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Page 1: Comentários sobre Momentos Decisivos na Trajetória Evolutiva

ABEnjul.ago.set.2003 19

M e m ó r i a A B E n

No interesse de expor à compreensão algunscomentários que nos conduzam à reflexão e, por ela,apreciar/comentar um encontro possível com a gênesedosaber/conhecimento profissionalna enfermagem, apresentamoscinco temáticas, a nosso ver,representativas de mudanças natrajetória histórico-evolutiva. Valedizer, nesse sentido, que a classi-ficação é arbitrária. Com atençãoaos limites e/ou fronteiras de suaconstrução, este texto apresenta-secomo uma contribuição focali-zadora de aspectos significativosdessesaber/conhecimento profissionale esboça ângulos da história nocurso desenvolvimentista daprofissão.

A primeira – primórdios datrajetória – refere-se ao emblemá-ticoModelo Parsons, em si mesmouma fonte matriz de geração dosaber/conhecimento em construção,com cinco princípios inclusivos edecisivos no desenvolvimento. Asegunda – a arriscada travessia entreser e estar na dimensão profissional –trata da passagem da Enfermagempara o nível universitário, e destaca-se por alguns precedentes econseqüências. A terceira – otangenciamento de uma cultura político-social feminista– releva indícios de envolvimento da Enfermagem emconcepções e campanhas de temas sociais, maisabrangentes culturalmente e, naquela ocasião, em quese estava manifestando o debate ampliado sobre amulher na sociedade. A quarta – o saber/conhecimentoem socialização – se estabelece com o advento dosCongressos Brasileiros de Enfermagem , inauguradosnos anos 40 (Iº CBEn 1947), dando lugar a exposiçõestemáticas a partir de textos relativos ao saber/conhecimento produzido na profissão. E a quinta(historicamente presente) define-se como decisivoencontro com a pesquisa, um marco inicial da investigaçãocientífica, métodos, técnicas, sistematização, emabordagem cientifica de Enfermagem no Brasil(BARREIRA, 1979). Essa última etapa materializadaa partir da publicação de “Levantamento de Recursos eNecessidades de Enfermagem” (ABEn, 1956/58).

Pode-se dizer, sem nenhuma idéia de radicalização,que o Modelo Parsons – de Ensino e de Prática –adequado à formação de Enfermeiras, desde o início da

implantação da EnfermagemModerna em nosso país, é, em simesmo, constituído de elementossignificativos do saber/conhecimentoprofissional. Pois, do “Diagnóstico daSituação de Saúde” realizado porEthel Parsons (Chefe da MissãoTécnica de Cooperação para oDesenvolvimento da Enfermagemno Brasil – 1921/1931) aos ajustesdo Sistema Nightingale à realidadebrasileira, há indícios que ressaltama inerência de conteúdos desse saber/conhecimento, o que pode serconstatado nos demarcadores: 1) asubscrição ao paradigma Ni-ghtingale de ensino e de prática deEnfermagem; 2) a preocupaçãocom a regulamentação do trabalhodas enfermeiras; 3) as intençõesassociativas de política e organizaçãoda classe profissional; 4) as diretrizesda filosofia feminista; e 5) osprincípios científicos da Higiene e daSaúde Pública. Além de reforçaresses demarcadores, em seubrilhante relatório “A EnfermagemModerna no Brasil” (Archivos de

Hygiene/Exposições e Relatórios, DNSP, 1928), Parsonsdeixou expressa uma intencionalidade ética e a marcada consciência profissional compatível com aspectosepistemológicos quanto ao valor e aos limites dos

cuidados com os clientes prestados pelas enfermeiras.Tenha-se em consideração que tais demarcadores

na feição e concretude do saber/conhecimento profissionalna Enfermagem constituem, por outro lado, momentosdecisivos da Enfermagem Brasileira em sua trajetóriahistórico-evolutiva, o que demandou um certo tempo etudo que se fez à custa de muitos esforços em prol daidéia de Desenvolvimento da Enfermagem no Brasil(propósito da Missão Parsons). Dentre as principaisprovidências de implantar a Superintendência deEnfermagem no mesmo nível das Inspetorias queabrigavam os Distritos Sanitários e de criar a Escola deEnfermeiras (DNSP), a clarificação dos objetivos doscuidados de Enfermagem e da educação sanitáriamereceu larga atenção e esforços para delimitar asfronteiras da posição da “enfermeira de saúde pública”

O saber/conhecimento profissionalna enfermagem brasileiraComentários sobre momentos decisivosna trajetória histórico-evolutiva

Ethel Parsons, superintendente do Serviço de Enfermeirasdo Departamento Nacional de Saúde Pública

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Ethel Parsons e Johanna Schwarte, no escritório doServiço de Enfermeiras do DNSP

ode-se dizer,

sem nenhuma

idéia de

radicalização,

que o Modelo Parsons –

de Ensino e de Prática –

adequado à formação de

Enfermeiras, desde o início

da implantação da

Enfermagem Moderna em

nosso país, é, em si

mesmo, constituído de

elementos significativos

do saber/conhecimento

profissional

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no trabalho nos consultórios médicos (ambulatórios edispensários), na vigilância de casos e na visitação acliente e famílias nos domicílios. Com tais providências,iniciou-se a efetivação da pragmática assistencial e doprocesso de formar profissionais de Enfermagem à luzde concepções paradigmáticas e de parâmetrosadmitidos para o plano.

