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1. INTRODUÇÃO
O mais importante escrito de Santo Tomás acerca da questão política é o Tratado da
Lei. O Tratado da Lei é parte integrante da Summa Theologica, obra magna da
teologia, filosofia e escolástica. Escrito no qual o Doutor Angélico defende a Lei
como produto de comunidades desenvolvidas no nível da perfeição completa, ou
final. A Lei não poderia existir em comunidades onde o nível de perfeição não fosse
completo.
Deve-se admitir que o nível de desenvolvimento das comunidades é relativo, ou
seja, que as mesmas chegaram a estabelecer a Lei por meios e circunstâncias
históricas diversas, mas que mesmo assim, pelo fato de terem atingido o nível da
Lei, (de terem chegado por meio natural de desenvolvimento até ela), devem ser
consideradas civilizadas em algum nível, mesmo que a comunidade seja deficiente
em outro aspecto em relação à outra mais desenvolvida em outros termos (militar,
tecnológico, lingüístico).
A questão a que se pretende o Santo Doutor é a da distinção entre os realmente
civilizados, ou seja, aqueles sobre os quais a Lei é aplicada e que estão no nível de
sua própria moral; e aqueles relativamente civilizados, ou seja, que a sua Lei não
está na sua altura moral, ou ainda, que a Lei ultrapasse o nível moral da
comunidade, pela moral estar abaixo do ideal da Lei proposta pelo legislador.
Quanto mais equilibrada uma comunidade for, melhor será a sua Lei. A Lei deve ser
tão boa, e estar de tal forma ajustada ao modus vivendi de seu povo, que o
legislador deve possuir tal conhecimento de sua vida diuturna e, sendo sábio, deverá
propor as melhores Leis. As leis mais perfeitas têm como fim a felicidade do povo.
Tal estado de bem-estar deve ser alcançado pelo ideal da política, pois a política é
tida como o “bem supremo” e, também, “ciência arquitetônica” (conceitos advindos
da Política de Aristóteles), onde e sob a qual todas as outras ciências e saberes
tornam-se possíveis.
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O legislador fazendo uso da sabedoria e inteligência, e, ainda, da observação, deve
buscar um ideal de Lei tão perfeito que seja justo a si mesmo, ao povo da
comunidade, e ainda atenda aos interesses externos do povo e dos estrangeiros que
mantém interesses na comunidade (principado, feudo, cidade), sendo de tal forma
boa que agrade, atraia e mantenha uma “diplomacia agradável” tendo-se em vista os
interesses do governante e de seu povo, mantendo-se sempre a soberania e a
independência, sem se descuidar dos exércitos. A Lei deve regular o que seja
assunto de acordo de seus interesses e de seus comércios entre a comunidade e o
principado estrangeiro. Todas as ordens de relação interna e externa devem ser
objeto de Lei e do legislador, tendo-se sempre em vista que as Leis mais simples e
universais são sempre as mais eficientes e benéficas e ainda toleradas pelo povo,
por seu poder abrangente.
A comunidade a que se refere Tomás de Aquino não é o Estado que entendemos
nos dias de hoje. A comunidade pode ser o principado, uma série de pequenas
extensões de terra a volta de um grande ou de um pequeno castelo não fortificado, e
que tenha um príncipe ou qualquer nobre de alta estirpe como governante. A
comunidade ainda pode ser um pequeno feudo, como também, um grande, ambos
fortificados.
A questão da Lei também passa pela questão do soberano. No século XIII A.D. o
mesmo soberano reinava sobre terras distintas, muitas delas distantes em demasia
e com um caleidoscópio de Leis diversas entre si.
Tomás de Aquino é produto de um mundo singular, o mundo pré-moderno do século
XIII. Esse mundo possui uma vida e uma dinâmica próprias, a de contemplar
distante e silenciosamente as coisas do mundo. Por muitas vezes, ficar distante e na
clausura (muito embora a sua vida tenha sido sempre preenchida de compromissos,
viagens, e aulas em lugares distantes), o Santo Doutor pode refletir, escrever e
pensar na realidade a sua volta; nada escapou a este homem que de olhar atento
elevou a escolástica a seu mais verdadeiro nível. O mundo de Santo Tomás é um
mundo onde o conhecimento grego e romano começa a ser redescoberto graças a
influência dos árabes que ocupam a Península Ibérica. É um mundo em que se
gesta a Reforma que o frade agostiniano Martinho Lutero faria no século XVI quando
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da publicação de suas noventa e cinco teses reprovando os costumes dos clérigos
da Igreja e convidando-os a se retratarem. É um mundo também onde os reis
espanhóis de Castela, Aragão e Navarra, juntamente com o Rei de Portugal,
empreendem a reconquista dos territórios ocupados pelos mouros.
A análise da Lei é singular na doutrina do Angélico. Ele pensa abstraindo-se do
conceito de povo, embora saiba que Lei se destina principalmente a este, e que
cabe a este obedece-la pois foi feita por legisladores sábios que ocupam suas
posições por vontade de Deus, em última análise. Tomás de Aquino também se
abstrai dos conceitos de nação e região, muito embora saiba que as Leis são
diferentes entre si dada a região em que se dão, por motivos até mesmo culturais.
Há uma concentração na problemática do fenômeno da Lei, do advento da Lei.
Para que possamos compreender em toda a amplitude possível ás faculdades
humanas, e em seu justo valor, a doutrina de Santo Tomás no Tratado da Lei, é
conveniente que entendamos o lugar em que esta doutrina se encontra inserida no
interior da Summa Theologica.
O Doutor Angélico concebeu que a segunda parte da síntese filosófico-teológica,
que é a Summa, (e a qual pertence o Tratado da Lei), fosse a do movimento do
homem racional, (e civilizado, já que vive em comunidade interdependente), perante
o Grande Arquiteto do Universo. Este movimento do homem em direção à Deus, é o
movimento de sua conversão mais intima aos propósitos de seu Criador. O
movimento do homem é ainda uma volta contemplativa ao Primeiro Principio, imóvel
(pois, perfeito). Desta forma, segundo Heráclito (Heráclito, 2002), e após esse,
segundo Aristóteles (Aristóteles, 1985), somente a criação é móvel, pois muda, e o
que muda está inserido na dinâmica do tempo. O que está fora do tempo não muda,
pois a eternidade presume a perfeição (Agostinho, 1989).
O homem gerado pela bondade infinita de Deus, por vontade Sua, e por Sua
igualmente infinita graça torna a seu Criador, por intermédio de suas boas obras, de
sua fé, e de seu esforço racional de chegar até a mente de Deus. Desta forma o
homem adequa o seu modus vivendi ao modus proposto pela Lei Divina, e, então,
ele adquire a condição de potencializar o seu bem querer e merecer a graça
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(Agostinho, 1989). O homem que adequa a sua Lei à Lei Divina, (sendo essa
adequação obra do legislador), e busca viver de acordo com ela, torna, desta forma,
ao Principio Primeiro que é o principio de causa eficiente de todas as coisas, em um
futuro trans-existencial; mas, ainda em vida em comunhão com tal Principio (pois a
via do ser é fé, e sendo a fé um canal de interligação do homem a Deus, podemos
dizer que o Principio habita o coração do homem). A descrição das atribuições deste
principio foi realizada na primeira parte da Summa Theologica.
