ANA TERESA RODRIGUES HORTA XAVIER
APRENDIZAGEM DA LEITURA EM CRIANAS
COM DIFICULDADE INTELECTUAL
E DESENVOLVIMENTAL
ORIENTADOR CIENTFICO: Prof. Doutor Vtor Cruz
ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAO ALMEIDA GARRETT
Lisboa
2011
ANA TERESA RODRIGUES HORTA XAVIER
A APRENDIZAGEM DA LEITURA NA
CRIANACOM DIFICULDADE INTELECTUAL E
DESENVOLVIMENTAL
Orientador Cientfico: Prof. Doutor Vitor Cruz
Escola Superior de Educao Almeida Garrett
Lisboa
2011
Dissertao apresentada Escola Superior de
Educao Almeida Garrett para a obteno do
grau de Mestre em Educao Es pecial no Curso
de Mestrado em Cincias da Educao na
Es pecialidade de Educao Es pecial, conferido
pela Escola Superior de Educao Almeida
Garrett.
Orientador: Prof. Doutor Vitor Cruz
ii
() a aventura de ler pessoal. Ensinar a ler
tambm o . A velocidade do progresso
imprevisvel.
Troncoso & Cerro (2004, p. 16)
iii
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Doutor Vtor Cruz, pelas reflexes e aprendizagens
proporcionadas e pela total solidariedade e compreenso face ao processo acelerado em que
este trabalho se desenvolveu.
s minhas colegas de Educao Especial pela colaborao e incentivo durante a
elaborao deste trabalho.
Aos professores e alunos que possibilitaram e viabilizaram a interveno
pedaggica desta investigao.
Aos meus pais e irmo, pelo apoio e incentivo nas diversas fases do trabalho.
Natlia, o meu agradecimento pela, amizade, companheirismo e incentivo nos
momentos mais difceis da elaborao desta trabalho.
Ao Carlos, expresso a minha profunda gratido por me ter acompanhado ao longo
deste trabalho, incentivando-me nos momentos mais difceis e reforando os mais aliciantes,
demonstrando sempre uma atitude de compreenso, empenho, ateno e apoio emocional,
fundamentais ao longo deste trabalho, sem o qual este esforo teria perdido parte substancial
do seu significado.
iv
RESUMO
A presente investigao tem como objecto a aprendizagem e as prticas de leitura por parte de
crianas com Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental (DID). Na reviso bibliogrfica
efectuada constata-se a existncia de uma ligao intrnseca entre os processos cognitivos e a
aprendizagem da leitura, sendo estes um factor determinante para a compreenso do processo
de ler. Tivemos a preocupao de dar a conhecer os componentes implicados na leitura,
nomeadamente a descodificao e a compreenso, a primeira das quais integra os processos
cognitivos de mbito fonolgico. Salienta-se a interligao de ambas as componentes para a
aquisio da tcnica da leitura e os modelos e mtodos de ensino da leitura que vo
condicionar a sua aprendizagem.
Procurou-se perceber quais as causas da dificuldade na aprendizagem da leitura em crianas
com DID, bem como a influncia de diferentes mtodos na aprendizagem da leitura. Trs
objectivos/preocupaes nortearam a investigao: a) identificar quais os processos cognitivos
implicados nas dificuldades da leitura em crianas com DID e sem DID; b) identificar os
processos fonolgicos envolvidos na aprendizagem da leitura em crianas com DID e sem
DID; c) identificar se o mtodo de ensino que o professor utiliza para ensinar a ler tem
influncia na aprendizagem de crianas com DID e sem DID. Para responder questo de
partida procedeu-se a um estudo quase experimental e comparativo.
A dimenso emprica desta investigao assentou numa amostra constituda por doze alunos e
seis professores de duas escolas do ensino pblico. Dos alunos, 8 no tinham DID (4 do 1
ano de escolaridade e 4 do 3 ano de escolaridade), e 4 tinham DID (2 do 4 ano de
escolaridade e 2 do 5 e o 7 ano de escolaridade). Aos dois alunos com DID do 4 ano de
escolaridade, foi aplicada uma interveno pedaggica de reforo da aprendizagem da leitura
durante 14 sesses. Os restantes alunos constituram o grupo de controlo. Os resultados
obtidos a partir da aplicao da bateria de testes, antes e aps a interveno, permite-nos
percepcionar que as dificuldades na aprendizagem da leitura possivelmente, estaro mais
relacionadas com os processos fonolgicos e no tanto com os processos cognitivos.
PALAVRAS-CHAVE
Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental, Leitura; Processos fonolgicos;
Processos de descodificao; Processos de compreenso; Mtodos de ensino de Leitura
v
ABSTRACT
This research is aimed at the learning and practice of reading by children with Intellectual and
Developmental Difficulties (DID). The literature review notes the existence of an intrinsic
link between cognitive processes and learning of reading, the latter being a key factor for
understanding the process of reading. We had the desire to make known the components
involved in reading, including decoding and comprehension, the first of which includes the
cognitive processes of phonological context. We emphasize the interconnection of both
components for the acquisition of reading technique and the models and methods of teaching
reading that will condition their learning.
We tried to understand what causes difficulty in reading in children with DID, as well as the
influence of different methods in reading. Three objectives / concerns guided the
investigation: a) identify the cognitive processes involved in reading difficulties in children
with and without DID, b) identify the phonological processes involved in reading in children
with and without DID, c) identify The method of teaching where the teacher uses to teach
reading has an influence on the learning of children with and without DID. To answer the
initial question, we proceeded to a quasi-experimental study and comparison.
The empirical dimension of this research was based on a sample of twelve students and six
teachers from two schools of public education. Students, 8 had no DID (4 to 1th grade and 4
the 3rd grade), and 4 had DID (2 of 4th grade and 2 to 5. And 7th grade) . The two students with
DID the 4th grade, an educational intervention was applied to enhance the learning of reading
for 14 sessions. The remaining students formed the control group. The results from the
application of the battery of tests before and after the intervention, which allows us to
perceive the difficulties in learning to read possibly be more related to phonological processes
rather than with cognitive processes.
KEYWORDS
Intellectual and Developmental Difficulties, Reading, phonological processes;
Processes of decoding, comprehension processes; Teaching Reading
vi
NDICE GERAL
EPGRAFE ii
AGRADECIMENTOS iii
RESUMO iv
ABSTRACT v
INTRODUO 1
PARTE I ENQUADRAMENTO TERICO 4
1. DIFICULDADE INTELECTUAL E DESENVOLVIMENTAL 4
1.1. DEFINIO E CONCEPTUALIZAO DE DIFICULDADE INTELECTUAL E
DESENVOLVIMENTAL 8
1.1.1. ETIOLOGIA DA DIFICULDADE INTELECTUAL E DESENVOLVIMENTAL 16
1.1.2. A DIFICULDADE INTELECTUAL E DESENVOLVIMENTAL COMO
DFICE COGNITIVO 19
1.1.3.CARACTERSTICAS DAS CRIANAS COM DID 25
2. A LEITURA 33
2.1. A IMPORTNCIA DA LEITURA 34
2.2. PROCESSOS COGNITIVOS IMPLICADOS NA LEITURA 35
2.2.1. PROCESSOS DE NVEL INFERIOR OU DE DESCODIFICAO 39
2.2.2. PROCESSOS DE NVEL SUPERIOR OU DE COMPREENSO 48
vii
3. ENSINO DA LEITURA 55
3.1. MODELOS E MTODOS DE ENSINO INICIAL DE LEITURA 55
3.1.1. MODELOS DE PROCESSAMENTO ASCENDENTE / MTODO FNICO
OU SINTCTICO 56
3.1.2. MODELOS DE PROCESSAMENTO DESCENDENTE / MTODO
GLOBAL OU ANALTICO 57
3.1.3. MODELOS INTERACTIVOS 58
3.2. MTODOS FNICOS OU SINTTICOS /MTODOS GLOBAIS OU ANALTICOS 60
4. A LEITURA E A CRIANA COM DIFICULDADE INTELECTUAL E
DESENVOLVIMENTAL 62
PARTE II ESTUDO IMPIRICO 68
INTRODUO 68
1. ASPECTOS METODOLGICOS 71
1.1. FORMULAO DO PROBLEMA 71
1.2. OBJECTIVOS E HIPTESE DE TRABALHO 72
1.3. AMOSTRA 73
1.3.1. MTODO 76
1.3.2. PROCEDIMENTOS 76
1.3.3. VARIVEIS 79
1.3.4. INSTRUMENTOS 79
2. APRESENTAO DOS RESULTADOS 92
2.1. ANLISE DOS RESULTADOS 99
3. CONCLUSES E IMPLICAES PEDAGGICAS 102
BIBLIOGRAFIA 106
viii
ANEXOS 110
ANEXO 1 - PEDIDO DE AUTORIZAO i
ANEXO 2 - QUESTIONRIO DE GRAFFAR ii
ANEXO 3 - TESTE DE DISCRIMINAO AUDITIVA MODELO I x
ANEXO 4 - TESTE DE DISCRIMINAO AUDITIVA MODELO II xi
ANEXO 5 - TESTE DE RCONSTRUO SILBICA xii
ANEXO 6- TESTE DE SEGMENTAO SILBICA xiii
ANEXO 7 - TESTE DE RCONSTRUO FONMICA xiv
ANEXO 8 - TESTE DE SEGMENTAO FONMICA xv
ANEXO 9-TESTE DE LEITURA DE PALAVRAS E DE PSEUDO -
PALAVRAS xvi
ANEXO 10- QUESTIONRIO AOS PROFESSORES xix
ANEXO 11 - ACTIVIDADES DESENVOLVIDAS NO PROGRAMA DE
INTERVENO DE TRANCOSO & CERRO (2004) xxii
ix
NDICE DE TABELAS
TABELA 1 - RESULTADOS DA ESCALA DE GRAFFAR PARA AMOSTRA
DO ESTUDO
75
TABELA II RESULTADOS MDIOS DOS TESTES DA AVALIAO
INCIAL E FINAL POR GRUPO DE ALUNOS
93
x
NDICE DE FIGURAS
FIGURA 1 VALORES DA AVALIAO INICIAL E FINAL POR TIPO DE
ALINO. DESCRIMINAO AUDITIVA MODELO I.
95
FIGURA 2 VARIAO DOS VALORES ENTRE A AVLIAO INICIAL E
FINAL POR TIPO DE ALUNO. TESTE DE DESCRIMINAO
AUDITIVA MODELO I.
95
FIGURA 3 VALORES DA AVALIAO INICIAL E FINAL POR TIPO DE
ALUNO. TESTE DE DESCRININAO AUDTIVIVA MODELO
II.
