XIX Congresso Nacional de Aterosclerose

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Destaques do congresso

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117Novembro – Dezembro 2011

Especialistas debatem as recentes evidências científicas

Évora foi, este ano, o palco do XIX Congresso Português de Aterosclerose, um evento presidido pelo Dr. Carlos Baeta, que decorreu entre os dias 21 a 23 de Outubro. Durante estes três dias, os especialistas portugueses e alguns convidados estrangeiros apresentaram as recentes evidências científicas no campo da aterosclerose.

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INFORMAÇÃO

DE 21 A 23 DE OUTUBRO, DECORREU EM Évora o 19.º Congresso Português de Aterosclerose. Como acontece todos

os anos, reuniu os médicos portugueses que mais se interessam por debater a aterosclerose, bem como os seus factores de risco, a toda a outra patologia que com ela se correlacio-na. Reuniram-se especialistas portugueses e espanhóis que, durante três dias, debateram e analisaram temas diversos.

Sob o ponto de vista científico, tratou-se de um programa abrangente. Abordaram-se os temas clássicos relacionados com a ateros-clerose, como seja a diabetes, a hipertensão arterial e a dislipidemia, mas também outros, inovadores e actuais. São exemplos destes o novo olhar sobre a aterogénese, que o Prof. Roberto Palma dos Reis nos transmitiu, a relação entre auto-imunidade e aterogénese, pela Prof.ª Lelita Santos, e entre HIV e ateros-clerose, pelo Dr. Pais de Lacerda.

É ainda de salientar a actualidade da con-ferência do Prof. Roberto Robles, sobre os valores alvo na redução da pressão arte-rial nos doentes renais, e a oportunidade de actualização e de sedimentação de conheci-mentos que nos foi proporcionada pelos Drs. Alberto Mello e Silva e Francisco Araújo, ao abordarem as novas guidelines da ESA e as novas evidências científicas. A relação entre a alimentação e a actividade física e a atero-génese, que o Prof. Enrique Campillo e o Dr. Romeu Mendes abordaram, constituiu mais um momento alto do Congresso.

Merecem ainda um destaque particular algumas outras conferências, pelo seu carácter abrangente ou inovador.

O Dr. Pedro Marques da Silva, que fez uma excelente actualização do metabolismo

lipídico e das suas implicações na progressão e regressão da aterosclerose, salientou que o conhecimento do metabolismo lipídico e dos processos relacionados com a aterosclerose constitui uma das mais importantes e signi-ficativas estratégias terapêuticas dos últimos anos. É a formação e a progressão da placa aterosclerótica que determinam os eventos cardiovasculares agudos e potencialmente fatais. Na sua génese está a aterosclerose, que é um processo dinâmico, que decorre em ambiente dislipidémico, inflamatório e hemo-dinâmico, que lhe é favoravel.

Salientou também que tem sido a melhor compreensão destes mecanismos complexos que fundamenta a adopção das estratégias terapêuticas actuais, tendentes a proporcio-nar a estabilização e a regressão da placa aterosclerótica. Neste sentido, a metanálise de alguns estudos científicos demonstra que os maiores benefícios são obtidos com a intervenção simultânea na síntese e no trans-porte reverso do colesterol. O impacto mais marcado na regressão da placa aterosclerótica regista-se quando se obtêm incrementos supe-riores a 7,5% no HDL-c, em combinação com uma redução do LDL-c abaixo dos 87,5 mg%. Concluiu que a regressão da aterosclerose é um objectivo terapêutico fundamental na estratégia de intervenção vascular.

A Prof.ª Mafalda Bourbon falou da hiper-colesterolemia familiar (HF) em Portugal. Começou por salientar que se trata de uma doença autossómica dominante, caractariza-da por mutações dos genes LDLR, APOB e PCSK9, que evolui com níveis elevados de LDL-c e desenvolvimento prematuro de doen-ça cardiovascular. Referiu que se estima que em Portugal existam cerca de 20.000 doentes com HF, sendo possível a sua identificação clínica, mas apenas o estudo molecular con-firma a presença da doença.

