que se disseminaram, segundo os responsáveis pelos programas, mas também os casos em que os diretores das iniciativas premiadas não sabiam informar se a disseminação havia ocorrido e aqueles em que a disseminação não ocorreu, segundo os responsáveis pelas iniciativas.

Ausência de informação sobre a ocorrência de disseminação A falta de informação sobre a ocorrência de disseminação por parte do responsável pelo programa reflete, na maior parte dos casos estudados, a inexistência de disseminação. Esta inexistência pode resultar de diferentes fatores (ou da combinação entre eles): a) da não inserção em redes por parte dos inovadores; b) da não incorporação do problema social que a inovação se propõe a enfrentar pela agenda de outros municípios ou localidades; c) de características da inovação; d) da ausência de incentivos políticos para a adoção em outros municípios; e) do não alinhamento ideológico por parte de gestores de outras localidades em relação à opção implícita na inovação. A não ocorrência de disseminação pode resultar, assim, da falta de vínculos entre o programa (ou o governo local) e outras localidades, vínculos estes que são um componente essencial do processo de disseminação. Estes vínculos formais ou informais incluem troca de informação e inserção em redes de instituições e atores sociais e políticos (Rogers, 2003, Sugyiama, 2004 e Farah, 2006 b). Dentre os programas estudados, aproximam-se desta situação o Pró-Confecção de Goianésia, em Goiás, e o Meninas de Santos, de Santos, São Paulo. Este último programa é um dos que teve continuidade com a mudança de partido no governo. No entanto, a mudança partidária, com reflexos na gestão do programa, teve impactos do ponto de vista de inserção do novo responsável pelo programa em redes ligadas a gênero e sobretudo a políticas públicas de gênero. A ausência de difusão pode ser o resultado, por outro lado, de características da inovação que a distanciam da agenda sistêmica e da agenda governamental (Kingdon, 1995) de outras localidades. Para que a disseminação ou difusão ocorra, a inovação deve ser capaz de responder a problemas que afetem outras localidades. Ao mesmo tempo, é preciso que estes problemas façam parte da agenda governamental destas localidades (Farah, 2006 b e 2006 c). Como escrevi em outro trabalho (Farah, 2006 b, p.70-71):

“Uma segunda característica relevante para a análise do potencial de disseminação de uma inovação é a natureza do problema enfrentado. Se o problema enfrentado pela inovação é

5 Agradeço a colaboração de Andres Manosalva, aluno de Mestrado da Lindon Johnson School of Government da

Universidade do Texas em Austin, que durante seu período de Intercâmbio na FGV-EAESP, ajudou a tabular os dados relativos a disseminação e a fazer o levantamento bibliográfico sobre disseminação de inovações e de políticas públicas. Andres participou do Consórcio Bilateral em Políticas Públicas, apoiado pela CAPES e por entidade congênere nos EUA, a FIPSE.

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comum a outras localidades, a inovação tem, em princípio, o potencial de ser útil a estas outras localidades ou municipalidades ... A existência de um problema similar em locais distintos da localidade onde a iniciativa foi implantada pela primeira vez não constitui um fator suficiente para que a disseminação ocorra. A inovação tenderá a ser adotada por outros municípios se os atores sociais e políticos destas localidades considerarem os problemas tratados pela inovação como problemas relevantes, como problemas sociais que requerem uma resposta e a busca de soluções inovadoras... É importante também considerar a inovação em sua relação com a agenda de política pública em diferentes países e localidades. Se o problema que a inovação se propõe a enfrentar, assim como a maneira de enfrentá-lo são convergentes com a agenda nos países e localidades em que a inovação poderia potencialmente ser disseminada, ela terá a chance de ser escolhida pelos envolvidos no processo de formulação e implementação de políticas públicas”.

Donahue, em análise sobre a difusão de inovações em governos estaduais nos EUA, chama a atenção para este mesmo aspecto, construindo uma tipologia de modelos de inovação, dentre os quais se inclui o “modelo idiossincrático”, o qual corresponde ao desenvolvimento de inovações “sob medida”, adequadas a realidades específicas, o que dificulta sua adoção por outras localidades (Donahue, 2005). Segundo este autor, parte da literatura sobre difusão de programas governamentais estaduais nos EUA enfatiza a heterogeneidade entre estados, do ponto de vista cultural, administrativo e político e a dificuldade de replicação de inovações daí resultante. Esta reflexão pode ser estendida à análise da difusão de iniciativas inovadoras entre governos subnacionais em geral, incluindo além dos governos estaduais, governos municipais e organizações indígenas. Dentre os programas premiados pelo Gestão Pública e Cidadania analisados neste trabalho, não parece haver nenhum que possa ser classificado como idiossincrático, uma vez que todos tratam de questões presentes na realidade dos governos subnacionais e que a “solução” adotada traz elementos passíveis de adaptação em outros locais. Foi esta a perspectiva que presidiu o processo de seleção dos programas no Gestão Pública e Cidadania, a que entende o processo de disseminação como um processo “aberto”, em que o que se transfere não é um modelo pronto, mas a concepção que preside a iniciativa, sofrendo, nessa transferência, adaptação a outras realidades. (FARAH, 2006b). No entanto, numa outra perspectiva, há em diversos casos, elementos do modelo idiossincrático, quando a condição ou situação problemática não chega a ganhar o status de problema social em outras localidades, requisito para sua inclusão na agenda governamental e para que seja “objeto” de uma política ou programa de governo. Dentre os casos premiados no Brasil, cujo responsável não soube informar se o programa se difundiu, o programa Reaproveitamento de Resíduos Orgânicos via Suinocultura, de Porto Alegre (RS) tem, neste sentido, algumas afinidades com o modelo idiossincrático, descrito por Donahue. A questão do reaproveitamento de resíduos orgânicos certamente faz parte da agenda dos governos locais hoje no Brasil. A existência de criadores clandestinos de suínos em áreas urbanas e a utilização de “lixões” como base da alimentação na suinocultura não se dá apenas em Porto Alegre, ocorrendo também, de forma clandestina, em outros centros urbanos. No entanto, não basta a existência desta condição ou situação (Kingdon, 1995 e Fuks, 2000) para que se configure um “problema” social e político, no sentido de que a condição ou situação seja reconhecida como problema pela sociedade e pelos governos. O tratamento de resíduos sólidos transformou-se no Brasil, há alguns anos, em problema social, tendo sido incluído na agenda governamental nacional, fazendo parte da agenda da grande maioria dos governos municipais. No entanto, o mesmo não ocorre com o combate à criação clandestina de suínos, embora esta seja uma condição problemática em diversos municípios. Porto Alegre incluiu esta situação ou condição na agenda governamental, mas o mesmo não ocorreu em outras localidades. Em alguns casos, como no Câmara do Grande ABC, de Santo André, São Paulo, e no Licenciamento Ambiental para Redes de Infra-Estrutura Urbana, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, a dificuldade de

