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Bruno Matias Lopes∗
LIMITES AO ATIVISMO JUDICIAL NO CONTROLE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E SUA INAPLICABILIDADE AO NÚCLEO ESSENCIAL
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
∗ bruno_matiaslopes@yahoo.com.br Graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora/MG. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá – Rio de Janeiro/RJ. Procurador do Estado de Minas Gerais lotado na Advocacia Regional do Estado de Juiz de Fora/MG.
LIMITES AO ATIVISMO JUDICIAL NO CONTROLE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E SUA INAPLICABILIDADE AO NÚCLEO ESSENCIAL
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Sumário: 1 – Introdução; 2 - Direitos Fundamentais: Conceito, Gerações e Classificação; 3 - O Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais; 4 – Políticas Públicas; 5 – O Ativismo Judicial e Seus Limites; 6 – A Inaplicabilidade dos Limites ao Ativismo Judicial no Controle Jurisdicional das Políticas Públicas em Face do Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais; 7 – Julgados Interessantes; 8 – Conclusão.
1 - Introdução
Tema que tem gerado intenso debate na doutrina constitucionalista é o que diz
respeito ao ativismo judicial no controle exercido pelo Poder Judiciário sobre as políticas
públicas e sobre a existência de limites a este controle.
Esse tema ganhou maior relevância a partir do estabelecimento de um modelo de
Estado constitucional de direito fundado na satisfação dos direitos fundamentais1, o que
acarreta um crescente número de demandas judiciais relativas às políticas públicas,
especialmente em relação aos direitos sociais.
Surge assim o debate e o questionamento acerca do papel do Estado na garantia
desses direitos fundamentais sociais e do papel do Poder Judiciário, e seus limites, para o caso
de o Estado ser omisso ou ineficaz na elaboração de políticas públicas que visam à proteção e
efetivação desses direitos.
Neste contexto, é que se desenvolve o presente trabalho, onde buscaremos
demonstrar, a partir de um estudo sobre a existência de uma garantia que proteja o conteúdo
essencial de um direito fundamental, se incidem ou não os limites aplicados ao ativismo
judicial no controle jurisdicional sobre as políticas públicas.
2 - Os Direitos Fundamentais: Conceito, Gerações e Classificação
Na medida em que as políticas públicas estão diretamente relacionadas à
implementação de direitos fundamentais, em especial os direitos sociais, se mostra relevante
uma breve análise sobre esta categoria de direitos, destacando-se seu conceito e gerações.
1 CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. Direitos Sociais e Controle Jurisdicional de Políticas Públicas: Uma Abordagem A Partir dos Contornos do Estado Constitucional de Direito. Revista da ESMESC, v. 18, n. 24, 2011, p. 47.
Os direitos fundamentais podem ser conceituados2 como posições jurídicas
concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do Direito Constitucional positivo, foram, por
seu conteúdo e importância (fundamentalidade material), integradas ao Texto Constitucional3
e retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal),
bem como as que, pelo seu objeto e significado, possam lhes ser equiparados, tendo ou não
assento na Constituição formal, considerando a abertura conferida pelo art. 5º, § 2º, da
Constituição de 1988.4
Quanto às gerações5 dos direitos fundamentais, podemos afirmar que sua
evolução seguiu basicamente a sequência dos princípios cardeais da Revolução Francesa do
século XVIII, quais sejam, a liberdade, a igualdade e a fraternidade.
Os direitos fundamentais de primeira dimensão - direitos civis e políticos, ligados
ao valor liberdade, e que correspondem à fase inicial do constitucionalismo ocidental, são
caracterizados como direitos de cunho negativo, já que dirigidos a uma abstenção e não a uma
conduta positiva por parte dos poderes públicos.6 Segundo Paulo Bonavides7, tem por titular o
indivíduo, traduzindo-se como faculdades ou atributos da pessoa, ostentando, ainda, uma
subjetividade, que é seu traço marcante. São direitos de resistência ou de oposição frente ao
Estado, fazendo ressaltar uma nítida separação entre o Estado e a Sociedade, e tem como
exemplos os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade.
2 Os conceitos de direitos fundamentais e direitos humanos não se confundem. Em síntese, direitos humanos são direitos relacionados aos valores liberdade e igualdade positivados no plano internacional, enquanto que os direitos fundamentais são os direitos humanos consagrados e positivados, no plano interno, pela constituição. 3 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 representa um marco no avanço da consolidação dos direitos e garantias fundamentais. Dentre outros aspectos importantes ela refere-se ao valor da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, impondo-o como núcleo básico e informador de todo ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação do sistema constitucional. Além disso, a Carta de 1988 é a primeira Constituição que integra ao elenco dos direitos fundamentais os direitos sociais e econômicos, bem como é a primeira Constituição a definir os direitos e garantias individuais como cláusulas pétreas. Sobre os avanços trazidos pela Constituição de 1988 no que se refere aos direitos fundamentais vale a pena consultar Flávia Piovesan e Renato Stanziola Vieira in Justiciabilidade dos Direitos Sociais e Econômicos no Brasil: Desafios e Perspectivas. Revista Iberoamericana de Filosofía, Política y Humanidades. Año 8, Nº 15. 4 ANDRADE SILVA, Ana Cristina Monteiro de. O Poder Judiciário como efetivador dos direitos fundamentais. Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 37, abr./jun. 2007, p.15. 5 Importante destacarmos que o termo “gerações” de direitos pode levar a falsa impressão da substituição de uma geração por outra, o que não corresponde com a realidade, onde predomina a idéia de coexistência entre as “gerações”, razão pela qual entende a doutrina mais moderna, entre eles Ingo Sarlet (A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 3ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 50), que o termo mais correto seria “dimensões”. 6 Insta ressaltar, conforme Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 1998, v. IV, p. 102) que, em relação a tais direitos, nem sempre é exigida exclusivamente abstenção, já que podem ser exigidas prestações positivas ou ajudas materiais, sem as quais é frustrado o seu exercício (como por exemplo, a liberdade de imprensa, que implica assegurar pela lei os meios necessários à proteção de sua independência frente aos poderes político e econômico). 7 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 517.