95
FIGURA 4 - VARIAO DOS VALORES ENTRE A AVLIAO INICIAL E
FINAL POR TIPO DE ALUNO. TESTE DE DESCRIMINAO
AUDITIVA MODELO II.
95
FIGURA 5 - VALORES DA AVALIAO INICIAL E FINAL POR TIPO DE
ALUNO. TESTE DE RECONSTRUO SILBICA.
96
FIGURA 6 - VARIAO DOS VALORES ENTRE A AVLIAO INICIAL E
FINAL POR TIPO DE ALUNO. TESTE DE RECONSTRUO
SILBICA.
96
FIGURA 7 - VALORES DA AVALIAO INICIAL E FINAL POR TIPO DE
ALUNO. TESTE DE SEGMENTAO SILBICA.
96
FIGURA 8 - VARIAO DOS VALORES ENTRE A AVLIAO INICIAL E
FINAL POR TIPO DE ALUNO. TESTE DE SEGMENTAO
SILBICA.
96
FIGURA 9 - VALORES DA AVALIAO INICIAL E FINAL POR TIPO DE
ALUNO. TESTE DE SEGMENTAO FONMICA.
97
FIGURA 10 - VARIAO DOS VALORES ENTRE A AVLIAO INICIAL E
FINAL POR TIPO DE ALUNO. TESTE DE SEGMENTAO
FONMICA.
97
xi
FIGURA 11 - VALORES DA AVALIAO INICIAL E FINAL POR TIPO DE
ALUNO. TESTE DE RECONSTRUO FONMICA.
97
FIGURA 12 - VARIAO DOS VALORES ENTRE A AVLIAO INICIAL E
FINAL POR TIPO DE ALUNO. TESTE DE RECONSTRUO
FONMICA.
97
FIGURA 13 - VALORES DA AVALIAO INICIAL E FINAL POR TIPO DE
ALUNO. TESTE PSEUDO-PALAVRAS -PALAVRAS LIDAS-.
98
FIGURA 14 - VARIAO DOS VALORES ENTRE A AVLIAO INICIAL E
FINAL POR TIPO DE ALUNO. TESTE DE PSEUDO-
PALAVRAS PALAVRAS LIDAS-.
98
FIGURA 15 - VALORES DA AVALIAO INICIAL E FINAL POR TIPO DE
ALUNO. TESTE PALAVRAS -PALAVRAS LIDAS-.
98
FIGURA 16 - VARIAO DOS VALORES ENTRE A AVLIAO INICIAL E
FINAL POR TIPO DE ALUNO. TESTE DE PALAVRAS
PALAVRAS LIDAS-.
98
1
INTRODUO
Actualmente sabe-se que o sucesso acadmico promotor de outros sucessos,
sobretudo nas sociedades modernas onde a letra impressa impera. Por esta razo, saber ler
uma condio indispensvel para o sucesso pessoal e profissional de todos os indivduos. O
insucesso na aprendizagem da leitura constitui uma das principais razes para a reteno de
alunos no 1 Ciclo do EB e fonte de ansiedade para pais e professores, limitando a
aprendizagem nas diversas reas acadmicas e repercutindo-se ao nvel da sua auto-estima,
conceito de si prprio e relao com os outros, provocando a maioria das vezes problemas de
comportamento.
do conhecimento comum que a leitura consiste numa actividade complexa, no
adquirida de modo livre e espontneo como acontece com a linguagem oral. Por esta razo
necessita de ser ensinada em meio escolar, assumindo-se como conciliadora das outras
aprendizagens escolares, constituindo uma actividade que se prolonga e aperfeioa ao longo
da vida do indivduo, possibilitando o aprofundamento das suas competncias verbais e
facilitando a sua relao com os bens culturais, concorrendo igualmente para o crescimento
cognitivo de cada indivduo.
No caso concreto do indivduo com Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental -
DID-, o domnio da tcnica da leitura permite a autonomia pessoal, facilitando a sua
integrao em todas as reas da sociedade, aumentando a possibilidade de obter emprego e
permitindo a sua aceitao por parte de outros.
A aprendizagem da leitura por parte dos alunos com DID uma tarefa possvel.
Apenas necessrio conquistar estas crianas para a leitura, deixar que elas encontrem o seu
ritmo e aperfeioem o seu modo de ler.
Uma vez conhecidas as variveis associadas s dificuldades na leitura, importa
seleccionar as actividades mais adequadas para as superar e, por conseguinte, o programa de
interveno que se pretende implementar, para que este esteja adequado s reas fortes e
fracas de cada criana, conseguindo-se, deste modo, minimizar a frustrao da mesma e
aumentar a motivao para a aprendizagem desta competncia.
O presente projecto de investigao enquadra-se na rea das dificuldades da
aprendizagem da leitura. O tema desta dissertao foi influenciado por aspectos relacionados
2
com a minha prtica profissional, pelo facto de h vrios anos estar na Educao Especial a
trabalhar com crianas com DID, assim como por estar constantemente a ser confrontada com
dvidas e questes acerca da razo pela qual estas crianas tm dificuldades na aprendizagem
da leitura, apresentando uma evoluo mnima na sua aprendizagem desde os anos iniciais da
escolaridade obrigatria. Sentiu-se assim necessidade de aprofundar os conhecimentos e
saberes relacionados com as dificuldades que estas crianas apresentam na aprendiza gem da
leitura.
O presente trabalho tem por fim constituir um elemento de clarificao sobre a
Deficincia Mental, actualmente denominada Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental. Ao
longo das obras consultadas, constatou-se que a DID constitui uma entidade clnica no
homognea, sob o ponto de vista etiolgico, sindrmico, educativo, cognitivo e social. Ir-se-
abordar apenas um nvel ou grau de deficincia, isto , crianas em idade escolar identificadas
como apresentando uma DID de grau ligeiro.
A reviso bibliogrfica assentou sobretudo nos autores mais representativos desta
rea, de que destacamos: Pedro Morato, Sofia Santos, Maria Albuquerque, Alice Madrid,
Vtor Cruz, Maria Valente, Marta Ribeiro e Ins Sim-Sim.
Esta dissertao encontra-se dividida em duas partes, uma de cariz terico,
constitudo por quatro captulos e outra, referente ao estudo emprico, constituda por dois
captulos. Ambas as partes se complementam.
A primeira parte constituda pelos temas principais do trabalho que permite m
fundamentar a segunda parte do trabalho. Assim, num primeiro ponto abordar-se- a mudana
de paradigma na concepo da Deficincia Mental, onde se pretende explicar porque razo a
Associao Americana para a Deficincia Mental -AADM, 2007-, mudou recentemente o seu
nome para Associao Americana para as Dificuldades Intelectuais e Desenvolvimentais -
AAIDD American Association on Intellectual and Developmental Disabilities-.
Para se compreender esta alterao iremos analisar sumariamente a evoluo do
conceito de DID e a sua relao com o Comportamento Adaptativo CA-. Embora este ltimo
constructo no faa parte do objectivo de trabalho desta dissertao, ele contudo
indissocivel do conceito de DID, no sendo possvel compreender este sem se explicitar o
conceito de CA. Ser tambm explanada a ltima proposta da AAIDD para definio e
classificao de DID. Referindo-se ainda as caractersticas cognitivas das crianas com DID.
3
Num segundo captulo, proceder-se- a uma reviso bibliogrfica que visar a
explanao da definio do conceito de leitura e da sua importncia, realizando-se de seguida
uma abordagem aos processos cognitivos implicados na leitura, referindo-se os processos de
nvel inferior ou de descodificao, assim como, os processos de nve l superior ou de
compreenso, para de seguida, no terceiro captulo, caracterizar-se os principais modelos e
mtodos de ensino da leitura.
No quarto captulo procurar-se- relacionar a forma como as crianas com DID
realizam a aprendizagem da leitura, apresentando-se o mtodo de aprendizagem da leitura que
melhor se adequa s crianas com esta problemtica e fazendo uma breve descrio do
mtodo de leitura de Trancoso & Cerro (2004) utilizado na interveno junto das crianas
com DID no mbito desta investigao.
Na segunda parte, respeitante ao estudo emprico, descrever-se- a metodologia
aplicada nesta dissertao, formulando-se o problema e a questo de partida que impulsionou
a investigao, assim como, os objectivos e a hiptese de trabalho. Estes itens permitiram
seleccionar a amostra, explicando os critrios utilizados para a sua seleco. De seguida, so
referidos os instrumentos utilizados para na investigao, tanto os de avaliao como os que
permitiram a interveno pedaggica junto dos alunos da amostra. Por fim, so apresentados
os resultados obtidos.
Na concluso procurar-se- analisar a pesquisa realizada cruzando a reviso
bibliogrfica efectuada com os resultados obtidos na parte emprica. Apontaremos ainda as
limitaes deste estudo e apresentaremos as implicaes pedaggicas do mesmo.
4
PARTE I ENQUADRAMENTO TERICO
Neste trabalho de investigao abordada a recente substituio do termo de
Deficincia Mental -DM- pelo de Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental DID-.
A evoluo do conceito de DID explanada para se compreender a necessidade de se
deixar de classificar o indivduo por nveis de Quociente de Inteligncia para, em alternativa,
emergir uma nova classificao baseada no critrio da intensidade dos apoios. Desta forma
procedeu-se a uma abordagem s caractersticas cognitivas dos indivduos com dfice
intelectual e etiologia desta patologia.
A terminologia de DID substituiu o conceito de DM e ser neste trabalho utilizada a
partir do momento em que se referir Associao Americana para as Dificuldades
Intelectuais e Desenvolvimentais -AAIDD-, pois a esta associao que se deve a mudana
de paradigma e a legitimao da nova nomenclatura.
1. DIFICULDADE INTELECTUAL E DESENVOLVIMENTAL
Os indivduos com DM diferem entre si, do mesmo modo que as pessoas que no
possuem deficincia diferem igualmente entre si.
A deficincia mental no uma condio parte do resto das pessoas, pois surge mais num contnuo da
normalidade do que como um estado qualitativamente
diferente deste. Alm d isso no uma condio nica,
mas refere-se a uma ampla categoria de pessoas que tm
em comum uma realizao fraca nos testes de
inteligncia, nas aprendizagens escolares e na vida, e
que demonstram uma incompetncia para gerir os seus
prprios assuntos com independncia (Alonso e Bermejo, 2001, p.1).
Segundo Alonso & Bermejo (2001), a rea da DM tem dedicado especial ateno
conceptualizao deste constructo, na tentativa de o definir atravs da elaborao de critrios
claros. Contudo, esta tem sido uma aco que se tem revelado difcil de concretizar apesar da
notvel evoluo que tem tido ao nvel dos conhecimentos tericos e das prticas
5
reabilitativas nas ltimas dcadas (Frana et al., 2008). Em todas as sociedades e culturas,
desde sempre, existiram indivduos com DM, contudo, apenas no sc. XX que se verifica
uma progressiva preocupao acerca da natureza cientfica e social desta problemtica.
