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Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC 2º SEMINÁRIO NACIONAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO PLANEJAMENTO TERRITORIAL, GEOGRAFIA ECONÔMICA A EXPLORAÇÃO MADEIREIRA NO PLANALTO SERRANO CATARINENSE: Da araucária à diversificação produtiva da madeira MACHADO, Helen Cristina 1 Resumo O presente trabalho trata da análise da influência do ciclo madeireiro na economia e desenvolvimento da região serrana de Santa Catarina. Região que tradicionalmente esteve ligada à criação extensiva de gado e tem como sede o município de Lages. O trabalho se baseia no paradigma de formação socioespacial, que dá as bases para o entendimento dialético dos processos econômicos e sociais ocorridos na região. A bibliografia sobre o desenvolvimento do planalto serrano catarinense - AMURES (Associação dos Municípios da Região Serrana) procura, sobretudo, enfatizar a história da região, desde a origem da cidade de Lages (cidade de fazendeiros) até as diferentes fases dos ciclos madeireiros –– a exploração da araucária iniciada nos anos 30 e nos anos 80; o segundo ciclo, com a utilização de madeiras exóticas como o pinus e o eucalipto para o reflorestamento. O ciclo atual busca o desenvolvimento de espécies de rápido crescimento com o intuito de dinamizar a economia local. Assim, entender as transformações ocorridas na região de uma conjuntura estacionária ligadas à criação de gado para uma economia capitalista de forte inserção na economia nacional é o desafio do presente trabalho. Palavras-chave: Pecuária; Ciclo Madeireiro e Reflorestamento. Abstract This paper aims at analyzing the influence of the wood cycle in the economy and development of the mountainous part of Santa Catarina. This region has traditionally been linked to extensive livestock, and its main city is Lages. This paper is based on the socio- spatial formation paradigm, which provides the basis for the dialectical understanding of the economic and social processes that occur in the region. The literature about the development of the mountainous part of Santa Catarina, also called, AMURES (Association of Municipalities of the Highlands) seeks, above all, to emphasize the history of the region since the origin of the city of Lages (city of farmers) passing by the different phases of the wood cycles: the exploration of araucaria started in the 30's, and in the 80’s, there was a second cycle, the use of exotic woods such as pine and eucalyptus for reforestation. The current cycle aims at developing fast-growing species in order to boost the local economy. Therefore, to understand the transformations that have occurred in this region that has changed from a stationary conjuncture related to livestock, to a capitalist economy strongly inserted in the national economy is the challenge of this work. 1 Mestranda no programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina.

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2º SEMINÁRIO NACIONAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

PLANEJAMENTO TERRITORIAL, GEOGRAFIA ECONÔMICA

A EXPLORAÇÃO MADEIREIRA NO PLANALTO SERRANO CATARINENSE:

Da araucária à diversificação produtiva da madeira

MACHADO, Helen Cristina1

Resumo

O presente trabalho trata da análise da influência do ciclo madeireiro na economia e desenvolvimento da região serrana de Santa Catarina. Região que tradicionalmente esteve ligada à criação extensiva de gado e tem como sede o município de Lages. O trabalho se baseia no paradigma de formação socioespacial, que dá as bases para o entendimento dialético dos processos econômicos e sociais ocorridos na região. A bibliografia sobre o desenvolvimento do planalto serrano catarinense - AMURES (Associação dos Municípios da Região Serrana) procura, sobretudo, enfatizar a história da região, desde a origem da cidade de Lages (cidade de fazendeiros) até as diferentes fases dos ciclos madeireiros –– a exploração da araucária iniciada nos anos 30 e nos anos 80; o segundo ciclo, com a utilização de madeiras exóticas como o pinus e o eucalipto para o reflorestamento. O ciclo atual busca o desenvolvimento de espécies de rápido crescimento com o intuito de dinamizar a economia local. Assim, entender as transformações ocorridas na região de uma conjuntura estacionária ligadas à criação de gado para uma economia capitalista de forte inserção na economia nacional é o desafio do presente trabalho.

Palavras-chave: Pecuária; Ciclo Madeireiro e Reflorestamento.

Abstract This paper aims at analyzing the influence of the wood cycle in the economy and development of the mountainous part of Santa Catarina. This region has traditionally been linked to extensive livestock, and its main city is Lages. This paper is based on the socio-spatial formation paradigm, which provides the basis for the dialectical understanding of the economic and social processes that occur in the region. The literature about the development of the mountainous part of Santa Catarina, also called, AMURES (Association of Municipalities of the Highlands) seeks, above all, to emphasize the history of the region since the origin of the city of Lages (city of farmers) passing by the different phases of the wood cycles: the exploration of araucaria started in the 30's, and in the 80’s, there was a second cycle, the use of exotic woods such as pine and eucalyptus for reforestation. The current cycle aims at developing fast-growing species in order to boost the local economy. Therefore, to understand the transformations that have occurred in this region that has changed from a stationary conjuncture related to livestock, to a capitalist economy strongly inserted in the national economy is the challenge of this work.

1 Mestranda no programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina.

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Keywords: Livestock; Wood Cycle and Reforestation.

1. Introdução

Este trabalho busca resgatar a história econômica do município de Lages, a fim de

compreender a importância do ciclo madeireiro para esta região. Levando em consideração

as condições físicas e os aspectos econômicos da Região Serrana presentes em um só

ecossistema, permite-se contemplar não apenas o munícipio de Lages, mas também seus

aspectos de ligação com a região AMURES - Associação dos Municípios da Região

Serrana. Esta associação criada em 1945, tem como sede o município de Lages, sendo

composta por mais dezessete cidades, sendo estes, Anita Garibaldi, Bocaina do Sul, Bom

Jardim da Serra, Bom Retiro, Campo Belo do Sul, Capão Alto, Carro Negro, Correia Pinto,

Otacílio Costa, Painel, Palmeira, Ponte Alta, Rio Rufino, São Joaquim, São José do

Cerrito, Urubici e Urupema, possuindo no total aproximadamente quatrocentos mil

habitantes (FIGURA 1).

