PROJETO ESCOLA DA VIDA: UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL … · 2017-06-22 · A...

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ISSN 2177-8892 1688 PROJETO ESCOLA DA VIDA: UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL NO INTERIOR DA AMAZÔNIA. 1 Poliana Fernandes Sena- UFOPA 2 Email: [email protected] Juliana Teixeira do Amaral Oliveira- UFOPA 3 Fonte Financiadora: Bolsista da Capes Email: [email protected] 1. INTRODUÇÃO Este artigo resulta de uma Pesquisa Intitulada “Projeto Escola da Vida: uma experiência de educação não formal no Interior da Amazônia”, desenvolvida no ano de 2012. Apresentou-se como problemática de investigação: como está sendo trabalhado o projeto escola da vida: uma experiência de educação não formal no interior da Amazônia? Como objetivos, destacou-se: demonstrar como iniciou e se consolidou a educação não formal no Brasil; destacar os espaços de educação não formal que surgiram; analisar como o Projeto “Escola da Vida” trabalha a educação não formal. O estudo foi desenvolvido por meio de uma abordagem de pesquisa de campo, documental, bibliográfica, quantitativa e qualitativa, fazendo uma análise narrativa descritiva das informações coletadas. Apresenta-se como lócus da pesquisa, a educação não formal. Os principais autores utilizados na construção teórica da pesquisa foram: Brasil e Costa (2007); Gohn (2005) e Libâneo (2004) que abordam como a educação não formal está presente em diversos espaços ressaltando, a importância desse modelo educacional e a sensibilidade de perceber a educação em suas diferentes formas. 1 Artigo Submetido para a XII Jornada do HISTDBR e X Seminário de Dezembro do HISTEDBR- MA 2 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação- Universidade Federal do Oeste do Pará- UFOPA; Linha de pesquisa, História Política e Gestão Educacional na Amazônia. 3 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação-Universidade Federal do Oeste do Pará- UFOPA; Bolsista da Capes; Linha de pesquisa, Práticas Educativas, Linguagens e Tecnologia.

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PROJETO ESCOLA DA VIDA: UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO NÃO

FORMAL NO INTERIOR DA AMAZÔNIA.1

Poliana Fernandes Sena- UFOPA2

Email: [email protected]

Juliana Teixeira do Amaral Oliveira- UFOPA3

Fonte Financiadora: Bolsista da Capes

Email: [email protected]

1. INTRODUÇÃO

Este artigo resulta de uma Pesquisa Intitulada “Projeto Escola da Vida: uma

experiência de educação não formal no Interior da Amazônia”, desenvolvida no ano de

2012. Apresentou-se como problemática de investigação: como está sendo trabalhado o

projeto escola da vida: uma experiência de educação não formal no interior da

Amazônia?

Como objetivos, destacou-se: demonstrar como iniciou e se consolidou a

educação não formal no Brasil; destacar os espaços de educação não formal que

surgiram; analisar como o Projeto “Escola da Vida” trabalha a educação não formal. O

estudo foi desenvolvido por meio de uma abordagem de pesquisa de campo,

documental, bibliográfica, quantitativa e qualitativa, fazendo uma análise narrativa

descritiva das informações coletadas.

Apresenta-se como lócus da pesquisa, a educação não formal. Os principais

autores utilizados na construção teórica da pesquisa foram: Brasil e Costa (2007); Gohn

(2005) e Libâneo (2004) que abordam como a educação não formal está presente em

diversos espaços ressaltando, a importância desse modelo educacional e a sensibilidade

de perceber a educação em suas diferentes formas.

1 Artigo Submetido para a XII Jornada do HISTDBR e X Seminário de Dezembro do HISTEDBR- MA

2 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação- Universidade Federal do Oeste do Pará-

UFOPA; Linha de pesquisa, História Política e Gestão Educacional na Amazônia.

3Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação-Universidade Federal do Oeste do Pará-

UFOPA; Bolsista da Capes; Linha de pesquisa, Práticas Educativas, Linguagens e Tecnologia.