A concepo global da pessoa deficiente e o comportamento a manter com ela foi-se
alterando gradualmente ao longo da segunda metade do sc. XX. Verificou-se, por
conseguinte, uma evoluo nas vrias abordagens que estudavam este constructo. Assim, da
abordagem mdico-orgnica passou-se abordagem psicolgica, de tipo psicomtrico e,
recentemente adoptou-se a abordagem multidimensional centrada no funcionamento do
indivduo integrado no ambiente que o rodeia (Alonso & Bermejo, 2001).
Para, Albuquerque (2000), Alonso & Bermejo (2001) e Pacheco e Valencia (1997), o
desenvolvimento do conceito de DM encontra correspondncia no desenvolvimento das
denominaes s quais se recorre para identificar as pessoas com DM. Verifica-se que a
terminologia espelha uma mutao ao nvel das concepes, das atitudes e da compreenso do
problema. Os vocbulos com uma conotao mais depreciativa, como idiota, imbecil,
oligofrnico, anormal, dbil mental, diminudo, invlido ou atrasado mental, foram sendo
progressivamente substitudos, nas abordagens mdicas, psicolgicas, educativas ou sociais,
por designaes menos segregadoras, como indivduo com atraso no desenvolvimento,
deficiente mental, criana com dificuldades de aprendizagem permanentes e pessoas com
necessidades especiais (Albuquerque, 2000; Alonso & Bermejo, 2001).
Paralelamente a comunidade cientfica recorria ao uso de distintas terminologias
quando se referia DM, no se encontrando, por conseguinte, consenso nos termos utilizados
para designar a deficincia mental: atraso educacional, handicap educacional, dificuldades
de aprendizagem moderadas, distrbios de aprendizagem generalizados e ainda necessidade
de apoio intermitente (Albuquerque, 2000). Assistiu-se, assim, a uma tentativa de eliminar as
conotaes negativas associadas terminologia utilizada (Alonso & Bermejo, 2001; Frana et
al., 2008).
Analogamente Alonso & Bermejo (2001), referem que se assistiu gnese de um
conjunto de correntes disciplinares que procuravam definir este conceito no mbito da sua
rea de especializao. Para a abordagem mdica de tipo orgnico ou biolgico, a DM
consistia numa manifestao patolgica, derivada de problemas ao nvel do sistema nervoso
central. Por esta razo, durante muitos anos, o tratamento consistiu na cura da doena, para a
qual se desenvolveram terapias cirrgicas e qumicas, at se compreender que o indivduo no
6
era curvel, mas sim educvel! Ou seja, no se deveriam curar indivduos doentes, mas sim,
educa- los ou treinar as suas competncias no sentido de os ajudar a interagir com o contexto
onde estavam inseridos.
As abordagens psicomtricas1 recorriam aos testes de inteligncia, os quais
estabeleciam um limite nas classificaes, categorizando as pessoas como atrasadas mentais.
Contudo, este mtodo apresentava limitaes, estando, por conseguinte, sujeito a diversos
erros e representava apenas uma quota-parte do que necessrio para uma anlise
multidimensional que o diagnstico e o tratamento de uma criana com DM necessitam. De
referir ainda, que esta abordagem Quociente Intelectual -QI- foi muito utilizada nas ltimas
dcadas, desempenhando um papel preponderante na classificao dos indivduos com DM
(Alonso & Bermejo, 2001; Santos & Santos, 2007). Os testes de inteligncia permanecem um
dos instrumentos mais utilizados na determinao da capacidade intelectual (Frana e Alves,
2008).
A partir dos anos 70, assiste-se a um avano significativo na clarificao do conceito
de DM, com Grossman a dirigir a Associao Americana para a Deficincia Mental
conhecida como American Association on Mental Retardation AAMR-, deixando a DM de
ser vista como um dfice proveniente unicamente da pessoa, para ser considerada como o
resultado no s da interaco entre ela e o meio envolvente, como tambm do tipo de apoios
essenciais prtica dos diferentes papis sociais - capacidades, envolvimento e
funcionalidade (Alonso & Bermejo, 2001; Santos & Santos, 2007; Santos, 2000). Neste
processo igualmente alterada a medida da insuficincia intelectual, passando para 2 desvio-
padro abaixo da mdia -
7
associao que estuda este constructo, tendo a Associao Americana para a Deficincia
Mental -American Association of Mental Deficiency AAMD-, a partir de Abril de 2007,
passado a denominar-se por Associao Americana para as Dificuldades Intelectuais e
Desenvolvimentais -American Association on Intellectual and Developmental Disabilities
AAIDD-.
Portanto, a abordagem tida pela AAMR em 1992, assim como a nova definio de
DM pela AAIDD, fizeram com que a deficincia em questo deixasse de ser rotulada atravs
de nveis de deficincia -modelo clnico-mdico- para passar a ser perspectivada numa relao
sistemtica e permanente com o comportamento adaptativo. Constata-se, assim, uma mudana
de paradigma com repercusses fulcrais em termos de processo de avaliao e interveno
(Morato & Santos, 2002)
Assim sendo, o rtulo de DM atribudo aos indivduos foi abolido, emergindo uma
nova compreenso da DM, que visava a implementao de uma terminologia e sistemas de
classificao mais precisos e mais facilmente aplicveis, orientados para a reabilitao
(Morato, 2002), passando a Deficincia Mental a ser designada como Dificuldade Intelectual
e Desenvolvimental, apresentando o indivduo consequentemente, no uma Deficincia mas
uma Dificuldade.
Nesta linha, Luckasson et al., (1992, in Santos & Santos, 2007), afirmam que o
comportamento do indivduo com DID est dependente das suas (in)capacidades intelectuais e
competncias adaptativas, assim como do contexto, sendo de grande pertinncia para a
funcionalidade do indivduo a prestao de apoios. (Santos & Santos, 2007).
Pelo referido, o conceito de criana com DID tem sofrido grandes alteraes nas
ltimas dcadas, desde o tempo em que era alvo de estigmatizao, o que representa uma
evoluo no s na clarificao deste conceito, como na compreenso, preocupao e
sensibilidade, com a problemtica relacionada com este tipo de deficincia (Morato et al.,
1996; Santos & Santos, 2007).
8
No obstante esta mudana2, Morato & Santos (2002, p.17), so da opinio de que:
A mudana da concepo da deficincia mental ainda encontra muitos obstculos para a sua vitria,
verificando-se a necessidade imperiosa da alterao de
mentalidades e atitudes face participao activa das
pessoas ditas diferentes e mesmo deficientes. Um
exemplo desta natureza consiste no facto, de se
utilizarem ainda as definies clnico-mdicas -
classificao por nveis de deficincia- e no as actuais
relacionadas com o comportamento adaptativo, o que s
por si ir deter repercusses fulcrais em termos do
processo de avaliao e interveno.
1.1. DEFINIO E CONCEPTUALIZAO DE DIFICULDADE INTELECTUAL E
DES ENVOLVIMENTAL
Recorrendo s palavras de Binet (1908):
Toda a abordagem ao conceito de deficincia mental
decorreu da institucionalizao da escolaridade
obrigatria, falando-se de inteligncia em funo de
critrios acadmicos: () o pensamento e a
aprendizagem eram aptides dependentes da funo
normal e intacta do sistema nervoso (SN), cu ja
possibilidade de medida tinha de passar pela aplicao
de testes (Morato et al., 1996, cit. por Morato & Santos, 2002, p. 27).
Os testes de inteligncia aplicados s crianas em idade escolar tinham como
objectivo a sua categorizao de acordo com as suas capacidades intelectuais, diferenciando
as crianas normais das anormais. Os professores eram considerados os mais indicados
para avaliarem as crianas, pelo facto de possurem melhores conhecimentos sobre os alunos
2 Apesar de se ter verificado uma evoluo acentuada no que respeita ao conceito de DM, constata-se que existe
ainda, volta do mesmo, supersties e mitos. Assim importa distinguir os termos Disability e Deficincia, dado
que possuem significados diferentes: Em Ingls, segundo o dicionrio on-line da Texto Editores, o termo
Disability, significa incapacidade ou inabilidade, enquanto o termo Deficincia se refere a falta, imperfeio,
insuficincia. Por seu lado os autores sustentam que o termo Deficincia possui em si mes mo uma conotao
mais estigmatizante, pela imperfeio que o conceito em si contm. Um outro aspecto, prende-se com a
interligao que se faz dessa imperfeio irrecuperabilidade do sujeito, a qual ao longo dos anos levou a que se
associasse condio de inutilidade e se verificasse um abuso universal sobre a pessoa dita deficiente (Morato &
Sofia, 2007; Santos & Santos, 2007).
9
(Faustino, 1994 in Santos & Morato, 2002; Santos & Santos, 2007).
Para Morato (1993) o nfase atribudo ao QI no diagnstico da DID - agravado
muitas vezes quando utilizado isoladamente -, demonstra uma clara ausncia de rigor e uma
subvalorizao das diferenas qualitativas existentes em cada indivduo, revelando ainda uma
propenso para a homogeneizao do perfil cognitivo dos indivduos.
Neste sentido, Morato & Santos (2002), referem a enorme dificuldade que existe na
definio conceptual de dificuldade intelectual e desenvolvimental. Como atrs referido, as
associaes para o estudo da deficincia mental tm procurado dar um contributo para a
clarificao deste conceito, assistindo-se, em resultado desse processo, ao aparecimento das
trs seguintes definies de Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental:
a) A definio da AAMD -American Association of Mental Deficiency- que, de 1972 a
1992, definiu a deficincia mental como: () um funcionamento intelectual
significativamente inferior mdia, manifestado durante o perodo de desenvolvimento e
associado a um dfice no comportamento adaptativo (Grossman, 1983, cit. por Pacheco &
Valncia, 1997).
Segundo Albuquerque (2000), esta definio surge pelo facto de na primeira metade
do sc. XX ser atribudo um grande valor ao Quociente de Inteligncia 3, dado a
inteligncia ser considerada um potencial intelectual inato e reflectir uma inteligncia
geral, unideterminada, inaltervel e no influencivel, a nvel sociocultural e educacional.