Além dos desafios da formação das primeirasTurmas (Escola de Enfermeiras do DNSP/Classe 1925.As Pioneiras. Rio de Janeiro: Edição das autoras, 1925),cabe destacar a consolidação da Escola comoinstituição educacional, a criação da AssociaçãoNacional de Enfermeiras Diplomadas Brasileiras -

Lygia PaimDoutora/Docente Livre UFRJ. Professora de

Metodologia da Pesquisa de Graduação emEnfermagem e Articuladora da Pesquisa da

Universidade do Vale do Itajaí - UNlVALI/Biguaçu,Santa Catarina

Vilma de CarvalhoProfessora Emérita - EEAN/UFRJ. Pesquisadora do

CNPq

Jussara SauthierDoutora em Enfermagem - EEAN/UFRJ. Professora

adjunta/UFRJ (Aposentada)

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Este texto sobre o saber/conhecimento naenfermagem brasileira continuará na próxima edição .

ANEDB (1926), a filiação dessa entidadeassociativa ao Conselho Internacional deEnfermeiras – CIE/ICN (1929), e aconquista da primeira Lei deregulamentação do exercício daenfermagem (Decreto Nº 20.109/31). Emtodos os enfrentamentos e lutastranscorridos no panorama daEnfermagem brasileira e nos eventosinstitucionais da Escola – Diretorias deClara Louise Kieninger, LoraineGenevieve Dennhardt e Bertha LucilePullen – há a marca distintiva de EthelParsons e, portanto, do Modelo Parsons- contexto dos primeiros passos do saber/conhecimento profissional na Enfer-magem Brasileira. A Missão Técnicaencerra suas atividades e contribuições àEnfermagem Brasileira, em 1931,deixando para as sucessoras um alertasobre os riscos que a Escola Anna Nerycorria: o de não se tornar oficial (inseridana universidade) e outra escola de menorpadrão obter reconhecimento,desmoralizando a profissão; de sertransferida para dentro de um hospitalperdendo sua autonomia e identidade;de as alunas serem utilizadas comomão-de-obra; de receber alunas compadrão educacional e social inferior; denegligenciar os fundamentos teóricos epráticos; de não ser perseguida aobrigação com o desenvolvimento sociale profissional da aluna e o de nãoobservar o adequado equilíbrio entre

teoria e prática com boa supervisão (CEDOC/EEANDOC 220 CX 34, 1931).

Com a saída das enfermeiras norte-americanas,assumem posição de liderança Edith de MagalhãesFraenkel (professora da EEAN e 1ª presidenta daANEDB), na Superintendência de Enfermagem doDNSP, e Rachel Haddock Lobo que se torna a 4ªdiretora da EEAN e a 1ª diretora de nacionalidadebrasileira. Nesse particular, cabe destaque singular àcriação do órgão de divulgação da entidade associativa– Annaes de Enfermagem (1932), na realidade intra-muros e na intimidade mesma da EEAN, a qual podeser considerada como berço primário do saber e daHistória da Enfer-magem Brasileira.

Ao término daMissão Parsons (1921-1931), e em meio àconvulsão políticadesencadeada pelaRevolução de 30 e peloGoverno Vargas, suce-dem reformas estatais,uma delas reunindo a

Saúde Pública e a Educação, compondo um sóMinistério(MESP) o qual inclui ainda a Escola.Contudo, as transformações sucedidas, refletindo-se,também, na estrutura de poder revelaram um certoenfraquecimento econômico na conjunturaadministrativa do DNSP, com prejuízos para ofuncionamento e evolução da EEAN, pelo que estapassa a sofrer outros interesses e outras influências comconseqüências para seu futuro ingresso no sistemauniversitário. No entanto, vale ressaltar que o saber/conhecimento profissional, mesmo em meio à convulsãode reformas educacionais e políticas, continuou seusrumos na andança do crescimento, agora maisdecisivamente sob a regência das enfermeiras brasileiras.

Tenha-se em consideração que, na arriscadatravessia da estrutura ministerial para o ingresso nosistema universitário (1934 a 1938), a Escola já estavaincluída no “Projeto de Lei 595”, proposta de re-estruturação de Universidade do Rio de Janeiro, projetopelo qual a Escola deveria inserir-se, na estruturauniversitária, como instituição complementar, com aresponsabilidade de ministrar também o Curso deServiço Social. No entanto, enfermeiras da Escola, bematentas, trataram de preservar a especificidade do saber/conhecimento profissional e de seu patrimôniopedagógico, recompondo o currículo e criando duasnovas disciplinas – Administração e Problemas deEnfermagem. Sem dúvida, uma decisão de políticaestratégica para colocar o ensino de Enfermagem nomesmo nível do ensino de outras instituições superioresexistentes dentro e fora do país. As enfermeiras da Escolaresistiam às sanções educacionais em relação ao ingressono sistema universitário, mesmo assim isso aconteceuem 5 de julho de 1937 (Lei 452/37).

Para reforçar a relevância do saber/conhecimentoprofissional, cabe enfatizar que sem as produçõesintelectuais publicadas em Annaes de Enfermagem desdesua criação (1932), certamente estaria comprometida ainerência do patrimônio intelectual fundante e,também, toda idéia de edificação futura. Além de que,sem a preservação desse patrimônio no que tange aosignificado de memória, não se poderia promover ocrescimento do próprio saber/conhecimento profissional,posto que não se teriam as referências de ponto departida e de ponto de chegada (área de ciência) e nemcomo concretizar idéias e realizações sonhadas (área deprática na sociedade).

ABEnjul.ago.set.200320

Capa do primeiro número da revista Annaes de Enfermagem, 1932

(Continuação da página 19)

1º CongressoNacional deEnfermagem,São Paulo, 17 a 22de março de 1947

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Foto: Reprodução do livroAssociação Brasileira de Enfermagem, 1926 - 1976, Documentário

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