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A pesquisa de campo teve como local de investigação o Projeto Escola da Vida

(PEV), ligado ao Corpo de Bombeiros Militar do Pará (CBMPA), situado na cidade de

Santarém, estado do Pará.

Para atender os quesitos da Resolução 196/96, que discorre sobre a “Ética na

Pesquisa envolvendo seres humanos”, preservou-se a identidade dos sujeitos que

participaram da pesquisa com informações, sendo utilizados códigos para identificar as

respostas dos atores sociais envolvidos.

Inicialmente foi realizado um levantamento do Projeto Escola da Vida. A

investigação concentrou-se entre os dias 16 de março a 05 de maio de 2012.

Posteriormente, foi realizada uma entrevista com o subcoordenador do projeto (SC), a

aplicação de questionário misto a 67 alunos, com a faixa etária de dez a quatorze anos,

dos turnos da manhã e da tarde que foram identificados pelos códigos B1 até B67.

Foram aplicados também questionários a dez pais ou responsáveis, identificados pelos

códigos P1 até P10.

2. A EDUCAÇÃO NÃO FORMAL NO BRASIL: ASPECTOS HISTÓRICOS.

Na compreensão de Garcia (2008), a expressão educação não formal começa a

aparecer no campo educacional brasileiro paralelamente a várias críticas relacionadas ao

sistema formal de ensino. Passávamos por um momento histórico em que diferentes

setores da sociedade estavam em crise, tais como: educação, saúde e cultura.

A educação não formal se fortalece no Brasil a partir da década de 80, em um

cenário bastante conturbado, em que o país passava por uma série de transformações

políticas, econômicas e sociais: saíamos de uma ditadura militar que permaneceu no

poder por mais de vinte anos; passávamos também pela reforma da Constituição Federal

de 88, quando surgiram os conceitos sobre: direitos dos cidadãos, democracia,

igualdade e, principalmente, liberdade; período em que os movimentos sociais

reivindicavam, entre outras coisas, as eleições pelo voto direto. A sociedade clamava

por uma série de mudanças.

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Porém, nesse período, esse novo modelo educacional ainda é visto como uma

extensão da Educação Formal. É nessa perspectiva que esse novo modelo educacional

passa a atuar em diferentes espaços como forma alternativa, caracterizando-se como

educação não formal, por estar fora dos ambientes escolares. A partir desse momento, o

conceito de educação ampliou-se nas discussões.

A educação não formal se organiza de forma diferente da educação formal, pois

ela trabalha o sujeito na sua essência, nas relações com o outro, deixando de lado a

“superficialidade” da educação formal. Na década de 90, esse modelo se fortalece cada

vez mais, pois, nesse momento, também ocorreram grandes mudanças na economia

brasileira, como a inserção do modelo econômico neoliberal, no governo de Fernando

Collor. Com isso, mudaram também as relações de trabalho.

A educação "foi chamada” a enfrentar os desafios gerados pela

globalização da economia e pelo avanço tecnológico na era da

informação/informatização. “Foi chamada” também para promover o

acesso dos excluídos ao mercado de trabalho rumo a uma sociedade

mais justa e igualitária. (FRANCO; MOLLON 2008, p.173).

Também na década de 90, temos as ONGs (Organizações Não-Governamentais),

atuando no chamado terceiro setor, como parceiras para difundir a educação que estava

em evidência e se diferenciava da escola tradicional. Isso estava presente nos

movimentos sociais, sindicatos, cooperativas e em todos aqueles que trabalhavam para a

coletividade.

Na conferência realizada em Jomtien, na Tailândia, intitulada: Educação para

Todos, no ano de 1990, foram elaborados os documentos: “Declaração Mundial de

educação para todos” e “Plano de ação para satisfazer necessidades básicas de

aprendizagem”. Nesse evento em Jomtien, que foi o principal debate promovido

internacionalmente, organizado pela UNESCO e UNICEF (Fundo das Nações Unidas

para a Infância), foi possível perceber a importância que a educação não formal estava

recebendo a partir daquele momento, pois precisávamos encontrar uma forma de educar

os indivíduos que atendesse as suas reais necessidades.