O movimento de conversão do homem junto a Deus consiste precisamente na
educação e direcionamento de suas faculdades sensuais (concupiscentes), na
direção da superação destes desejos pela vontade racional. Havendo o homem por
bem obrar, por bem obedecer, e por bem estabelecer a Lei mediante os desígnios
de Deus, vem, então, a mediar a si mesmo na direção ao retorno a sua raiz mais
divina. O homem que busca superar-se, e orientar-se pela Lei, e ainda harmonizar
os seus objetivos terrenos aos divinos, encaminha-se em direção a Deus como fim
supremo em si mesmo e fonte de toda bem aventurança. Por isso, também, o
Grande Santo determina que a moral teológica deva tratar o homem como imagem
operativa do Deus único, pois sendo desta forma, é o homem senhor de seus atos,
pois detém o livre-arbítrio. A moral é uma parte do conhecimento que estuda o agir
do homem sem alcançar a sua essência e nem a sua alma. Pois, a moral tem como
objeto àquilo que se pode presenciar, para se poder julgar. Aquilo que se pode ver
está especialmente ligado aos atos sensuais (concupiscentes) do homem, com seus
hábitos correspondentes e mais diretamente aos atos e hábitos oriundos da ação da
vontade, em virtude da qual o homem é dono de sua vida e goza de liberdade para
obrar.
Com atos retos, de direito, quando o homem se dirige mediata ou imediatamente a
Deus, tendo-O como fim último e como bem-aventurança suprema, este mesmo
homem reproduz em sua vida o mesmo trabalho de Deus, como ser criado a sua
imagem e semelhança. Santo Tomás, de toda a maneira, nos apresenta uma moral
essencialmente teológica, porque tem a Deus como objeto direto de sua
consideração: Deus fim último, especificador e configurador de toda a atividade livre
do homem, e como exemplo máximo do qual o homem é imagem, mesmo que
móvel. Estes conceitos são indispensáveis para que possamos apreender o sentido
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do Tratado da Lei, inscrito no conjunto da Summa Theologica, magistralmente
elaborada pelo Doutor Angélico.
O movimento, qualquer que o seja, é marcado por evoluções no espaço, pois o
movimento por estar no tempo, e por ocupar um espaço, possui inicio, duração e fim
(Aristóteles, 2001-2002). Desta forma, então, o movimento prescinde de um
término, de um fim seja esse fim temporal ou trans-temporal, ou melhor, estando a
terminar no mundo sensível ou no mundo da eternidade. Isto posto, a Lei segue uma
ordem na qual o seu estudo por parte do legislador, a sua promulgação e execução,
devem ter por ultimo fim a felicidade do homem, a sua bem-aventurança. Pois, a Lei
que está em consonância com o Eterno, conduz o homem (por dirigir-lhe e educar-
lhe a vontade e o entendimento) ao movimento de conversão mais íntima em que o
homem realiza por meio de seus atos no mundo sensível à vontade de Deus.
O Tratado da Lei é um tratado de ciência prática. É uma parte da Summa que
analisa questões concernentes a Lei desde o legislador até os seus efeitos na vida
singular. O livro em questão é um estudo dos atos humanos em geral, pois esses
atos se dão no seio da comunidade. A Lei constitui um dos ingredientes mais
fundamentais dos atos humanos, pois os atos humanos recebem (adquirem) os
conteúdos morais por intermédio da Lei. A Lei é o que ordena e impõe formas de
acordo com os seus fins, e o fim definitivo da Lei é o bem último.
Os princípios interiores que motivam os nossos atos são o entendimento e a
vontade. Isto é dado da seguinte forma: todo o agir do homem é apenas um ato de
deliberação de sua vontade, que, evidentemente, move as suas demais faculdades
superiores. O bom entendimento é o que ordena a vontade ao bem comum. Através
da Lei, Deus ilustra e instrui o entendimento do homem, dirigindo a sua função
prática (a função prática do entendimento), que pelo dom da graça instiga e move a
vontade do homem, fazendo-a acomodar-se a ordem natural, que começa na
inteligência e continua em sua vontade (na vontade do homem). É através da
vontade do homem que a Lei é instituída, obedecida e que chega a abarcar todos os
setores de sua vida.
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O Doutor Angélico concebe, então, que a Lei é uma instituição que guia a vida
moral, pois ensina o homem a bem agir. A Lei proporciona a disciplina inevitável e
fecunda à qual o homem deve submeter-se para alcançar o mais alto nível de vida.
Isto se dá por intermédio da virtude, pois o homem dirigindo-se a Lei como que para
um último destino, tanto na ordem temporal da conveniência, do desenvolvimento e
do dever social, como no plano transcendental e espiritual de sua vida pessoal e
sobrenatural, alcança a realização de seu fim em si mesmo, ou de sua vocação. A
lei eterna, a lei natural e a lei positiva (humana e divina), são os instrumentos
concretos através dos quais Deus orienta o homem e lhe fornece o sentido para que
a sua vida possa se realizar moralmente.
A palavra “lei”, segundo o que consta nas páginas 958 e 959 do “Koogan\Houaiss,
Enciclopédia e Dicionário Ilustrado”, é a que segue: “regra necessária ou obrigatória:
submeter-se a uma lei./Ato de autoridade soberana, que regula, ordena, autoriza ou
veda: promulgar uma lei./Conjunto desses atos: a ninguém é licito ignorar a
lei./Enunciado de uma propriedade física verificada de modo preciso: a lei da
gravidade dos corpos./Obrigação da vida social: as leis da honra, da
polidez./Autoridade imposta a alguém: a lei do vencedor.//Lei Divina, conjunto dos
preceitos que Deus ordenou aos homens pela Revelação.//Leis de Guerra, conjunto
das regras (tratamento dispensado a feridos, prisioneiros, etc.) admitidas por
numerosos Estados que se comprometem a respeita-las em caso de guerra.//Lei
Marcial, lei que autoriza a intervenção armada em caso de perturbações
internas.//Lei Moral, lei que ordena a praticar o bem e evitar o mal.//Lei Natural,
conjunto de normas de conduta baseadas na própria natureza do homem e da
sociedade.//Nova Lei, religião de Jesus Cristo...
Santo Tomás de Aquino assinala os princípios filosófico-teológicos das leis naturais,
(de ordem física e matemática), ao estabelecer a Providência como a que cria e
governa, com ordem, distinção, natureza e administração das coisas. As leis que
regem o mundo, como máquina natural, são leis eternas. Santo Tomás no Tratado
da Lei, estabelece que a lei eterna é uma das espécies ou determinações do
conceito geral de lei (Questões de 91 a 93 do Tratado), e esta “explicação” deverá
nos ajudar a entender de forma a mais correta o possível a natureza concreta da Lei
humana, ou moral, por analogia.