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disseminação parece estar associada a características intrínsecas da inovação. Trata-se de iniciativas de grande grau de complexidade, cuja reprodução exigiria das localidades adotantes determinadas condições institucionais e estruturais, requisitos para o desenvolvimento dos programas. A adoção da inovação depende da existência prévia de capacidade administrativa que garanta a implementação do programa e sua adaptação a condições locais, assim como de capacidade financeira para viabilizar o programa (Farah, 2006b). No caso da Câmara do Grande ABC, há um requisito adicional. A constituição deste fórum de planejamento e decisão – a Câmara reúne prefeitos, vereadores e representantes de entidades empresariais, de trabalhadores e outras lideranças da sociedade civil – se dá sobre uma base prévia de articulação entre os municípios envolvidos. Estes – parte destes, ao menos - já se viam como uma unidade (ABC), ou ao menos como compartilhando uma identidade comum, há várias décadas, e foi sobre esta base anterior de identidade, sobre este “capital social”, que se constituiu, num primeiro momento, um Consórcio de municípios e, num segundo, a Câmara do Grande ABC. Este legado é intransferível e, portanto, qualquer tentativa de reproduzir a “tecnologia social” do programa apenas como tecnologia, corre o risco de insucesso6. Mas, a inovação e o legado em que esta se apóia podem inspirar outros a buscarem cooperação e articulação e mesmo a encontrarem pontos para construção de uma identidade comum. A desinformação sobre a ocorrência de reprodução do programa pode estar associada ainda à ausência de reprodução efetiva, quando a sua “adoção” pelos decisores locais requer, além dos fatores institucionais e estruturais expostos acima, que estejam presentes incentivos políticos que favoreçam a inclusão de um tema na agenda e a adoção de uma medida inovadora para enfrentá-lo. Dentre os casos sobre os quais não há informação sobre a reprodução do programa, destaca-se, neste sentido, o programa Construindo uma Educação Escolar Indígena, de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Este constitui um dos primeiros programas municipais de educação indígena no país, caracterizando-se pelo desenvolvimento de uma abordagem que respeita as tradições étnicas e culturais das comunidades atendidas e pela incorporação de membros das comunidades indígenas no processo de educação, tanto como professores, como no processo de elaboração de material didático. São Gabriel da Cachoeira é o município brasileiro com o maior contingente de população indígena: 40.000 pessoas, representando 90% da população municipal. Esta característica poderia levar a crer que o programa não seria passível de reprodução, enquadrando-se no modelo idiossincrático. No entanto, a existência de população indígena é característica de diversos outros municípios, sobretudo nas regiões Norte e Centro-Oeste. Recentemente, sob a influência da democratização e de movimentos sociais ligados à questão indígena, houve mudanças no quadro institucional que favorecem o reconhecimento da especificidade de diferentes grupos étnicos e diversidades culturais e recomendam que as políticas públicas incorporem esta diversidade em seu desenho. Na área de educação, iniciativas similares têm sido desenvolvidas pelas próprias organizações indígenas, algumas das quais também finalistas do Gestão Pública e Cidadania. No entanto, no âmbito dos municípios, ainda prevalece o quadro de negligência, quando não de hostilidade em relação aos grupos indígenas. Em geral, os povos indígenas não são considerados na definição das políticas municipais. A questão da educação indígena não entrou, na verdade, na “agenda municipal” no Brasil, sendo incorporada como objeto de ação local apenas sob a influência da pressão de movimentos locais (os quais acabam configurando incentivos políticos), como no caso de São Gabriel da Cachoeira, quando uma situação ou condição transforma-se em problema social, entrando na agenda governamental local. A ausência de informação sobre a ocorrência de disseminação pode se dar em casos em que houve disseminação. Isto pode refletir o insulamento da equipe do programa ou do responsável por este, os quais não estão integrados em uma rede social. Este isolamento pode ser uma característica do

6 Agradeço a colaboração de Sofia Ferreira Santos Farah por ter chamado a atenção para este aspecto, crucial no processo de

disseminação.

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responsável pelo programa no momento de realização da pesquisa (2004), mas não em momento anterior. Assim, o programa pode ter se disseminado, mas o responsável em determinando momento pode não ter acesso à informação. Outra possibilidade é que a pessoa responsável pelo programa conheça programas similares ao que dirige e não considere que aquele programa específico seja o programa responsável pela idéia original, mas antes um dos que influenciam a disseminação daquela espécie de política ou programa. Dentre os programas cujo diretor não sabia se a iniciativa tinha se disseminado, há pelo menos uma que certamente influenciou outras – o Programa Casa Rosa Mulher, do Rio Branco, no Acre. Este programa, premiado em 1996, constitui um programa pioneiro na área de gênero, atendendo mulheres vítimas de violência. O Rosa Mulher foi estabelecido após um movimento social local motivado pela existência de prostituição de meninas, tráfico de mulheres, violência sexual e violência doméstica contra mulheres, em Rio Branco, capital do Estado do Acre, na região Amazônica. O programa foi uma referência para entidades feministas e para governos voltados à integração da perspectiva de gênero pelas políticas públicas. Certamente, o programa influenciou iniciativas posteriores em todo o Brasil. Por outro lado, como no caso de outros dos programas premiados – esta iniciativa é “uma de uma série” de programas que enfrenta, em diferentes lugares, quase ao mesmo tempo, problemas similares. Ocorre, assim, a disseminação não exatamente de um programa ou política específica mas antes de uma idéia ou concepção, subjacente ao programa. Na realidade, parece que ocorre um processo de “construção coletiva” de uma agenda social e governamental, com a transformação simultânea de uma situação ou condição em um problema social (Kingdon, 2005; Fucks, 2000) – neste caso, o combate à violência contra a mulher – e a inclusão deste problema no escopo da ação e na agenda de governos locais. Ao mesmo tempo, ocorre, por meio de redes sociais, a difusão de políticas públicas e de programas que procuram dar resposta aos problemas sociais incluídos na agenda, mas que são, eles também, de certa forma, resultado desta construção coletiva. A resposta dada por uma municipalidade específica pode ser, assim, parte de um processo mais abrangente de definição de agenda para o nível local de governo, porque, ao “resolver” um problema em um local específico, a inovação aponta, ao mesmo tempo, para novas maneiras de responder a um problema comum a diversas localidades, ajudando a transformar uma condição em um problema social (pois ela apresenta também a possibilidade de resolver o problema).

