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O futuro da Eqüinoculturadepende do bem-estar animal

Roberto Arruda deSouza Lima

Engenheiro agrônomo,Doutor em

Economia Aplicada,Prof. da ESALQ/USP,

Pesquisador do [email protected]

Hélio Lauro SoaresVasco Neto

Graduando deMedicina Veterinária

da UniversidadeFederal Rural de

Pernambuco

Daniel Dias da Silva Graduando de

Zootecnia daUniversidade FederalRural de Pernambuco

Este artigo discute o impacto econômico dasalterações relacionadas ao bem-estar dos eqüi-nos, como nas atividades esportivas. Trata-se detema ainda em estudo, sem respostas conclusi-vas, mas importantes para um debate mais am-plo, envolvendo tanto aqueles preocupados exclu-sivamente com o retorno financeiro das ativida-des eqüestres quanto para aqueles mais preocu-pados com o animal e sua saúde. A discussão ini-cia-se nas práticas esportivas.

Encerrados os Jogos Olímpicos de 2008, umdos pontos que chamaram a atenção foi à quanti-dade de animais que apresentaram resultado po-sitivo no exame antidoping. Exemplos mais próxi-mos e lamentados por nós, brasileiros, foram oscasos envolvendo os cavalos de Bernardo Alvese de Rodrigo Pessoa. Mais preocupante é a pos-sibilidade de diversos casos não terem sido de-tectados, ou por terem passado despercebidos ousimplesmente porque a ordem natural dos acon-tecimentos é primeiro surgir novas formas de do-ping para, então, desenvolver novos exames anti-doping. Mas por que ocorre o doping?

São várias as respostas possíveis para estaquestão. Em primeiro lugar, a exigência dos atle-tas (assim como ocorre com os humanos) temsido elevada a cada ano, com maior esforço eatletas cada dia mais jovens. Assim como nossosfutebolistas – apenas para ilustrar com os de mai-or projeção internacional: Ronaldo, Ronaldinho eKaká – prematuramente apresentam lesões queos afastam de competições e provocam carrei-ras mais curtas que a dos craques do passado, osanimais de ponta também não permitem proje-ções alegres para saúde no longo prazo. O usode analgésicos e outros medicamentos são ne-cessários face a este esforço extraordinário exi-gido dos atletas.

Mais grave é o uso de medicamentos fora dascondições prescritas originalmente. Por exemplo,a nonivamida (a mesma substância detectada nocavalo Rufus, de Rodrigo Pessoa, na Olimpíada),que deveria ser utilizada para aliviar dores, mui-tas vezes é aplicada devido às suas característi-cas hipersensibilizantes. Há quem utilize substân-cias sensibilizadoras nas canelas dos animais desalto, para que o cavalo sinta mais dor ao tocar no

obstáculo. Esta dor maior faria com que, em pró-xima oportunidade, o cavalo buscasse um saltomais alto para fugir do mal estar. Aliás, a práticade provocar dor no animal para que ele salte maisalto é objeto de diversos relatos sobre o uso decaneleiras com tachinhas, elevação da altura davara quando o cavalo vai saltar, entre outros. Odebate sobre bem-estar do animal atleta não selimita às provas de salto. Ao contrário, a discus-são é mais forte em outras áreas. Destaca-se,entre elas, a vaquejada.

A vaquejada é uma festa genuinamente brasi-leira, com uma tradição de mais de 100 anos. Nosúltimos dez anos vêm se modernizando e profis-sionalizando tornando-se reconhecida como es-porte através da Lei Pelé e regulamentada pelaLei Federal nº 4.495/98 e pela Lei do Estado doRio de Janeiro nº 3021 de 23 de julho de 1998.Apesar de concentrar-se nas regiões Norte, Nor-deste e Centro Oeste, atualmente são realizadasmais de 1.000 vaquejadas por ano em todo Bra-sil. A importância da vaquejada vai além do as-pecto cultural (que por si só justifica sua prote-ção, de acordo com a Lei nº 4.495/98). Esse es-porte desempenha relevante papel para econo-mia local e, muitas vezes, regional. A movimenta-ção financeira atinge cerca de dois milhões dereais em uma só vaquejada por município, geran-do diversos empregos e ocupações diretas e indi-retas. Apesar de toda essa importância, ainda équestionável o nível de bem-estar do animal emgrande parte dessas competições. Mas em todasas atividades esportivas, inclusive na vaquejada,a regra deve ser a preocupação com o bem-estaranimal, deixando os casos de desrespeito para asexceções, ou melhor, eliminando esses casos.

