ISSN 2177-8892
1688
PROJETO ESCOLA DA VIDA: UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO NÃO
FORMAL NO INTERIOR DA AMAZÔNIA.1
Poliana Fernandes Sena- UFOPA2
Email: [email protected]
Juliana Teixeira do Amaral Oliveira- UFOPA3
Fonte Financiadora: Bolsista da Capes
Email: [email protected]
1. INTRODUÇÃO
Este artigo resulta de uma Pesquisa Intitulada “Projeto Escola da Vida: uma
experiência de educação não formal no Interior da Amazônia”, desenvolvida no ano de
2012. Apresentou-se como problemática de investigação: como está sendo trabalhado o
projeto escola da vida: uma experiência de educação não formal no interior da
Amazônia?
Como objetivos, destacou-se: demonstrar como iniciou e se consolidou a
educação não formal no Brasil; destacar os espaços de educação não formal que
surgiram; analisar como o Projeto “Escola da Vida” trabalha a educação não formal. O
estudo foi desenvolvido por meio de uma abordagem de pesquisa de campo,
documental, bibliográfica, quantitativa e qualitativa, fazendo uma análise narrativa
descritiva das informações coletadas.
Apresenta-se como lócus da pesquisa, a educação não formal. Os principais
autores utilizados na construção teórica da pesquisa foram: Brasil e Costa (2007); Gohn
(2005) e Libâneo (2004) que abordam como a educação não formal está presente em
diversos espaços ressaltando, a importância desse modelo educacional e a sensibilidade
de perceber a educação em suas diferentes formas.
1 Artigo Submetido para a XII Jornada do HISTDBR e X Seminário de Dezembro do HISTEDBR- MA
2 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação- Universidade Federal do Oeste do Pará-
UFOPA; Linha de pesquisa, História Política e Gestão Educacional na Amazônia.
3Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação-Universidade Federal do Oeste do Pará-
UFOPA; Bolsista da Capes; Linha de pesquisa, Práticas Educativas, Linguagens e Tecnologia.
ISSN 2177-8892
1689
A pesquisa de campo teve como local de investigação o Projeto Escola da Vida
(PEV), ligado ao Corpo de Bombeiros Militar do Pará (CBMPA), situado na cidade de
Santarém, estado do Pará.
Para atender os quesitos da Resolução 196/96, que discorre sobre a “Ética na
Pesquisa envolvendo seres humanos”, preservou-se a identidade dos sujeitos que
participaram da pesquisa com informações, sendo utilizados códigos para identificar as
respostas dos atores sociais envolvidos.
Inicialmente foi realizado um levantamento do Projeto Escola da Vida. A
investigação concentrou-se entre os dias 16 de março a 05 de maio de 2012.
Posteriormente, foi realizada uma entrevista com o subcoordenador do projeto (SC), a
aplicação de questionário misto a 67 alunos, com a faixa etária de dez a quatorze anos,
dos turnos da manhã e da tarde que foram identificados pelos códigos B1 até B67.
Foram aplicados também questionários a dez pais ou responsáveis, identificados pelos
códigos P1 até P10.
2. A EDUCAÇÃO NÃO FORMAL NO BRASIL: ASPECTOS HISTÓRICOS.
Na compreensão de Garcia (2008), a expressão educação não formal começa a
aparecer no campo educacional brasileiro paralelamente a várias críticas relacionadas ao
sistema formal de ensino. Passávamos por um momento histórico em que diferentes
setores da sociedade estavam em crise, tais como: educação, saúde e cultura.
A educação não formal se fortalece no Brasil a partir da década de 80, em um
cenário bastante conturbado, em que o país passava por uma série de transformações
políticas, econômicas e sociais: saíamos de uma ditadura militar que permaneceu no
poder por mais de vinte anos; passávamos também pela reforma da Constituição Federal
de 88, quando surgiram os conceitos sobre: direitos dos cidadãos, democracia,
igualdade e, principalmente, liberdade; período em que os movimentos sociais
reivindicavam, entre outras coisas, as eleições pelo voto direto. A sociedade clamava
por uma série de mudanças.
ISSN 2177-8892
1690
Porém, nesse período, esse novo modelo educacional ainda é visto como uma
extensão da Educação Formal. É nessa perspectiva que esse novo modelo educacional
passa a atuar em diferentes espaços como forma alternativa, caracterizando-se como
educação não formal, por estar fora dos ambientes escolares. A partir desse momento, o
conceito de educação ampliou-se nas discussões.