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Através da análise do Tratado em seu contexto histórico, podemos ter nele uma
antecipação de outro movimento histórico, filosófico, teológico e teleológico: a
instauração do Estado de Direito, como produto da evolução da Lei a partir do
Tratado e sua influência sobre os demais filósofos do estado e do direito. Esses
últimos posteriormente revisaram os conteúdos conceituais de Lei, Estado, nação e
sociedade. Tais conceituações tomaram a força do pensamento que através dos
panfletos e discursos insuflaram o povo a derrubar o absolutismo vigente e a
estabelecer os Direitos do Homem. Podemos dizer que Santo Tomás, como todo
bom filósofo, teve visão antecipatória e predicativa do futuro Estado de Direito e que
influenciou filósofos, legisladores e homens da política que instauraram e
mantiveram até os dias de hoje um novo estado de coisas, produto da evolução do
pensamento do homem. Deus dá inteligência ao homem, e este, pelo entendimento
e pela vontade institui a Lei. A Lei, produto da vontade e entendimento do homem, é
imposta por livre-arbítrio. O livre-arbítrio leva ao questionamento e adequação da lei
ao homem, para que este alcance a realização por esta ser natural. O Homem de
Direito cumpre a Lei, mas, a interpreta, questiona, e em seu julgamento, a relativiza
visando o seu próprio bem. Desta forma, surge a jurisprudência, como hoje a
conhecemos.
O Tratado da Lei e o caminhar da história, da história filosófica da Igreja e a
evolução da sociedade, são amalgamadas aqui, em tentativa, a fim de se mostrar
um todo evolutivo que culmina em um fim trans-histórico.
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2. A IGREJA E O ESTADO NO PERÍODO DE APOGEU DA FILOSOFIA
ESCOLÁSTICA (SÉC. XIII D.C.)
O século XIII da Era Cristã foi marcado por uma profunda reviravolta no cenário
medieval, e, por uma virada de pensamento, que buscando bases na antiguidade
clássica, vem a modificar as formas de administrar o conhecimento, os territórios e
a apontar ao legislador novos caminhos possíveis. A idéia de um Estado, tal como
hoje conhecemos, começa a adquirir força e universalidade. O desenvolvimento
filosófico operado pelos pensadores do século XII foi produto da assimilação das
idéias de Aristóteles e do estudo das Leis Romanas nas universidades. Desta
forma, profundamente influenciado pelo século que terminava, o século XIII nasce,
e os seus contemporâneos assistem o alvorecer das primeiras concepções de
Estado, de saber jurídico, filosófico e teológico ordenados. As concepções de
teocracia, hierarquia (divina prevalecendo sobre toda a vida do homem) e de
feudalismo, passam a co-existir com as novas idéias, e o resultado disto é o
diálogo, a interação e a confrontação entre essas idéias vigentes e as novas formas
que irão vigir como produto da evolução do pensamento humano.
O pensamento medieval é bastante complexo e varia em cada fase da Idade Média.
Esse pensamento é o nosso espelho, pois todo o arcabouço de nossas idéias
vigentes toma forma nas bibliotecas e clausuras dos mosteiros, abadias e
universidades. As sociedades moderna e contemporânea são apenas
concretizações do pensamento gestado, principalmente, na alta escolástica
medieval (Weber, 2004) e de seu desdobramento posterior com a Reforma de
Lutero (Weber, 2004, pp.221).
A Reforma, iniciada no seio da Igreja Católica, por iniciativa do Pensamento
Piedoso (Weber, 2004, notas ao Capítulo II da Primeira Parte), põe as idéias
trancadas nos mosteiros e nas clausuras para fora, expondo-as e fazendo a
sociedade evoluir em termos de organização (e re-organização) dos edifícios da Lei
e do Estado. A partir dessa convulsão no cenário político-teológico as relações
entre Igreja e Estado começam a tomar rumos onde a confluência do poder, da
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Igreja no Estado, começa a se atenuar. Surge o esboço do Estado Laico. No século
XIII ainda se confundiam as duas esferas de poder (a Igreja e o Estado), mas, isso
seria suplantado, com a centralização das monarquias absolutistas, pois a
descentralização do Estado, é o que dava á Igreja poderes hegemônicos.
Ainda no século XIII um novo mundo emergia na tentativa de fundar o Estado,
centraliza-lo na figura do rei, para que assim a comunidade pudesse melhor se
desenvolver. A idéia de um Estado uno, sob o comando de um, com exércitos
próprios e geograficamente delimitado começa a se universalizar em meio ao
anacronismo da sociedade feudal. O impulso natural a consecução do Estado não
alarmou a Igreja Católica que não conseguiu antever-lhe as conseqüências. Parecia
a Igreja e a seus legisladores que mesmo com a ascensão do novo modelo de
governo, não haveria diminuição de qualquer de seus poderes em quaisquer
esferas (política, filosófica e teológica – os edifícios operativos da Igreja), ou em
qualquer de seus campos: o secular e o temporal.
O rápido desenvolvimento que as idéias pré-capitalistas estavam a gerar, refletia-se
no acelerado avanço da urbanização, A expansão extra-muros dos feudos, a
ampliação do comércio, o maior fluxo de pessoas nos mais diferentes tipos de troca
de bens, e a fundação dos novos empórios comerciais (companhias comerciais),
levava o feudalismo lentamente ao fim e determinava a ascensão do rei na mais
nova forma de administração do território: o Estado centralizado, onde um só
manda, um só determina, e em última instância um só aplica a Lei. De toda a forma,
na ascensão do Estado centralizado, uma nova forma de interpretar a Lei ascende
com base nos estudos das Leis Romanas e na interpretação dos livros de
Aristóteles e, ainda, das obras legadas pelos legisladores romanos, como Sêneca,
Marco Antônio, Cícero e outros.
A maior preocupação do pensamento político na alta escolástica medieval, está na
relação entre a Igreja e os governadores do mundo secular, e particularmente, entre
o papado e o império.
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Essa história de conflitos entre papas e imperadores tem um marco histórico no ano
de 1150, quando o rei Frederico I Barbarossa confrontou-se com o papa Alexandre
III. Frederico cria que a aplicação da concepção de imperador do novo Império
Romano (do nascente Estado que viria a se unificar verdadeiramente somente no
século XIX) estava perfeitamente embasada no Corpus Iuris Civilis. Tal
fundamentação foi pelo imperador encomendada junto a juristas da cidade de
Bologna. Baseado no estudo dos bolonheses, o imperador se declarou Senhor do
Mundo (Dominus Mundi), (Burns, 1988).
O pensamento do Imperador em sua ânsia de formar das comunidades,
principados, e terras da igreja, um todo único (a Itália), incluía Roma. Pois Roma é o
centro do Império e do futuro Estado. Frederico I rejeitaria qualquer pretensão de
Alexandre III acerca das terras sob jurisdição secular da Igreja.
Frederico, o Senhor do Mundo, resolve então terminar com a influência territorial da
Igreja e declara guerra ao papado. Frederico perde a guerra contra Roma. E em
1177, o Imperador, já nem tão Senhor do Mundo quanto se presumia, reconhece
Alexandre III como senhor e governante do Estado eclesiástico e das várias terras
que o compunham, e que são em grande extensão, nos dias de hoje, as terras
pertencentes ao Estado da Itália. Entretanto, pela Paz de Constanza, em 1183,
Frederico consegue que as cidades da Lombardia aceitassem a sua soberania e o
auto-governo, fora da influência secular de Alexandre.
Tal como esse conflito entre Igreja e Estados nascentes, houveram outros, de forma
que somente no final do século XIV surgissem os primeiros estados nacionais,
centralizados e autônomos: Portugal e Espanha.
Mesmo sem antever as graves conseqüências que seriam sentidas no poder
secular, a Igreja, foi, com base em seus teólogos e filósofos, a propiciadora da nova
realidade do Estado que começava a se gestar.
