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CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
Versão para registro histórico
Não passível de alteração
COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA
EVENTO: Seminário N°: 0834/13 DATA: 25/06/2013
INÍCIO: 14h55min TÉRMINO: 17h27min DURAÇÃO: 02h32min
TEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h32min PÁGINAS: 52 QUARTOS: 31
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO
DELMO GONÇALVES - Diretor das Instituições de Ensino Teológico da Convenção Batista Nacional. ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO - Desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios — TJDFT. JOSÉ ANTÔNIO DIANA MAPELLI - Advogado Especialista em Direito Constitucional e Administrativo. PAULO ROBERTO ALVES RAMALHO - Defensor Público no Estado do Rio de Janeiro.
SUMÁRIO: Seminário Os 158 Anos da Igreja Evangélica no Brasil.
OBSERVAÇÕES
Houve intervenção fora do microfone. Inaudível.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão de Legislação Participativa Número: 0834/13 25/06/2013
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Boa tarde. Agradeço a
presença de todas as senhoras e todos os senhores.
Declaro aberto o seminário destinado a debater os 158 anos da Igreja
Evangélica no Brasil, bem como o seu papel social e cultural, envolvendo toda a
sociedade brasileira. Promovido este encontro pela Comissão de Legislação
Participativa da Câmara dos Deputados, em atendimento ao Requerimento 56, de
2013, de minha autoria, Deputado Lincoln Portela.
Convido a compor a Mesa de exposições a Dra. Ana Maria Duarte Amarante
Brito, Desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (palmas); Dr. Paulo
Roberto Alves Ramalho, Advogado especialista em Direito Penal e Defensor Público
no Estado do Rio de Janeiro (palmas); Pastor Delmo Gonçalves, Diretor das
Instituições de Ensino Teológico da Convenção Batista Nacional (palmas); Dr. José
Antônio Diana Mapelli, Advogado especialista em Direito Constitucional e Direito
Administrativo. (Palmas.)
Senhoras e senhores, a Comissão de Legislação Participativa realiza este
seminário com o objetivo de debater os 158 anos da Igreja Evangélica no Brasil.
Na condição de Presidente da Comissão, saúdo os participantes, ao mesmo
tempo em que lhes agradeço a disposição de contribuir para o aperfeiçoamento
moral e ético da política e da sociedade brasileira.
Os portugueses, nunca por vontade própria, permitiram religiões protestantes
no Brasil Colonial. A Igreja Reformada Francesa aqui chegou em 1557, enviada por
João Calvino, mas apenas no território da chamada França Antártica. Em torno da
Baía da Guanabara, ali se celebravam cultos, mas não possuíam templos.
No Nordeste brasileiro, sob o domínio holandês, surgiram 22 templos
diferentes, inclusive congregações inglesas e francesas. A primeira sinagoga das
Américas também é dessa época. E, ao serem expulsos de Recife, os holandeses
fundaram Nova Amsterdã, atual Nova Iorque.
Quando Dom João VI veio ao Brasil, em 1808, sua imensa escolta inglesa
pressionou e conseguiu autorização para inaugurar a primeira capela anglicana.
Finalmente, em 1816, chega ao Rio de Janeiro o primeiro capelão anglicano,
mas autorizado a servir apenas aos ingleses e de forma não ostensiva.
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Em 1824, chegaram os primeiros imigrantes. São os chamados alemães
luteranos. Mas é apenas a partir de 10 de maio de 1855, com a chegada do casal de
missionários da Igreja Congregacional, Robert e Sarah Kalley, que teve início a
evangelização oficial dos brasileiros. O casal funda a primeira Igreja Evangélica de
fala portuguesa 3 anos depois: a Igreja Evangélica Fluminense.
O início da evangelização em português significou o início do fim do
monopólio católico. E no início do movimento por um Estado laico onde existe uma
liberdade de pensamento e expressão, criam-se as bases da democracia.
O impacto positivo da cultura evangélica no Brasil ainda está para ser
estudado em seus aspectos qualitativos. Por enquanto, apenas os aspectos
quantitativos são bem conhecidos.
Em 2010, 22% da população brasileira se declarou evangélica. Um aumento
de 60% sobre a percentagem do ano 2000. Esse crescimento acelerado faz com
que hoje tenhamos aproximadamente 50 milhões de cidadãos evangélicos neste
País.
O espírito evangélico, essa força positiva de mudança, se faz presente não
apenas nos templos das igrejas evangélicas batistas, metodistas, presbiterianas,
congregacionais, luteranas, episcopais, pentecostais e adventistas. Esse espírito
teve e tem a coragem, cada vez mais, na vida e na consciência dos brasileiros,
inclusive na vida dos brasileiros mais vulneráveis, do ponto de vista social, que são
apoiados pelas congregações.
Cito também igrejas neopentecostais, igrejas que estão em todo o Brasil,
como, por exemplo, a Igreja Mundial, a Igreja Universal, a Igreja da Graça, e igrejas
contemporâneas, como a própria Igreja Maranata e outras.
O espírito evangélico se faz também presente por meio de escolas e
universidades, como a Mackenzie, e por meio da programação de rádios e
televisões.
Faz-se presente, ainda, senhoras e senhores, por meio de representantes
eleitos para este Parlamento. São, pelo menos, 75 Parlamentares evangélicos no
Congresso Nacional.
Os evangélicos sempre participaram politicamente das discussões sobre
como potencializar as mudanças que podem melhorar a sociedade brasileira.
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Conceitos e práticas relacionados à paz, à ética e à preocupação com os
menos afortunados dão consistência à atuação dos evangélicos e é por meio dessas
práticas que, há 150 anos, os evangélicos são uma força positiva em nossa Nação.
Tenho certeza de que este seminário reforçará essa tendência histórica.
Obrigado pelo privilégio de poder falar-lhes.
Passemos agora às regras de condução dos trabalhos desta Mesa. Cada
expositor deverá limitar-se ao tema em debate e terá o prazo de 15 minutos, não
podendo ser aparteado. Informarei quando faltarem 5 e 2 minutos. Essa maneira de
informar, às vezes, é um pouco indelicada, porque damos uma olhadinha, uma
balançada, mas, por certo, os expositores entenderão isso.
Ao final de todas as exposições, iniciaremos os debates, passando a palavra,
primeiramente, aos Parlamentares inscritos e depois aos demais participantes.
Informo que após as exposições dos debatedores a palavra será franqueada ao
público. Aqueles que desejarem fazer algum questionamento ou intervenção favor
fazer sua inscrição junto aos servidores da Comissão.
Tendo sido esclarecidas as regras, passemos, então, às exposições. Neste
momento, teremos a honra de ouvir os membros da Mesa.
Passo a palavra ao pastor Delmo Gonçalves, Diretor das Instituições de
Ensino Teológico da Convenção Batista Nacional. V.Sa. terá 15 minutos.
O SR. DELMO GONÇALVES - Boa tarde a todos os componentes da Mesa e
a todos os presentes.
É uma honra fazer parte de um momento como este. Entendo que todo
debate é uma celebração da democracia e favorece a Nação, como um todo. Penso
que é um momento de grandes contribuições.
A mim foi proposto falar sobre o papel social das igrejas evangélicas, a partir
de uma perspectiva histórica sobre a construção da Igreja Evangélica na sociedade
brasileira, suas contribuições em termos educacionais, culturais, bem como as
perspectivas futuras do protestantismo no Brasil.
Senhoras e senhores, é bom ressalvar que o protestantismo missionário
brasileiro veio dos Estados Unidos, cujo protestantismo tinha suas raízes na reforma
inglesa. Tal protestantismo propunha intenções fortemente pragmáticas: pretendia
ser elemento transformador da sociedade através da transformação dos indivíduos.
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Ganhou o termo “crente”, expandiu até se tornar “evangélico”, comprometido com
um conjunto de princípios e ideias.
As igrejas evangélicas se constituíram na história brasileira com grandes
contribuições sociais. Dotadas de ideal humano, exercendo piedade para com os
mais fracos e engajados nas lutas sociais, sobreviveram, avançaram e conquistaram
espaços outros. Possibilitou a construção de esperança nos mais necessitados.
Com seu histórico de aproximação, aprendeu a linguagem das massas e se
tornou lugar para todas as classes. Aprendeu a falar de perto, mudar com o tempo e
ser lugar de oportunidade no mundo dos enfrentamentos.
Fortemente pragmática, propôs transformação social pela transformação do
indivíduo comprometido com um conjunto de valores e princípios doutrinários capaz
de apresentar ao Brasil uma nova forma de culto: participativo e construtor de
sentimentos da presença de Deus.
Sobre sua perspectiva histórica gostaria de dizer que, conforme Velasques,
1990, os primeiros protestantes que chegaram ao Brasil foram os franceses, que se
estabeleceram entre 1555 e 1560, posteriormente os holandeses, entre 1630 e
1654, no começo ainda do século XIX.
O primeiro impulso protestante foi basicamente de natureza imigratória
decorrente da abertura dos portos brasileiros ao comércio inglês em 1810 e do
incentivo governamental à imigração europeia.
Com a tolerância cedida pela Constituição de 1824 permitindo certa liberdade
de culto, ainda que, reconhecendo a Igreja Católica Apostólica Romana como a
igreja oficial do Império e impondo uma série de restrições aos protestantes no que
diz respeito ao casamento civil, uso de cemitério e educação, permitiu-se que se
instalassem no Brasil os anglicanos, episcopais, que são anglicanos norte-
americanos, e grande número de luteranos.
Ainda no Brasil colônia, nos séculos XVI e XVII, os franceses se instalaram na
Guanabara, Rio de Janeiro, em 10 de março de 1557, realizando o primeiro culto
protestante da história da América Latina.
Os protestantes holandeses tiveram participação efetiva entre os anos de
1630 a 1654. Em 1630, a Companhia das Índias Ocidentais tomou o Recife e Olinda,
instalando-se no Nordeste brasileiro. Ali os holandeses criaram sua própria igreja
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estatal no modelo da Igreja Reformada da Holanda. Em 24 anos de dominação
fundaram 22 igrejas e congregações, dois presbitérios e um sínodo. Mais tarde
foram expulsos pelos portugueses.
Esse movimento trouxe ao Brasil as chamadas igrejas livres: Igreja
Congregacional, Presbiteriana, Metodista, Batista e Episcopal.
A grande maioria dos missionários protestantes que atuaram no Brasil veio
dos Estados Unidos, país preponderantemente protestante. Daí o fato de o
protestantismo brasileiro ser uma projeção do protestantismo norte-americano.
A Igreja Episcopal foi a primeira denominação a iniciar atividades missionárias
junto aos brasileiros, entre 1835 e 1841.
A primeira igreja de missão a fixar-se definitivamente em solo brasileiro foi a
Congregacional, iniciada pelo Dr. Robert Kalley, entre 1809 e 1888.
A Igreja Presbiteriana enviou seu primeiro missionário ao Brasil em 1859, o
Pastor Ashbel Green Simonton, entre 1833 e 1867.
A primeira Igreja Batista no Brasil nasceu em 15 de outubro de 1882, fundada
por Willian Buck Bagby e Zachery Taylor e suas respectivas esposas, na cidade de
Salvador, Bahia, após vários trabalhos missionários empreendidos, tendo como seu
primeiro pastor brasileiro Antônio Teixeira de Albuquerque.
A partir dos anos 1850, os missionários começaram a organizar grupos
protestantes. Adotaram o vocábulo “crente” para identificar as pessoas que iam
aderindo a esses grupos. O crente era aquele que havia abandonado suas antigas
crenças e práticas religiosas, passando a crer em Jesus Cristo como compromisso
de mudança de vida. O termo “crente” significava honra, privilégio e até mesmo
respeito.
No início do século XIX nasce, na Europa, um movimento conhecido como
evangelical. Expande-se para os Estados Unidos e chega ao Brasil por volta de
1903. Esse movimento, expressando-se através de várias ligas e alianças, buscava
unir as igrejas protestantes em torno de princípios doutrinários comuns, uma espécie
de frente unida evangélica.
Em julho de 1903, em São Paulo, organizou-se a Aliança Evangélica, tendo
como primeiro Presidente o missionário metodista Hugh Clarence Tucker. Em 1923,
foi organizada a Aliança Evangélica Mundial. Segundo atesta Velasques Filho
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(1990), assim nasce a autoidentificação de evangélico, que era individual e
significava o compromisso da pessoa com aquele conjunto de princípios
doutrinários. Antes de pertencer a esta ou aquela denominação, o individuo era
evangélico, termo comum hoje associado à presença daqueles que vieram das
igrejas protestantes.
Podemos entender que as contribuições educacionais e culturais das igrejas
evangélicas se deram das diversas formas em suas várias denominações ao longo
do tempo. No universo cultural, as famílias protestantes trouxeram suas festividades,
costumes, culinária de vários pontos da Europa e América do Norte. A educação no
Brasil também teve forte impacto com a participação desse segmento religioso,
através de suas sociedades paraeclesiásticas e intercâmbios culturais.
Conforme Reily, em 1º de março de 1823, o Imperador D. Pedro I baixou o
decreto que permitiu a criação das escolas de primeiras letras. Mais tarde, em 15 de
outubro de 1827, manda criar escolas em todas as cidades, vilas e lugares mais
populosos do Império. Sob a influência da Sociedade Escolar Britânica e
Estrangeira, empregou-se o método lancasteriano, também conhecido como sistema
de ensino mútuo, criado pelo inglês Joseph Lancaster. O ensino era baseado na
instrução de monitores, que por sua vez ensinavam a outras pessoas. Era um
sistema de educação popular.
Em 1893 fundou-se no Brasil a primeira Associação Cristã de Moços — ACM,
por Myron Augusto Clark, no Rio de Janeiro, com o ideal de educar e promover
cultura entre os jovens. Seu trabalho se realiza por diversas comissões de sócios
que se reúnem para orações e estudos bíblicos. Promoviam cursos comerciais,
adequados às necessidades de empregados do comércio, conferências científicas,
médicas, filosóficas e de higiene, bem como programações diversas, pertencem à
mocidade evangélica e contam com todas as congregações evangélicas.
A Igreja Metodista também trouxe sua contribuição educacional e cultural para
o Brasil. Desde cedo, através do Colégio Metodista Piracicabano, em princípio se
dedicando à educação de mulheres e crianças e posteriormente passando a aceitar
jovens rapazes até por fim fundar a Universidade Metodista de Piracicaba em 1975.
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Hoje a Universidade Metodista de Piracicaba conta com um dos mais
expressivos centros universitários do Brasil, formando líderes nas mais diversas
áreas do conhecimento e da pesquisa em todos os níveis.
O Dr. Robert Kalley, além de trabalhar oferecendo seus serviços de médico
no Rio de Janeiro, durante a derrancada da cólera que invadiu aquela região, de
forma gratuita, também ensinou os estudos bíblicos e música para pessoas de baixa
renda, alfabetização para negros e estrangeiros sem uso comercial.