Sendo assim, a DM era considerada um dfice intelectual, onde o QI representa uma
expresso numrica, de natureza individual e de etiologia orgnica incurvel, no se tendo,
por isso, em considerao a origem social. Por esta razo a AAMD elaborou o sistema de
classificao que viria a categorizar as quatro categorias de classificao da deficincia
3 O conceito quociente Intelectual QI- foi introduzido por Stern e consiste numa tcnica psicomtrica com uma
grande influncia na DM. Esta consiste no produto da multiplicao por cem do quociente obtido pela diviso da
IM -Idade Mental- pela IC -Idade Cronolgica- e permite determinar o grau de Deficincia Mental,
classificando-a -ligeira, moderada, severa e profunda- (Pacheco & Valencia, 1997).
10
intelectual - ligeira, moderada, severa e profunda- 4. Apesar de servir de orientao
aos profissionais que avaliam esta problemtica, esta categorizao no pode ser dissociada
da variabilidade intra e inter-individual patente na DM, assim como ela necessita de ter em
ateno a diversidade de etiologias e a multiplicidade das manifestaes cognitivas,
comportamentais e educacionais.
Por conseguinte, verifica-se que esta definio se refere a um comportamento actual
e no a um prognstico, assim como dever existir um funcionamento intelectual igual ou
inferior a um QI de 70. Este valor dever ser sujeito a uma avaliao clnica (Albuquerque,
2000).
De acordo com a mesma autora, esta definio introduziu ainda o critrio de dfice,
no comportamento adaptativo5, como sendo um critrio de diagnstico para a deficincia
intelectual, no sentido de valorizar os aspectos sociais, para uma melhor compreenso da
deficincia mental em detrimento do QI.
b) A definio da AAMR -American Association of Mental Retardation-, que em 1992,
associa a deficincia mental () a limitaes substanciais no funcionamento actual.
4 Deficincia mental ligeira: Neste grupo esto includos a maior parte dos DM. Conseguem realizar
aprendizagens sociais e de comunicao, assim como adaptar-se e integrar o mundo do trabalho. Apresentam um
dfice pequeno nas reas perceptivas e motoras e encontram-se no estdio de desenvolvimento das operaes
concretas, segundo Piaget. Geralmente as suas limitaes intelectuais apenas so detectadas quando chegam
escolaridade obrigatria, devido a apresentarem dificu ldades de aprendizagem. A maioria consegue alcanar um
nvel escolar equivalente ao 1. Ciclo do EB. Normalmente no apresentam problemas na adaptao ao ambiente
familiar e social. Deficincia mental moderada ou mdia: O estdio mais alto que alcanam o estdio de
desenvolvimento pr-operatrio. Conseguem ter autonomia pessoal e social, com alguma dificu ldade. Tm
dificuldades ao nvel da linguagem expressiva e na compreenso dos convencionalismos sociais. Dificilmente
aprendem a ler, a escrever e a calcular. No apresentam grandes problemas a nvel motor e adquirem
conhecimentos pr-tecnolgicos bsicos, o que lhes possibilita entrar para o mundo laboral. Deficincia mental
grave: O estdio mais alto que alcanam o estdio de desenvolvimento sensrio -motor. Normalmente
necessitam de proteco ou ajuda, dado que o seu nvel de autonomia social e pessoal muito pobre.
Apresentam grandes problemas psicomotores. A sua linguagem expressiva apresenta um grande dfice e
geralmente necessitam de um sistema de comunicao para aprenderem a comunicar. Conseguem aprender
algumas actividades funcionais da vida diria. Ao nvel da aprendizagem necessitam de realizar constantes
revises. Deficincia mental profunda: O estdio mais alto que alcanam o estdio de desenvolvimento
sensrio-motor. Apresentam graves problemas sensrio-motores e de comunicao com o meio. So pessoas
com uma incapacidade total de autonomia em quase todas as funes e actividades (para se deslocar e responder
a treinos simples de auto-ajuda), pois os seus handicaps fsicos e intelectuais so gravssimos (Pacheco &
Valencia, 1997). 5 A associao do conceito de CA definio de DID, relativ isa a importancia do QI, e enfatiza os factores
socioculturais (Albuquerque, 2000). Este conceito foi pela primeira vez associado s DID em 1961, na defin io
de DID, proposta por Heber (1961). Sendo definido em 2002, pela AAMR, como o conjunto das capacidades conceptuais, sociais e prticas aprendidas pelos indivduos, em funo da sua vida diria. As capacidades
conceptuais referem-se ento a self-direction, linguagem e habilidades cognitivas e acadmicas. Por sua vez, as
capacidades prticas dizem respeito capacidade fsica para cuidar de si e a actividades da vida diria e
vocacionais. Por lt imo, as capacidades sociais correspondentes a competncias necessrias para o
estabelecimento das relaes sociais e interpessoais, a nvel social, emocional e responsabilidade (Luckasson,
2002 em Santos & Santos, 2007, p. 60).
11
caracterizada por um funcionamento intelectual significativamente abaixo da mdia
associado a limitaes relativas a duas ou mais das seguintes reas do comportamento
adaptativo: comunicao, autonomia, actividades domsticas, socializao, autonomia na
comunidade, responsabilidade, sade e segurana, habilidades acadmicas, lazer e
trabalho. Esta deficincia manifesta-se antes dos 18 anos de idade (Morato, 2002, p.27).
A partir desta definio percebe-se que a DM respeita ao modo de funcionar do
indivduo no momento actual, o que faz com que esta problemtica comeasse a ser vista
numa perspectiva mais activa e com necessidade de ser avaliada nos mais var iados
momentos (Alonso & Bermejo, 2001). Outro aspecto patente nesta, o facto do
funcionamento intelectual, significativamente inferior mdia, passar a ser definido por
um QI de 70-75 ou inferior, o que permitiu diminuir o nmero de pessoas com diagnstico
de DID passando a normalidade a ser definida por um valor de QI superior ou igual a
70/75, permitindo especificar e operacionalizar melhor o conceito de comportamento
adaptativo (Alonso & Bermejo, 2001; Belo et al., 2008; Santos & Santos, 2007).
Por conseguinte, a definio da AAMR materializa os progressos e as novas
orientaes que foram sendo desenvolvidas ao longo dos ltimos anos, quer no domnio da
investigao, quer no domnio dos servios e das prticas profissionais da especialidade,
abarcando as contribuies das abordagens associadas aos modelos ecolgicos e
comportamentais, os quais salientam a inegvel interaco entre o comportamento do
indivduo e a sua relao com o contexto que o circunda. Esta a razo pela qual a AAMR
enfatiza a necessidade de analisar as diversas reas do comportamento adaptativo, dos
ambientes e dos apoios, aos quais o indivduo no prescinde, dado que a limitao do
funcionamento intelectual, no basta para diagnosticar a DM, assim como para avaliar o
tipo de apoios necessrios, o que coloca em causa o modelo psicomtrico, fazendo, por sua
vez, com que haja um cuidado maior na preparao de modelos que pretendem calcular as
capacidades intelectuais do sujeito de uma forma qualitativa (Alonso & Bermejo, 2001;
Santos, 2000).
A limitao em pelo menos duas reas diferentes de competncias adaptativas tem
por fim a preveno de erros no diagnstico de indivduos com limitaes de outras causas
que no a DID (Alonso & Bermejo, 2001).
Portanto, a DID nesta nova concepo deixa de ser vista como um dfice de natureza
individual, comeando no s a ser interpretada como o resultado da interaco entre o
12
indivduo e o meio envolvente, mas tambm a ser considerada em termos de apoios
essenciais prtica dos diferentes papis sociais (Alonso & Bermejo, 2001; Belo et al.,
2008).
O argumento desta definio termina salientando que o atraso mental se deve
manifestar antes dos 18 anos de idade, uma vez que esta a idade a partir da qual a nossa
sociedade considera que o indivduo se torna adulto e tambm porque nesta idade que se
conseguem diagnosticar com maior preciso outras patologias ou perturbaes associadas
DM (Alonso & Bermejo, 2001).
De acordo com Leito & Ferreira (2008) este novo paradigma leva ao aparecimento
do Sistema de Classificao da American Association on Mental Retardation AAMR-,
onde esto includos trs elementos chave: as capacidades, os envolvimentos e a
funcionalidade (Luckasson et al., 1992 in Leito & Ferreira, 2008). Apesar de todos eles
desempenharem um papel preponderante, sobressai o sistema funcionalidade, sendo este o
elemento central, o que faz com que este sistema seja particularmente funcional, prevendo-
se ainda que a determinao do perfil e a intensidade dos apoios necessrios contribua m e
facilitem a integrao do indivduo (Leito & Ferreira, 2008).
Este sistema procura compreender a intensidade do apoio ao indivduo -intermitente,
limitado, extensivo e generalizado-6 ao nvel de diversas dimenses do seu funcionamento
intelectual, adaptativo, emocional e fsico, em substituio dos graus de deficincia
intelectual - ligeira, moderada, severa e profunda- (Belo et al., 2008 in Leito & Ferreira,
2008; Morato et al., 1996).
Portanto, este modelo complexificou-se e deu origem ao Modelo Multidimensional
da AAMR (2002), que consiste num modelo ecolgico que pretende relacionar as
6Os apoios consistem nos recursos e nas estratgias que permitem o desenvolvimento da
independncia/interdependncia, produtividade, integrao social e satisfao das pessoas com ou sem
capacidades. Estes podem advir de diversas fontes: o prprio indiv duo, outros, a tecnologia ou servios. A sua
intensidade, e durao varia de acordo com as pessoas, situaes e momentos. Devem compreender todos os
aspectos da vida da pessoa -casa, trabalho, comunidade e sade, entre outros - e visam a promoo do
desenvolvimento pessoal, social e emocional, da auto-estima e do sentimento de auto-valorizao, dando por
conseguinte, possibilidade ao indivduo de ter uma vida produtiva na sociedade. Os nveis de intensidade podem
ser: Intermitente caracteriza-se pela sua natureza episdica, pelo facto de nem sempre ser necessrio ou de o ser
apenas em momentos especficos do ciclo vital. Quando se proporcionam podem ser de alta ou de baixa
intensidades. Limitado de natureza contnua, mas temporalmente circunscrita, requer um menor nmero de
profissionais e menos custos. Extenso caracteriza-se pela sua natureza contnua diria- em alguns contextos -casa ou trabalho-, no tem limites temporais. Generalizado constante e de elevada intensidade, facultado em
diversos contextos (Alonso & Bermejo, 2001).
13
necessidades individuais do indivduo com o envolvimento e com o nvel de apoios que
este necessita. Este modelo desvaloriza o critrio QI como nico factor para a atribuio de
um nvel de incapacidade (Alonso & Bermejo, 2001; Santos & Santos, 2007). Por
conseguinte, estes factores favorecem, de grosso modo, a compreenso da categoria DID e
o modo de funcionamento do indivduo.