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Gregório VIII sucede a Alexandre III no controle da Igreja Católica e empreende a
Terceira Cruzada. Foi uma forma de reunir principados, cidades e feudos em torno
de Roma e a re-afirmar o poderio temporal da Igreja sob o reino secular. Mas, os
reis da Germânia estavam vendo que a diminuição do poder da Igreja seria muito
interessante (muito embora a unificação alemã tenha se dado apenas as portas do
século XX). É também certo que Frederico II, sucessor de Frederico I, também
tenha influenciado o trono germânico no sentido de não mais aceitar a autoridade
secular papal. Um novo mundo estava se desenhando.
Torna-se necessário ancorar a nossa narrativa no contexto histórico de forma a
tentar enxergar o movimento do pensamento no qual foi escrito o Tratado da Lei, no
seio da Summa Theologica. No momento em que o Angélico empreende a escrita
do Tratado da Lei, urge na Igreja uma necessidade de adequação ao novo mundo
que vai emergindo dos escombros da destruição do sistema feudal. Alexandre III
vence Frederico I, mas, a Igreja começa a ver que novos movimentos se
intensificam, e é necessário justificar a nova ordem emergente no contexto do poder
temporal (os novos “Estados” devem ficar fiéis e a égide da Igreja, e a protege-la –
caso necessário for). Frederico II, enfrenta o sucessor de Gregório VIII, Inocêncio III
(1198-1216), (Burns, 1988). Quando Frederico II toma essa iniciativa, então, os
tronos da Alemanha se rebelam. A crise alcança a Inglaterra e lentamente o Império
Cristão (a Igreja Católica) começa a desmoronar em seu absoluto poder temporal.
Torna-se necessária uma nova ordem, uma adaptação, uma assimilação. A Igreja
como mantenedora do conhecimento, deve ser mantida pelos novos Estados que
surgem, pois os reis dela em muito dependeriam.
O Tratado da Lei é escrito em um momento em que se desenhará o modelo de
Estado, e, ainda, se promulgará o Estado de Direito do final do século XVIII, com a
Revolução Francesa. De toda a forma, todos os conceitos gestados pela teoria
moderna do Estado são oriundos das concepções teológicas seculares, concebidas
nos momentos das primeiras transições do feudalismo para o Estado Absoluto
(Schmitt, 1988).
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As questões políticas que se oferecem ao pensamento cristão no que tange as
relações entre Igreja e Estado são complexas e variadas. Os filósofos e os
governantes durante todo o trajeto da história buscam elaborar doutrinas e sistemas
administrativos que sirvam de critério para os planos políticos. De toda a forma, a
Lei humana prescinde de uma Lei natural, conforme o Artigo II, da Questão XCV,
(Da Lei Humana), do Tratado da Lei. No mesmo artigo, Santo Tomás, cita
Agostinho no tocante a natureza da Lei, quando diz que a Lei está ligada a sua
justiça, pois todo o empreendimento humano deve estar de acordo com a razão.
Isto posto, toda a ordem de relações entre Igreja e Estado está fundada em uma
razão que visa um bem maior. É uma ordem natural de coisas (Garcia, 1958), que
respeita o livre-arbítrio do homem, o reconhece como falível, mas, que não o poupa
do julgamento e reprimenda por seus erros. A razão da relação entre o edifício
erguido a partir da estrutura romana administrativa de governo (a Igreja Católica) e
o Estado é de natureza tal que ultrapassa o mero sentido do humano. Entretanto,
tais relações são sabidas e empreendidas tendo a Igreja fora da atribuição de
governar, (na atualidade), mas, sim, em sua participação no bem comum de todos
os povos, cristãos ou não e no bem comum dos Estados.
Filósofos e legisladores se esforçam por conjugar o binômio transcendental homem-
Estado, juntamente com outro paralelo: autoridade e liberdade. Lutero (Lutero,
1995) quando do evento da Reforma, assentado sobre as bases do século XIII,
propõe que tal problema seja resolvido da seguinte forma: o homem é tão senhor de
si mesmo que deva ser o maior dos servos; pois isso prova a sua superioridade e
atende aos desígnios de Deus.
No século XIII, um século de alvorecer da cultura greco-romana, e de seu
redescobrimento, a proposta luterana seria, por demais avançada. A necessidade
de harmonização das estruturas de poder diante da nova realidade a emergir é a de
manter coeso o edifício da Igreja em consonância com o inevitável avanço da
organização das estruturas de poder.
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A solução proposta pelo Tratado da Lei mostra-se humana, racional, filosófica,
porém montada em uma ordem sobrenatural. O Estado é vontade de um Deus
criador, realidade suprema, autor da vida, e é o dirigente da humanidade por todos
os seus caminhos. Sem, de nenhuma forma, contradizer as Sagradas Escrituras, os
livros dos primeiros padres da Igreja e toda a teologia científica dos santos
doutores, dá a Igreja um salto espetacular na manutenção do poder da Boa Nova, e
se amalgama as estruturas dos Estados nascentes. Está, dessa forma, garantido e
fortificado o novo leque de relações do império cristão, pois a humanidade guiada
por Deus tem um fim, nem que seja de ordem transcendente ao humano.
Sobre a base religiosa do Estado se assenta o seu fundamento moral. Está feito o
primeiro amalgama de vinculação do poder secular sob o temporal. O Estado, nos
séculos de XIII a XVIII desenvolverá, sob a proteção da Igreja, e de seus filósofos
(principalmente nos séculos XIII e XIV), os vínculos éticos e jurídicos que ligam os
homens dentro da ordem social, determinando o conjunto de seus deveres e
modelando a realidade para que esta possa alcançar um fim: o advento do Estado
de Direito.
No século XIII, o Doutor Angélico pensa uma norma universal (e por isso católica)
de retidão moral que se aplica a vida política. A solução de Santo Tomás, embora
um pouco distante da de Lutero, prenuncia um novo caminho no desenvolvimento
do direito. Diz o Santo Doutor que sendo a primeira Lei, a Lei natural, todas as
outras se encontram abaixo, e o que estiver errado, o homem o sabe, pois a sua
consciência o acusará. Sendo, desta forma, toda e qualquer lei injusta é uma
corrupção (um desvio) do todo da Lei. Isto posto, reis e príncipes devem buscar a
justiça e a retidão através de leis justas, e o homem deve obedecer a Lei, por ser
isto natural, e por ser civilizado que o seja. Assim, toda a vida que é regulada pela
Lei, oferece referencial e padrão adequado a forma das obrigações sociais. A Lei
que busca manter a sociedade funcionando de maneira mais equilibrada o possível
é também a Lei que está mais próxima da perfeição.
Quando a comunidade se desenvolve até atingir o momento de viver sob os
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auspícios de uma Lei, a comunidade passa a regular direitos, deveres, obrigações,
impostos, tarefas do Estado e do cidadão. A sociedade pode garantir a justiça, pois
havendo monitoramento da atividade social, previne-se a arbitrariedade. O
amálgama entre os ideais cristãos, que estão por bem conduzir a sociedade, dão ao
Estado condições de se pensar, quando se tem em vista que o caminho do
desenvolvimento lhe foi apontado e definido.
As relações entre Igreja e Estado até o século XIV foram condicionadas por uma
interferência, muitas vezes conflitiva, mas no todo de certa harmonia, entre os
espaços seculares e temporais. A Igreja toma conta da vida dos povos por suas
razões religiosas, e o papado empreende a Igreja no campo político. A partir do
século XV, a Igreja assume outras atribuições a medida que o Estado ganha
maturidade.