No período de 1859 a 1973, missionários presbiterianos norte-americanos
organizaram no Brasil jardins de infância, escolas paroquiais primárias, colégios,
oferecendo educação secundária, escolas normais, agrícolas e industriais, escolas
por correspondência, seminários teológicos, escolas bíblicas para negros, escolas
noturnas, escolas femininas de ciências e artes domésticas, além de também
lutarem pela alfabetização de escravos.
A proposta de educação presbiteriana na Bahia envolvia a formação erudita
musical, além de canções escolares e hinos patrióticos. No primeiro ano, o professor
promovia audições para seus alunos, que ouviam música vocal e instrumental,
teatral, sinfônica, de câmara, religiosa, patriótica e recreativa, além de compositores
nacionais e músicas regionais baseadas em motivos de nosso folclore.
A Igreja Presbiteriana contribuiu com várias escolas de ensino fundamental e
ensino médio, espalhadas por todo o Brasil. Hoje o ensino superior também é
referência nacional como, por exemplo, a Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Aproveitando o contexto social, político, econômico e religioso do Brasil, que
oferecia boas condições à educação, iniciou-se também o sistema educandário
batista, através da aquisição de um colégio, comprado pela Profa. Anna Bagby, que
no dia 10 de janeiro de 1902 fundou o Colégio Progresso Brasileiro, na Alameda dos
Bambus nº 5, com 32 alunos.
Desde o início a Bíblia foi adotada. A expansão foi quase que obrigatória para
atender a demanda. Já em 1923, passou a se chamar Colégio Batista Brasileiro de
São Paulo, oferecendo cursos em diversas áreas. Em dezembro de 1917, chega a
Belo Horizonte a família Maddox. Assim que a família Maddox chega a Minas,
organiza em 1918 a Escola Batista de Belo Horizonte. A princípio concebida para
educar filhos batistas, transformando-se, a partir de 1920, em Colégio Batista
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Americano Mineiro. Atualmente, Colégio Batista Mineiro. Entre tantas, promovia o
Clube Literário, evocando a democracia.
A obra batista tem prestado diversos serviços na história brasileira, hoje em
todo o território nacional, desde o ensino infantil até o universitário, promovendo o
ensino de caráter cristão e com o ideal democrático.
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil também deu a sua
contribuição, teve participação efetiva e histórica para a formação da cidadania no
Brasil, com ênfase no período após o retorno à democracia, como a primeira
presidência civil empossada em 1985, até o final do Governo Fernando Henrique
Cardoso, em 2002. Esse período coincide com gestões de pastores que
contribuíram na política e envolveu desde questões voltadas à atividade agrícola,
com o auxílio da Academia Evangélica, que procurava desenvolver projeto entre
agricultores, estimulando a formação de cooperativas e a adoção de técnicas
agrícolas.
Em 1978, é criado o CAPA — Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor, que
tinha como objetivo fixar o agricultor na terra, estimular sua participação em
atividades que melhoram as condições de vida, cooperativismo e o sindicalismo,
orientar os agricultores quanto aos seus direitos e oferecer alternativas à migração.
Em 1979, já se falava na reforma agrária como atividade prioritária.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Dois minutos.
O SR. DELMO GONÇALVES - Como o tempo me atropelou, e eu atropelei o
tempo, vou partir para as considerações finais.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - V.Sa. não atropelou o
tempo. Está rigorosamente dentro dele.
O SR. DELMO GONÇALVES - Há de se considerar as relevantes e
contundentes contribuições evangélicas ao longo da história no Brasil. Todavia, é
fato que o mundo vive um dinamismo sem precedentes. O protestantismo brasileiro
está inserido nesse contexto e precisa continuar sendo capaz de produzir uma
mensagem para sua geração, capaz de atender as demandas sociais e participar
das grandes transformações promovidas neste País.
A história protestante revela a sua vocação, que vai além do púlpito e
percorre as ruas, discernindo suas necessidades mais urgentes. Considero que a
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história evangélica deixou um legado para o Brasil e não pode mais se omitir quanto
representante de uma mensagem que possa oferecer alteridade e ajudar a encontrar
respostas para os necessitados e piedade para os abastados.
O protestantismo se articula bem com a modernidade. Todavia, esta lhe
requer reflexão histórica para que não se permita fragmentar o discernimento
cotidiano, a fim de que este não o permita alienar-se de sua poderosa função social
e humana.
Hoje, a Igreja Evangélica Brasileira é um patrimônio histórico, social, cultural,
humano, de riqueza absoluta, a favor da Nação brasileira, que atua desde a
recuperação de dependentes químicos até a formação em doutorado, na
participação efetiva da construção ou reconstrução da cidadania.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Muito bem, Pastor Delmo.
O senhor entregou também uma cópia? Entregou. E nós vamos deixá-la nos Anais
da Casa. Depois eu farei, com a sua permissão, um pronunciamento com base nos
seus estudos e no seu relato.
É de praxe nesta Casa, quando os Parlamentares estão presentes em
audiências públicas, que passemos a palavra a S.Exas. Por quê? Porque há
aproximadamente umas doze Comissões funcionando exatamente neste horário, e
os Parlamentares têm que estar às vezes em Comissões, em Ministérios, no
plenário, em reuniões de Líderes, em reuniões partidárias.
Então, eu vou abrir espaço, neste momento, ao Deputado Silas Câmara, do
PSD do Amazonas, que é pastor, evangélico, membro da Assembleia de Deus do
Amazonas. A Igreja Evangélica tem dado uma contribuição ao Brasil não apenas na
área espiritual — lamentavelmente, algumas pessoas pensam que a contribuição
evangélica é tão somente o momento religioso dos cultos —, mas, como bem relatou
o Pastor Delmo, tem dado uma contribuição muito grande nessa área. As
Assembleias de Deus não fogem a essa regra de que temos de trabalhar na área da
educação, na área da saúde e na área social.
Deputado Silas Câmara, V.Exa. tem 5 minutos.
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O SR. DEPUTADO SILAS CÂMARA - Senhoras e senhores que compõem a
Mesa e demais presentes, sejam todos bem-vindos, é um prazer muito grande
recebê-los aqui na nossa Casa, na Câmara dos Deputados, a Casa do Povo.
Sr. Presidente, eu acabo de vir do plenário, onde eu estava fazendo um
pronunciamento sobre a comemoração dos 102 anos da Assembleia de Deus no
Brasil, que se encerrou domingo próximo passado.
Quero dizer a V.Exa. que, como V.Exa. acabou de dizer, Deputado Lincoln,
eu passava pelos plenários daqui da área de Comissões rumo à reunião de bancada
do meu partido, e, como V.Exa. sabe, esta Casa é muito complexa, ela funciona
simultaneamente em todas as frentes. Este plenário me chamou a atenção. Digo
que me chamou a atenção não porque seja surpresa que V.Exa. seja autor de um
seminário tão importante. Digo a V.Exa. que este seminário, para mim, é mais
importante do que certos gritos, certas mobilizações.
Nós estamos vivendo um momento em que a concepção sobre a nossa
atuação, o que nós realmente devemos fazer na sociedade, está sendo questionada
por muitas pessoas. Em uma pesquisa do IBGE, consta que nós estamos
caminhando para ser considerados uma das instituições com menos credibilidade na
sociedade — a Igreja Católica está com 26%; as Igrejas Evangélicas, com 22%. Isso
foi publicado ontem.
Isso nos dá um sinal de alerta sobre não apenas o que somos, mas como
estamos e como devemos participar de verdade neste século, em que os debates
estão tão politizados, de decisões que podem ser muito pressionadas pelas grandes
mobilizações. Mas o fato é que, em cidadania, só tem voz e vez quem tem
representatividade. V.Exa. acabou de anunciar que nós somos perto de 50 milhões,
quem sabe, 23% da população. Aqui na Casa, na Câmara dos Deputados, nós ainda
não alcançamos talvez esse número de representantes, que têm coragem de dizer
assim: “Eu vim para cá porque, como retaguarda, tive um povo que acordou para a
realidade de que, no século XXI, vivemos num País em que a democracia é o
regime político vigente e de que não há outro caminho a não ser a
representatividade”.
Eu quero cumprimentá-lo, Deputado Lincoln, pela iniciativa. Sei que,
infelizmente, o Regimento bitola todo mundo em 20 minutos. O nosso debate é meio
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corrido. Eu quero só abraçar todos vocês e dizer que, como membro da Assembleia
de Deus, sou neto de pastor, filho de pastor, sou pastor, e o meu filho mais jovem é
pastor de uma grande igreja com 1.200 jovens. Ele é pastor só de jovens. Durante
todos esses meus 50 anos de idade e, nesta Casa, há 16 anos, junto com o
Deputado Lincoln — nós dois chegamos aqui juntos —, estou muito feliz em saber
que, em algum momento, vamos amadurecer para debates como este. Eles têm
pouca repercussão na mídia. Basta ver que só há dois Deputados Federais aqui, o
Presidente, que é o autor do requerimento, e o Deputado Silas. Não estou dizendo
isso para exaltar nada, não, porque eu acabei de dizer: passei por ali, vi este
seminário e parei. Isso é minha prioridade.
A minha prioridade é saber o que pensa o povo de Deus, o povo evangélico, o
povo cristão, sobre tudo que está acontecendo e como eu devo me conduzir diante
dessa proteção, esse guarda-chuva dessa consciência de pessoas que pagaram um
preço muito alto. Nós somos 40 milhões de evangélicos no Brasil não porque as
coisas foram fáceis, mas porque alguém persistiu, pagou o preço, porque alguém
acreditou e, acima de tudo, porque Deus deu a essa pessoa — quando digo “essa
pessoa”, eu digo a todas as gerações que a sucederam — força e graça para chegar
até aqui.
Portanto, quero parabenizar todos e dizer a vocês que oxalá possamos fazer
não só este seminário, mas outros seminários muito importantes para debater
inclusive cidadania, como devemos exercer esses princípios no nosso meio, porque
nós estamos aí envolvidos por uma sociedade muito confusa, com muita expectativa
naquilo que estamos fazendo ou que vamos fazer. Numa sociedade plural como a
nossa, alguns movimentos nossos estão se tornando — desculpem-me, eu não
estou defendendo nem um nem outro — um pouco truculentos, um pouco
pirotécnicos, enquanto todo o mundo sabe que nesta Casa o que vale é o voto, é o
bom debate, é o convencimento.
Esse movimento de massa é muito complicado na medida em que fazemos
esse movimento, e, quando chega a hora de nós consolidarmos essa concepção
que passamos de união e de unidade, que são coisas distintas na minha cabeça —
união é uma coisa, unidade é outra —, no dia certo, dizemos bem assim: “Deus,
agora és Tu; sou eu e o Senhor, sou eu e a minha decisão sobre o que eu quero
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para o futuro da Nação”. E aí nós vemos um descompasso completamente absurdo
entre o que deveria ser. Nós estamos aqui falando de 158 anos. Quem tem 158
anos de idade não pode dizer que não tem maturidade, não pode dizer que não
cresceu. O Apóstolo Paulo disse: “Quando era criança, eu fazia as coisas como
criança; como adulto, faço e procuro fazê-las como adulto”.
Tudo isso é um debate muito grande. Tenho certeza, Presidente Lincoln, de
que isso é apenas o começo. Quero parabenizá-lo. Eu sou membro de várias
Comissões, sou Vice-Presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia e vou
presidir um seminário lá sobre banda larga, mas eu não poderia deixar de vir aqui
para lhe dar um abraço e dizer que eu amo esse sentimento cristão, revolucionário,
de pregar para a Nação o melhor projeto social que o Brasil conhece, que não é o
Bolsa Família, não é uma cesta básica; é a transformação do ser humano pela força
do Evangelho de Jesus Cristo.
Esta Nação tem jeito. As famílias também têm jeito. Tudo o que se debate no
Brasil começa na família. A questão da violência começa na família; a questão da
própria saúde pública também começa na família, porque sem educação a saúde
não funciona.
Então, por tudo isso, quero abraçar a todos e dizer que eu sou apenas um
servo, e nada mais. Sou apaixonado pela causa que defendo, pelos princípios que
fizeram com que o meu avô, Luiz Firmino Câmara, que já dorme no Senhor, que se
foi com 103 anos, fundasse a primeira Igreja Assembleia de Deus no Acre, em 1942.
Foi para lá como soldado da borracha e com o sentimento de que, desde aquela
época, ele já devia começar a semear. Fundou ali a Assembleia de Deus. Hoje,
vivemos este momento, respeitando todas as igrejas. Vivemos um momento
fantástico: as placas estão caindo, e está aparecendo o reino, o trono. Falta um
pouco mais, mas eu sei que vamos amadurecer. Com 158 anos de idade, repito, é
difícil dizer o que não conseguimos fazer ainda.
O expositor Pastor Delmo Gonçalves acabou de dizer que, hoje, nós temos
faculdades. Hoje, uma criança que iniciou seus estudos com 5 anos de idade nas
nossas escolas sai de lá pós-graduada. Na Assembleia de Deus, quem diria? Na
Assembleia de Deus, porque cada qual se desenvolve na sua vocação. Na
Assembleia de Deus, no Amazonas, hoje, uma criança entra na escola com 5 anos
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e, se quisermos alimentá-la de intelectualidade, ela sai de lá doutora. É assim que
está acontecendo. Quando estou falando de Assembleia de Deus, sabemos que
cada um tem a sua vocação. Os batistas trabalham muito forte nisso, os adventistas
trabalham muito forte nisso, os presbiterianos e os metodistas, também. Nós da
Assembleia de Deus, que somos uma espécie de “fusquinha”, de carro popular,
estamos em todo lugar, também estamos percebendo que, se não nos precavermos
e começarmos a colocar na mente do nosso povo a educação, teremos problema no
futuro.
Portanto, Deus abençoe a todos. Muito obrigado pela oportunidade, Sr.
Presidente. Mais uma vez, quero dizer que para mim é uma honra ser o seu
companheiro aqui nesta Casa há 16 anos e saber que V.Exa., que já foi Líder do
PR, é um Deputado que tem destaque nesta Casa, faz o seu trabalho como
Parlamentar, defendendo o povo, mas sem se esquecer, um minuto sequer, do
propósito que lhe trouxe aqui há 16 anos, quando ainda sonhávamos em ver um
Brasil melhor, um Brasil muito mais humano, muito mais social. Deus está fazendo
esta Nação se mexer. Esta aí essa população toda na rua. Obviamente que as
motivações se confundem, porque são tantas, mas no meio desse povo está o
nosso povo também. E o nosso povo quer um Brasil sarado, um Brasil próspero e
abençoado.