A educação não formal, a partir dessa visão, voltava-se para a educação cidadã,

para a igualdade, cidadania, liberdade, contra todas as formas de discriminação,

compreendendo e vivendo as diferenças, buscando cada vez mais o exercício da

democracia e dos direitos humanos. Assim, nessas três décadas de educação não formal,

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percebemos que ela cresceu e que tem contribuído significativamente para a educação

além da sala de aula.

2.1. A EDUCAÇÃO INFORMAL; EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO FORMAL.

A educação é um fenômeno com muitas expressões. Ela acontece em

diferentes modalidades, espaços e tempos. A partir desse momento, faremos a tessitura

dessas três modalidades de educação: informal, formal e não Formal.

De fato, vem se acentuando o poder pedagógico de vários agentes

educativos formais e não formais. Ocorrem ações pedagógicas não

apenas na família, na escola, mas também nos meios de comunicação,

nos movimentos sociais e outros grupos humanos organizados, em

instituições não escolares. Há intervenção pedagógica na televisão, no

rádio, nos jornais, nas revistas, nos quadrinhos, na produção de

material informativo, tais como livros didáticos e paradidáticos,

enciclopédias, guias de turismo, mapas, vídeos e, também, na criação

e elaboração de jogos, brinquedos. (LIBÂNEO apud GODINHO,

2006, p.7).

Partindo desse princípio, os sujeitos produzem saberes condicionados pelos

contextos em que estão inseridos, sejam estes na família, na escola, no trabalho,

reunidos na comunidade, em movimentos estudantis, no clube, etc. Assim, no momento

em que percebem essa experiência, esses sujeitos produzem maneiras de lidar com a

realidade, de agir e intervir nela.

Dessa forma, a educação é produto e processo social como aponta Godinho

(2005); é condicionada pelas relações sociais vigentes em cada sociedade e, por isso,

também é condicionada por interesses, saberes e práticas sociais. É nesse momento que

percebemos que a transformação da educação está ligada a transformação das relações

sociais.

Existem três formas de educação, segundo Libâneo (apud Godinho, 2006, p.7)

que se caracterizam da seguinte forma:

A educação informal corresponderia a ações e influências exercidas

pelo meio, pelo ambiente sociocultural, e que se desenvolve por meio

das relações dos indivíduos e grupos com seu ambiente humano,

social, ecológico, físico e cultural, das quais resultam conhecimentos,

experiências, práticas, mas que não estão ligadas especificamente a

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uma instituição, nem são intencionais e organizadas. A educação não

formal seria a realizada em instituições educativas fora dos marcos

institucionais, mas com certo grau de sistematização e estruturação. A

educação formal compreenderia instâncias de formação, escolares ou

não, onde há objetivos educativos explícitos e uma ação intencional

institucionalizada, estruturada, sistemática.

Essas modalidades educacionais se diferenciam pela ausência ou presença de

intencionalidades de conhecimento.

2.1.1. EDUCAÇÃO INFORMAL

A educação Informal se caracteriza pela não intencionalidade de produção de

conhecimento, que é a ausência de objetivos visíveis ou qualquer grau de sistematização

ou organização. Mesmo que o sujeito tenha produzido conhecimento e ocorra

aprendizagem, ela também não possui vínculo com qualquer instituição de ensino. A

educação informal ocorre de maneira espontânea, de forma bastante natural. Ela

acontece em toda a vida do indivíduo e se caracteriza por ser um processo constante que

não é estruturado e organizado.

Conforme Godinho (2005), a educação não intencional condiciona a prática

educativa e a formação das personalidades dos sujeitos; porém, seus processos são

dispersos, sem explicar um objetivo que organize suas práticas. Assim, o processo

educativo presente em qualquer sociedade não se resume a educação não intencional.