Inexistência de disseminação Dentre os programas cujo diretor declarou não ter ocorrido disseminação (18), identificaram-se

as seguintes situações: a) interrupção do programa; b) ausência de vínculos com redes, dificultando a disseminação; c) competição com outras soluções para o mesmo problema; d) não identificação do programa como o responsável pela disseminação e e) decisão de não adoção por parte de atores locais.

Três dos programas premiados foram interrompidos e os responsáveis pela área a que se vinculavam afirmaram que estes não se disseminaram. As dificuldades e problemas que levaram à extinção destes programas provavelmente explicam também sua não disseminação. Mas, embora isto à primeira vista, pareça “natural”, como se verá adiante, a descontinuidade não explica por si só a inexistência de disseminação.

Dos oito programas municipais interrompidos, ao menos um não estabelecia vínculos externos, deixando, portanto, de se inserir em redes, um elemento crucial ao processo de disseminação. Trata-se do programa Autogestão de Limpeza Pública, de Timóteo, no Rio Grande do Sul. Este programa é também afetado por outro dos fatores que apontados com desfavoráveis à disseminação: a competição com programas similares, orientados para a mesma problemática, mas com “melhores respostas” aos mesmos desafios. Apesar da novidade apresentada por este programa no que se refere à autogestão de um serviço público, este programa tem um perfil assistencialista, sendo “ultrapassado” conceitualmente por uma série de iniciativas voltadas à geração de emprego e renda, que têm um maior impacto em

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termos de inclusão social e sustentabilidade, promovidos tanto por governos municipais como pelo governo federal.

Dois programas – não disseminados, segundo seus diretores – merecem uma análise mais detalhada. O primeiro deles, o Escola Pantaneira, de Aquidauana no Mato Grosso do Sul consiste na adoção de uma concepção inovadora de educação fundamental, em que o calendário, os conteúdos e a metodologia educacional são adaptados a características da região do Pantanal, especialmente à estação das chuvas e à dificuldade de deslocamento dos estudantes nesse período, de suas casas, nas grandes fazendas típicas da região, para as escolas, situadas em locais muito distantes, seja na zona rural, seja na zona urbana.

A reprodução como um “modelo” somente poderia ocorrer na própria região do Pantanal, dadas suas características específicas. Mas esta disseminação não ocorreu, apesar do esforço de disseminação feito por entidade não-governamental que apóia a iniciativa, com apoio de membros do próprio programa. A disseminação não ocorreu, pois as lideranças políticas e os governantes dos municípios contatados decidiram não implantar o programa, uma vez que teriam que alocar recursos financeiros para viabilizá-lo. Assim, na disputa com outros programas governamentais, este acabou sendo “vencido”.

Neste caso, apesar de estarem presentes vários dos fatores favoráveis à disseminação, tais como problemas similares, agenda semelhante (sistêmica e governamental, segundo Kingdon, 1995) e acesso a informação, não houve difusão pois ocorreu uma decisão de não adoção por parte de formuladores de políticas das localidades adotantes. E a decisão, nas municipalidades adotantes, é crucial à disseminação:

“A disseminação de inovações na área pública é condicionada por um papel ativo desempenhado por atores sociais e políticos nas localidades receptoras. Isto significa que as condições mencionadas até aqui são importantes mas não suficientes para que a disseminação ocorra... Atores sociais e políticos internos agem para incorporar uma determinada inovação - podendo também rejeitá-la ou ignorá-la – influenciando assim o processo de disseminação” (Farah, 2006 c, p. 12).

O segundo caso a ser destacado é o do Poupatempo, cujo diretor, presente desde o início do programa, declarou que a iniciativa não se disseminara. Por meio deste programa, o governo do Estado de São Paulo reúne em um mesmo local (em diferentes pontos do Estado) mais de 30 serviços públicos, estabelecendo um novo paradigma de atendimento ao público, garantindo eficiência, redução de tempo de atendimento, qualidade dos serviços, assim como qualidade de interação entre servidores públicos e cidadãos. A resposta dada pelo diretor deste programa à pergunta sobre disseminação revela a percepção de que a inovação ocorreu simultaneamente em diversos lugares, num processo de construção coletiva e de permanente adaptação a condições locais. Segundo o diretor, outros estados e instituições governamentais procuraram o Poupatempo, porque queriam aprender com sua experiência, mas, segundo ele, também procuraram programas similares a este, como o do Estado da Bahia. Assim, o Poupatempo não pode ser considerado “a única fonte de inspiração” de programas adotados em outros lugares do país.