Deus te abençoe.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Muito bem, Deputado Silas
Câmara, agradeço a gentileza de suas palavras. O seu trabalho aqui nesta Câmara
dos Deputados é tremendamente reconhecido. V.Exa. não está aqui à toa, não está
aqui por estar. V.Exa. tem sido um dos Parlamentares altamente competentes
presentes nesta Casa. É um Parlamentar de peso. Eu bem sei que a sua
denominação, parece-me que 22 ou 23 representantes aqui, se não me engano,
está muito bem representada também com V.Exa.
Quero dizer a vocês que esta audiência pública está sendo transmitida pela
WebCâmara e pelo e-Democracia. Pelo e-Democracia as pessoas podem interagir.
Então, o Brasil todo, pelo e-Democracia, pela WebCâmara, está assistindo a esta
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audiência pública. Ela não está restrita a uma sala com cem pessoas, ela está em
todo o Brasil, também pela página da Comissão de Legislação Participativa.
A Comissão de Legislação Participativa é a Comissão que abre espaço para
que associações, federações, confederações, sindicatos, DCEs, DAs possam enviar
os seus projetos de lei. Para se ter uma ideia, para um projeto de lei de iniciativa
popular aqui na Câmara dos Deputados são necessárias 1 milhão e 300 mil
assinaturas. Aqui, pela Comissão, através de uma dessas entidades, pode-se enviar
um projeto de lei, e ele tramitará normalmente na Casa.
Passo a palavra agora à Dra. Ana Maria Duarte Amarante Brito,
Desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
V.Exa. dispõe de até 15 minutos.
A SRA. ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO - Deputado Lincoln
Portela, agradeço o convite para integrar este tão importante evento, congraçando
legisladores e a sociedade, mostrando um verdadeiro exemplo da nossa democracia
participativa, que cada vez mais se fortalece.
Aqui me foi proposto o tema da verdadeira significação de um Estado que se
proclama laico. O que é o Estado laico, que é a configuração do Estado brasileiro,
Estado não confessional? À luz, então, desses postulados, quais são os limites de
intervenção do Estado nas organizações religiosas? Todos se preocupam com isso.
O Estado atua por meio dos seus Poderes. Hoje, já consolidada a Doutrina da
Tripartição, de Montesquieu, nós temos o poder legiferante, que precipuamente
exerce a função de criação do direito — claro que exerce também função de julgar
em crime de responsabilidade, administra seu pessoal, seu serviço, mas
precipuamente tem essa função de criar o direito —; depois, o Poder Executivo, que
vai se pautar para a realização do direito, para realizar o bem comum, na prestação,
inclusive, dos serviços; finalmente, o Poder Judiciário, ao qual pertenço, que
igualmente atuará à luz do direito editado por suas casas legislativas, mas na
solução de conflitos de interesses, quando há pretensões resistidas — e podemos
até organizar a nossa exposição em duas grandes áreas, a cível e a penal.
Todos aqui se indagam: se o Estado é laico, se está separado da Igreja, ele
pode intervir em uma organização religiosa? Se afirmativa essa resposta, quais são
os limites, os fundamentos dessa intervenção?
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Vejam bem, vamos, em primeiro lugar, enfocar a parte que vem do nosso
Poder Legislativo a partir da Lei Maior, que é a própria Constituição.
Com a proclamação da República, na verdade, fizemos uma série de opções
novas: optamos por uma forma federativa de Estado; deixamos a monarquia;
optamos pela República, pela res publica, coisa do povo, com periodicidade no
exercício do poder, eletividade de representantes do poder; e optamos também pela
separação entre o Estado e a Igreja.
Na época do Império, realmente, a religião católica era a religião oficial do
Brasil, o Estado estava ligado à Igreja, interferia, inclusive, administrativamente na
designação de seus membros para postos de chefia. Com a proclamação da
República, o Decreto nº 119-A já faz a cisão: o Estado está separado da Igreja. Isto
é que é o Estado laico: não se pode mais impor a crença oficial; não se poderá mais
subvencionar credos, cultos religiosos, manter alianças com os dirigentes das
igrejas, exatamente para assegurar a liberdade que todos buscam.
Como viram nas exposições anteriores, aqui, nas Américas, o norte maior
buscado, e finalmente atingido, foi o de assegurar a liberdade religiosa. Quando os
peregrinos chegaram, no Mayflower, aos Estados Unidos, eles queriam apenas
organizar uma nova pátria, onde pudessem professar livremente a sua fé. Eram os
quakers, que iriam construir esse novo lar. Logo, vieram as novas levas e buscaram
afastar aquela situação, aquele status do continente europeu, de perseguições
religiosas, de imposição de religião oficial. Assim, então, consolidou-se, nesse novo
mundo, esse ideário.
A nossa Constituição atual, na esteira de todas as republicanas, mantém essa
configuração no seu art. 19, que estabelece exatamente a proibição para a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios de quê?
“Art. 19. .....................................................................
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas,
subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou
manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a
colaboração de interesse público;”
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Até já se perdeu tempo discutindo a invocação de Deus no preâmbulo da
Constituição. Até nas nossas moedas está escrito “em Deus confiamos”, mas aí está
a historicidade. Nós somos ainda uma nação temente a Deus. Preâmbulo de
Constituição, conforme o Supremo já colocou, não tem força normativa, é mais um
elemento de interpretação, estabelece as diretrizes ideológicas, filosóficas, que
serão seguidas, mas não faz parte do corpo da Constituição. Portanto, não contraria
a ideia do Estado laico esse pleito que fazemos à nossa tradição histórica. Afinal, até
a Constituição Imperial foi jurada em nome da Santíssima Trindade. Nós temos essa
tradição religiosa que vem sendo seguida, mas o Estado é laico, ele não pode
estabelecer o culto.
Ele tem também uma incumbência. No art. 5º da Constituição, nós temos
direitos, garantias e até remédios. Direitos são bens da vida para que possamos ter
uma existência condigna. Mas há também garantias porque, para que possamos
usufruir desses direitos, desfrutá-los, exercê-los, há limites para os exercentes dos
poderes. Aliás, é a primeira geração de direitos fundamentais, em que há liberdades
e limites, limites à atuação: não interferir na liberdade de ir e vir, no exercício de
profissão e, principalmente, não interferir na liberdade de consciência, de crença. E
o inciso VI, do art. 5º, assegura também “o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção dos locais de culto e suas liturgias”.
Aqui vem a questão: realmente, o Estado há de proporcionar essa segurança
quando os senhores estiverem nos recintos sagrados de suas igrejas, mas, se
houver muito barulho... Eu já resolvi problema até de sino de igreja no Lago Sul,
acordando quem dormiu de madrugada. Não tem nada a ver com aquele alegre
chamado dos fiéis para assistir à missa. Fui voto vencido, porque eu concluí que não
havia exagero e que o sino haveria de tocar, sim, às 9 horas. Mas, meus dois
colegas, e eu os respeito, venceram-me. A Justiça é boa por isto: ninguém decide
tudo sozinho, há sempre um colegiado. Perdi, o sino teria que parar de tocar ou ser
adequado, com seus decibéis, às normas protetivas locais. Pronto, houve aí a
intervenção, porque houve conflito de interesses.
Quando direitos entram em colisão, há a necessidade de fazermos uma
relação de acomodação, de modo que o núcleo essencial de cada um fique
preservado, mas, à luz do princípio da proporcionalidade, um se faça valer mais do
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que o outro. Aí está um primeiro exemplo de intervenção para assegurar o quê? A
convivência social ordenada.
Também se garante assistência religiosa às entidades civis e militares de
internação coletiva — os senhores sabem disso. Eu tenho visto muitos pastores
evangélicos corajosos. Inclusive, já fui Promotora de Justiça e atuei também na
assistência aos presos. Vi pastores levando a palavra do Evangelho à Papuda, ao
Núcleo de Custódia, e vi o formidável trabalho que realizam, aqueles presos
empedernidos, assassinos confessos de repente chorando, com a Bíblia na mão, e
se propondo a uma vida nova. Vi milagres, milagres mesmo nesse sentido, e pude
aquilatar a validade dessa atuação.
A Constituição garante também que quem se negue a uma determinada
obrigação em nome de crença não pode ser privado de direitos, salvo se se recusar
a cumprir, em se tratando de obrigação a todos imposta — estou falando mais é de
serviço militar mesmo —, a prestação alternativa. Então, não quer servir o serviço
militar, não quer cumpri-lo, o Estado respeita, mas há uma prestação alternativa. A
Lei nº 8.239 estabelece a prestação alternativa ao serviço militar. Só se se recusar a
essa prestação, que é um serviço público, não tem caráter religioso, vai haver a
perda dos seus direitos políticos, nos termos do art. 15, inciso IV, da Constituição.
Também se protege o funcionamento de uma igreja, de tal sorte que, pelo
menos, no tocante aos impostos, ela está imune, não vai ser obrigada a pagar
impostos (art. 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição).
Olhem todo esse aparato legislativo para proteção, porque não basta só
declarar o Estado laico, tem que se assegurar a todos condições de exercício dessa
liberdade.
Quando os bens mais essenciais da sociedade são afetados, vem uma tutela
complementar do Direito Penal, com a mais gravosa das sanções, que é a perda da
liberdade.
O Direito Penal tem um caráter fragmentário. Ele vai proteger só aqueles bens
mais importantes, aqueles bens que significam quase a sobrevivência do grupo. Pois
bem, o nosso Direito Penal estabelece figuras rigorosas, como no art. 208: é crime
“escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa (...)”.
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Portanto, se alguém praticar essa conduta, vai sofrer, sim, a intervenção do Estado,
o Ministério Público vai exercer a sua função de persecução criminal.
“Impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso”, quem assim
proceder também comete crime, está sujeito a sanções. O Ministério Público vai
exercer a sua persecução criminal, com certeza. E o juiz, verificando que há indícios
de autoria, de materialidade, condições mínimas da ação, vai receber a denúncia.
Pode até, ao final, absolver o denunciado. O próprio Ministério Público, ao final da
instrução, se verificar que não ficou provada realmente aquela intenção, aquele dolo
de impedir, de perturbar a cerimônia ou a prática de culto religioso, ou que era um
louco, inimputável, vai até afastar essa possibilidade, vai até pedir que seja
absolvida a pessoa.
“Vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso” é aquele respeito
mútuo, aquela tolerância que é indispensável ao convívio social ordenado, respeitar
a crença do outro, respeitar seus símbolos religiosos.
Pois bem, em breves linhas, eu tracei a legislação a respeito, inclusive a civil
também. Foi acrescentado o § 1º ao art. 44, do nosso novo Código Civil, já com 11
anos, mas ainda novo em relação ao anterior:
“Art. 44 ......................................................................
§ 1º São livres a criação, a organização, a
estruturação interna e o funcionamento das organizações
religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes
reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e
necessários ao seu funcionamento.”
Vejam bem, os poderes vão se pautar por todas essas normas que,
exemplificativamente, eu mencionei aqui. E, em se tratando, agora no meu âmbito,
do Poder Judiciário, sempre que houver conflito de interesses, ele poderá atuar. Vai
atuar para resolver o conflito, para ordenar a convivência social. Mas o que ocorre
com a função jurisdicional é interessante: aquela é uma função provocada, depende
de provocação da parte interessada, nos termos da lei. Uma vez provocado, o
Judiciário tem que responder.
Então, vem a questão: muitas vezes, há um evento religioso marcado para
um determinado local, como houve em São Paulo. Se não me engano, a Assembleia
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de Deus realizava um congresso mundial, com convites para todas as partes do
mundo já distribuídos, presenças confirmadas, e o Ministro da Aeronáutica cedeu o
espaço necessário na Capital de São Paulo, o Campo de Marte. Cede o espaço
para a realização do congresso, e ingressam com ação popular para obter liminar:
“O Estado é laico, não pode ceder espaço público para culto”. Olhem a falta de
razoabilidade que foi corrigida na esfera recursal. O Superior Tribunal de Justiça faz
lembrar então que aquele mesmo Campo de Marte, isso já avançado na década de
90, aquele mesmo Campo de Marte fora cedido para a visita do Papa, em 1980. Ou
seja, a questão de razoabilidade, de fornecer um espaço maior para um evento não
é subvencionar culto; estabelecer ligação com os seus líderes, alianças; impor
crenças; subvencionar liturgia. É preciso ceder, nos limites da razoabilidade, porque
lei, direito é a lógica do razoável, é el logos de lo razonable. Temos que seguir a lei
dentro de uma pauta de lógica. Assim, o Superior Tribunal de Justiça deixou que os
integrantes da Assembleia de Deus participassem daquele evento maravilhoso,
muito significativo para a organização, num espaço público.
Outras vezes, no âmbito das associações religiosas, verificam-se conflitos. O
que se observa é que, às vezes, grupos sem legitimidade, contrariando o que está
nos próprios estatutos, assumem deliberações que contrariam os objetivos,
destituem diretorias. E a parte que se considera prejudicada vai ao Judiciário.
O princípio da proteção judiciária proibiria que nós recusássemos a tutela
invocada. E por meio de que vamos agir? Aqui, é Direito Processual, na parte cível.
O processo é um instrumento da jurisdição. Então, o que vai ocorrer, muitas vezes, é
uma decisão judicial anulando decisão assemblear, destituindo da direção o grupo
que dela se apoderou em contrariedade à disposição dos seus estatutos. Então,
esse é o jogo democrático. Ao final, aquele que intentou a ação pode perder e, se
estava de má-fé, nosso Código de Processo Civil tem castigo para isso: é litigância
de má-fé. O art. 17 tipifica e o art. 18 traz a sanção cabível. Pena que a multa, Srs.
legisladores, é só de 1%, não parece assustar muito. Mas, em relação a perdas e
danos, até o limite de 20%, poderão ser reclamados no bojo do mesmo processo.
Como os senhores veem, nós temos aqui o jogo do Direito, e aqueles que
estão sob a égide da Justiça, sob a esfera da Justiça, podem se ver diante dessas
situações.
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Por isso, eu vim aqui para atender a essa indagação: o Estado laico permite a
intervenção, não impondo religião, não proibindo um culto, não estabelecendo uma
liturgia? Não. O Estado é uma ordenação sobre as pessoas para a regência das
relações jurídicas de um povo sobre seu território. No contexto dessa ordenação,
para aplicar o Direito posto pelos Srs. legisladores, resolver os conflitos e alcançar a
paz social, ele vai intervir, como intervém, no âmbito das associações, no âmbito de
todas as pessoas jurídicas, como as fundações, que inclusive estão sob um controle
mais restrito.
Espero ter trazido algum esclarecimento sobre uma indagação que parece
assomar a todos neste momento. É possível, mas lembrem-se: ninguém pode ser
considerado culpado, se não após o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória. Nossa legislação garante a ampla defesa, o contraditório, o direito de
produzir provas, o direito de se manifestar, o de acompanhar as provas contra si
produzidas. Há toda uma garantia para o fortalecimento das nossas instituições.