No entendimento de Libâneo (2004 p.94), “[...] a educação não intencional se

apresenta como processos sociais de aquisição de conhecimentos, hábitos, habilidades,

valores, modos de agir, não intencionais e não institucionalizados”.

2.1.2. EDUCAÇÃO FORMAL

A educação formal é institucionalizada e apresenta alto grau de sistematização.

A esse respeito, Godinho (2005) refere-se a tudo que implica uma forma; isto é,

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inteligível, estruturado, o modo como se configura. A educação formal seria, pois,

aquela, estruturada, organizada, planejada intencionalmente sistemática.

A intencionalidade é o ponto comum existente entre a educação formal e

educação não formal. Esse ponto comum divide-se quanto aos níveis de sistematização

e institucionalização. Nas duas modalidades educacionais há objetivos explícitos. O

ponto que as diferencia é o grau de sistematização e estruturação, pois a educação não

formal é caracterizada pelo menor nível de estruturação e sistematização.

A educação formal está ligada à relação professor-aluno e, por muito tempo, foi

vista e reconhecida como o único padrão de educação existente que pudesse levar o

indivíduo a adquirir conhecimento. Esse ensino convencional é característico da escola

e de cursos de aperfeiçoamento.

2.1.3 EDUCAÇÃO NÃO FORMAL

A educação não formal não é institucionalizada; varia no nível de sistematização

e refere-se, conforme Godinho, (2005), àquelas atividades com caráter de

intencionalidades, mas com baixo grau de estruturação e sistematização, implicando,

certamente, em relações educacionais, mas não formalizadas. Dessa maneira, mesmo

que tenha uma intenção clara em relação à produção de conhecimento, é caracterizada

como não formal. Ela tem baixo grau de estruturação e sistematização e as relações

educacionais não são formalizadas. A relação educador-educando, que existente nessa

modalidade, não pode ser comparada à relação aluno-professor.

Na percepção de Libâneo (2004), a educação não formal apresenta os mais

diversos espaços, tais como: organização política, profissional, científica, cultural,

educação cívica, educação ambiental, agências formativas para grupos sociais

específicos, meios de comunicação de massa e propaganda, sindicatos, partidos,

educação de adultos, escolas maternais, creches, formação profissional, extensão rural e

atividades extraclasse.

Percebemos a grande diversidade que a educação não formal abrange, nos

diferentes trabalhos que são realizados, em contextos, com sujeitos e situações

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diferentes. Nela não existe a preocupação de trabalhar os conteúdos da escola formal.

As metodologias e o tempo em que as atividades são desenvolvidas são diferenciados.

Os conteúdos são flexíveis e adaptados a cada realidade, porém ela não pode ser vista

como atividade de passar tempo, brincar, imaginando que esta não tem compromisso de

ensinar/aprendizagem. As atividades baseiam-se no desejo, nas necessidades e nos

interesses das pessoas que constituem os grupos envolvidos nas ações e práticas desse

campo educacional.

Na compreensão de Franco e Mollon, (2008), a aprendizagem se dá pela prática

social. É a experiência de trabalhos coletivos que gera o aprendizado; é o conhecimento

que é construído através da vivência de situação-problema.

Não podemos perceber as formas de educação de maneira reducionista. Temos

que compreender sua complexidade estabelecendo relação entre os saberes e

conhecimentos adquiridos das experiências de educação informal, formal e não formal,

percebendo as enormes possibilidades de integração e de articulação que podem existir

entre essas modalidades.

Nesse sentido, Paula (2009, p.7) afirma.

Descreve que é preciso unir os conteúdos da Educação Formal com o

da Educação Não Formal para auxiliar no sucesso dos alunos, pois a

forma como a educação formal tem sido organizada, em muitos casos,

tem promovido mecanismo de exclusão social e pouco acesso á

cidadania.