O Estudo Português de Hipercolesterolemia Familiar (EPHF) tem por objectivo determinar a prevalência da doença e a distribuição da HF em Portugal. O estudo recebeu, desde 1999, 635 casos-index e 1249 familiares, para estudo molecular. Foram referenciados por mais de 30 especialistas de todo o País, de acordo com os critérios clínicos adapta-dos do Simon Broome Heart Research Trust. O estudo molecular é feito em 3 fases, sendo a 1.ª para identificação de mutações nos genes APOB e LDLR, a 2.ª para pesquisa de grandes rearranjos no gene LDLR e a 3.ª para pesquisa

de mutações no gene PCSK9, nos doentes em que não tenham sido encontradas mutações nas fases 1 e 2. No EPHF foram já identifica-dos 504 doentes com um defeito genético num dos 3 genes estudados.

Dos casos-index recebidos, só foi possível identificar uma causa genética em 35% deles. Este valor, que é inferior ao encontrado na maioria das populações europeias, poderá estar relacionado com os critérios de referen-ciação ou com a existência de novos genes para a HF. A propósito desta possibilidade, referiu que está em estudo a identificação de novos genes, nomeadamente, pela sequen-ciação do exoma. Concluiu, salientando que a HF está subdiagnosticada em Portugal, sendo necessário o desenvolvimento de um esforço multidisciplinar para que se possam identificar mais doentes, em especial, crianças e adolescentes, porque o seu risco cardiovas-cular é elevado, mas prevenível, e são, conse-quentemente, os que mais beneficiam com o diagnóstico precoce.

O Prof. Pedro Monteiro falou da prevenção secundária dos doentes com SCA, salien-tando a importância do estudo PLATO nas novas recomendações da European Society of Cardiology. Destacou a necessidade da dupla antiagregação plaquetária e a evidência de que a substituição do clopidogrel pelo ticagrelor representa um acréscimo de eficá-cia e de segurança. Assim, num doente com um primeiro evento de SCA, se tratado com a associação de AAS e ticagrelor, é menor a probabilidade de ocorrência de um novo evento. De acordo com a evidência actual, esta estratégia terapêutica deverá ser seguida, pelo menos, durante um ano.

Esclareceu ainda que os doentes que este-jam a receber outras estratégias terapêuticas poderão iniciar o tratamento com ticagrelor. Salientou uma outra conclusão do estudo PLATO, que mostrou uma redução significa-tiva da mortalidade, após o primeiro evento de SCA. Assim, concluiu que a associação de AAS com ticagrelor, quando comparada com o clopidogrel, representa uma redução mais significativa, quer na ocorrência de um novo evento, quer da mortalidade.

O Dr. Carlos Aguiar abordou a prevenção cardiovascular no doente renal cónico, come-çando por destacar que as guidelines actuais já incluem a doença renal crónica (DRC) na categoria de risco cardiovascular muito elevado.

19.º Congresso Nacional de Aterosclerose

Dr. Carlos BaetaPresidente do 19.º Congresso Nacional de Aterosclerose

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INFORMAÇÃO

A DOENÇA CARDIOVASCULAR (DCV) devida à aterosclerose da parede arte-rial continua a ser uma das principais

causas de morbi-mortalidade a nível mundial E, em Portugal, as projecções para 2015 de um estudo coordenado pelo Prof. Pitta Barros confirmam este cenário e mostram que as pato-logias do aparelho circulatório, nomeadamente a doença cerebrovascular e a doença cardíaca isquémica, continuam a ter um impacto enorme na mortalidade e nos custos directos e indirec-tos, nos gastos com a saúde.

As causas da DCV são multifactoriais, algu-mas atribuídas a factores relacionados com o estilo de vida (tabagismo, actividade física, hábitos dietéticos) são modificáveis. Outros factores de risco também modificáveis são a elevação da pressão arterial, a diabetes e as dislipidemias. Este manuscrito apenas se refere a alguns aspectos na abordagem das dislipidemias.

As novas guidelines da ESC/EAS, publica-das este ano, em Julho, introduziram um novo patamar no cálculo do risco cardiovascular total (RCV total) – são os doentes de risco muito elevado. Como detectá-los? São os que têm doença cardiovascular conhecida (como, por exemplo, os que têm antecedentes de enfarte do miocárdio ou que foram submetidos a revascularização coronária, AVC isquémico, doença arterial periférica); os diabéticos de tipo 1 com lesões nos órgãos-alvo (exemplo, microalbuminúria); os diabéticos tipo 2; os doentes com insuficiência renal moderada a grave (taxa de filtração glomerular estimada < 60 mL/min/1.73m2); e os doentes que tenham níveis muito altos de um factor de risco (exem-plo, HTA grave, dislipidemia familiar).