Com a industrialização e os graves problemas sociais e econômicos,
acompanhados de movimentos reivindicatórios, surgiu a exigência em relação ao Estado de
um comportamento ativo na realização da justiça social. Assim, surgiram os direitos de
segunda dimensão - direitos econômicos, sociais e culturais, ligados ao valor igualdade (em
sentido material, o que os distingue dos direitos de liberdade e igualdade formal), e que
possuem uma dimensão positiva, caracterizada por outorgarem aos indivíduos direitos a
prestações sociais estatais, como assistência social, saúde e educação.8
Os direitos sociais não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também
as liberdades sociais, como o direito de greve, a liberdade de sindicalização, a garantia de
salário-mínimo, limitação de jornada de trabalho, entre outros.9
Os direitos de terceira dimensão - direitos de solidariedade e de fraternidade,
ligados ao terceiro lema ou princípio cardeal da Revolução Francesa, a fraternidade,
caracterizam-se como direitos de titularidade coletiva ou difusa. Conforme Paulo Bonavides
tem primeiro por destinatário o gênero humano, num momento significante de sua afirmação
como valor supremo de existencialidade concreta.10 O surgimento dessa dimensão, que tem
como exemplos o direito à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio
ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e à utilização do patrimônio
histórico e cultural e o direito de comunicação, teve como causa a consciência de um mundo
dividido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas.11
Além das três clássicas dimensões acima, existe ainda quem reconheça uma
quarta dimensão, dentro da qual se encontra os direitos à democracia, à informação e ao
pluralismo, e que foi introduzida pela globalização dos direitos fundamentais, que segundo
Paulo Bonavides, significa universalizá-los institucionalmente.12
Paulo Bonavides reconhece ainda uma quinta dimensão de direitos fundamentais,
onde estaria inserido o direito à paz.13
8 ROCHA, Rosalia Carolina Kappel. A Eficácia dos Direitos Sociais e a Reserva Do Possível. Revista Virtual da AGU, Ano V, n. 46, Nov/2005, p. 4. 9 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 3ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 53. 10 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 523. 11 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 3ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 53. 12 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 525. 13 Segundo o mencionado autor (A Quinta Geração de Direitos Fundamentais. Direitos Fundamentais e Justiça, ano 2, n. 3, Abr/Jun 2008, p.91): “Com efeito, em nosso tempo a alforria espiritual, moral e social dos povos, das civilizações e das culturas se abraça com a idéia de concórdia. Essa idéia cativa a alma contemporânea, porque traz, consoante é mister, do ponto de vista juspolítico, uma ética que tem a probabilidade de governar o futuro, nortear o comportamento da classe dirigente, legitimar-lhe os atos e relações de poder.
No que se refere à classificação dos direitos fundamentais, e de acordo com a
função predominante que possa ter, a grande maioria da doutrina os divide em direitos de
defesa e direitos à prestação.14
Os direitos de defesa são aqueles que possuem caráter negativo, que exigem uma
atitude de abstenção dos poderes estatais e dos particulares, e são integrados especialmente
pelos direitos de liberdade, igualdade, direitos-garantia, garantias institucionais e direitos
políticos fundamentais. Relativamente a esta espécie de direitos a lei não é indispensável à sua
realização ou fruição, devendo, por isso, prevalecer o postulado constitucional do art. 5º, § 1º,
quanto a sua aplicabilidade imediata, já que aqui, ao contrário dos direitos sociais
prestacionais, não há, na maioria das vezes, os óbices de escassez de recursos (limite da
reserva do possível) e falta a legitimidade dos tribunais para definição e alcance da
prestação.15
De acordo com Canotilho16, são direitos cuja referência primária é a sua função de
defesa, auto-impondo-se como “direitos negativos” diretamente conformadores de um espaço
Tal elemento de concórdia aliás vai deveras além da presente direção, propelido da necessidade de criar e promulgar aquele novo direito fundamental: o direito à paz enquanto direito de quinta geração. Estuário de aspirações coletivas de muitos séculos, a paz é o corolário de todas as justificações em que a razão humana, sob o pálio da lei e da justiça, fundamenta o ato de reger a sociedade, de modo a punir o terrorista, julgar o criminoso de guerra, encarcerar o torturador, manter invioláveis as bases do pacto social, estabelecer e conservar por intangíveis as regras, princípios e cláusulas da comunhão política. O direito à paz é o direito natural dos povos. Direito que esteve em estado de natureza no contratualismo social de Rousseau ou que ficou implícito como um dogma na paz perpétua de Kant. Direito ora impetrado na qualidade de direito universal do ser humano.” 14 Podemos citar, por sua importância e completude, a classificação funcional cunhada por Robert Alexy (Teoria dos direitos fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 433 e ss.), que possui a peculiaridade de subdividir os direitos a prestações. Sua classificação pode assim ser exposta: a) Direitos de Defesa em sentido amplo: são os clássicos direitos de liberdade. Representam os direitos de defesa do cidadão em face do Estado para que este último se abstenha de intervir (ações negativas), pertencendo ao status negativo dos direitos fundamentais; b) Direitos a Prestações em sentido amplo: são os direitos que demandam, de forma genérica, ações estatais positivas. b.1) direitos a proteção: referem-se a direitos subjetivos constitucionais a ações fáticas ou normativas em face do Estado, a fim de que este último proteja o titular do direito fundamental contra intervenções lesivas de terceiros; b.2) direitos a organização e procedimento: referem-se a direitos a ações fáticas ou a prestações normativas consistentes em um direito a que o Estado inclua o titular do direito fundamental na organização ou nos procedimentos relevantes. Tais direitos se estendem a uma proteção jurídica efetiva (direitos a procedimentos) até aqueles direitos a medidas estatais de natureza organizacional (direitos a organização); b.3) direitos a prestações em sentido estrito: referem-se a direitos a prestações fáticas consistentes em um direito a que o próprio Estado tome medidas fáticas benéficas. Estes direitos se consubstanciam nos direitos fundamentais sociais. 15 ANDRADE SILVA, Ana Cristina Monteiro de. O Poder Judiciário como efetivador dos direitos fundamentais. Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 37, abr./jun. 2007, p. 15. 16 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria constitucional. 2. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1998.
subjetivo de distância e autonomia com o correspondente dever de abster ou proibir a
agressão por parte dos destinatários passivos, públicos e privados.
Os direitos fundamentais de defesa, de caráter negativo, tem por fim a limitação
do Estado para preservar as liberdades individuais, assegurando ao indivíduo um direito
subjetivo contra eventuais violações em sua autonomia pessoal ou no âmbito de proteção do
direito.
Quanto aos direitos a prestações, estes significam, em sentido estrito, direito do
particular para obter algo por meio do Estado, tal como saúde, educação e segurança social.17
Os direitos fundamentais a prestações objetivam a garantia, não apenas da
liberdade perante o Estado, mas também da liberdade por intermédio do Estado, partindo da
premissa de que o indivíduo depende de uma postura ativa dos poderes públicos no que tange
à conquista e à manutenção de sua liberdade. Os direitos a prestações exigem do Estado uma
conduta positiva no sentido de que este se encontra obrigado a colocar à disposição dos
indivíduos prestações de natureza jurídica e material. São os assim chamados “direitos de
segunda geração”, correspondendo à evolução do Estado de Direito para o Estado
democrático e social de Direito.18
Estes direitos fundamentais a prestações, ou direitos fundamentais de segunda
dimensão, possuem grande relevância quando tratamos de políticas públicas, pois grande
parte dos direitos sociais, econômicos e culturais não se realizam, ao menos em níveis
aceitáveis, sem a existência de uma política, de um serviço e/ou de uma rubrica
orçamentária.19 Ou seja, as atitudes positivas do Estado exigidas por tais direitos são
programadas, planejadas e executadas de acordo com as políticas públicas estabelecidas.
Vê-se, assim, a grande importância das políticas públicas na concretização de
referidos direitos.
Antes, porém, de abordarmos o tema relativo às políticas públicas, e já que
estamos dissertando sobre direitos fundamentais, vamos aproveitar para tratar de um
importante assunto para o desenvolvimento do tema central aqui abordado, que é a respeito da
teoria do núcleo essencial dos direitos fundamentais.
17 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria constitucional. 2. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1998. 18 ANDRADE SILVA, Ana Cristina Monteiro de. O Poder Judiciário como efetivador dos direitos fundamentais. Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 37, abr./jun. 2007, p. 16. 19 CLÈVE, Clémerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional nº 54, ano 14. São Paulo: RT, jan./mar. de 2006, p. 34.