Será abordado inicialmente dados da história do município de Lages, suas vocações

iniciais, a pecuária, a ocupação da região e sua relação com o tropeirismo, com o latifúndio

ligada à imagem da “Cidade dos coronéis”. Após esta abordagem referente a gênese do

município e da fase pecuarista, este trabalho pretende explicar o ciclo da madeira na

região, sua relação com a criação do gado, a exploração da madeira de araucária e a

continuação desta exploração, após a proibição do corte. Bem como, tratar dos novos

cultivos e formas de diversificar a economia.

Considerando a importância do setor madeireiro na formação histórica, econômica

e na organização socioespacial da região da Serra Catarinense, este trabalho objetiva então,

compreender as transformações ocorridas na região, de uma conjuntura estacionária ligada

à criação de gado e ao setor madeireiro, à uma economia capitalista de forte inserção em

escala nacional.

Figura 1: Mapa de localização da região AMURES.

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Fonte: Base cartográfica: Mapoteca digital de SC/Epagri/IBGE, 2004.

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2. A gênese da ocupação do município de Lages

Os campos de Lages, inicialmente ocupados por indígenas2, passaram a ser

percorridos, desde a primeira metade do século XVI, por bandeirantes paulistas, jesuítas e

viajantes europeus. O intercâmbio comercial estabelecido por paulistas e mineiros com

estancieiros gaúchos acontecia pela Estrada dos Conventos. Esta estrada teve início em

1727 e unia os campos de Viamão a São Paulo, sendo o primeiro caminho aberto na costa

sul do Brasil rumo à região do planalto catarinense colaborando para o povoamento inicial

da região. Muitos tropeiros, atraídos pela extensão das terras ficaram na região e se

tornaram fazendeiros (BLOEMER, 2000).

O governador da Capitania de São Paulo incumbiu o bandeirante Antônio Correia

Pinto Macedo a fundar o povoado. A fundação de Nossa Senhora dos Prazeres dos Campos

das Lagens foi oficializada em 22 de novembro de 1766. Em maio de 1771, a povoação foi

elevada à categoria de Vila, permanecendo assim até 1820, quando foi desanexada de São

Paulo e passou a fazer parte de Santa Catarina. O antigo nome só foi substituído por Lages

em 1960. A fundação do município se deu em 22 de maio de 1776. O município teve três

tentativas de povoação: primeiramente na região da Coxilha Rica, depois beirando o Rio

Caveiras e a terceira, com sucesso, às margens do Rio Carahá (SILVEIRA, 2005).

No século XIX foram estabelecidas, no litoral catarinense e no território do Rio

Grande do Sul, numerosas colônias de agricultores alemães e italianos. Na segunda década

do século corrente, a construção da estrada de rodagem Florianópolis – Lages levou os

descendentes dos antigos imigrantes a galgarem o planalto, onde chegaram aos poucos. Os

colonos que chegaram no início do século começaram o desbravamento da Mata de

Araucária, muitos destes, instalaram serrarias na região, transformando-se em madeireiros.

Estes, se depararam com um espaço em parte já ocupado pelos caboclos que viviam como

posseiros, em terras devolutas ou de proprietários comumente ausentes, ou como

2 A região de campos e florestas na Serra Geral era habitada por Xoklengs e Kaingangs, tribos de 50 a 300

pessoas essencialmente nômades e dependentes da caça e da coleta. Praticavam alguma agricultura e tinham o pinhão como um alimento básico.

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agregados3 no interior das fazendas. A esses, juntou-se uma pequena leva de brasileiros

que migraram do litoral catarinense no início da década de 30 em busca de terras e

oportunidades de trabalho em serrarias (BLOEMER, 2000).

Em 1910 a produção madeireira visava suprir apenas o mercado local. Não havia

estradas e nem veículos suficientes para atingir outros mercados, além disto o consumo de

madeira era baixo. Nesta época, o extrativismo, característico do setor primário da

economia, desenvolveu-se com o começo das derrubadas destinadas a formar matéria-

prima para as serrarias. Somente três décadas depois é que houve evolução para o setor

secundário, isto é, o estabelecimento das indústrias de transformação (COSTA, 1982).

De acordo com a forma que esta indústria se expressava no meio, Peluso (1991, p. 233) afirma que:

Grande número de propriedades se localiza dentro do perímetro das cidades, correspondendo a atividades agrícolas complementares de ocupações urbanas. A maior parte, porém, está nos arredores das cidades, e nas regiões em que este tipo de propriedade tradicional é encontrado em comunidades isoladas ou de permeio com as áreas maiores.

Tendo como base a concentração de terra pela formação do latifúndio, a figura do

“coronel” foi central na vida política e social da região. As oligarquias dos Ramos e Costa

governaram Lages até 1973. Sob essa articulação hegemônica de coronéis, é dada ênfase à

construção do “progresso” e da “modernidade” na cidade, durante as décadas de 40, 50 e

60. Desta forma, Lages foi se tornando uma importante cidade na Serra Catarinense,

exercendo a função escolar, hospitalar e comercial. Devido sua situação geográfica o

município se transformou em um centro de atividades para as regiões vizinhas (PELUSO,

1991).

3. A criação de gado

A criação de gado era efetuada em meados do século XIX, tendo em vista o couro e

a exportação para São Paulo. A pecuária de Lages foi estimada no ano de 1.859 em 8.769

cabeças, enquanto o gado em trânsito foi de 446.213. O nomadismo, que acompanha a

exploração pastoril, não se implantou em Lages. Os tropeiros não viajavam sempre e

quando o faziam, deixavam as famílias nos ranchos em que residiam (PELUSO, 1991).