Eu agradeço pela atenção e fico às ordens para alguma dúvida no debate.
(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Desembargadora Ana
Maria Duarte, V.Exa. foi perfeita nas suas ponderações.
Quero dizer-lhe agora que estou como mediador, mas também sou
Parlamentar, e que vivemos debaixo de muita perseguição. Por este Brasil,
delegados de polícia, que hoje têm uma relação muito boa com as igrejas, devido a
uma pequena denúncia, espancavam pastores nas delegacias. As mulheres de
pastores apanhavam nas delegacias.
Em determinada cidade do Brasil estava escrito na entrada, há
aproximadamente 50 anos: “Aqui, nesta cidade, não entra protestante.” Lá, em Belo
Horizonte, na cidade de Jaboticatubas, na região metropolitana, um evangélico foi
proibido de ser enterrado no cemitério, porque o cemitério era de outra religião
cristã.
Já vimos os maiores absurdos: homens de Deus serem impedidos de entrar
no Brasil porque eram pregadores do Evangelho, como foi o caso de Morris Cerullo.
Hoje, por causa de algumas manifestações de expressão, estão estigmatizando
todas as Igrejas Evangélicas.
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A Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte, tem dado uma contribuição,
como poucas Igrejas, respeitando as demais, ou como muitas Igrejas têm dado. A
Igreja Batista da Lagoinha, em especial, da qual não sou membro, está sendo
ameaçada de ser apedrejada, no dia de amanhã, por manifestantes intolerantes e
radicais.
Se nós não tomarmos uma providência desde já, nossas igrejas serão
invadidas, nossos pastores serão presos. E falo ao Brasil, e falo como Parlamentar:
tenho andado extremamente cauteloso com algumas coisas e observado o mover de
algumas infiltrações, no meio do movimento, para exterminarem com o
posicionamento evangélico do Brasil.
Parabéns aos senhores e às senhoras que se levantam aqui e a V.Exa. que
traz uma exposição bem nítida, apesar do pouco tempo, sobre coisas do passado,
do presente, sobre a legislação brasileira que deve ser respeitada.
Aqueles grupos que se sentem feridos, tanto numa área quanto noutra do
Estado Democrático de Direito, que se manifestem com mobilização. Há uma
pequena mobilização aqui e uma mobilização do Brasil inteiro. Mas se mobilizem,
gritem, esperneiem, não se acomodem, protestem. Se houver invasão no direito de
a Igreja Evangélica ir e vir, seja qual for a sua denominação, gritem. Gritem para
todo o Brasil ouvir. Não se acomodem. Eu tenho 38 anos de pastorada. Estou aqui
como mediador, mas também como Parlamentar, e tenho o livre direito de
expressão. Não me queiram tomá-lo.
Parabéns à Desembargadora Ana Maria Duarte Amaranto Brito. V.Exa. mais
uma vez foi perfeita.
Passo a palavra ao Dr. José Antônio Diana Mapelli, advogado especialista em
Direito Constitucional e Administrativo. S.Sa. dispõe de até 15 minutos.
O SR. JOSÉ ANTÔNIO DIANA MAPELLI - Boa tarde a todos. Sr. Presidente,
membros da Mesa, senhoras e senhores, muito me honrou o convite.
Eu gostaria de colocar um ponto, antes de iniciar a nossa discussão, porque
os meus dizeres são absolutamente técnicos. Eu não vim aqui para ofender
ninguém, eu não vim aqui para criticar ninguém, sejam profissionais, sejam
instituições. Eu sou filho de magistrado, tenho um irmão no Ministério Público do
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Estado de São Paulo, e até por uma questão caseira tenho que ser simplesmente
técnico.
Fui chamado para analisar um caso concreto que aconteceu no Estado do
Espírito Santo, onde um magistrado nomeou um administrador judicial para uma
entidade religiosa. A esse fato em si é que fui chamado para, aos olhos do Direito
Constitucional, verificar se estava correto ou não.
Há uma grande dificuldade no Direito Constitucional porque, como ele traz
conceitos indeterminados, muitas vezes mais de uma norma incide sobre o caso
concreto. Então, o caminho corriqueiro para a aplicação do Direito é a subsunção,
que é o processo no qual a norma prevê determinada conduta, ocorre um fato e eles
se encaixam.
No Direito Constitucional, invariavelmente, duas normas se encaixam ao fato.
Exemplifico: um artista famoso pede ao Judiciário que proteja sua imagem porque
determinado jornalista está fazendo uma biografia que não está autorizada. Ele tem
direito à privacidade, tem direito à intimidade, tem direito à imagem. Mas vem o
jornalista e diz: “Mas eu também tenho os mesmos direitos, também constitucionais,
de informação, de liberdade de expressão.”
O problema é que as duas partes têm razão. Mas existem métodos. O próprio
Direito Constitucional traz métodos para a gente poder valorar e, como bem disse a
Dra. Ana Maria, chegarmos a uma conclusão que pensamos ser a melhor.
Para este caso, então, os dois valores que estão em jogo são: a liberdade
religiosa e o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Como bem disse, também, a
Dra. Ana Maria, o Judiciário está de portas abertas para quem provocá-lo e,
infelizmente, não pode se negar.
Vou ser bem breve porque, infelizmente, o tempo é curto mesmo.
Na Teoria do Direito Constitucional, constitucionalismo vem a ser, grosso
modo, resumidamente, supremacia da lei, que é estado de direito, mais limitação de
poder. O poder estatal é limitado, e aqui todo ele, considerado Legislativo, Executivo
e Judiciário.
Para se ter uma ideia, gostaria de ler para os senhores um voto do Ministro
Celso de Mello, do Supremo, num mandato de segurança. Vejam o que ele disse, e
é muito pertinente: “O poder, ainda que praticado no seio do Parlamento — Aqui
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está dizendo mesmo que seja no Parlamento, o que se dizer dos demais! —, não se
exerce de forma ilimitada. Por quê? Porque no Estado Democrático de Direito, como
é o nosso, não há lugar para poder absoluto, e, ainda que em seu próprio domínio
institucional, nenhum poder estatal pode, legitimamente, pretender-se superior ou
supor-se fora do alcance da Constituição.”
Penso eu, de plano, que a decisão daquele juiz do Espírito Santo é abusiva,
ultrapassa o limite do que seria o poder daquele magistrado, e já explico o porquê:
os métodos de interpretação constitucional nos esclarecem isso. Vou, obviamente,
colocar apenas dois deles, devido também ao tempo. Isso que estou falando dá para
escrever um livro, gente.
Existe um princípio de interpretação constitucional, que é o princípio da
unidade da Constituição. A Constituição é uma coisa só. Ela é interpretada como um
sistema. A Dra. Ana Maria também economizou palavras aqui. Todos esses artigos
constitucionais que garantem imunidade tributária, proteção aos cultos, entre outros,
formam um sistema, e isso mostra que a entidade religiosa é especial, que ela goza
de proteção especial, que ela é diferente das demais pessoas jurídicas.
O segundo método de interpretação vem a ser o da proporcionalidade e o da
razoabilidade, dois termos que às vezes são usados como sinônimos, às vezes não.
Eu vou usá-los como sinônimo para não esticarmos muito a conversa.
O princípio da razoabilidade tem três subprincípios. O primeiro deles é a
adequação entre meio e fim. Não adianta uma autoridade pública dizer: “Numa festa
de carnaval, para evitar a transmissão do HIV, todo mundo tem que ir a pé até o
baile”. Quer dizer, o meio não condiz com o fim. Existe a proporcionalidade
propriamente dita, que é um peso, vale a pena esse meio para aquele resultado, se
o sacrifício não é demais.
O terceiro subprincípio, muito importante para este caso concreto que estou
analisando, é o princípio da necessidade. A medida tomada pela autoridade pública
— e aqui eu considero os três Poderes — tem que ser necessária no seguinte
sentido: não existir outra medida menos gravosa. Se existir qualquer outra medida
menos gravosa, a mais gravosa tem que ser afastada. Se não for feito isso, não há
proporcionalidade, razoabilidade, e a conduta da autoridade é, por uma questão
lógica, inconstitucional e ilegítima.
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Existe ainda, dentro do Direito Constitucional, o que se chama de ativismo
jurídico. Na falta de normas jurídicas, o Poder Judiciário está autorizado a autuar,
com base justamente em princípios, especialmente os constitucionais. Acontece que
o ativismo judicial é muito bom sob o ponto de vista de que a sociedade não fica
desguarnecida, mas ele pode ser perigoso.
O nosso Prof. Luís Roberto Barroso, recentemente nomeado para o Supremo,
tem uma frase interessante: “O ativismo traz riscos como os da arrogância,
autoritarismo e de uma ditadura judicial”. A ditadura judicial me preocupa muito por
um simples fato: não há quem a corrija. Se o Legislativo comete um erro, a gente se
socorre no Judiciário. A ditadura judicial é um problema sério.
Passado tudo isso, eu tenho que concluir qual daqueles valores,
inafastabilidade da jurisdição ou liberdade religiosa, devem prevalecer no caso
concreto. O caso concreto se diz de uma suspeita de desvio de verbas da entidade.
Com base nisso, um magistrado retirou todos os membros da diretoria e nomeou um
administrador judicial. Utilizou, para isso, uma aplicação analógica com a Lei de
Falências. Tenho para mim que a conduta judicial é equivocada, é inconstitucional,
com base no abuso, com base na falta de razoabilidade. Ele teria outros meios. Dou
um exemplo: ele poderia ter determinado a realização de uma assembleia para que
os membros da entidade religiosa definissem se aquela diretoria deveria ser trocada
ou não, e inúmeras outras. Temos várias medidas menos gravosas. Então, penso
eu, francamente, que a decisão não guarda constitucionalidade.
Confesso aos senhores que, quando fui convidado a vir aqui, me pediram
imparcialidade. A pessoa que me convidou disse: “Mapelli, o que for bom na decisão
você diz”. Do ponto de vista jurídico, não consigo enxergar acerto, francamente,
olhando a questão constitucional. (Palmas.)
Como prometi essa imparcialidade, fui busca-la na regra moral. Quem sabe,
moralmente, eu consiga justificar. Também não consegui, porque um dos primeiros
elementos da moral é o respeito ao próximo, e essa decisão é muito invasiva,
desrespeita a entidade religiosa.
Então, eu fico devendo essa imparcialidade, porque realmente não encontrei
nada de legítimo nessa decisão. Trata-se de uma decisão teratológica, fora do
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sistema, abusiva, uma aberração. E não vou nem dizer aberração jurídica, porque
eu acho que o adjetivo “jurídica” não se encaixa a ela.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Agradeço ao Dr. José
Antônio Diana Mapelli, advogado especialista em Direito Constitucional e
Administrativo.
Nesses 158 anos de Igreja Evangélica no País, nós estamos demonstrando a
área cultural, como o Pastor Delmo Gonçalves já deixou bem claro: a área social, a
participação política, democrática da Igreja. E, claro, alguns expositores têm plena
liberdade de se manifestarem sobre aquilo que se pode entender como forma de
intromissão indevida em Igrejas Evangélicas e, às vezes — até digamos — de
introdução a uma prática ou início de uma prática que pode se tornar extremamente
perigosa para a liberdade de religião no País.
Passo a palavra agora ao Dr. Paulo Roberto Alves Ramalho, Defensor
Público no Estado do Rio de Janeiro. O tempo de é 15 minutos.
O SR. PAULO ROBERTO ALVES RAMALHO - Eminente Deputado Lincoln
Portela, honrado Presidente desta Comissão, na pessoa de quem saúdo todos os
componentes da Mesa, em razão de exiguidade do tempo; Srs. Deputados
presentes, senhoras e senhores, Srs. pastores, foi dito que Direito é essencialmente
bom senso. É fácil. O problema é que bom senso cada um tem o seu. O disparate
na cabeça de um louco parece bom senso, e o delírio na cabeça do articulado e
manipulador também parece bom senso, se ele é capaz de manipular.
É preciso desmistificar ou desmitificar algumas coisas. O primeiro é identificar
qual é o grande problema do Direito. O grande problema do Direito é ele mesmo,
porque o Direito, a lei, as normas, sobretudo as penais, são o testemunho do nosso
fracasso como seres racionais.
É inacreditável como, por instinto, as sociedades irracionais — e uso a
expressão “sociedade” no sentido puramente etimológico — são capazes de se
organizarem com colaboração mútua, respeito mútuo e só fazer mal a outras
espécies dentro da absoluta necessidade de sobrevivência.
Nós, os racionais, precisamos de centenas de leis que nos obriguem a ser
solidários, compreensivos, afetivos, afetuosos, sob pena não raro de cadeia. Nós
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temos um artigo no Código Penal, por exemplo, que diz que deixar de prestar
socorro ao doente, ao velho, ao enfermo, à pessoa correndo perigo... Nós
precisamos colocar na lei que quem não prestar socorro vai para a cadeia. E por que
nós colocamos na lei? Porque nós não somos capazes de absorver esse valor como
um valor intrínseco da existência humana.
Então, o Direito é a prova, sobretudo o Direito repressivo, do nosso fracasso.
E ele é essencialmente manipulador e dissimulado. E os operadores do Direito,
consciente ou inconscientemente, colaboram para que o Direito conserve essa
característica dissimulada e manipuladora.
Aqui não há crítica nenhuma; é uma crítica puramente filosófica, mas nós os
advogados, os juízes, os promotores, os defensores públicos, consciente ou
inconscientemente, vendemos essa ilusão e nos autodenominamos com nomes
altamente pomposos, como Justiça, fazer justiça, promotores de justiça, como se o
papel do juiz fosse fazer justiça, como se o papel do promotor fosse promover
justiça. O compromisso deles é com a lei!
O que estabelece justiça ou injustiça em uma sociedade organizada são os
valores que lhe servem de suporte à elaboração da legislação. Casa que se faz
justiça é casa de leis, não é casa de aplicação de leis. É preciso acabar com essa
visão distorcida. Aplicação de lei não faz justiça.
Uma sociedade se organiza a partir de valores e os incorpora ao seu
ordenamento jurídico à medida que a legislação é elaborada para consagrar esses
valores. O Direito é intrinsicamente conservador.
Chega-se a se dizer, ensina-se na faculdade e repete-se em todos os lugares
que a lei está sempre em mora com o fato social. Primeiro, o fato social muda, exige
transformações, e aí a lei, que está atrasada, vem, se modifica para se adaptar ao
fato. Isso é uma farsa. Às vezes a lei é progressista e o fato social é reacionário.
Nós temos leis altamente progressistas no Brasil, leis que honrariam qualquer
nação desenvolvida, como a lei que regula o sistema penitenciário, em que o preso
só pode ser privado da liberdade, que ele tem direito a uma cela individual. E essas
leis não são cumpridas.
