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INTRODUÇÃO
O Brasil é um país cujo território, em regra, não está submetido à ocorrência de
desastres naturais de grandes proporções (maremotos, ciclones, vulcões, etc.),
contudo anualmente no período das chuvas, algumas regiões sofrem um pouco mais
com tempestades, inundações e deslizamentos de terras decorrentes desses
eventos, que se traduzem em prejuízos de ordem material e sacrifício de vidas que
poderiam ser evitados.
Conforme pesquisado, constatamos que ocorreram 150 registros de desastres no
período do ano de 1900 a 2006 no Brasil, havendo um aumento significativo a partir
dos anos 70, conforme dados abaixo:
Conforme dados do EM-DAT 1(2007), ocorreram 150 registros de desastres
no período 1900-2006. Do total ocorrido, 84% foram computados a partir da década 70, demonstrando um aumento considerável de desastres nas últimas décadas. Como consequência, foram contabilizados 8.183 vítimas fatais e um prejuízo de aproximadamente 10 bilhões de dólares. Os tipos de desastres mais frequentes foram as inundações (Figura 3), representadas pelas graduais e bruscas, com 59% dos registros, seguidas pelos escorregamentos (14%). A maioria dos desastres no Brasil (mais de 80%) está associada às instabilidades atmosféricas severas, que são responsáveis pelo desencadeamento de inundações, vendavais, tornados, granizos e escorregamentos. Com exceção das inundações graduais, são fenômenos súbitos e violentos que causam grande mortandade e destruição, pois não há tempo para as pessoas procurarem abrigos ou salvarem parte dos bens existentes em suas casas
2.
1 Centro de Pesquisa em Epidemiologia de Desastres, na Escola de Saúde Pública da Universidade
Católica de Louvain, localizada em Bruxelas, na Bélgica. Localizado em:< http://www.emdat.be/ >. Consulta em 04/03/2014. 2 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). DESASTRES NATURAIS NO BRASIL. São José
dos Campos (SP), 04 de Março de 2014. Localizado em: <http://www.inpe.br/crs/geodesastres/nobras il.php>. Consulta em: 04/03/2014.
2
A ocorrência de desastres naturais no Brasil agigantou-se a partir da década de
2000, conforme informações do Nathional Geographic Brasil, apresentando um
aumento no registro de ocorrências de desastres3: “A ocorrência de desastres
naturais aumentou 268% na década de 2000, em comparação aos 10 anos
anteriores”4.
Com relação ao Estado do Espirito Santo, as maiores ocorrências de desastres
naturais são motivadas por chuvas e os maiores volumes são verificados no período
de outubro a março, percebendo-se que o aumento do volume de retenção de águas
no solo, da mesma forma que o excedente na precipitação pluviométrica situam-se
entre os meses de outubro e dezembro de cada ano,5 conforme [anexo 1] e
informações abaixo:
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e o Instituto Capixaba de Pesquisa Assistência Técnica e Extensão Rural (INCAPER), os ventos predominantes no Espírito Santo são provenientes do quadrante Nordeste (NE), sobretudo nos meses de outubro a março, meses de maior pluviosidade [...]
6.
Em função de tais eventos, na realização do projeto integrador, realizado
anualmente, pelos alunos do 6º período do curso de Direito da FAESA, nesta edição
de 2014 estes resolveram abordar o tema “Enchentes”, motivados por uma das
maiores ocorrências, já registrada, no Estado do Espirito Santo, resultado das fortes
chuvas verificadas a partir do dia 16 de Dezembro de 2013, fatos confirmados pelas
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Universidade Federal de Santa Catarina. (CEPED/UFSC). ATLAS BRASILEIRO DE DESASTRES NATURAIS. Florianópolis (SC), 2012. Localizado em: <http://150.162.127.14:8080/atlas/Brasil%20Rev.pdf. Consulta em: 04/03/2014. 4 SPITZCOVSKY, Débora. A ocorrência de desastres naturais no Brasil aumentou 268% na década
de 2000. São Paulo (SP), 16 de Setembro de 2013. Localizado no site: <http://viajeaqui.abril.com.br/materias/a-ocorrencia-de-desastres-naturais-no-brasil-aumentou-268-na-decada-de-2000-noticias>. Consulta em: 04/03/2014. 5 Estatísticas do Balanço Hídrico Climático das principais cidades do Estado, Cachoeiro de
Itapemirim, no Sul; Linhares, no Norte; e, Vitória, na parte central nos fornecem um panorama para análise. Fonte Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). 6 NASCIMENTO, Fabrício Holanda do; SARAIVA, Ana Luiza Bezerra da Costa; COELHO, André Luiz
Nascentes; e CORRÊA, Wesley de Souza Campos. Dinâmicas das Águas Superficiais, Formas de Relevo Associado e Aplicações Geotecnológicas (SIG e SR). Localizado em: < http://www.revistageonorte.ufam.edu.br/attachments/013_(ESPACIALIZA%C3%87%C3%83O%20E%20AN%C3%81LISE%20DAS%20TEMPERATURAS%20E%20PRECIPITA%C3%87%C3%95ES%20M%C3%89DIAS%20ANUAIS%20DO%20ESP%C3%8DRITO%20SANTO%20COM%20O%20USO%20DE%20GEOTECN).pdf>. Departamento de Geografia, Universidade Federal do Espirito Santo – UFES. p. 4. Consulta em: 04/03/2014.
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considerações abaixo, incluídas, pelo chefe do executivo, como justificativas no
Decreto nº 255/20137, para declaração de “Situação de Emergência no município:
CONSIDERANDO que o alto índice de precipitações pluviométricas iniciadas às 17:00h, do dia 16 de dezembro de 2013, atingindo 455 milímetros de chuva às 19:00h do dia 22 de dezembro de 2013, segundo o INCAPER, provocaram alagamentos, inundações, transbordamento de canais, deslizamento de rocha, o que afetou o Município, culminando com alagamento de ruas, danificação de casas, destruição de bueiros, deslizamento de solo e rocha, obstrução da malha viária nos bairros [...]. CONSIDEREANDO que em decorrência dos seguintes danos: Humanos - 220 pessoas desabrigadas, 15.000 pessoas desalojadas, 458.489 (Estimada IBGE/2013) pessoas afetadas; Materiais: 28.000 casas populares destruídas e/ou danificadas; CONSIDERANDO que o parecer da Coordenadoria Municipal de Defesa Civil, relatando a ocorrência deste desastre, é favorável à declaração de Situação de Emergência, [...].
A cidade escolhida para análise foi Vila Velha (ES), e o resultado de desastres
naturais motivados por tempestades, tendo como fator inundações e
desmoronamentos. Estes alagamentos são caracterizados pelo acúmulo de águas
nas ruas das cidades, decorrentes de fortes precipitações de chuvas, onde os
sistemas de drenagem são deficientes. Nas palavras de Aluísio Prado Canholi,
citado no Atlas Brasileiro de Desastres Naturais - ABDN:
Canholi (2005) explica que a drenagem urbana das grandes metrópoles foi, durante muitos anos, abordada de maneira acessória, e somente em algumas metrópoles a drenagem urbana foi considerado fator preponderante no planejamento da sua expansão. Por isso, assiste-se atualmente a um conjunto de eventos trágicos a cada período de chuvas, que se reproduzem em acidentes de características semelhantes em áreas urbanas de risco em todo o país - vales inundáveis e encostas erodíveis – inexistindo na quase totalidade de municípios brasileiros, qualquer política pública para equacionamento prévio do problema (BRASIL, 2003)
8. [...]
Percebe-se que tais ocorrências são rotineiras no Brasil, muito embora algumas
medidas sejam adotadas para minimizar o problema, o Poder Público de fato,
poderia ter adotado soluções mais eficazes para que a população não ficasse sujeita
aos prejuízos decorrentes de tais desastres.
7 VILA VELHA-ES. Decreto nº 255, de 24 de Dezembro de 2013. Dispõe sobre declaração de
Situação de Emergência nas áreas do Município afetadas por Alagamento. Disponível em: <http://www.vilavelha.es.gov.br/midia/paginas/DECRETO_255_2013_Situa%C3%A7%C3%A3o%20Emerg%C3%AAncia_Publica%C3%A7%C3%A3o%20DIOES_24_12_2013.pdf>. Acesso em: 11/03/2014. P.37. 8 Universidade Federal de Santa Catarina. (CEPED/UFSC). ATLAS BRASILEIRO DE DESASTRES
NATURAIS- Volume: Espirito Santo. Florianópolis (SC), 2011. Localizado em:< http://150.162.127.14:8080/atlas/Atlas%20Espirito%20Santo.pdf> p.31. Consulta em: 04/03/2014.
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Toda e qualquer ação para ser iniciada, precisa de uma força que a coloque em
movimento. Desta forma, para elegermos o Ramo do Direito pelo qual iniciaríamos o
estudo do tema escolhido para o nosso Projeto, fizemos pela análise das seguintes
abordagens:
O “Preâmbulo” da Constituição da República Federativa do Brasil, onde está
expresso:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia [sic] Nacional Constituinte para instruir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
9.
A seguir vimos que o mesmo Poder Constituinte denominou o Título I de nossa
Carta Magna, por “Dos Princípios Fundamentais”, elegendo tais princípios como o
marco inicial do Texto Maior e indica, sem nenhuma dúvida, a quem deve caber à
direção e comando, logo no art. 1º em seu § único, ao dispor: “Todo o poder emana
do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição”10.
No mesmo processo, para consolidar a posição do individuo como protagonista
deste cenário, pesquisamos com a leitura do Principio do Respeito à Dignidade
Humana, que Maria Helena Diniz, que a explica da seguinte forma:
Paradigma da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito e cerne de todo ordenamento jurídico. A pessoa humana e sua dignidade constituem o fundamento e fim da sociedade e do Estado, sendo o valor que prevalecerá na aplicação do direito e sobre qualquer tipo de avanço científico e tecnológico. Há uma imposição de limites ao legislador e ao operador do direito, reconhecendo-se que o respeito ao ser humano em todas as suas fases evolutivas (antes de nascer, no nascimento, no viver, no sofrer e no morrer) só é alcançado se se estiver atento à sua dignidade
11.
9 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. In: Vademecum Saraiva 2013.
15ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 7. 10
Idem, p. 7. 11
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico Universitário. 1ª ed. 3ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2011, p.469.
5
E para concluir o posicionamento, nada melhor, que buscar entender o que significa
Direito Comum, ao utilizar os ensinamentos da professora Maria Helena Diniz, que
aduz:
Denominação dada ao direito civil por ser ele o direito comum a todas as pessoas e por disciplinar o seu modo de ser e de agir, sem quaisquer referências às condições sociais e culturais. O direito comum disciplina as relações jurídicas entre pessoas enquanto pessoas [...]
12.
Portanto, inferimos ser o Direito Civil o caminho mais adequado para o inicio da
abordagem do projeto.
1 ASPECTOS JURÍDICOS DAS ENCHENTES OCORRIDAS EM VILA VELHA –
ESPIRITO SANTO, À LUZ DO DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
1.1 DIREITO CIVIL
1.1.1 INTRODUÇÃO
Para a avaliação do caso proposto sob a tutela do Direito Civil, tão ampla neste
aspecto, uma vez que podem ser abordadas diversas situações normativas civilistas,
optou-se por restringir, neste tópico, a análise das enchentes de Vila Velha
observando o direito de vizinhança e as águas.
O direito de propriedade, no campo dos direitos reais, é o mais amplo quando se
analisa a coisa em todas as suas dimensões13. É composto das quatro faculdades
jurídicas, quais sejam usar, gozar ou usufruir, dispor e reaver14. Assim, por mais que
a esfera de atuação deste direito tenha extensa amplitude, incidirá sobre ele
determinados limites e restrições, e nestes últimos, pode-se incluir a vizinhança.15
Destarte, a respeito do conceito do direito de vizinhança, ARNALDO RIZZARDO
leciona que:16
Definem-se os direitos de vizinhança como restrições impostas por interesse social, com a finalidade de harmonizar os interesses particulares dos proprietários vizinhos, mediante regras limitativas ao direito de propriedade. Formam um conjunto de normas ordenadoras das condutas dos proprietários vizinhos de modo a evitar conflitos que possam eclodir entre eles.
12
DINIZ, idem, p. 204. 13
WALD, Arnold. Direitos das Coisas. 11 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 104. 14
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume V: Direito das Coisas. 8 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 230 e 231. 15
VENOSA, Sílvio de Souza. Direito Civil: Direitos Reais. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas S.A., 2005. p. 295. 16
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. 3 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 483.
6
De fato, a convivência em comunidade revela uma série de limites a serem
respeitados, e por mais que exista a propriedade elencada no caput do artigo 5º da
Constituição Federal17 como um direito fundamental, e, portanto, a todos garantido,
há o interesse social de convivência com a sociedade e estas normas são
disciplinadas pelo direito de vizinhança18.
No Código Civil19, o direito de vizinhança está previsto no Capítulo V, do Título III
(Da Propriedade), inseridos no Livro III (Das Coisas) e dentre as diversas seções
que abrangem este capítulo, cabe destacar a seção que será o foco de análise do
caso a ser exposto e confrontado com as leis, ou seja, a Seção V com o título “Das
Águas”, que aborda os artigos 1.88 a 1.296 juntamente com o Código de Águas.
Sendo um recurso hídrico imprescindível para a sobrevivência dos seres humanos e
não sendo uma fonte inesgotável, a água deve ter a tutela do Estado para a sua
correta proteção, e diferente de como era tratada no Código Civil de 1916, ela não é
apenas uma discussão problemática quando se trata de direito de vizinhança20.
O Código de Águas, como legislação especial, abrange o tratamento jurídico das
águas públicas, particulares e comuns21. A Lei Federal nº 9.433, de 8 de janeiro de
2007 institui a Política Nacional de Recursos Hídricos22 e em seu artigo1º, incisos I e
II afirma que a água é de domínio público, recurso natural limitado que possui valor
econômico.
Desta feita, afirmando sabiamente o que outrora fora exposto, SÍLVIO DE SALVO
VENOSA preleciona:23
Em qualquer situação que se decida acerca das águas no campo privado, deve ser levada em conta a finalidade social da propriedade como princípio constitucional, ligado à utilização correta das águas. Há que se coibir abuso que desvie ou permita a utilização da água para fins egoísticos ou inúteis.
Por bem então, com o foco neste projeto, segue a hipóteses legais em que se deve
aplicar a lei civilista e o CA tomando por base caso concreto em que a enchente
provocou estragos, levando-se em consideração, é claro, o direito de vizinhança e
as águas.
17
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 5 out. 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 8 mar. 2014. 18
VENOSA, 2005, p. 296. 19
BRASIL. Lei n.º 10. 406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 8 mar. 2014. 20
VENOSA, op. cit., p. 315, nota 6. 21
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direitos Reais volume IV. 18. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 219 22
BRASIL. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Brasília, 8 jan. 1997. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9433.HTM>. Acesso em 8 mar. 2014. 23
VENOSA, op. cit., p. 316, nota 6.
7
Uma notícia publicada no jornal A Gazeta, em 18/12/2013, com o título “Muro
desaba e atinge dois caminhões em Vila Velha, ES”, mostra a realidade que o
município enfrenta em períodos críticos de chuva e esta pode ser vista abaixo:24
1.1.2 Muro desaba e atinge dois caminhões em Vila Velha, ES25.
1.1 Veículos ficaram cobertos por concreto e ninguém ficou ferido. Desabamento aconteceu no bairro Ataíde, após forte chuva.
Desabamento aconteceu no bairro Ataíde, após forte chuva, em Vila Velha. (Foto: Reprodução/TV Gazeta)
Um muro de mais de 20 metros desabou atingindo a área de um prédio vizinho e dois caminhões estacionados, durante a madrugada desta quarta-feira (18), no bairro Ataíde, em Vila Velha, Grande Vitória. Os veículos
ficaram cobertos por concreto e ninguém ficou ferido.
O dono da casa contou que, além dele, mais quatro pessoas moram no local e que, no momento do desabamento, apenas uma adolescente de 14 anos estava acordada. Segundo a testemunha, ela ouviu alguns estalos,
24
COIMBRA, Ubervalter. Muro desaba e atinge dois caminhões, em Vila Velha. A Gazeta. Publicado em: 18 dez. 2013. Disponível em: < http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2013/12/muro-desaba-e-atinge-dois-caminhoes-em-vila-velha-es.html>. Acesso em 8 mar. 2014. 25
CARLA, Daniela [repórter]; ESTEVÃO, Fernando [imagens]. Muro desaba e atinge dois caminhões em Vila Velha, ES. ESTV – 2ª Edição -Texto e Imagens reproduzidas pelo G1 da reportagem original TV Gazeta, disponível em:< http://globotv.globo.com/tv-gazeta-es/estv-2a-edicao/v/muro-desaba-e-atinge-dois-caminhoes-em-vila-velha-es/3029610/> acesso em 19/03/2014.
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mas não teve tempo de chamar os demais familiares, que acordaram logo em seguida com o barulho.
A moradora do prédio, que teve parte do muro atingido pelo desabamento, contou que é a sua residência que corre o risco de desmoronar. “Apesar da Defesa Civil ter falado que nossa residência não corre risco, tenho medo da casa de cima vir a desabar”, relata a consultora de vendas, Ariadny Bispo.
O dono de um dos veículos disse que costuma estacionar o caminhão na área e terá de arcar com o prejuízo, uma vez que o automóvel estava à venda e não tinha seguro.
Com base nesta reportagem ocorrerá a apreciação das diversas hipóteses em que
haverá a incidência do Código de Águas e do CC/02.
1.2 TUTELA JURISDICIONAL A SER APLICADA À LUZ DO DIREITO CIVIL
Como outrora discorrido, a tutela jurisdicional a ser aplicada está relacionada ao
direito de vizinhança e as águas.
Quando se trata de direito de vizinhança, este está regulando uma relação jurídica
entre os vizinhos proprietários ou até mesmo entre o proprietário e o possuidor. Tem
como seu objetivo regular o exercício do direito de um vizinho, dentro de sua
propriedade, que esteja provocando transtornos, tal como leciona ARNOLDO WALD
“[...] aos vizinhos da unidade de solo e da proximidade geográfica.”.26
Insta ressaltar também este outro ponto observado por ARNOLD WALD:27
Assim, o ato ilícito praticado dentro da área pertencente ao proprietário poderá, em determinado momento, repercutir fora dessa área, lesando direitos de terceiros e ensejando, consequentemente, uma responsabilidade.
É importante destacar que vizinhança, em matéria jurídica, não tem seu conceito
restrito apenas à contiguidade. É algo além, tal como demonstra SÍLVIO DE SALVO
VENOSA ao pontuar que:28
Vizinhança, portanto, em direito, não se confunde com simples contiguidade de prédios. O núcleo de vizinhos, a vicinitude, pode ser mais ou menos amplo. O espectro de pessoas atingidas pelo estorvo à vizinhança variará conforme a natureza do distúrbio: sonoro, gasoso, edilício, comportamental etc. [...] Deve ser considerado vizinho o prédio mais ou menos distante atingido pelo distúrbio.
Portanto, são incontáveis os dissabores que podem vir a surgir e, com certeza
surgem, das relações de vizinhança. Todo o direito aqui existente deve ser exercido
dentro dos limites estabelecidos em lei e aquele uso de propriedade que extrapole
tais restrições legais deverá ser indenizado a quem foi lesionado pelo prejuízo
causado29, em outros termos, deve-se cessar o abuso da conduta praticada.
26
WALD, 2002, p. 172. 27
WALD, loc. cit. 28
VENOSA, 2005, p. 299. 29
VENOSA, op. cit., p. 302, nota 15.
9
O uso abusivo ou anormal da propriedade é caracterizado quando o vizinho
provoque a violação das três seguintes esferas: segurança, saúde e sossego30.