Para concluir, pode dizer-se que contrariamente definio utilizada pela AAMD,
que possua um carcter estigmatizante e focalizado no indivduo (Borderline, deficincia
mental ligeira, moderada, grave e profunda (Pacheco & Valncia, 1997), a AAMR (2002),
assume uma classificao focalizada no tipo de apoios que necessrio proporcionar. O
objectivo mximo destes apoios aumentar as capacidades adaptativas/funcionais do
sujeito e favorecer as caractersticas do contexto de modo a permitir melhorar a
competncia e a participao comunitria do indivduo (Santos & Morato, 2002; Louro et
al., 2007).
Segundo Morato & Santos (2007), a AAMR, mudou o seu nome, em Abril de 2007,
para Associao Americana para as Dificuldades Intelectuais e Desenvolvimentais -
American Association on Intellectual and Developmental Disabilities AAIDD- e sugeriu
a terminologia de Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental. A razo desta mudana
deve-se ao facto de existir uma grande contestao relativamente utilizao do termo
deficincia, devido ao seu constructo estigmatizante (Belo et al., 2008) e por, nos ltimos
50 anos, se verificar uma ausncia de rigor conceptual em relao a este conceito, de onde
sobressai o domnio Psicomtrico em detrimento da importncia que se deveria atribuir ao
domnio Adaptativo, assim como pelo facto de se procurar melhorar a compreenso do
conceito deficincia.
c) Assim, segundo Louro et al., (2007), a definio proposta pela AAIDD, em 2007, para as
Dificuldades Intelectuais e Desenvolvimentais : () caracterizada por significativas
limitaes do funcionamento intelectual e do comportamento adaptativo expressos em trs
domnios fundamentais: conceptual, social e prtico (habilidades adaptativas). Esta
Dificuldade intelectual e desenvolvimental dever eclodir antes dos 18 anos de idade
(Belo et al., 2008; Morato & Santos, 2007).
Na definio colocada em prtica pela AAIDD e no sistema de classificao das
DID, desenvolvido por esta, tanto as limitaes como as potencialidades -reas fortes e
reas fracas- so enquadradas de acordo com os apoios individualizados, o contexto
14
comunitrio, a idade do indivduo e o seu meio sociocultural e lingustico, no sentido de
aperfeioar a vida do indivduo com DID (Belo et al., 2008; Leito & Ferreira, 2008;
Louro et al., 2007).
Morato & Santos (2007), consideram que o termo Dificuldade, o mais apropriado,
por possuir um aspecto menos estigmatizante e tambm porque acompanhado por uma
expectativa mais positiva quando comparado com o termo Deficincia, pela conotao
negativa que este termo possui, tanto no seu constructo como no seu uso, sendo igualmente
injusto e pouco rigoroso. Por sua vez, a designao dificuldades refere-se s limitaes que
fazem com que o indivduo esteja em desigualdade enquanto ser social. Para se afirmar que
um indivduo apresenta dificuldades, estas devem ser vistas como o resultado de um conjunto,
onde esto includos o contexto e os factores pessoais, assim como as necessidades de apoios
individualizados, apresentados pelo sujeito. importante ter em ateno a aprec iao dos
apoios necessrios, dado que eles so responsveis pelo comportamento do indivduo e pela
sua auto-determinao, assim como pelo seu bem-estar e qualidade de vida (Belo et al., 2008).
No que respeita denominao de Intelectual em vez de Mental, verifica-se que
uma questo h muito abordada, a qual compreende o conceito inteligncia7, que consiste na
capacidade para pensar, planear, resolver problemas, compreender e aprender, reflectindo-se
nos aspectos intelectuais -verbal, numrico, espacial, etc. - que se diferenciam quer pelo seu
constructo, quer pelo seu uso, embora dem poucos esclarecimentos acerca das relaes de
causalidade linear: o primeiro passvel de ser medido atravs de resultados de QI -apesar de
ser alvo de crticas-, obtidos atravs de testes estandardizados -aplicados por profissionais-, o
segundo mais lato em termos funcionais, dado interligar-se com a dimenso orgnica,
neurofisiolgica e bioqumica (Belo et al., 2008; Morato & Santos, 2007).
O termo comportamento adaptativo caracteriza as competncias conceptuais,
prticas e sociais apreendidas pelos sujeitos, dado que so estas que atribuem aos mesmos a
capacidade para funcionar no dia-a-dia. Por conseguinte, se houver limitaes significativas
no comportamento adaptativo, estas iro influenciar a vida das pessoas ao nvel da sua
7 A inteligncia resulta do produto dos processos cognitivos -memria, categorizao, aprendizagem e resoluo
de problemas- e consiste numa competncia que permite ao ser humano adaptar-se, realizar, resolver problemas,
interpretar futuros estmulos, no sentido de conseguir alterar comportamentos, armazenar conhecimentos, assim
como ter capacidade para realizar testes de inteligncia (Sainz & Mayor, 1989 in Pacheco e Valencia, 1997) .
atravs da definio de inteligncia que se consegue analisar e compreender determinadas diferen as existentes
no comportamento dos sujeitos, no seu quotidiano e nos diversos ambientes (Salvia & Ysseldyke, 1991 em Dias
& Santos, 2006). Este um conceito inerente DM, devido aplicao de testes para se classificar o indivduo
com DM (Dias & Santos, 2006).
15
resposta perante uma situao concreta do seu contexto (Belo et al., 2008).
Portanto, ao conjugar o termo Desenvolvimental com a Dificuldade Intelectual
obtm-se uma compreenso da DID mais objectiva e, ao mesmo tempo, mais lata, pelo facto
desta abarcar, em si mesma, os factores adaptativos mais pertinentes: a interaco pessoa e
envolvimento na sua diversidade contextual -micro, meso, macro- e respectiva validade
ecolgica (Morato & Santos, 2007, p. 57).
Esta definio aplicada ao desenvolvimento humano assenta em cinco aspectos
fundamentais (Morato & Santos, 2007):
1. Considera-se a DID no um trao absoluto do indivduo, mas uma expresso da interaco
entre o indivduo, com o funcionamento intelectual limitado e o seu contexto ambiental,
no esquecendo a expectativa cultural que a comunidade tem para os seus indivduos.
2. Uma avaliao vlida considera tanto a variedade cultural e lingustica, como as diferenas
existentes nos factores fundamentais que possibilitam uma compreenso mais abrangente
da Dificuldade: comunicao, aspectos sensoriais, motores e adaptativos.
3. Cada pessoa uma pessoa. Para cada uma, as limitaes coexistem com as capacidades, ou
seja, cada pessoa possui reas fortes e reas fracas.
4. Um diagnstico com base nas competncias adaptativas, dever implicar a elaborao de
um plano de desenvolvimento das necessidades de apoio.
5. Um indivduo com dificuldades intelectuais e desenvolvimentais, ter uma melhor
qualidade de vida, se beneficiar durante um determinado perodo de tempo de apoios
individualizados adaptados.
De acordo com Morato et al., (1996), verifica-se uma preocupao crescente com o
CA nas definies que tm surgido nas ltimas dcadas, o que representa uma ateno
crescente com o modo de funcionamento actual do indivduo. Fernandes (1994 in Dias &
Santos, 2006) acrescenta ainda o facto de o QI -como j referido anteriormente- se obter
atravs da aplicao de testes de inteligncia e que um valor igual ou inferior a 70 determina
um funcionamento intelectual claramente abaixo da mdia. No entanto, salienta que para o
indivduo obter um diagnstico de DID necessrio que este apresenta concomitantemente
um dfice significativo no CA.
16
Recorremos as palavras de Alonso & Bermejo (2001, p. 10), para, em sntese, dizer:
Se, mes mo existindo limitaes, estas no afectarem o funcionamento, ento no se pode falar em atraso
mental. necessrio que sejam afectadas, tal como se
estabelece na nova definio da AAMR (1992), duas ou
mais reas de competncias adaptativas. Por outro lado,
dado que o atraso mental se refere ao funcionamento
presente, mais do que a um estado permanente, em
funo das competncias adaptativas existentes e das
exigncias que se produzem ao longo do ciclo vital, uma
pessoa com capacidades intelectuais pode (pelo menos
teoricamente), num dado momento ficar excluda dos
critrios de definio de atraso mental .
Tem sido longo o percurso realizado at se alcanar, em 2002, a definio actual de
Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental, proposta pela American Association on Mental
Retardation -AAMR- (Santos & Santos, 2007).
1.1.1. ETIOLOGIA DA DIFICULDADE INTELECTUAL E DES ENVOLVIMENTAL
Apesar de existirem inmeras investigaes acerca da problemtica da DID, a sua
etiologia ainda desconhecida, constituindo por essa razo fonte de preocupao, por parte
dos estudiosos. O conhecimento da etiologia da DID importante por permitir uma
identificao mais rigorosa e um conhecimento mais aprofundado acerca das possveis razes
da gnese desta problemtica no indivduo. Apenas com esta identificao e consequente
conhecimento das causas se podero adequar com preciso os meios e as tcnicas a aplicar, no
sentido de atenuar as dificuldades do indivduo. A condio etiolgica possibilita, igualmente,
o entendimento das relaes patofisiolgicas entre as inmeras causas e as estratgias de
pesquisa e a consequente abordagem da deficincia, sendo a informao epidemiolgica,
obtida atravs das deficincias, crucial para o desenvolvimento de programas de preveno
(Morato, 2002).
O momento do aparecimento da DM est dependente tanto da etiologia como do grau
de complexidade da mesma. Morato (2002) d o seguinte exemplo: uma sndrome com um
fentipo caracterstico -ex. trissomia 21- tende a ser despistada precocemente; pelo contrrio a
deficincia mental de etiologia desconhecida s diagnosticada mais tarde (DSM-IV, 1994,
17
cit. in Morato 2002, p. 28). Ballone (2004) acrescenta ainda que na maioria das vezes no se
consegue determinar com evidncia suficiente a causa da DID.
Morato (2002), sustenta que existe uma pluralidade de factores que podero estar
implicados na manifestao da DID, como sejam os factores biolgicos, genticos e
fisiolgicos, que para o autor so indissociveis dos aspectos socioeconmicos e de adaptao
social, emocional e vocacional.
Para Pacheco (1993), referido por Frana, Nunes, Maia & Alves (2008), e para
Fonseca (1980), a etiologia da DM muito distinta, podendo subdividir-se em factores
endgenos, que incluem os factores genticos -actuam antes da gestao- e factores
extrnsecos, subdivididos por sua vez em pr-natais -actuam antes do nascimento-, peri-natais
e neo-natais -actuam durante o parto ou no recm-nascido- e ps-natais -actuam aps o
nascimento- (Pacheco & Valencia, 1987).