Mas temos leis a serviço de outros grupos. Como, por exemplo, você compra
um carro financiado, paga uma fortuna por um carro e, depois de algum tempo não
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consegue pagar uma prestação, a lei vai e lhe toma esse carro. E até há pouco
tempo ela mandava você para a cadeia como ladrão do próprio carro que comprou.
Então lugar da justiça, palácio da justiça, promotores de justiça... Isso não é
crítica à função. É visão filosófica. Eu sou defensor público e também participo da
farsa de que vou botar o sujeito pobre, negro, analfabeto no Judiciário igualzinho ao
adversário milionário. Também participo dessa farsa.
Seria estranho que um país que não tem justiça na moradia, não tem justiça
no transporte, não tem igualdade na mobilidade — que está em moda —, na saúde
pública, não tem justiça em lugar nenhum, quando chegasse na hora dos conflitos
do Poder Judiciário, aí todo mundo, em um passe de mágica, ficasse igual. É claro
que não fica. Primeiro há que se ter essa visão.
É ruim a lei? É ruim o Judiciário? É, mas será pior sem eles, não há dúvida
nenhuma, porque nós somos fracassados e não desenvolvemos a solidariedade e o
afeto como móvel fundamental de conviver em sociedade.
Nessa questão específica de intervenção — e o tema é muito amplo, e eu não
teria obviamente tempo para tudo isso —, o Judiciário intervém demais e por culpa
da própria sociedade. Falou-se aqui em ditadura do Judiciário. Eu não tenho medo
da ditadura do Judiciário. A ditadura que mais me assusta, hoje, é a ditadura da
mídia, porque ela é difusa e glamourosa. Uma informação passada em 5 segundos
numa emissora de televisão, que é capaz de ter grupos econômicos que controlam
80% de todos os meios de comunicação no País, produz um efeito devastador.
Então, o Judiciário é chamado a toda hora, principalmente pela mídia, a
intervir em demasia. Cria-se uma cultura de que o Judiciário pode resolver tudo e de
que o Direito resolve tudo, quando o Direito não resolve nada. O objetivo da vida
harmônica em sociedade são instrumentos de controle social democrático. Desde
que nasce, o indivíduo é inserido em vários deles: na escola, no condomínio, no
clube. Nenhum desses instrumentos funciona, e ele se torna um indivíduo nocivo à
coletividade dele e geral. E aí, quando nada resolve, diz-se assim: “agora a gente
pega e bota o Direito Penal, que vai resolver”. Não vai resolver, vai piorar. Eu sou
professor de Direito, passei minha vida estudando Direito Penal, Processo Penal e
Constitucional, e digo que o Direito Penal é o lixo da sociedade. Nós lidamos com o
lixo.
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Fala-se: “Ah, intervenção mínima!” É verdade, mas a prática é oposta.
Imagine se um Presidente da República iria dizer agora: “Vamos transformar o crime
de não sei o que em hediondo”. Como se isso resolvesse! Se isso resolvesse, os
Estados Unidos seriam uma maravilha, já que eles condenam pessoas à morte a
toda hora. Mas não é isso que resolve.
Eu tenho limite de tempo. Estou tentando me disciplinar ao máximo aqui.
Quero ser rigoroso, e peço ao Presidente que seja mais rigoroso comigo, que me
avise com 6 ou 7 minutos de antecedência.
Nessa questão específica de intervenção, que eu não chamo de intervenção
só na Igreja, mas de intervenção na sociedade civil como um todo, o Judiciário tem
que recolher as suas patas. Digo patas não no sentido pejorativo, de que seja
animalesco, mas é porque uma coisa, como disse a eminente Desembargadora,
com absoluta precisão, são as relações dessas entidades, das Igrejas e da religião
com terceiros — um exemplo bem feliz, um sino que pode incomodar terceiros — e
outra coisa são as questões da igreja e da religião, que se inserem num contexto
interno — interna corporis, como se diz em latim. Nessas questões interna corporis,
o Judiciário, para intervir, jamais pode intervir na entidade. Essa sentença que foi
lida aí é um primor de boçalidade jurídica. (Palmas.)
Um juiz pode afastar um pastor de uma igreja se ele tem poder financeiro, se
ele é acusado de crime? Pode. A lei diz que ele pode, como medida cautelar — o
Código de Processo Penal permite —, afastá-lo de qualquer função. Agora, o fiel dá
o seu dízimo, a sua contribuição, então o patrimônio é dele, porque uma igreja não é
uma empresa, ela não tem relações econômicas com terceiros, embora algumas até
tenham, o que, a meu ver, é uma deturpação também, mas compreensível.
A Igreja não é uma empresa. A Igreja é como se fosse uma cooperativa do
ponto de vista estrutural. O que há ali é patrimônio dos fiéis. Então, o juiz não pode
impor um terceiro para administrar o patrimônio de fiéis e, muito menos, reger a sua
fé.
Mostraram-me também essa sentença, e eu vi que a primeira decisão do juiz
parece que caminhava no caminho certo. Afastou, fixou um prazo. Esperava-se
jurídica e logicamente que ele fizesse o quê?
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Eu entendo que vocês, Fulano, Sicrano e Beltrano — e não estou aqui
entrando no mérito das acusações criminais por enquanto, nem teria tempo para
isso —, não podem administrar um patrimônio financeiro desses. Então, é o
seguinte: eu estou nomeando alguém por 15, 20 dias, porque é urgente, e vocês
façam uma assembleia e escolham outro. Agora, eu nomear um interventor é como
nomear um interventor para mediar um conflito da minha mulher comigo e meus
filhos. Isso é um disparate! (Palmas.)
Alguém precisa dizer a certos juízes: “Acordem!” O Judiciário tem muitos bons
juízes, excelentes juízes, mas também tem uma turma que se perdeu num caminho
— e a palavra aqui é usada no sentido pejorativo mesmo — messiânico, que acha
que pode curar todos os males da sociedade e não mede esforços. Praticam a
política de “os fins justificam os meios”.
A Itália, que passou por um período repressivo violento, viu um juiz que era o
ícone do combate à violência ser afastado por arbitrariedade. E eu nem digo que
esse juiz lá ou cá seja honesto ou desonesto. É a vaidade humana que leva as
pessoas ao delírio. E no juiz a sociedade deposita, acha que ele... Porque a mídia
quer assim, o Ministro Joaquim Barbosa é endeusado neste País. Se ele for
candidato a presidente da República, talvez ganhe a eleição. Eu tenho alguma coisa
contra o Ministro Joaquim Barbosa? Claro que não. Mas tenho alguma coisa contra
ele ser Presidente da República? Claro que sim! Nunca fez política na vida! É uma
celebridade de flashes instantâneos, endeusado pela mídia!
E talvez amanhã eu corra o risco de dizerem que eu fiz críticas ao Ministro
Joaquim Barbosa, quando não estou fazendo críticas ao Ministro Joaquim Barbosa;
estou fazendo crítica a essa personalização de milagreiros de ocasião. Esse juiz
precisa se controlar. Esse magistrado — e isto aqui não é um ataque pessoal, ele é
um convite à reflexão — tem que pensar e olhar: “Eu tenho o dever de punir e apurar
delitos, sim, mas eu tenho parâmetros dos quais eu não posso fugir”.
A Constituição Federal diz que nenhuma pena criminal passará da pessoa do
criminoso. O juiz, em medida cautelar, que não é uma condenação, impõe uma
sanção, humilha — porque isso é uma humilhação dos fiéis de uma igreja por um
terceiro, estranho, que não comunga da sua fé! E eu não tenho religião, quero dizer
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isso. Ele humilha, sacrifica e deixa um sujeito gerir um patrimônio que pertence aos
fiéis como bem entende. Isso não tem pé nem cabeça!
O Código de Processo Penal está lá, é só olhar a lei. Medida de prisão
preventiva é a última coisa que se deve fazer. Nós temos aqui uma magistrada, uma
desembargadora, que deve ter tido — não sei se V.Exa. está no criminal ou no cível,
provavelmente no cível — sua experiência no crime. Prisão preventiva é para preso
perigoso! As cadeias estão abarrotadas. Inventamos até algemas eletrônicas, que
não funcionam. Uma boa ideia deturpada na prática.
Aí a lei diz que o juiz pode escolher medidas cautelares diversas da prisão —
diversas —, que o juiz deve optar primordialmente por uma medida cautelar que não
seja justamente a mais gravosa, a prisão.
“Art. 319. São medidas cautelares diversas da
prisão:
...........................................................................................
II - proibição de acesso ou frequência a
determinados lugares quando, por circunstâncias
relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado
permanecer distante desses locais para evitar o risco de
novas infrações.
............................................................................................
IV - proibição de ausentar-se da Comarca (...).
............................................................................................
VI - suspensão — vejam os senhores — do
exercício de função pública ou de atividade de natureza
econômica ou financeira quando houver justo receio de
sua utilização para a prática de infrações penais.”
Era só ele aplicar esse inciso e dizer, se é que ele tem razão: “Estou
afastando essas pessoas das funções financeiras e administrativas da igreja com
base no art. 319, VI.” E não precisava fazer esse desafio inconsequente e, acredito,
involuntário; quero crer na boa-fé. Há centenas de milhares de fiéis que são
humilhados por uma decisão judicial dessa natureza.
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É tudo uma questão de bom senso. Mas, como eu disse, esse magistrado
também achou que o bom senso dizia isso. Esse é o grande problema do Direito. E
aqui não é pessoal a crítica, eu diria isso a ele pessoalmente tal como estou dizendo
aqui. O entusiasmo é natural. Passei a minha vida, a minha formação intelectual e
prática judicial... Fiquei durante 25 anos no Tribunal do Júri. Então, eu tenho o
mesmo vício de alguns Parlamentares, salvo o nosso Deputado, que é um homem
de uma lhaneza a toda prova. Mas diria exatamente isto que estou dizendo. Nas
questões interna corporis, não só da igreja, mas de entidades, de organizações civis,
daqueles que não têm fins lucrativos, nas questões que não refletem em terceiros,
sem danos a terceiros, o juiz deve evitar intervir. Mas, quando intervém, ele intervém
nos efeitos danosos e não na essência das instituições, desnaturando-as,
vilipendiando, humilhando os seus fiéis.
Esta decisão é uma lástima! E eu espero que esse magistrado, se tiver
conhecimento, pela Internet ou por qualquer coisa, reflita sobre ela, porque a
primeira decisão dele parecia caminhar nesse sentido, e depois veio esse desastre,
que não ajuda a Justiça, não colabora com composição de conflitos e desperta
extremos opostos ao extremo que ele próprio escolheu, com a sua decisão
desastrada.
Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Agradeço ao Dr. Paulo
Roberto Alves Ramalho sua exposição, lembrando-me de uma palavra do homem
de letras, um homem preparado, já que eu estou aqui no meio de pessoas que
conhecem bem o que ele dizia. Paulo disse uma vez a um certo governante, ou um
governante disse certa vez a Paulo: “Quase me persuades a ser cristão”. (Risos.)
Por certo a persuasão é uma arma importantíssima.
Entendo perfeitamente a explanação de V.Sa. e queria dizer uma cosia, e
agora como Parlamentar, já que eu também já dei algumas opiniões, antes de
passar a palavra ao Deputado Isaias Silvestre, que aqui está. Em relação a
candidaturas, sejam elas quais forem, o Brasil é aberto a todas as candidaturas.
Então, que venham todos aqueles que querem contribuir para o Brasil,
candidatando-se à Presidência da República, ao Parlamento, ao Senado. É um
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processo até natural. Entendo bem a preocupação de V.Sa. nesse sentido, mas faz
parte também do processo democrático.
Agora, no que concerne à explanação, percebemos a competência e a
autoridade. E não é à toa que nós aqui nesta Câmara, e principalmente... Eu tenho
trabalhado muito em relação aos defensores públicos brasileiros. Lamentavelmente,
o Estado brasileiro não tem dado ao defensor público, à Defensoria Pública da União
e dos Estados — os Estados precisam também se voltar para isso —, nós não
temos dado o valor que a Defensoria Pública merece, e o destaque que ela merece,
a consideração e o espaço, para que possa trabalhar no nosso Brasil. Parabéns, Dr.
Paulo Roberto Alves Ramalho!
Eu passo a palavra agora — já falei sobre o tempo que os Parlamentares têm
— ao Deputado Isaias Silvestre, que está aqui. Estamos liberando 3 minutos para
V.Exa.
O SR. DEPUTADO ISAIAS SILVESTRE - Sr. Presidente, senhores da Mesa,
meus cumprimentos. Quero parabenizar aqui o Presidente desta Comissão, nosso
Deputado Lincoln Portela, por esse requerimento, que veio em uma hora muito
apropriada. Quero parabenizá-lo por trazer a esta Comissão homens e mulheres que
têm domínio sobre essa matéria, que pode muito nos ajudar, ajudar esta Casa, que
sempre está sendo pautada, há muitos anos, de fora para dentro.
E esse atropelo que nós estamos vivendo, com esses clamores da rua, é fruto
da ingerência nesta Casa. E, havendo ingerência na Casa das Leis, o resultado é
esse aí que nós vimos, é o clamor das ruas, porque as leis não estão sendo
colocadas no momento certo, na hora certa. Falhando a regulamentação para o
cidadão, falha automaticamente a competência de eles terem o seu limite. Eu
costumo dizer que o pote encheu, e, enchendo, ele tem que entornar, infelizmente.
Eu não pude estar aqui na exposição dos outros expositores: Pastor Delmo
Gonçalves, Diretor das Instituições de Ensino Teológico da Convenção Batista; Dra.
Ana Duarte Amarante Brito, Especialista em Direito Civil e Desembargadora do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Ouvi parte da exposição do Dr. Paulo Alves
Ramalho, que muito bem aqui explanou a respeito dessa interferência num
segmento eclesiástico regulamentado pela nossa Constituição. Esse segmento
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eclesiástico é agredido pelo sistema público de Justiça, que vem trazer um prejuízo
muito grande a essa comunidade evangélica, que tem contribuído.
Eu costumo dizer que não existe outro segmento da sociedade que produza o
que o segmento evangélico, o segmento religioso produz. Ele pega o lixo da
sociedade, traz para dentro, para a responsabilidade dele, sem recurso público, e
produz casas. Não existe nenhuma casa dessas produzidas, construídas com
dinheiro público, que justifique aquilo que o segmento religioso evangélico faz no
Brasil. Traz o lixo que a sociedade produziu e transforma-o num cidadão de bem,
cumpridor dos seus deveres, mas alijado do seu direito, porque diz a Constituição
que todos somos iguais perante a lei. Mas nós estamos vendo aí essa agressão
dentro de uma igreja — pautada por princípios bíblicos, cumprindo o seu papel com
homens dedicados —, colocada sem conhecimento de causa e sem saber a causa
maior e o conhecimento maior que Deus deu através da sua palavra. Eles
desenvolvem um papel que nenhum de nós, se não for através da chamada, se não
for a vontade de Deus, consegue produzir.