Ainda consoante ensinamento de ORLANDO GOMES:31
Não será todo dano ou incômodo que se deva incluir na proibição. Atos do proprietário que os causem são permitidos, e outros devem ser tolerados pelo vizinho. Defesos são apenas os que configurem um abuso de direito de propriedade. Há, por exemplo, incômodos que são, por assim dizer, normais, pelo que devem ser tolerados. Outros, porém, passam do limite, pelo que não há obrigação de suportá-los.
Cabe destacar que não necessariamente deverá estar caracterizada a intenção do
proprietário de provocar prejuízos, ou seja, de usar de propriedade nocivamente.
Então, existem os atos abusivos e os atos excessivos que podem ser praticados
pelo responsável da propriedade32. Os atos abusivos são aqueles que se praticam
na forma culposa de seus direitos, sobrevindo frustração econômica e social,
causando algum obstáculo prejudicial ao vizinho. Já os atos excessivos são
praticados pelo vizinho quando usa de forma genuína seu direito, porém com
anormalidade.
Ainda ao que tange ao uso anormal, preceitua CARLOS ROBERTO GONÇALVES
que “[...] é tanto o ilícito como o abusivo, em desacordo com sua finalidade
econômica ou social, a boa-fé ou os bons costumes”33.
O artigo 1.277 do Código Civil dispõe que:34
Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.
Pela simples observação da exegese do dispositivo legal acima transcrito, as
interferências prejudiciais à segurança, saúde e sossego podem ser classificadas,
diferente da classificação anterior em abusivas ou excessivas, como ilegais,
abusivas e lesivas35.
Desta feita, ainda segundo CARLOS ROBERTO GONÇALVES afirma:36
30
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 223 31
Ibid., p. 224. 32
Ibid., p. 224. 33
GONÇALVES, 2013, p. 353. 34
BRASIL. Lei n.º 10. 406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 9 mar. 2014. 35
GONÇALVES, 2013, p. 351. 36
Ibid., p. 351.
10
Ilegais são os atos ilícitos que obrigam à composição do dano, nos termos do art. 186 do Código Civil [...]. Abusivos são os atos que, embora o causador do incômodo se mantenha nos limites de sua propriedade, mesmo assim vem a prejudicar o vizinho, muitas vezes sob a forma de barulho excessivo. [...] São lesivos os atos que causam dano ao vizinho, embora o agente não esteja fazendo uso anormal de sua propriedade e a atividade tenha sido até autorizada por alvará expedido por Poder Público.
Em todos os casos, havendo prejuízo causado por vizinho pelo seu uso anormal da
propriedade o mesmo deverá promover a reparação adequada a quem de direito.
1.2.3 ADEQUAÇÃO DA LEI AO CASO CONCRETO
Com base na sustentação de argumentos feitos até aqui, será possível analisar a
reportagem anteriormente citada vislumbrando a seguinte abordagem. Levando em
consideração que o muro construído, na reportagem outrora citada, seja de concreto
e ainda existia um fluxo de água natural. Porém, o muro impedia que a corrente de
água fluísse livremente, o que provocou o acúmulo do recurso hídrico e, ao cair uma
forte chuva no local, provocou o desmoronamento caracterizado no fato real, isto é,
na notícia.
Conforme descrição do caso anterior, é possível a adequação ao caso concreto
observando o artigo 1.288 do CC combinado ao artigo 69 do Código de Águas.
Assim dispõe o artigo 1.288 do CC:37
Art. 1.288. O dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as
águas que correm naturalmente do superior, não podendo realizar obras
que embaracem o seu fluxo; porém a condição natural e anterior do prédio
inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou possuidor do
prédio superior.
Segundo texto legal de tal dispositivo é perceptível afirmar que o proprietário ou o
possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que fluem naturalmente
do prédio superior, não podendo fazer obras que obstruam a passagem, tal como
observado contrariamente ao praticado no caso em comento.
O proprietário do prédio inferior é obrigado a receber as águas, já que o proprietário
do prédio superior sofrerá está limitação em seu direito de propriedade38, e, portanto,
não há que se falar em resistência de sua parte de não cumprir com o que emana da
lei.
37
BRASIL. Lei n.º 10. 406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 9 mar. 2014. 38
RIZZARDO, 2007, p. 511.
11
Já o artigo 69 do CA reza que:39
Art. 69. Os prédios inferiores são obrigados a receber as águas que correm naturalmente dos prédios superiores. Parágrafo único. Se o dono do prédio superior fizer obras de arte, para facilitar o escoamento, procederá de modo que não piore a condição natural e anterior do outro.
Em breve síntese dos dois artigos, ao vizinho do prédio inferior é garantido o
escoamento das águas para sua propriedade, sem barreiras para ter tal finalidade
atendida. Porém, observando-se o caso concreto, ao construir o muro de concreto
que tenha impedido a passagem de água, o vizinho do prédio superior infringiu o
que dispõe os dois artigos analisados neste tópico e, por este motivo, contra ele, são
cabíveis as ações de dano infecto, ação demolitória e ação de nunciação de obra
nova, explicados a seguir.
1. DIREITO PROCESSUAL CIVIL
1.1 INTRODUÇÃO
Para a solução de deslindes judiciais, cada demanda tem sua ação específica, ou
seja, uma tutela aplicável ao caso concreto que seja suficiente para suprir o direito
pleiteado nos autos frente a uma pretensão resistida40.
Consoante entendimento de ORLANDO GOMES pode-se destacar sobre as ações
judiciais a serem aplicadas a cada caso no direito de vizinhança:41
Quando o proprietário de um prédio pratica um desses atos abusivos ou excessivos, que causam dano ou incômodo intoleráveis, o vizinho pode socorrer-se dos meios jurídicos para obrigá-lo:
a) a lhe indenizar o dano causado; b) a fazer cessar os efeitos do uso nocivo da propriedade; c) a impedir que o dano seja feito.
Em outras palavras, as ações cabíveis são as ações cominatórias42, ou seja, as
ações de dano infecto, ação demolitória e ação de nunciação de obra nova.
Para tanto, basta observar o que preceitua o artigo 1.280 do CC:43
Art. 1.280. O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente.
Sendo assim, tais ações estão previstas na lei civilista.
39
BRASIL. Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934. Decreta o Código de Águas. Brasília, 10 jul. 1934. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D24643.htm>. Acesso em 09 mar. 2014. 40
ALVIM, J. E. Carreira. Teoria Geral do Processo. 11. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 17 e 18. 41
GOMES, 2004, p. 224 e 225. 42
GONÇALVES, 2013, p. 356. 43
BRASIL. Lei n.º 10. 406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 9 mar. 2014.
12
1.2 Ação de dano infecto
A ação de dano infecto, segundo assevera CARLOS ROBERTO GONÇALVES44, é
para casos em que, pelo uso anormal da propriedade, o proprietário/vizinho,
negligentemente, permita surgir ameaça da construção em questão. Para tanto,
forçando a reparação de um dano que potencialmente possa vir a existir, o vizinho
deverá, com a finalidade de se resguardar, demandar em juízo uma caução de dano
infecto. Esta ação está prevista entre os artigos 826 a 838 do CPC.
Desta feita, para o caso concreto analisado, o vizinho do prédio inferior atingido pela
queda do muro, poderia, antes, mediante a ameaça, impetrar com tal ação e assim
obter para si a segurança de ser reintegrado pelo dano causado.
1.3 Ação demolitória
Já está ação deverá ser manejada quando, depois da obra já feita, houver ameaça
de que a mesma cause danos por construção que tenha sua estrutura comprometida
por algum fato45. Sendo assim, o vizinho demandará judicialmente com foco nesta
tutela jurisdicional, requerendo ao juízo o deferimento da ação para que possa haver
a demolição da obra que comprometedora.
O artigo 1.312 do CC prevê tal ação “Art. 1.312. Todo aquele que violar as
proibições estabelecidas nesta Seção é obrigado a demolir as construções feitas,
respondendo por perdas e danos“.46
Desta forma, para o caso concreto escolhido, o vizinho do prédio inferior deverá
impetrar tal demanda contra o vizinho do prédio superior requerendo a demolição da
obra que esteja em desacordo com a lei.
1.4 Ação de Nunciação de Obra nova
Esta ação está prevista entre os artigos 934 a 940 do Código de Processo Civil47. É
caracterizada como sendo uma ação de conhecimento e segundo DANIEL AMORIM
ASSUMPÇÃO NEVES tem o objetivo de “[...] evitar o abuso do direito de construir,
proporcionando ao autor a tutela de relações jurídicas de vizinhança, condomínio ou
administrativas”. 48
Este procedimento é usado quando se tem uma obra nova, e esta, por sua vez, deve
ser capaz de modificar o estado de algo que já existia antes de sua criação49. Pois
assim, para o caso concreto em análise o vizinho do prédio inferior entraria com
44
GONÇALVES, op. cit., p. 357, nota 29. 45
GOMES, 2004, p. 225. 46
BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 9 mar. 2014. 47
BRASIL. Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em: 9 mar. 2014. 48
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2013. p. 1389. 49
NEVES, 2013, p. 2 1390.
13
ação para impedir que a obra fosse feita, pois em área de risco estava e também o
muro impedia a passagem de água.
3 ASPECTOS JURÍDICOS DAS ENCHENTES OCORRIDAS EM VILA VELHA –
ESPIRITO SANTO, À LUZ DO DIREITO DO CONSUMIDOR.
3.1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
No presente projeto, estudaremos a aplicação do Direito do Consumidor no caso em
tela, qual seja: “Enchentes no Espírito Santo - O caso Vila Velha”, enquadrando os
fatos aos fundamentos jurídicos.
14
Para uma melhor visualização da problemática, utilizaremos um caso hipotético e
analisaremos a partir da ótica do direito do consumidor, sendo o caso: “João da Silva
adquiriu uma máquina de lavar, tendo o mesmo aparentado problema em seu
funcionamento, concomitantemente as enchentes, tendo a empresa alegada em sua
defesa o fato da residência ter sido inundada, não sendo de sua responsabilidade”,
passemos então a analisar o caso, no entanto, uma breve análise histórica do
Código de Defesa do Consumidor para melhor entendermos a proteção dada ao
consumidor.
A Lei n. 8.078/9050 foi promulgada em 11 de setembro de 1990, que deu origem ao
Código de Defesa do Consumidor, visando proteger o consumidor, em substituição
ao Código Civil de 1916, o qual era aplicado anteriormente.51
A proteção ao consumidor se iniciou, na era moderna, nos Estados Unidos da
América, país símbolo do capitalismo moderno, nos anos de 1890, a partir da Lei
Shermann, cujo objetivo era evitar a formação do trust, ganhando força na década
de 60, com as associações de consumidor.52
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi concebido por professores que
elaboraram o anteprojeto e que mais tarde virou lei, por intermédio do então
Deputado Federal Geraldo Alckmin, sendo uma lei bastante moderna e muito bem
construída, gerando inspiração em outros países, tais como: Argentina, Paraguai,
Uruguai e outros países da Europa.53
A proteção ao consumidor fez-se necessária a partir da Revolução Industrial, pois o
modelo de produção se tornou único, em série, criando assim milhares de produtos
iguais, a um baixo custo, podendo assim atingir um número maior de consumidores
e consequentemente aumentar o lucro da indústria em geral.54
Essa produção em série, padronizada, teve um forte aumento no pós-segunda
guerra mundial, onde o desenvolvimento tecnológico e científico expandiu de forma
50
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Institui o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 12 mar. 2014 51
NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.2.
52 NUNES, 2008, p. 2.
53 NUNES, 2008, p. 3
54 NUNES, 2008, p. 3.
15
considerável, levando a se produzir inúmeros contratos idênticos, onde o
consumidor só teria o direito de aceitar as cláusulas impostas, o corriqueiro contrato
de adesão, não podendo negociar com o fabricante ou fornecedor as condições para
se efetivar o contrato, tais como, o preço, forma de pagamento e condições gerais55.
A partir dessa uniformização contratual, surgiu à necessidade de se proteger a parte
hipossuficiente da relação, o consumidor, posto que o mesmo não possuía as
mesmas condições de negociar, seja por incapacidade financeira, intelectual ou
técnica.
No Brasil, a aplicação do CDC foi dificultada devido à tradição do Código Civil,
sobremaneira do princípio do pacta sunt servanda, onde diz que o pacto deve ser
respeitado. O pacto aqui seria entre iguais, em termos de capacidade postulativa, o
que não ocorre nas relações de consumo, criando assim a necessidade de uma
proteção conferida por lei56.
Sendo assim, criado o Código de Defesa do Consumidor, onde define e regula os
objetos e sujeitos de uma relação de consumo, sendo tal a importância de
regulamentar essa matéria que a Carta Magna57 prevê em seus artigos: 5º, XXXII;
170, V; 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
3.1.2 CONCEITOS DE CONSUMIDOR E FORNECEDOR
O conceito de consumidor está positivado na Lei n. 8.078/9058, nos artigos 2º, caput
e parágrafo único complementado pelos artigos 17 e 29 da referida lei, como se
verifica:
Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou mesmo serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
55
NUNES, 2008, p. 3 56
NUNES, 2008, p. 5 57
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 5 out. 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 14 mar. 2014 58
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Institui o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 13 mar. 2014
16
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
Logo constatamos que no caso hipotético, João da Silva é consumidor, pois atende
todos os requisitos legais para o ser, pois é pessoa física e adquiriu produto como
destinatário final, para uso próprio, inclusive conforme a Teoria Finalista59. Sendo
assim a empresa que vendeu a máquina de lavar roupas, se encaixa na definição de
fornecedor, que o CDC60 tipifica em seu art. 3º, vejamos:
Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Logo, sendo a empresa, pessoa jurídica, privada, nacional e que desenvolve a
atividade de comercialização de produtos, enquadrando-se assim, como
fornecedora, logo regida pelo CDC, como bem explica RIZZATO NUNES[ ]:
[...] que diz respeito ao conceito de fornecedor. Este é gênero do qual o fabricante, o produtor, o construtor, o importador e o comerciante são espécies. Ver-se-á que quando a lei consumerista quer que todos sejam obrigados e/ou responsabilizados, usa o termo “fornecedor”. Quando quer designar algum ente específico, utiliza-se de termo designativo particular: fabricante, produtor, comerciante etc [ ].
Sendo assim, nos resta observar se objeto da relação contratual de compra e venda,
qual seja, a máquina de lavar roupas, se aplica a regra do art. 3º, § 1º, que define
produto, bem como serviço no § 2º, então vejamos: “Art. § 3º (...) § 1º Produto é
qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.”. Então, podemos atentar que,
mais uma vez, o CDC irá reger sobre essa relação, posto que a máquina de lavar é
um bem móvel e material[ ].
3.1.3 DISTINÇÕES DE VÍCIO E DEFEITO
Passemos a discussão do problema que a máquina de lavar roupas apresentava. O
CDC faz a distinção entre vício e defeito, o primeiro é tratado nos arts. 18 a 20 e o
59
A Teoria Finalista é aquela em que o consumidor adquire o produto para uso próprio e não como intermediário em um ciclo de produção. Enquanto a Teoria Maximalista leva em conta a destinação econômica do bem adquirido. 60
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Institui o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 12 mar. 2014
17
segundo nos arts. 12 a 14. O conceito de vício, segundo RIZZATO NUNES61, é:
“Características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços
impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e também que lhes
diminuam o valor”.
Enquanto que o defeito, sendo requisito necessário o vício, pode ser definido como:
O defeito é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao produto ou serviço, que causa um dano maior que simplesmente o mau funcionamento, o não-funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago- já que o produto ou serviço não cumpriram o fim ao qual se destinavam. O defeito causa, além desse dano do vício, outro ou outros danos ao patrimônio jurídico material e/ou moral e/ou estético e/ou à
imagem do consumidor.62
No caso em tela, a máquina de lavar apresentou vício, pois a mesma tinha um mau
funcionamento, o que na prática nos traria um problema quanto a quem pleitear o
direito de reparação do produto, podendo-se encontrar a resposta nas precisas
palavras de FILOMENO63:
É muito comum, designadamente em matéria de produtos de consumo duráveis [...] que o fornecedor imediato – ou seja, o lojista, comerciante, importador etc. – diga ao consumidor-reclamante que protesta contra um mau funcionamento, que o problema é do seu fornecedor originário [...] não há apenas a concessão de termos de garantia, pelo fabricante, como também deve ele manter uma rede de oficinas de reparos ou autorizadas de sua marca. Até porque resta ainda mais do que claro que caberá ao comerciante, caso venha a ser compelido a receber de volta um aparelho com relação ao qual não houve possibilidade de correção do vício, ressarcindo o consumidor da quantia paga, o direito de regresso em face de seu vendedor-fornecedor originário[ ].
A precisa explicação decorre do artigo 18, § 1º do CDC64, sendo de suma
importância para o caso e para o cotidiano, tendo em vista que todos somos
consumidores e somos passíveis de situações semelhantes, senão vejamos:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes
61
NUNES, 2008, p. 180. 62
NUNES, 2008, p. 181. 63
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo, 8a Ed.Atlas. 2005. p. 64
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Institui o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 12 mar. 2014
18
de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. § 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço[ ].
No entanto existe um prazo para o ajuizamento da ação pleiteando os direitos
expostos acima sobre o vício na máquina de lavar causado pela enchente no
município de Vila Velha, sendo o prazo e a incidência do Código Civil, objeto do
próximo tópico[ ].
3.1.4 PRAZOS PRESCRICIONAIS E INCIDÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL
O CDC65 postula que o prazo para reclamar de vícios aparentes é de 90 (noventa)
dias para bens duráveis, posto que a máquina de lavar comprada por João da Silva
é um bem de consumo durável. No entanto, o Código Civil nos apresenta o prazo de
30 (trinta) dias para vícios ou defeitos ocultos, prazo esse o qual é acrescido a
garantia contratual da máquina de lavar.66
Outrossim, o prazo prescricional só começa a contar a partir da entrega efetiva do
produto, pois não faria sentido se fosse diferente67, como João da Silva poderia ter
se prazo iniciado sem ao mesmo ser proprietário do bem? Por isso o CDC nos
trouxe o amparo legal em seu artigo 26, § 1º, senão vejamos:
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação
caduca em:
§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva
do produto ou do término da execução dos serviços.68
Sendo assim, João da Silva, poderá ajuizar ação pedindo a reparação do produto,
visto que ficou comprovado a relação de consumo entre ele a empresa a qual
vendeu a máquina de lavar, devendo a empresa, concorrentemente com o
fabricante, seguir o mandamento do CDC em seu art. 18, § 1º, afastando a possível
65
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. 66
FILOMENO, 2005, p.191-193. 67
NUNES, 2008, p. 375 68
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Institui o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 18 mar. 2014
19
hipótese de excludente de punibilidade de caso fortuito ou força maior, já que o
produto estava viciado mesmo anteriormente as enchentes [ ].
Passamos agora a análise do ...
4 ASPECTOS JURÍDICOS DAS ENCHENTES OCORRIDAS EM VILA VELHA –
ESPIRITO SANTO, À LUZ DO DIREITO DO TRABALHO.
Neste estudo, observaremos, à luz do Direito do Trabalho, as consequências
jurídicas nas relações de emprego, tanto para os empregadores como para os
empregados, afetados pelas enchentes ocorridas no estado do Espírito Santo.
EMPREGADOR E EMPREGADO
Para iniciarmos a análise jurídica das relações de trabalho, a priori, devemos
caracterizar dois institutos fundamentais presentes nos contratos trabalhistas, são
eles, do empregador e do empregado.