A educação não formal se organiza de forma diferente da educação formal, pois
ela trabalha o sujeito na sua essência, nas relações com o outro, deixando de lado a
“superficialidade” da educação formal. Na década de 90, esse modelo se fortalece cada
vez mais, pois, nesse momento, também ocorreram grandes mudanças na economia
brasileira, como a inserção do modelo econômico neoliberal, no governo de Fernando
Collor. Com isso, mudaram também as relações de trabalho.
A educação "foi chamada” a enfrentar os desafios gerados pela
globalização da economia e pelo avanço tecnológico na era da
informação/informatização. “Foi chamada” também para promover o
acesso dos excluídos ao mercado de trabalho rumo a uma sociedade
mais justa e igualitária. (FRANCO; MOLLON 2008, p.173).
Também na década de 90, temos as ONGs (Organizações Não-Governamentais),
atuando no chamado terceiro setor, como parceiras para difundir a educação que estava
em evidência e se diferenciava da escola tradicional. Isso estava presente nos
movimentos sociais, sindicatos, cooperativas e em todos aqueles que trabalhavam para a
coletividade.
Na conferência realizada em Jomtien, na Tailândia, intitulada: Educação para
Todos, no ano de 1990, foram elaborados os documentos: “Declaração Mundial de
educação para todos” e “Plano de ação para satisfazer necessidades básicas de
aprendizagem”. Nesse evento em Jomtien, que foi o principal debate promovido
internacionalmente, organizado pela UNESCO e UNICEF (Fundo das Nações Unidas
para a Infância), foi possível perceber a importância que a educação não formal estava
recebendo a partir daquele momento, pois precisávamos encontrar uma forma de educar
os indivíduos que atendesse as suas reais necessidades.
A educação não formal, a partir dessa visão, voltava-se para a educação cidadã,
para a igualdade, cidadania, liberdade, contra todas as formas de discriminação,
compreendendo e vivendo as diferenças, buscando cada vez mais o exercício da
democracia e dos direitos humanos. Assim, nessas três décadas de educação não formal,
ISSN 2177-8892
1691
percebemos que ela cresceu e que tem contribuído significativamente para a educação
além da sala de aula.
2.1. A EDUCAÇÃO INFORMAL; EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO FORMAL.
A educação é um fenômeno com muitas expressões. Ela acontece em
diferentes modalidades, espaços e tempos. A partir desse momento, faremos a tessitura
dessas três modalidades de educação: informal, formal e não Formal.
De fato, vem se acentuando o poder pedagógico de vários agentes
educativos formais e não formais. Ocorrem ações pedagógicas não
apenas na família, na escola, mas também nos meios de comunicação,
nos movimentos sociais e outros grupos humanos organizados, em
instituições não escolares. Há intervenção pedagógica na televisão, no
rádio, nos jornais, nas revistas, nos quadrinhos, na produção de
material informativo, tais como livros didáticos e paradidáticos,
enciclopédias, guias de turismo, mapas, vídeos e, também, na criação
e elaboração de jogos, brinquedos. (LIBÂNEO apud GODINHO,
2006, p.7).
Partindo desse princípio, os sujeitos produzem saberes condicionados pelos
contextos em que estão inseridos, sejam estes na família, na escola, no trabalho,
reunidos na comunidade, em movimentos estudantis, no clube, etc. Assim, no momento
em que percebem essa experiência, esses sujeitos produzem maneiras de lidar com a
realidade, de agir e intervir nela.
Dessa forma, a educação é produto e processo social como aponta Godinho
(2005); é condicionada pelas relações sociais vigentes em cada sociedade e, por isso,
também é condicionada por interesses, saberes e práticas sociais. É nesse momento que
percebemos que a transformação da educação está ligada a transformação das relações
sociais.
Existem três formas de educação, segundo Libâneo (apud Godinho, 2006, p.7)
que se caracterizam da seguinte forma:
A educação informal corresponderia a ações e influências exercidas
pelo meio, pelo ambiente sociocultural, e que se desenvolve por meio
das relações dos indivíduos e grupos com seu ambiente humano,
social, ecológico, físico e cultural, das quais resultam conhecimentos,
experiências, práticas, mas que não estão ligadas especificamente a
ISSN 2177-8892
1692
uma instituição, nem são intencionais e organizadas. A educação não
formal seria a realizada em instituições educativas fora dos marcos
institucionais, mas com certo grau de sistematização e estruturação. A
educação formal compreenderia instâncias de formação, escolares ou
não, onde há objetivos educativos explícitos e uma ação intencional
institucionalizada, estruturada, sistemática.