Para todos os outros, a avaliação do RCV total é feita utlizando as tabelas derivadas do projecto SCORE, que faz a estimativa de risco absoluto a 10 anos de morte cardiovascular e baseia-se nas variáveis sexo, idade, tabagismo, pressão arterial sistólica e colesterol total (mg/dl ou mmol/l).

Para pessoas adultas com idade inferior a 40 anos, as novas guidelines continuam a recomendar o uso da tabela risco relativo para

se exemplificar como uma pessoa com um risco absoluto baixo, em relação a outras do mesmo grupo etário, pode ter o seu risco várias vezes mais elevado do que se esperaria e, desta forma, ajudar a motivar decisões, como adoptar um estilo de vida saudável (deixar de fumar, controlo ponderal, exercício físico, bons hábi-tos alimentares).

Dados da base SCORE mostram que o C-HDL contribui substancialmente para o cálculo do RCV. Assim, e pela 1.ª vez na «Adenda» das novas guidelines da ESC/EAS, foram introdu-zidas tabelas com diferentes valores do C-HDL que modulam o cálculo do RCV total.

Nos doentes de alto risco, não é preciso dis-criminadores de risco adicional. A tabela serve para os casos bordeline, ou seja, os doentes de risco baixo e moderado, em que esses qualifica-dores de risco podem fazer com que o doente/utente passe para o patamar seguinte, no qual se intensifica a estratégia de intervenção.

Quais os valores-alvo da c-LDL

Os novos valores-alvo do c-LDL são mais ambiciosos, até porque sentíamos a necessi-dade dessas metas, como comprovam duas recentes metanálises que envolveram 170.000 participantes em 26 ensaios clínicos aleatori-zados – Cholesterol Treatment Trialists’ (CTT) Collaboration – e publicados em 2010, na Lancet.

Como é habitual nas guidelines das socie-dades europeias, as classes de recomendação (classes I, IIa, IIb, III) e os níveis de evidência (A,B,C) de uma opção terapêutica são estratifi-cados de acordo com a melhor evidência dispo-nível à data da sua preparação e incluem uma estimativa do rácio risco/benefício. De maneira resumida, podemos dizer que:

– Classe de Recomendação IA = é indicada– Classe de Recomendação IIa= deve ser

considerada– Classe de Recomendação IIb= pode ser

considerada– Classe de Recomendação III= não reco-

mendadaAs recomendações para os valores-alvo de

tratamento do C-LDL nas novas guidelines das ESC/ESA são:

– Doentes de risco muito elevado c-LDL<70 mg/dL; não sendo possível alcançar este valor, está preconizada uma redução igual ou superior a 50% do valor basal (classe de recomendação I; nível de evidência A);

– Doentes de risco elevado, que é um núme-ro consideravelmente importante na nossa prá-tica clínica, c-LDL < a 100 mg/dl. (classe de recomendação IIa; nível de evidência A);

– Doentes de risco moderado, C-LDL <115 mg/dl.

A que distância estamos destes valores? Muito longe...

O estudo DYSIS (DYSlipidemia International Study) mostrou que em 22.000 doentes, com uma idade média de 66 anos, medicados com estatinas, cerca de ¾ continu-am a ter pelo menos uma alteração do perfil lipídico. Portugal participou neste estudo com cerca de 900 doentes, distribuídos por 95 cen-tros. Quando se analisam os dados nacionais, particularmente os doentes de «alto risco» ou com DCV ou diabéticos, constatamos que 58-64% têm C-LDL >97 mg/dL, o C-HDL é <40 mg/dL nos homens e <50 mg/dL nas mulheres em 25-32% e os triglicéridos são >150 mg/dL em 40-41%, o que confirma que estamos muito longe dos valores-alvo desejados e que há um espaço grande para melhoria dos parâmetros

Dr. Alberto Mello e SilvaPresidente da Sociedade Portuguesa de

Aterosclerose. Director do Serviço de Medicina I, CHLO (Hospital de Egas Moniz)

Novas guidelines da European Society of Cardiology e da European

Atherosclerosis Society (ESC/EAS)

Actualização na abordagem das doenças ateroscleróticas:

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lipídicos se quisermos diminuir a morbi-morta-lidade da DCV atribuída à dislipidemia.