20
2.1 Empregador
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)69 define em seu art. 2º o conceito de
empregador:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. §1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
Entretanto, esta definição é altamente criticada pela doutrina por assimilar a ideia de
empregador com empresa. ORLANDO GOMES, afirma “[...] a Consolidação das Leis
do Trabalho comete o imperdoável erro de definir empregador como sendo a
empresa.”70. No mesmo sentido, complementa ALICE MONTEIRO DE BARROS,
que a empresa não é sujeito de direito, não podendo assimilar empregador e
empresa.71
Portanto, a definição correta para empregador, segundo MAURÍCIO GODINHO
DELGADO, é:
“[..] a pessoa física, jurídica ou ente despersonificado que contrata a uma pessoa física a prestação de seus serviços, efetuados com personalidade, onerosidade, não-eventualidade e sob sua subordinação.”
72
DELGADO, ainda questiona, a equiparação ao empregador descrita no §1º, visto
que, “[..] as entidades especificadas no referido parágrafo primeiro configuram-se
como empregadores típicos e não por equiparação [..] Basta que, de fato, se utilizem
da força de trabalho empregaticiamente contratada."73
69
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, 1 maio. 1943. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 24 fev. 2014. 70
GOMES, Orlando. Curso de Direito do Trabalho. 17. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 101. 71
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5. Ed. São Paulo: LTR, 2009, p. 372. 72
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. Ed. São Paulo: LTR, 2009, p. 371. 73
DELGADO, 2009, p. 372.
21
5 Empregado
Do outro lado da relação jurídica, está o empregado, sendo este, para DELGADO,
destinatário das normas protetoras que constituem o Direito do Trabalho.74 O
conceito legal para empregado está presente no caput art. 3º da CLT75:
Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Entretanto, leciona DELGADO, que o conceito de empregado presente no art. 3º é
incompleto e deve ser complementado pelo art. 2º da mesma legislação, onde
assume que a prestação do serviço deve ser pessoal.
Dentro do conceito demonstrado, podemos absorver cinco pressupostos para
caracterização do empregado: pessoa física, não-eventualidade, subordinação
jurídica, salário e pessoalidade.
6 CONTRATO DE TRABALHO
A denominação “contrato de trabalho”, do ponto de vista técnico não é a mais
adequada, visto que a expressão “trabalho” pode designar dentre outras, trabalho
autônomo, eventual, avulso e não somente a relação empregatícia.76 Sendo assim, a
expressão mais adequada seria “contrato de emprego”, a expressão traduz de forma
expressa, que o objeto do contrato é a relação de emprego.77 Entretanto, já é
consagrada na doutrina a utilização de contrato de trabalho, sendo assim, utilizá-la-
emos no decorrer da dissertação.
A CLT acaba por cometer um equívoco em seu art. 442 ao definir contrato de
trabalho como sendo, “[...] o acordo tácito ou expresso, correspondente a relação de
emprego.”78 O principal erro, está em assumir que o contrato de trabalho
corresponde a relação de emprego, quando na verdade, ele cria a relação jurídica.79
A relação jurídica, segundo GOMES, se concretiza sob o impulso de um fato
74
DELGADO, 2009, p. 331. 75
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, 1 maio. 1943. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 24 fev. 2014. 76
DELGADO, 2009, p. 463. 77
GOMES, 2005, p. 124. 78
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, 1 maio. 1943. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 25 fev. 2014. 79
BARROS, 2009, p. 236.
22
jurídico, este fato no direito obrigacional, é o acordo de vontades representado pelo
contrato.80
DELGADO consegue definir bem o contrato de trabalho:
“[...] negócio jurídico expresso ou tácito mediante o qual uma pessoa natural obriga-se perante pessoa natural, jurídica ou ente despersonificado a uma prestação pessoal, não-eventual, subordinada e onerosa de serviços.”
81
O conceito de contrato de trabalho se liga aos de empregador e empregado,
formando a relação jurídica trabalhista. Sendo imprescindível para a formação, os
elementos: pessoalidade, não-eventualidade, subordinação e onerosidade.
7 Alteração do Contrato de Trabalho
O contrato de trabalho é formado por diversas cláusulas que atribuem as obrigações
de ambas as partes. O art. 444 da CLT permite que a estipulação das cláusulas
contratuais sejam livres entre as partes, desde que respeitem as normas
trabalhistas, bem como as decisões judiciais e administrativas ou acordos e
convenções coletivas.82
Após a formação do contrato, o mesmo pode sofrer alterações, visto que a situação
tanto do empregado quanto do empregador não é constante. Entretanto, estas
modificações devem ser feitas observando o art. 468 da CLT:
Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
O dispositivo legal confirma o princípio da imodificabilidade ou princípio da
inalterabilidade contratual lesiva, afirmando que para alteração do contrato,
obrigatoriamente, há a necessidade do mútuo consentimento e ainda assim, não
causar prejuízo ao empregado.
80
GOMES, 2005, p. 122. 81
DELGADO, 2009, p. 461. 82
BARROS, 2009, p. 848.
23
As alterações contratuais podem ser unilaterais ou bilaterais, segundo BARROS, as
primeiras só serão permitidas se forem mais favoráveis ao empregado, já as
bilaterais, são possíveis, desde que não tragam prejuízo ao trabalhador.83
Basicamente, os contratos de trabalho podem se alterar de duas formas, são elas,
subjetiva e objetiva. A primeira altera os sujeitos do contrato e atinge apenas o
empregador, somente ele pode ser alterado através da chamada sucessão
trabalhista. Por outro lado, as alterações objetivas atingem as cláusulas do
contrato84, tais como, função, salário, jornada e lugar.
Como leciona DELGADO85, nas alterações objetivas, há 3 (três) princípios
trabalhistas que devem ser observados. O primeiro, já citado, é o princípio da
inalterabilidade contratual lesiva86, onde estipula que a alteração contratual não pode
causar prejuízo ao empregado. Em seguida, temos o princípio do direito de
resistência do obreiro, chamado de jus resistentiae87, o qual assegura o direito de
resistência do empregado perante ordens ilícitas ou irregulares do empregador. Por
fim, temos o princípio do jus variandi do empregador, este, inclui a prerrogativa de
adequação e redirecionamento da prestação laboral, ou seja, a modificação
unilateral do contrato pelo empregador, entretanto, só pode ser realizada em casos
excepcionais.88
Ainda a respeito do jus variandi, devemos acrescentar que a doutrina o classifica de
duas maneiras, ordinário e extraordinário. O jus variandi ordinário se traduz na
possibilidade do empregador, unilateralmente, realizar modificações no contrato de
trabalho, tais mudanças se referem a pontos não essenciais, fora das cláusulas
contratuais.89 Por outro lado, o jus variandi extraordinário, trata-se da alteração
unilateral das cláusulas do contrato de trabalho em situações especificamente
autorizadas pela ordem jurídica ou pela autorização do trabalhador (se não lhe
causar prejuízo).90
83
BARROS, 2009, p. 849. 84
DELGADO, 2009, p. 923 85
DELGADO, 2009, p. 927. 86
DELGADO, 2009, p. 928. 87
DELGADO, 2009, p. 930. 88
DELGADO, 2009, p. 930. 89
DELGADO, 2009, p. 931. 90
DELGADO, 2009, p. 932.
24
Para o fim de aplicar as características das alterações contratuais ao tema deste
estudo, utilizaremos uma situação hipotética. Suponhamos que Maria do Carmo,
residente em Vila Velha, seja contratada por Rita Aparecida para trabalhar em sua
loja de roupas na mesma localidade, com o salário de 900 reais, acrescentando
ainda outros benefícios como comissão por venda, chegando a remuneração ao
total de 1100 reais. Após 7 meses deste contrato, ocorre as enchentes que acaba
por destruir grande parte das mercadorias da loja de Rita, causando-lhe um enorme
prejuízo.
7.1.1 Redução Salarial
Para amenizar os prejuízos e reformar sua loja, Rita reduz o salário de Maria para
700 reais e retira a comissão por venda. Para analisarmos esta situação,
primeiramente, explicaremos as características da redução salarial.
A princípio, devemos separar os conceitos de remuneração e salário. A própria CLT
estabeleceu esta separação em seu Art. 45791:
Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. § 1º - Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador. § 2º - Não se incluem nos salários as ajudas de custo, assim como as diárias para viagem que não excedam de 50% (cinqüenta por cento) do salário percebido pelo empregado. § 3º - Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que fôr cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada a distribuição aos empregados.
Como observado, salário é a contraprestação do serviço devida e paga diretamente
pelo empregador ao empregado, integrando, inclusive, as importâncias descritas no
§1º. Em contrapartida, a remuneração tem um conceito mais amplo, pois abrange o
salário, com todos seus componentes e ainda, as gorjetas, que são pagas por
terceiro.92
91
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, 1 maio. 1943. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 25 fev. 2014. 92
BARROS, 2009, p. 749.
25
Entre os princípios regentes no Direito do Trabalho, há o princípio da irredutibilidade
salarial previsto no Art. 7º, inciso VI da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 (CRFB/88)93, sendo assim, a priori, uma alteração contratual que
reduzisse o salário claramente confrontaria este princípio. Entretanto, há exceções
ao princípio citado, como regra geral, o desconto só pode se dar com autorização
legal ou mediante acordo ou convenção coletiva.
Portanto, a redução do salário de Maria somente seria lícita se por uma convenção
ou acordo coletivo, fosse autorizada. Cabe ressalvar, ainda, que o dispositivo legal
503 da CLT94 estipula o limite de redução em até 25%.
7.1.2 Alteração do Local de Trabalho
Imaginemos no caso em tela, que Rita, em vez de reduzir o salário de Maria, venha
a alterar seu local de trabalho para outra filial de sua loja. Para explorar melhor o
assunto, abordaremos duas opções de alteração do local de trabalho, sendo elas, I)
Para a mesma região metropolitana, Cariacica-ES; II) Para outra região
metropolitana, Rio de Janeiro-RJ.
A mudança do local de trabalho pode ocorrer de duas maneiras, quais sejam,
remoção ou transferência. É muito importante para a análise do tema, saber
diferenciar estes termos. A remoção, como leciona BARROS, não implica na
mudança de domicílio, embora possa haver mudança de localidade.95 A doutrina e
jurisprudência entendem, que a mesma localidade se refere a mesma zona
metropolitana. Neste caso, o empregador, unilateralmente, pode alterar o local de
trabalho do empregado, pois faz parte de seu jus variandi. Entretanto, cabe
ressaltar, que o empregado tem direito ao suplemento salarial, referente a despesa
extra com transporte, conforme súmula n. 29 do Tribunal Superior do Trabalho
(TST).96
93
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 26 fev. 2014. 94
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, 1 maio. 1943. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 10 mar. 2014. 95
BARROS, 2009, p. 860. 96
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 29 do TST. Transferência - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Disponível em:
26
Por outro lado, na transferência, há a necessidade da mudança de domicílio e por
isso, como regra geral, só podem ser realizadas por ato bilateral, dependendo
assim, do consentimento do empregado. Entretanto, há exceções a esta regra, onde
o empregado pode ser transferido unilateralmente pelo empregador, são elas: a)
empregado ocupante de cargo de confiança; b) contrato com cláusula de
transferibilidade; c) extinção do estabelecimento; d) transferência provisória por
necessidade de serviço. 97
Para analisar o caso hipotético, dividiremos a análise nas duas situações propostas:
I) Na situação descrita, está caracterizada a remoção, por tanto, Maria poderá ser
alterada unilateralmente por Rita, recebendo os acréscimos decorrente do transporte
até a filial em Cariacica-ES.
II) Neste caso, temos que observar duas hipóteses. Caso a transferência seja
permanente, será necessário o consentimento de Maria para que ocorra a
transferência. Por outro lado, caso ocorra transferência temporária, Rita poderá,
unilateralmente, transferir Maria, mas há a necessidade de um pagamento
suplementar não inferior a 25% do salário, previsto no art. 469, §3º da CLT98.
8 INTERRUPÇÃO OU SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Os institutos de interrupção ou suspensão do contrato de trabalho buscam dar
segurança econômica ao trabalhador, conservando a fonte de trabalho.99 Ao
contrário da alteração contratual, eles não modificam diretamente as cláusulas do
contrato de trabalho, mas apenas sustam provisoriamente seus efeitos.100
Estes termos apesar de distintos têm semelhanças, em ambos, o empregador é
impedido de dissolver o contrato de trabalho, ainda que tenha que arcar com as
reparações devidas. Além disso, outra característica em comum, é que o
<http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_1_50.html#SUM-29>. Acesso em: 12 mar. 2014. 97
BARROS, 2009, p. 860 e 861. 98
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, 1 maio. 1943. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 12 mar. 2014. 99
BARROS, 2009, p. 867. 100
DELGADO, 2009, p. 970.
27
trabalhador, quando retornar, receberá todas as vantagens que sua categoria
recebeu enquanto ele esteve afastado.101
Por outro lado, cada instituto tem sua peculiaridade, definidas nos artigos 471 ao
476-A da nossa Consolidação102. Na suspensão do contrato de trabalho, há a
cessação temporária da prestação do serviço, não há pagamento de salário e o
período de afastamento não é computado para os efeitos legais. Em contrapartida,
durante a interrupção do contrato, há o pagamento de salário e é computado o
período de afastamento para os efeitos legais, apesar disso, não há a prestação
trabalhista por parte do empregado.103
São diversas as hipóteses para interrupção ou suspensão do contrato de trabalho,
espalhadas por todo o ordenamento justrabalhista, para este estudo citarei apenas
algumas de cada instituto:
Interrupção Suspensão
Afastamento por motivo de doença ou acidente do
trabalho até o 15º dia. (Art. 476 da CLT e 75 do
Decreto Lei n. 3048/99104
)
Afastamento por motivo de doença ou acidente do
trabalho após o 16º dia. (Art. 476 da CLT e 75 §2º do
Decreto Lei n. 3048/99)
Gozo de férias (Art. 134 da CLT) Período de licença da gestante (art. 392 da CLT)
Repouso semanal remunerado e feriados (Art. 7º, XV
da CRFB/88105
e Decreto Lei n. 605/49106
)
Durante a prestação de serviço militar obrigatório
(Art. 472 da CLT)
Quando não houver serviço na empresa. (Art. 131, VI
e 133, III da CLT)
Empregado eleito para cargo de dirigente sindical
(art. 543, § 2º da CLT)
Assim sendo, com base nos conceitos básicos de interrupção e suspensão do
contrato de trabalho, analisaremos o caso hipotético a seguir:
101
BARROS, 2009, p. 868. 102
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, 1 maio. 1943. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 13 mar. 2014. 103
BARROS, 2009, p. 868 e 869. 104
BRASIL. Decreto-lei nº. 3.048, de 06 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Brasília, 06 maio 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3048.htm>. Acesso em: 13 mar. 2014. 105
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 mar. 2014. 106
BRASIL. Decreto-lei nº 605, de 05 de janeiro de 1949. Repouso semanal remunerado e o pagamento de salário nos dias feriados civis e religiosos. Brasília, 05 jan. 1949. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0605.htm>. Acesso em: 13 mar. 2014.
28
Joana é funcionária de Paulo em sua empresa de calçados. Devido as enchentes
ocorridas, ficou impossibilitado o funcionamento da empresa. Em razão disso, Paulo
suspende o contrato de Joana, não havendo o pagamento de salário nem os
benefícios legais.
Após a análise do caso supramencionado, percebemos que a ação de Paulo é ilícita,
visto que não deveria ocorrer suspenção e sim interrupção do contrato de trabalho.
Ao abrir sua empresa, Paulo assume os riscos do negócio por força do art. 2º da
CLT107, não cabendo assim, Joana sofrer as sanções decorrentes de caso fortuito.
9 FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi instituído no Brasil em
1967108, criado pela Lei n. 5.107, de 1966109 (hoje regido pela Lei n. 8.036/90110)
sendo também previsto na CRFB/88 em seu art. 7º, III111.
Desta feita, o Fundo de Garantia tem sua formação, caracterizada no Art. 2º da Lei
8.036/90, transcrito abaixo:
Art. 2º O FGTS é constituído pelos saldos das contas vinculadas a que se refere esta lei e outros recursos a ele incorporados, devendo ser aplicados com atualização monetária e juros, de modo a assegurar a cobertura de suas obrigações. §1º Constituem recursos incorporados ao FGTS, nos termos
do caput deste artigo: a) eventuais saldos apurados nos termos do art. 12, § 4º; b) dotações orçamentárias específicas; c) resultados das aplicações dos recursos do FGTS; d) multas, correção monetária e juros moratórios devidos; e) demais receitas patrimoniais e financeiras. §2º As contas vinculadas em nome dos trabalhadores são absolutamente impenhoráveis.
107
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, 1 maio. 1943. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 15 mar. 2014. 108
BARROS, 2009, p. 1010. 109
BRASIL. Decreto-lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966. Cria o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências. Brasília, 13 set. 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5107.htm>. Acesso em: 16 mar. 2014. 110
BRASIL. Decreto-lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990. Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências. Brasília, 11 maio. 1990. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8036consol.htm>. Acesso em: 16 mar. 2014. 111
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 16 mar. 2014.
29
Sendo assim, após a análise do dispositivo legal, observa-se que o FGTS incide
sobre a remuneração e não somente sobre o salário do empregado, conforme
Súmula n. 63 do TST112. Na definição de BARROS:
“[...] é constituído de uma conta bancária formada pelos depósitos feitos pelo empregador em nome do trabalhador, na qual o primeiro deposita em nome deste último, mensalmente, 8% da sua remuneração, salvo se se tratar de contrato de aprendizagem, cuja alíquota será reduzida para 2% (art. 15, §7º, da Lei n. 8.036). Este valor é depositado na Caixa Econômica Federal, que o atualiza com juros e correção monetária, sendo ela o agente operador.”
113
O FGTS busca dar aos trabalhadores uma garantia para eventuais situações de
necessidade, e é utilizado com mais frequência, na extinção do contrato de trabalho.
O art. 20 da lei 8.036/90114 enumera as diversas situações onde é possível
movimentar a conta do Fundo de Garantia. No caso em tela, qual seja, as enchentes
no Espírito Santo, daremos enfoque ao inciso XVI do artigo supramencionado:
Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações: [...] XVI - necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural, conforme disposto em regulamento, observadas as seguintes condições: a) o trabalhador deverá ser residente em áreas comprovadamente atingidas de Município ou do Distrito Federal em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, formalmente reconhecidos pelo Governo Federal; b) a solicitação de movimentação da conta vinculada será admitida até 90 (noventa) dias após a publicação do ato de reconhecimento, pelo Governo Federal, da situação de emergência ou de estado de calamidade pública; e c) o valor máximo do saque da conta vinculada será definido na forma do regulamento. [...]
Para a aplicação e estudo do instituto, utilizaremos uma situação hipotética.
Suponhamos que Carla, residente em Vila Velha, é funcionária de uma grande
agência de viagens há 2 (dois) anos e em razão das enchentes no dia 19/12/2013
tenha sua casa devastada. A fim de restaurar sua residência, Carla faz o pedido
para a movimentação da conta em 25/01/2014.
112
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 63 do TST. Fundo de Garantia - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_51_100.html#SUM-63>. Acesso em: 17 mar. 2014. 113
BARROS, 2009, p. 1012. 114
BRASIL. Decreto-lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990. Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências. Brasília, 11 maio. 1990. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8036consol.htm>. Acesso em: 17 mar. 2014.
30
Passamos então, a análise do caso. O inciso XVI do art. 20, estipula 4 (quatro)
requisitos para a movimentação do FGTS, quais sejam: I) necessidade pessoal em
razão de desastre natural; II) residência na área afetada; III) reconhecimento da
situação de emergência pelo Governo Federal; e IV) solicitação de movimentação
em até 90 (noventa) dias após o reconhecimento da situação de emergência ou
estado de calamidade.
Como explicitado no caso, Carla, em função das enchentes, necessita do FGTS
para restauração de sua casa em vila velha, sendo assim, preenche os 2 (dois)
primeiros requisitos citados.