Muitos não entendem, não sabem como uma pessoa consegue se
desvencilhar, sair de toda inciativa privada e ir cuidar de uma coisa que é tão
preciosa, que é a alma. O bem mais precioso que existe na face da Terra é a alma,
é aquilo que Deus deu através do seu filho, Jesus Cristo, para que a pessoa tivesse
essa riqueza que temos: paz, alegria. Não existe segmento organizado da Nação
que produza isso. Isso é produzido através de igrejas, através de homens
vocacionados chamados para fazer esse trabalho. E vem essa agressão, como diz o
Dr. Paulo Roberto, para que interfiram, intervenham dentro de um segmento — essa
agressão tão grotesca —, não dando oportunidade, não dando condição de ser
gerido um bem, um patrimônio, uma riqueza dessa, que é uma igreja, através de
seus próprios integrantes.
Dr. José Antônio Diana Mapelli, que também está aqui conosco, eu não tive a
oportunidade de ouvi-lo, mas a minha interferência aqui é para agradecer a vinda
dos senhores, que nos ajudam muito neste momento aqui nesta Casa, com essa
bandeira de lutar pela família, que é outro bem primário da nossa sociedade.
Estamos aqui, como o nosso Deputado Lincoln Portela, que está aqui já há
vários mandatos, lutando para que as nossas instituições que cuidam da família, as
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igrejas, possam ter a sua voz, a sua vez, a sua responsabilidade e ser respeitadas
pelo que fazem com seus entes.
Então, eu quero parabenizar a Mesa, o nosso Presidente; parabéns pelo
requerimento. E que não fique somente nesse, que nós possamos ampliar essa
discussão em outras Comissões e em outros momentos que virão com integrantes
desta Casa, para que nós possamos ser respeitados.
Eu quero encerrar dizendo o seguinte: se nós não fizermos a nossa parte, se
não interferirmos na sociedade organizada, mostrando o bem maior que temos, ela
vai interferir trazendo prejuízos para o nosso meio.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Parabéns aos senhores expositores! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Obrigado, Deputado Isaias
Silvestre, que é um Deputado atuante nesta Casa. V.Exa. tem passado agora por
muitas Comissões e nos dá o privilégio da sua presença, da sua intervenção neste
momento. Que esta Casa e a Nação brasileira continuem sendo contempladas com
o trabalho de V.Exa.!
Bem, agradeço a todos e parabenizo-os pelas brilhantes exposições.
Após as exposições dos nossos convidados, passemos agora aos debates.
Comunico as regras de condução para realização dos debates, lembrando que
estamos sendo transmitidos pelo WebCâmara e pelo e-Democracia.
Gostaria de lembrar a todos os presentes que o prazo para formulação das
questões é de 2 minutos. Cada pessoa que for fazer a sua intervenção terá um
prazo de 2 minutos. E os expositores aqui à Mesa terão um prazo de 3 minutos para
responderem às questões. Dos inscritos aqui, caso alguém queira fazer apenas uma
manifestação, terá 1 minuto a mais — terá 3 minutos. Então, caso não faça uma
pergunta, mas apenas uma manifestação, terá, por certo, 3 minutos.
Antes de passar a palavra à primeira pessoa inscrita, e tendo em vista que
este evento está sendo gravado, solicito a todos os inscritos a gentileza de, antes de
fazerem o seu questionamento, dizerem o seu nome — o que, por certo, eu direi
aqui — e a instituição que representam, bem como que assinem a autorização para
publicação da sua fala.
Passo a palavra à primeira pessoa inscrita, Gilmar da Silva Ramos.
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O SR. GILMAR DA SILVA RAMOS - Meu nome é Gilmar da Silva Ramos,
sou da Igreja Cristã Maranata, onde tenho servido ao Senhor e procurado ser um
servo fiel. Estou como Pastor nessa Igreja há 4 anos e sou membro há 28 anos.
Gostaria de parabenizar a Mesa, o Sr. Presidente pela iniciativa. Nós sempre
costumamos dizer, nas oportunidades em que participamos de alguns eventos
espirituais, que, toda vez que nos encontramos para buscar o Senhor, é uma
oportunidade que nós temos de alcançar algo da parte Dele, um milagre, uma
maravilha da parte Dele. Mas aqui também faço uso dessas palavras, nesta ocasião,
aplicando ao contexto: toda vez que nós participamos de um seminário, de algo que
vai nos acrescentar, é uma oportunidade que nós temos de aprender algo mais e de
poder compartilhar conhecimento, comunhão de valores e de entendimentos. Então,
parabenizo-o pela iniciativa.
Como membro dessa Igreja, eu aqui abri e folheei a Bíblia, e o Senhor me
deu uma palavra que eu gostaria de compartilhar; e entendo até que esteja inserida
no contexto, porque nós temos vivenciado este momento delicado da Igreja e, como
membros, somos afetados. Mas nós confiamos no Senhor e sabemos que, assim
como sempre cuidou do seu povo, dos seus, Ele tem cuidado de nós. E eu entendo
até que este evento seja uma manifestação da parte de Deus, que contribui em favor
do seu povo, da sua Igreja. A palavra então que eu gostaria de compartilhar com os
senhores — não meditei com antecipação, simplesmente abri a Bíblia, folheei e
achei pertinente — está aqui em Isaías, capítulo 29, a partir do versículo 19 até o 24.
Diz assim:
“Os mansos terão regozijo sobre regozijo no
Senhor, e os pobres entre os homens se alegrarão no
Santo de Israel.
Pois o tirano é reduzido a nada, o escarnecedor já
não existe, e já se acham eliminados todos os que
cogitam da iniquidade, os quais por causa de uma palavra
condenam um homem, os que põem armadilhas ao que
repreende na porta, e os que sem motivo negam ao justo
o seu direito.
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Portanto, acerca da casa de Jacó, assim diz o
Senhor, que remiu a Abraão: Jacó já não será
envergonhado, nem mais se empalidecerá o seu rosto.
Mas, quando ele e seus filhos virem a obra das
minhas mãos no meio deles, santificarão o meu nome;
sim, santificarão o Santo de Jacó e temerão o Deus de
Israel.
E os que erram de espírito virão a ter
entendimento, e os murmuradores hão de aceitar
instrução.”
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Mais 30 segundos.
O SR. GILMAR DA SILVA RAMOS - Amém!
Então, Deus sempre velou pelo seu povo. E penso que nesta data, neste
momento, Deus está presente. Nós temos aqui representantes de outras igrejas, que
não a Igreja Cristã Maranata, e sabemos que Deus tem as suas mãos postas sobre
aqueles que o temem, e os guarda, os livra e os abençoa.
Mais uma vez, eu agradeço a oportunidade e parabenizo a todos pela
iniciativa. E que Deus possa nos abençoar! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Passo a palavra a Elias
Mattar Assad, Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.
O SR. ELIAS MATTAR ASSAD - Sr. Presidente, talvez eu precise de 3
minutos para fazer o encaminhamento de uma sugestão para uma lei que venha a
regulamentar esse problema que estamos vivenciando. O senhor me dá os 3
minutos?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Tem liberdade para fazê-lo.
Três minutos concedidos.
O SR. ELIAS MATTAR ASSAD - Exmo. Sr. Deputado Lincoln Portela, nobre
Presidente da Comissão de Legislação Participativa, demais componentes da Mesa,
Parlamentares, autoridades judiciárias e religiosas, civis, senhoras, senhores, eu os
saúdo e reverencio. Sinto-me honrado em dirigir-lhes a palavra.
Alpheus Thomas Mason, norte-americano, dizia: “Para criar um governo, não
é necessário grande prudência. Estabeleça-se a sede do poder, ensine-se a
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obedecer, e a tarefa estará concluída”. E mais, diz que outorgar a liberdade é ainda
mais fácil, não exige guias, basta deixar as rédeas soltas; porém, fundir esses dois
elementos, liberdade e restrição — o que é um desafio —, em um conjunto
harmônico, requer uma mentalidade sagaz, poderosa e acomodatícia.
Eu acredito na liberdade, Sr. Presidente, e parabenizo os evangélicos pelas
lutas centenárias, acima de tudo os mártires que diuturnamente se fazem, como
tivemos notícia há pouco.
Quando eu vejo esse povo nas ruas sentindo o incomparável gosto da luta,
lembro que nós advogados, Sr. Presidente, assim como os Parlamentares, saímos
às ruas todos os dias lutando por direitos e liberdades assegurados pela
Constituição. E por esse gostinho — dizia eu para um manifestante — é bom lutar.
Nosso desafio é que temos que lutar com ética e não com violência.
Portanto, eu venho dizer que nem o direito posto, nem os livros sagrados ou a
sociedade querem que culpados se safem ou que inocentes paguem pelo que não
fizeram. Mesmo o culpado deve ser punido apenas no seu exato grau de culpa.
Afinal: “Eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores, ao arrependimento.”
E daí, desse preceito religioso, acabou nascendo o princípio da ressocialização das
penas, disposto na Constituição Federal.
Acredito também, Dra. Ana Maria, Dr. Paulo Ramalho, Dr. Mapelli, Dr. Delmo,
que as religiões também são excelentes escolas de ensino da ética. Não podem ser
obstaculizadas. Isso já está na Constituição. Fala-se em liberdade, mas não se
assegura liberdade. Fala-se em Estado laico. Assim como as religiões não
interferem nos negócios do Estado, o Estado também não pode interferir nas
organizações religiosas, direta ou indiretamente.
Ao entregar essa sugestão, Presidente Portela, que impede investidas
estatais contra as religiões — que deverá ser aprimorada, evidentemente —, quero
lembrar também, como registram os oradores que me antecederam, o
desvirtuamento que ontem ocorreu no Espírito Santo, onde a Justiça decretou
intervenção judicial em uma igreja.
Por favor, alguém diga para aqueles pastores — e eu vou balbuciar daqui —
que Cristo perdoou baseado no raciocínio de que eles não sabiam o que estavam
fazendo. Porém, aquelas fontes interferentes sabem exatamente o que estão
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fazendo. Portanto, eu creio que deva ser levada essa palavra àqueles pastores,
porque eles são obrigados a se expor, e eu denomino isso de “irreparável prejuízo
institucional”, o que eles estão sofrendo.
Eu quero lhe entregar este projeto e fazer este meu registro, dizendo daqui
mais uma coisa para o remate, Sr. Presidente: se Cristo teve juízes iníquos, por que
aqueles pastores não poderiam ter também alguns juízes iníquos? É a minha
sugestão, que estou entregando a V.Exa. (Palmas prolongadas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Dr. Elias, gostaria de
perguntar-lhe: este projeto está sendo entregue a esta Comissão em nome de qual
associação?
O SR. ELIAS MATTAR ASSAD - Associação Paranaense dos Advogados
Criminalistas.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Associação Paranaense
dos Advogados Criminalistas. O.k. Obrigado. (Pausa.)
Esta Comissão é apta para receber as sugestões de projetos de lei para
tramitarem nesta Casa.
Passo a palavra a Wagner Lopes de Carvalho, da Igreja Cristã Maranata.
V.Sa. dispõe de até 3 minutos, caso seja uma consideração, ou 2 minutos
para uma pergunta à Mesa.
O SR. WAGNER LOPES DE CARVALHO - Gostaria de parabenizar a Mesa,
os expositores, o ilustre Presidente desta Comissão, a Casa, os presentes pela
iniciativa e por tudo aquilo que foi apresentado aqui.
Como foi colocado por V.Exa., meu nome é Wagner Lopes de Carvalho, sou
Pastor da Igreja Cristã Maranata e membro dessa Igreja há mais de 20 anos.
Surpreenderam-me as atitudes tomadas pela Justiça do Estado do Espírito Santo,
sobremodo surpreenderam-me porque eu imaginei que, no Estado de Direito no
nosso País, um Estado laico, não caberia mais a intervenção do Estado em
instituições religiosas, como vem ocorrendo na Igreja onde eu me congrego.
A minha colocação aqui, neste momento, é justamente em relação a um
comunicado desse novo interventor judicial. Foi dito que é administrador, mas a
maneira como ele conduziu e o que falou acerca das ações que devem ser tomadas
por parte da nossa Igreja ultrapassam a esfera administrativa. Eu nem vou colocar
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aqui a questão que foi apresentada pelos expositores da Mesa, questões de
natureza judicial, legal. Mas o interventor está entrando em questões de cunho
eclesiástico, determinando que pessoas que saíram da Igreja, que não querem se
congregar na Igreja, que falaram mal da Igreja, que decidiram por bem e por escolha
própria sair dessa denominação voltem com as mesmas funções, “com as mesmas
honrarias”, foi a expressão que ele utilizou — uma instituição que foi, por essas
pessoas, vilipendiada.
Perdão há? Há o perdão, sempre há, é o ensino maior que o Senhor Jesus
nos ensinou; a misericórdia do Senhor sempre vai à frente. Mas o que eu gostaria de
colocar aqui especificamente é a entrada, a decisão desse interventor, desse
administrador judicial, em questões de cunho eclesiástico, destituindo, extinguindo
um conselho de pastores eleito por uma assembleia legalmente convocada e eleito
pelos membros da nossa Igreja.
Ele colocou, e está publicado no jornal A Gazeta, do Estado do Espírito, que
“o Conselho Presbiteral de Pastores está extinto”, sendo que o estatuto da nossa
Igreja determina que esse Conselho somente pode ser extinto por outra assembleia.
Ele mesmo determinou que isso vai ser feito, como deve ser o culto, como devem
ser as mensagens, o que deve ser pregado. Está lá no jornal A Gazeta. Vocês
podem depois consultar — Estado do Espírito Santo. Isso foi colocado por esse
interventor.
Então, eu gostaria de colocar aqui exatamente esse ponto para vocês, os
expositores. Vocês são os doutores do Direito; não é minha área. O que eu sei é
pregar a palavra de Deus, é assistir os necessitados, é orar pelos enfermos, é aquilo
que Paulo, como foi citado aqui pelo ilustre Presidente desta Mesa, colocou, é o
exemplo daquilo que nós devemos como servos de Deus fazer. E o exemplo maior
quem deu foi o próprio Senhor Jesus, indo atrás dos necessitados, indo atrás
daquelas ovelhas perdidas. Foi isso que eu aprendi, é isso que eu faço. Eu não
entendo praticamente nada de lei, mas eu entendo daquilo que se chama “a graça
de Nosso Senhor Jesus Cristo”.