3 A existência do agregado na região remonta à origem do povoamento do planalto catarinense. Os paulistas que o realizaram trouxeram em sua companhia agregados e escravos para a lida do campo, em geral mestiços e negros.

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Esta criação era viável, principalmente, devido ao isolamento da região, que

dificultava a exploração agrícola do solo florestal, sendo assim, o pastoreio e a pequena

lavoura eram os cultivos praticados para consumo próprio. Este isolamento moldou o

caráter do homem do planalto, e sua evolução social deve ser olhada através dos problemas

criados pelo isolamento e pelo pastoreio. Para Peluso (1991, p.113), “é nos latifúndios

paulista dos séculos XVII e XVIII que se encontram as origens do sistema social que se vê

na atual fazenda catarinense”.

A lenta ocupação que se deu ao longo do Caminho do Sul levou à organização de

estâncias e consolidou a pecuária na região. Somente após um século desta ocupação é que

se desperta a “vocação florestal” do Planalto Catarinense (AGOSTINI, 2001).

4. O início da exploração da araucária

A maioria dos madeireiros que se instalaram na Serra Catarinense era de

procedência simples, com pouca formação escolar e natural do interior do Rio Grande do

Sul. Estes migrantes são divididos em dois grandes grupos: os donos de madeireira,

atividade exploratória e temporária, que ficaram nesta região, em sua maioria, até terminar

a exploração e depois se dirigiram a outros locais; e grupos que migraram para trabalhar

nas madeireiras e em todo o setor terciário e de prestação de serviços necessários à

atividade madeireira, como por exemplo, motoristas e comerciantes, grande parte destes

permaneceram na região. Além desses dois grupos, houve a migração interna, dos

agregados e peões das fazendas que devido à destruição de seu modo de vida no campo se

dirigiram à cidade em busca de novas alternativas de sobrevivência (PEIXER, 2002).

De acordo com Silveira (2005, p. 93):

O “ciclo da madeira de araucária” não substituiu nem aboliu a tradição agropecuária. Pelo contrário fortaleceu-a. Madeireiros e fazendeiros fizeram parceria e a arrecadação pela venda da madeira talvez tenha dado fôlego à cultura de criação bovina das grandes fazendas, que entravam no mesmo período num processo de transformações decorrentes da conjuntura do mercado e da própria produção pecuária que necessitava se modernizar.

O mercado de Lages e região era suprido pelas serrarias locais, mas o empreendedor

madeireiro lageano não tinha infraestrutura necessária para atender outros mercados. Estas

serrarias, com todas as suas dependências diretas, as casas dos trabalhadores, ou pequenos

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“comércios” que, por vezes, se instalam nas proximidades, foram o centro de vida e de

movimento e muitas vezes deram origem a povoados e vilas.

A exploração de madeira na Serra Catarinense foi tardia devido ao isolamento da

região, e também pelo fato de a elite agrária estar condicionada a dinâmica da pecuária a

não dar importância aos pinheiros (FLORIANI, 2007). Em 1942, o departamento de

estatística e Publicidade do Estado apresenta dados da Agência de Estatística de Lages,

apurando 318.265 bovinos, 52872 equinos, 42.128 suínos e 28.859 ovinos. Os pinheiros

ainda não faziam parte do levantamento. Nota-se a lentidão do povo lageano em notar a

riqueza do pinho (SILVEIRA, 2005).

De acordo com Silveira (2005, p. 35):

A araucária foi, por longo tempo, considerada pela população um estorvo nos campos de Lages. As grimpas, pequenos galhos dos pinheiros, com folhas pontiagudas, machucavam o gado que pastava, então os pinheiros eram anelados na base com um corte em forma de anel na casa da árvore, que fazia com que o pinheiro apodrecesse liberando assim espaço para campos de pastagem.

Outra razão para a demora do início da exploração foi a própria perspectiva rentista

da terra, comum entre proprietários rurais da região, que não dependiam das terras para

obter renda e realizavam poucos investimentos, visto as grandes exigências da exploração

florestal, o desdobro em serrarias e o transporte da madeira (SILVEIRA, 2005).

Este isolamento geográfico da região contribuiu para retardar a ampla

transformação socioeconômica da região da Serra Catarinense até a década de 40, através

da exploração econômica no que usualmente se chama de “ciclo da madeira”. Nesta época

havia, somente na Serra Catarinense, uma quantidade4 extraordinária de mais de 60

milhões de pinheiros para corte (SILVEIRA, 2005).

A partir do ciclo da madeira de araucária é que Lages desperta para o progresso

social e cultural. Apesar da falta de infraestrutura Lages passou por uma profunda mudança

social, cultural e econômica. A partir de meados da década de 40, a indústria madeireira

passou a ter maior significância econômica que a pecuária. Para Costa (1982, p. 914), “a

abertura de BR 2, atual BR 116, foi o fator decisivo para a expansão do mercado

madeireiro de Lages e Curitibanos”. Esse movimento em torno da madeira fez surgir na

4 O maior número de pinheiros por km² encontrava-se na região da Serra Catarinense e em Curitibanos, média de 2.967 pés/km² (SILVEIRA, 2005).

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região do Planalto Serrano um conjunto de atividades econômicas que dependem ou dão

suporte à extração madeireira.

Na década de 405, as necessidades domésticas do país por madeira e a demanda

devido à Segunda Guerra Mundial fizeram com que a madeira ganhasse importância

internacional, impulsionando uma corrida pelo “ouro verde” de Santa Catarina. Este

contexto desencadeia o processo econômico do ciclo da madeira de Araucária de 1940 a

meados de 1970, período mais intenso, com numerosas serrarias, o quadro, (QUADRO 1),

a seguir apresenta uma relação da madeira exportada a cada ano.