3 - O Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais
A natureza principiológica dos direitos fundamentais, que os caracteriza como
semântica e estruturalmente abertos, exige, na maioria das vezes, sua concretização via
normas infraconstitucionais. Nesse sentido, a garantia do conteúdo essencial foi elaborada
para conter ou controlar a atividade do Poder Legislativo, buscando evitar os possíveis
excessos que possam ser cometidos no momento de regular os direitos fundamentais.
Contudo, a existência da garantia do conteúdo essencial não deve ser necessariamente
interpretada no sentido de considerar que toda regulação ou limitação legislativa dos direitos
fundamentais irá decorrer na sua desnaturalização, pois admite-se a imposição de limites, mas
sempre que observem e respeitem o conteúdo essencial do direito fundamental, ou seja,
sempre que não o desnaturalizem.20
Percebe-se, desta feita, que a idéia de núcleo essencial dos direitos fundamentais
surgiu atrelada à “Teoria dos Limites dos Limites”, que busca limitar a atuação do Poder
Legislativo em sua tarefa de regulação ou limitação dos direitos fundamentais. Podemos
afirmar, assim, que em decorrência da necessária atuação do Poder Legislativo para o
desenvolvimento dos direitos fundamentais e prevendo os possíveis excessos na atividade
legislativa foi que se tornou indispensável o desenvolvimento de uma garantia que, embora
admitindo a limitação dos direitos fundamentais, assegurasse que fossem regulados sem
perder as características que os identificam como tais.21 Surgiu deste modo a garantia do
conteúdo essencial como mecanismo complementar dos princípios da ponderação dos bens e
da proporcionalidade, na defesa dos direitos fundamentais perante os abusos do Poder
Legislativo.
De acordo com as premissas acima, podemos conceituar o núcleo essencial como
o conteúdo mínimo e intangível, núcleo duro e imodificável do direito fundamental, que em
quaisquer circunstâncias deve sempre ser protegido, sob pena de criar grave situação
inconstitucional. Desta forma, as limitações aos direitos fundamentais encontram sua
constitucionalidade na preservação do núcleo essencial, que de acordo com a teoria relativa
do núcleo essencial, abaixo examinada, deve ser analisado e determinado de acordo com as
características específicas do caso concreto.
Tratando do núcleo essencial, Gilmar Mendes, citando Konrad Hesse, afirma que
“(...) a proteção do núcleo essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do
20 LOPES. Ana Maria D’Avila. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Revista de Informação Legislativa, Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004, p. 7. 21 ABAD, Samuel. Límites y respeto al contenido esencial de los derechos fundamentales. Thémis, Lima, n. 21, 1992, p.7.
direito fundamental decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou
desproporcionais.”.22
A teorização do núcleo essencial se dá mediante a formulação de duas correntes
principais, a saber: a teoria absoluta e a teoria relativa.
A teoria relativa defende a tese de que o conteúdo de um direito fundamental só
pode ser conhecido analisando-se, em cada caso concreto, os valores e interesses em jogo. É
esse um conceito relativo porque, segundo as exigências do momento, o conteúdo poderá ser
ampliado ou restringido. Sua principal diferença com as teorias absolutas é que, para a teoria
relativa, o conteúdo essencial não é uma medida preestabelecida e fixa, na medida em que não
é um elemento estável nem uma parte autônoma do direito fundamental, mas possui valor
constitutivo, obtido a partir do controle de constitucionalidade das normas.23 Para esta teoria,
o núcleo essencial seria assim o resultado da aplicação em um caso concreto da técnica da
ponderação e do postulado da proporcionalidade.
Já a teoria absoluta defende a tese de que o conteúdo de um direito é sempre o
mesmo, sem importarem as circunstâncias de cada caso em particular. Na verdade, é uma
posição não radical porque, embora fundada em um critério fixo e pré-determinado, a
determinação do conteúdo desse critério pode variar segundo as circunstâncias do momento.24
Esta teoria apresenta o núcleo essencial como o mínimo absoluto e intangível em qualquer
hipótese, ou seja, propugna que o conteúdo de um direito é sempre o mesmo, sem importarem
as circunstâncias de cada caso em particular.
A adoção de uma ou de outra teoria implicará relevantes conseqüências, das quais,
talvez, a mais importante refira-se à primazia que irá outorgar-se ao direito fundamental em
relação ao interesse estatal. Assim, por um lado, a teoria relativa admite que a limitação de um
direito fundamental dependa apenas dos interesses contrapostos das partes em conflito, porém
aceita a possibilidade da revogação parcial ou total desse direito no caso da afetação de algum
interesse estatal; contrariamente, a teoria absoluta proclama sempre o respeito ao conteúdo
essencial do direito fundamental, o que implica garantir a existência desse direito sempre,
ainda que exista um interesse estatal em conflito.25
Conforme já afirmado anteriormente, a doutrina e a jurisprudência têm aceitado a
relativização, só que não sob o ponto de vista negativo, mas, justamente, como a afirmação da
22 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 316. 23 LOPES. Ana Maria D’Avila. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Revista de Informação Legislativa, Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004, p. 14. 24 Idem. 25 Idem.
historicidade e da exigência da constante atualização e desenvolvimento de um direito.26
Nesse sentido, a garantia do conteúdo essencial, que se atrela a “Teoria dos Limites dos
Limites”, aceita a possibilidade da limitação e regulação de um direito fundamental com a
finalidade de permitir que possa ser efetivamente exercido, mas sempre que não seja
desnaturalizado, ou seja, admite-se a imposição de limites, mas sempre que observem e
respeitem o conteúdo essencial do direito fundamental ou não o desnaturalizem. Essa
garantia, junto com os princípios da ponderação dos bens e da proporcionalidade, constitui um
mecanismo indispensável na realização dos direitos fundamentais, os quais não são direitos
absolutos, mas também não são, nem muito menos, instrumentos da arbitrariedade do
legislador.27
Importante destacar, por oportuno, que o núcleo essencial dos direitos
fundamentais, em especial dos direitos sociais, se encontra atrelado à idéia de mínimo
existencial, que segundo Ana Paula de Barcellos, “corresponde ao conjunto de situações
materiais indispensáveis à existência humana digna. (...) Mínimo existencial e núcleo
material do princípio da dignidade humana descrevem o mesmo fenômeno”.28
Neste contexto, insta ressaltar também as lições de Alexy, que diferencia os
direitos a prestações em sentido estrito sob o aspecto substancial, naqueles de conteúdo
minimalista (que em nossa visão corresponde ao mínimo existencial) e nos de conteúdo
maximalista, destacando que: 29 “o programa minimalista tem como objetivo garantir ao indivíduo o domínio de um
espaço vital e de um ‘status’ social mínimos, ou seja, aquilo que é chamado de
‘direitos mínimos’ e ‘pequenos direitos sociais’. Já um conteúdo maximalista pode
ser percebido quando se fala de uma realização completa dos direitos
fundamentais”
Lado outro, o neoconstitucionalismo, com o seu discurso jurídico axiomático
(pautado em valores na busca de reaproximação entre a ética e o direito) e tópico-
problemático-indutivo (pautado em pontos de vista, que partem do problema a resolver e,
portanto, do caso particular para o caso geral), faz necessário avançar a hermenêutica
constitucional mediante a sistematização completa da concepção espacial do conteúdo total
das normas constitucionais, e não apenas dos direitos fundamentais. Neste diapasão, a
26 LOPES. Ana Maria D’Avila. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Revista de Informação Legislativa, Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004, p. 14. 27 Idem 28 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 2.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 230. 29 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 502.
estrutura normativa dos direitos constitucionais é composta por duas partes bem distintas,
dogmaticamente independentes uma da outra, mas que compõem a mesma realidade
normativa de um determinado direito constitucional, ou seja, são partes componentes de seu
conteúdo total.