No inicio de sua vida, a Igreja Católica conta com a proteção de uma série de
governos que protegem a ela dos ataques dos próprios romanos que assistem a
ruína de seu império. Entre os séculos IV e V a.D., começa a derrocada da Roma
imperial. Os germânicos ocupam os territórios romanos e visam se apoderar de
suas riquezas e a governar as novas terras. Isto em contrário as pretensões da
Igreja que pretendia erguer o seu império aproveitando a vacuidade das estruturas
de poder romanas.
A Igreja Católica se constitui, então, a suprema autoridade espiritual, e
politicamente empreende campanhas violentas para a expansão e enriquecimento
de seu império sob o comando político do papado.
Entre os séculos V e VIII de nossa era, a Igreja através de uma série de alianças
com reis germânicos (Jaguaribe, 2001), preserva uma margem significativa de
autoridade e vai consolidando o seu poder nos principados, feudos e domínios sob
a sua influência. Desta forma, a Igreja ajuda e é ajudada pelos germânicos, e esta
em 936 leva ao trono germânico Oto, que resolve uma série de problemas com os
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Estados vizinhos, controla rebeliões e fortifica a influência política da Igreja.
Em 951, Oto é coroado rei da Itália. Em 962, o Papa João XII conferia a Oto a coroa
imperial (sobre todo o império romano conquistado), (Jaguaribe, 2001). Oto se
rebela contra o Papa e manda demiti-lo, isto em um concilio realizado em dezembro
de 963. Com a nomeação de Leão VIII, o Sacro Império Romano (a Igreja) se
afirma ao mundo, e promove assim a tão desejada unidade política do mundo
ocidental (Jaguaribe, 2001, pp. 388). Entretanto, a prática da simonia (tráfico de
coisas sagradas; venda dos bens espirituais) e a permissividade dos costumes dos
clérigos torna-se insustentável, e, então, governantes e povo clamam por reforma,
que vise a retornar a Igreja ao seu estado moral original. É reflexo disso a fundação,
em 910, da abadia de Cluny, por vontade e empreendimento do Duque da Aquitânia
(atual região histórica da França), Guilherme III. Ficava a abadia vinculada
diretamente ao papa. Nela se prepara o cimento da reforma interna da Igreja
Católica. Logo após, a independência da Igreja em relação ao Estado é afirmada
por Leão IX (1049-1054), (Jaguaribe, 2001, pp. 388).
No século XII, Bernardo de Clairvaux, místico e homem de ação, faz a Igreja
enfrentar a reforma de costumes, e a mantém como exemplo aparentemente
edificante. Entretanto, foi com Gregório VII (1073-1085) que a Igreja passou por
uma reforma profunda, com a condenação de todas as formas de simonia e licença
sacerdotal. Com o seu dictatus papae o papa Gregório instituiu, entre outros
princípios, a supremacia papal sobre o imperador, na qualidade de portador de duas
espadas, assim como o direito papal de destronar os imperadores que
desmerecessem a sua posição (Jaguaribe, 2001, pp. 388). No século XIII, os papas
fortes Inocêncio III e Gregório IX, e, ainda, Inocêncio IV (1243-1254), estabeleceram
a supremacia papal. O curso da história segue, como vimos, e mais atrás Frederico
II, homem de talento extraordinário se mostra contrário ao poder temporal do papa.
O Tratado da Lei, influencia a Igreja, os governantes que não o leram e as formas
de Estado do século XIII. Mesmo mostrando-se contrário ao poder temporal da
Igreja, Frederico II age de acordo com os moldes cristãos na edificação de seu
18
estado, que antecipa o da Ilustração em cinco séculos (Jaguaribe, 2001, pp. 394).
Ele introduz na Sicília e nas áreas da Itália sob o seu controle um Estado moderno
centralizado, inspirado nos princípios da justiça e da eqüidade e caracterizado pela
eficiência administrativa, fiscal e militar (Jaguaribe, 2001, pp. 394).
Da mesma forma que influenciou aos governantes e a Igreja do século XIII, as
doutrinas relativas a Lei de Santo Tomás prenunciavam e já faziam acontecer o
Estado de Direito. O Tratado da Lei vem então a influenciar Maquiavel, que na
esteira de seu pensamento, o desenvolve ainda mais, se bem que consoante outros
estudos do Angélico. Outros tantos pensadores vão na esteira desse Santo Doutor,
e eles vão de Grotius a Hobbes e Locke, e influenciam o cenário da Revolução, que
dá inicio ao Estado de Direito em que vivemos, onde a Lei é passiva de
interpretação, alvorece o principio de eqüidade.
19
3. FILOSOFIA DO ESTADO EM SANTO TOMÁS – A IGREJA E O ESTADO
Não há na área lingüística indo-européia uma matriz comum aos vocábulos que
significam Direito. O direito surge envolto em regras de convivência envolvidas por
costumes religiosos ainda na pré-história. Esse direito primitivo não é de nenhuma
forma o direito que hoje conhecemos, que é obra primeira dos gregos,
sistematizada pelos romanos e hierarquizada filosófica e teologicamente pelos
Doutores da Igreja.
Para melhor ilustrar o nosso pensamento, tomamos a liberdade de transcrever o
que se segue, que é advindo da segunda parte, da Introdução ao Tratado da Lei,
(Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp.5), da Edição BAC, por Fr. Santiago Ramires,
O.P.:
La palabra “Ley”, como es sabido, admite múltiples significados. “Etimológicamente”
es difícil señalar su verdadero origen. Los autores, ya desde el tiempo de los
clásicos, no andan concordes. Cicerón, en su famoso tratado “De Legibus” (I c.6),
hace derivar a la ley, “lex”, del latín “delectus” (deligere), elegir, ya que la ley
señalaría una equidad, una distribución justa, una selección...
O homem nasce sob os auspícios da Lei, e, desde o advento da modernidade, e,
principalmente após 1789, ele vive sob a guarda e segurança do Estado. O Estado
é formado pela sociedade, que é produto de uma série de laços que os indivíduos
produzem entre si (e que os une). O Estado através da sociedade assegurará aos
indivíduos uma série de bens, previstos em Lei, que visam a garantir o
desenvolvimento de suas aptidões físicas, morais e intelectuais. De toda a forma, a
vida do homem em sociedade é regulada pela Lei, e sancionada pelo costume de
viver sob a diligência desta, como forma de manter coeso o edifício social. A Lei
então inclina para o bem, guia o homem, rumo ao mais perfeito ideal de sociedade.
Sêneca (o filósofo, 4 A.C. – 65 A.D.), preceptor de Nero, concorda que a Lei
20
assegura uma eqüidade, uma igualdade, ou, ainda, uma justiça tão certa que possa
ser aplicada a todos sem igual. Santo Agostinho, prevê, ainda que a Lei é
instrumental de eleição tal, que por ser natural, é a régua pela qual todos devem ser
medidos (Agostinho, 1989), e dela não se escapará, pois a Lei humana é um reflexo
de uma outra Lei mais perfeita que foi entregue ao homem no Monte Sinai, (Êxodo,
capítulo III, versículo 20), (Bíblia Sagrada, 1968, pp.57).