Quadro 1 – Madeira exportada por Santa Catarina – 1929-1976 (em %)

Ano Porcentagem

1929 15,1

1935 16,0

1940 24,8

1945 67,5

1950 60,0

1955 64,0

1960 68,4

1965 79,0

1970 61,6

1972 45,8

1974 26,5

1976 4,5

Fonte: Goularti Filho (2002). Nota: adaptado pela autora

Lages viveu um momento de euforia, foi o município de maior arrecadação no

Estado. Entre as décadas de 1940 e 1970, foram criados aproximadamente 50 bairros6.

Foram anos de considerável aumento da circulação de dinheiro; de investimentos públicos

na urbanização; de crescimento dos problemas sociais, como falta de moradia, violência e

prostituição; e de intervenção pública na construção de hospitais, colégios, estradas,

sistema de aviação, e aumento dos bairros e periferia. Lages configura-se então como um

polo receptor do êxodo rural na região (SILVEIRA, 2005).

5 Neste período as reservas do Rio Grande do Sul estavam se exaurindo, e o preço da madeira no mercado nacional e internacional havia sido valorizado. 6 Atualmente o município de Lages é composto por sessenta e cinco bairros.

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Este período de crescimento da periferia7 é percebido como momento crítico da

expansão da cidade, gerado pela chegada de pessoas, em grande parte, desempregadas,

com baixa qualificação e experiência profissional ligados às madeireiras. Logo, a estrutura

latifundiária promoveu a concentração da população na cidade polo.

Os trabalhadores das serrarias que vinham da zona urbana da cidade ou das

fazendas, eram atraídos pela atividade madeireira que melhor remunerava em comparação

com outras atividades de mão-de-obra não especializada. O emprego oferecido nas

serrarias, com suas vilas operárias, provocou uma disputa pela mão-de-obra do peão8.

Algumas mulheres e crianças acima de 12 anos também trabalharam, principalmente nas

fábricas de pasta mecânica. Apesar de dados omitidos, estima-se que 3% dos trabalhadores

fossem mulheres e crianças. Já no setor madeireiro, o serviço era exclusivamente

masculino – o que trazia prejuízos à família que contava apenas com o salário do homem.

Quanto à evolução de maquinários, esta ocorreu anteriormente na Alemanha.

Posteriormente, este país passou a enviar máquinas a Santa Catarina em troca de madeira.

Quando a tecnologia chegou ao Brasil, ocorreu uma revolução na economia. As máquinas

foram responsáveis pela diminuição da mão de obra, por nivelar o terreno, economizar

madeira, e principalmente pela rapidez do serviço. A Alemanha fabricava a motoserra

desde o século XX, mas Lages só passou a utilizá-la no fim da década de 60. Até a década

de 50 e início da década 60 o locomóvel9 foi a fonte de energia utilizada (SILVEIRA,

2005).

O consumo da madeira de araucária era extrativista10. O pinheiro era derrubado

com a finalidade de faturar, exportar, crescer, vender, arrecadar e desenvolver. O comércio

da madeira de araucária ocorreu conforme os fazendeiros padronizaram, ocorrendo de

forma metódica na década de 50, com a intermediação do Instituto Nacional do Pinho11

7 Há uma subordinação da classe pobre aos recursos da região.A floresta de Araucária rendeu à população madeira por baixo preço e, por isso, mesmo as casas miseráveis não apresentam os aspectos encontrados nas favelas das outras cidades no Brasil. 8 Inicialmente, o corte era efetuado com um traçador. Só no final a década de60 é que se inicia o uso de motosserras. 9 Locomóvel era uma máquina a vapor alimentada por lenha e tinha por finalidade produzir energia e era utilizado nas serrarias. 10 Não só na Serra Catarinense, no final do século XIX, Percival Farquhar (empresário estadunidense) montou a madeireira Southern Brazil Lumber&Colonization Company. A Lumber explorou araucária por 40 anos no Oeste de Santa Catarina. 11 O I.N.P foi criado durante o Estado Novo por Getúlio Vargas.

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(I.N.P). Este era responsável por regular todo o processo: desde a produção, os preços, as

exportações, fiscalização e arrecadação de tributos. Porém, a legislação não foi eficiente

contra as derrubadas desenfreadas de madeiras, a fiscalização foi inadequada, ocorreram

falhas na coordenação do I.N.P quanto ao controle do corte e de vendas. Logo, muita

araucária foi cortada de forma ilegal,ocorrendo declínios nos lucros (SILVEIRA, 2005). O

governo militar, através do Ministério da Agricultura criou, em 1965, em conjunto com os

madeireiros, a Lei de Incentivos Fiscais para novos reflorestamentos. Sylvio Pinto da Luz,

disponibilizou-se a fiscalizar este processo e constatou poucas áreas reflorestadas, algumas,

inclusive, simulavam um reflorestamento, com plantações apenas em áreas visíveis. Em

1967, o então presidente do I.N.P, General Sylvio Pinto da Luz alterou a resolução que

tratava especificamente das cotas de exportação que passaram a ser fornecidas não mais de

acordo com o estoque, mas mediante ações de reflorestamento. Desta forma, foi “dada a

largada” da corrida para o reflorestamento e muitos proprietários de terras apresentavam

enormes projetos com este fim, além de mudanças tecnológicas, econômicas, políticas e

culturais (SILVEIRA, 2005).

Em 1964, o INP foi extinto e foi criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento

Florestal - IBDF, cuja atuação obedecia basicamente à letra do novo Código Florestal,

sancionado em 15 de setembro de 1965. Após conflitos com os madeireiros locais, foi feito

um acordo em reflorestar, os fazendeiros perceberam a importância desta atividade visando

à continuidade deste recurso no futuro (SILVEIRA, 2005).