Essas modalidades educacionais se diferenciam pela ausência ou presença de
intencionalidades de conhecimento.
2.1.1. EDUCAÇÃO INFORMAL
A educação Informal se caracteriza pela não intencionalidade de produção de
conhecimento, que é a ausência de objetivos visíveis ou qualquer grau de sistematização
ou organização. Mesmo que o sujeito tenha produzido conhecimento e ocorra
aprendizagem, ela também não possui vínculo com qualquer instituição de ensino. A
educação informal ocorre de maneira espontânea, de forma bastante natural. Ela
acontece em toda a vida do indivíduo e se caracteriza por ser um processo constante que
não é estruturado e organizado.
Conforme Godinho (2005), a educação não intencional condiciona a prática
educativa e a formação das personalidades dos sujeitos; porém, seus processos são
dispersos, sem explicar um objetivo que organize suas práticas. Assim, o processo
educativo presente em qualquer sociedade não se resume a educação não intencional.
No entendimento de Libâneo (2004 p.94), “[...] a educação não intencional se
apresenta como processos sociais de aquisição de conhecimentos, hábitos, habilidades,
valores, modos de agir, não intencionais e não institucionalizados”.
2.1.2. EDUCAÇÃO FORMAL
A educação formal é institucionalizada e apresenta alto grau de sistematização.
A esse respeito, Godinho (2005) refere-se a tudo que implica uma forma; isto é,
ISSN 2177-8892
1693
inteligível, estruturado, o modo como se configura. A educação formal seria, pois,
aquela, estruturada, organizada, planejada intencionalmente sistemática.
A intencionalidade é o ponto comum existente entre a educação formal e
educação não formal. Esse ponto comum divide-se quanto aos níveis de sistematização
e institucionalização. Nas duas modalidades educacionais há objetivos explícitos. O
ponto que as diferencia é o grau de sistematização e estruturação, pois a educação não
formal é caracterizada pelo menor nível de estruturação e sistematização.
A educação formal está ligada à relação professor-aluno e, por muito tempo, foi
vista e reconhecida como o único padrão de educação existente que pudesse levar o
indivíduo a adquirir conhecimento. Esse ensino convencional é característico da escola
e de cursos de aperfeiçoamento.
2.1.3 EDUCAÇÃO NÃO FORMAL
A educação não formal não é institucionalizada; varia no nível de sistematização
e refere-se, conforme Godinho, (2005), àquelas atividades com caráter de
intencionalidades, mas com baixo grau de estruturação e sistematização, implicando,
certamente, em relações educacionais, mas não formalizadas. Dessa maneira, mesmo
que tenha uma intenção clara em relação à produção de conhecimento, é caracterizada
como não formal. Ela tem baixo grau de estruturação e sistematização e as relações
educacionais não são formalizadas. A relação educador-educando, que existente nessa
modalidade, não pode ser comparada à relação aluno-professor.
Na percepção de Libâneo (2004), a educação não formal apresenta os mais
diversos espaços, tais como: organização política, profissional, científica, cultural,
educação cívica, educação ambiental, agências formativas para grupos sociais
específicos, meios de comunicação de massa e propaganda, sindicatos, partidos,
educação de adultos, escolas maternais, creches, formação profissional, extensão rural e
atividades extraclasse.
Percebemos a grande diversidade que a educação não formal abrange, nos
diferentes trabalhos que são realizados, em contextos, com sujeitos e situações
ISSN 2177-8892
1694
diferentes. Nela não existe a preocupação de trabalhar os conteúdos da escola formal.
As metodologias e o tempo em que as atividades são desenvolvidas são diferenciados.
Os conteúdos são flexíveis e adaptados a cada realidade, porém ela não pode ser vista
como atividade de passar tempo, brincar, imaginando que esta não tem compromisso de
ensinar/aprendizagem. As atividades baseiam-se no desejo, nas necessidades e nos
interesses das pessoas que constituem os grupos envolvidos nas ações e práticas desse
campo educacional.
Na compreensão de Franco e Mollon, (2008), a aprendizagem se dá pela prática
social. É a experiência de trabalhos coletivos que gera o aprendizado; é o conhecimento
que é construído através da vivência de situação-problema.