Como podemos lá chegar?As estratégias de intervenção baseiam-se no

cálculo do risco CV total (tabela SCORE) e nível do C-LDL. (Figura 1)

Recomendações para o tratamento farmacológico da hipercolesterolemia

A terapêutica antidislipidémica com estati-nas é uma prioridade fundamental do tratamen-to das pessoas com risco cardiovascular alto e muito alto, isto é, um risco absoluto de eventos fatais aos 10 anos igual ou superior a 5%, e na maioria das pessoas com diabetes (classe de recomendação IA).

Na escolha de um fármaco antidislipidé-mico, há que ter em conta a expressão das alterações laboratoriais da dislipidemia, o efeito farmacológico, o perfil de efeitos adversos, o perfil de segurança a longo prazo e os efeitos nos objectivos vasculares e na mortalidade total. A relação custo-eficácia deve igualmente ser considerada e sempre individualizada.

Há diferenças nos fármacos antidislipi-démicos na capacidade para redução per-centual do C-LDL necessária para atingir os valores-alvo em função do seu valor inicial. (Figura 2)

Se houver intolerância à estatina, podemos optar por um inibidor da absorção do colesterol ou, em alternativa, recorrer a uma associação com resinas ou com ácido nicotínico.

O que fazer quando os doentes não atingem os valores-alvo com estatinas em monoterapia?

Quando os objectivos terapêuticos não são alcançados, podemos aumentar a dose de esta-tina (atenção ao risco de eventos adversos, nomeadamente miopatia), podemos trocar por

uma estatina mais potente ou então podemos fazer combinações terapêuticas. A «regra dos seis» mostra que, quando duplicamos a dose de estatina, obtemos um acréscimo de redução percentual de 6% do C-LDL.

Abordagem integrada da doença aterosclerótica

Em conclusão, e passando em revista alguns destes tópicos, ouso dizer que os valores-alvo propostos pelas últimas guidelines são bastante ambiciosos: <70, <100, <115 mg/dl, de acordo com o RCV muito alto, alto ou moderado, respectivamente. E não há dúvida de que, nesta corrida, as estatinas são fármacos de primeira linha na generalidade das situações clínicas. A excepção é a intolerância a estes fármacos.

Quando não atingimos os valores-alvo das estatinas em monoterapia, podemos aumentar a dose, substituir por uma mais potente, ou fazer associações terapêuticas. Na minha prática clínica, quando isto acontece, privilegio a associação com um inibidor da absorção intestinal de colesterol.

Não esquecer que as modificações do esti-lo de vida continuam a ser a pedra basilar no tratamento das dislipidemias.

A terminar, importa enfatizar que temos de mudar o «paradigma» na abordagem da doença aterosclerótica da perspectiva tradi-cional por «silos», em que são tratados indi-vidualmente cada um dos diferentes factores de risco, como a hipertensão arterial, a diabe-tes, o tabagismo, para uma abordagem global com guidelines integradas, para uma redução global do RCV. Nesta linha de pensamento, será publicada, em 2012, uma actualização sobre recomendações na abordagem da doen-ça aterosclerótica pelas sociedades europeias de Aterosclerose, de Hipertensão Arterial, de Endocrinologia, de Diabetes, de Clínica Geral e de Saúde Pública.

(Figura 1)

(Figura 2)

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AS NOVAS GUIDELINES EUROPEIAS TÊM como aspecto mais positivo o especi-ficar valores-alvo de LDL colesterol

para cada grupo de risco. Partilho da opinião de que estas recomendações são, contudo, complexas, pois introduzem subalgoritmos de risco de acordo com o colesterol HDL.

Parece-me, por outro lado, que as normas de orientação clínicas portuguesas, embora tenham similitudes com as europeias, são mais simples. Relativamente aos doentes com um risco mais significativo – aqueles casos em que as recomendações são mais difíceis de aplicar –, há uma noção generali-zada de que atingir um c-LDL de 70 mg/dl é uma tarefa desejável, mas árdua de cumprir. Há alguns grupos que entram directamente neste objectivo, nomeadamente os doentes com hipercolesterolemia familiar, os diabé-ticos e os indivíduos com insuficiência renal crónica (IRC). As normas nacionais sugerem que façamos um esforço para atingir um LDL inferior a 70 mg/dl ou, pelo menos, reduzir em 50% o c-LDL em relação ao valor basal.