A investigao realizada por McLaren e Bryson (1987), referida por Morato (2002),
assim como por Alonso & Bermejo (2001), em torno das causas etiolgicas da DID,
demonstrou que j no se justifica fazer a distino entre dificuldade intelectual e
desenvolvimental de origem biolgica e dificuldade intelectual e desenvolvimental devido a
desvantagens psicossociais, pelo facto da grande maioria da populao com DID (mais de
50%) poder apresentar mais do que uma causa possvel.
Fonseca (1980), da mesma opinio, ao referir que no se podem descurar os
factores biolgicos e sociolgicos, acrescentando ainda que as alteraes cromossmicas e
genticas tm apenas uma pequena responsabilidade nas causas da DM, quando comparadas
com factores biolgicos, sociais e envolvimentais, antes e depois do nascimento. De acordo
com o mesmo autor, podem existir cerca de 200 causas da DM, todas elas diferentes,
relacionadas com factores exgenos.
Portanto, segundo Alonso & Bermejo (2001) e Morato (2002), - e de acordo com a
AAMR (1992), dever-se- adoptar, no que se refere problemtica da DM, uma abordagem
multidisciplinar, multissectorial e intergeracional, assente em duas dimenses, a primeira
baseada em quatro grupos de factores causais e a segunda no conceito de causalidade
intergeracional.
Os quatro grupos de factores causais, que devero ser todos eles implicados no
processo de classificao, so: factores biomdicos -processos biolgicos m nutrio,
alteraes genticas, etc.-, factores sociais -capacidade de resposta e de estimulao por parte
18
dos adultos-, factores comportamentais -abuso de substncias txicas por parte da me- e
factores educativos -disponibilidade dos apoios educativos para promoverem o
desenvolvimento do comportamento adaptativo-.
De acordo com um estudo realizado por James Spence (s.d), apresentado por
Fonseca (1980), verifica-se que, na ausncia de uma leso cerebral, a maioria das desordens
de deficincias hereditrias ou de leses peri-natais resultam do envolvimento familiar.
Assim, h uma maior prevalncia de DM nas seguintes situaes sociais:
1) Nas famlias numerosas;
2) Nas classes sociais mais desfavorecidas, onde, em regra, a fecundidade mais elevada;
3) Nos filhos de mes com idades mais avanadas, onde se constata uma maior tendncia
para a limitao intelectual;
4) Nas famlias mais numerosas verifica-se que os filhos mais novos tm uma maior
predisposio para apresentarem DM.
Sabe-se que o desenvolvimento intelectual de crianas de origem social desfavorvel
tendencialmente inferior ao das crianas de origem social mais elevada. Este desnvel mais
notrio no incio da escolaridade. Esta razo prende-se com o facto de existir nas crianas de
origem social mais desfavorecida uma menor estimulao intelectual por parte do contexto
scio-familiar, desde o nascimento at entrada para a escola. Este factor revela-se
preponderante no seu desenvolvimento, devido a ser este o perodo em que se verificam as
modificaes psicobiolgicas mais expressivas, que iro interferir no desenvolvimento
cognitivo da criana. Portanto, pode afirmar-se que existe uma correlao entre o estatuto
social da famlia e a problemtica da DM.
19
Reforando a importncia do factor scio-familiar nos primeiros anos de vida,
recorremos s palavras de Fonseca (1980, p.74).
Os estudos de desenvolvimento humano, so unnimes em considerar certos perodos optimais de maturao,
preferencialmente situados nos primeiros anos de vida.
As privaes e as restries nos primeiros momentos
podem estar associadas a dfices evolutivos
irreversveis e a distores funcionais e estruturais.
().
1.1.2. A DIFICULDADE INTELECTUAL E DESENVOLVIMENTAL COMO DFICE
COGNITIVO
Como se pde constatar ao longo deste trabalho, a DID no constitui uma
problemtica clnica homognea, sob o ponto de vista etiolgico, educativo e social. Por esta
razo, o enfoque deste subcaptulo no se ir debruar sobre a descrio das caractersticas da
DM com etiologia orgnica, mas sobre a caracterizao dos aspectos cognitivos e da
linguagem -por ter reflexo no desenvolvimento intelectual- dos indivduos que apresentam
uma DM ligeira, sem etiologia orgnica, dado que sobre estes que o presente estudo ir
incidir. De seguida iremos explanar os modelos e as teorizaes que contriburam para a
compreenso das caractersticas cognitivas do indivduo com DM ligeira, desenvolvendo
posteriormente as suas caractersticas mais proeminentes.
Conquanto a deficincia mental possa ser precocemente identificada, a frequncia de
crianas com diagnstico de DM aumenta dentro da populao escolar, porque na escola
que normalmente emerge pela primeira vez a hiptese de um diagnstico de DM, em virtude
das actividades desenvolvidas na escolaridade obrigatria requererem com mais frequncia o
funcionamento da inteligncia (Madrid, 2007; Prado & Vern, 2000).
Embora exista pouca investigao acerca dos processos cognitivos da criana com
DM (Molino, 2002), o funcionamento e o desenvolvimento cognitivo dessas crianas,
sobretudo nas idades mais precoces, tem sido nos ltimos anos uma das reas mais estudadas
no campo da deficincia mental (Albuquerque, 2000; Molino, 2002), constatando-se que o
indivduo com DM no representa um grupo homogneo, encontrando-se diferenas ao nvel
das suas aptides (Crnic, 1988 in Morato & Santos, 2002).
20
No sentido de caracterizar os aspectos cognitivos da DM, vrios so os autores que
se tm debruado sobre a conceptualizao do desenvolvimento cognitivo, construindo, para
este fim, dois modelos opostos- e duas teorias explicativas desta problemtica.
Por um lado, confrontamo-nos com dois modelos, o desenvolvimentista, cujos
principais defensores foram Zigler e seus colaboradores. Este modelo considera a deficincia
mental como um pequeno atraso no desenvolvimento e o deficitrio ou da diferena que
considera que a deficincia mental representa um dfice qualitativo especfico. Por outro lado,
encontramos a definio de deficincia mental apresentada pela AAMR (1992), - sustentada
por Alonso & Beremjo (2001, p.6), que a define como () uma dificuldade bsica na
aprendizagem e na realizao de determinadas competncias da vida diria. Devem existir
limitaes funcionais relacionadas no s com a inteligncia conceptual, mas tambm com a
inteligncia prtica e com a inteligncia social.
O modelo desenvolvimentista advoga que os indivduos que tm DM ligeira sem
etiologia orgnica, correspondente DM ligeira possuem a mesma sequncia de estdios de
desenvolvimento cognitivo que os indivduos sem diagnstico de DM, diferindo apenas nos
processos cognitivos, que na DM ligeira se desenvolvem a um ritmo mais lento, alcanando
um nvel cognitivo final inferior comparativamente com os indivduos sem deficincia mental
-hiptese da sequncia semelhante-.
De acordo com este modelo, os deficientes mentais, quando confrontados com os
indivduos sem deficincia, ao nvel do desempenho cognitivo -com base na idade mental-,
teriam o mesmo desempenho nas provas cognitivas, devido identidade das estruturas e
processos utilizados -hiptese da estrutura semelhante- (Weisz & Yeates, 1981 in
Albuquerque, 2000).
De acordo com a autora as investigaes de Inhelder (1963) e de Paour (1992),
baseadas nas investigaes piagetianas sobre DM, confirmam a hiptese da sequncia
semelhante.
21
Nas palavras de Inhelder (1963) in Albuquerque (2000):
O estudo da deficincia mental contribuiu para o estabelecimento da invarincia da gnese das estruturas
operatrias, ao verificar que esta no se diferencia da
que foi descrita na criana normal. Ao nvel do
desenvolvimento cognitivo, a deficincia mental
caracterizar-se-ia, sobretudo, pelos fenmenos de
lentido e fixao. No caso especfico da deficincia
mental ligeira, a fixao teria lugar nas operaes
concretas e seria devida a um processo de falso
equilbrio ou viscosidade gentica, manifesto no
abrandamento progressivo da construo operatria, a
partir do acesso aos primeiros nveis das operaes
concretas e na relativa fragilidade do raciocnio
caracterizado por oscilaes ou pela ressurgncia de
traos de um nvel anterior, sempre que o deficiente
mental est em vias de ascender a um nvel de
estruturao superior (Albuquerque, 2000, p. 36-37).
Segundo Albuquerque (2000), houve uma tentativa por parte de inmeros
investigadores em analisar quais os dfices cognitivos mais graves dos indivduos com DM,
com o objectivo de os identificar e compreender. Neste sentido, Lewin (1935 in Albuquerque,
2000), conseguiu identificar os dfices cognitivos mais prementes, que descrevem o
funcionamento do DM, ao desenvolver a teoria da rigidez cognitiva, onde estudou os
domnios cognitivos mais pertinentes -memria, velocidade de tratamento da informao,
extenso e organizao da base de conhecimentos, etc.-.
Albuquerque (2000) verificou ainda que a partir dos anos 70 os investigadores
centraram a sua ateno na tentativa de perceber quais as estratgias que os indivduos com
deficincia mental ligeira usavam no processamento da informao. Belmont e Butterfield
(1971) em Albuquerque (2000), mediante estudos comparativos que realizaram entre
indivduos normais e indivduos com DM ligeira, atravs da aplicao de exerccios de
memorizao a curto prazo, verificaram que os indivduos normais recorriam
espontaneamente a estratgias de organizao ou recuperao da informao. Verificou-se
assim que o deficiente mental ligeiro apresenta dfices estratgicos em situaes de
memorizao, de aprendizagem associativa, produo de estratgias necessrias resoluo
dos problemas e sua transferncia para outras situaes (generalizao), devido a dfices
metacognitivos, sobretudo no controlo executivo (Garcia, 2000). Logo o deficiente mental
no recorre s estratgias do seu recurso cognitivo por desconhecimento sobre o modo de
22
como o fazer -o porqu, o quando e o como da sua aplicao- (Garcia, 2000).
Este dfice estratgico deve-se a um dfice de produo e no a um dfice de
mediao, ou seja, o indivduo com DM ligeira consegue utilizar os processos estratgicos
necessrios, desde que lhes sejam dadas instrues nesse mbito (Albuquerque, 2000; Garcia,
2000; Morato & Santos, 2001).
Albuquerque (2000), refere que para Sternberg & Spear (1985), a partir da extenso
do dfice estratgico e das dificuldades de generalizao que se consegue diferenciar a
deficincia mental ligeira, dos distrbios de aprendizagem -learning disabilities-. Enquanto os
DM ligeiros apresentam dfices generalizados nos processos executivos superiores, os dfices
das crianas com distrbios de aprendizagem so circunscritos.