Não podemos perceber as formas de educação de maneira reducionista. Temos
que compreender sua complexidade estabelecendo relação entre os saberes e
conhecimentos adquiridos das experiências de educação informal, formal e não formal,
percebendo as enormes possibilidades de integração e de articulação que podem existir
entre essas modalidades.
Nesse sentido, Paula (2009, p.7) afirma.
Descreve que é preciso unir os conteúdos da Educação Formal com o
da Educação Não Formal para auxiliar no sucesso dos alunos, pois a
forma como a educação formal tem sido organizada, em muitos casos,
tem promovido mecanismo de exclusão social e pouco acesso á
cidadania.
A educação não formal não pode ser vista como a “salvadora” da educação,
tentando fazer uma substituição da educação institucionalizada traduzida na escola por
esse modelo de educação que acontece fora dos espaços escolares e que tem sido
bastante difundido. As duas modalidades não devem fazer oposição uma a outra.
Precisam caminhar juntas com o objetivo da construção de uma educação que possa
formar um indivíduo mais crítico de sua realidade.
Libâneo (2005, p.89) Defende.
É preciso superar duas visões estreitas do sistema educativo: uma, que
o reduz à escolarização, outra que quer sacrificar a escola ou
minimizá-la em favor de formas alternativas de educação. Na verdade
é preciso ver as modalidades de educação informal, não formal,
formal, em sua interpenetração. A escola não pode eximir-se de seus
vínculos com a educação informal e não formal; por outro lado, uma
postura consciente, criativa e crítica ante os mecanismos da educação
ISSN 2177-8892
1695
informal e não formal depende, cada vez mais, dos suportes da
escolarização.
Portanto, não é possível ter uma experiência educacional que se sobreponha a
outras; porém, temos que ter a sensibilidade de perceber que a educação em suas
diferentes formas poderá ser sempre um encontro de seres inacabados e incompletos e,
assim, sempre passíveis de ensinar e aprender.
3. EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL NO PROJETO ESCOLA
DA VIDA (PEV)
Apresentaremos o levantamento e resultados das informações coletadas junto
aos participantes da pesquisa no Projeto Escola da Vida, objetivando a compreensão de
como acontece educação no espaço de educação não formal pesquisado.
3.1. ASPECTOS HISTÓRICOS E CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROJETO
As atividades nas dependências do quartel do CBMPA (Corpo de Bombeiros
Militar do Pará) tiveram inicio em 1999, com a concessão do espaço do quartel para
realizar atividades com as crianças, do grupo de escoteiros da Guarda Mirim Florestal.
Antes da concessão desse espaço, o grupo utilizava a área de uma escola na cidade de
Santarém, contudo, em condições precárias. Os encontros no quartel tinham, na época,
cerca de 400 crianças participantes e as atividades ocorriam uma vez por semana,
sempre aos domingos.
Os militares da instituição atendiam as crianças em parceria com o grupo de
escoteiro. Após dois anos de parceria, houve a necessidade de reduzir o número de
crianças atendidas para melhor acompanhá-las. Em 2001, o projeto desvinculou-se da
Guarda Mirim Florestal e passou a ter uma nova nomenclatura. Nasceu, então, o PEV-
Projeto Escola da Vida.
Após a mudança, o PEV passou a trabalhar com o número máximo de 100
crianças, entre 10 e 14 anos, de ambos os sexos, com três encontros semanais, sempre
ISSN 2177-8892
1696
no contra turno do horário das aulas regulares. Iniciou-se, então, a sistematização e o
planejamento das atividades trabalhadas no PEV, assim como a construção do currículo
do projeto. O trabalho, a partir desse momento, ocorreu de forma orientada.
O PEV dispõe de um coordenador que é um militar do Corpo de Bombeiros
Militar de Santarém indicado e nomeado pelo Comandante da UBM (Unidade
Bombeiro Militar), um subcoordenador do projeto (SCP), uma coordenadora
pedagógica, que faz trabalho um voluntariado (CP), três monitores militares da
instituição e três monitores civis voluntários.
Na vigência da pesquisa, o subcoordenador era matemático, a Pedagoga era
especialista em Psicologia Educacional e os monitores militares tinham formação em
licenciaturas com áreas afins em educação.