Na década de 90 com a proibição do corte da araucária em Santa Catarina

decretado12 pelo IBAMA, inicia-se efetivamente a transição no setor de exploração da

madeira nativa para a exploração da madeira exótica, Pinus. As famílias que investiam

neste setor e que permaneceram na região passaram a investir nos cultivos de Pinus e

Eucalipto.

5. O pinus e o eucalipto

12 Em 2006 foi reformulada a Lei 11.428/2006 que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do bioma Mata Atlântica. E em 2012 têm-se o novo Código Florestal Federal nº 12727-12 com novas determinações.

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Na década de 60, a crise econômica havia se instalado em Lages motivada pelo

setor madeireiro. A falta de planejamento a longo prazo dos setores produtivos locais e a

cultura empresarial tradicional, ou seja, a falta de espírito empreendedor, contribuiram para

a lentidão do desenvolvimento industrial da região. Neste período de crise houve um

adensamento da população no espaço urbano, aumento da periferia13 e dos problemas

sociais correlacionados e pela falta de perspectiva de um novo eixo condutor de

desenvolvimento diante do que se esgotara (PEIXER, 2002).

No processo de migração de setor, dois momentos devem ser considerados.

Primeiro, uma migração externa atraída pelas ofertas de empregos nas serrarias e

madeireiras na década de 60. Em segundo, a partir da década de 70, a migração interna

para a cidade, ocasionada pela crise do setor madeireiro, com o fechamento das mesmas e

o deslocamento dos chamados “peões” das vilas para a cidade.

Os primeiros plantios de pinus14, visando sua utilização na silvicultura no Brasil

iniciou em 1936, com experimentos realizados pelo Serviço Florestal, atual Instituto

Florestal de São Paulo, a partir de sementes de procedência europeia. Em 1947 foram

importadas dos Estados Unidos as primeiras sementes de Pinus15

Elliottii. Porém, foi

somente a partir de 1966, com a implantação do Segundo Código Florestal brasileiro e da

lei de incentivos fiscais que efetivamente se iniciaram os reflorestamentos. Primeiramente

a madeira de pinus era vista com preconceitos quanto a sua qualidade, porém, com a

proibição do corte da araucária, o pinus se revelou uma boa fonte de renda e passou a ser

valorizado (SILVEIRA, 2005).

Segundo Silveira (2005 p. 251):

Os primeiros desbastes eram de madeira de baixa densidade e mecanicamente fraca. Conseqüentemente, não foi bem aceita no mercado. O conceito era de que o Pinus era uma madeira de baixa qualidade. Uma madeira suscetível à deterioração por fungos manchadores e apodrecedores. De fato foi assim no começo do processamento da madeira de Pinus para a indústria. Atualmente estão dominadas desde técnicas de melhoramento florestal, como de plantio, manejo, colheita e transporte, e de processamento nas serrarias e laminadoras.

13 E entre 1970 e 1980, nota-se um crescimento urbano de 35% e um decréscimo na população rural de 1%. Em termos absolutos, a população urbana aumentou de 36.647 em 1960 para 82.006 em 1970 e 108.727 em 1980 (PEIXER, 2002). 14 A primeira plantação que gerou as primeiras mudas brasileiras de Pinus Elliottii foi realizada precisamente em 21 de setembro de 1949 (SILVEIRA, 2005). 15 Em 1948 ocorreu um programa de fomento para povoamentos florestais com a distribuição de plantas de Pinus Radiata, espécie que se revelou inadequada às condições climáticas.

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No final do século XX ocorreu um período de grande relevância da atividade

florestal com o avanço dos reflorestamentos de pinus (Pinus elliottii e Pinus taeda16),

também chamado de “segundo ciclo da madeira”, ou “ciclo do pinus”. Este novo período

não repete a mesma ruptura econômica e cultural vivenciada 50 anos antes, nem se pode

dizer que experimenta os mesmos elementos de apropriação social.

O plantio de pinus se inicia então na década de 1950 em experimentos de

promovidos por proprietários rurais, escola agrotécnica e empresas florestais. Fábricas de

Papel e Celulose, inicialmente alimentadas por madeira de araucária, passaram a se

abastecer de pinus. Na década de 1990 o pinus se consolida como fonte de matéria-prima

(FLORIANI, 2007).

Este novo ciclo da madeira em sua primeira fase representou uma importante

contribuição às famílias com propriedades rurais, que puderam com a venda da madeira,

ampliar suas áreas de terras. Com o avanço do ciclo, aqueles com melhores condições de

acesso a mercados que detinham poder político, possuíam laços de confiança com outras

famílias tradicionais e outras fontes de renda, beneficiaram a madeira podendo assim

acumular capital, iniciando um processo de aquisição de terras (FLORIANI, 2007).

A maturação das florestas de Pinus para o abastecimento da indústria madeireira

leva em torno de 20 anos, isto explica o reaquecimento do setor florestal a partir de meados

da década de 80, mas principalmente a partir de 1990. No final da década de 90, os dados

revelam que a posição do município de Lages subiu no “ranking” da economia estadual,

concomitantemente com a utilização da madeira, proporcionada pela “Floresta Artificial

Homogênea”. O investimento florestal é mundialmente conhecido pelo caráter de longo

prazo, baixo risco e retorno atrativo (AGOSTINI, 2001).

Antes que o reflorestamento se consolidasse como uma alternativa competitiva de

uso do solo no final do século XX, havia dúvidas sobre a viabilidade do plantio de

florestas, em virtude dos fracassos de replantio da araucária17. Não havia mais interesse no

reflorestamento de araucária, o plantio do pinus tornara-se mais atrativo, na medida em que

16 O Pinus Taedaé mais exigente em solos que o Pinus Elliottii, não produzindo resina, que pode constituir uma fonte de renda alternativa, quanto é menos resistente ao ataque da vespa da madeira (FLORIANI, 2007). 17 Atualmente os reflorestamentos de araucária são inexpressivos, pois apenas 1% do total das mudas distribuídas, corresponde à espécie. Atribui-se esse fato afalta de incentivos fiscais e ao desinteresse do setor madeireiro, uma vez que a Araucária se comparada ao Pinus, perde em tempo de desenvolvimento e tecnologia utilizada para desdobramento da madeira (AGOSTINI, 2001).