Em 24 de dezembro de 2013, foi decretado pelo Ministério da Integração, a portaria
nº 151 através do Diário Oficial da União (DOU)115, onde foi reconhecido a situação
de emergência dos municípios do Espírito Santo. Dentre os 45 (quarenta e cinco)
municípios citados, está Vila Velha, o qual é o município da residência de Carla.
Cabe ressaltar ainda, que Carla fez o pedido dentro do prazo de 90 dias. Temos
então, mais 2 (dois) dos requisitos preenchidos.
Por fim, vemos que o saque do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço por Carla é
lícito, uma vez, preenchidos todos os requisitos para tal. Devemos ressalvar que o
decreto nº 7664/12116 estipula que o limite de saque em decorrência de desastres
naturais é de R$ 6.220,00 (seis mil duzentos e vinte reais) e também é necessário
que não tenha ocorrido à movimentação pelo mesmo motivo no período de 12
(doze) meses anteriores a nova movimentação.
115
BRASIL. MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO. Portaria nº 151, de 24 de dezembro de 2013. Reconhece situação de emergência por procedimento sumário em municípios do Estado do Espírito Santo. Diário Oficial da União. Brasília, 24 de dez. de 2013. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/64473780/dou-secao-1-24-12-2013-pg-63>. Acesso em: 18 de mar. 2014 116
BRASIL. Decreto-lei nº 7.664, de 11 de janeiro de 2012. Dá nova redação ao art. 4o do Decreto
no 5.113, de 22 de junho de 2004, que regulamenta o art. 20, inciso XVI, da Lei n
o 8.036, de 11 de
maio de 1990, que dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS. Brasília, 11 jan. 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Decreto/D7664.htm>. Acesso em: 18 mar. 2014.
31
32
10 ASPECTOS JURÍDICOS DAS ENCHENTES OCORRIDAS EM VILA VELHA –
ESPIRITO SANTO, À LUZ DO DIREITO PENAL.
1.1 INTRODUÇÃO
Com o intuito de restringir a aplicação do Direito Penal ao presente caso deve-se
levar em consideração a situação de Emergência na área do Município de Vila Velha
que foi afetada por Alagamento obtendo um “alto índice de precipitação
pluviométrica iniciada às 17h00min, do dia 16 de dezembro de 2013, atingindo 455
milímetros de chuva às 19h00min do dia 22 de dezembro de 2013, segundo o
INCAPER, o que culminou para o alagamento de ruas, danificação de bueiros,
deslizamentos de solo e rocha e obstrução da malha viária nos bairros117”.
Diante disso, constataram-se que os “danos humanos foram de 220 pessoas
desabrigadas, 15.000 pessoas desalojadas, 458.489 (Estimada IBGE/2013) pessoas
afetadas e de danos materiais foram 28.000 casas populares destruídas e/ou
danificadas118”. Por conta disso, o governo para amenizar tal calamidade concedeu
o direito aqueles que ficaram prejudicados de poderem sacar o FGTS para cobrirem
os prejuízos decorrentes de tal desastre, mas algumas pessoas que não possuíam
direito a tal beneficio usaram de meio fraudulento com o intuito de obterem a
vantagem ilícita. Conforme noticia abaixo119.
117
VILA VELHA-ES. Decreto nº 255, de 24 de Dezembro de 2013. Dispõe sobre declaração de Situação de Emergência nas áreas do Município afetadas por Alagamento. Disponível em: <http://www.vilavelha.es.gov.br/midia/paginas/DECRETO_255_2013_Situa%C3%A7%C3%A3o%20Emerg%C3%AAncia_Publica%C3%A7%C3%A3o%20DIOES_24_12_2013.pdf>. Acesso em: 11/03/2014. 118
VILA VELHA-ES, loc. cit. 119
ALCALDE, Nádia.Sim noticias: Doze pessoas são presas tentando fraudar documentos para retirada do FGTS em Vila Velha. Disponível em: <http://simnoticias.com.br/2012/index.php/destaque/item/11102-doze-pessoas-sao-presas-tentando-fraudar-documentos-para-retirada-do-fgts-em-vila-velha>. Acesso em: 19/03/2014.
33
Sendo assim, o Capítulo VI do Código de Direito Penal trata do “DO ESTELIONATO
E OUTRAS FRAUDES”, entre os quais abrange, além do caput, “Fraude para
recebimento de indenização ou valor de seguro”, desta forma temos:
Estelionato
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. § 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º. § 2º - Nas mesmas penas incorre quem: [...] Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro [...]
34
§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência
120.
Diante do exposto segue a análise do tipo penal em relação ao caso concreto.
2.1 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA DO TIPO PENAL
Analisando a figura típica fundamental Rogério Greco em sua doutrina tipifica o
crime de estelionato do artigo 171 do CP em: “crime comum; doloso; material;
comissivo; de forma livre; instantâneo; de dano e plurissubsistente121”.
Para melhor compreensão do caso em tela, estaremos abrangendo a referida
classificação mais detalhadamente a seguir.
10.1.1 Crime Comum
O doutrinador Greco testifica que o “crime comum é aquele que pode ser praticado
por qualquer pessoa (furto, estelionato, roubo) não exigindo o tipo penal nenhuma
qualidade especial (peculato, concussão, infanticídio) para que se possa apontar o
sujeito ativo122”. Neste caso, os supostos réus utilizaram-se de documentação falsa
para atingirem o objetivo que era a retirada do FGTS do banco.
10.1.2 Crime Doloso
“Dolo é a vontade e consciência dirigidas a realizar a conduta prevista no tipo penal
incriminador”. Conforme Hans Welzel apud Rogério Greco leciona que “toda ação
consciente é conduzida pela decisão da ação, quer dizer, pela consciência do que
120
BRASIL. Decreto Lei nº 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Institui o Código de Direito Penal. In: Vademecum 2013. 15ª. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 544. 121
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. vol. 3, Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 232. 122
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. v. 2, Rio de Janeiro: Impetus, 2005. p. 107.
35
se quer – o momento intelectual – e pela decisão a respeito de querer realizá-lo – o
momento volitivo123”.
10.1.3 Crime Material
Damásio de Jesus certifica que o “crime material é aquele cujo tipo descreve o
comportamento e menciona o resultado, exigindo a sua produção124.” Tal afirmação
leva o Nucci a explicar que se faz necessário “conseguir um beneficio ou lucro ilícito
em razão do engano provocado a vitima125”, neste caso, o Estado.
10.1.4 Crime Comissivo
“São os crimes, é a regra, cujos tipos descrevem um comportamento positivo,
consistindo, assim num fazer o que a lei proíbe (matar, furtar etc.)126”
10.1.5 Crime de forma livre
Damásio de Jesus diz que o “crime de forma livre são os que podem ser cometidos
por meio de qualquer comportamento que cause determinado resultado127”. E Nucci
ratifica que “são delitos de forma livre os que podem ser praticados de qualquer
modo pelo agente, não havendo, no tipo penal, qualquer vinculo com o método.” 128
Tal afirmação é verificada no momento em que os supostos estelionatários se
utilizam de documentação falsa para obterem tal benefício.
10.1.6 Crime Instantâneo
123
Ibid., p. 183. 124
JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Especial. 2 v, 31ª Ed, São Paulo:Saraiva. 2011, p. 474. 125
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10º Ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 809. 126
QUEIROZ, Paulo. Direito Penal: Parte Geral. 4 ed, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 164. 127
JESUS. Damásio de, Direito Penal: Parte Geral. Vol. 1, 26 Ed, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 212. 128
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 4. ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.p 175
36
O doutrinador Bitencourt rege que:
Crime instantâneo é o que se esgota com a ocorrência do resultado. Instantâneo não significa praticado rapidamente, mas significa que uma vez, realizados os seus elementos nada mais se poderá fazer para impedir sua ocorrência. Ademais, o fato de o agente continuar beneficiando-se com o resultado, como no furto, não altera a sua qualidade de instantâneo. Permanente é aquele crime cuja consumação se alonga no tempo, dependente da atividade do agente, que poderá cessar quando este quiser (cárcere privado, sequestro)
129.
Fica evidente que a referida classificação se amolda, ao que concerne a presente
situação, pois os supostos falsos beneficiários, se houvessem efetuado os saques
do FGTS e fossem descobertos posteriormente através de averiguação de
documentação falsa declarada e com isso restituíssem o valor sacado, a fim de,
afastar o tipo penal, já estaria configurado o delito. Pois, uma vez praticado todos os
atos pelos supostos réus estaria configurado o delito em tela nada mais havendo
que se fazer.
10.1.7 Crime de Dano
“São aqueles que, para a sua consumação, deve haver a efetiva lesão ao bem
juridicamente protegido pelo tipo. A conduta do agente, portanto, é dirigida
finalisticamente a produzir o resultado, resultando em dano ou lesão para o bem
protegido pelo tipo penal.130”
10.1.8 Crime Plurissubsistente
O “crime plurissubsistente é aquele que se consuma com diversos atos131”. O agente
cogita, prepara-se e executa a infração penal em momentos distintos e
129 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte Geral. v. 1, 15. Ed, São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 255. 130
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. v. 2, Rio de Janeiro: Impetus, 2005. p. 117. 131
FULGENCIO, Paulo Cesar. Glossário Vade Mecum Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 179.
37
visualizáveis132. Neste caso, os supostos réus usaram a documentação falsa (crime-
meio) com o propósito de efetuarem a retirada (crime-fim) do FGTS.
3.1 SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO
Por tratar-se de crime comum (vide item 1.2.1) o delito em tela pode ser praticado
por qualquer sujeito. Enquanto que o sujeito passivo é a pessoa enganada, ou seja,
aquela que sofreu o prejuízo, neste caso, o Estado133.
4.1 ELEMENTO DO TIPO
A ação nuclear consistiu no emprego de artifício, fraude no sentido material, em que
os agentes empregaram um estratagema para induzir em erro os empregados do
banco, levando-os a terem uma errônea percepção dos fatos a fim de obterem, para
si, vantagens ilícitas134. Segundo Mirabete, “o artifício existe quando o agente se
utilizar de um aparato que modifica, ao menos aparentemente, o aspecto material da
coisa, figurando entre esses meios o documento falso ou outra falsificação qualquer,
o disfarce, a modificação por aparelhos mecânicos ou elétricos, filmes, efeitos de luz
etc135”.
5.1 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
O momento consumativo ocorrerá com a obtenção da vantagem ilícita indevida, em
prejuízo do Estado136. Enquanto que a tentativa também se faz presente, para este
caso em tela, pois alguns agentes não lograram êxito na vantagem indevida por
132
GRECO, op cit., p. 137. 133
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – vol. 2 - parte especial arts. 121 a 212. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 572. 134
Ibid., p. 570. 135
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 17 ed, v 2, São Paulo: Atlas, 2001, p. 301. 136
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – vol. 2 - parte especial arts. 121 a 212. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 573.
38
circunstancias alheias à sua vontade, visto que, o meio era totalmente eficaz para a
ocorrência de tal delito.
6.1 CRIME IMPOSSÍVEL
Na conceituação de Fernando Capez, "é aquele que, pela ineficácia total do meio
empregado ou pela impropriedade absoluta do objeto material é impossível de se
consumar137." Sendo assim, as 12 pessoas que foram detidas estão sendo
investigadas pela prática do crime tentado, visto que, se utilizaram de comprovantes
residências que constavam o mesmo endereço e número de autenticação, desta
forma, eles não lograram êxito na consumação do delito “em razão de a CAIXA ter
detectado indícios de fraude e realizado o bloqueio preventivo das contas do
FGTS138.”
7.1 OBJETO JURIDICO
“A inviolabilidade do patrimônio no que diz respeito a reprimir a fraude causadora de
dano ao patrimônio do indivíduo139”.
8.1 OBEJTO MATERIAL
O agente emprega meio fraudulento capaz de iludir o Estado com a finalidade de
obter vantagem ilícita em prejuízo da coletividade140.
137
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. vol. 1: parte geral - 11 Edição revisada e atualizada - São Paulo: Saraiva, 2007, p. 256 138
JusBrasil. TRF-2 - RSE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO : RSE 200950010099425. Julgamento de 29 de Setembro de 2011. Localizado em: http://trf-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23484686/rse-recurso-em-sentido-estrito-rse-200950010099425-trf2. Consulta em: 05/03/2014. 139
CAPEZ. Op. cit., p. 570. 140
Ibid., p. 571.
39
9.1 ELEMENTO SUBJETIVO
É o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de realizar a conduta
fraudulenta em prejuízo alheio141. Tal conduta é classificada pelo Código Penal da
seguinte forma:
Art. 18 - Diz-se o crime:
Crime doloso I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; [...]
142
Preleciona Julio Fabbrini Mirabete:
“Ao examinar a conduta, verifica-se que, segundo a teoria finalista, é ela um comportamento voluntário (não reflexo) e que o conteúdo da vontade é seu fim. Nessa concepção, a vontade é o componente subjetivo da conduta, faz parte dela e dela é inseparável. [...] Toda ação consciente é dirigida pela consciência do que se quer e pela decisão de querer realizá-la, ou seja, pela vontade. A vontade é querer alguma coisa e o dolo é a vontade dirigida à realização do tipo penal.”
143
Para o caso em tela, o crime de “estelionato somente pode ser praticado
dolosamente, não havendo previsão para a modalidade culposa144”. Logo, os
agentes que apresentaram comprovantes residenciais falsos assumiram o resultado
ou o risco de produzi-los.
10.1.9 CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA
O art. 171, § 3º do CP, rege que “a pena aumenta-se de um terço, se o crime é
cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia
141
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – vol. 2 - parte especial arts. 121 a 212. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 574. 142
BRASIL. Decreto Lei nº 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Institui o Código de Direito Penal. In: Vade Mecum 2012. 13ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 510. 143
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal,vol. I. 17 ed, v 2, São Paulo: Atlas, 2001, p. 126. 144
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Vol. 3, Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 234.
40
popular, assistência social ou beneficência.” Logo, esta majorante leva em
consideração o sujeito passivo da infração penal que para o caso em tela é a Caixa
Econômica Federal uma entidade de direito público interno. Conforme esclarece
Hungria apud Rogério Greco:
“É todo aquele que serve a direto interesse econômico do povo ou indeterminado número de pessoas (bancos populares, cooperativas, caixas Raiffeisen, sociedades de mutualismo etc). Instituto de assistência social ou de beneficência é o que atende a fins de filantropia, de solidariedade humana, de caridade, de altruístico socorro aos necessitados em geral, de interessado melhoramento moral ou educacional.”
Por conta disso, os réus que obtiveram êxito no estelionato, e que até o presente
momento não foi registrado, responderam por esta qualificadora, embora, seja “o
saque do FGTS de propriedade do próprio fundista o Ministério Público Federal
entende que o FGTS cumpre verdadeira função social definida, o saque fraudulento
do Fundo tem uma vitimização difusa, motivo pelo qual se trata de vantagem
indevida obtida em prejuízo alheio.145”
10.1.10 CONCURSO DE CRIMES
Por ser uma questão bastante acalorada tanto na doutrina quanto na jurisprudência
relativa a pratica do delito de estelionato mediante o uso de documento falso existem
cinco posições jurisprudências, entretanto, será abordado a que tem predominado
nos tribunais, Greco preleciona que:
O crime-fim (estelionato) deverá absorver o crime-meio (falsidade documental). Na verdade, o agente somente levou a efeito a falsidade documental para que pudesse ter sucesso na prática do crime de estelionato, razão pela qual deverá responder tão somente por esta última infração penal
146.
O maior problema desse raciocínio é que em algumas situações, as penas previstas
para o crime-meio são maiores do que aquelas previstas para o delito-fim, levando-
145
JusBrasil. TRF-2 - RSE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO : RSE 200950010099425. Julgamento de 29 de Setembro de 2011. Localizado em: http://trf-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23484686/rse-recurso-em-sentido-estrito-rse-200950010099425-trf2. Consulta em: 05/03/2014. 146
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Vol. 3, Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 250.
41
se em consideração que a gravidade da infração penal é medida pela pena a ela
cominada147. Isto posto, o Superior Tribunal de Justiça se posicionou da seguinte
forma ao editar a Súmula abaixo:
SÚMULA 17: Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido
148.
Isto quer dizer que a absorção do crime-meio (falsidade) pelo crime-fim (estelionato),
somente será cogitada quando não restar, depois de sua utilização, qualquer
potencialidade ofensiva. Assim, por exemplo:
A carteira de identidade falsa, utilizada para que pudesse abrir o crediário em seu nome e, com isso, trazer prejuízo ao proprietário da coisa, pois não era a sua intenção honrar com os pagamentos, ainda tinha potencialidade lesiva, ou seja, ainda poderia ser utilizada na prática de outros delitos, razão pela qual deveria ser reconhecido o concurso de crimes
149.
Desta forma, o meio artificioso empregado para ludibriar a Caixa Econômica Federal
na apresentação de comprovante residencial falso, crime-meio, se for o caso, será
absorvido pelo estelionato, crime-fim, conforme explicação acima, pois findada a sua
utilização não restava qualquer potencialidade ofensiva.
10.1 COMPETÊNCIA
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) rege em seu
artigo 109, I, que compete processar e julgar aos juízes federais as causas em que a
União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na
condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de
acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho150;
11.1 AÇÃO PENAL
147
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Vol. 3, Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 250. 148
BRASIL. Súmulas do Superior Tribunal de Justiça. In: Vade Mecum 2012. 13ª. Ed, São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1813. 149
GRECO. op cit., p. 251. 150
BRASIL. Constituição Federal. In: Vade Mecum 2012. 13ª. Ed, São Paulo: Saraiva, 2012, p. 44.
42
A ação penal segundo preleciona Marques apud Tomaz M. Shintati consiste no
“direito que tem o Estado-Administração, em face do Estado-Juiz, ao julgamento
sobre o mérito de uma pretensão punitiva regularmente deduzida na acusação151”.
No caso em tela, o crime de Estelionato do artigo 171 do CP é configurado como de
Ação Pública Incondicionada. Diz ser incondicionada porque “é aquela promovida
pelo Ministério Público, sem que haja manifestação de vontade de quem quer que
seja.152”. No mesmo sentido Bitencourt confirma que “o Ministério Público não
necessita de autorização ou manifestação de vontade de quem quer que seja para
iniciá-la. Basta constatar que está caracterizada a prática do crime para promover a
ação penal.153"
12.1 APLICAÇÃO DO ARTIGO 171 DO CP
Conforme o julgado abaixo, o uso de meios fraudulentos, para liberação dos valores
relativos ao FGTS configura-se o crime tipificado como no caso em tela:
TRF-2 - RSE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO RSE 200950010099425 (TRF-2) Data de publicação: 04/10/2011. Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (ART. 581 , I DO CPP ). ESTELIONATO QUALIFICADO (ART. 171 § 3º , DO CP ). CONSUMAÇÃO E TENTATIVAS FRAUDULENTAS DE SAQUES DO FGTS PELOS PRÓPRIOS FUNDISTAS. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA AO FUNDAMENTO DE AUSÊNCIA DE TIPICIDADE. RECURSO PROVIDO PARA RECEBER A DENÚNCIA. I - O uso de meio fraudulento para liberar valores relativos ao FGTS ajusta-se ao tipo penal do estelionato, uma vez que, embora os recursos pertençam aos trabalhadores titulares das contas, os mesmos devem ser aplicados em benefício de toda a coletividade, notadamente em habitação, saneamento básico e infra-estrutura urbana, nos termos da Lei nº 8.036 /90. II - Como descrito na peça exordial, os recorridos apresentaram falsos comprovantes de endereço em agências da Caixa Econômica Federal, com o intuito de sacar fraudulentamente o FGTS pelo motivo de calamidade pública (código 19L) em decorrência das enchentes que assolaram o Município de Vila Velha-ES. III - As condutas descritas na exordial acusatória encontram adequação típica no tipo incriminador do art. 171 § 3º do CP , na forma tentada para a maioria dos denunciados, e tentada e consumada para um deles, havendo nos autos indícios suficientes de autoria e materialidade aptos a deflagrar a ação penal com o recebimento da denúncia, a qual preenche os requisitos do art. 41 do CPP ,
151
SHINTATI, Tomaz M. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2 ed, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 417-418. 152
SHINTATI, op cit., p. 418. 153 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte Geral. v. 1, 15. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 792. 850.