A educação não formal não pode ser vista como a “salvadora” da educação,

tentando fazer uma substituição da educação institucionalizada traduzida na escola por

esse modelo de educação que acontece fora dos espaços escolares e que tem sido

bastante difundido. As duas modalidades não devem fazer oposição uma a outra.

Precisam caminhar juntas com o objetivo da construção de uma educação que possa

formar um indivíduo mais crítico de sua realidade.

Libâneo (2005, p.89) Defende.

É preciso superar duas visões estreitas do sistema educativo: uma, que

o reduz à escolarização, outra que quer sacrificar a escola ou

minimizá-la em favor de formas alternativas de educação. Na verdade

é preciso ver as modalidades de educação informal, não formal,

formal, em sua interpenetração. A escola não pode eximir-se de seus

vínculos com a educação informal e não formal; por outro lado, uma

postura consciente, criativa e crítica ante os mecanismos da educação

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informal e não formal depende, cada vez mais, dos suportes da

escolarização.

Portanto, não é possível ter uma experiência educacional que se sobreponha a

outras; porém, temos que ter a sensibilidade de perceber que a educação em suas

diferentes formas poderá ser sempre um encontro de seres inacabados e incompletos e,

assim, sempre passíveis de ensinar e aprender.

3. EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL NO PROJETO ESCOLA

DA VIDA (PEV)

Apresentaremos o levantamento e resultados das informações coletadas junto

aos participantes da pesquisa no Projeto Escola da Vida, objetivando a compreensão de

como acontece educação no espaço de educação não formal pesquisado.

3.1. ASPECTOS HISTÓRICOS E CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROJETO

As atividades nas dependências do quartel do CBMPA (Corpo de Bombeiros

Militar do Pará) tiveram inicio em 1999, com a concessão do espaço do quartel para

realizar atividades com as crianças, do grupo de escoteiros da Guarda Mirim Florestal.

Antes da concessão desse espaço, o grupo utilizava a área de uma escola na cidade de

Santarém, contudo, em condições precárias. Os encontros no quartel tinham, na época,

cerca de 400 crianças participantes e as atividades ocorriam uma vez por semana,

sempre aos domingos.

Os militares da instituição atendiam as crianças em parceria com o grupo de

escoteiro. Após dois anos de parceria, houve a necessidade de reduzir o número de

crianças atendidas para melhor acompanhá-las. Em 2001, o projeto desvinculou-se da

Guarda Mirim Florestal e passou a ter uma nova nomenclatura. Nasceu, então, o PEV-

Projeto Escola da Vida.

Após a mudança, o PEV passou a trabalhar com o número máximo de 100

crianças, entre 10 e 14 anos, de ambos os sexos, com três encontros semanais, sempre

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no contra turno do horário das aulas regulares. Iniciou-se, então, a sistematização e o

planejamento das atividades trabalhadas no PEV, assim como a construção do currículo

do projeto. O trabalho, a partir desse momento, ocorreu de forma orientada.

O PEV dispõe de um coordenador que é um militar do Corpo de Bombeiros

Militar de Santarém indicado e nomeado pelo Comandante da UBM (Unidade

Bombeiro Militar), um subcoordenador do projeto (SCP), uma coordenadora

pedagógica, que faz trabalho um voluntariado (CP), três monitores militares da

instituição e três monitores civis voluntários.

Na vigência da pesquisa, o subcoordenador era matemático, a Pedagoga era

especialista em Psicologia Educacional e os monitores militares tinham formação em

licenciaturas com áreas afins em educação.

O projeto era realizado nas dependências do quartel do CBMPA. O espaço

dispunha de uma sala equipada com cadeiras de madeira e quadro negro, uma área

externa, uma sala pequena para a coordenação; um laboratório de informática, um

campo de futebol e uma quadra para realização das atividades esportivas.

Para as crianças que faziam parte do projeto precisavam estar devidamente

matriculadas na escola, seja da rede pública municipal, seja da rede estadual de ensino,

conforme regimento do PEV.