Ainda na fundamentação de nosso pensamento, optamos pela transcrição do que
segue, sendo a fonte a mesma de nosso segundo parágrafo, deste capítulo três
(Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp.5):
Cicerón señala también a continuación que, según el uso vulgar, se dice “lex a
legendo”, porque se escribe y todos en los escritos pueden leerla y conocerla. Es la
etimología que adopta San Isidoro, que la contrapone así a la costumbre, que es
una ley no escrita.
Otra etimología famosa, que tuvo gran éxito durante siglos, hace derivar del latín
“ligando – ligare –“, fijándose en el carácter obligatorio de la ley. Casiodoro parece
ser uno de los primeros en proponer esta interpretación, y de él la han recogido
posteriormente muchos maestros escolásticos del siglo XIII, incluyendo a San
Buenaventura, San Alberto Magno y el mismo Santo Tomás, como puede verse en
el Articulo I de esta cuestión. Esta significación tiene su fundamento en algunos
textos de la Sagrada Escritura, tal como los interpretaba, sobre todo, la glosa
[instrumento do qual se utilizavam os canonistas para o ensino e explicação dos
textos canónicos. Explicação dada pelos juristas medievais ao texto legal (litera),
“lendo-os” aos estudantes]; pero filológicamente es casi insostenible, lo cual no
impide que pudiera servir a Santo Tomás y a otros escolásticos anteriores o
posteriores – Medina y Suárez entre otros – como punto de partida de su
investigación de la ley. El carácter obligatorio es uno de los atributos fundamentales
y más evidentes de la ley, aunque no responda al sentido etimológico.
21
Ainda apreciando os primórdios do direito na pré-história, parece que o mesmo vem
sendo aplicado consoante uma “norma sagrada” (oriunda do sobrenatural, de uma
espécie de “revelação”), e, que vai se humanizando. No processo de humanização
do direito, este começa a visar o homem e a proteção da propriedade, e a garantir
os privilégios de certos grupos, através da artificialização da vida (a escolha do
soberano, em tese com poderes divinos). Os primeiros legisladores (soberanos e
figuras religiosas) começam a vivenciar o mosaico de experiências humanas e a
fundar aí normas que convergem com (e para) a “verdade religiosa”; ou seja, os
primeiros legisladores começam a ganhar habilidade e a criar uma certa
jurisprudência, a qual, igualmente, não deve ser confundida com a dos gregos,
romanos e com os cânones romanos, oriundos da interpretação filosófico-teológica
do direito (Cornford, 1981).
A produção jurídica dos primeiros tempos está ligada diretamente a figura do
soberano ou a figura do líder religioso. O direito primitivo, e após, o direito produzido
pelas primeiras formas de Estado está embasado em uma “palavra eficaz”
(Cornford, 1981), que é a do soberano, do líder religioso ou a do Faraó, quando da
fundação do Estado (Grimal, 1988).
Os primeiros rudimentos de Estado aparecem no final do IV milênio a.C.. As
cavernas dão lugar a casas feitas de vime (haste ou vara delgada e flexível, de cor
amarela, que se tira de uma planta da família das salicáceas), revestido de adobe
(tijolo cru e secado ao sol), e essa espécie de construção suplanta as primeiras
cabanas que sucederam as cavernas.
Com o progresso técnico alcançado, tais casas passam a formar aldeias, que
devem ser fortificadas em virtude das guerras. As aldeias passam a funcionar como
“máquinas sociais”, e tem, em virtude do funcionamento maquínico, uma
ordenação. A ordenação visa a regulação das relações entre os habitantes, e o
valor justo que deve ser cobrado e pago em virtude de trabalho. A regulação das
atividades laborativas, econômicas e comunitárias dá origem ao nascimento gradual
das primeiras cidades-Estado, isto ainda por volta do IV milênio a.C..
22
A história do surgimento do Estado fica vinculada ao esgotamento das aldeias
neolíticas que deixam o modo comunal de viver, e, sob a direção e controle do
soberano, dos lideres religiosos e das primeiras burocracias, estabelecem Leis
territoriais, normas de comércio exterior, impostos e o distanciamento do povo e de
seu soberano que graças a guerras, pilhagens e comércio, se estabelece no
palácio. A máquina se subdivide e dá origem a outras. Passa a existir uma
“máquina religiosa” (que constrói a palavra eficaz), a “máquina de guerra” (que
protege o Estado, seu soberano e seus burocratas – mantendo-os distantes do
povo). A propriedade privada precisa ser protegida, e, desta forma, parte da
“máquina de guerra” deve protege-la do povo, e, então, inventa-se a policia (não da
forma como conhecemos hoje, mas, em rudimento).
O período de que falamos acima é o período pré-urbano, e foi nele que a
estratificação social se desenvolveu, vindo a atingir a sua maior extensão nas
primeiras cidades-Estado, apesar de o seu inicio e desenvolvimento se detectar já,
graças ao contributo da arqueologia no VI, V e IV milênios a.C. (Dani, 1996, pp. 4 e
5). No inicio do IV milênio a.C. a estratificação estava praticamente completa no
Egito e na Mesopotâmia (Dani, pp. 5).
O direito é, então, resultado da organização e estratificação da sociedade. O direito
vem de sua constituição, e como diz Santo Tomás de Aquino no Tratado da Lei, a
Lei é inerente a comunidade que alcançou determinado nível civilizatório.
Em um primeiro momento, o que temos é a formação das cidades-Estado, e das
máquinas governantes, e há uma Lei divina sob os homens. Somente na Grécia
inicia-se o processo do direito, como produto do pensar e do alvorecer da filosofia,
aproximadamente no III milênio a.C..
O direito, após a conquista dos Gregos pelos Romanos dá um salto e se
singulariza. A norma passa a reger a vida de toda a comunidade, do Estado, das
relações exteriores, da condição do estrangeiro, das relações comerciais, do estado
23
de guerra e das relações entre cidadão e Estado.
A Filosofia do Estado têm o seu berço na Grécia, e é aperfeiçoada pelos
legisladores e filósofos romanos. Depois no seio do Império Cristão vem a tomar
forma definida no desenvolvimento de uma filosofia coesa na Alta Escolástica
Medieval. O direito natural aí, então, confunde-se com a Filosofia do Estado, e seus
elementos pretendem a própria Filosofia do Direito, e a inauguração do Estado de
Direito em 1789.
O Estado para Santo Tomás é o conjunto de instituições de uma comunidade. É
como um organismo que funciona em regime interdependente, pois cada instituição
pressupõe e sustenta o funcionamento das demais. A Igreja é uma parte do Estado,
é ela a “máquina” que produz significado. Ela depende do Estado na mesma razão
que o Estado depende do seu poder de criar símbolos e faze-los valer como se tais
fossem reais (e, não inventados, datados). O poder de criar símbolos e
representações confere à Igreja Cristã a “palavra eficaz”, ao molde da palavra
proferida pelo Faraó. A máquina de produção de simbologias mantém a
estratificação social e a hierarquização político-teológica do Estado, visando o
desenvolvimento da riqueza e prestígio de ambos.
De toda a forma, a teologia prevê (ancorada em seu instrumental filosófico) que o
Estado é uma superestrutura de uma outra realidade, e, por isso, ele deve ser
natural.