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experiências bem sucedidas se difundiam, mas principalmente a tecnologia e o mercado

permitiam utilização da madeira de pinus18 , este era usado também para a fabricação de

papel e celulose, em serrarias, laminação, e móveis (SILVEIRA, 2005).

A exportação de madeira de pinus teve início quando as primeiras plantações

atingiram os últimos anos do primeiro ciclo, isto é, há cerca de 20 anos. Os maiores

consumidores de produtos florestais no mundo, em 2005, conforme a FAO (2009) são os

seguintes:

Toras de madeira: Estados Unidos da América (25%); Canadá (12%); China (8%); Brasil

(6%) e Rússia (5%).

Madeira Serrada: Estados Unidos da América (30%); Japão (6%); Canadá (5%); Brasil

(5%) e China (5%) (MAZZOCHIN, 2010).

Quanto ao eucalipto19, este não se desenvolveu na região do Planalto Catarinense

na mesma medida que o pinus. Desde a introdução do eucalipto, diversas dificuldades

foram contornadas para viabilizar o plantio deste gênero na região com temperaturas mais

frias do Brasil. O maior limitante para o desenvolvimento do eucalipto é o clima, as baixas

temperaturas acompanhadas de geadas limitam o número de espécies adaptadas. Além de

exigir solos mais férteis que o pinus, as espécies que produzem madeiras de qualidade são

susceptível à geadas. No entanto, a madeira desta espécie não possui qualidade apropriada

para a serraria, atividade econômica de base florestal predominante na época,

impossibilitando seu uso em substituição à araucária. O Eucalipto benthamii é considerado

a grande aposta para a região, com esta espécie iniciou-se, em 2006, a experimentação de

plantios de eucalipto sobre o dossel de pinus com 24 anos de idade, onde 20 ou 40

árvores/h protegem o eucalipto de geadas (FLORIANI, 2007).

Pode-se afirmar que o setor florestal, em nível mundial, é bastante diversificado e

complexo. Na figura, (FIGURA 2), pode-se observar o processo de utilização da madeira

18 A madeira de pinus foi utilizada inclusive na construção do Ginásio Municipal de Esportes de Lages, Jones Minosso, este, é na América Latina, o maior vão livre construído em madeira de pinus (80 metros) com capacidade para 5.000 pessoas sentadas. 19 O eucalipto foi introduzido no Brasil no início da década de 1900, originário da Austrália e Nova Zelândia (MAZZOCHIN, 2010).

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e na continuidade deste trabalho, uma breve descrição de cada um dos produtos resultantes

deste setor.

Figura 2: Processo de utilização da madeira

Fonte: Autores: Thais Linhares Juvenal e René Luiz Grion Mattos (2002, p. 06).

5.1 A indústria de Papel e Celulose Os senhores Irineu Bornhausen e Victor Deeke fundaram em um lugar denominado

Encruzilhada, (atual município de Otacílio Costa), a Fábrica de Papel Itajaí. A conclusão

da instalação de toda a infraestrutura necessária para entrar em operação ocorreu em

1954, composta inclusive de casas para os operários e usina hidrelétrica. Devido ao

alto grau de endividamento, o empreendimento foi vendido (1958) para a norte-

americana Olinkraft. Também nas proximidades, instalou-se a Fábrica Papel e Celulose

Catarinense (PCC), iniciativa do grupo Klabin.

Na Região Serrana a empresa Klabin existe há 112 anos. Teve início com as

famílias20 Klabin e Lafer. Atua principalmente nos municípios de Otacílio Costa e Correia

Pinto. Iniciou suas atividades em Otacílio Costa em 1958, como Olinkraft, em 1982

mudou sua razão social para Manville, em 1992 para Igáras e em outubro de 2000 passou a

20 A Klabin é uma empresa nacional de capital paulista, e atualmente é a maior exportadora de papéis do país. Analisando-se os dados mundiais constata-se que o Brasil, em 200,1 foi considerado o 7º produtor mundial de celulose e o 11º colocado mundial na produção de papel. Além das unidades em Santa Catarina, possui filiais em São Paulo, Paraná, Goiás, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (HOFF e SIMIONI, 2004).

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Klabin. Possui aproximadamente 30% do território neste município. Na região de Correia

Pinto, possui uma unidade menor, anteriormente conhecida como Celucat, mas pertencente

ao capital da empresa Klabin.

A empresa Klabin21 Papel e Celulose S.A. iniciou o plantio22 de pinus em 1969,

para atender a demanda da matéria prima necessária para suas atividades. A celulose obtida

através da madeira de Pinus é de fibra longa, ou seja, propícia para a fabricação de papéis,

embalagens e artefatos de alta resistência. Por se tratar de uma indústria de papel e

celulose, e não necessitar de madeira de alta qualidade, não executa mais a prática dos

desbastes, pois o corte raso, aos doze ou quinze anos após o plantio é mais lucrativo. A fim

de diversificar sua produção passou a cultivar o Eucalipto Benthamii23

. Este, possui

celulose de fibra curta, e é utilizado principalmente na fabricação de papéis de imprensa e

para fins sanitários. O eucalipto tornou-se um importante cultivo por ser uma espécie de

uso múltiplo, com possibilidade de atender a diversos segmentos, principalmente para

energia. Devido também ao seu rápido crescimento24, o eucalipto é largamente aproveitado

por este setor.