A primeira dessas partes, já analisada e conceituada acima quando se falou do
núcleo essencial dos direitos fundamentais, é chamada de parte nuclear ou parte central,
representada pelo núcleo essencial do direito, isto é, seu conteúdo mínimo, analisado de
acordo com as circunstâncias específicas do caso concreto, que deve sempre ser respeitado.
A outra parte é a parte ponderável, sujeita as técnicas de ponderação em caso de
conflito com outros direitos constitucionais.
Tratando do núcleo essencial especificadamente em relação aos direitos
fundamentais, Juan Cianciardo aduz que: 30 “O conteúdo essencial é apenas uma parte do direito fundamental, o seu núcleo
duro. Cada direito fundamental tem um setor aferível pelo legislador e outro imune
a sua atuação. Há, portanto, um conteúdo essencial e outro não-essencial. (...) O
conteúdo total de um direito fundamental seria integrado por dois círculos
concêntricos, compostos por diferentes faculdades e posições jurídicas que, em
relação a própria identificação do direito fundamental, ganham intensidade,
particularidade e relevância, na medida em que se aproximam do centro.”
(tradução nossa)
Percebe-se assim que a concepção espacial do conteúdo total das normas
constitucionais, dentre as quais os direitos fundamentais, é formada por dois círculos
concêntricos, sendo que no círculo interior encontra-se a zona central ou o conteúdo essencial,
onde a intervenção é vedada, e no círculo externo ou zona externa encontra-se a parte
ponderável, com conteúdo inicialmente protegido e onde a intervenção é submetida ao
princípio da proporcionalidade e ponderação.
Seguindo por este mesmo caminho, Ana Paula de Barcellos traz a proposição de
um modelo hermenêutico que também projeta dois círculos concêntricos, sendo o círculo
interior ocupado por condutas mínimas e diretamente sindicáveis perante o Poder Judiciário,
ou seja, é uma área nuclear com tratamento de regras jurídicas, e o círculo exterior a ser
preenchido pela deliberação democrática, ou seja, uma área não nuclear de expansão dos
princípios reservados ao legislador democrático.31
30 CIANCIARDO. Juan. El conflictismo em los derechos fundamentales. Pamplona, Eunsa, 2000, pp. 258-259. 31 BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 1/9-180.
Vê-se, assim, que a nova interpretação constitucional já incorporou a idéia de uma
estrutura normativa dual para as normas constitucionais, que como visto, são compostas por
uma parte nuclear e uma parte ponderável.32
4 – Políticas Públicas
No modelo de Estado constitucional de direito fundado na satisfação dos direitos
fundamentais as políticas públicas assumem papel relevante, haja vista que, conforme já
mencionado, grande parte dos direitos fundamentais de segunda geração, especialmente os
direitos sociais, não se realizam ou se concretizam sem a existência destas políticas.
Conceituar políticas públicas não é uma tarefa das mais simples, haja vista a
ampla pluralidade de significados existentes a depender do sujeito que a analisa. Não obstante
a amplitude existente, as definições mais comumente encontradas são as que identificam
políticas públicas como um programa de ação governamental ou então que as considerem
como uma atividade administrativa.
Para Rodolfo de Camargo Mancuso “a política pública pode ser considerada
como a conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública, em sentido largo, voltada
à consecução de programa ou meta previstos em norma constitucional ou legal (...)”.33
Já para Fábio Konder Comparato as políticas públicas são programas de ação
governamental. 34
No mesmo sentido Maria Paula Dallari Bucci:35 “Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo
ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de
planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo,
processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à
disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos
32 Não obstante a maestria dos ensinamentos trazidos pelos doutrinadores desta teoria, existe quem entenda que esta estrutura dual ainda não representa com fidelidade o conteúdo total dos direitos constitucionais. Para esta corrente, é importante acrescentar uma terceira área normativa, chamada de parte metajurisdicional, e que é uma região normativa dentro da qual o interprete da Constituição reconhece o poder discricionário do legislador e do administrador democráticos, e, em conseqüência, não concretiza o direito. Esta parte metajurisdicional corresponde a um espaço normativo negativo de caráter meramente declaratório. O ponto forte desta teoria é que ela estabelece uma parte de eficácia inconcretizável pelo Poder Judiciário, ou seja, é uma área submetida ao princípio da separação dos poderes, que é comumente utilizada como fundamento contrário ao ativismo judicial na concretização dos direitos fundamentais. Nesse sentido GÓES, Guilherme Sandoval. Neoconstitucionalismo e dogmática pós-positivista. A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Organizador Luis Roberto Barroso. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, pp. 113-150. 33 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Controle judicial das chamadas políticas públicas. In: MILARÉ, Edis, Coordenador. Ação civil pública: Lei 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. p. 730. 34 COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista dos Tribunais, ano 86, n. 737, março, São Paulo, 1997, p. 18. 35 BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. Maria Paula Dallari Bucci (organizadora). São Paulo: Saraiva, 2006, p.39.
socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, política
pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de
prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de
tempo em que se espera o atingimento dos resultados.”
Independentemente das distinções abordadas na doutrina e da pluralidade de
conceitos que possa ter, podemos entender políticas públicas, em síntese, como um conjunto
de ações, programas e planos de cunho governamental, onde são traçadas diretrizes e metas
para a concretização dos objetivos e dos direitos fundamentais dispostos na Constituição
Federal.
Em respeito à separação dos poderes fixada na Constituição Federal e de acordo
com a distribuição de competências nela sistematizada, a elaboração, implementação e
concretização de políticas públicas são atribuições dos Poderes Executivo e Legislativo, não
podendo, em princípio, o Poder Judiciário, intervir em esfera reservada a outro Poder para
substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade.
Em geral, tendo em vista que as políticas públicas instruem programas
governamentais, quem as fixa é o Governo, entendido por esses termos o Poder Executivo
como gestor maior dos negócios públicos.36
Segundo Maria Paula Dallari Bucci, o fundamento mediato e fonte de justificação
das políticas públicas é o Estado social, marcado pela obrigação de efetivação dos direitos
fundamentais positivos. 37
Vê-sê, assim, à importância nuclear das políticas públicas na atual situação do
constitucionalismo, pois são instrumentos de efetivação de direitos fundamentais.
Mas e quando esta efetivação ou concretização de um direito fundamental fica
prejudicada pela inexistência de uma política pública ou sua insuficiência?
É neste contexto que surge a questão do ativismo judicial e seus limites, do papel
do Poder Judiciário, e seus limites, para o caso de o Estado ser omisso ou ineficaz na
elaboração de políticas públicas para a proteção e efetivação dos direitos fundamentais.
5 – O Ativismo Judicial e seus Limites
Vimos anteriormente que as políticas públicas são um instrumento de efetivação
dos direitos fundamentais sociais.