Existindo o Estado, devido ao processo civilizatório do homem, e pela vontade de
Deus (que guia o homem no trajeto de sua história pessoal e comunitária), é, então,
a Filosofia do Estado (de influência teológica) uma teleologia. É natural, desta
forma, o papel relevante da Igreja, e do Tratado da Lei no desenho das relações
entre Igreja e Estado, sob os auspícios da Filosofia do Estado.
O Estado que busque o equilíbrio em todos os setores de sua administração, que
24
aplique a justiça de forma igualitária tanto à cidadãos quanto à estrangeiros, realiza
o ideal do cristianismo e aproxima a obra do homem à de Deus, já que o homem é
feito a Sua Imagem e Semelhança, em conformidade com o Autor Sagrado no
versículo 26, capítulo I, do livro do Gênesis (Bíblia Sagrada, 1968).
O advento do cristianismo vem a modificar os valores concernentes à noção de
Estado e força os legisladores que vem a partir de então, a repensar a sua filosofia:
A doutrina de Cristo vinha subverter realmente a noção de Estado totalitário e
despótico, única que o mundo antigo conhecera. E mesmo depois da conversão de
Constantino e do triunfo completo do cristianismo, essa luta não cessaria. Toda a
Idade Média, notadamente no apogeu do Santo Império Romano Germânico,
testemunhara as tentativas incansáveis de reis e imperadores para reunir
novamente os dois gládios [espada de dois gumes, poder, força, poder divino
(Koogan/Houaiss, 1999, pp.755)] submetendo os papas ou, se preciso, tomando o
lugar deles e restabelecendo a onímoda [onímodo: aquilo que se dá de todos os
modos (Koogan/Houaiss, 1999, pp.1171] dominação do Estado sobre as pessoas e
as almas (Azambuja, 1986, pp.143).
Falamos no capítulo dois que as idéias luteranas de conformação do homem diante
da centralização do Estado seriam por demais avançadas no contexto do Tratado
da Lei. O homem é livre, pois o Estado o é, nesse sentido, percebemos no Tratado
da Lei o gérmen do grande salto que a história daria com a “Reforma Protestante”,
mas, não podemos de forma alguma, deixar de afirmar que o Angélico já previa
uma certa fórmula que sairia nos moldes do indignado frei agostiniano:
La moral teologica trata del hombre como imagen operativa de Dios, en cuanto es
principio y señor de sus actos, por su libre albedrío (1-2 Pról.). La moral,
efectivamente, estudia los actos del hombre, no su esencia ni su alma;
especialmente los actos de las potencias apetitivas, con sus hábitos
correspondientes, y mas directamente los actos y los hábitos de la voluntad, en
25
virtud de la cual el hombre es dueño de su vida y goza de libertad en sus
operaciones (Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp. 3, “Introducción al Tratado de la
Ley”, I.; por Fr. Santiago Ramírez, O.P.).
Podemos notar que o Angélico já pensa em algo do gênero: homem tão senhor do
mundo que é o seu maior servo (Lutero, 1995; Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp.
38 e 39 – 1-2 q.90 a.2 & a.3), já que submete o homem a Lei, e como a Lei deriva
do Primeiro Principio de Causa Eficiente, logo, o homem é agente da Lei, mas, a
sua ação, embora prática, terá sempre como meta o bem comum do todos, e nesse
sentido, o homem que obedece a Lei, atinge o objetivo do Estado, rende honra ao
soberano e atinge o fim último da vida humana: a felicidade; (considerando-se que
as Leis aplicadas pelos legisladores sejam justas, pois, se não, dá-se a corrupção
da Lei, por essa não se harmonizar com a ordem natural das coisas).
O Estado governando pelo soberano visa sempre a realização do homem na
história. Já dissemos ser o Estado uma superestrutura, reflexo de um mundo
sobrenatural. Mas, temos necessidade de ancorar a nossa história na conformidade
do que nos conta a filosofia. Neste sentido, voltamos à Aristóteles (tal como o
Angélico volta, em 1-2 q.90 (Tomás, de Aquino, Santo, 1956)), onde nos é dito ser a
política a ciência arquitetônica do Estado, visando, então, o bem comum
(Aristóteles, 1985). Desta forma:
Los actos de caridad sobrenatural, que tienen a Dios como objeto inmediato, serán
por eso la realización más perfecta en este mundo de su condición de imagen divina
y constituyen el tema más directo de la moral teológica, que encuentra en ellos la
encarnación más plena de su objeto formal (Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp.3;
“Introducción al Tratado de la Ley”, I.; por Fr. Santiago Ramírez, O.P.).
A filosofia do Estado pensada por Santo Tomás no Tratado da Lei, como
começamos a observar na introdução deste trabalho, se abstrai de alguns
conceitos. De toda a forma, devemos observar ser o Tratado da Lei um “pacto”
26
ideal, pois ainda o Angélico não considera nele nada em que o âmbito da maldade
se interponha, e nesse sentido é ideal por não levar em questão certa inclinação
para o mal, que é próprio do homem pois este nasce sob a marca do pecado, e o
pecado é o mal, o desvirtuamento de uma regra ideal (Tomás, de Aquino, Santo,
1956, pp. 4; “Introducción al Tratado de la Ley”, I.; por Fr. Santiago Ramírez, O.P.).
Então, embora a questão do mal seja importante para o cristianismo, e para todo o
monoteísmo, o Angélico compreende (no curso do pensamento de Aristóteles) ser o
Estado produto natural do desenvolvimento da vida social do homem.
A história é uma obra da coletividade, e, desta forma, ela é movida pelo
entendimento e pela vontade do homem: puesto que la operación humana no es
mas que el acto deliberado de la voluntad, se sigue evidentemente que solo aquel
capaz de mover eficazmente a estas dos facultades superiores será causa
extrínseca verdadera del acto, cosa que compete unicamente a Dios. Por la ley,
efectivamente, Dios ilustra o instruye el entendimiento, dirigiendo su función prática,
y por la gracia instiga y mueve ala voluntad, acomodándose al orden natural, a
través de ella, en toda la actividad exterior. (Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp. 4;
“Introducción al Tratado de la Ley”, I.; por Fr. Santiago Ramírez, O.P.).
A Filosofia do Estado em Tomás de Aquino é suportada por um amálgama de várias
Leis confluentes: a Lei Eterna, a Lei Natural e a Lei Humana (Lei Positiva). A Lei
Positiva é um reflexo transcendental e nela co-existem elementos divinos e
humanos. O Estado, então, através da Lei, e em harmonia com o seu povo, deve
ser o incentivador da vida moral, como algo tão certo, que o ajude a alcançar o seu
mais alto nível de vida, por intermédio da virtude: dirigiéndole activamente hacia su
último destino, tanto em el orden temporal de la convivência y del vivir sociales com
em el plano espiritual y transcendente de su vida personal y sobrenatural. (Tomás,
de Aquino, Santo, 1956, pp. 4; “Introducción al Tratado de la Ley”, I.; por Fr.
Santiago Ramírez, O.P.).
Já repetimos algumas vezes ser o Estado produto de uma superestrutura.