5.2 Painéis de madeira

Os painéis25 são estruturas fabricadas com madeiras laminadas ou em diferentes

estágios de desagregação que são aglutinadas pela ação de pressão e temperatura, com uso

de resinas em alguns casos. Esse tipo de produto substitui a madeira maciça em diferentes

usos, como na fabricação de móveis e pisos. Surgiram da necessidade gerada pela escassez

e pelo encarecimento da madeira maciça. São utilizados na indústria moveleira e no setor

de construção civil. A matéria-prima utilizada é o pinus e o eucalipto. A indústria de

extração e beneficiamento de madeira é responsável pela produção de uma diversificada

linha de produtos, que são utilizados nas mais diversas finalidades (MAZZOCHIN, 2010).

5.3 Aglomerado

21 A empresa Klabin responde por 19,3% da fabricação nacional de papel. Em 2003, a Klabin SC cultivava 55,5 mil ha de pinus e apenas 3,4 mil ha de eucalipto. Possuem aproximadamente 160 mil h. somente em Santa Catarina. 22 A Klabin possui viveiros em Telêmaco Borba e em Otacílio Costa. 23 Na Klabin, o Pinus representa 90% e o Eucalipto os outros 10%.

24 O corte do eucalipto pode ser feito oito anos após o plantio. 25 Os processos para obtenção do aglomerado/MDP, MDF e OSB são chamados de via seca porque não utilizam água, enquanto o usado para a fabricação da chapa dura é via úmida, um processo mais antigo e poluente (MAZZOCHIN, 2010)

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O aglomerado é uma chapa fabricada com partículas de madeira aglutinadas por

meio de resina com ação de calor e pressão. A matéria-prima para a fabricação provém de

resíduos da indústria da madeira, da exploração florestal ou de madeiras não

industrializáveis. No Brasil, a madeira de florestas plantadas, sobretudo pinus e eucalipto, é

a principal fonte de matéria-prima. É utilizado principalmente na fabricação de móveis

retilíneos (tampos de mesas, laterais de armários e estantes e divisórias) e, de forma

secundária na construção civil (MAZZOCHIN, 2010).

5.4 MDF (Medium Density Fiberboard) 26

No segmento de painéis de madeira, o grande destaque são os painéis de fibra

reconstituída, a exemplo do MDF27, este possui fibra de média densidade sendo uma chapa

fabricada em um processo similar ao do aglomerado, mas utilizando madeira com maior

grau de desagregação, ou seja, reduzida a fibras, que são aglutinadas por meio de resinas,

com ação do calor e pressão. A matéria-prima utilizada é tanto o Pinus quanto o Eucalipto.

O MDF possui características que se aproximam da madeira maciça, como consistência,

boa estabilidade dimensional e por isso tornou-se uma matéria-prima desejada pela

indústria moveleira (MAZZOCHIN, 2010). A produção de MDF foi iniciada no Brasil em

1997com 30 mil m³, chegando em 2000, a mais de 380 mil m³. Apresenta uma taxa de

crescimento de 3,31% ao ano, representando 2% da produção mundial em 2001(HOFF e

SIMIONI, 2004).

5.5 Chapa de fibra

Também conhecida como chapa dura (hardboard), a chapa de fibra é de espessura

fina, que resulta da prensagem a uma temperatura elevada de fibras de madeira por meio de

um processo úmido, que reativa os aglutinadores naturais da própria madeira e confere ao

produto alta densidade. No Brasil, utiliza-se como matéria-prima a madeira de eucalipto de

florestas plantadas (MAZZOCHIN, 2010).

5.6 OSB (Oriented Strand Board)28

O OSB é também conhecido como painel de tiras orientadas. É formado por tiras

ou lascas de madeira orientadas perpendicularmente em diversas camadas, unidas por

26 Tradução livre: Placa de fibra de média densidade. 27 Na mesma categoria do MDF encontra-se o HDF (high densityfiberboard) – chapa de fibra de alta densidade. Por ser mais denso que o MDF o HDF possui aplicação específica na fabricação de pisos. 28 Tradução livre: Painel de tiras orientadas

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resinas e sob a ação de alta pressão e temperatura. Sua utilização se dá na fabricação de

móveis, mas principalmente em painéis decorativos, em embalagens e na construção civil,

onde concorre com os compensados na utilização em formas para concreto e tapumes.

Foi desenvolvido nos Estados Unidos. O único fabricante brasileiro de OSB é a

Masisa, localizada no município de Ponta Grossa (PR), que começou a produzir em 2002.

Até então o produto era importado em pequenas quantidades. Sendo assim, em virtude de

seu processo de fabricação recém introduzido, o mercado de OSB no país ainda está

em vias de desenvolvimento (MAZZOCHIN, 2010).

5.7 Compensado

Os compensados são painéis formados por numerosas lâminas29 de madeira, são

utilizados na fabricação de móveis, na construção civil, e também como embalagens. Na

construção civil, o compensado é utilizado por sua qualidade superior, quando comparado

com outros produtos mais baratos para sua substituição como no caso do OSB

(MAZZOCHIN, 2010).

5.8 EGP (Edge Glued Panel) 30

É caracterizado como um conjunto de peças de madeira colada lateralmente

formando um painel. A maior parte da produção nacional é feita de pinus, embora possam

ser fabricados com madeira de folhosas tropicais ou com madeira de eucalipto. O EGP é

utilizado principalmente na fabricação de partes e peças de móveis em madeira. Sua

utilização é a mesma do compensado.