43
não havendo qualquer das hipóteses previstas no art. 395 do referido código. IV - Recurso em sentido estrito a que se DÁ PROVIMENTO, para receber a denúncia, nos termos do enunciado da Súmula nº 709 do STF
154.
No presente caso, várias pessoas foram expostas ao dano constituído pelos
alagamentos e desmoronamentos e na forma do art. 20, inciso XVI da Lei nº
8.036/90 teria direito ao saque do FGTS para cobrir os prejuízos decorrentes do
desastre em exame.
Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações: [...] XVI - necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural, conforme disposto em regulamento, observadas as seguintes condições: a) o trabalhador deverá ser residente em áreas comprovadamente
atingidas de Município ou do Distrito Federal em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, formalmente reconhecidos pelo Governo Federal; (Incluído pela Lei nº 10.878, de 2004)
b) a solicitação de movimentação da conta vinculada será admitida até 90 (noventa) dias após a publicação do ato de reconhecimento, pelo Governo Federal, da situação de emergência ou de estado de calamidade pública; e(Incluído pela Lei nº 10.878, de 2004)
c) o valor máximo do saque da conta vinculada será definido na forma do regulamento
155.
No entanto, algumas pessoas que não teriam direitos a tal facilitador utilizou-se de
meios escusos para lançarem mão do beneficio, quais sejam, o de utilizar-se de
“comprovantes de residência falsos” para qualificarem-se como merecedores do
saque do FGTS.
Além disso, o valor máximo e os documentos necessários para o saque da conta
vinculada encontram-se definidos no site da Caixa Econômica Federal, perguntas e
respostas, conforme abaixo:
Qual valor deverá ser recebido no caso necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade sejam decorrentes de desastre natural causado por chuvas ou inundações? O valor do saque corresponde ao saldo disponível na conta vinculada, na data da solicitação, limitado à quantia correspondente a R$ 6.220,00 por evento caracterizado como desastre natural, desde que o intervalo entre uma movimentação e outra não seja inferior a doze meses.
154
JusBrasil. TRF-2 - RSE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO : RSE 200950010099425. Julgamento de 29 de Setembro de 2011. Localizado em: http://trf-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23484686/rse-recurso-em-sentido-estrito-rse-200950010099425-trf2. Consulta em: 05/03/2014. 155
BRASIL. LEI Nº 8.036, DE 11 DE MAIO DE 1990. Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8036compilada.htm >. Acesso em 05/03/2104.
44
OBSERVAÇÕES: a) A solicitação e a habilitação ao saque fundamentada nesta hipótese somente podem ser realizadas a partir do reconhecimento do Governo Federal da situação de emergência ou do estado de calamidade pública e enquanto vigorar o decreto que declarou tal situação. b) Só poderá ser realizado um saque por evento, por conta vinculada de FGTS
156.
[...] II - A serem fornecidos pelo Titular da Conta Vinculada FGTS: a) Comprovante de residência em nome do trabalhador (conta de luz, água, telefone, gás, extratos bancários, carnês de pagamentos, entre outros), emitido nos últimos 120 dias. Na falta do comprovante de residência, o titular da conta vinculada poderá apresentar uma declaração* emitida pelo Governo Municipal, atestando que o trabalhador é residente na área afetada; *A declaração deverá ser feita em papel timbrado e a autoridade emissora deverá apor nela data e assinatura. Também deverão ser mencionados na declaração: nome completo, data de nascimento, endereço residencial e número do PIS/PASEP do trabalhador [...]
157.
Sendo assim, entende-se que, pelos argumentos expostos acima, o réu responderá
eu for enquadrado neste tipo responderá pelo artigo 171, §3, do CP na modalidade
consumada ou tentada. Conforme, a tipicidade criminal que lhe foi atribuida.
13.1 PUNIBILIDADE DAS PESSOAS
O Ministério Público, com base no julgado abaixo de 2011, expos os motivos que
levaram os réus a serem enquadrados no crime de Estelionato. E caso fique
confirmada a prática do crime para o presente caso como os supostos réus serão
punidos, a saber:
Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a decisão prolatada pelo Juízo da 2ª Vara Federal Criminal de Vitória-ES (fls. 195/199) que, com fulcro no art. 395, III, do CPP, rejeitou a denúncia ofertada em face de AGUILAR MENDES, FÁBIO PASSOS DOS SANTOS, FERNANDO COSTA DA SILVA, ROBSON DA SILVA, JOSÉ CUSTÓDIO PEREIRA, RODRIGO DA PENHA SILVA, WANDELSON DA SILVA, ROGÉRIO LOUBATO DA SILVA, WILLIANS SANTIAGO PIMENTEL, SIDIRLÂNDIA PEREIRA DA SILVA e ERIETSON DA SILVA pela prática do crime previsto no art. 171, § 3º c/c art. 14, II, ambos do C. P.; em face de TARCÍSIO CARNEIRO DE OLIVEIRA JUNIOR pela prática do crime previsto no art. 171, § 3º c/c art. 14, II, na forma dos arts. 29 e 71, todos do CP e em face de EDILSON MIRANDA DOS
156
BRASIL. CAIXA. Necessidade pessoal, urgente e grave. Localizado em: < http://www.caixa.gov.br/fgts/pf_faq_neces.asp# >. Acesso em: 05/03/2014. 157
BRASIL. CAIXA. Necessidade pessoal, urgente e grave. Localizado em: < http://www.caixa.gov.br/fgts/pf_faq_neces.asp#>. Acesso em: 05/03/2014.
45
SANTOS pela prática do crime previsto no art. 171, § 3º, do CP e também pelo art. 171, § 3º c/c art. 14, II, na forma dos arts. 29 e 71, todos do CP.
Narra a denúncia (fls. 181/194), em síntese, que, no mês de junho de 2009, vários trabalhadores compareceram a agências da CAIXA e deram entrada em procedimentos para saque do FGTS pelo motivo de desastre natural, instruindo os respectivos procedimentos com falsos comprovantes de endereço, tendo em vista que somente alguns logradouros foram declarados como assolados pelas enchentes que sofreu o Município de Vila Velha em novembro e dezembro de 2008, estando a materialidade consubstanciada principalmente pelos documentos apreendidos (fls. 22/23, 24/25, 32/33, 82 e 167/168).
Vários fundistas não conseguiram consumar o delito em razão de a CAIXA ter detectado indícios de fraude e realizado o bloqueio preventivo das contas do FGTS. Somente TARCÍSIO e EDILSON conseguiram consumar o saque, sendo que aquele realmente reside em área afetada pela enchente e, portanto, preenche os requisitos para o saque, porém, foi apontado por alguns denunciados como coautor das tentativas perpetradas, por ter confeccionado o falso comprovante de residência.
A magistrada a quo rejeitou a denúncia, entendendo atípicas as condutas perpetradas, por não vislumbrar o prejuízo necessário à caracterização do estelionato quanto ao gozo do FGTS próprio. Ressaltou que “...no saque do FGTS de propriedade do próprio fundista, resta ausente a elementar prejuízo, pois o montante, em última instância, lhe pertence, conquanto presente fraude ou ardil para sacar os valores.”
Em suas razões de recurso (fls. 202/210), o Ministério Público Federal pugna pela reforma da decisão ora atacada, para determinar o recebimento da denúncia nos termos em que foi proposta. Salienta que, tendo em vista que “o FGTS cumpre verdadeira “função social definida”, o saque fraudulento do Fundo tem uma vitimização difusa, motivo pelo qual se trata de vantagem indevida obtida em prejuízo alheio.”
Contrarrazões às fls. 250/256, 260/265, 266/273, 287/293 e 294/299, pugnando pela manutenção da sentença.
Parecer do MPF (fls. 321/323) opinando pelo provimento do recurso interposto
158.
Em referência a corrente doutrinária entende-se que havendo a consumação ou
tentativa do delito, por parte de algumas pessoas, o crime estará configurado e
responderam de acordo com os seus atos. Desta forma não caberá extinção de
punibilidade caso o réu venha a restituir o erário.
158
JusBrasil. TRF-2 - RSE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO : RSE 200950010099425. Julgamento de 29 de Setembro de 2011. Localizado em: http://trf-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23484686/rse-recurso-em-sentido-estrito-rse-200950010099425-trf2. Consulta em: 05/03/2014.
46
5 ASPECTOS JURÍDICOS DAS ENCHENTES OCORRIDAS EM VILA VELHA –
ESPIRITO SANTO, À LUZ DO DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL
CONSTITUCIONAL.
O Poder Público Municipal de Vila Velha (ES) para fazer face às despesas extraordinárias, decorrentes das últimas enchentes, com base no Decreto nº 255, de 24 de Dezembro de 2013159 [inteiro teor, anexo nº 2], que determinou “estado de emergência”, no Município de Vila Velha (ES), e interpretando de forma ampla o art. 30, da CRFB/1988, abaixo,
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; [...]
160.
criou por Decreto161, com vigência imediata e com as seguintes características
previstas em Lei:
Hipótese de incidência: a) Junto com a cobrança do IPTU; b) Sobre as demais taxas
cobradas pelo Poder Público.
Sujeito Ativo: O Poder Público, representado pela Prefeitura Municipal de Vila Velha
(ES).
Sujeito Passivo: Todo e qualquer cidadão proprietário de imóvel no município, e
todos aqueles que se utilizar de serviços prestados ou colocados à disposição pela
Prefeitura.
159
VILA VELHA-ES. Decreto nº 255, de 24 de Dezembro de 2013. Dispõe sobre declaração de Situação de Emergência nas áreas do Município afetadas por Alagamento. Disponível em: <http://www.vilavelha.es.gov.br/midia/paginas/DECRETO_255_2013_Situa%C3%A7%C3%A3o%20Emerg%C3%AAncia_Publica%C3%A7%C3%A3o%20DIOES_24_12_2013.pdf>. Acesso em: 11/03/2014. 160
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. In: Vademecum 2013. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 22. 161
Situação hipotética criada para desenvolvimento do tema “Enchentes” à Luz do Direito Processual Constitucional.
47
Base do cálculo: Valor Venal dos imóveis constantes do IPTU, e sobre o valor das
taxas cobradas pela PMVV.
Alíquota: a) 0,05% a ser aplicada sobre o Valor Venal do imóvel; b) 5% sobre o valor
das taxas cobradas pela PMVV.
Isentos de IPTU - No caso dos isentos do IPTU, ou seja, aqueles que possuam
imóvel de qualquer espécie, com valores inferiores a R$ 30.000,00, da mesma forma
que são obrigados ao pagamento, apenas, da Taxa de Coleta de Lixo (TCRS),
estarão obrigados à retenção do “Empréstimo Compulsório” ora criado.
Período de arrecadação e prazo de devolução - O prazo de cobrança foi estipulado,
por 2 anos, com prazo de devolução dos empréstimos previstos para 15 anos. A
forma de resgate será através de quotas de Títulos da Dívida Pública - TVP.
As entidades representativas da população, Federação das Associações de
Moradores e Movimentos Populares do Espírito Santo; a Associação dos Moradores
da Praia da Costa; a Associação dos Moradores do Bairro Itapuã, o Instituto de Ação
Comunitária e Integração de Vila Velha e Conselho Comunitário de Vila Velha –
CCVV, inconformadas com a cobrança de mais um tributo, manifestaram-se
contrárias à medida, e buscaram explicações junto ao Poder Público, que manteve a
sua posição de cobrança do encargo, não demonstrando nenhuma inclinação para
ceder às reinvindicações das entidades representativas da população.
6.1 Esclarecimento sobre a tributação escolhida, base jurídica Legal e
doutrinária alegada pelo Município para justificar a criação do tributo.
48
5.1.1 Tributo – Conceito
Receita derivada que o Poder Público, com base no seu poder fiscal, arrecada,
segundo o previsto em lei, do patrimônio particular do contribuinte com o escopo de
atender às despesas da administração e custear os serviços públicos.162 Nas
palavras do Professor Carrazza, “Tributo é gênero, do qual o imposto, a taxa e a
contribuição de melhoria são espécies”163.
Com relação a tal afirmativa, podemos ver na Constituição:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I - impostos;
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
§ 2º - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.
5.1.2 Imposto – Conceito
Para Paulo de Barros Carvalho, citado por Sabbag, “podemos definir imposto como
o tributo que tem por incidência um fato alheio a qualquer atuação do Poder
Público”.164 Segundo Carrazza, “juridicamente falando, imposto é uma modalidade
de tributo que tem por hipótese de incidência um fato qualquer, não consistente
numa atuação estatal”. [...] “Os impostos são, pois, prestações pecuniárias
desvinculadas de qualquer relação de troca ou utilidade”,165 por parte do Estado.
Para reforçar sua definição de imposto o professor Roque Antônio Carrazza faz a
seguinte observação:
162
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico Universitário. 1ª ed.3ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 570. 163
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.473. 164
CARVALHO, Paulo de Barros, apud SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 358. 165
CARRAZZA, op. cit., p. 475, nota 16
49
No mesmo sentido, para Hans Nawiasky, os impostos são “as prestações pecuniárias, que se impõem pelo ordenamento jurídico, em favor da Administração Pública, sem especial conexão com uma vantagem oferecida por ela”
166.
Imposto é, pois, um tributo não vinculado a uma atuação estatal167, exatamente
como propõe a redação constante do Art. 16, caput, do CTN, “Imposto é o tributo
cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer
atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”168.
5.1.3 Taxa – Conceito
Tributo instituído pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios
em razão do poder de polícia ou da utilização efetiva e potencial de serviços
públicos específicos e divisíveis prestados ao contribuinte ou colocados à sua
disposição169. Para Eduardo Sabbag, “taxa é um tributo imediatamente vinculado à
ação estatal, atrelando-se à atividade pública, e não à ação do particular”170. E
ainda, como declara Luciano Amaro, apud Eduardo Sabbag, “o fato gerador da taxa
não é um fato do contribuinte, mas um fato do Estado. O Estado exerce determinada
atividade e, por isso, cobra a taxa da pessoa a quem aproveita aquela atividade”171.
5.1.4 Contribuição de Melhoria – Conceito
Tributo vinculado a uma atuação indireta do Poder Público (Geraldo Ataliba),
constituindo-se numa prestação pecuniária a ser paga em razão de valorização
imobiliária provocada por obra pública no imóvel do contribuinte172.
5.1.5 Empréstimo Compulsório – Conceito
É aquele tributo instituído pela União, mediante lei complementar, não só para
atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra
externa ou sua iminência, como também nos casos de investimento público de
166
NAWIASKY, Hans apud CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004. Nota de rodapé 39, p. 475. 167
CARRAZZA, op. cit., p. 475, nota 16. 168
BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de Outubro de 1966. Dispõe Sobre o Sistema Tributário Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm>. Acesso em: 12/03/2014. 169
DINIZ, op. cit., p. 549, nota 15. 170
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 367. 171
AMARO, Luciano apud SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 368. 172
DINIZ, op. cit., p. 158, nota 15.
50
caráter urgente e de relevante interesse nacional. A aplicação dos recursos
provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que
fundamentou sua instituição. Este tributo imposto ao contribuinte deverá ser
devolvido, obrigatoriamente, pelo Estado, dentro do prazo por ele fixado. É um
empréstimo público forçado173.
5.1.6 Base Jurídica Legal - Constituição
A constituição Federal, em seu Capítulo IV, com relação ao Ente Federativo
Município, prevê:
Dos Municípios
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: [...]
174.
5.1.7 Base Jurídica Legal – Lei Orgânica
Dispõe a Lei Orgânica do Município de Vila Velha (ES) [anexo 3], ao elencar as
atribuições de competência do Chefe do Poder Executivo:
Art. 56 Compete privativamente ao Prefeito:
I - nomear e exonerar os Secretários ou Diretores de departamento do Município, os responsáveis pelos órgãos da administração direta, indireta ou fundacional;
II - exercer, com o auxílio do Vice-Prefeito, Secretários Municipais, Diretores gerais, a administração do Município, segundo os princípios desta Lei;
III - iniciar o processo legislativo, na forma e casos previstos nesta Lei;
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e expedir decretos e regulamentos para sua execução;
V - vetar projetos de lei aprovados pela Câmara, nos termos desta Lei;
VI - dispor sobre a estruturação, organização e funcionamento da Administração Municipal, mediante prévia autorização da Câmara;
VII - prover cargos, funções e empregos municipais, praticar os atos.
173
DINIZ, op. cit., p. 235-236, nota 15. 174
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. In: Vademecum 2013. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 20.
51
V - vetar projetos de lei aprovados pela Câmara, nos termos desta Lei;
VI - dispor sobre a estruturação, organização e funcionamento da Administração Municipal, mediante prévia autorização da Câmara;
VII - prover cargos, funções e empregos municipais, praticar os atos administrativos referentes aos servidores municipais, salvo os de competência da Câmara;
VIII - comparecer anualmente à Câmara Municipal para apresentar relatório de sua administração, da execução orçamentária e do estado das obras e serviços municipais, e responder a indagações pertinentes dos Vereadores e das representações dos diversos Conselhos Municipais e do Conselho Comunitário de Vila Velha; (Redação dada pela Emenda à lei Orgânica n° 37/2009).
IX - enviar propostas orçamentárias à Câmara dos Vereadores;
X - prestar, no prazo de cinco dias, as informações sobre a Administração Municipal solicitadas pela Câmara, conselhos populares, munícipes, entidades representativas de classe ou trabalhadores do Município, podendo o mesmo ser prorrogado por igual período, após justificativa;
XI - representar o Município;
XII - contrair empréstimos para o Município, mediante prévia autorização da Câmara;
XIII - decretar a desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou interesse social;
XIV - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos;
XV - propor o arrendamento, o aforamento ou a alienação de próprios municipais mediante prévia autorização da Câmara;
XVI - propor convênios, ajustes e contratos de interesse municipal;
XVII - propor a divisão administrativa do Município, de acordo com a lei;
XVIII - decretar estado de calamidade pública;
XIX - subscrever ou adquirir ações, realizar ou aumentar capital de sociedade de economia mista ou de empresa pública, desde que haja recursos disponíveis, mediante autorização da Câmara;
XX- encaminhar bimestralmente à Câmara Municipal, para apreciação, os balancetes financeiros mensais, em remessas distintas e impreterivelmente até o trigésimo quinto dia após o encerramento do último mês a que se referirem; (Redação dada pela Emenda à lei Orgânica n° 37/2009).
XXI - propor ação direta de inconstitucionalidade;
XXII - prestar contas anuais da administração financeira municipal, até o dia trinta de abril de cada ano à Câmara Municipal e ao Tribunal de Contas.
52
XXIII - repassar, até o dia 20 de cada mês, a dotação mensal da Câmara Municipal.
175. [grifos nossos].
5.1.8 Base Doutrinária
E fundamental deixar claro, que a competência tributária é atribuída às pessoas
políticas pelo próprio povo, possuidor e responsável de todas as formas de poder.