Há algumas estatinas que em doses eleva-das nos permitem atingir este valor-alvo em alguns doentes. O problema é que há uma

variabilidade de resposta interindividual com as estatinas. Assim, torna-se difícil prever a resposta, até experimentarmos o fármaco no nosso doente.

Num estudo americano realizado recente-mente nas clínicas da Veteran Affairs, curioso para quem acompanha doentes de alto risco na prática clínica, verificou-se que o valor médio de colesterol LDL basal rondava os 120 mg/dl, apesar de terapêutica intensiva com sinvas-tatina em monoterapia (dose média 70 mg). Não estavam, desse modo, controlados. Os doentes foram posteriormente divididos em três grupos: atorvastatina (dose média 70 mg); a associação de ezetimiba/sinvastatina (10/64 mg) ou rosuvastatina (20 mg).

Não é de estranhar que, entre os três gru-pos, a introdução do inibidor da absorção do colesterol ezetimiba tivesse alcançado melho-res resultados no controlo do LDL. A razão principal deve-se a que os doentes estavam previamente medicados com uma dose eleva-da de sinvastatina,

Neste estudo, em que a medicação foi forne-cida aos doentes (tendencialmente low cost ou grátis), só metade (51%) aderiram à terapêuti-ca. É algo que nos faz pensar, já que, embora os autores tenham salientado a ausência de efeitos secundários, não posso deixar de frisar o facto de a adesão à terapêutica ser um passo funda-mental para a melhoria dos resultados.

Com a actual crise económica, provavel-mente, teremos mais doentes a falhar a toma da medicação. Vamos ter de alocar bem os nossos recursos, de modo a assegurarmos quem tratamos, como e até quando, pois, só assim conseguiremos seguir os doentes de uma forma mais eficaz.

Novos alvos terapêuticos

No grupo dos doentes com insuficiência renal crónica, tal como nos diabéticos (já anteriormente assumido como um grupo em prevenção secundária), está preconizado um valor-alvo de 70 mg/dl de colesterol LDL ou uma redução de pelo menos 50% do valor basal. Sabemos que quanto mais grave a insuficiência renal maior a proba-bilidade de mortalidade devido a doença cardiovascular. Até se diz mais: o doente

com IRC tem maior probabilidade de morrer de enfarte do que passar ao estádio seguinte de insuficiência renal. A probabilidade de um doente na década dos 40 anos em diálise morrer de enfarte é 100 vezes superior à de um indivíduo da população em geral com a mesma idade.

Não nos podemos esquecer que há aspectos específicos da doença renal a considerar no risco cardiovascular, nomeadamente a protei-núria, níveis aumentados de homocisteína, o stress oxidativo aumentado, a inflamação, a disfunção endotelial e o fibrogénio aumenta-do, entre outros.

Novas evidênciasdos estudos científicos

Dr. Francisco AraújoEspecialista em Medicina Interna, CHLN

(Hospital de Santa Maria)

Há algumas estatinas que em doses elevadas nos permitem atingir este valor-alvo em alguns doentes. O problema é que há uma variabilidade de resposta interindividual com as estatinas. No grupo dos doentes

com insuficiência renal crónica, tal como nos dia-béticos, está preconizado um valor-alvo de 70 mg/dl de colesterol LDL ou uma redução de pelo menos 50% do valor basal.

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INFORMAÇÃO

Quanto ao colesterol, sabemos que o meca-nismo da dislipidemia está intrinsecamente rela-cionado com estes factores fisiopatológicos. Parte da responsabilidade relaciona-se com a incapacidade de excreção da apoproteína C3, paralela à inibição da lipoproteína lipase. Com a diminuição da acção da lipoproteína lipase, há uma menor captação dos ácidos gordos livres pelos tecidos periféricos. Havendo mais ácidos livres em circulação, o fígado acaba por sinteti-zar moléculas gordas ricas em triglicéridos.

Alguns especialistas defendem que, nos insu-ficientes renais, se deve utilizar o cálculo do colesterol não-HDL, enquanto marcador de risco. Os doentes com IRC têm assim um perfil lipídico constituído por níveis elevados de triglicéridos e baixos de HDL. As moléculas de LDL, apesar de não estarem geralmente muito elevadas (excepto na síndrome nefrótica), têm um perfil aterogéni-co elevado, sendo pequenas e densas.

O colesterol pode provocar lesão renal?