36 BARROS, Sérgio Rezende de. O Poder Judiciário e as políticas públicas: alguns parâmetros de atuação. 37 BUCCI, Maria Paula Dallari. As políticas públicas e o Direito Administrativo. Revista Trimestral de Direito Público, n. 13, São Paulo: Malheiros, 1996, p. 135.
Não obstante é comum a existência de situações em que um direito desta categoria
careça de efetivação e concretização em razão de inexistência de uma política pública ou da
insuficiência da política pública existente.
Tal quadro, aliado a desigualdade social existente em nosso país, caracterizado
pela exclusão social e miséria humana, e que se revela pela situação de pobreza da maior parte
da população, que não tem acesso à educação e a saúde e nem sempre tem o que comer,
acarreta um crescente número de demandas judiciais relativas às políticas públicas e aos
direitos fundamentais sociais.
É nesta ceara que se mostra importante a questão sobre o papel do Poder
Judiciário para o caso de o Estado ser omisso ou ineficaz na proteção e concretização dessa
categoria de direito (o que na pratica se daria com a existência de políticas públicas
eficientes).
E é quando o Poder Judiciário atua para suprir omissão ou ineficácia das políticas
públicas do Estado na proteção e concretização dos direitos fundamentais, em especial
direitos sociais, que se fala em ativismo judicial.
Importa ressaltar, por oportuno, que além do ativismo judicial existem outras
formas de controle jurisdicional das políticas públicas, mas por não ser objeto do presente
trabalho não serão aqui amplamente desenvolvidas.
Podemos citar apenas como exemplo, que é possível o controle jurisdicional das
políticas públicas especialmente no tocante à eficiência dos meios empregados e à avaliação
dos resultados alcançados.38
Tratando desta espécie de controle, Marcus Aurélio de Freitas Barros39, citando
Scaff40, traz um importante julgado do Supremo Tribunal Federal, onde fica nítida a idéia de
que os gastos públicos não permitem que o legislador e muito menos o administrador
realizem gastos de acordo com sua livre consciência, de forma desvinculada aos objetivos
impostos pela Carta Constitucional. Eis a ementa do julgado41: PROCESSO OBJETIVO - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ORÇAMENTÁRIA. Mostra-se adequado o controle concentrado de constitucionalidade quando a lei orçamentária revela contornos abstratos e
38 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Controle judicial das chamadas políticas públicas. In: MILARÉ, Edis, Coordenador. Ação civil pública: Lei 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. p. 730. 39 BARROS, Marcus Aurélio de Freitas. Perfis do Controle Jurisdicional de Políticas Públicas: Parâmetros Objetivos e Tutela Coletiva. Natal, RN, 2006, p. 93. 40 SCAFF, Fernando Facury. Reserva do Possível, Mínimo Existencial e Direitos Humanos. In: Interesse Público nº 32, ano 7. Porto Alegre: Notadez, julho/agosto, 2005, p. 221. 41 STF - PLENO - ADI 2925/DF - Rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio - J. 19.12.2003 - DJ de 04.03.2005, p. 00010- LEXSTF, vol. 27, nº 316, 2005, p. 52-96.
autônomos, em abandono ao campo da eficácia concreta. LEI ORÇAMENTÁRIA - CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO - IMPORTAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS, GÁS NATURAL E DERIVADOS E ÁLCOOL COMBUSTÍVEL - CIDE - DESTINAÇÃO - ART. 177, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. É inconstitucional interpretação da Lei Orçamentária nº 10.640, de 14 de janeiro de 2003, que implique abertura de crédito suplementar em rubrica estranha à destinação do que arrecadado a partir do disposto no §4º do art. 177 da Constituição Federal, ante a natureza exaustiva das alíneas “a”, “b” e “c” do inciso II do citado parágrafo.
Pode haver também um controle de constitucionalidade dos atos normativos que
regulam determinada política pública.
Pode acontecer uma situação curiosa neste tipo de controle, na qual o ato
normativo que regula uma política pública pode ser inconstitucional e a própria política não
seja. Da mesma forma, é possível que, em razão da finalidade perseguida, determinada
política pública pode ser considerada e julgada incompatível com os objetivos traçados no
texto constitucional, que vinculam a ação do Estado, sem que nenhum dos atos
administrativos, ou nenhuma das normas jurídicas, sejam inconstitucionais.42
Voltando ao ativismo judicial, ele é conceituado por Alexandre Garrido da Silva,
como “uma espécie de atitude ou comportamento dos juízes no sentido de “participar na
elaboração de políticas que poderiam ser deixadas ao arbítrio de outras instituições mais ou
menos habilitadas (...) e, por vezes, substituir decisões políticas deles derivadas por aquelas
derivadas de outras instituições”.43
Já Luis Roberto Barroso, afirma que o “ativismo judicial é uma atitude, a escolha
de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição”.44
E continuando com a definição, referido doutrinador aduz: “A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e
intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior
interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se
manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da
Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e
independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de
inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em
critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii)
42 Nesse sentido: COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista dos Tribunais, ano 86, n. 737, p. 18-19, março, São Paulo, 1997 43 SILVA, Alexandre Garrido da; Vieira, José Ribas. Justiça transicional, direitos humanos e a seletividade do ativismo judicial no Brasil. Revista da Faculdade de Direito Candido Mendes, Rio de Janeiro, v. 1, n. 13, dez. 1996. p.57. 44 BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. p. 06.
a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em
matéria de políticas públicas”.
Há quem entenda como ativismo judicial qualquer forma de intervenção ou
controle judicial das políticas públicas, mas no presente trabalho o ativismo judicial é usado
para os casos em que há uma manifestação proativa do Judiciário na concretização dos
direitos fundamentais.
O ativismo judicial assim, na sistemática aqui adotada, caracteriza-se, em
especial, por uma atuação positiva do Poder Judiciário buscando a proteção e concretização
de um direito fundamental social, notadamente quando estamos diante de omissões
inconstitucionais, seja ela uma omissão total, caracterizada pela falta de política pública, ou
parcial, decorrente da existência de programa estatal insuficiente.
Muito se discute na doutrina acerca desta atuação positiva do Poder Judiciário e
diversos são os parâmetros e limites traçados ao ativismo judicial.
Dentre os limites citados na doutrina um dos mais importantes e sempre lembrado
por quem trata da matéria é a separação dos poderes.
Assim, importa destacar que em respeito à separação dos poderes fixada na
Constituição Federal e de acordo com a distribuição de competências nela sistematizada, a
elaboração, implementação e concretização de políticas públicas são atribuições dos Poderes
Executivo e Legislativo, não podendo, em princípio, o Poder Judiciário intervir em esfera
reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade.
O princípio da separação dos poderes tem sido o principal argumento daqueles
que, em uma postura conservadora, têm receios de uma maior fiscalização judicial das
políticas públicas e dos abusos dos poderes públicos.45
Aplicando a separação de poderes como limite ao ativismo judicial, segue
jurisprudência: EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - OBRIGAÇÃO DE FAZER - ATOS DE ADMINISTRAÇÃO - SEPARAÇÃO DE PODERES - SENTENÇA REFORMADA NO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO. - O Princípio da Independência dos Poderes e as regras específicas de caráter orçamentário e financeiro para a atuação do ente público impõem limites à atuação do Poder Judiciário, que deve apenas intervir na hipótese em que os Poderes do Estado agem de forma irrazoável ou abusiva, caracterizando-se, assim, uma injustificável inércia estatal, sendo vedada, de qualquer modo, a invasão do Poder Judiciário no cerne da discricionariedade política reservada ao Governo competente para exercer esta ou aquela atividade, sob pena de ofensa ao Princípio Constitucional da Separação dos Poderes.