3.2. DIA A DIA DO PROJETO E A PESQUISA DE CAMPO

No dia a dia, o projeto busca possibilitar aos participantes noções de cidadania,

discussão do Estatuto da Criança e do Adolescente, a construção de um processo

saudável de socialização do esporte, lazer, recreação e jogos, fomentar e incentivar a

ampliação do conhecimento das crianças atendidas por meio de atividades através de

um plano de jornada ampliada no período complementar ao da escola, estimulando a

participação da família nas atividades do projeto, contribuindo para o bom

funcionamento dos vínculos familiares, visando resgatar a responsabilidade dos pais no

processo educacional dos filhos. O projeto também incentiva a participação da

comunidade local em turmas de jovens e adultos nas dependências do quartel.

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3.3. ENTREVISTA REALIZADA COM O SUBCORDENADOR DO PROJETO

No que diz respeito aos objetivos do projeto, do inicio aos dias atuais, quando

questionado, o Subcoordenador pedagógico relatou que os objetivos centrais do PEV,

são “Possibilitar às crianças e aos pré-adolescentes a inclusão em atividades sócio-

educativas, culturais e esportivas, com vista a retirá-los do trabalho precoce e/ou

situações de risco pessoal e social. O projeto também objetiva a construção de um

complexo sócio-educativo para atender um número maior de crianças e adolescente”.

O SCP pontuou que o trabalho passou por um processo de transformação para que

pudesse existir de fato, e por um intenso período de planejamento para que se pudesse

avançar. A partir de então, o trabalho foi orientado em busca de mais qualidade. Foi

criado o estatuto para que ele tivesse mais embasamento. Informou ainda que “foi

necessário entender um pouco da teoria para qualificarmos a nossa prática para que a

clientela fosse mais bem atendida”.

A partir desse discurso, foi possível analisar que as ações dos profissionais

atuantes no projeto se constituem em afirmações diante dos objetivos, procurando

manter os que já foram alcançados e trabalhando no sentido de tornar realidade aqueles

que ainda se têm como meta.

Quanto indagado sobre o currículo do PEV o SCP, apontou que o currículo do

PEV é feito no início do ano letivo, juntamente com todos os monitores e com a

Pedagoga, de forma participativa e aberta, passível de modificações, conforme

necessidade. A escolha por essa maneira de trabalho ocorre para promover uma gestão

democrática.

“Santarém segue seu próprio currículo. Ele é totalmente

independente. O PEV está ligado à corporação, mas partimos do

princípio do respeito à singularidade de cada região, mesmo sendo o

mesmo estado, mas só pelo fato de serem cidades diferentes,

acreditamos que temos que ser flexíveis; o que se aplica na capital,

não necessariamente pode ser aplicado aqui no interior; somos

independentes com as nossas instruções e atividades [...] temos um

direcionamento que foi construído e aperfeiçoado ao longo de nosso

trabalho; temos uma metodologia própria que acreditamos que vem

dando certo” SCP

Com esse relato, é possível visualizar que o trabalho ora apresentado tem se

consolidado em um espaço de educação não formal levando em consideração as

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particularidades dos sujeitos que estão envolvidos. E essa flexibilidade, tanto curricular

quanto do tempo, é aplicada nas atividades, que atraem todos os envolvidos no projeto.

De acordo com Garcia (2008), a educação não formal discute a ocorrência de

educação em contextos diversificados, procurando romper com metodologias

educacionais tradicionais e currículos que não respeitam os saberes, valores e modos de

viver das classes populares.

Em relação à participação dos alunos nas atividades, foi percebido que nem

sempre há flexibilidade na escola que as crianças estão matriculadas. As atividades de

educação física, por exemplo, são realizadas no projeto que dispõe de um militar

educador físico de formação específica, exceto quando a escola não autoriza.