O projeto era realizado nas dependências do quartel do CBMPA. O espaço
dispunha de uma sala equipada com cadeiras de madeira e quadro negro, uma área
externa, uma sala pequena para a coordenação; um laboratório de informática, um
campo de futebol e uma quadra para realização das atividades esportivas.
Para as crianças que faziam parte do projeto precisavam estar devidamente
matriculadas na escola, seja da rede pública municipal, seja da rede estadual de ensino,
conforme regimento do PEV.
3.2. DIA A DIA DO PROJETO E A PESQUISA DE CAMPO
No dia a dia, o projeto busca possibilitar aos participantes noções de cidadania,
discussão do Estatuto da Criança e do Adolescente, a construção de um processo
saudável de socialização do esporte, lazer, recreação e jogos, fomentar e incentivar a
ampliação do conhecimento das crianças atendidas por meio de atividades através de
um plano de jornada ampliada no período complementar ao da escola, estimulando a
participação da família nas atividades do projeto, contribuindo para o bom
funcionamento dos vínculos familiares, visando resgatar a responsabilidade dos pais no
processo educacional dos filhos. O projeto também incentiva a participação da
comunidade local em turmas de jovens e adultos nas dependências do quartel.
ISSN 2177-8892
1697
3.3. ENTREVISTA REALIZADA COM O SUBCORDENADOR DO PROJETO
No que diz respeito aos objetivos do projeto, do inicio aos dias atuais, quando
questionado, o Subcoordenador pedagógico relatou que os objetivos centrais do PEV,
são “Possibilitar às crianças e aos pré-adolescentes a inclusão em atividades sócio-
educativas, culturais e esportivas, com vista a retirá-los do trabalho precoce e/ou
situações de risco pessoal e social. O projeto também objetiva a construção de um
complexo sócio-educativo para atender um número maior de crianças e adolescente”.
O SCP pontuou que o trabalho passou por um processo de transformação para que
pudesse existir de fato, e por um intenso período de planejamento para que se pudesse
avançar. A partir de então, o trabalho foi orientado em busca de mais qualidade. Foi
criado o estatuto para que ele tivesse mais embasamento. Informou ainda que “foi
necessário entender um pouco da teoria para qualificarmos a nossa prática para que a
clientela fosse mais bem atendida”.
A partir desse discurso, foi possível analisar que as ações dos profissionais
atuantes no projeto se constituem em afirmações diante dos objetivos, procurando
manter os que já foram alcançados e trabalhando no sentido de tornar realidade aqueles
que ainda se têm como meta.
Quanto indagado sobre o currículo do PEV o SCP, apontou que o currículo do
PEV é feito no início do ano letivo, juntamente com todos os monitores e com a
Pedagoga, de forma participativa e aberta, passível de modificações, conforme
necessidade. A escolha por essa maneira de trabalho ocorre para promover uma gestão
democrática.
“Santarém segue seu próprio currículo. Ele é totalmente
independente. O PEV está ligado à corporação, mas partimos do
princípio do respeito à singularidade de cada região, mesmo sendo o
mesmo estado, mas só pelo fato de serem cidades diferentes,
acreditamos que temos que ser flexíveis; o que se aplica na capital,
não necessariamente pode ser aplicado aqui no interior; somos
independentes com as nossas instruções e atividades [...] temos um
direcionamento que foi construído e aperfeiçoado ao longo de nosso
trabalho; temos uma metodologia própria que acreditamos que vem
dando certo” SCP
Com esse relato, é possível visualizar que o trabalho ora apresentado tem se
consolidado em um espaço de educação não formal levando em consideração as
ISSN 2177-8892
1698
particularidades dos sujeitos que estão envolvidos. E essa flexibilidade, tanto curricular
quanto do tempo, é aplicada nas atividades, que atraem todos os envolvidos no projeto.
De acordo com Garcia (2008), a educação não formal discute a ocorrência de
educação em contextos diversificados, procurando romper com metodologias
educacionais tradicionais e currículos que não respeitam os saberes, valores e modos de
viver das classes populares.
Em relação à participação dos alunos nas atividades, foi percebido que nem
sempre há flexibilidade na escola que as crianças estão matriculadas. As atividades de
educação física, por exemplo, são realizadas no projeto que dispõe de um militar
educador físico de formação específica, exceto quando a escola não autoriza.