Esporte só pode evoluir quando associado aobem-estar e saúde. Em entrevista ao site Mundodo Cavalo, Aluisio Marins sintetizou bem a idéiaao afirmar que “doping, stress, treinamentos er-rados, ferramentas sendo utilizadas de forma er-rada etc., serão cada vez mais abolidos do mer-cado”. Aluisio Marins ilustra a questão com oexemplo do enduro na categoria de 160 km. Seno regulamento da prova não houvesse forte pre-ocupação com bem-estar, não haveria mais pro-va no mundo, pois muitos animais morreriam. A

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regulamentação dos esportes – assunto que de-veria ser prioridade das associações de criadores– é essencial inclusive para orientar os pratican-tes na correta utilização das ferramentas e técni-cas para manutenção do bem-estar animal. Con-cordamos com Aluisio Marins ao afirmar que “re-gulamentar significa preservar o bem estar dosanimais, entre outras coisas”.

Retornando ao tema Olimpíada, destacam-seas recentes declarações da Princesa Haya, pre-sidente da FEI (Fèdération Equestre Internatio-nale), temendo pela continuidade dos esporteseqüestres como olímpicos, inclusive levantando apossibilidade de já nos próximos jogos, em Lon-dres, não ocorrer provas com cavalos. A razãopela potencial exclusão dos esportes eqüestres é,além da baixa popularidade, as dificuldades asso-ciadas ao bem-estar e riscos para animais e ca-valeiros.

Neste momento cabe uma primeira reflexãosobre a relação entre bem-estar animal e interes-ses econômicos. A visão muito divulgada de queo grande inimigo do bem-estar dos animais atle-tas são os interesses da indústria de medicamen-tos merece ser vista de outra forma. Uma em-presa séria, de qualquer ramo incluindo o veteri-nário, trabalha com os olhos no longo prazo, preo-cupada com sua sobrevida, consolidação e cres-cimento no mercado. Para tanto, a busca oportu-nista de curto prazo, pela venda a qualquer custo(inclusive em termos de bem-estar), correspondeao popularmente denominado tiro no pé. Somenteem um ambiente saudável, valorizando o bem-es-tar, é que haverá mercado no futuro, com maiornúmero de animais e maior exposição na mídiaem eventos em que predomine a ética.

É importante destacar, como bem lembradopela Profa Andréa Oliveira em palestra realizadaem agosto último, “o bem-estar animal tem fortepresença nos códigos morais e nos pilares éticosde vários países”. Isto tem fortes implicações eco-nômicas. Nas operações e atividades que envol-vem parceiros externos, o bem-estar animal é,felizmente, um aspecto restritivo. Por exemplo,no caso de exportação de carne eqüina (mercadoem que o Brasil ocupa posição de destaque), osfrigoríficos instalados no Brasil devem respeitartanto a legislação nacional – Decreto nº 24.645,de 10 de julho de 1934, e Instrução Normativa nº3, de 17 de janeiro de 2000 (Regulamento Técni-co de Métodos de Insensibilização para o AbateHumanitário de Animais de Açougue) – quantoas normas da União Européia – Diretiva 93/119/CE do Conselho da União Européia de 22 de de-

zembro de 1993 (relativa à proteção dos animaisno abate e/ou occisão) e Diretiva 91/628/CEE de19 de novembro de 1991 (relativa à proteção dosanimais durante o transporte).

Cabe destacar que o respeito ao bem-estar ani-mal, importante, como visto, também sob a óticaeconômica, inclui a observância das “Cinco Li-berdades” divulgadas pelo Conselho de Bem-Es-tar de Animais de Produção (FAWC), expostosna Figura 1. No caso dos eqüinos, atenção adici-onal deve ser dispensada aos maus tratos alimen-tares e às agressões ao pêlo.

O Brasil deve seguir a tendência mundial depriorizar o bem estar e a saúde dos animais. Aque-les proprietários, treinadores, praticantes e demaisprofissionais da eqüinocultura que estiverem aten-tos ao bem-estar animal serão os vencedores nomercado e nas competições esportivas (sem des-classificações por doping ou condutas inadequa-das).

Os agentes do agronegócio do cavalo, ao pro-moverem a melhoria das condições de vida dosanimais, estarão lhes garantindo o bem-estar. Po-rém, conforme palavras de Mariângela F.A. Sou-za, “exige-se um grande e imediato esforço con-junto – das autoridades governamentais, dos le-gisladores, dos educadores, dos fiscais e aplica-dores da lei, da própria sociedade – primeiro, paraque se crie uma consciência de respeito em rela-ção a essas criaturas e, segundo, para que se ga-rantam as condições apropriadas para sua manu-tenção e o controle rigoroso da sua utilização. Comcerteza não serão apenas os animais que vão ga-nhar com essas medidas, mas, também, toda asociedade”.

Figura 1: As cinco liberdades referentes à condição de bem-estar animal

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