Embora a relação entre colesterol e lesão renal tenha sobretudo sido estudada em estudos animais, sabemos que no homem a deposição de moléculas lipídicas de colesterol exerce uma lesão directa sobre a membrana basal do glo-mérulo. Depois, há todo um processo acelerado de formação da placa aterosclerótica, com incre-mento de oxidação das LDL e produção de par-tículas pró-inflamatórias que contribuem para a disfunção endotelial e lesão renal subsequente.

Faz, por isso, sentido baixar o colesterol na

IRC? Numa metanálise de 2008, publicada no BMJ, reparamos que, nos doentes em pré-diá-lise, há um benefício aparente na introdução de uma estatina – algo que não se verificava, contudo, nos doentes em estádios mais graves da IRC. Num estudo realizado na Alemanha, doentes diabéticos em hemodiálise, seguidos ao longo de cinco anos (estudo 4D), foram aleatorizados para atorvastatina versus place-bo. O objectivo primário era a redução de um composto de morte de causa cardíaca, enfarte não-fatal e AVC. Obteve-se um excelente resul-tado da redução do c-LDL, na ordem dos 40%. Apesar de haver um benefício clínico marginal, não houve um benefício estatisticamente signi-ficativo na utilização da atorvastatina.

O mesmo aconteceu posteriormente com um outro estudo, que incluiu um grupo de doentes não diabéticos, que estavam em diá-lise há menos de três meses. Neste estudo (Aurora), os doentes foram aleatorizados para rosuvastatina versus placebo. Os resultados foram de novo positivos na redução de LDL em mais de 40%, mas, mais uma vez, não houve benefício do ponto de vista do objecti-vo primário, a redução de morte cardiovascu-lar e enfarte e AVC não fatal.

Estes dados serviram de base ao SHARP, um estudo que incluiu 9438 doentes (aproxi-madamente um terço em diálise e dois terços em pré-diálise; quase ¼ eram diabéticos e todos estavam em prevenção primária, sem antecedentes de enfarte ou revascularização).

No final do estudo quase dois terços dos doen-tes estavam em diálise, ou seja, não foi travada a progressão da doença, à semelhança do que se tem verificado nos outros estudos. Porém, o objectivo primário aqui era a redução dos eventos ateroscleróticos major. Neste estudo, houve uma redução de 17% de morte por EAM, EAM não-fatal, AVC não hemorrágico e revascularização com a associação de ezetimiba/sinvastatina.

O que significam estes estudos?

Nos estudos 4D e Aurora foram avaliados os seguintes parâmetros principais enquanto objectivo primário: morte cardíaca, enfarte não-fatal e AVC. Quando analisamos o ensaio 4D, verificamos que a causa de morte por doen-ça coronária foi só de 9%. Mas houve 35% de outras causas de morte cardíaca. Estes dados sugerem que muitos doentes foram vítimas de morte súbita. E sabemos que não é reduzindo o colesterol que vamos diminuir este facto.

A morte súbita nos doentes em diálise é muito superior à dos doentes em estádios menos gra-ves da doença renal. E porquê? Há uma série de alterações estruturais e metabólicas, nomea-damente, o desequilíbrio hidroelectrolítico, que

favorece a possibilidade de haver uma paragem cardíaca ou uma arritmia maligna. Estes acon-tecimentos estão associados à hipertensão e à hipertrofia ventricular esquerda, que é banal nestes doentes (metade dos doentes em diálise têm hipertrofia ventricular esquerda). Outras alterações estruturais contribuem também para o risco cardiovascular. A calcificação da média das artérias é um dos killer nos doentes com IRC. E sabemos que nas placas ateroscleróticas também poderá ocorrer a presença de cálcio.

À luz dos estudos SHARP (em que 2/3 dos doentes estavam em pré-diálise), do AURORA (doentes em diálise) e do 4D (doentes diabé-ticos em diálise), podemos concluir que o único fármaco que alcançou um benefício com significado estatístico foi a associação de ezetimiba/sinvastatina. Uma das razões tem a ver com o desenho do estudo, que não inclui as mortes cardíacas de causa não isquémica. Outro poderá ter a ver com o facto de os doen-tes serem tratados mais precocemente, dentro do continuum de risco cardiorrenal.

No SHARP há, aliás, uma pequena diferen-ça entre os doentes que estavam a fazer diálise versus doentes que iniciaram terapêutica mais cedo. Se começarmos a tratar a dislipidemia destes doentes antes que haja lesões dos órgãos-alvo, ou seja, as alterações estruturais significativas e provavelmente irreversíveis, o benefício é muito superior.