Infelizmente, algumas escolas não aceitam que as crianças que
participam do projeto façam educação física conosco, mesmo tendo no
projeto um profissional militar que é habilitado na área. De todas as
crianças que são atendidas, apenas a metade faz a educação física
conosco; elas precisam sacrificar um dia de projeto para fazer às aulas
na própria escola, lembrando que fazemos tudo de forma transparente
toda a documentação que a escola pede é enviada para que não haja
prejuízo para as crianças principalmente para aquelas que a escola
confia no projeto com relação às notas. (SCP)
É importante destacar que a educação não formal não é a salvadora da
educação e nem tem a pretensão de substituí-la, mas que os dois modelos estejam a
favor da educação. Libâneo (2005) nos fala da necessidade de superar a visão estreita da
educação: de um lado, minimizar a escola e, de outro, não levar em conta a educação
não formal.
3.4. QUESTIONÁRIO REALIZADO COM AS CRIANÇAS
A partir da análise do questionário aplicado com as crianças e da observação
das atividades, foi possível verificar que há uma valorização da prática esportiva no
projeto, o que possibilita o envolvimento de todo o grupo, minimizando a exclusão e
favorecendo a socialização. Eram ofertadas várias modalidades esportivas como o
futebol, o vôlei, entre outras, e cada aluno buscava a atividade que mais se identificava.
No momento da observação foi percebido que o aluno P15 destacava-se no jogo
de futebol e foi questionado se a atividade que mais gostava era a esportiva. O mesmo
ISSN 2177-8892
1699
relatou: “gosto muito de jogar futebol, aqui o monitor me fala da importância do
esporte, já até conversou com a minha mãe. Na escola, o meu outro professor só ajuda
para dar nota”.
Franco e Mollon (2008) nos colocam que na educação não formal não existe a
preocupação de trabalhar os mesmos conteúdos da escola; no entanto, se forem
trabalhados, que sejam com metodologias e seqüência lógica diferente. Os conteúdos
curriculares são flexíveis e adaptados a cada realidade.
Nos discursos, foi possível perceber a diferença nas preferências das crianças.
Nos questionários, foi indagado quais as atividades do projeto as crianças mais
gostavam de realizar. As respostas foram bastante heterogêneas. Segundo os resultados,
há uma forma mista na preferência pelas atividades: 38% afirmaram gostar das
atividades esportivas; 22%, das atividades cívicas que envolvem cidadania e meio
ambiente; 20% se envolvem mais com atividades de informática e 20%, nas atividades
de primeiros socorros, conforme nos mostra o gráfico 01, a seguir:
Grafico 1: Atividades Fonte: Quadro elaborado pelas autoras a partir dos dados coletados (2011)
Assim, o fato do grupo ser bastante heterogêneo, favorece o aprendizado e o
respeito à diversidade.
Foram citadas, de forma positiva, as atividades no laboratório de informática e
de horticultura. É possível perceber que é prazeroso para as crianças realizarem as
atividades do PEV, de maneira geral. As atividades no laboratório de informática
proporcionam contato com a internet, com as tecnologias, sendo essa atividade o lugar
de interação com o virtual, já que muitas dessas crianças não possuem computador em
casa.
ISSN 2177-8892
1700
3.5 ENTREVISTA REALIZADA COM OS PAIS
A maioria dos pais pesquisados, conforme o gráfico G2, mostrou a sua
satisfação com relação à evolução do comportamento dos filhos após ingressarem no
projeto.
Gráfico 2: Comportamento
Fonte: Quadro elaborado pelas autoras a partir dos dados coletados (2011)
O pai P4 destaca a importância da mudança que houve na vida do seu filho e
também da sua família, após sua participação no PEV.
Eu considero esse projeto de muita importância para as crianças, porque
observo meu filho com mais respeito, mais responsabilidade, e creio que a
partir de dessa iniciativa tem formado bons cidadãos, que terão valores
sólidos, esse projeto veio em um momento bastante oportuno não só para o
meu filho, mais também para a minha família. (P4)
O projeto promove a relação família-escola, onde cada um passa a
sensibilizar-se de suas competências. Todos os pais entrevistados mostraram a
relevância de acompanhar mais a vida escolar de seus filhos. O PEV solicita que os pais
acompanhem crianças trimestralmente. Para tanto, realiza reuniões e a cada encontro as
informações são renovadas.
Foi percebido que temas considerados polêmicos são abordados no projeto,
como: prevenção do uso de drogas e outras situações de vulnerabilidade.
Outra declaração se faz presente também neste depoimento é a do P7:
Gostaria que todas as crianças tivessem a oportunidade que meu filho tem.