45 BARROS, Marcus Aurélio de Freitas. Perfis do Controle Jurisdicional de Políticas Públicas: Parâmetros Objetivos e Tutela Coletiva. Natal, RN, 2006, p. 119.
- Apesar do disposto no art. 129, III da Constituição Federal, referente à legitimação do Ministério Público em sede de Ação Civil Pública para buscar a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, não se pode pretender substituir, pela via judicial, o exercício das funções próprias dos Poderes Legislativo e Executivo, mormente se necessária iniciativa referente a orçamento público e estabelecimento das prioridades públicas. - Sentença reformada no reexame necessário, prejudicado o recurso voluntário. AP CÍVEL/REEX NECESSÁRIO Nº 1.0511.12.000805-3/001 - COMARCA DE PIRAPETINGA - REMETENTE: JD COMARCA PIRAPETINGA - APELANTE(S): MUNICIPIO ESTRELA DALVA - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Além da separação dos poderes, outro limite ao ativismo judicial seria a falta de
legitimidade democrática do Poder Judiciário para fixar políticas públicas no lugar do
legislador e/ou administrador. Referido limite representa o que a doutrina chama de
dificuldade contramajoritária do Poder Judiciário, que, a princípio, impede que o juiz (que não
é democraticamente eleito) substitua a vontade do legislador democraticamente eleito pela sua
própria.
Através de referido limite questiona-se a legitimidade de atuação do Poder
Judiciário, cujos membros não são eleitos, em substituição daqueles que exercem mandato
popular, que foram escolhidos pelo povo.
Não bastasse isso, a efetividade dos direitos fundamentais prestacionais, que são
aqueles que dependem de uma atuação positiva do Estado, encontra-se condicionada pelas
possibilidades financeiras e orçamentárias do Estado em efetivar as políticas públicas, o que,
conforme visto, encontra-se na esfera de atribuição do Poder Executivo e Legislativo. Este
condicionamento às possibilidades orçamentárias e financeiras é a chamada reserva do
possível fática, que enfraquece a efetividade dos direitos fundamentais prestacionais, vez que
o orçamento público não tem condições de atender aos vultosos volumes de recursos
necessários a todas as demandas sociais, razão pela qual, em princípio, havendo justificativa
razoável por parte do Estado, não pode o Poder Judiciário atuar positivamente na
concretização desses direitos.
Outra limitação ao ativismo judicial e a plena efetividade dos direitos
prestacionais é a chamada reserva do possível jurídica, que tendo como base a competência
constitucionalmente atribuída ao Poder Legislativo para aprovar leis orçamentárias, impede
que o Poder Judiciário, em situações normais, crie direitos a prestações positivas sem que haja
expressa previsão legislativa para tanto.
Na concretização e realização dos direitos sociais, Gustavo Amaral disserta que a
reserva do possível significa: 46 “que a concreção pela via jurisdicional de tais direitos demandará uma escolha
desproporcional, imoderada ou não razoável por parte do Estado. Em termos
práticos, teria o Estado que demonstrar, judicialmente, que tem motivos fáticos
razoáveis para deixar de cumprir, concretamente, a norma constitucional
assecuratória de prestações positivas. Ao Judiciário competiria apenas ver da
razoabilidade e da faticidade dessas razões, mas sendo-lhe defeso entrar no mérito
da escolha, se reconhecida a razoabilidade.”
Assim é que para o mencionado doutrinador seria inviável pretender que as
prestações positivas possam, sempre e sempre (na linha da doutrina da “máxima eficácia”),
ser reivindicáveis, pouco importando as conseqüências financeiras e impossibilidades do
erário público. Tal pretensão acabaria por divorciar-se do fundamento de justiça, não apenas
porque a falta de recursos provocaria discriminações arbitrárias sobre quem receberá a
utilidade concreta e quem não a receberá (como p. ex. quem teve mais sorte na distribuição da
demanda judicial, quem conseguiu divulgação na mídia, quem reivindicou primeiro, etc.),
mas também acarretaria desequilíbrio entre as pretensões para a utilidade em debate e as
pretensões voltadas para abstenções arrecadatórias, e ainda, com anseios difusos, dirigidos
para um estado de equilíbrio social, incompatível com a desestabilização das finanças
públicas.47
Tratando da reserva do possível e da separação dos poderes em matéria de direito
à saúde, embora não cite especificadamente estes nomes, segue acórdão do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais: EMENTA: CONSTITUCIONAL - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO - NÃO CARACTERIZAÇÃO - DIREITO À SAÚDE - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA DISTRIBUTIVIDADE E DA SELETIVIDADE - INDEFERIMENTO. - Tanto o ente estatal quanto o municipal possuem legitimidade para figurarem no pólo passivo da ação de fornecimento de medicamento, haja vista que o direito à saúde é prestado aos cidadãos através de um sistema único, integrado por uma rede regionalizada e hierarquizada, composta por todos os entes federados, em que o poder é descentralizado. - Para a concretização do direito à saúde o poder público deve agir seletiva e distributivamente, não sendo possível ao magistrado determinar que o ente estatal suporte os custos de medicamentos que não foram previamente selecionados mediante critérios técnicos que indicam as necessidades mais prementes da população, sob pena de o Judiciário imiscuir-se na esfera de competência do Legislativo e do Executivo, interferindo no orçamento dos entes estatais e até mesmo na política de distribuição de saúde a todos os cidadãos, priorizando o direito de uns em detrimento do de muitos. (Apelação Cível N°
46 AMARAL, Gustavo. Interpretação dos Direitos Fundamentais e o Conflito entre Poderes. Teoria dos Direitos Fundamentais, 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 116-119. 47 AMARAL, Gustavo. Interpretação dos Direitos Fundamentais e o Conflito entre Poderes. Teoria dos Direitos Fundamentais, 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 116-119.
1.0223.06.207882-7/001 - Comarca De Divinópolis - Apelante(S): Município Divinopolis - Apelado(A)(S): Maria Da Conceição De Oliveira - Autorid Coatora: Prefeito Mun Divinopolis, Secretario Mun Saude Divinopolis - Relator: Exmo. Sr. Des. Dídimo Inocêncio De Paula).
Por fim, importada mencionar que existem outros limites ao ativismo judicial
citados na doutrina, mas que não são unanimidade e em alguns casos não possuem relação
direta com as políticas públicas, razão pela qual preferimos destacar apenas os limites mais
consagrados e citados, que são, conforme acima mencionados, a separação dos poderes, a
falta de legitimidade democrática do Poder Judiciário e a reserva do possível, esta última
subdividida em fática e jurídica. 48
6 – Inaplicabilidade dos Limites ao Ativismo Judicial no Controle
Jurisdicional das Políticas Públicas em Face do Núcleo Essencial dos Direitos
Fundamentais
Conforme visto anteriormente, o núcleo essencial dos direitos fundamentais é o
conteúdo mínimo e intangível, núcleo duro e imodificável do direito fundamental, que é
definido de acordo com o caso concreto e em quaisquer circunstâncias deve sempre ser
protegido, sob pena de criar grave situação inconstitucional. Desta forma, as limitações aos
direitos fundamentais encontram sua constitucionalidade na preservação do núcleo essencial.