6. Considerações finais

De acordo com Santos (2009 p. 48):

Durante praticamente três séculos, o território brasileiro conheceu uma utilização fundada na exploração dos seus recursos naturais pelo trabalho direto e concreto do homem, mais do que pela incorporação de capital à natureza que, durante esse tempo, teve um papel relevante na seleção das produções e dos homens. Nos cem anos que vão da metade do século XIX à metade do século XX, algumas áreas

29

As lâminas de madeira são obtidas por um processo de fabricação que se inicia com o cozimento das toras de madeira

e seu posterior corte em lâminas. Existem dois métodos de produção: o torneamento e o faqueamento. No primeiro, a

tora já descascada e cozida é colocada em torno rotativo. As lâminas assim obtidas são destinadas à produção de

compensados. A lâmina faqueada é obtida a partir de uma tora inteira e é utilizada para fins decorativos e para

fabricação de painéis. (MAZZOCHIN, 2010) 30 Tradução livre: Painel de bordas coladas.

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conhecem a implantação de um meio técnico, meio mecanizado, que altera a definição do espaço e modifica as condições do seu uso.

Esta estrutura de organização do espaço pode ser observada no município de Lages,

bem como no processo de ocupação do Sul do Brasil. Ao contrário das demais regiões

brasileiras, essa ocupação caracteriza-se por colonizações de pequenos agricultores

consagrados à criação de gado no planalto e a pequena lavoura no litoral. As condições

climáticas, históricas e geográficas foram também responsáveis pela produção florestal

nesta região (MAMIGONIAN, 1999).

O município de Lages passou por dois momentos marcantes no crescimento

econômico e populacional. Primeiramente, na década de 40, com o início da exploração da

madeira que se estendeu até meados da década de 60. Período de grande circulação de

pessoas, mercadoria, dinheiro e expansão dos limites da cidade. O segundo momento

ocorreu no final da década de 60, com o fim do “ciclo da madeira de araucária” e com a

procura de alternativas para o desenvolvimento econômico. Esses dois momentos

trouxerem profundas modificações no estilo de vida. Com as madeireiras, a cidade

vivenciou uma nova perspectiva econômica e ganhou importância no contexto estadual e

até mesmo nacional (PEIXER, 2002). O presente trabalho possibilitou a

compreensão do funcionamento geoeconômico do atual ciclo madeireiro que gira em torno

da madeira do pinus e eucalipto e que se destinam, sobretudo, à indústria de papel e

celulose.

Verificou-se que as famílias que deram início ao ciclo madeireiro da região, eram

oriundas geralmente do Rio Grande do Sul e inseriram a região na divisão territorial do

trabalho ao introduzir as relações capitalistas de produção no local. Já a maioria das

famílias tradicionais do planalto catarinense, via de regra, não ingressou no ramo

empresarial. Dentro do ramo da silvicultura, é comum os cargos passarem de geração em

geração, e por falta de vocação e conhecimento do setor, muitas empresas faliram.

O problema no setor se encontra então principalmente com os “pequenos

investidores”. Desde o ano 2009 devido às dificuldades financeiras que o setor enfrenta, se

iniciou uma “filtragem” dos investidores, isto é positivo, a partir do ponto em que há

profissionalização do mesmo. Dentro deste panorama pode-se afirmar que as verdadeiras

empresas tendem a se estabilizar, e as pequenas, a fechar por questão de gestão.

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Analisando o contexto do setor madeireiro na região, pode-se afirmar que os

requisitos básicos para que se desenvolva um Sistema Produtivo Local - SPL31 no Planalto

Serrano estão bastante adiantados, resta principalmente à necessidade de promoção da

cultura da coletividade territorial que possibilite o surgimento das relações de cooperação

que caracterizam um SPL e se consolidem as vantagens desse tipo de sistema produtivo,

promovendo assim um desenvolvimento para a região. A criação da AMURES, é um

exemplo de capacidade de articulação horizontal criada na região com o intuito de

congregar esforços para interesses comuns (GEISER 2006).

Após o fim do ciclo da madeira de araucária, uma espécie de depressão econômica

perdura na região há mais de trinta anos, em decorrência deste fato e, por um modelo

desfavorável de produção agrícola, o contingente expressivo de desempregados egressos

das serrarias desativadas e de produtores rurais que migraram em direção a região urbana

gerou cinturões de pobreza e de subemprego (PEIXER, 2002).

De acordo com Santos (2009, p.11):

O campo brasileiro moderno repele os pobres, e os trabalhadores da agricultura capitalizada vivem cada vez mais nos espaços urbanos. A indústria se desenvolve com a criação de pequenos números de empregos, e o terciário associa formas modernas a formas primitivas que remuneram mal e não garantem a ocupação.

Em síntese, o que se pode verificar é que o “ciclo da madeira” nunca acabou, pois

nunca houve substituição por qualquer outro ciclo econômico. Este ciclo também não

substituiu nem aboliu a tradição agropecuária, criaram-se parcerias entre fazendeiros e

madeireiros. Se a atividade econômica da indústria madeireira na Serra Catarinense é um

ciclo, só se descobrirá em um futuro incerto. Por essa ótica, a região serrana catarinense

não vive um novo ciclo da madeira, mas sim novo momento econômico do setor de base

florestal que está fortalecido com os grandes maciços de áreas reflorestadas.

7. BIBLIOGRAFIA CITADA

AGOSTINI, Estelamaris. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Da araucária ao pinus: uma análise geográfica do Planalto de Lages. Florianópolis, 2001. 118 f.

31 O Sistema Produtivo Local trata da distribuição de atividades em várias empresas e demanda subdivisão especialização e subcontratações.

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Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Geografia.

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GEISER, Gustavo Caminoto: O pólo madeireiro e suas implicações no desenvolvimento daregião dos Campos de Lages, Santa Catarina. Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Agrárias. Florianópolis, 2006.

GOULARTI FILHO, Alcides. Formação econômica de Santa Catarina. Florianópolis, SC: Cidade Futura, 2002.

MAMIGONIAN, Armen. Indústria de Santa Catarina. Florianópolis, 1999. 27p.

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SANTOS, M. A urbanização Brasileira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. 5.ed., 2. Reimpr.