Percebo que ele tem melhorado e evoluído a cada dia, principalmente, no
relacionamento com as pessoas. (P7)
Os pais, em seus discursos, sentem-se interessados pelo projeto e em
acompanhar os filhos para evitar situações de riscos que as crianças possam se
encontrar.
ISSN 2177-8892
1701
O PEV já existe há cerca de doze anos, contribuindo para a sociedade, que
muitas crianças haviam passado pelo projeto e ele acredita que a metodologia trabalhada
tem contribuído para a formação de melhores cidadãos, sujeitos mais críticos. “É bom
saber que o projeto contribui de forma tão profunda na vida desses pequenos que
passam por aqui, o que ensinamos aqui vai ser reflexo no futuro deles” nos explica o
SCP. “E isso nos motiva a trabalhar mais, e atender melhor nossas crianças a quem seus
pais confiam pelo menos três vezes na semana. Seus responsáveis abrem mão de estar
com seus filhos, pois acreditam em nosso trabalho.”
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A educação não formal foi um modelo educacional que se consolidou como
forma alternativa de educação, paralela à escola, desde a década de 1980. O modelo
ganhou força e se consolidou ocupando espaços que não mais conseguiam ser atendidos
pelo modelo formal.
A educação não formal se alastrou em decorrência de uma política de
transferência de responsabilidade deflagrada no início da década de 90, consistente no
formato de intervenção estatal mínima, transferindo às fundações, instituições e ONGs
as responsabilidades atribuídas ao Estado.
O modelo citado passou a atender classes marginalizadas (negros, mulheres,
indígenas, idosos e portadores de necessidades especiais) até então esquecidas.
Surgiram, então, os mais diversos espaços de educação não formal nas associações,
partidos políticos, nos movimentos de operários, movimento pela terra, projetos
educacionais.
Esta forma alternativa de educar, apesar de ter menor sistematização e
estruturação, tem intencionalidade de produção de conhecimento, e é caracterizada pela
forma flexível e pela utilização de metodologia que possa atender a realidade dos
sujeitos envolvidos.
A educação não formal não tem a intenção de solucionar o problema da
educação, mas de conviver em harmonia com o modelo formal, servindo àquele como
complementação deste.
ISSN 2177-8892
1702
Assim, o Projeto Escola da Vida possibilita às crianças o acesso à educação
através de uma metodologia acessível, horário flexível, respeitando a singularidade de
cada sujeito que está envolvido no projeto, auxiliando na formação de uma sociedade
mais instruída e igualitária.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Paulo Hermógemes Sauders. COSTA, Rita de Cássia Marques. Movimentos
sociais no mundo capitalista e sua relação com a educação popular na realidade da
vida campestre. Disponível em:
http://www.uvanet.br/rhet/artigos_setembro_2011/assistencia_tecnica_rural.pdf
Acesso em 15/05/2012.
FRANCO, Jussara Botelho. MOLLON, Susana Inês. Aproximações entre educação
não formal e trabalho mediado por uma perspectiva sócio- ambiental e de classe.
Cadernos de Educação. Disponível em:
http://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/caduc/article/view/1769/1644 Acesso em
10/05/2012.
LIBANEO, José Carlos. Pedagogos e Pedagogas, para quê. São Paulo: Cortez, 2007.
6º edição.
GARCIA, Valéria Aroeira. Histórico da Educação Não Formal. Disponível em:
www.bibliotecadigital.unicamp.br Acesso em: 29/03/2012
GARCIA, Valéria Aroeira. O papel do social e da educação não formal nas
discussões e ações educacionais. Disponível em: www.bibliotecadigital.unicamp.br
Acesso em: 29/03/2012
GODINHO, Ana Cláudia Ferreira. O formal e o não formal na trajetória formativa
de educadoras de jovens e adultos na perspectiva da educação popular. Disponível
em: http://30reuniao.anped.org.br/trabalhos/GT06-2874--Int.pdf. Acesso em:
05/05/2012.
GOHN, Maria da Glória. Educação não formal e cultura política. 3º Ed. São Paulo:
Cortez, 2006.
PAULA, Ercília Maria Angeli Teixeira de. Dilemas e Contradições de projetos de
educação não formal com a educação não popular: reflexões sobre prática e
saberes. Disponível em: http://30reuniao.anped.org.br/trabalhos/GT06-3264--
Int.pdf. Acesso em: 12/05/2012.
Top Related