Estas pessoas políticas receberam a competência de tributar através da
Constituição, subtendido que esta tenha sido originada da vontade soberana do
povo. Nesta linha de raciocínio é evidente que a tributação não pode servir apenas e
exclusivamente em benefício do Poder Público, não podendo este exercitar seu
poder de tributação em qualquer sentido e em desfavor do povo176. E sobre isto
vejamos abaixo:
Tem competência tributária, no Brasil, as pessoas políticas, ou seja, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Só as pessoas políticas? Só as pessoas políticas. Por quê? Porque só elas possuem Legislativo com representação própria. E, como já demonstramos, é o Poder Legislativo – apenas ele – que, em nosso ordenamento jurídico, está credenciado a criar tributos. Queremos anotar, a respeito, que a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal receberam, do Diploma Máximo, competências para instituir, em caráter privativo, todas as modalidades de tributos (impostos, taxas e contribuição de melhoria)
177.
Avaliando o posicionamento consolidado, aproveitamos a comentário do professor
Carrazza, inferindo:
A conclusão a tirar, portanto, é que a República reconhece a todas as pessoas o direito de só serem tributadas em função do superior interesse do Estado. Os tributos só podem ser criados e exigidos por razões públicas. Em consequência, o dinheiro obtido com a tributação deve ter destinação pública, isto é, deve ser preordenado à mantença da res publica
178. [grifo do
autor].
E esta, não foi senão, a vontade da Prefeitura de Vila Velha, ao criar o tributo em
debate. Seguindo ainda pelos ensinamentos do professor Carrazza:
Neste momento, nota-se que a autonomia dos Municípios é insofismável, já que elegem livremente seus Prefeitos e tem um Poder Legislativo capaz de prescrever, por direito próprio, normas jurídicas obrigatórias, obedecidos, apenas, os princípios da Constituição, aos quais, de resto, todas as pessoas devem submeter-se. [grifo do autor]
175
VILA VELHA-ES. Lei Orgânica nº 01 de 25 de Outubro de 1990. Dispõe sobre a Lei Orgânica do
Município de Vila Velha (ES). Disponível em: < http://www.cmvv.es.gov.br/images/L11990.html>. Acesso em 13/03/2014. 176
CARRAZZA, op. cit., p. 78, nota: 16. 177
CARRAZZA, op. cit., p. 456, nota: 16 178
CARRAZZA, op. cit., p. 80, nota 16.
53
[...] De fato, o Município não poderia ser havido por autônomo, se a ele não se consentisse gerir o seu, dispor do seu, contratar sobre o seu e reger sua vida e seus bens, observados, apenas, os limites constitucionais e legais. [...] O Município pode governar-se e administrar-se como bem lhe parecer, sem a interferência de outros poderes (estaduais, federais, nacionais e internacionais) [...]
179.
Tal autonomia está perfeita prevista na Constituição, é total no que se refere aos
assuntos de interesse local, Art. 30, inciso I, da CRFB/88, “legislar sobre assuntos
de interesse local180”. Carrazza se adianta, ao mesmo tempo pergunta e responde o
que seria assuntos de interesse local, “são aqueles que o próprio Município, por
meio de lei, vier a entender de seu interesse”, e ainda conclui, “absurdo seria se o
Município tivesse que auscultar órgãos ou autoridades a ele estranhos, para saber o
que são e o que não são assuntos de interesse local”.
6 Exame da situação de fato
O Poder Público alega que possui competência para criação do tributo e sua
consequente cobrança dos administrados, enquanto as Entidades Representantes
da População não concordam com a referida prática, alegando que já existem
tributos em volume suficiente, e se bem administrados, seriam suficientes para fazer
lastro às necessidades decorrentes das despesas extraordinárias apresentadas em
função dos danos ocasionados pelas fortes chuvas que causaram os prejuízos
relatados ao município.
6.1.1 No exame do Decreto que institui o referido tributo, algumas perguntas
se fazem necessárias:
O Município possui competência para criação de tributos em geral?
1. A competência para criação de tributos foi exercida pela pessoa política
adequada?
2. A referida tributação atenta realmente contra o princípio da não
confiscatoriedade?
3. Houve alguma violação e qual a natureza da normal violada?
179
CARRAZZA, op. cit., p. 155, nota 16. 180
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. In: Vademecum 2013. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 22.
54
4. Há inconstitucionalidade aparente, se presente, qual o tipo e sua classificação
quanto ao momento da ocorrência?
6.1.2 Doutrina Justificando a Iniciativa do Municipal
Com base na Constituição e na Lei Orgânica do Município - LOM, este possui
competência para criação de tributos, contudo pertence à Câmara Municipal a
competência Legislativa para legislar sobre tributos. E no caso em destaque, ou
seja, a criação de Empréstimo Compulsório seria oportuno esclarecer alguns
detalhes:
O empréstimo compulsório, historicamente, sempre esteve presente em nosso texto
constitucional, desde a Carta Magna de 1946, além de teorias divergentes sobre a
natureza jurídica se tributo ou empréstimo público. A primeira teoria originou a
edição da Súmula nº 418, do STF, “O empréstimo compulsório não é tributo, e sua
arrecadação não está sujeita à exigência constitucional da prévia autorização
orçamentária”181. A segunda teoria, reunindo a maioria dos estudiosos da doutrina,
defendia que não era empréstimo, mas, sim um tributo182.
A classificação atribuída pela Súmula nº 418 do STF, entretanto, foi invalidada, vez
que no julgamento da inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 2.047/83, o próprio
Pretório Excelso eliminou a dicotomia183:
(Invalidada pelo RE 111954-RTJ 126/330-1º/6/1988 - Arts. 18, § 3º e 21, § 2º, II CF/1967 - EC-1/1969). EMENTA: EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. DL. 2.047, DE 20-07-1983. SÚMULA 418; A SÚMULA 418 PERDEU VALIDADE EM FACE DO ART. 21, PARÁGRAFO 2º, II, DA CF. (REDAÇÃO DA EC 1/69). (...) Não a distinguir, quanto à natureza, o empréstimo compulsório excepcional do art. 18, §3º, da CF, do empréstimo compulsório especial, do art. 21, § 2º, II, da mesma Constituição Federal. (...) (RE. 111.954/PR, Pleno, rel. Min.Oscar Correa, j. 1º-06-1988)
184.
Superada a dicotomia, e outras discussões, embora as duas decisões do STF, que
apresentam certa divergência quanto ao número exato de tributos, cinco no primeiro
julgado e quatro no segundo, fica assente que a Suprema Corte entende que
181
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 418 de 01 de Junho de 1964. Vademecum Universitário. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.1891. 182
SABBAG, op. cit., p. 427, nota 24. 183
SABBAG, op. cit., p. 426, nota 24. 184
SABBAG, op. cit., p. 426, nota 24.
55
acrescidos aos impostos, taxas e contribuições de melhoria, estabelecidos no art.
145, incisos I, II, III da CRFB/88, incrementam o sistema tributário nacional os
empréstimos compulsórios (art. 148) e as contribuições (art. 149)185. “Assim sendo,
para a classificação dos tributos terá que se levar em conta o disposto nos arts. 148 e
149”186. [grifo do autor].
Finalmente, nas palavras de Sabbag, temos:
Assim, o empréstimo compulsório pode ser considerado um gravame que desfruta de total autonomia com relação às demais espécies tributárias, com as quais não se confunde, exteriorizando um traço distintivo genuíno, como “nota peculiar e distintiva”
187, a saber, a restituibilidade
188.
Com base nos ensinamentos doutrinários de Carrazza, a seguir demonstrados,
entendemos que a criação do tributo empréstimo compulsório não atenta contra o
princípio da não confiscatoriedade, vejamos:
Estamos convencidos de que o principio da não confiscatoriedade, contido no art. 150, IV da CRFB/88 (pelo qual é vedado “utilizar tributo com efeito de confisco”), deriva do principio da capacidade contributiva. Realmente, as leis que criam impostos, ao levarem em conta a capacidade econômica dos contribuintes, não podem compeli-los a colaborar com os gastos públicos além de suas possibilidades
189 [CARRAZZA, p. 93].
7 Parecer sobre o Ato do Poder Executivo Municipal
7.1.1 Preceito Constitucional Jurídico Violado
Por fim, A competência para a criação de Empréstimo Compulsório decorre de
situações específicas e definidas como de competência privativa da União, no art.
148, CRFB/88:
Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:
I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;
II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b".
185
SABBAG, op. cit., p. 431, nota 24. 186
TORRES, Ricardo Lobo apud SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 431. 187
MELO, José Eduardo Soares de, apud SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 431-432. 188
Sabbag, op. cit., p. 432, nota 24. 189
CARRAZZA, op. cit., p. 93, nota 16.
56
Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição
190.
7.1.2 Legislação Complementar
O Código Tributário Nacional em seu Art. 15, PU, da Lei nº 5.172/66 (CTN)191 fixará
o prazo do empréstimo e as condições do resgate:
Art. 15. Somente a União, nos seguintes casos excepcionais, pode instituir empréstimos compulsórios:
I - guerra externa, ou sua iminência;
II - calamidade pública que exija auxílio federal impossível de atender com os recursos orçamentários disponíveis;
III - conjuntura que exija a absorção temporária de poder aquisitivo.
Parágrafo único. A lei fixará obrigatoriamente o prazo do empréstimo e as condições de seu resgate, observando, no que for aplicável, o disposto nesta Lei.
7.1.3 Doutrina e Elementos que comprovam a violação
Percebemos, ainda, que apesar de na criação do Decreto Municipal que determinou
o recolhimento do Empréstimo Compulsório, ter o Poder Público tido a atenção de
estabelecer a obrigatoriedade de prazo para resgate do tributo, Art. 15, § único, Lei
5.172/66, o fez de maneira imprópria, que no parecer do professor CARRAZZA se a
devolução do Empréstimo Compulsório não for realizada em moeda corrente
constituirá confisco, na forma do art. 150, IV CRFB/88:
Não pode, portanto, a União tomar dinheiro emprestado do contribuinte, devolvendo-lhe outras coisas (bens, serviços, quotas, etc.). [...] Portanto, se a lei complementar que instituir o empréstimo não previr a devolução integral do produto de sua arrecadação ao próprio contribuinte, será inconstitucional, por ensejar um confisco, vedado pelo art. 150, IV, do Texto Supremo
192.
É de fácil percepção, que há significativos indícios de descumprimento de normas
Constitucionais e Infraconstitucionais presentes no ato do Poder Público, em exame,
190
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. In: Vademecum 2013. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 53. 191
BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de Outubro de 1966. Dispõe Sobre o Sistema Tributário Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm>. Acesso em: 12/03/2014. 192
CARRAZZA, op. cit., p. 521-522, nota 16.
57
e que podem ser corroborados pelos posicionamentos doutrinários a seguir
invocados:
Merece também registrado que a competência tributária – como todas as competências constitucionais – é de ordem pública. Assim, a pessoa política não pode nem usurpar competência tributária alheia, nem aquiescer que sua própria competência tributária venha a ser utilizada por outra pessoa política
193.
AURELIANO LEAL citado por CARRAZZA exorta, ”Lembramos que, em linguagem
constitucional, “competência é sinônimo de direito próprio, exclusivo, essencial”194, e
complementa, “Não cria o tributo quem quer, mas quem pode, de acordo com a
Constituição”195. [grifo do autor].
Na afirmação de CARRAZZA, “a criação de tributos por pessoa política
incompetente, viola normas constitucionais”196 e contamina com
inconstitucionalidade os atos dai resultantes, vejamos a citação:
[...] a falta de competência da pessoa política que fazendo rosto à Constituição, “cria” tributos alheios acarreta a nulidade do ato por ofensa a princípio básico da ordem jurídica. A lei assim produzida, maculada por vício essencial, não pode, mesmo, ter eficácia jurídica. Pelo contrário, pronunciada pelo Judiciário, mediante provocação, a nulidade, volvem as coisas ao estado anterior ao do advento do ato anulado (efeito ex tunc). Assim preceitua a teoria das nulidades
197.
O eminente professor CARRAZZA cita CLÓVIS BEVILÁQUA, para referendar suas
conclusões:
[...] amiudadas vezes os atos jurídicos ressentem-se de imperfeições. Estas advêm de uma das três causas a seguir elencadas: I – de falta de elemento essencial à sua formação (ato inexistente, que a doutrina germânica chama de incompleto ou inacabado); II – de inobservância da letra e do espírito da Constituição ou da lei (ato nulo); e III – de vícios da vontade – erro, ignorância, dolo ou coação – ou da incapacidade do agente que o praticou (ato anulável). O ato anulável pode ser ratificado, ao inverso do nulo, insuscetível de ver expungido o vício de que se ressente (quod non est confirmare nequit). A nulidade – a mais significativa das imperfeições de que podem padecer os atos jurídicos – é, como quer Clóvis Beviláqua, “(...) a declaração legal de que a determinados atos jurídicos se não prendem os efeitos ordinariamente produzidos pelos atos semelhantes”(Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., Serviço de Documentação do Ministério da Justiça,
193
CARRAZZA, op. cit., p. 466, nota 16. 194
LEAL, Aureliano apud CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 466. 195
CARRAZZA, op. cit., p. 466, nota 16. 196
CARRAZZA, op. cit., p. 466, nota 16. 197
CARRAZZA, op. cit., p. 466-467, nota 16.
58
1972, p.274). O reconhecimento da nulidade opera retroativamente, isto é, faz com que as coisas tornem ao status quo ante”
198. [grifos do autor].
Com base nas ilações acima consignadas, acrescidas a interpretação do professor
ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, a seguir mencionada, podemos aduzir que está
demonstrada de forma inequívoca a invasão de competência, pelo Município de Vila
Velha, em área de competência exclusiva da União:
[...] nada impede que a União crie um empréstimo compulsório e delegue, por meio de lei, a terceira pessoa o direito de arrecadá-lo. É claro que o ente beneficiado (Estado, Município, Distrito Federal, autarquia, etc.), se o aceitar – o que fará por meio de lei – terá de arcar com seu regime específico (forma de arrecadação, prazo de devolução, etc.)”
199.
Resta configurada a Inconstitucionalidade Formal Originária do Decreto Municipal,
faltando apenas definir, qual seria a Ação de Controle Judicial Abstrato conveniente
para solicitar a impugnação do ato junto a Nossa Corte Suprema.
8 Procedimento - Doutrina
O Brasil, através de sua Constituição, adota um sistema de controle de
constitucionalidade, que podemos chamar de tipo híbrido ou misto, que se desdobra
em controle político e controle judicial. Tal sistemática resulta no controle do tipo
preventivo e do tipo repressivo, que são executados, dependendo do momento, pelo
Poder Judiciário, ou pelos outros poderes200.
Cabe ressalvar que a partir da Constituição de 1988, houve um acentuado
incremento na jurisdição constitucional que, motivada por uma maior exigibilidade
judicial dos direitos fundamentais, alegação que podemos perceber melhor nas
palavras de JOSÉ RIBAS VIEIRA e DEILTON RIBEIRO BRASIL citados pelo
professor DALTON SANTOS MORAIS:
Inegavelmente, nossa ordem constitucional contemporânea é marcada por uma forte expansão da jurisdição constitucional, construída sob a ampla exigibilidade judicial dos direitos fundamentais e o aumento da competência dos juízes e Tribunais para o exercício do controle de constitucionalidade por via judicial. No primeiro plano, através do exercício do direito fundamental de amplo acesso ao Judiciário (5
o,XXXV), qualquer indivíduo
198
BEVILÁQUA, Clóvis apud Carrazza, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, [nota de rodapé 26], p. 466-467. 199
CARRAZZA, op. cit., p. 525, nota 16. 200
DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Curso de Direito Constitucional. 2ª. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2013. p. 168.
59
ou grupo social poderia defender seus interesses jurídico-políticos resguardados pela Constituição de maneira mais fácil do que poderia fazê-lo perante seus representantes parlamentares. Associado a essa ampla exigibilidade da jurisdição constitucional, houve um forte incremento na competência do STF para o exercício do controle de constitucionalidade por via judicial, primeiramente pela via de uma jurisprudência ativista da própria Corte pelo aumento de suas competências e, posteriormente, através de um forte movimento de ratificação desta jurisprudência por uma constante modificação da CF/1988 pelo próprio legislador, passando o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro por inúmeras modificações constitucionais e legais para tomar ainda mais preponderantes as decisões tomadas pelo STF. Esses movimentos de ampla exigibilidade judicial dos direitos fundamentais e de aumento das competências de judicial review do STF estabeleceram a Corte, e o próprio Poder Judiciário, como o guardião de promessas constitucionais que se, não cumpridas pelo Poder Legislativo, pelo Poder Executivo e pela Administração Pública como um todo, poderiam ser questionadas e exigidas pelo cidadão e por entes específicos como passíveis de efetivação pela jurisdição constitucional
201.
O que nos interessa neste momento é o controle de constitucionalidade executado
pelo poder judiciário, que pode ser preventivo (apenas uma hipótese que não iremos
abordar) e o repressivo. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu ao Poder
Judiciário, a possibilidade de exercer tanto o controle difuso de constitucionalidade,
por todos os juízes e Tribunais, quanto o controle concentrado, tarefa
desempenhada, com exclusividade, pelo Supremo Tribunal Federal202.
9 Ações de Controle Judicial
9.1.1 Ações de Controle Judicial Difuso
O Controle Difuso de Constitucionalidade, ou por via de exceção ou defesa,
encontra-se previsto no art. 102, III, “a”, “b”, “c”, e “d”, que aborda o recurso
extraordinário, e também no art. 97, da CRFB/98, que tratam da análise de uma
norma, num caso concreto e sua adequação com o Texto Constitucional203, que não
seria aplicável ao caso em estudo.
201
VIEIRA, José Ribas e BRASIL, Deilton Ribeiro apud Morais, Dalton Santos. Democracia e Direitos Fundamentais: Propostas para uma Jurisdição Constitucional Democrática. Disponível em: < http://www.idb-fdul.com/uploaded/files/2013_05_04159_04195.pdf>, nota de rodapé 28. Acesso em 17/03/2014. 202
Ibid., p.172. 203
Ibid., p.172.
60
9.1.2 Ações de Controle Judicial Concentrado
Interessa-nos, ainda, para análise do tema “Enchentes”, o estudo do Controle
Judicial Repressivo de Constitucionalidade do Tipo Concentrado, que está previsto
em vários artigos da Carta Magna, a saber:
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn)
Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão (ADIo)
Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva (ADIi)
Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC)
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
O Poder Constituinte no Brasil, conforme vimos, instituiu diversos tipos de controle
de constitucionalidade do tipo concentrado, visando exercer com a maior efetividade,
possível, a missão de manter afastado de nosso ordenamento as normas editadas
em desarmonia com a Carta Magna204.
Vamos agora ao estudo dos instrumentos acima mencionados, descrevendo
algumas características destes tipos de ações de controle abstrato, escolher aquela
que melhor se aplica ao objeto em análise:
9.1.3 Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica (art. 102, I, “a”):
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal
205;
Afirma PAULO ROBERTO DE FIGUEIREDO DANTAS, “a ação direta de
inconstitucionalidade genérica, processada perante o Supremo Tribunal Federal, tem
por objeto o julgamento de lei ou ato normativo federal ou estadual”.
204
DANTAS, op. cit., p. 200, nota 52. 205
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. In: Vademecum 2013. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 41.
61
Características da ADI:
Processo de natureza objetiva, já que não há nenhum interesse subjetivo de
particulares está sendo examinado na demanda. No instrumento o que está sendo
apreciado, como objeto da ação, é o próprio exame de constitucionalidade da norma
e que terá eficácia erga omnes206;
O exame terá como objetivo, específico, os preceitos escritos, emanados do poder
competente da União, dos Estados-Membros, que devem ter por características a
abstração, a generalidade e a autonomia207.