E eu gostaria que os senhores colocassem exatamente para nós aqui... Eu,
como Pastor, estou abismado: uma interferência de natureza estatal naquilo que eu,
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como Pastor, devo pregar ou deixar de pregar. Eu gostaria que vocês falassem
exatamente acerca dessa minha colocação.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Desembargadora Ana
Maria Duarte, V.Sa. poderia fazer uma consideração sobre a exposição do nobre
Wagner Lopes?
A SRA. ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO - Com prazer. Primeiro,
eu quero adiantar que, por uma questão de disciplina do Poder a que pertenço, eu
não posso emitir qualquer juízo de valor sobre decisões de meus colegas. A Lei
Orgânica da Magistratura Nacional tipifica isso como grave infração. Então, eu dizer
que o juiz errou ou acertou em um caso concreto não será possível. Minha
exposição para os senhores foi em termos da principiologia constitucional, do
significado do Estado laico e da possibilidade, sim, de a ordenação estatal interferir
nas relações privadas. E assinalei de início que somos um Poder que exerce função
provocada. Juiz não sai por aí procurando erros, ilícitos para punir; não é essa a
nossa função. Nós agimos por provocação de partes que tenham interesse legítimo.
Por exemplo, na esfera penal, já fui defensora, já defendi, em plenário de júri,
assassinos, sim. Fui a voz deles no plenário, assassinos que haviam matado com 24
facadas. Exerci o meu papel na defesa, e fui defensora bastante acirrada. E
compreendo e louvo a atitude do nosso nobre defensor. Defensor é assim mesmo! É
assim mesmo! Eu fui aguerrida, depois passei para o Ministério Público! (Risos.) Fui
promotora de justiça, exerci a persecução criminal, até que resolvi fazer o concurso
para juiz. Fiz o concurso chorando de saudade, deixei minha beca, que hoje é
envergada por minha filha — uma está na magistratura, outra no Ministério Público;
eu tenho muito orgulho disso —, e estou na magistratura.
Vejam bem, prisão preventiva é decretada — vamos ao instituto — quando há
dois perigos; aliás, três. Perigo para a ordem pública: o assassino desvairado estaria
matando, estaria assaltando. Vamos segregar até apurar o fato. Presume-se
inocente. Gente, infelizmente, se nós não temos condições de oferecer um sistema
prisional condigno... Com a palavra os administradores, os legisladores. É uma
pena! Realmente, é uma instituição falida a cadeia no Brasil! Instituição falida, a
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pena privativa de liberdade! Mas, na falta de alternativa, você segrega para ele não
continuar esfaqueando, roubando, assaltando.
Outro fundamento da prisão preventiva: prisão preventiva é a prisão sem
pena, com a presunção de inocência! Podemos absolver no final. É importante
pensarmos até nas condições carcerárias. Já frequentei Papuda anos, mas indo lá
para atender à população carcerária, e vi o trabalho magnífico, maravilhoso dos
evangélicos. Não me não canso de exaltar: que função magnífica eles estão
exercendo levando a Palavra de Deus a eles! Nossa Senhora! Fator de
ressocialização maior: o caminho de Deus. Muito bem!
Agora, outro perigo, além da ordem pública, esse é que é o problema, porque
o que não está nos autos não está no mundo. Nós somos uma função provocada e
julgamos com o que está no processo; não é o que escutamos no corredor, não é o
que ouvimos no telefone, nem foi produto de uma denúncia anônima; é aquilo que
está no processo, e dando oportunidade para o outro contraditar. Prova e
contraprova, depois é que vem o julgamento. E qual é o perigo? Prejuízo para a
instrução criminal. É aquele que, se solto ficar, vai ameaçar a testemunha, vai ter
amigos, aliados que vão apagar, destruir documentos, cooptar testemunhas e
prejudicar o que vem para os autos, porque é com os autos que o juiz julga. Os
advogados sabem disto: o que não está nos autos não está no mundo. Então, o
segundo fundamento da prisão preventiva é: garantia da instrução criminal, quando
houver perigo de não se conseguir botar aqui nos autos a verdade, porque eles
estão trabalhando nos bastidores para...
Muito bem. O terceiro fundamento, esse já é mais no final do processo:
garantia da aplicação da lei penal, para evitar que fuja do distrito da culpa e nunca
mais se consiga aplicar sanção. São esses basicamente os três fundamentos. Um
decreto de prisão preventiva tem que ser bastante fundamentado.
Outra coisa, ouvi falar muito em juiz. Cadê os desembargadores? Alguém
está sabendo recorrer? É claro que deve estar sabendo. Pode-se recorrer
imediatamente, provocar o desembargador. E desembargador pode, num primeiro
momento, decidir sozinho, mas em seguida... Eu falei da história do sino — 2 a 1 —,
princípio da colegialidade. Aquilo que o juiz decidiu vai ser revisto por um grupo com
mais experiência, um grupo mais maduro, e que não vai decidir sozinho. No mínimo,
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três, e, dependendo do recurso, vai para outro órgão ainda maior, para embargos
infringentes ou de nulidade. Por exemplo, no meu tribunal, esse órgão tem oito
integrantes. Então, no mínimo, oito, para julgar um recurso, se houver algum voto
vencido, se houver alguma divergência. Isso no âmbito dos recursos ordinários, fora
o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo. Então, aquela questão: recorra-se
também, uma decisão única não é a final. Nós temos todo um sistema de controle
interno, de revisão das decisões até chegar, se for o caso, ao Excelso Pretório.
E o Ministério Público, quando pede uma prisão preventiva ao juiz, deve levar
elementos suficientes. Então, há que se ver isso. Por isso, não posso, no caso
concreto, realmente, emitir qualquer juízo de valor. Estou falando como funciona a
Justiça nesses casos. Alguém provocou, levou o fato ao Ministério Público. O
Ministério Público reúne elementos e vai ao juiz oferecer denúncia. Se houver um
dos três perigos, tem que justificar, e os desembargadores poderão rever isso, para
justificar. Então, é todo um sistema. Claro que pode falhar, senhores. Nós somos
seres humanos, estamos sujeitos a erro. Eu não posso aqui, em sã consciência,
com 25 anos de Justiça, só na magistratura, fora as outras atividades, dizer que
nunca tenha feito uma injustiça. Não posso garantir isso. Meu Deus do céu! Não sou
dotada do dom divino da onividência, onisciência. Todavia, é assim que funcionam
as instituições: é um órgão que investiga, o órgão que acusa. O órgão que acusa,
claro, tem que ter mais poder de investigação para melhor esclarecer os fatos,
porque traz para o juiz função provocada.
Eu agradeço a oportunidade só para explicar aos senhores como funciona o
sistema, para entenderem esses fatos que aí estão. Já estive nas três posições da
Justiça que os senhores estão vendo aqui.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Obrigado à
Desembargadora.
Concedo a palavra ao Dr. José Antônio Diana Mapelli, advogado especialista
em direito.
O SR. JOSÉ ANTÔNIO DIANA MAPELLI - Meu querido Vágner, como eu
sou advogado, não tenho limitação, só a limitação ética, posso falar à vontade: a
decisão judicial é um absurdo. Eu conheço o caso, eu o li, não existe o que esse
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magistrado fez. Provo por A mais B. O juiz não pode tudo. O brasileiro precisa
aprender isso. “Magistrado não é majestade.” Quem falou essa frase foi o Ministro
Gilson Dipp, quando Presidente do CNJ, em Curitiba, para os desembargadores de
lá. Magistrado não é majestade, não pode tudo, não; pode até pensar que pode,
mas não pode.
Compreendo a doutora, porque ela não conhece o caso concreto. A questão
de ser provocado é a seguinte: a partir da provocação, a legalidade e a
constitucionalidade é que mandam. Se eu pedir ao Judiciário que me autorize a
matar alguém, ele dirá “não”. A questão é bem simples assim.
A decisão é um absurdo, especialmente quando se trata do Conselho
Presbiteral. Aí, não há o que dizer. Eu, sinceramente, fico sem palavras.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Concedo a palavra ao
Pastor Delmo Gonçalves, que, além de Diretor das Instituições de Ensino Teológico
da Convenção Batista Nacional, é pastor e faz parte da Convenção Batista Nacional
em Minas Gerais.
O SR. DELMO GONÇALVES - Eu penso que, em qualquer situação que
envolva uma instituição evangélica, deve-se levar em conta o grande legado que ela
é e que representa para a sua Nação. Devem-se levar em consideração as
consequências que advirão para aquele povo, as consequências éticas, morais e os
constrangimentos. Eu penso que tem que se tomar cuidado com todo julgamento
que se faz de um povo e tem que se ter toda a cautela.
A Igreja Evangélica vem, constantemente, sendo tratada de uma forma que
não merece em nosso País. Constantemente. Eu sou evangélico desde os meus 6
anos de idade, eu já vi muita coisa estranha acontecer e, na maioria das vezes,
infelizmente, nós somos tratados com parcialidade. Precisamos ser tratados é com
imparcialidade. Penso que se deve ter sensibilidade e perceber que, quando se
pega um caso que envolve todo um povo, não só o Estado do Espírito Santo como
todo o País, deve-se medir a consequência do desastre que se pode estar
causando. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Obrigado, Pastor Delmo,
pelas palavras de prudência.
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Concedo a palavra ao Dr. Paulo Roberto Alves Ramalho, Defensor Público do
Estado do Rio de Janeiro e advogado especialista em Direito Penal.
O SR. PAULO ROBERTO ALVES RAMALHO - Em nome da brevidade do
tempo, tudo o que foi dito aqui é altamente satisfatório. Eu acho que esse juiz deu
sorte, porque, se ele faz isso com a Igreja Católica, estaria excomungado. (Risos.)
(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Concedo a palavra ao Dr.
Alexandre Laranjeira, Juiz Federal.
O SR. ALEXANDRE LARANJEIRA - Sr. Presidente, eu gostaria de, em
primeiro lugar, cumprimentar a Mesa pela extraordinária iniciativa deste seminário e
pelo estudo deste caso da Igreja Cristã Maranata.
Quero dizer que eu estou pastor da Igreja Cristã Maranata e sou Juiz Federal
há 20 anos, o que me coloca, estranhamente, na posição de pedra e vidraça ao
mesmo tempo. Por isso, é muito interessante participar de um evento como este.
Gostaria de saudar, também de forma muito especial, a Dra. Ana Maria
Duarte Amaranto Brito, por conta de nossos laços pessoais. Eu fui membro do
Ministério Público do Distrito Federal, fui colega da Dra. Elizabeth Brâncio, que vem
a ser filha da Dra. Ana Maria, da Universidade de Brasília. Portanto, eu a conheço
há muitos anos. Para mim, é uma alegria compartilhar deste momento com a Dra.
Ana Maria.
Eu gostaria de formular uma pergunta, Sr. Presidente, ao Dr. José Antônio
Diana Mapelli a respeito destas questões, até porque, sendo ele advogado, não está
sujeito à disciplina judiciária, que limita a mim e à Dra. Ana Maria, com relação ao
trato dessas questões. Não vou adentrar a questão da decisão judicial em si, até
porque os efeitos da decisão já foram aqui bastante explorados na intervenção do
meu colega Vágner.
O que eu gostaria de perguntar para o Dr. José Antônio diz respeito à questão
da liberdade religiosa, no âmbito constitucional. Vamos colocar um aspecto
interessante desse caso. Nós temos um dos nossos pastores que é tido como líder
espiritual da igreja. Nós temos visto a todo instante que, de uma forma ou de outra,
tanto o Ministério Público quanto o Poder Judiciário vêm, de certa forma, tentando
evitar que essa pessoa exerça liderança junto ao povo.
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Eu gostaria de perguntar ao Dr. José Antônio como é que fica, do ponto de
vista constitucional, a liberdade de escolha do seu líder religioso. É essa a pergunta
que eu gostaria de fazer.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Isaias Silvestre) - O Presidente teve que se
retirar um pouco, para uma votação na Comissão, mas nos deu a oportunidade de
estar em seu lugar.
Com a palavra o Dr. José Antônio. (Pausa.)
O SR. ELIAS MATTAR ASSAD - Sr. Presidente, V.Exa. me permite só uma
complementação? (Inaudível.) foi levada à imprensa, junto com o pessoal que foi
executar a ordem de prisão, estranhamente. Poderiam ter ido apenas as
autoridades. Não, a imprensa foi junto, sendo, portanto, um aspecto da
inviolabilidade da imagem, da honra, da boa fama, que é direito de cada um. Mais
ainda, se mesmo a pena tem caráter ressocializador, por que a prisão preventiva
tem este caráter destrutivo irreparável?
O SR. JOSÉ ANTÔNIO DIANA MAPELLI - Quanto à liberdade religiosa, o
que eu tenho a colocar é que nada é absoluto. Desde menino, eu ouço meus pais
ensinarem: “Meu filho, tudo em excesso faz mal”. Sempre me ensinaram isso. Assim
cresci, e depois a minha ciência veio me mostrar que é isso mesmo.
Na questão da liberdade religiosa, com a escolha de determinado líder, eu
não vejo como o Estado interferir, especialmente porque eu acho que aí está a
essência da liberdade religiosa, que é a crença, aquilo em que a pessoa crê. A
liberdade religiosa, senhores, é tão forte que, se uma Testemunha de Jeová disser
ao Estado “Eu não faço transfusão de sangue”, o Estado não pode obrigá-la a fazer
a transfusão. Então, trata-se de algo mais do que sério.
A primeira norma constitucional que se tem a respeito disso é da Inglaterra, é
a Magna Carta de 1215 — 800 anos atrás. Então, este é um assunto realmente
muito sério.
Não vejo como o Estado, seja lá por qualquer dos seus poderes, interferir
numa decisão de um fiel desta forma. Ele elege um líder, assim como nós elegemos
o Presidente da República. Realmente, não vejo como poderia ser de outra forma.
No que respeita à imagem, isso é realmente muito complexo. Este caso em si,
meu amigo Dr. Elias Mattar Assad, tem uma série de fatores estranhos. O policial vai
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cumprir o mandado de prisão, e a imprensa já vai com a câmera ligada, atrás. A
gente sabe que isso é para escandalizar, para ofender a imagem, para humilhar,
como bem disse o Dr. Paulo. Isso é realmente inadmissível, do ponto de vista
constitucional. E a lei civil resolve este problema, referente ao direito de imagem,
indenização, dando outras soluções.
No caso do processo penal, permitam e aceitem a minha ignorância, mas eu
gostaria de passar a questão da prisão preventiva para o Dr. Paulo Ramalho, que é
quem tem conhecimento técnico a esse respeito. Eu sou mais publicista, aqui do
lado constitucional, e essa gravidade da prisão preventiva eu passo ao Dr. Paulo.
(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Isaias Silvestre) - Tem a palavra o Dr. Paulo
Ramalho.