Além disso, também foi afirmado que a garantia do conteúdo essencial é
concebida como um limite à atividade limitadora dos direitos fundamentais, isto é, como o
“limite dos limites”. O conteúdo essencial atua como uma fronteira que o legislador não pode
ultrapassar, delimitando o espaço que não pode ser “invadido” por uma lei sob o risco de ser
declarada inconstitucional. Por isso é que a garantia do conteúdo essencial é o limite dos
limites, indicando um limite além do qual não é possível a atividade limitadora dos direitos
fundamentais.
Assim, não resta dúvida de que se este limite for desrespeitado, ou seja, se a
limitação ou regulação do direito fundamental por parte do legislador desnaturalizar o direito
48 Nesse sentido podemos destacar a inércia e a motivação, trazidos como parâmetros ao ativismo judicial por Sérgio Rezende de Barros, in O Poder Judiciário e as políticas públicas: alguns parâmetros de atuação. A questão não é nem que a inércia e a motivação não sejam limites ao ativismo judicial, mas que são limites e características de qualquer atuação judicial, e não apenas quando falamos de ativismo judicial no controle das políticas públicas.
ou desrespeitar seu conteúdo essencial, pode o Poder Judiciário ser acionado para reprimir e
declarar esta flagrante inconstitucionalidade.49
Pois bem, a teoria do núcleo essencial dos direitos fundamentais, assim, foi criada
para controlar a atividade do Poder Legislativo, visando evitar os possíveis excessos que
possam ser cometidos no momento de regular os direitos fundamentais. Tem como
destinatário principal, desta forma, o Poder Legislativo.
Não obstante, embora direcionada ao Poder Legislativo, adquire relevante
importância junto ao ativismo judicial como controle jurisdicional das políticas públicas.
Isto porque as limitações ao ativismo judiciário (separação dos poderes, reserva
do possível e dificuldade contramajoritária do Poder Judiciário) na concretização dos direitos
fundamentais sociais não se aplicam quando estamos diante do conteúdo ou núcleo essencial
de tais direitos fundamentais, ou seja, nesta situação é plenamente possível a concretização do
direito fundamental por meio da atuação do Poder Judiciário.
Fala-se, assim, em plena sindicabilidade do núcleo essencial dos direitos
fundamentais perante o Poder Judiciário, possibilitando, inclusive, e sem a incidência dos
limites antes citados, o ativismo judicial na concretização dos direitos fundamentais.50
Dessa forma, na ausência de uma política pública (omissão total) ou na
insuficiência da política existente (omissão parcial) que acarrete violação a seu núcleo
essencial, ou seja, que impeça ou não garanta o conteúdo mínimo de um direito fundamental,
e ainda que não haja previsão orçamentária prévia, pode o Poder Judiciário atuar
positivamente outorgando ou concretizando determinado direito social.
Isto quer dizer que a separação dos poderes, a reserva do possível e a falta de
legitimidade democrática ou dificuldade contramajoritária do Poder Judiciário, não são
motivos suficientes para, no controle jurisdicional das políticas públicas, afastar o ativismo
judicial na concretização e proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais, conteúdo
mínimo que de acordo com as circunstâncias do caso concreto deve sempre ser respeitado e
garantido.
Igualmente, corrobora para a plena sindicabilidade do núcleo essencial dos
direitos fundamentais perante o Poder Judiciário, e para o ativismo judicial sem submissão
49 Nesta situação específica, quando a norma violadora do direito fundamental emanar do regramento de uma política pública, é que o controle de constitucionalidade se encaixa como uma espécie do controle jurisdicional da política pública, conforme visto anteriormente. 50 Nesse sentido, Ana Paula de Barcellos (in Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 1/9-180) ao tratar do conteúdo total dos direitos, refere-se ao núcleo essencial como uma conduta mínima, essencial e exigível. Exigível nesse caso significa a possibilidade de se recorrer ao Poder Judiciário em busca da satisfação e concretização do núcleo essencial do direito violado.
aos limites antes mencionados, o fato de esse núcleo estar intimamente ligado ao mínimo
existencial, que são aquelas condições materiais mínimas para uma vida digna e que devem
ser ofertadas pelo Poder Público sem que este possa se valer da chamada reserva do possível.
Assim, em se tratando de núcleo essencial de direito fundamental não pode o
poder público justificar a omissão de políticas públicas com base na cláusula da reserva do
possível, na separação de poderes e da dificuldade contramajoritária do Poder Judiciário para
impedir o ativismo judicial, que neste caso será legítimo.
Importa mencionar, ainda, que é comum encontrarmos julgados onde estes limites
ao ativismo judicial são superados em prol da concretização do direito fundamental. Tais
julgados, no entanto, justificam a superação dos limites em fundamentos outros, geralmente
ligados a máxima efetividade ou plena eficácia dos direitos fundamentais, e sem mencionar
acerca da aplicabilidade da teoria do núcleo essencial dos direitos fundamentais.51
Deste modo, ainda que se encontrem outros fundamentos para justificar a
superação dos limites citados, a aplicação da teoria do núcleo essencial, originalmente
destinada ao controle do Poder Legislativo, ao contexto do ativismo judicial, se revela de
grande importância, se mostrando como um argumento jurídico relevante e forte a justificar a
não incidência dos limites ao ativismo judicial no controle jurisdicional das políticas públicas.
Além disso, a aplicação de tal teoria no contexto do ativismo judicial funciona
como um importante parâmetro a pautar a atuação dos juízes nos casos concretos, pois ao
mesmo tempo em que reconhece a existência de um conteúdo mínimo e intangível, um núcleo
duro do direito fundamental, onde é plenamente legítima a concretização do direito pelo
magistrado no controle das políticas públicas, reconhece a existência de uma zona não
nuclear, parte ponderável, submetida ao princípio da proporcionalidade e ponderação, onde a
incidência de tais limites se mostra mais provável e justificável.
7 - Julgados Interessantes
Por fim, buscando evidenciar a teoria desenvolvida em casos concretos,
importante destacar alguns julgados que se mostram interessantes.
Inicialmente destaca-se, por fazer expressa menção ao núcleo essencial do direito,
trecho do voto proferido pela ilustre Desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais,
51 Dentre outros, podemos citar os seguintes fundamentos: a máxima efetividade do art. 196 da Constituição Federal que trata do direito à saúde (TJMG - Apelação Cível Nº 1.0145.10.032559-9/002); proteção ao pleno gozo do direito (TJMG - AP CÍVEL/REEX NECESSÁRIO Nº 1.0145.12.078670-5/002); mínimo existencial (STJ - AgRg no REsp 1136549/RS); aplicabilidade imediata e da plena eficácia dos direitos fundamentais (STJ - REsp 811.608/RS).
Sra. Albergaria Costa, ao tratar do direito à saúde no julgamento do Mandado de Segurança n.
1.0000.06.443869-0/000: “Além disso, por se tratar de recursos públicos, estariam eles submetidos a uma
‘reserva parlamentar em matéria orçamentária’, donde se extrai que a competência
para decidir sobre a alocação desses recursos cabe exclusivamente ao Poder
Legislativo, sem possibilidade de ingerência do Judiciário, por respeito aos
princípios constitucionais da democracia e da separação dos poderes.