Hipóteses específicas em que não cabe a ação direta de inconstitucionalidade
genérica, nas explicações de DANTAS:
- Não é possível o controle de constitucionalidade concentrado de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal, seja perante o Supremo Tribunal Federal, seja perante o Tribunal de Justiça; [grifo nosso]. - Assim, somente será possível falar-se em controle de constitucionalidade de lei municipal em face da Constituição Federal por via de exceção (controle difuso), no julgamento de um caso concreto em que aquela inconstitucionalidade seja invocada incidentalmente; - Não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei do Distrito Federal derivada de sua competência legislativa municipal. Somente caberá tal ação quando se tratar de lei derivada de sua competência estadual (Súmula nº 642 do Supremo Tribunal Federal)
208.
De vez que o presente instrumento não pode ser utilizado, para exercer o controle
de inconstitucionalidade concentrado de lei ou ato municipal, interrompemos neste
ponto, o estudo da ADI.
9.1.4 Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão (art. 103, §2º):
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
[...]
§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a
206
DANTAS, op. cit., p. 201, nota 52. 207
DANTAS, op. cit., p. 201, nota 52. 208
DANTAS, op. cit., p. 204, nota 52.
62
adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias
209.
A Ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADIo), com seus objetivos e
características, não estabelece, na maioria dos casos, um dever. É uma faculdade
concedida aos Legisladores, tem como escopo combater a inefetividade das normas
constitucionais que não apresentam aplicabilidade imediata, contudo não apresenta
força cogente ao Legislador em função do principio da separação dos poderes. Em
se tratando, contudo, de órgãos administrativos, uma vez declarada à
inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma
constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção de medidas
necessárias, tendo prazo, de 30 dias para fazê-lo210.
A ADIo tem por finalidade constatar e tentar sanar a omissão e ineficácia do
legislador que tem por obrigação constitucional legislar, de forma especial, na área
de complementação das normas que necessitam de uma lei infraconstitucional para
se tornarem eficaz. Além disto, esta ação apresenta duas peculiaridades. Não está
prevista formalmente na Constituição Federal, ao revés das outras três ações de
controle abstrato em estudo, tampouco a denominação Ação Direta de
Inconstitucionalidade por omissão encontra-se expressa no texto constitucional211.
9.1.5 Ação Direta de Inconstitucionalidade interventiva (art. 36, III):
Art. 36. A decretação da intervenção dependerá:
[...]
III de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal
212.
A ADI interventiva possui dupla finalidade, a primeira de ordem jurídica, é a
declaração incidental de inconstitucionalidade de ato, comissivo ou omissivo,
estadual ou distrital no exercício de sua competência, que atinja algum princípio
constitucional, ou ainda, a recusa de cumprimento ou execução de lei federal; a
209
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. In: Vademecum 2013. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 42. 210
DANTAS, op. cit., p. 221, nota 52. 211
DIMOULIS, Dimitri e LUNARDI, Soraya. Curso de Processo Constitucional – Controle de constitucionalidade e remédios constitucionais. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 121. 212
Ibid., p. 23.
63
segunda é de ordem política, qual seja, a decretação de intervenção no Estado-
membro ou no Distrito Federal. Além disto, apresenta um único legitimado para
propor a referida ação. Nos termos do art. 36, III, CRFB/1988, apenas o Procurador
Geral da República, poderá adotar a iniciativa, em caso de ofensa aos princípios
constitucionais sensíveis, ou ainda, de recusa na execução de lei federal. É o caso
de legitimação exclusiva213.
Como podemos perceber tanto a ADIo, quanto a ADI interventiva, em virtude de
seus objetivos delineados não atenderem as finalidades para impugnar a criação do
tributo, Empréstimo Compulsório, objeto de nossa análise.
9.1.6 Ação Declaratória de Constitucionalidade (art. 102, I, “a” parte final):
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal
214.
Ação Declaratória de Constitucionalidade é um instrumento que tem como meta
confirmar de forma definitiva a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de
qualquer dispositivo, sobre o qual surgiram divergências. Tal circunstância permite
confirmar a obrigatoriedade e supremacia do texto constitucional e por
consequência, a validade ou não do ato normativo em debate, mantendo a
segurança jurídica que estava abalada em função da discussão jurídica215. Tal
decisão será uma declaração definitiva de mérito, efetuada pelo Supremo Tribunal
Federal, que produzirá eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente a
todos os demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e
indireta, em todas as esferas Federal, Estadual e Municipal216.
Será cabível apenas para análise da constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal, e nunca de normas estaduais ou municipais. Tendo como Legitimados para
propor esta ação de controle abstrato são os mesmos previstos para a proposição
213
DANTAS, op. cit., p.232, nota 52. 214
Ibid., p. 41. 215
DIMOULIS e LUNARDI, op. cit., p. 141, nota 64. 216
DANTAS, op. cit., p. 215, nota 52.
64
da ação direta de inconstitucionalidade genérica, ou seja, aqueles previstos no art.
103, caput, da CRFB/1988217.
Tanto a ADC quanto a ADI a decisão adotada soluciona a divergência, pondo fim o
conflito sobre a constitucionalidade. A diferença processual existente é que aquela
propõe uma decisão de constitucionalidade que se dá se for considerada procedente
a ação, e de inconstitucionalidade se improcedente. Já na ADI, a procedência
determina a inconstitucionalidade do dispositivo, o contrário determina a
constitucionalidade do normativo em debate, portanto, são ações que apresentam o
mesmo resultado final, por vias inversas. Além da semelhança estrutural, cada uma
das ações possui caráter dúplice ou ambivalente218. A Lei nº 9.882/99219 que definiu
a eficácia do instrumento estabelece que a ADPF seja cabível em três hipóteses:
a) Evitar lesão a preceito fundamental por ato do Poder Público;
b) Para reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público;
e;
c) Solucionar controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal,
estadual, ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição220.
Apesar da utilidade deste instrumento, por estar destinado à análise, apenas, de lei
ou ato normativo Federal, não restando utilidade para o debate de atos ou leis de
competência Municipal, não atende ao propósito em debate.
9.1.7 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, (art.
102, § 1º):
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
[...]
§ 1.º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei
221.
217
Ibid., p. 217. 218
DIMOULIS e LUNARDI, op. cit., p. 142, nota 64. 219
Lei 9.882, de 3-12-1999, Dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1º do art. 102 da Constituição Federal. 220
DIMOULIS e LUNARDI, op. cit., p. 160, nota 64. 221
Ibid., p. 42.
65
Por fim temos a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF que
tem como objetivo impedir que condutas ou dispositivos contrários aos preceitos
fundamentais constantes da Constituição venham trazer insegurança ao sistema
normativo, interferindo na supremacia constitucional222.
Referida ação de controle abstrato, não se destina à proteção de toda e qualquer
norma constitucional, mas apenas daquelas que a Constituição denomina preceitos
fundamentais. [grifo do autor]223
9.1.7.1 Estudo do que vem a ser preceito fundamental.
O professor DANTAS descreve:
Ocorre que, no julgamento das arguições de descumprimento de preceito fundamental já propostas, o Pretório Excelso jamais se preocupou em fornecer uma definição de preceito fundamental. Limitou-se a analisar, caso a caso, se havia ou não ofensa a um preceito constitucional daquela natureza. Esse, ao que parece, será o comportamento do Supremo Tribunal Federal, relativamente a todos os processos dessa natureza que tiver de julgar
224.
LEO VAN HOLTH citado por DANTAS, define preceitos fundamentais:
Com fundamento nas decisões já produzidas pelo Supremo Tribunal Federal, considera como preceitos fundamentais da Constituição de 1988: “os direitos e garantias fundamentais, as cláusulas pétreas, os princípios constitucionais sensíveis, os princípios fundamentais do Estado brasileiro, além das normas fundamentais de organização e estruturação do Estado e da sociedade (federalismo, separação de poderes, princípios norteadores do Estado e da ordem econômica e social etc. [sic])”
225.
Para concluir o professor DANTAS, alega:
Compartilham do nosso entendimento, por exemplo, Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Júnior, que definem os preceitos fundamentais como aqueles preceitos considerados “indispensáveis à configuração de uma Constituição enquanto tal, ou seja, as normais [sic] materialmente constitucionais”. Enumera-os, sem seguida: (a) as que identificam a forma e estrutura do Estado; o sistema de governo; a divisão e funcionamento dos poderes; os princípios fundamentais; os direitos fundamentais; a ordem econômica; e a ordem social
226.
222
Ibid., p. 160. 223
DANTAS, op. cit., p. 237, nota 52. 224
Ibid., p.237-238. 225
HOLTHE, Leo van, apud DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 238. 226
DANTAS, op. cit., 239, nota 52.
66
9.1.7.2 Normas vigentes
A arguição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF tem a sua
regulamentação, de forma semelhante às outras formas de controle de
constitucionalidade do tipo concentrado, previstos na Constituição Federal de 1988,
que assim determina:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente: [...].
§ 1.º A arguição [sic] de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.
Art. 103. [...] § 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal.
§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado
227.
Como pode ser percebido pela parte final do § 1º “será apreciada pelo Supremo
Tribunal Federal, na forma da lei”, não é uma regra de eficácia plena e imediata,
sobre isto, vejamos os ensinamentos do professor DANTAS:
Conforme já se manifestou expressamente o Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, referido dispositivo constitucional é uma norma de eficácia limitada (norma constitucional não autoaplicável), ou seja, que dependia da edição de norma infraconstitucional, que fixasse a forma pela qual seria apreciada a arguição de descumprimento de preceito fundamental, para que o Pretório Excelso pudesse efetivamente utilizar este instrumento de controle concentrado de constitucionalidade
228.
Por este motivo o Poder Legislativo editou a Lei nº 9.882, em 3 de dezembro de
1999, a qual possui o seguinte teor:
LEI No 9.882, DE 3 DE DEZEMBRO DE 1999.
Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1
o do art. 102 da Constituição
Federal.
227
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. In: Vademecum 2013. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 41-42. 228
Ibid., p. 236.
67
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o A argüição prevista no § 1
o do art. 102 da Constituição Federal será
proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.
Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:
I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição; (Vide ADIN 2.231-8, de 2000).
II – (VETADO)
Art. 2o Podem propor argüição de descumprimento de preceito fundamental:
I - os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade;
II - (VETADO)
§ 1o Na hipótese do inciso II, faculta-se ao interessado, mediante
representação, solicitar a propositura de argüição de descumprimento de preceito fundamental ao Procurador-Geral da República, que, examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá do cabimento do seu ingresso em juízo.
§ 2o (VETADO)
Art. 3o A petição inicial deverá conter:
I - a indicação do preceito fundamental que se considera violado;
II - a indicação do ato questionado;
III - a prova da violação do preceito fundamental;
IV - o pedido, com suas especificações;
V - se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.
Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de instrumento de mandato, se for o caso, será apresentada em duas vias, devendo conter cópias do ato questionado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação.
Art. 4o A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando
não for o caso de argüição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta.
68
§ 1o Não será admitida argüição de descumprimento de preceito
fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.
§ 2o Da decisão de indeferimento da petição inicial caberá agravo, no prazo
de cinco dias.
Art. 5o O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de
seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de descumprimento de preceito fundamental.
§ 1o Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em
período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno.
§ 2o O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato
questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de cinco dias.
§ 3o A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais
suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada. (Vide ADIN 2.231-8, de 2000).
§ 4o (VETADO)
Art. 6o Apreciado o pedido de liminar, o relator solicitará as informações às
autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de dez dias.
§ 1o Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos
que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.
§ 2o Poderão ser autorizadas, a critério do relator, sustentação oral e
juntada de memoriais, por requerimento dos interessados no processo.
Art. 7o Decorrido o prazo das informações, o relator lançará o relatório, com
cópia a todos os ministros, e pedirá dia para julgamento.
Parágrafo único. O Ministério Público, nas argüições que não houver formulado, terá vista do processo, por cinco dias, após o decurso do prazo para informações.
Art. 8o A decisão sobre a argüição de descumprimento de preceito
fundamental somente será tomada se presentes na sessão pelo menos dois terços dos Ministros.
§ 1o (VETADO)
§ 2o (VETADO)
69
Art. 9o (VETADO)
Art. 10. Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental.
§ 1o O presidente do Tribunal determinará o imediato cumprimento da
decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.
§ 2o Dentro do prazo de dez dias contado a partir do trânsito em julgado da
decisão, sua parte dispositiva será publicada em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União.
§ 3o A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente
aos demais órgãos do Poder Público.
Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Art. 12. A decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em argüição de descumprimento de preceito fundamental é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória.
Art. 13. Caberá reclamação contra o descumprimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, na forma do seu Regimento Interno.
Art. 14. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 3 de dezembro de 1999 FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
229.
9.1.7.3 Objetivos e características da ADPF
O objetivo geral da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é evitar
que condutas atitudes e normas divergentes a preceitos fundamentais constantes da
Constituição comprometam o ordenamento jurídico, comprometendo a supremacia
constitucional. Possibilita o instituto, da mesma forma que as demais ações de
controle abstrato, preservar a segurança jurídica, impedindo que aconteçam
decisões divergentes sobre a constitucionalidade de uma norma230.
229
BRASIL. Lei no 9.882, de 3 de Dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da
arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1o do art. 102 da Constituição Federal. In: Vademecum 2013. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 1710-1711. 230
DIMOULIS e LUNARDI, op. cit., p. 160, nota 64.
70
Processualmente a ADPF é uma forma para a realização de controle de
constitucionalidade de tipo judicial, abstrato e repressivo, que se apresenta em duas
modalidades: (1) ADPF principal (direta, autônoma) tem como finalidade expressa
no art. 1º, caput, Lei nº 9.882/99 “evitar ou reparar lesão a preceito fundamental,
resultante de ato do Poder Público”, e (2) ADPF incidental (por derivação)
apresentada com incidente no decorrer do processo231.
O professor DANTAS resume o objeto da ADPF, da seguinte forma:
- Referida ação tem por escopo combater não só as diversas espécies normativas, como também todos os demais atos praticados pelo Poder Público, ou por quem lhe faça às vezes, que tenham a potencialidade de violar preceitos fundamentais da Lei Maior. - Podem ser considerados atos do Poder Público, para fins de cabimento dessa ação, todos os atos da Administração em que esta valha de seu poder de império, atuando com observância do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. - Também podem ser considerados atos do Poder Público todos os atos de terceiros que agem por delegação do Poder Público (pessoas que atuam em nome do Estado), como se dá, por exemplo, com os diversos concessionários de serviços públicos e também diretores de instituições de ensino. - Igualmente são considerados atos do Poder Público as decisões judiciais que não observem preceitos fundamentais da Constituição Federal, quando não houver outro meio processual adequado para combatê-las. - A ADPF por equiparação terá por objeto não só o combate a atos normativos federais e estaduais, como também as leis e atos normativos municipais, além das normas (de todos os entes federativos) anteriores à Constituição vigente, quando houver controvérsia constitucional relevante
232.
9.1.7.4 Legitimados ativos pra a arguição de descumprimento de preceito
fundamental
Na leitura do art. 2º, I, Lei nº 9.882/99, percebe-se que podem propor a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental todos os legitimados para a utilização da
Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica. Desta forma, basta consultar o art.
103, caput, da CRFB/1988 para se ter a informação daqueles que possuem a
legitimidade ativa ad causam233:
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) I - o Presidente da República;
231
Ibid., p. 160. 232
DANTAS, op. cit., p. 242, nota 52. 233
Ibid., p. 242, nota 52.
71
II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Tribunal Federal. [...]
234.
Neste ponto é importante comentar que o art. 2º, inciso II (vetado), da Lei 9.882/99,
conferia a qualquer pessoa, lesada, a legitimidade para propor junto a Supremo
Tribunal Federal a ADPF, mas o dispositivo foi vetado pelo Presidente da República,
por considera-lo incompatível com o controle de constitucionalidade concentrado.
Vários autores argumentam que o instituto ADPF por equiparação ou incidental
perdeu a sua força quando não se trata dos legitimados enumerados no inciso I do
mesmo artigo235. Esta também é a posição de LEO VAN HOLTHE, citado pelo
professor DANTAS:
Com o veto presidencial, o Pretório Excelso tem entendido de forma reiterada que apenas os legitimados do art. 103 da CF/88 podem propor a ADPF (tanto a autônoma, quanto a incidental). Considerando-se que a ADPF autônoma não exige a comprovação de “relevância” da controvérsia constitucional suscitada, concluiu-se que os legitimados do art. 103 certamente preferirão ingressar com esta modalidade de ADPF, restando à modalidade incidental o papel quase de “figura decorativa”
236.
Contudo, não é esta a posição do professor DANTAS que declara, “a despeito de
aquele inciso II ter sido vetado, o §1º do mesmo artigo 2º, da Lei nº 8.882/1999 [sic]
o correto é Lei nº 9.882/99 [grifo nosso] autoriza qualquer interessado (logo qualquer
lesado) solicite”237, mediante pedido encaminhado diretamente ao Procurador- Geral
da República, a postulação de Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental, se este julgar conveniente proporá a referida ação constitucional238.
234
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. In: Vademecum 2013. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 42. 235
DANTAS, op.cit., p. 243, nota 52. 236
HOLTHE apud DANTAS, op. cit., p. 243, nota 76. 237
DANTAS, op. cit., p. 243, nota 52. 238
Ibid., p. 243.
72
Parcela da doutrina considera que qualquer pessoa que possua interesse direto tem
legitimidade para propor a ação, mas a posição majoritária da doutrina limita os
legitimados às pessoas relacionadas no art. 103, CRFB/88239.
9.1.7.5 Potencial inconstitucionalidade da arguição de descumprimento de
preceito fundamental por equiparação.
Entende o professor DANTAS que há hipótese de ampliação, através de lei
infraconstitucional, da competência do Supremo Tribunal Federal, que em seu
entendimento “importa em manifesta inconstitucionalidade”, quando o art. 1º, inciso I,
da Lei 9.882/99 prevê a possibilidade de propositura de ADPF, quando ocorrer
“controvérsia constitucional relevante sobre lei ou ato federal, estadual ou municipal,
mesmo que anteriores à Constituição”. [grifo nosso]. Chama a atenção
especificamente para o art. 102, inciso I, alínea a, da CRFB/88 que segundo seu
entendimento “não havendo qualquer permissão para que o Pretório Excelso julgue
também a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos municipais ou anteriores
à Constituição vigente”240.
Reforça tal circunstância o professor DANTAS, citando PEDRO LENZA:
Portanto, ao que se percebe, a lei utilizou-se de manobra para levar ao STF matéria que o Constituinte Originário não estabeleceu. Entendemos, então, que deveria haver alteração, por emenda, ao art. 102, I, a, da CF, para se permitir a chamada arguição por equiparação. Não se discute a sua utilidade, mas entendemos que deveria haver uma correção do texto, sob pena de o legislador infraconstitucional estar atribuindo competência ao STF, não prevista na CF/88
241.
No mesmo caminho informa que ALEXANDRE MORAES comunga do mesmo
entendimento, contudo, ressalta que vários doutrinadores não pensam da mesma
forma, elencando RICARDO CUNHA CHIMENTI, FERNANDO CAPEZ, MÁRCIO F.
ELIAS ROSA E MARISA F. SANTOS, que assim declaram:
Em nosso entendimento, ao regulamentar que a ADPF pode ter por finalidade dirimir relevante controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição vigente à época de sua propositura, o inciso I do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.882/1999 apenas explicita hipótese de proteção ao preceito fundamental da segurança previsto no caput do art. 5º da CF, disposição genérica que inclui a segurança das relações jurídicas. Com
239
DIMOULIS e LUNARDI, op. cit., p. 162, nota 64. 240
DANTAS, op. cit., p.244, nota 52. 241
Ibid., p. 245.
73
absoluto respeito às posições em sentido contrário, não vemos no dispositivo qualquer ampliação da competência do C. STF por lei ordinária
242.