A disseminação de programas inovadores Dentre os 139 programas premiados entre 1996 e 2003, 73 foram reproduzidos, segundo seus diretores à época de realização da pesquisa. É interessante observar que mesmo programas interrompidos no local em que se desenvolveram originalmente, foram disseminados, tendo sido implantados em outros locais (seis em 16). Quatro (de seis) eram iniciativas do Partido dos Tabalhadores (PT). Destes, três foram reproduzidos em outras localidades governadas pelo PT e um foi “adotado” em nível nacional,

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por governo de outro partido político7. Trata-se do Programa Bolsa-Escola, desenvolvido pelo governo do Distrito Federal, extinto com a mudança de governo (e mudança de partido no governo). O programa – concessão de uma bolsa monetária a famílias com filhos em idade escolar, sob a condição de que as crianças permaneçam na escola – foi “adotado” como política nacional, pelo Governo Federal, durante a gestão do PSDB. Em 69 dos casos que se disseminaram, os diretores foram capazes de mencionar locais para os quais as iniciativas foram “transferidas”, como pode ser visto na tabela 6. A tabela baseia-se em resposta dada por diretores de programas sobre os locais – municípios, estados, organizações indígenas – que adotaram o programa. Trata-se, portanto, de uma “tradução numérica” de informações qualitativas, como o nome de municípios específicos dado pelo responsável pelo Fundo para o Desenvolvimento da Agricultura Familiar de Pão de Açúcar, em Alagoas: “Mossoró, Apudi, São Miguel do Gostoso e Terra do Mel” (Entrevista FUNDAF/Pão de Açúcar, 2004), informação que aparece na tabela na categoria “2 a 5” (o programa foi reproduzido em quatro municípios). Os números na tabela 6 não reproduzem exatamente o número de lugares em que o programa foi reproduzido, pois se refere aos locais mencionados pelo responsável pelo programa (os locais que este sabe que adotaram a iniciativa e aqueles de que ele se lembra), mas neste trabalho não é esta exatidão que se busca, mas antes a ocorrência de disseminação e algumas pistas sobre os fatores que contribuem para a disseminação, assim como sobre o padrão em que esta ocorre. O primeiro aspecto a enfatizar é o fato de que mais de 80% das iniciativas disseminadas (44% dos programas premiados) foram reproduzidos em mais de uma localidade. Também expressiva é a proporção de programas reproduzidos em mais de dez lugares (34,2%). Outro aspecto considerado pela pesquisa diz respeito ao padrão da disseminação. A disseminação das iniciativas foi classificada em duas categorias: horizontal e vertical. Por disseminação horizontal, entende-se a difusão que se dá entre governos de mesmo nível, de um município para outro, de um estado a outro ou ainda de uma organização indígena a outra. Disseminação vertical, por sua vez, ocorre quando há indução de um nível mais abrangente de governo em relação a outro, como no caso da indução por parte do governo federal em relação à adoção de determinada política ou programa. As categorias disseminação horizontal e vertical, utilizadas neste trabalho, têm afinidades com a distinção estabelecidas entre transferência voluntária e transferência coercitiva de políticas públicas (Dolowitz e Marsh, 2006; Conde Martinez, 2005). Esta distinção opõe a adoção de políticas ou programas como o resultado de uma ação voluntária por parte da localidade adotante à adoção resultante da indução de outros níveis de governos ou organizações não-governamentais ou supranacionais. Na perspectiva adotada aqui, na disseminação de políticas públicas ou programas governamentais, há em geral uma articulação entre as dimensões voluntária e coercitiva apontadas pela literatura, uma vez que os atores locais quase sempre, em regimes democráticos, têm um papel ativo na decisão sobre que políticas e programas adotar, e que, por outro lado, níveis mais abrangentes de governo e agências multilaterais supralocais influenciam a ação de governos locais por meio de diretrizes, incentivos e sanções. Tal influência é particularmente importante na definição de regras de acesso a recursos financeiros, fundamentais para o desenvolvimento de política e programas. No entanto, apesar desta complementaridade entre coerção e decisão voluntária, é possível estabelecer em diferentes programas a predominância de uma ou outra destas dimensões. A distinção entre difusão

7 Trata-se do Programa Bolsa-Escola, desenvolvido pelo governo do Distrito Federal, extinto com a mudança de governo. O

programa – concessão de uma bolsa monetária a famílias com filhos em idade escolar, sob a condição de que as crianças permaneçam na escola – ao ser extinto, foi “adotado” como política nacional, pelo Governo Federal, durante a gestão do PSDB. Programa similar fora desenvolvido paralelamente, no mesmo período, no município de Campinas, pelo PSDB (Programa Renda Mínima).

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horizontal e vertical, adotada neste trabalho, é, ao mesmo tempo, uma distinção entre programas cuja disseminação é decorrente sobretudo da ação voluntária de localidades adotantes (horizontal) e aqueles em que é dominante a adoção como resultado da coerção (ou indução) de níveis mais abrangentes de governo (vertical). A influência de agências multilaterais ou de ONGs, embora relevante, não foi analisada neste trabalho, requerendo o desenvolvimento de novas pesquisas. Na tabela 7, apresenta-se a distribuição dos casos estudados segundo estes dois tipos de padrão de disseminação. Constata-se que em 80,8% dos casos de inovações que se disseminaram, houve disseminação horizontal, ocorrendo disseminação vertical em 16,4% dos casos, com indução federal (9,6%) e estadual (5,5%). Em todos os casos analisados de indução estadual, os programas foram desenvolvidos inicialmente em um município, tendo sido reproduzidos, num segundo momento, em outros municípios, por iniciativa do governo estadual. Entre estes programas, um caso interessante é o da Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho em Mato Grosso do Sul, uma iniciativa estadual, desenvolvida originalmente em carvoarias no município de Três Lagoas. O programa procurava erradicar as péssimas condições de trabalho nas carvoarias, onde se constatou a presença de trabalho infantil e indígena, em condições de semi-escravidão. O programa foi reproduzido pelo Estado do Mato Grosso do Sul em outros municípios, que enfrentavam problemas semelhantes, requerendo a sua adoção em outros locais uma forte participação dos governos municipais. A disseminação deste programa inclui uma dimensão não mencionada pela direção do programa – a relativa a seus impactos nacionais. A Comissão Permanente foi pioneira na identificação e combate ao trabalho infantil no Brasil e deu origem à formulação de um programa federal de erradicação do trabalho infantil no país. O programa federal – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI – foi implementado por meio de um projeto piloto no Estado do Mato Grosso do Sul, tendo por base o programa estadual precedente, que identificara o problema do trabalho infantil. Atualmente, o PETI existe em todo o país. No caso do programa Comissão Permanente ocorreu um duplo movimento de disseminação: um vertical, do Estado em relação aos municípios, e um segundo, também vertical, por meio do qual a União, com base na experiência estadual, induz outros estados e municípios de todo país a adotarem um novo programa, o PETI, que emergiu a partir de iniciativa estadual pioneira. A disseminação sob efeito da indução federal inclui dois diferentes mecanismos, os quais foram identificados entre os programas analisados. No primeiro, alguns programas premiados são casos que emergem como excepcionais dentre as várias implantações de programas federais. Tal é o caso, por exemplo do Projeto Cidadão do Futuro – PETI, de Lagarto, em Sergipe. Este programa é a reprodução do programa federal, PETI, mencionado acima, cuja adoção em Lagarto foi o resultado da indução federal. Mas a adoção do programa federal vem acompanhada de “novas inovações” na política prévia, o que permite que se destaque e seja premiado, ao mesmo tempo em que evidencia o caráter de “construção coletiva e permanente” do processo de inovação-disseminação. Um segundo mecanismo de indução foi identificado em programas como o Saúde da Família e o Bolsa Escola. Ambos se desenvolveram inicialmente como programas locais (Programa Médico da Família em Niterói, Rio de Janeiro, e Programa Bolsa-Escola, no Distrito Federal), tendo sido, num segundo momento adotados pelo governo federal. Após a sua transformação em programas federais, foram disseminados para diversos municípios do país, sob indução ou coerção federal. Como estes casos sugerem, se os governos locais são receptores ou adotantes de programas federais, sob o efeito de coerção ou indução, estes também são laboratórios de políticas e programas, desenhando novas respostas a desafios de suas localidades, que têm eco em outros municípios e estados. A disseminação horizontal ocorreu, como mostra a tabela 7, com programas desenvolvidos por estados, por municípios e por organizações indígenas. A vizinhança é um elemento importante na disseminação horizontal de programas indígenas e municipais. Os três programas indígenas que se disseminaram obedeceram a um padrão horizontal de difusão e se difundiram regionalmente, obedecendo a um padrão espacial de disseminação ou o que tem sido chamado de “efeito vizinhança” (Walker, 1969,