No SHARP, o objectivo primário era a redução dos eventos ateroscleróti-cos major. Neste estudo, houve uma redução de 17% de morte por EAM, EAM não-fatal, AVC não hemorrágico e revascula-rização com a associação de ezetimiba/sinvastatina.

À luz dos estudos SHARP (em que 2/3 dos doentes estavam em pré-diálise), do AURORA (doentes em diálise) e do 4D (doentes diabéticos em diálise), podemos concluir que o único fármaco que alcançou um benefício com significado estatís-tico foi a associação de ezetimiba/sinvastatina.

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O PROCESSO DE ATEROGÉNESE É AINDA UM fenómeno cujas causas e mecanismos não estão completamente esclareci-

dos. Existem dados que favorecem a hipótese de que a aterosclerose também é uma doença auto-imune.

Doenças auto-imunes e aterosclerose

A aterosclerose tem muitas semelhanças com outras doenças auto-imunes crónicas, como o lúpus eritematoso sistémico (LES), a artrite reumatóide (AR), as vasculites e a diabetes tipo 1. Todas estas patologias têm em comum a activação dos macrófagos, linfócitos e células endoteliais, a alteração da relação Th1/Th2 e a elevação das citocinas inflamató-rias, que são igualmente produzidas pelas célu-las da própria placa aterosclerótica, incluin-do interleucinas, factor de necrose tumoral, interferon-alfa e factores de crescimento. A inflamação vascular nas doenças auto-imu-nes pode condicionar a oxidação das LDL e a interacção das LDL oxidadas com várias proteínas do plasma como as beta2-GPI. Estes processos em conjunto podem favorecer a produção de anticorpos e acelerar a trombose arterial.

Os doentes com doenças auto-imunes, que são realmente doenças crónicas inflamatórias, têm um risco maior do que a população em geral para sofrer de aterosclerose e este pro-cesso de aterogénese é, nestes doentes, mais rápido. Tal foi demonstrado em doentes com LES que têm 5 a 6 vezes mais hipóteses do

que a população normal de virem a desencade-ar um episódio coronário, sobretudo as mulhe-res. Também na AR e nas vasculites os aci-dentes vasculares são mais frequentes do que na população em geral. Comprovadamente, os factores de risco clássicos e não-clássicos para o desenvolvimento de aterosclerose estão associados a uma aterosclerose mais precoce e acelerada nas doenças auto-imunes.

Aterosclerose e auto-imunidade

Na patogenia da aterosclerose estão envol-vidos mecanismos de imunidade humoral e celular.

Os dados recentes sobre o conceito auto-imune da aterosclerose advogam que o pri-meiro estádio desta doença se deve a uma reacção auto--imune contra as células endote-liais das artérias que, quando são sujeitas aos factores de risco clássicos para a aterosclero-se, expressam a proteína 60 do choque térmico (HSP60) e moléculas de adesão. Os factores de agressão endotelial mais precoces seriam as LDL oxidadas.

Pensa-se que o ambiente pró--inflamatório local, ao nível das lesões ateroscleróticas, pode proporcionar a oxidação das LDL nes-ses locais e, assim, mesmo níveis normais de LDL podem ser demasiado elevados, desde que existam as tais condições pró-inflama-tórias.

Visto por este prisma, quase todos os indi-víduos teriam a possibilidade de vir a desen-volver lesões ateroscleróticas mesmo com

valores normais de colesterol total e de coles-terol-LDL.

Neste contexto, a imunomodulação da ate-rosclerose poderia ser uma área de interven-ção potencial para a prevenção dos acidentes vasculares e mesmo para a prevenção primá-ria da aterosclerose. Aliás, pensa-se que um dos mecanismos para o efeito benéfico das estatinas na doença aterosclerótica se baseia nas suas propriedades imunomoduladoras. No entanto, outras intervenções, como as imuno-globulinas intra-venosas, a imunização com certos antigenes ou a manipulação de citoci-nas, têm sido testadas e podem vir a ser usadas como armas no combate ao desenvolvimento da aterosclerose.

Evidentemente que qualquer terapêutica eficaz terá de continuar a ser acompanhada pela intervenção ao nível dos factores de risco clássicos bem conhecidos.

Auto-imunidade e aterogénese

Prof.ª Doutora Lèlita SantosServiço de Medicina Interna

dos HUC. FMUC

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