Infelizmente, algumas escolas não aceitam que as crianças que

participam do projeto façam educação física conosco, mesmo tendo no

projeto um profissional militar que é habilitado na área. De todas as

crianças que são atendidas, apenas a metade faz a educação física

conosco; elas precisam sacrificar um dia de projeto para fazer às aulas

na própria escola, lembrando que fazemos tudo de forma transparente

toda a documentação que a escola pede é enviada para que não haja

prejuízo para as crianças principalmente para aquelas que a escola

confia no projeto com relação às notas. (SCP)

É importante destacar que a educação não formal não é a salvadora da

educação e nem tem a pretensão de substituí-la, mas que os dois modelos estejam a

favor da educação. Libâneo (2005) nos fala da necessidade de superar a visão estreita da

educação: de um lado, minimizar a escola e, de outro, não levar em conta a educação

não formal.

3.4. QUESTIONÁRIO REALIZADO COM AS CRIANÇAS

A partir da análise do questionário aplicado com as crianças e da observação

das atividades, foi possível verificar que há uma valorização da prática esportiva no

projeto, o que possibilita o envolvimento de todo o grupo, minimizando a exclusão e

favorecendo a socialização. Eram ofertadas várias modalidades esportivas como o

futebol, o vôlei, entre outras, e cada aluno buscava a atividade que mais se identificava.

No momento da observação foi percebido que o aluno P15 destacava-se no jogo

de futebol e foi questionado se a atividade que mais gostava era a esportiva. O mesmo

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relatou: “gosto muito de jogar futebol, aqui o monitor me fala da importância do

esporte, já até conversou com a minha mãe. Na escola, o meu outro professor só ajuda

para dar nota”.

Franco e Mollon (2008) nos colocam que na educação não formal não existe a

preocupação de trabalhar os mesmos conteúdos da escola; no entanto, se forem

trabalhados, que sejam com metodologias e seqüência lógica diferente. Os conteúdos

curriculares são flexíveis e adaptados a cada realidade.

Nos discursos, foi possível perceber a diferença nas preferências das crianças.

Nos questionários, foi indagado quais as atividades do projeto as crianças mais

gostavam de realizar. As respostas foram bastante heterogêneas. Segundo os resultados,

há uma forma mista na preferência pelas atividades: 38% afirmaram gostar das

atividades esportivas; 22%, das atividades cívicas que envolvem cidadania e meio

ambiente; 20% se envolvem mais com atividades de informática e 20%, nas atividades

de primeiros socorros, conforme nos mostra o gráfico 01, a seguir:

Grafico 1: Atividades Fonte: Quadro elaborado pelas autoras a partir dos dados coletados (2011)

Assim, o fato do grupo ser bastante heterogêneo, favorece o aprendizado e o

respeito à diversidade.

Foram citadas, de forma positiva, as atividades no laboratório de informática e

de horticultura. É possível perceber que é prazeroso para as crianças realizarem as

atividades do PEV, de maneira geral. As atividades no laboratório de informática

proporcionam contato com a internet, com as tecnologias, sendo essa atividade o lugar

de interação com o virtual, já que muitas dessas crianças não possuem computador em

casa.

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3.5 ENTREVISTA REALIZADA COM OS PAIS

A maioria dos pais pesquisados, conforme o gráfico G2, mostrou a sua

satisfação com relação à evolução do comportamento dos filhos após ingressarem no

projeto.

Gráfico 2: Comportamento

Fonte: Quadro elaborado pelas autoras a partir dos dados coletados (2011)

O pai P4 destaca a importância da mudança que houve na vida do seu filho e

também da sua família, após sua participação no PEV.

Eu considero esse projeto de muita importância para as crianças, porque

observo meu filho com mais respeito, mais responsabilidade, e creio que a

partir de dessa iniciativa tem formado bons cidadãos, que terão valores

sólidos, esse projeto veio em um momento bastante oportuno não só para o

meu filho, mais também para a minha família. (P4)

O projeto promove a relação família-escola, onde cada um passa a

sensibilizar-se de suas competências. Todos os pais entrevistados mostraram a

relevância de acompanhar mais a vida escolar de seus filhos. O PEV solicita que os pais

acompanhem crianças trimestralmente. Para tanto, realiza reuniões e a cada encontro as

informações são renovadas.