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Berry e Berry, 1990 apud Wrampler, 2004 e Sugyama, 2004). O padrão de difusão horizontal de programas inovadores segundo vínculos de vizinhança tem por base a semelhança entre os problemas enfrentados por localidades vizinhas, no caso das comunidades indígenas. Mas, os problemas que afetam estes assentamentos não são específicos das regiões onde os três programas foram implantados. O programa Auto-Demarcação Madijá, no Estado do Acre, foi pioneiro na demarcação de terra, uma questão importante na agenda indígena na região amazônica, área em que o programa se espalhou, mas também presente na agenda de grupos indígenas de outras áreas do país. O mesmo ocorre com o programa Arte Baniwa, desenvolvido por uma comunidade indígena situada em São Gabriel da Cachoeira. Este programa oferece uma resposta a um problema não específico desta região: o desenvolvimento sustentável de grupos indígenas. Assim, como estes casos sugerem, a oportunidade maior de troca de experiência garantida pela proximidade espacial é um fator que facilita a disseminação. Dentre os programas municipais cuja disseminação obedeceu ao padrão horizontal, 56,8% estão associados ao “efeito vizinhança” apontado pela literatura, como pode ser visto na tabela 8. Um exemplo da existência de problemas comuns – refletidos na agenda local – é o programa Pingo d’Água, de Quixeramobim no Ceará, localizado no semiárido brasileiro. O programa foi reproduzido em “pelo menos 87 dos 100 municípios mais afetados pela seca no Ceará e também em outros municípios do semiárido, em outros estados” (Entrevista Pingo D’água).. Mas a disseminação não ocorreu apenas baseada na proximidade geográfica, como a tabela 8 revela. 43,1% se disseminaram sem o benefício da proximidade espacial. Estes casos foram influenciados pela troca de informação que ocorre por intermédio de: a) estruturas político-partidárias, especialmente no caso do PT; b) redes profissionais de políticas públicas setoriais (educação, saúde, dentre outras); c) redes de membros de governos (exemplos, associações de secretários de saúde, associações de prefeitos, etc...) d) ONGs; e) fóruns mistos tais como eventos temáticos que reúnem profissionais, membros de governos, burocratas, pesquisadores, lideranças da sociedade civil etc...; f) informações divulgadas por sistemas orientados para a disseminação de inovações como os programas de premiação (Mattos, 2005). Outra dimensão importante do processo de disseminação consiste no papel assumido neste processo por atores sociais e políticos das localidades que adotam a inovação. Estes agem para absorver a inovação, buscando alternativas, selecionando as mais convenientes para a “sua” localidade e adaptando-as, exercendo, assim, influência sobre o processo de disseminação (Melo, 2004). A relevância deste papel ativo de atores das localidades adotantes foi apontada pelos diretores dos programas finalistas analisados neste trabalho. Segundo os responsáveis pelos programas reproduzidos, em 69,4% dos 59 programas que seguiram o padrão de disseminação horizontal, de base voluntária, a localidade adotante foi a responsável pela iniciativa de reproduzir os programas. Em alguns casos, eles identificaram espontaneamente o tipo de ator local engajado no processo de disseminação na localidade adotante, como os seguintes exemplos mostram:

• Universalização do Ensino em Icapuí, no Ceará: [a iniciativa foi] do governo local da municipalidade de Fortim, por meio de canais de comunicação estabelecidos entre as duas municipalidades, porque elas estão geograficamente na mesma área8, que tem que enfrentar problemas similares”

• Rede Pintadas, de Pintadas, Bahia: “ O Sindicato dos Trabalhadores [de Baixa Grande] veio a Pintadas com o propósito de começar um processo de articulação…”

• Projeto Pingo Dágua, de Quixeramobim, Ceará: “ [a iniciativa partiu] de prefeitos e da NGO Visão Mundial [que dá apoio ao programa]”

8 Este depoimento mostra ao mesmo tempo o efeito vizinhança analisado anteriormente.

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• Comissão Perinatal de Belo Horizonte: “Usualmente [a iniciativa] é do Secretário de Saúde dos municípios”.

• Fundo de Desenvolvimento Agropecuário,de Tupandi, Rio Grande do Sul: “Houve uma demanda por parte dos produtores rurais de outros municípios. Eles perguntavam: ‘Se funcionou aqui, porque não vai funcionar do outro lado do rio9?”