O ilustre professor e Doutor em Direito pela Universidade de Munique, Ingo
Wolfgang Sarlet, elucida com propriedade o tema:
‘Embora tenhamos que reconhecer a existência destes limites fáticos (reserva do
possível) e jurídicos (reserva parlamentar em matéria orçamentária) implicam certa
relativização no âmbito da eficácia e efetividade dos direitos sociais prestacionais,
que, de resto, acabam conflitando entre si, quando se considera que os recursos
públicos deverão ser distribuídos para atendimento de todos os direitos
fundamentais sociais básicos, sustentamos o entendimento, que aqui vai
apresentado de modo resumido, no sentido de que sempre onde nos encontramos
diante de prestações de cunho emergencial, cujo indeferimento acarretaria o
comprometimento irreversível ou mesmo o sacrifício outros bens essenciais,
notadamente - em se cuidando da saúde - da própria vida, integridade física e
dignidade da pessoa humana, haveremos de reconhecer um direito subjetivo do
particular à prestação reclamada em Juízo.’
(...)
Cabe lembrar, neste contexto, que, nesta linha de entendimento, um direito subjetivo
a prestações não poderá abranger - em face dos limites já referidos - toda e
qualquer prestação possível e imaginável, restringindo-se, onde não houver
previsão legal, às prestações elementares e básicas.
(...)
Não será lícito, portanto, que o magistrado - a quem é conferido um papel de co-
participação no processo de criação do Direito -, mediante indevida ingerência na
atividade política e financeira do Estado, implemente precipitadamente um gasto
extraordinário em favor da saúde de um único cidadão, quando não seja realmente
indispensável à sua sobrevivência.
De fato, cabe às Cortes de Justiça serem "extremamente cuidadosas para não
extrapolarem suas funções institucionais", pelo que "os juízes devem interferir
somente quando o núcleo do direito à saúde estiver em risco ou quando o Executivo
e o Legislativo não souberem utilizar o poder discricionário dado a eles e passarem
a atuar de forma abusiva" (MILANEZ, Daniela. In O Direito à saúde: Uma Análise
Comparativa da Intervenção Judicial. Revista de Direito Administrativo nº 237,
Jul/Set. 2004, Rio de Janeiro, p. 208)”.
No referido voto vê-se expressamente referência à separação dos poderes, falta de
legitimidade democrática do Poder Judiciário e reserva do possível como limites ao ativismo
judicial. Da mesma forma, tratando do direito à saúde, destaca a possibilidade de interferência
dos juízes (ativismo judicial) apenas quando colocado em risco o núcleo do direito a saúde.
Já com relação ao direito à educação das crianças, segue acórdão do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais: EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO/APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO
FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO - MATRÍCULA E FREQUÊNCIA DE
MENOR EM CRECHE DA REDE MUNICIPAL - DIREITO AMPARADO PELO
ORDENAMENTO JURÍDICO VIGENTE - DEVER DO PODER PÚBLICO -
SENTENÇA CONFIRMADA.
- A matrícula de menor de seis anos de idade em creche da rede municipal é direito
amparado pelo ordenamento jurídico vigente, sendo dever do Poder Público
propiciar o acesso ao atendimento público educacional e a frequência.
- É possível e adequada a intervenção do Poder Judiciário visando à efetivação do
direito constitucional à educação, mormente ante a necessidade de implementação
de política pública decorrente de princípio constitucional circunscrito no âmbito do
denominado "mínimo existencial", não se constituindo, pois, a manifestação
jurisdicional nesse campo, em ofensa à separação de poderes, muito menos à
discricionariedade da Administração Pública.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.11.233438-8/002 - COMARCA DE BELO
HORIZONTE - AGRAVANTE(S): MUNICÍPIO BELO HORIZONTE -
AGRAVADO(A)(S): JOÃO PEDRO PINHEIRO SEIXAS
REPRESENTADO(A)(S) P/ MÃE FLAVIANE PINHEIRO GONÇALVES
Embora no referido acórdão não exista referência expressa ao núcleo essencial,
podemos dele retirar a conclusão de que o direito à matrícula de criança de seis anos de idade
em creche ou escola da rede municipal esta inserido no núcleo essencial do direito à
educação, sendo adequada a intervenção do Poder Judiciário (ativismo judicial) quando
houver violação a referido núcleo por omissão das políticas públicas.
Lado outro se fosse o caso de uma demanda judicial onde a pretensão fosse de
matrícula de criança em escolas ou curso de idioma ou língua estrangeira a situação seria a
mesma? Seria legítimo o ativismo judicial em tal caso para obrigar o Poder Público a
matricular uma criança em escola que tenha o ensino de língua estrangeira ou matricular
criança em curso de idioma?
Sem dúvida tal questão suscita debate, e não é a intenção aqui estabelecê-lo ou
discutir a importância do aprendizado de um idioma estrangeiro para a educação de qualquer
pessoa, mormente nos dias atuais caracterizados pela globalização, pelo acesso a produtos,
serviços e informações de qualquer parte do mundo.
A intenção é apenas mostrar, sem entrar em maiores discussões acerca da questão
proposta, a importância da aplicabilidade da teoria do núcleo essencial no contexto do
ativismo judicial.
8 – Conclusão
Diante do que foi visto podemos concluir que, embora a teoria do núcleo essencial
dos direitos fundamentais tenha sido elaborada tendo como destinatário o Poder Legislativo,
com o intuito de evitar possíveis excessos por parte dos legisladores no momento de regular
os referidos direitos, a proposta aqui apresentada de aplicação da mencionada teoria no
contexto do ativismo judicial no controle das políticas públicas se mostra de extrema
relevância, na medida em que permite e justifica a superação dos limites (separação dos
poderes, falta de legitimidade democrática do Poder Judiciário e reserva do possível) ao
ativismo judicial, entendido este como uma atuação proativa do Poder Judiciário na
concretização dos direitos sociais.
Assim, na ausência de uma política pública ou na insuficiência da política
existente, que acarrete violação e impeça a concretização do núcleo essencial do direito
fundamental social, e ainda que não haja previsão orçamentária prévia, pode o Poder
Judiciário atuar positivamente outorgando ou concretizando determinado direito social.
Isto quer dizer que a separação dos poderes, a reserva do possível e a falta de
legitimidade democrática ou dificuldade contramajoritária do Poder Judiciário, não são
motivos suficientes para, no exercício do controle jurisdicional das políticas públicas, afastar
o ativismo judicial na concretização e proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais,
conteúdo mínimo que de acordo com as circunstâncias do caso concreto deve sempre ser
respeitado, garantido e protegido.
Além disso, a aplicação de tal teoria no contexto do ativismo judicial funciona
como um importante parâmetro a pautar a atuação dos juízes nos casos concretos, pois ao
mesmo tempo em que reconhece a existência de um conteúdo mínimo e intangível, um núcleo
duro do direito fundamental, onde é plenamente legítima a concretização do direito pelo
magistrado no controle das políticas públicas, reconhece a existência de uma zona não
nuclear, parte ponderável, submetida ao princípio da proporcionalidade e ponderação, onde a
incidência de tais limites se mostra mais provável.
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