Foi percebido que temas considerados polêmicos são abordados no projeto,

como: prevenção do uso de drogas e outras situações de vulnerabilidade.

Outra declaração se faz presente também neste depoimento é a do P7:

Gostaria que todas as crianças tivessem a oportunidade que meu filho tem.

Percebo que ele tem melhorado e evoluído a cada dia, principalmente, no

relacionamento com as pessoas. (P7)

Os pais, em seus discursos, sentem-se interessados pelo projeto e em

acompanhar os filhos para evitar situações de riscos que as crianças possam se

encontrar.

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O PEV já existe há cerca de doze anos, contribuindo para a sociedade, que

muitas crianças haviam passado pelo projeto e ele acredita que a metodologia trabalhada

tem contribuído para a formação de melhores cidadãos, sujeitos mais críticos. “É bom

saber que o projeto contribui de forma tão profunda na vida desses pequenos que

passam por aqui, o que ensinamos aqui vai ser reflexo no futuro deles” nos explica o

SCP. “E isso nos motiva a trabalhar mais, e atender melhor nossas crianças a quem seus

pais confiam pelo menos três vezes na semana. Seus responsáveis abrem mão de estar

com seus filhos, pois acreditam em nosso trabalho.”

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A educação não formal foi um modelo educacional que se consolidou como

forma alternativa de educação, paralela à escola, desde a década de 1980. O modelo

ganhou força e se consolidou ocupando espaços que não mais conseguiam ser atendidos

pelo modelo formal.

A educação não formal se alastrou em decorrência de uma política de

transferência de responsabilidade deflagrada no início da década de 90, consistente no

formato de intervenção estatal mínima, transferindo às fundações, instituições e ONGs

as responsabilidades atribuídas ao Estado.

O modelo citado passou a atender classes marginalizadas (negros, mulheres,

indígenas, idosos e portadores de necessidades especiais) até então esquecidas.

Surgiram, então, os mais diversos espaços de educação não formal nas associações,

partidos políticos, nos movimentos de operários, movimento pela terra, projetos

educacionais.

Esta forma alternativa de educar, apesar de ter menor sistematização e

estruturação, tem intencionalidade de produção de conhecimento, e é caracterizada pela

forma flexível e pela utilização de metodologia que possa atender a realidade dos

sujeitos envolvidos.

A educação não formal não tem a intenção de solucionar o problema da

educação, mas de conviver em harmonia com o modelo formal, servindo àquele como

complementação deste.

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ISSN 2177-8892

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Assim, o Projeto Escola da Vida possibilita às crianças o acesso à educação

através de uma metodologia acessível, horário flexível, respeitando a singularidade de

cada sujeito que está envolvido no projeto, auxiliando na formação de uma sociedade

mais instruída e igualitária.

REFERÊNCIAS

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sociais no mundo capitalista e sua relação com a educação popular na realidade da

vida campestre. Disponível em:

http://www.uvanet.br/rhet/artigos_setembro_2011/assistencia_tecnica_rural.pdf

Acesso em 15/05/2012.

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não formal e trabalho mediado por uma perspectiva sócio- ambiental e de classe.

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http://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/caduc/article/view/1769/1644 Acesso em

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de educadoras de jovens e adultos na perspectiva da educação popular. Disponível

em: http://30reuniao.anped.org.br/trabalhos/GT06-2874--Int.pdf. Acesso em:

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GOHN, Maria da Glória. Educação não formal e cultura política. 3º Ed. São Paulo:

Cortez, 2006.

PAULA, Ercília Maria Angeli Teixeira de. Dilemas e Contradições de projetos de

educação não formal com a educação não popular: reflexões sobre prática e

saberes. Disponível em: http://30reuniao.anped.org.br/trabalhos/GT06-3264--

Int.pdf. Acesso em: 12/05/2012.