• Consórcio Intermunicipal de Recuperação da Bacia Hidrográfica do Ribeirão Lajeado, de Penápolis, São Paulo:

“ [a iniciativa foi] do Conselho Municipal... Um membro do Conselho foi responsável pela conscientização e então começou [o debate]. Por outro lado, também houve demandas dos cidadãos..[na outra municipalidade]”;

• Programa Nutrir, de Apucarana, Paraná: “O governo de outro município, depois que eles viram uma referência no jornal sobre a premiação recebida pelo programa”. (grifo nosso)

• Oficina-escola Rosalino Felipe, de Betim, Minas Gerais: “ A iniciativa veio das outras cidades. Houve um encontro que reuniu Secretários Municipais de 32 cidades de Minas Gerais e eles usaram esta oportunidade para conhecer o programa”. Estes dois últimos depoimentos ajudam a mostrar a existência de uma articulação entre a

informação sobre o programa original e a busca e seleção de alternativas, por parte das localidades adotantes. Em alguns casos, de fato, o programa premiado teve um papel importante na disseminação de informação. O diretor do projeto Barracões Culturais da Cidadania, de Itapecerica da Serra, São Paulo, afirmou:

“O programa teve a iniciativa de divulgação e as cidades interessadas tiveram a iniciativa de vir ao programa para conhecê-lo melhor”

O papel dos programas premiados é contribuir para tornar possível um dos lados do processo de disseminação, aquele relacionado à disseminação de informação sobre o programa inovador. O prêmio dado pelo Gestão Pública e Cidadania, de acordo com os diretores dos programas premiados, contribuiu para a visibilidade das iniciativas: 80,8% indicaram a visibilidade como um dos impactos do Gestão Pública e Cidadania ; 78,1% afirmaram que o prêmio ajudou a disseminar a iniciativa. O programa Mãe Canguru, por exemplo, depois do prêmio, foi transformado em política nacional. Os programas de premiação, mencionados no início deste trabalho, efetivamente desempenham um papel no processo de disseminação. Eles ajudam a garantir a informação sobre as inovações. Como apontado por Melo (2004), este é um dos elementos necessários do processo de disseminação, que inclui também outros aspectos de um processo cognitivo de aprendizagem, que envolve a participação da equipe do programa inovador assim como a participação da equipe das localidades adotantes. Mas, o processo de disseminação e a adoção de inovações associada à disseminação é também afetada por constrangimentos institucionais e por fatores políticos que influenciam os tomadores de decisão nas localidades adotantes. 6. Conclusão O trabalho analisou dois aspectos negligenciados pela literatura sobre inovação na gestão pública: a continuidade de programas inovadores e a disseminação de políticas e programas. Com base em pesquisa sobre finalistas do programa Gestão Pública e Cidadania, que concede prêmio a programas inovadores no nível subnacional de governo no Brasil, constatou-se inicialmente que uma proporção significativa dos programas inovadores tem continuidade, contrariando a tendência de ruptura de iniciativas governamentais a cada mudança de gestão. Isto ocorre inclusive em situações de mudança do partido político no governo.

9 Aqui também está presente o efeito vizinhança.

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O trabalho se detém com mais profundidade no segundo tema abordado – a disseminação dos programas, com base em entrevistas com os responsáveis pelas iniciativas premiadas. A análise considerou não apenas os programas que foram reproduzidos, mas também aqueles que, segundo os entrevistados, não se disseminaram e ainda aqueles em relação aos quais não dispunham de informação. A reflexão sobre casos “negativos” consistiu na identificação de obstáculos à disseminação e ao estabelecimento de algumas hipóteses sobre os elementos que deveriam estar presentes para que a difusão ocorresse. Estes elementos estavam presentes nas iniciativas que se disseminaram. Um referencial analítico prévio existia, não como um modelo pronto a ser aplicado aos dados, mas antes como diretrizes de interpretação, propostas pela literatura sobre disseminação, difusão e transferência de política públicas, em parte já consolidada em trabalho anterior a este. De fato, neste campo, ainda estamos no Brasil, na fase de estudos exploratórios. Assim, deixei os programas finalistas “falarem” e tentei construir um diálogo entre eles e a análise precedente sobre este tema. De acordo com a análise realizada, uma política ou programa pode ser transferido, mesmo se tiver sido interrompido no local em que foi concebido originalmente, o que sugere a importância de “redes externas” para o processo de disseminação. Especialmente imprtante para a transferência ou disseminação de políticas em casos de interrupção, foi a influência de partidos políticos. Alguns fatores apareceram como relevantes à disseminação, de acordo com a análise dos finalistas, confirmando em boa parte a identificação de fatores que contribuem para a disseminação apontada em trabalhos anteriores (Farah, 2006 b e Farah, 2006 c). Em primeiro lugar, características intrínsecas da inovação, reconhecida como uma “boa solução” para um problema relevante. Estas características podem facilitar a disseminação, pois tornam a inovação atraente para outros. Mas, características da inovação podem também se tornar uma barreira à disseminação, tais como desenho muito complexo, que exige das localidades adotantes recursos humanos e financeiros muitas vezes não disponíveis. O mesmo pode ser dito de soluções muito específicas, voltadas a problemas singulares, como a noção de modelo idiossincrático desenvolvida por Donahue explicita. Mas a análise também demonstrou que, se se considera disseminação numa perspectiva mais flexível, focalizando a concepção subjacente ao programa, mais que seu desenho específico, é possível que a disseminação ocorra. Esta é a perspectiva adotada neste trabalho. Disseminação é vista como algo distinto da replicação de um modelo. Isto significa que a inovação a ser transferida não é uma solução fechada, mas uma inspiração, uma alternativa de um repertório de respostas possíveis a um problema social comum a diferentes localidades. A análise também sugere que a disseminação de políticas e programas requer algumas condições para ocorrer. Além das características da inovação, acima apontadas, foram confirmados como fatores relevantes para que a disseminação ocorra, tendo em vista os casos analisados: existência de informação; existência de redes que ligam a localidade que introduziu a inovação a potenciais adotantes, garantindo o fluxo de informação, assim como o debate sobre problemas e soluções; similaridade entre os problemas tratados pela localidade inovadora e os locais adotantes; convergência de agendas entre diferentes localidades; adoção e seleção da inovação pelas localidades adotantes. Este último fator foi explorado neste trabalho por meio de alguns exemplos, que confirmam o papel ativo dos atores locais. Estes são cruciais para a difusão de políticas e programas, como um caso “negativo” demonstrou – um caso de falha no processo de difusão ocorreu porque os tomadores de decisão nas localidades potencialmente adotantes não aceitaram a iniciativa, porque esta exigiria deles algo que não estavam dispostos a dar (especificamente, recursos financeiros, no caso estudado). A adoção de uma política pública ou programa, como este caso sugere, sempre requer opções por parte de atores políticos das localidades adotantes. Tais opções são condicionadas por: a) incentivos políticos e financeiros: b) quadro institucional nas localidades potencialmente adotantes: c) características estruturais destas localidades; d) aderência à ideologia subjacente a um programa específico; e) legado institucional e de mobilização de atores.