Por outro lado, existem igualmente diferenas substanciais no que respeita atitude
de cada um deles, no que concerne ao modo de reagir ajuda que recebe por parte do adulto,
no processo ensino-aprendizagem. Assim, a criana que apresenta distrbios de aprendizagem
no solicita com tanta frequncia a ajuda do adulto, para a resoluo das suas tarefas escolares
e responde com maior agrado interveno do adulto, realizando com maior competncia as
aprendizagens realizadas no contexto escolar (Campione, Brown e Ferrara, 1983 in
Albuquerque, 2000). Albuquerque (2000), refere que Vigotsky, Campione, Brown e Ferrara
(1983), explicam estes aspectos com base no conceito de zona de desenvolvimento potencial,
argumentando que as crianas e jovens com distrbios de aprendizagem apresentam zonas
mais extensas ou amplas do que as crianas com deficincia mental ligeira (p. 40).
A experincia na rea da educao cognitiva com DM ligeira, tem evidenciado que
estes sujeitos podem sofrer modificaes cognitivas estruturais e func ionais sem que estas
alterem a realidade da sua deficincia (Albuquerque, 2000; Garcia, 2000; Pacheco &
Valencia, 1997). contudo necessrio salientar que as investigaes realizadas neste campo
nem sempre tm conseguido congregar todos os indicadores que permitam confirmar a
plasticidade cognitiva da DM ligeira (Garcia, 2000).
Contudo o modelo desenvolvimentista criticvel. Por um lado, pelo facto de no
incluir os indivduos com DM que possuem uma etiologia orgnica e considerar que para
estes casos mais adequado inclu- los na conceptualizao deficitria (Belo et al., 2008), por
outro, porque defende que os deficientes mentais devem ser comparados atravs do seu nvel
de desenvolvimento cognitivo com os sujeitos normais que apresentam a mesma idade
mental, considerando que esta a varivel descritiva mais pertinente. No obstante, tanto
23
Albuquerque (2000) como Belo et al. (2008), evidenciam desacordo com este desgnio,
salientando que a idade mental apenas apresenta () um valor sumrio representante de uma
mdia num conjunto heterogneo de itens (Albuquerque, 2000, p.38). Por sua vez Belo et
al. (2008, p.38), sustenta que no se encontra semelhana dos desempenhos ou a
inexistncia de diferenas qualitativas e quantitativas nas estruturas e processos
cognitivos.
Para o modelo deficitrio ou da diferena, os indivduos com deficincia intelectual
distinguem-se dos sujeitos sem deficincia por evidenciarem dfices cognitivos especficos,
que vo para alm da simples diferena no ritmo e no final do seu desenvolvimento. Estes
dfices vo-se tornando mais evidentes ao longo do desenvolvimento (dfice da idade
mental).
Passando agora a explanar a teoria desenvolvida por Alonso & Beremjo (2001), com
base na nova definio de DM da AAMR (1992) -j referida no subcaptulo anterior- verifica-
se que estes autores consideram que com esta definio a DM passa a ser considerada dentro
de uma perspectiva mais activa, sendo definida como uma dificuldade bsica na
aprendizagem e na realizao de determinadas competncias da vida diria. Devem existir
limitaes funcionais relacionadas no s com a inteligncia conceptual, mas tambm com a
inteligncia prtica e com a inteligncia social (Alonso & Bermejo, 2001, p.6).
Desta definio adoptada por Alonso & Bermejo (2001), ressaltam as seguintes
palavras, que so elementares para a compreenso da DM: capacidades ou competncias.
Estas implicam limitaes, tanto ao nvel da inteligncia8 conceptual (cognio e
aprendizagem) como ao nvel da inteligncia prtica e social,
Assim, segundo estes autores as competncias respeitam s qualidades que
possibilitam ao indivduo ter um funcionamento adequado em sociedade, que abrangem tanto
as capacidades intrnsecas ao indivduo, como a sua aptido para se mover num contexto
social, ou competncia social. Portanto, um indivduo que tenha DM manifesta limitaes,
tanto na inteligncia conceptual -cognio e aprendizagem- como na inteligncia prtica e
social, as quais constituem a base das competncias adaptativas.
8 Para a Deficincia Mental interessa, sobretudo, o conceito de Inteligncia Social e Inteligncia Pragmt ica,
que so, respectivamente, a habilidade para compreender e interagir com as demais pessoas e com as coisas, ou
seja, actuar adequadamente nas relaes humanas e na vida prtica. Segundo os actuais critrios de definio da
Deficincia Mental, esta seria predominantemente a incapacidade de adaptao satisfatria ao ambiente social,
portanto, predominantemente relacionada s inteligncias Social e Pragmtica (Madrid, 2007, p. 7).
24
Os mesmos autores sustentam que a inteligncia prtica se refere capacidade para
orientar de modo autnomo as actividades da vida diria. Trata-se de um tipo de inteligncia
crucial para a aprendizagem de competncias sensrio-motoras, de independncia pessoal -
comida, bebida, higiene pessoal- e de competncias de segurana ou proteco -evitar perigos
ou acidentes-. Por sua vez, a inteligncia social afirma-se como uma competncia que permite
compreender tanto as expectativas sociais como o comportamento dos outros, incluindo a
capacidade para analisar de forma adequada o modo como o prprio indivduo actua nas
situaes sociais. Esta uma competncia indispensvel para a aquisio de competncias
adaptativas, como as competncias sociais e as competncias de comunicao na vida diria
ou de adaptao comunidade.
O contexto ambiental consiste nos lugares onde a pessoa vive, aprende, brinca,
trabalha, socializa e interage (Alonso & Bermejo, 2001, p. 10). Este modelo impe que haja
uma relao homognea entre as capacidades individuais, as exigncias e as restries de
determinados contextos ambientais.
Sistematizando o at agora referido, para Pacheco & Valencia (1997), a definio da
DM da AAMR advoga a existncia de limitaes a nvel intelectual que provocam limitaes
intelectuais especficas -na inteligncia conceptual, prtica e social- que comprometem o
desenvolvimento e a aprendizagem do indivduo ao nvel da vida acadmica e activa,
interferindo na habilidade que o indivduo necessita de ter para se confrontar com os desafios
do quotidiano na sociedade.
Na sequncia dos modelos desenvolvimentista e deficitrio ou da diferena, e com
base nas teorizaes apresentadas por Alonso & Beremjo (2001), - fundamentadas a partir da
definio de DM da AAMR (1992), e por Garcia (2002), pode afirmar-se que estes modelos e
teorizaes so compatveis e complementares, dado que sustentam diferentes nveis de
anlise e recorrem a diferentes modalidades de comparao, colocando ambos os modelos em
evidncia as diversas caractersticas da DM, explicando-a, com recurso a diferentes mtodos
de anlise e a diferentes modalidades de comparao. Contudo, apenas permitem justificar
mais uma vez a diversidade, a heterogeneidade e a complexidade da deficincia mental
(Albuquerque, 2000), levando ao entendimento de que no possvel perceber a variedade
cognitiva existente entre o indivduo com DM e o indivduo normal, com base em apenas uma
nica teoria (Sternberg & Spear, 1985 in Albuquerque, 2000), embora no deixe de colocar
em evidncia algumas das caractersticas que diferenciam os deficientes mentais dos sujeitos
25
normais (Louro et al., 2007; Pacheco & Valencia, 1997).
Por conseguinte, o modelo desenvolvimentista e o modelo deficitrio colocam em
evidncia aspectos referidos por outras teorias, que perduram sem que umas se imponham em
prejuzo das outras, conseguindo, neste sentido, minimizar as discordncias que subsistem
nesta rea de investigao, assumindo-se como quadros conceptuais que permitem
caracterizar os aspectos cognitivos da deficincia mental (Paour, 1992 in Albuquerque, 2000).
Por conseguinte, segundo Pacheco & Valencia (1997), encontra-se uma grande
variabilidade no que se refere ao nvel de desenvolvimento de cada indivduo com DM,
acrescentam ainda estes autores, que devido individualidade existente entre cada um dos
diversos sujeitos com DM, possvel encontrar comportamentos pessoais e sociais diferentes,
no se podendo por isso afirmar que os sujeitos com DM possuem as mesmas caractersticas,
pelo facto de todos eles possurem experincias diferentes provenientes do ambiente onde
vivem e de acordo com a constituio biolgica que possuem.
1.1.3. CARACTERSTICAS DAS CRIANAS COM DID
Garcia (2000) procurou explicitar o funcionamento mental e as habilidades
cognitivas, que abarcam o pensamento, a metacognio e a memria do indivduo com DID
Referindo-se ao pensamento, refere que na investigao que realizou se confrontou com a
escassez de investigaes neste campo, embora a literatura cientfica anglo-saxnica
evidenciasse a existncia de um conjunto de investigadores interessados em tentar
compreender o modo de processamento da informao nos indivduos DM ao longo dos
vrios estdios evolutivos. Conclui, assim, que alguns investigadores conseguiram investigar
este domnio da psicologia cognitiva com algum rigor cientfico, enquanto outros no tiveram
em ateno as regras heursticas mais elementares, principalmente quando procediam
comparao entre sujeitos DM e sujeitos normais de idades, cronolgicas ou mentais,
semelhantes, no tendo explicado o mtodo cientfico utilizado, nem apresentado os
resultados estatsticos alcanados. Por esta razo, a investigao realizada nesta rea tem sido
alvo de muita contestao. A autora refere ainda, que nestes ltimos anos tem existido alguma
investigao cientfica mais rigorosa, permitindo assim compreender de certa forma como se
processa o funcionamento cognitivo dos sujeitos com esta problemtica, principalmente nas
fases mais precoces.
26
Pela ausncia de estudos realizados nesta rea, Garcia (2000) baseou-se na
investigao realizada por Molina y Arraiz (1992; 1993), acerca do processo cognitivo.
Refere que difcil comprovar as diferenas qualitativas que existem no pensamento indutivo
e dedutivo, entre as crianas deficientes mentais com distintas etiologias -especialmente
orgnicas e no orgnicas- e as crianas normais. Sptiz (1988), por sua vez, pela ausncia de
investigao, necessitou de recorrer aos trabalhos desenvolvidos por Itard, no sentido de
comprovar que a caracterstica essencial destes sujeitos consiste numa desordem do
pensamento e no tanto num maior ou menor grau de capacidades gerais ou especficas.
De acordo com Garcia (2000), os trabalhos realizados por McConaghy (1988),
fundamentados no mtodo componencial de Sternberg, com a bateria de Wescheler e as
matrizes progressivas de Raven, demonstram a existncia de diferenas significativas, tanto
quantitativas como qualitativas, no pensamento analgico dos sujeitos com DID em
comparao com o dos sujeitos normais. Contudo importa referir que no possvel conhecer
as razes dessas diferenas.