O SR. PAULO ROBERTO ALVES RAMALHO - Em primeiro lugar, vamos à
questão da publicidade. O Direito francês tem um tipo penal que diz respeito a fazer
publicidade ofensiva sobre a pessoa do indiciado ou acusado. Constitui crime
severamente punido no Direito francês a publicidade opressiva sobre a pessoa do
acusado ou indiciado. O Direito inglês proíbe literalmente a filmagem de qualquer
pessoa suspeita ou acusada de um crime. Proíbe o juiz de dar entrevista.
O Ministério Público, hoje, tem verdadeiros membros, e a crítica, não ao
Ministério Público, que, graças a Deus, não se contaminou por isso, mas nós temos
ainda no Ministério Público alguns... Hoje, talvez por serem muito meninos, eles
acordam de madrugada sonolentos, abrem a geladeira, pensam que é um foco de
luz de televisão e vão pentear o cabelo (risos), porque têm o fascínio pela mídia e
com ela combinam operações.
No Rio de Janeiro, a Polícia combinou com a imprensa que iria fazer uma
operação altamente sigilosa e iria prender 15 Secretários de um Município. A
informação chegou a mim, e eu filmei o comboio da Polícia junto com a imprensa e
botei no ar on-line na Internet para todo mundo ver. A operação foi completamente
desmoralizada. Há esse fascínio pela mídia, porque antigamente as pessoas
queriam ser... Ser inteligente dá trabalho, tem que ter ajuda da genética, porque, se
a genética não ajudar, não tem jeito. Ser culto também dá trabalho: tem que estudar,
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tem que ler. Ser bonito é um dom da natureza, dom que passou longe de mim,
graças a Deus. Agora, ser famoso é sorte.
Hoje, as pessoas buscam a celebridade. Elas querem ser famosas, querem
aparecer na televisão a qualquer preço. O Ministério Público está lotado de garotos
assim. Num país sério, não pode um sujeito com 25 anos de idade ter o poder que
se deu ao Ministério Público e à própria Magistratura. Com 23 anos de idade, hoje, o
sujeito é juiz ou promotor. Eu não estou falando isso por despeito, porque eu fiz três
concursos e fui o primeiro colocado nos três. Eu optei por ser Defensor Público,
porque era estagiário, apaixonado pela instituição e ainda podia advogar, porque eu
também não sou burro.
Então, o ideal seria que a gente selecionasse pessoas mais velhas, mais
maduras. “Ah, mas existe muito garoto de 20 ou 22 anos que é um espetáculo”. Sim,
existe. Eu, com 13 anos, morava sozinho, ganhava dinheiro de dia para comer à
noite. Mas a gente não forma um país, não faz legislação pensando nas exceções e,
sim, no geral. Qual é o problema? Outra coisa que virou tabu neste País: os juízes
ganham muito mal, o salário é uma vergonha. Mas a mídia construiu uma ideia de
que o salário é uma fortuna, e o juiz se sente encabulado de reclamar salário. Aí,
ficam inventando penduricalhos, alimentos do passado, alimentos regurgitados,
reconsumidos, essas coisas malucas, porque eles têm que se virar, porque são
pessoas normais que precisam ganhar mais. Mas a sociedade, manipulada pela
mídia, acha que é uma fortuna, e paga mal.
Aí, o que acontece? Um jovem ou uma jovem talentosa entra para a
Magistratura. Se ele ou ela não entrar na Magistratura jovem, se a Magistratura não
levar aos seus quadros esse jovem ou essa jovem rápido, em 5 anos ele ou ela será
um profissional de Direito de alto prestígio, se tiver talento. Qualquer gerente de
média empresa jurídica — não estou falando nem de diretor — ganha 20 mil reais
mais moradia, carro, etc. e tal, o que um Ministro do Supremo Tribunal Federal não
ganha.
Criou-se uma demagogia, e os juízes são amordaçados, não conseguem falar
de salário. Aí, você tem essa história de combinação com a mídia: combina com a
mídia para aparecer. Nós temos um membro do Ministério Público Federal que foi
punido, e aqui é um Juiz Federal. Eu posso dizer o nome dele. Eu estranhei quando
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recebi o primeiro processo de promotor e juiz contra mim. Agora eu já acostumei.
Todo ano aparece um ou dois, está tudo certo e, graças a Deus, não perdi nenhum
até agora, o que é bom para mim, porque me valoriza com os meus clientes. Se eu
não perco os meus, não vou perder os deles, não é? (Risos.)
Era um Procurador da República, Luiz Francisco. Ficou provado. Ele
mandava e-mail, carta anônima e depois, com base na carta anônima que ele
mesmo mandava e que o jornal publicava, ele instaurava uma investigação. Ele foi
punido por isso pelo Conselho. É o fascínio pela mídia. Olhem a manipulação:
independentemente de a gente ser contra ou a favor, qual é a importância para essa
juventude, para esses meninos que estão nas ruas, meio sem rumo, meio
desorganizados, da aprovação ou não da PEC 37? O que é que isso muda para a
sociedade? Por que o Ministério Público não pega todos os inquéritos policiais?
Raros são os países do mundo em que ainda existe inquérito policial. Para
começar, o inquérito é conduzido por um juiz. O Brasil é o único lugar do mundo em
que o sujeito pode ser preso em flagrante, indiciado, não é levado ao juiz — olha
que maluquice que eles inventaram —, vem uma defesa preliminar, que ele tem 10
dias para esperar a citação, depois se faz uma audiência de instrução e julgamento,
e no final do processo é que ele vai ter o direito de falar com o juiz.
Em alguns casos, eu tenho pedido do juiz que antecipe: “Eu quero que o
senhor me interrogue primeiro”. Poxa, eu tenho certeza que o cara é inocente. Eu
preciso que o juiz veja o réu. O juiz vai ver o réu lá no final do processo quando há
muitos réus, depois de 8 meses ou 1 ano. E o réu fica preso sem ver o juiz.
O que acontece com isso? Você tem a superexposição, se você não criar um
mecanismo de repressão... O que eu vou citar é apenas para mostrar que eu tive
alguma experiência com a imprensa, porque fui eu quem fez a defesa do artista de
televisão que foi inimigo nº 1 do País durante muitos anos, porque era novela da TV
Globo no horário nobre. Então, eu passei 10 anos torturado pela mídia.
A duras penas, se observarem hoje, nos tempos do Guilherme, diziam que ele
era assassino confesso. Observem o jornal O Globo, eles fizeram vários seminários,
eu até participei de alguns. De uns anos para cá, eles vêm botando assim: “O
acusado, o suspeito”. Algumas vezes eles até exageram. Esses dias, um cara
confessou um crime bárbaro de uma menina, e O Globo publicou: “Suspeito de
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matar a menina vai ser responsabilizado”. (Risos.) Está-se tentando criar um código
de ética mínimo no tratamento.
A gente vê o seguinte: como a prisão é um desastre, e nós não conseguimos
melhorar a prisão, a gente está mandando ricos e famosos para a prisão. A gente
vende a ilusão para o povo de que, pelo menos, na prisão eles são iguais perante a
lei.
Antigamente, o sujeito era Ministro, era Deputado, era Senador, tinha um
cargo público importante, quando era acusado de um desvio, havia certa
consideração com ele, certo respeito. “Bem, ele é só um acusado, é um indiciado;
vamos ver, vamos apurar isso com calma, porque um fato na vida não pode destruir
uma reputação de 40 ou 50 anos”. Como disse a eminente Desembargadora, a
presunção da condição de inocência é séria, e as medidas cautelares só se
justificam também excepcionalmente. Hoje é o contrário. Hoje, no Rio de Janeiro, o
sujeito que cai na infelicidade de ser parado numa blitz de trânsito diz assim: “Poxa,
desculpe, eu tomei uma dose de vinho, desculpe. Poxa, mas eu sou Deputado.
Poxa, veja o que você pode fazer por mim”. Ele vira as costas, liga para a imprensa
e diz: “Olha, há um Deputado aqui querendo dar carteirada, há um Desembargador
aqui querendo dar carteirada”. Nós já tivemos centenas de episódios como estes. O
que é virtude se transformou em defeito.
No Supremo Tribunal Federal, eu atuo como defensor público e como
advogado. Como defensor público, eu defendo com os meus recursos financeiros,
porque eu pago a minha passagem — graças a Deus, eu posso fazê-lo, o Estado
não pode, mas eu sou apaixonado e sou porque quero ser. Eu acompanho os meus
processos na Defensoria Pública, eu é que me sustento, pago do meu bolso,
hospedo-me em hotel, todo mundo sabe disso. Quem convive comigo sabe o que eu
faço.
Eu dizia, havia poucos dias, no Supremo Tribunal Federal o seguinte: “Eu
passei aqui anos dizendo para os senhores: eu quero que os senhores tratem esse
pobre, negro, analfabeto, como se ele fosse um milionário, culto e de prestígio”. A
sociedade ficou tão demagógica, a imprensa criou tanta demagogia, que hoje eu
estou dizendo o seguinte: “Eu defendo um empresário poderoso, dono de um
conglomerado de indústrias, mas eu quero que os senhores o tratem como um
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pobre, um negro, despersonalizado”. Porque as virtudes viraram defeitos, nessa
deturpação de valores. A prisão preventiva é uma deturpação praticada.
Esse decreto de prisão, por exemplo... Hoje está claro, a lei é clara: o juiz, ao
decretar uma prisão preventiva, tem que agir, fundamentadamente — é o que dizem
os arts. 317, 318 e 319. Por que ele não decretou outra medida menos gravosa? Por
que ele não colocou sob vigilância eletrônica? Por que ele não limitou a atividade do
sujeito de ir a certos lugares? Esse decreto faz isso? Não! É a prisão pela prisão. A
prisão preventiva está sendo feita para punir.
Os senhores observem o seguinte: toda vez que acontece um caso como
este, ele acaba em pizza. Sabem por que ele acaba em pizza? Porque a
necessidade de dar publicidade e de aparecer é tão grande, que eles se preocupam
logo em prender. Aí, quando prendem, já têm prazos muitos curtos, a investigação
não anda, e os processos estão nas calendas gregas.
Em Brasília — a eminente Desembargadora sabe disto, só não vou dizer qual
é o processo porque ele ainda está em andamento —, criou-se um escândalo no
País, um negócio gigantesco envolvendo políticos. Aí, no meio do processo, quase
acabando o processo, dizem assim: “Queremos o HD, a escuta telefônica original do
HD da Polícia Federal”. Porque foi a Polícia Federal que transcreveu. O Juiz
Federal, colega do nosso eminente pastor, atendeu ao requerimento: “Não, é justo.
Eles querem a cópia do HD inteiro. É justo”. Não estou pedindo nem para
transcrever, nem para dizer que é chicana. Ele quer a cópia integral. Então, manda a
cópia integral e não a cópia da cópia da cópia.
A Polícia Federal informou simplesmente o seguinte: “Não sabemos onde foi
parar”. Aí, o juiz disse: “O que é que eu faço?” “Não sabemos onde foi parar”.
Antigamente, a gente queria que o juiz fosse bom, inteligente, generoso; hoje, a
gente só quer que o juiz seja honesto, trabalhador e corajoso; já está bom. Alguns
juízes ficam com medo. Se o juiz for corajoso... Sabem o que o juiz corajoso fez?
Mandou instaurar o inquérito e disse o seguinte: “Essa prova é essencial para a
defesa, estava na posse exclusiva do Estado. Enquanto esse troço não aparecer, o
processo não anda”. E travou o processo. Aí, eu disse o seguinte: “Mas, doutor, isso
vai prescrever”. Todo mundo sabe: o Tribunal sabe, o Tribunal Regional sabe, todo
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mundo sabe. Mas eu não vou atropelar. A Polícia Federal tem que dar conta dessa
fita. A gente vê esse tipo de situação.
O País precisa passar da linha, porque eventos como este não ganham
espaço na mídia. Eventos como este é que ajudam a cidadania, ajudam a construir.
Eu digo isso com tranquilidade porque até os meus 24 anos de idade eu era
marxista-leninista convicto. Eu achava que a religião era o ópio. Hoje, eu digo o
seguinte: “Sem a religião, este País estaria numa guerra civil”. (Palmas.)
As igrejas em geral assumiram um papel social que é do Estado, que é
responsabilidade do Estado. Hoje elas empregam, educam, alimentam, tudo isso. A
maior das igrejas — também não é uma crítica à Igreja Católica, porque eu não
tenho religião nenhuma, não tenho religião nem partido político; sou advogado, e
advogado não pode ter religião nem partido político. Para se crer em Deus e tentar
se comportar de maneira correta, não é necessariamente a Igreja a única opção. A
filosofia estoica que antecedeu, e em muito, as religiões contribuiu muito para a
formação das religiões.
Eu digo que o Estado não cumpre o seu papel. As igrejas cumprem o seu
papel. O que recupera os presos no sistema penitenciário — como disse a eminente
Desembargadora — são verdadeiros milagres, muitos dos quais eu vi pessoalmente.
Eu digo o seguinte: “Triste deste País se não houvesse as igrejas”. A Igreja
Católica, que é a mais rica delas — e não é porque seja católica —, é a que
proporcionalmente menos faz. E tem que fazer muito mais, porque é a mais rica, tem
mais patrimônio e tem até mais, pelo menos formalmente, fiéis.
As igrejas são fundamentais para os países em desenvolvimento ou
subdesenvolvidos. Eventuais excessos devem ser punidos. Mas puna-se quem se
desvia. Não se punem as instituições. O Congresso sofre muito disso. Alguns maus
Parlamentares difundem na mídia que o Congresso Nacional é isso, que o
Congresso Nacional é aquilo — até um Presidente da República disse que aqui
havia 400 picaretas —, desmoralizando o Congresso Nacional, ao invés de atacar
especificamente o desvio deste ou daquele Parlamentar.
Há excelentes Parlamentares no Congresso Nacional, há excelentes
Deputados, homens de profunda honradez e dignidade comprometidos com a
sociedade, tanto aqui, quanto no Senado Federal. Mas a imprensa, a demagogia, o
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL Comissão de Legislação Participativa Número: 0834/13 25/06/2013
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que é que faz? Ao invés de tentar separar o joio do trigo, ataca as instituições,
desmoralizando-as, justamente como este processo faz em Vitória. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Lincoln Portela) - Não há na nossa lista
nenhum outro inscrito entre aqueles que se inscreveram para o debate.
Informo que o conteúdo desta audiência será disponibilizado em áudio e
vídeo na página da Comissão promotora do evento: www.camara.leg.br/clp.
Nada mais havendo a tratar, encerro o presente evento, antes convidando
todos os presentes para o Seminário Bombeiros Civis Voluntários, que será
realizado por esta Comissão de Legislação Participativa no próximo dia 2 de julho,
terça-feira, às 14 horas, no Plenário 3 da Câmara dos Deputados.
Muito obrigado a todos os expositores. Muito obrigado a todos os presentes.
(Palmas.)