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O trabalho também revelou a diversidade de atores engajados no processo de disseminação. Além dos atores diretamente engajados no desenvolvimento do programa, há, nas localidades adotantes, diferentes tipos de atores sociais e políticos que agem para solicitar, selecionar e trazer uma nova política ou programa para a sua localidade. Por outro lado, o artigo também mostra a presença de atores engajados no processo de disseminação, externos às localidades adotantes. Neste grupo, incluem-se aqueles engajados na disseminação de informação, como os programas de premiação, como o Gestão Pública e Cidadania, cujos finalistas de 1996 a 2002 foram analisados neste trabalho. Os próprios programas premiados têm um papel na disseminação de informação, como fica claro pela importância da disseminação que se dá sob a influência do efeito vizinhança. Mas, o grupo de atores externos também inclui uma diversidade de atores inseridos em diferentes tipos de redes, as quais não apenas disseminam informação, mas também contribuem para a definição de condições e situações específicas como problemas sociais, e para o processo de formação da agenda referente ao nível local de governo. Estes grupos externos, como mostrado, algumas vezes influenciam a demanda por políticas e programas específicos em diferentes localidades, favorecendo o processo de disseminação. Estas redes parecem facilitar a constituição de espaços públicos nos quais se dá o debate sobre problemas e soluções para o nível local de governo. O trabalho também mostra a existência de diferentes padrões de disseminação, o horizontal e o vertical, sendo o horizontal o mais comum dentre os finalistas. O padrão horizontal tem afinidades com a transferência voluntária de políticas públicas e o vertical com a transferência coercitiva, tal qual descrito pela literatura. Dentre os programas que se disseminaram horizontalmente, constatou-se no estudo a presença importante do efeito da vizinhança. Em outro conjunto expressivo de casos, no entanto, a disseminação ocorreu por meio de outros canais de comunicação, dentre os quais se destaca a importância de diferentes tipos de redes. A disseminação vertical ocorre por meio da influência do governo federal sobre estados e municípios e por intermédio da influência dos governos estaduais sobre os municípios. Mas, um dos aspectos mais interessantes da difusão vertical é seu enraizamento na criatividade que vem do local. Alguns dos programas disseminados pelo governo federal nasceram no nível municipal de governo. Outro aspecto sugerido pela análise é que as políticas e programas desenvolvidos em lugares específicos disputam espaço com outras respostas a problemas similares em uma arena mais ampla, e que “ser disseminado” significa ser o “vencedor” nesta disputa, sendo visto como melhor ou mais adequado ao problema enfrentado, seja por oferecer efetivamente uma melhor solução, seja por ter a capacidade de torná-la conhecida e “desejável”. Afirmar isto não significa afirmar haver “melhores práticas”, mas sim que a inovação, para ser selecionada, tem que ser vista como convergente com valores dos adotantes e da rede em que esses se inserem, e como uma iniciativa que se situa “na vanguarda” do debate na área a que se refere. Finalmente, alguns casos sugerem que o que é transferido não é “um” caso, mas antes a concepção subjacente ao caso, freqüentemente presente em outras inciativas desenvolvidas ao mesmo tempo em outras localidades. Isto significa que a disseminação ocorre como o resultado de uma ação coletiva, não apenas pela transmissão da informação, mas também como construção de soluções a problemas sociais de caráter público.

7. Referências bibliográficas BERRY, Frances Stokes and BERRY, William D. (1990). State lottery adoptions as policy

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FARAH, Marta Ferreira Santos. Disseminação de Políticas Públicas e Programas Governamentais no Nível Subnacional de Governo. In: Anais do X Colóquio Internacional de Poder Local: Desenvolvimento e gestão social de territórios. Salvador, BA, 11 a 13 de dezembro de 2006. Salvador, CIAGS/UFBA, 2006 c. 12 páginas. CD-ROM.

FARAH, Marta Ferreira Santos. Dissemination of local governments policies and programs in Brazil – the contribution of the Public Management and Citizenship Program. Paper preparado para apresentação no XXVI International Congress of the Latin American Association – LASA 2006, Caribe Hilton Hotel , San Juan, Puerto Rico, March, 15-18, 2006. 2006 d.

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8. Resenha biográfica Marta Farah é Coordenadora do Curso de Graduação da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), pesquisadora do Centro de Administração Pública e Governo (CEAPG) desta instituição e Vice-coordenadora do Gestão Pública e Cidadania, programa de premiação e disseminação de iniciativas inovadoras de governos subnacionais, desenvolvido pela FGV-EAESP e pela Fundação Ford, com apoio do BNDES. Foi, de 1995 a 2000, vice-coordenadora do Curso de Mestrado em Administração Pública e Governo. É doutora em Sociologia pela FFLCH-USP e tem diversos artigos publicados sobre inovações em políticas públicas promovidas por governos locais, sobre disseminação de inovações e sobre incorporação de gênero por políticas públicas. Endereço: Marta Farah Coordenadoria do Curso de Graduação FGV-EAESP Av. 9 de julho, 2029, 3º andar 01313-902 São Paulo – SP Brasil [email protected] Fone:(5511)3281-7825 Fax:(5511)3281-7770