O professor DANTAS, pondera que no mesmo sentido LEO VAN HOLTHE não
considera haver qualquer inconstitucionalidade na instituição da ADPF incidental ou
por equiparação, em virtude que a “ampliação da competência do STF em sede de
controle abstrato de constitucionalidade, promovida pela Lei nº 9.882/99, deveu-se à
redação do art. 102, § 1º, da CF, de 1988 que previu de maneira ampla a ADPF,
delegando a tarefa de delimitar a sua abrangência à legislação ordinária”243.
De qualquer forma, enquanto o STF não julgar a ADI 2.231/DF proposta pelo
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), face art. 1º,
parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.882/99, abaixo descrita, a referida norma
legislativa deverá, nas palavras do professor DANTAS, “ser considerada plenamente
e, sobretudo levando em conta a necessidade de observância do já estudado
princípio da presunção de constitucionalidade das leis [...]”244:
ADI 2231 - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (Processo físico) : Número do Protocolo: 2000/49619 - Data de Entrada no STF: 27/06/2000 Número: ADI 49619 Órgão de Origem: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Origem: DISTRITO FEDERAL Volume: 1 Apensos:0 Folhas:55 Qtd. juntada linha: 3 Número Único: 0002266-28.2000.0.01.0000 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Ramo do Direito Assunto DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO- Formação, Suspensão e Extinção do Processo - Extinção do Processo Sem Resolução de Mérito - Adequação da Ação / Procedimento – Folhas 55 Data de Autuação 27/06/2000 PARTES Categoria Nome REQTE.(S) CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL ADV.(A/S) MAURÍCIO GENTIL MONTEIRO ADV.(A/S) RAFAEL BARBOSA DE CASTILHO INTDO.(A/S) PRESIDENTE DA REPÚBLICA INTDO.(A/S) CONGRESSO NACIONAL INTDO.(A/S) CONECTAS DIREITOS HUMANOS ADV.(A/S) ELOÍSA MACHADO DE ALMEIDA
245.
242
DANTAS, op. cit., p. 245, nota 52. 243
Ibid., p. 246. 244
Ibid., p. 246. 245
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2.231. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoDetalhe.asp?incidente=1828554>. Acesso em 16/03/2014.
74
9.1.7.6 Caráter subsidiário da ação de descumprimento de preceito
fundamental
Podemos perceber pela leitura do art. 4º, caput, da Lei nº 9.882/99 “A petição inicial
será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de arguição de
descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos em
Lei ou for inepta”. De forma mais objetiva no art. 4º, §1º da Lei nº 9.882/99 está
delineado “Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental
quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”246, o caráter
complementar e subsidiário da ADPF247.
A doutrina, como não poderia deixar de ser, diverge sobre o tema, por um lado
conforme o professor DANTAS, cita UADI LAMMÊGO BULOS, e ALEXANDRE
MORAES, aquele248:
A ADPF não substitui o agravo regimental, a reclamação, os recursos ordinários e extraordinários, o habeas corpus, o mandato de segurança individual e coletivo, o mandato de injunção, a ação popular e a ação pública. Também não pode ser ajuizada no lugar da ação direta de inconstitucionalidade por ação ou omissão, da ação interventiva ou da ação declaratória de constitucionalidade
249.
Este segue o mesmo entendimento, quando afirma:
[...] não substitui as demais previsões constitucionais que tenha semelhante finalidade, tais como o habeas corpus, habeas data; mandado de segurança individual e coletivo; mandado de injunção; ação popular; ações diretas de inconstitucionalidade genérica, interventiva e por omissão e ação declaratória de constitucionalidade
250.
Por outro lado, a doutrina, com base em jurisprudência mais recente da Suprema
Corte, diverge destas posições, que leva o professor DANTAS, citar novamente Leo
van Holthe que apresenta um conceito nos seguintes termos251:
Assim, o Pretório Excelso atenuou o princípio da subsidiariedade, apenas deixando de conhecer uma ADPF quando houver outro meio eficaz capaz de sanar a lesão, dentro os processos objetivos de controle de constitucionalidade. A mera possibilidade de ajuizamento de processos subjetivos de controle (mandado de segurança, habeas corpus, ação ordinária etc.) não impede a utilização da ADPF, até porque, se o princípio
246
BRASIL. Lei no 9.882, de 3 de Dezembro de 1999, op. cit., p. 1711, nota 80.
247 DANTAS, op. cit., p. 246, nota 52.
248 Ibid., p. 246.
249 Ibid., p. 246.
250 Ibid., p. 247.
251 DANTAS, op. cit., p. 247, nota 52.
75
da subsidiariedade fosse entendido dessa forma ampliada, nenhuma ADPF sequer chegaria a ser conhecida (considerando que sempre é cabível o ajuizamento de um MS ou de uma ação ordinária)
252.
Da mesma forma, nossa Corte Suprema tem posicionamentos distintos, em decisões
mais antigas, segue os primeiros entendimentos253:
O ajuizamento da ação constitucional de arguição de descumprimento de preceito fundamental rege-se pelo princípio da subsidiariedade (Lei nº 9.882/99, art. 4º, § 1º), a significar que não será ela admitida, sempre que houver qualquer outro meio juridicamente idôneo apto a sanar, com efetividade real, o estado de lesividade emergente do ato impugnado. Precedentes: ADPF 3/CE, ADPF 12/DF e ADPF 13/SP. (STF, Pleno, ADPF 17-AgRg/AP, Rel. Min. Celso de Mello, v. u., j.5.6.2002, DJ de 14.2.2003, p.48)
254.
Enquanto que para referendar o entendimento que a arguição de descumprimento
de preceitos fundamentais tem o caráter de subsidiário, o Supremo Tribunal Federal,
em recente julgado, admitiu que esta ação fosse conhecida como uma ação direta
de inconstitucionalidade, com o seguinte acórdão255:
Tendo em conta o caráter subsidiário da argüição de descumprimento de preceito fundamental - ADPF, consubstanciado no § 1º do art. 4º da Lei 9.882/99, o Tribunal resolveu questão de ordem no sentido de conhecer, como ação direta de inconstitucionalidade - ADI, a ADPF ajuizada pelo Governador do Estado do Maranhão, em que se impugna a Portaria 156/2005, editada pela Secretária Executiva de Estado da Fazenda do Pará, que estabeleceu, para fins de arrecadação do ICMS, novo boletim de preços mínimos de mercado para os produtos que elenca em seu anexo único. Entendeu-se demonstrada a impossibilidade de se conhecer da ação como ADPF, em razão da existência de outro meio eficaz para impugnação da norma, qual seja, a ADI, porquanto o objeto do pedido principal é a declaração de inconstitucionalidade de preceito autônomo por ofensa a dispositivos constitucionais, restando observados os demais requisitos necessários à propositura da ação direta. Precedente citado: ADI 349 MC/DF (DJU de 24.9.90) (STF, Pleno, ADPF 72, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 1º.6.2005, DJ 2.12.2005, p.2)
256.
Finalmente, entendemos que a escolha da ação de controle judiciário abstrato, que
servirá perfeitamente para atender ao tema “Enchentes” com a situação hipotética
que sugerimos é a Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais
(ADPF). O que levou-nos a esta conclusão foi o estudo de todas as ações de
controle concentrado, e a análise do Instituto ADPF, notadamente na abordagem,
252
Ibid., p. 247-248. 253
Ibid., p. 247. 254
Ibid., p. 247. 255
Ibid., p. 248. 256
DANTAS, op. cit., p. 248, nota 52.
76
abaixo transcrita, que nos ensinou o professor PAULO ROBERTO DE FIGUEIREDO
DANTAS, com a seguinte explanação:
Seria o caso, por exemplo, de arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta pelo Procurador-Geral da República, para impugnar uma lei municipal ou uma norma anterior à promulgação da Carta de 1988, já que, nessa hipótese, não seria cabível qualquer outra das modalidades de controle concentrado de constitucionalidade. [...] hipótese somente permanecerá viável caso a arguição de descumprimento de preceito fundamental incidental ou por equiparação, prevista no art. 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.882/1999, não seja julgada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 2.231/DF
257.
10 Procedimento Processual
NESTE PONTO SURGE A SEGUINTE DÚVIDA Será necessária a utilização de
uma Entidade representativa, ou poderia ser proposta apenas por um indivíduo?
As entidades representativas da população, Federação das Associações de
Moradores e Movimentos Populares do Espírito Santo; a Associação dos Moradores
da Praia da Costa; a Associação dos Moradores do Bairro Itapuã, o Instituto de Ação
Comunitária e Integração de Vila Velha e Conselho Comunitário de Vila Velha –
CCVV, com base no § 1º, do art. 2º, da Lei nº 9.882/99258;
Art. 2º Podem propor argüição de descumprimento de preceito fundamental: [...] § 1o Na hipótese do inciso II, faculta-se ao interessado, mediante representação, solicitar a propositura de argüição de descumprimento de preceito fundamental ao Procurador-Geral da República, que, examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá do cabimento do seu ingresso em juízo
259.
O movimento iniciou uma campanha para colher assinaturas visando
encaminhamento de propositura de Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental – ADPF, ao Procurador-Geral da República, para combater o ato de
criação do Empréstimo Compulsório pelo Poder Público Municipal, em função de
257
Ibid., p. 249. 258
BRASIL. Lei nº 9.882, de 3 de Dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1o do art. 102 da Constituição Federal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9882.htm>. Acesso em: 05/03/2104. 259
Ibid., p.1710.
77
invasão de competência privativa da União, prevista no art. 148 CRFB/1988, abaixo
descrito:
Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:
I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;
II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b".
Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição
260.
Que se aprovada, pelo Procurador-Geral da República, deverá ser submetida ao
Supremo Tribunal Federal, conforme art. 102, § 1º da CRFB/88.
10.1.1 Conteúdo da petição inicial e causa petendi aberta
De acordo com o art. 3º da Lei nº 9.882/99, a petição inicial deve indicar a lei ou o
ato violado, e os fatos que levam a concluir a violação do preceito, o pedido
propriamente dito261.
Esclarecem DIMITRI DIMOULIS e SORAYA LUNARDI:
No processo tradicional, a admissão da petição inicial pressupõe a formulação dos
motivos que sustentam o pedido, substanciando a causa de pedir. A causa petendi
aberta ainda significa que o STF não se limita aos fundamentos apresentados pelo
autor na petição inicial. Realiza, de ofício, ampla verificação em face à Constituição.
O STF adotou essa interpretação em vários processos, decidindo que a Corte pode
se basear em fundamentos não apresentados pelo autor262.
10.1.2 Principais regras procedimentais da ADPF.
Na forma do art. 3º da Lei. 9.882/99, a petição inicial deverá indicar:[163]
Art. 3o A petição inicial deverá conter:
I - a indicação do preceito fundamental que se considera violado;
260
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, op. cit., p. 52, nota 85. 261
DIMOULIS e LUNARDI, op. cit., p. 163, nota 64. 262
Ibid., p. 163.
78
II - a indicação do ato questionado;
III - a prova da violação do preceito fundamental;
IV - o pedido, com suas especificações;
V - se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.
Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de instrumento de mandato, se for o caso, será apresentada em duas vias, devendo conter cópias do ato questionado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação
263.
(1) “inciso I” O ato questionado; [163]
(2) “Inciso II” O preceito que se considera violado; [163]
(3) “Inciso III” Elementos que comprovam a violação do preceito; [163]
(4) “Inciso IV” O pedido concreto (declaração de inconstitucionalidade total ou
parcial, meios para sanar a violação do preceito, pedido de medida cautelar,
etc.); [163]
(5) “Inciso V” Na ADPF incidental, deve também ser comprovada a relevante
controvérsia judicial, não sendo permitida alegações genéricas sem
demonstração do fundamento e dos atos impugnados; [163]
(6) “§ único”Na regulamentação da ADPF, encontramos as exigências
formalistas apontadas em relação à ADIn, exigindo-se a juntada de
procuração, caso haja advogado, assim como de cópia dos atos questionados
e do eventual material probatório da inconstitucionalidade. [163]
Art. 4o A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando
não for o caso de argüição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta.
§ 1o Não será admitida argüição de descumprimento de preceito
fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.
§ 2o Da decisão de indeferimento da petição inicial caberá agravo, no prazo
de cinco dias264
.
263
BRASIL. Lei nº 9.882, de 3 de Dezembro de 1999, op. cit., p. 1710-1711, nota 109. 264
BRASIL. Lei nº 9.882, de 3 de Dezembro de 1999, op. cit., p. 1711, nota 109.
79
(7) “Art. 4º” Se a petição não preencher esses requisitos, o relator pode
indeferir liminarmente a ADPF. O mesmo ocorre se o relator considerar a
petição inicial inepta; [163]
(8) “§ 2º” Contra decisão de indeferimento liminar do relator cabe recurso de
agravo no prazo de cinco dias;[163]
A admissão da petição inicial pressupõe que os argumentos que sustentam o pedido
foram aceitos, e substanciam a causa de pedir. O STF poder atuar de ofício e em
vários processos, a Suprema Corte decidiu em fundamentos não apresentados pelo
autor265.
Procedimento:
Art. 6o Apreciado o pedido de liminar, o relator solicitará as informações às
autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de dez dias.
§ 1o Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos
que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.
§ 2o Poderão ser autorizadas, a critério do relator, sustentação oral e
juntada de memoriais, por requerimento dos interessados no processo266
.
(9) “Art. 6º”Será concedido ao órgão responsável pelo ato impugnado o prazo
de 10 dias para se manifestar;[164]
(10) “§ 1º” Decorrido esse prazo, o relator pode pedir informações a
outros interessados e, eventualmente, designar audiência pública para ouvir
pessoas com “experiências e autoridade na matéria”;[164]
(11) “§ 2º” Na ADPF incidental, o relator pode também ouvir as partes dos
processos que geraram a ADPF, mostrando tendência de subjetivar o
processo objetivo. Isso é inevitável, pois a ADPF incidental combina
elementos de fiscalização abstrata e concreta.[164]
Ocorre que a lei da ADPF não normatiza a participação do Procurador-Geral
da República. Entretanto, o art. 103, § 1º, da CRFB/88, determina seja ouvido
265
DIMOULIS e LUNARDI, op. cit., p. 163, nota 64. 266
BRASIL. Lei nº 9.882, de 3 de Dezembro de 1999, op. cit., p. 1711, nota 109.
80
nas ações de controle abstrato e nos processos de competência do STF267.
Prelecionam DIMOULIS e LUNARDI: “como a ADPF é uma ação de
inconstitucionalidade, o silêncio da lei não dispensa essa oitiva. A diferença é
que para sua manifestação não há prazo268”, e fazem a seguinte observação
citando WALTER CLAUDIUS ROTHENBURG:
Conforme observado, é curiosa a exigência constitucional (art. 103, § 1º) de parecer do Procurador-Geral da República em todas as ações de competência do STF, mesmo quando foi o próprio Procurador-Geral da República que propôs a ação [Rothenburg, 2010, p.123]
269.
Art. 7º da Lei nº 9.882/99:
Art. 7o Decorrido o prazo das informações, o relator lançará o relatório, com
cópia a todos os ministros, e pedirá dia para julgamento.
Parágrafo único. O Ministério Público, nas arguições que não houver formulado, terá vista do processo, por cinco dias, após o decurso do prazo para informações
270.
(12) “§ único” Pode o Ministério Público pedir vista do processo, e se
manifestar. [165]
Neste ponto, o Ministro relator, na forma do art. 7º, caput, da Lei nº 9.882/99,
“Decorrido o prazo das informações, o relator lançará o relatório, com cópia a todos
os ministros, e pedirá dia para julgamento”271.
DEFINIR QUAL O TIPO DE ADPF principal ou incidental? E efetuar breve relato
sobre cada uma.
Concessão de medidas cautelares
No art. 5º, caput, da Lei nº 9.882/99, há previsão que permite a concessão de
medida cautelar (liminar), para tal será necessária a decisão da maioria absoluta dos
Ministros (seis votos a favor). Tal medida pode representar a suspensão de
267
DIMOULIS e LUNARDI, op. cit., p. 164, nota 64. 268
DIMOULIS e LUNARDI, op. cit., p. 164-165, nota 64. 269
ROTHENBURG, Walter Claudius apud DIMOULIS e LUNARDI, op. cit., nota rodapé “200”, p. 165, nota 64. 270
BRASIL. Lei nº 9.882, de 3 de Dezembro de 1999, op. cit., p. 1711, nota 109. 271
Ibid., p. 1711.
81
processos judiciais ou efeitos de decisões judiciais, bem como o cancelamento de
qualquer outro ato que já tenha ocasionado prejuízos, podendo o julgador suspender
um ato impugnado ou adote outras providências para remediar situações.
Limitando, contudo, a situações que já estejam protegidas pela coisa julgada272.
A lei não indica, da mesma forma que nas outras ações de controle abstrato, quais
seriam os requisitos para a concessão da medida liminar. Tem que recorrer a
jurisprudência e doutrina, que de acordo com DIMOULIS e LUNARDI são os
seguintes273:
a) Razoabilidade jurídica da tese apresentada (fumus boni juris); b) Relevância do pedido que decorre dos possíveis danos em razão da
demora da decisão demandada (periculum in mora); c) Conveniência da cautelar em razão da avaliação comparativa do
benefício esperado e do ônus da suspensão provisória.
Se houver decisão que indefira a medida cautelar, cabe pedido de reconsideração,
mas apenas se tenha ocorrido fato novo. A Lei nº 9.882/99 não estabelece prazo
para a validade da medida liminar, mas DIMOULIS e LUNARDI informam que “a
doutrina sugere aplicar analogicamente na ADPF a previsão de prazo de 180 dias
estabelecido como marco máximo para a validade da liminar na ADC”274.
Decisão final
Para que a Suprema Corte estabeleça a decisão final, há exigência de pelo menos
dois terços dos Ministros, exigência prevista no art. 8º da Lei nº 9.882/99. A decisão
final da ADPF pode, além, de declarar a inconstitucionalidade ou constitucionalidade
de certo ato administrativo, ou ordenar outras providências. A Lei nº 9.882/99
estipula que a decisão fixará as condições, o modo de interpretação e aplicação do
preceito fundamental lesado por ato do poder público (art. 10, caput). A decisão tem
efeito erga omnes e vinculantes, que ocorre desde o final do julgamento não sendo
necessário esperar a publicação (art. 10, § 1º)275.
Com relação a possibilidade de recursos, DIMOULIS e LUNARDI ensinam:
272
DIMOULIS e LUNARDI, op. cit., p. 176, nota 64. 273
DIMOULIS e LUNARDI, op. cit., p. 176-177, nota 64. 274
Ibid., p. 177. 275
Ibid., p. 178.
82
A decisão final é irrecorrível (art. 12 da Lei 9.882). Não há previsão de interposição de embargos de declaração, mas a doutrina considera-os possíveis e o STF já os admitiu. [Embargos de Declaração na ADPF 101, decisão relatora, Min. Cármen Lúcia, julg. 14-8-2009] O STF admite também Agravo Regimental contra decisão monocrática com base no art. 317 de seu Regimento Interno.
COMO CONCLUIR ?
Perguntas:
Qual a posição do professor Dalton, com relação a posição doutrinária
alegando quanyto o art. 1º, inciso I, da Lei 9.882/99, implica em aumento não
autorizado da área de competência do STF, (concorda ou não)?
Qual o modelo mais adequado de ADPF a ser utilizado?
o ADPF principal (direta, autônoma), ou
o ADPF incidental (por derivação)? (neste caso teríamos que criar uma
demanda que provocasse a necessidade do julgamento de um
incidente no decorrer do processo)?
o Ao mesmo tempo deveríamos também criar uma situação de relevante
controvérsia? Como? (seria suficiente criar a hipótese de várias MS,
contra o ato da Prefeitura, com sentenças divergentes)?
o Há sumulas vinculantes à respeito? Não localizei...
o