Relativamente metacognio em indivduos com DM, Garcia (2000) afirma que as
investigaes mais recentes e rigorosas foram realizadas por Justice (1985) e por Bo rkowski
& Kurtz (1987). Neste sentido, comea por referir, fundamentada em Mantoan (1998), que
aquela consiste no conhecimento que o sujeito detm relativamente conscincia dos seus
prprios processos cognitivos, incluindo intencionalidade, autoregulao e capacidade para
supervisionar e dirigir de modo autnomo os seus prprios pensamentos. A metacognio
abarca igualmente componentes directamente relacionadas com a personalidade, tal como o
Locus de Controlo, a sugestionabilidade, os nveis de atribuio de autoeficcia, a inibio ou
inclusive os efeitos da interaco entre o contexto e o funcionamento cognitivo.
Borkowski & Pressley (1987), Feuerstein (1978), Whitman (1987), Scharnorst &
Buchel (1990) e Sternberg (1982), referidos pela mesma autora, estudaram o modo como
estes indivduos fazem o tratamento da informao, confirmando a inexistncia de
conscincia metacognitiva, a qual se repercute ao nvel das limitaes na adaptao e na
autonomia.
O sucesso da aprendizagem destes alunos depende do desenvolvimento das suas
estratgias cognitivas e metacognitivas, sustentando, por conseguinte, Garcia (2000), que a
aprendizagem acadmica dos alunos que apresentam DM se processa de forma mais lenta,
uma vez que a sua metacognio e a sua auto-regulao cognitiva so construdas de forma
diferente, incluindo, a maioria das vezes, dificuldades na criao de estratgias que
27
possibilitem a assimilao dos conceitos e conhecimentos mais complexos. Grangeat, (1999,
cit. in Ribeiro, 2003, p. 115), refora esta ide ia: () para aprender preciso aprender como
fazer para aprender, que no basta fazer e saber, mas preciso saber como se faz para saber e
como faz para fazer. No mesmo sentido vai a afirmao de Ribeiro (2003, p. 115), a
metacognio pode, () ser vista como a capacidade chave de que depende a aprendizagem,
certamente a mais importante: aprender a aprender ().
Portanto, Paour (1992 in Albuquerque, 2000), sustenta que a DM traduz-se por um
desenvolvimento cognitivo mais lento e por uma diferena no modo como as estruturas
cognitivas so aplicadas, demonstrando assim muito pouca habilidade para a generalizao
das aprendizagens, o que implica dificuldades na elaborao de conceitos, devido a um sub-
funcionamento da memria. Este facto fez com que a comunidade cientfica colocasse a
hiptese de que a DM no se deve a um dfice estrutural, mas a uma capacidade funcional da
inteligncia (Scharnorst & Buchel, 1990). Assim, embora o deficiente mental possua uma
assimilao equivalente s pessoas normais, mais jovens, na questo da resoluo de situaes
e problemas, ou seja, na colocao em prtica dos seus conhecimentos, o indivduo com DM
tem, de facto, capacidades inferiores s pessoas normais. Fazendo uma analogia com a
informtica, poderamos considerar que os DM tm um input normal e um processamento
deficiente, logo, um output tambm inadequado (Mantoan, 1998).
A psicologia tem alertado para a importncia da integrao dos processos
metacognitivos nos trabalhos de reeducao do sujeito com DM, no sentido de melhorar as
suas capacidades intelectuais (Mantoan, 1998). Por esta razo, Paour (1988), citado por
Mantoan, (1998, p. 3), refere que o sub-funcionamento crnico da inteligncia de pessoas
com deficincia mental pode ser activado atravs de ajudas, as quais lhes podem proporcionar
uma maior mobilidade cognitiva, isto , condies de aplicabilidade localizada.
Relativamente s tarefas mnemnicas, de referir que Ellis (1963, 1970, 1978),
referido por Garcia (2000), foi o autor que maior contributo deu para o conhecimento dos
processos de memorizao ao demonstrar que o deficiente mental no consegue utilizar as
estratgias de re-chamada e de categorizao que lhe so inerentes, quando precisa de resolver
um problema, para o qual necessita de usar a memria de curto prazo para a sua resoluo
(Garcia 2000). Contudo, o autor constatou que quando se apropriam das ajudas necessrias, as
diferenas desaparecem entre crianas normais e crianas com DM ligeira. Assegura
igualmente que as diferenas existentes na memria passiva entre ambas a crianas no
28
dependem da reteno, mas sim de outros processos no mnemnicos, como a ateno e a
percepo.
Nas tarefas de manuteno de memria, a execuo dos deficientes mentais no
obtm to bons resultados quanto as crianas normais, no que se refere forma de execuo
das tarefas, revelando uma ausncia do uso espontneo da estratgia de re-chamada.
Segundo Mantoan (1998), o indivduo DM apresenta um sub-funcionamento da
memria. As estratgias mnemnicas resultam da capacidade de reteno, que por sua vez
surge a partir da repetio, da imagem mental, de categorizaes, etc. A memria consiste
numa capacidade intelectual que pode ser aperfeioada nas pessoas com deficincia. Contudo
este aperfeioamento no dever ser realizado de modo automtico.
Garcia (2000), refere os processos e estratgias cognitivas patentes na DM
fundamentando-se num estudo realizado por Molina, Arraiz & Garrido (1993), cujo objectivo
era avaliar e comparar o funcionamento cognitivo das crianas normais, com crianas com
DM, com e sem etiologia orgnica. Neste sentido utilizou uma prova de avaliao da autoria
daqueles autores, apoiando-se igualmente no modelo de processamento da informao de Das
e colaboradores (1979, 1980, 1984), visando avaliar os processos cognitivos -simultneo,
sucessivo e planificao-.
Este estudo demonstrou que a criana com DM sem etiologia orgnica processa a
informao simultnea e sucessiva, com maior dificuldade quando comparada criana sem
deficincia com um nvel de desenvolvimento normal. Contudo, os resultados tambm
colocam em evidncia que quando a criana DM recebe e compreende as orientaes, estas
diferenas desaparecem em ambos os modos de processamento da informao.
As maiores diferenas entre ambos os grupos encontram-se ao nvel da planificao,
o que acontece, tanto quando tm de resolver as actividades sozinhas, como quando lhe so
dadas as orientaes necessrias. Esta uma constatao consensual entre os diversos
investigadores, que permite salientar a necessidade de se repensar as estratgias at agora
utilizadas no sentido de melhorar o potencial de aprendizagem e transferncia destas crianas
no que concerne s tarefas directamente relacionadas com o pensamento dedutivo, com a
metacognio e com a procura de estratgias que lhes permita ter capacidade para a resoluo
de problemas.
No que se refere ao tipo de estratgias que estes indivduos colocam em
funcionamento para a resoluo das tarefas relacionadas com os trs processos cognitivos -
29
simultneo, sucessivo e planificao-, Garcia (2000), destaca a incapacidade na apreciao de
conceitos abstractos na generalizao, categorizao e transferncia de comportamentos e
saberes adquiridos, para novas situaes, em tarefas que exigem processos de memorizao.
Estes resultados confirmam que o dfice estratgico destas crianas, se no suficiente para
explicar as suas dificuldades nos processos de memorizao, tal co mo alguns autores
sugerem, ao menos h que reconhecer que a evidncia emprica e experimental unnime em
mostrar a existncia do mesmo dfice nos ditos sujeitos, devendo portanto, ter-se estes
aspectos em conta em qualquer processo de reabilitao.
A mesma autora refere ainda que ambos os grupos estudados -crianas com DM,
com e sem etiologia orgnica, e crianas normais com o mesmo nvel de desenvolvimento
normal- no diferem no modo como recorrem s estratgias cognitivas, relacionadas com os
processos metacognitivos, apresentando igualmente pouca flexibilidade na resoluo do erro,
persistindo no erro e mostrando incapacidade para a correco espontnea.
A autora considera que no estudo efectuado por Molina e Rayaz (1993), as crianas
com DM sem etiologia orgnica conseguem realizar aprendizagens se lhes forem aplicadas
estratgias que lhes dem as orientaes necessrias para a concretizao das actividades, por
outras palavras, se o potencial de transferncia vertical e de generalizao se realizar em
separado em cada processo cognitivo, verifica-se que o potencial de aprendizagem se
concretiza na fase de planificao.
Quanto ao processamento simultneo constata-se que o subteste do pensamento
reversivo apresenta bons resultados, ao invs do subteste dos desenhos matriciais, cujos
resultados se encontram abaixo da mdia.
No que respeita s fases do processamento sucessivo, sobressai um potencial de
aprendizagem pouco expressivo, a no ser nas tarefas onde intervm a linguagem, obtendo as
tarefas de memorizao a o pior resultado, o que permite colocar de parte a teoria explicativa
de que o dfice destes sujeitos ao nvel do processamento da informao de tipo estratgico.
Fonseca (1980), aps investigao terica fundamentada em diversos autores refora
a ideia de que a DM apresenta um ritmo e uma atipicidade de desenvolvimento e de
maturao, onde se verificam evolues conceptuais mal controladas, para alm de ateno
selectiva e de auto-regulao de condutas, onde o meio joga um papel fundamental, aceitando
ou rejeitando comportamentos adaptativos, que so ou no normalizados ou padronizados
(p.67, 68). Logo, a criana com DM no dever ser enquadrada em perodos concretos de
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aprendizagem, dado que passa por estdios sucessivos do desenvolvimento com um ritmo
mais lento que a criana normal (Ballone, 2004; Pacheco & Valencia, 1997).
Partindo da perspectiva de Piaget, a grande maioria destas crianas permanecer no
estdio das operaes concretas -que muito semelhante entre as crianas com DM e as
crianas normais- e muito dificilmente alcanar as operaes formais (Prado & Vern,
2000). Alis, uma das particularidades da DM precisamente a dificuldade em conseguir
alcanar o pensamento abstracto. Como tal, quanto mais grave for a deficincia, ma ior ser
esta incapacidade (Ballone, 2004), logo, a evoluo global de uma criana com DM realiza-se
respeitando as mesmas etapas consideradas normais no desenvolvimento e evoluo de outra
qualquer criana, respeitando os estdios definidos por Piaget -sensrio-motor; operaes
concretas; operaes formais-.
Por aquilo que tem vindo a ser referido, podem salientar-se as seguintes
caractersticas dos indivduos com DM ligeira:
So crianas que tm uma grande dificuldade em discernir situaes para estabelecer
relaes (Quiroga Sainz & Mayor 1989 in Pacheco & Valen