9. Tabelas Tabela 1 - Continuidade dos programas premiados por nível de governo10

Continuidade Sim Não Sem

Informações Total

Nível de governo

v.a∗ % v.a. % v.a. % v.a. % Total 121 87,05 16 11,51 2 1,44 139 100,00 Municipal 91 93,81 5 5,15 1 1,03 97 100,00 Estadual 25 73,53 8 23,53 1 2,94 34 100,00 Indígena 5 62,50 3 37,50 0 0,00 8 100,00

∗ v.a. Valor absoluto

Tabela 2 – Motivo de extinção dos programas

Motivo de extinção Programas

v.a %

Total de programas 16 100,00

Mudança de administração 7 43,75

Mudança de gerenciamento (ONGs ou outras entidades) 4 25,00

Programa atingiu os objetivos e foi encerrado 2 12,50

Programa não atingiu os objetivos e foi encerrado 1 6,25

Sem informações 2 12,50

10 Todas as tabelas relativas aos programas finalistas têm como Fonte o Programa Gestão Pública e Cidadania .

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Tabela 3- Continuidade dos programas por mudança de governo

Continuidade Sim Não Sem

Informações** Total

Mudança de governo

v.a. % v.a. % v.a. % v.a. % Total 116 88,55 13 9,92 2 1,53 131* 100,00 Sim 82 87,23 10 10,64 2 2,13 94 100,00 Não 34 91,89 3 8,11 0 0,00 37 100,00

• Esta tabela considerou apenas os programas estaduais e municipais, excluindo os oito programas executados por entidades indígenas.

** Dois programas não foram localizados e não foi possível confirmar quer sua continuidade, quer sua extinção (mais provável).

Tabela 4 - Continuidade dos programas por mudança de partido político Continuidade

Sim Não Sem Informações

Total Mudança de partido político

v.a. % v.a. % v.a. % v.a. % Total 116 88,55 13 9,92 2 1,53 131* 100,00 Sim 39 86,67 6 13,33 0 0,00 45 100,00 Não 77 89,53 7 8,14 2 2,33 86 100,00 * Esta tabela considerou apenas os programas estaduais e municipais, excluindo os oito programas executados por entidades

indígenas.

Tabela 5 - Continuidade dos programas por região de origem dos programas Continuidade

Sim Não Sem Informações

Total Região de origem do programa

v.a. % v.a. % v.a. % v.a. % Total 121 87,05 16 11,51 2 1,44 139 100,00 Norte 13 72,22 5 27,78 0 0,00 18 100,00 Nordeste 33 100,00 0 0,00 0 0,00 33 100,00 Centro-oeste 9 64,29 4 28,57 1 7,14 14 100,00 Sudeste 46 92,00 4 8,00 0 0,00 50 100,00 Sul 20 83,33 3 12,50 1 4,17 24 100,00

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Tabela 6 – Número de localidades em que o programa foi “reproduzido”

(1996-2002)

Programas reproduzidos Número de localidades

v. a. %

Total 73 100,00

1 10 13,7

2 a 5 24 32,9

5 a 10 10 13,7

+ de 10 25 34,2

Sem resposta 4 5,5

Tabela 7 – Padrão de disseminação dos finalistas

Programas disseminados Padrão de disseminação

v.a. %

Total 73 100,00

Horizontal 59 80,8

Organizações indígenas 3 4,1

Municípios 51 69,9

Estados 5 6,8

Vertical 12 16,4

Governos estaduais 5 5,5

Governo federal 7 9,6

Sem reposta 2 2,7

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Tabela 8 – Padrão horizontal de disseminação (programas municipais)

Número de programas Vizinhança

v.a. %

Total 51 100,00

Sim 29 56,8

Não 22 43,1

Resumo

Nas últimas décadas, diversos tipos de organizações governamentais e não-governamentais criaram programas de premiação de inovações na gestão pública. Tais programas têm como um de seus principais objetivos dar visibilidade às inovações no setor público, de forma a contribuir para a continuidade das inovações e para a reprodução de “boas práticas” em outras localidades. No Brasil, são diversos os programas de premiação criados na década de 90 e nos primeiros anos deste século. Por outro lado, a emergência de novas políticas públicas e de inovações na gestão pública tem sido objeto de diversas pesquisas e análises. Desde o início dos anos 90, este tem sido o foco de uma parte expressiva da literatura sobre Administração Pública e do campo de estudos de políticas públicas no Brasil. O material identificado por programas de premiação e por outras importantes iniciativas de identificação e disseminação de inovações em governos que não adotam o modelo de premiação contribuiu para o desenvolvimento das análises sobre inovações na área pública no país, em diferentes níveis de governo, ao fornecer base empírica para a reflexão analítica.

Mas, na literatura sobre inovação no setor público, há alguns temas ainda pouco explorados, dentre os quais se destacam o da continuidade e o da disseminação. O presente trabalho analisa estes dois temas: a continuidade de programas inovadores e o processo de disseminação das inovações. O trabalho se baseia na análise de iniciativas selecionadas como inovadoras pelo Gestão Pública e Cidadania, programa desenvolvido pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo (EAESP-FGV) e pela Fundação Ford, desde 1996, com o objetivo de premiar e disseminar iniciativas inovadoras de governo subnacionais no Brasil.

O trabalho revela que uma proporção significativa das inovações tem continuidade, contrariando a tendência de ruptura de iniciativas governamentais a cada mudança de gestão. Isto ocorre inclusive em situações de mudança do partido político no governo. Em relação à disseminação, confirmou-se, para os casos analisados, a relevância de fatores como: características intrínsecas da inovação; existência de informação; existência de redes; similaridade entre os problemas tratados por diferentes locais; convergência de agendas entre diferentes localidades; papel ativo de atores locais na adoção e seleção da inovação pelas localidades adotantes. O trabalho também revelou a diversidade de atores engajados no processo de disseminação, internos às localidades adotantes, mas também externos a elas. Dentre estes, incluem-se aqueles engajados na disseminação de informação, como os programas de premiação, como o Gestão Pública e Cidadania. O trabalho identifica ainda dois padrões de disseminação, o

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horizontal e o vertical, mostrando que, no nível subnacional de governo no Brasil, para os casos estudados, tem prevalecido a disseminação horizontal, de base voluntária.