Dissemos que é natural, na medida em que é regido pela Lei, que é natural nas
27
comunidades que alcançam um desenvolvimento tal que os seus indivíduos vivam
de bom grado sob tal regulação, tendo em vista o bem comum. Dissemos também
que a Lei está em tudo, e que as leis mesmas são naturais, pois são aplicadas a
tudo, e para a regulação das coisas existentes em todo o universo por uma
instância supra-humana, e portanto, transcendente. O homem é parco imitador da
Lei, pois as leis humanas são apenas desenhos das Leis Divinas instituídas para o
governo do universo. Por isso, o homem não é o autor da Lei, e sim o descobridor
dos princípios operativos do universo; é como se houvesse um brinquedo chamado
Natureza, que a medida em que o homem descobre suas Leis, melhor pensa que a
inventa (pois a partir daí, produz o homem a artificialidade, não tão somente no
âmbito do Estado, mas, também no âmbito dos instrumentos que o servem). Desta
forma, podemos afirmar que as Leis Físicas que governam o universo, e que são
apreendidas pela matemática, conforme ao que o Angélico diz na primeira parte da
Summa, não são mais que o fruto concreto da Lei Eterna de Deus, que criou as
coisas a partir de si e geometricamente, amparado na matemática que concebeu.
Ainda, desta forma, podemos afirmar que as Leis de Governo que regem a
sociedade não se equiparam a Lei Divina que é a ordem imperante de todo o
universo (Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp. 5):
Por eso las leyes naturales son creación de Dios, no del hombre, aunque éste las
descubre en las cosas y en el mundo puesto que dependen de el, Dios puede
dispensar esas leyes con vistas a fines superiores, como en caso de los milagros,
cuando no afectan a condiciones metafísicas, que son de suyo indispensables.
(Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp. 4; “Introducción al Tratado de la Ley”, II.; por
Fr. Santiago Ramírez, O.P.).
O Estado, então, produto da atividade psicológica e moral do homem (Tomás, de
Aquino, Santo, 1956, pp.6) é um fim último e desejável de organização humana, e,
por isso é produto do desenvolvimento natural do homem. É natural que o homem
almeje a perfeição, pois descende dela, e para ela se dirige através de suas
atividades organizativas.
28
A Lei Artificial que rege a vida dos cidadãos na comunidade, é formada de um
conjunto de regras que dirigem o existir produtivo da sociedade. Ela torna possível a
organização do homem em vista à seus fins (e de sua obrigação, de seus direitos)
pessoais e comunitários. A sociedade tende a um fim, na medida em que se faz
regulada pela Lei, e é natural que o homem atenda a seus desígnios, tendo-se em
vista ainda, que a Lei o ampara em sua condução moral.
A Lei apresenta sentido concreto nas atividades de regulação dos vários edifícios
(das várias instâncias das obrigações sociais). Dissemos ser o Estado produto
primeiro da atividade regulatória da vida em sociedade, nos primórdios do advento
do direito, e que devido a sua natureza moral, é, ainda, produto da atividade
psicológica do homem. Neste sentido, construído e datado historicamente, como já
vimos. A fim de reforçar o que tratamos, transcrevemos o que segue (Tomás, de
Aquino, Santo, pp.6):
Son las normas o reglas, por ejemplo, que dirigen la actividad moral del hombre
ordenado a su fin último – ley eterna, ley positiva divina y ley natural – o al fin de la
sociedad perfecta, tanto civil como eclesiástica – ley positiva humana, civil y
eclesiástica - . (Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp. 4; “Introducción al Tratado de la
Ley”, II.; por Fr. Santiago Ramírez, O.P.).
A Filosofia do Estado esboçada por Santo Tomás, conflui para o próprio ideal
natural de Estado. O Estado Grego se imiscuía em tudo na vida de seus cidadãos,
ele dispunha do corpo e da alma de todos no limite da Polis (Azambuja, 1986, pp.
140). O Estado Romano era em tudo semelhante ao Grego, entretanto, o destino
dos Romanos era a universalidade, e para onde Roma se expandia ela levava o
Direito consigo (Azambuja, 1986, pp. 141).
O Cristianismo trouxe uma revolução profunda no conceito de Estado que toda a
antiguidade elaborara. O preceito de Cristo: “daí a César o que é de César e a Deus
o que é de Deus”, continha e impunha a separação dos poderes temporal e
29
espiritual, pois se de um lado mandava obedecer as leis e autoridades do Estado,
de outro declarava a independência da consciência humana, libertando-a da tutela
opressiva de reis e imperadores. O Estado era soberano em seu domínio, mas esse
domínio era agora limitado; a alma e o seu destino na pertenciam aos príncipes,
mas a Deus. Além disso, o cristianismo, pregando a igualdade e a fraternidade
entre todos os homens, substituía pelo amor o ódio ao estrangeiro [próprio do
período divino dos Césares] e o chamava à comunhão dos mesmos direitos
(Azambuja, 1986, pp. 142 e 143).
Com a ascensão do cristianismo a condição de religião hegemônica, torna-se
necessário amalgamar o que está dito pelos filósofos clássicos, o que é dito pelo
Autor Sagrado nas Escrituras e os escritos dos primeiros padres da Igreja. No
silêncio dos conventos, toda a produção greco-romana é recapitulada com fins a re-
erguer o edifício do Estado em bases sólidas. Desta forma, o Estado é suportado
por um direito natural de origem extra-mundana, ao qual toda a atividade humana
converge e ao qual está o Estado subordinado. Existe um direito positivo de que o
Estado é criador, mas que também se deve harmonizar com o direito natural e,
tende a realizar o bem público. Seus preceitos mais gerais são obrigatórios,
também para o chefe de Estado (Azambuja, 1986, pp. 144).
Para Santo Tomás todas as realidades jurídicas que se estudam hoje (filosofia do
direito, ciência jurídica e jurisprudência) pertencem a filosofia moral. Da filosofia
moral emergem: a moral individual, a moral familiar e a moral social (ou política).
Entende, Santo Tomás, que todas essas realidades são realidades sociais e que
convergem para a construção de uma Filosofia do Estado.
As noções gerais de direito e de justiça serão competência de uma moral geral
(Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp.8). O direito público, tanto natural quanto
positivo, deve ser objeto da política e deve ser pensado no âmbito da filosofia.
Novamente buscaremos a afirmação de nosso pensamento no transcrito que segue:
30
En todas estas investigaciones filosóficas, el derecho positivo es considerado
únicamente en su derivación del natural y en cuanto a su caracterización general o
universal, pues el estudio del derecho positivo en si mismo y en su contenido
concreto, fruto de una sociedad determinada, de una autoridad particular y de
condiciones familiares limitables y variables, pertenece a las ciencias jurídicas
concretas, distintas específicamente de la filosofía moral, aunque necesariamente
subalternadas a ella, de la que reciben sus principios y validez científica (Tomás, de
Aquino, Santo, 1956, pp. 8; “Introducción al Tratado de la Ley”, III.; por Fr. Santiago
Ramírez, O.P.).
As Leis Positivas, como fontes concretas do direito, se dão de modo similar em
cada Estado que se organiza. Esse caráter similar que a Lei possui é garantido pela
filosofia moral que a embasa, e da qual a filosofia do direito recebe os seus
alicerces. De toda a forma, a Lei Eclesiástica, que é fruto da autoridade legislativa
da Igreja e que norteia a vida jurídica dos cristãos (isto principalmente entre os
séculos XIII e XVI A.D.), é objeto de ciência do Direito Canônico, o qual fica
subordinado diretamente a teologia. Por essa razão a Lei Eclesiástica não é alvo de
estudo direto não Tratado da Lei (Tomás, de Aquino, Santo, 1956, pp.8) e nossas
conclusões acerca da Filosofia do Estado, e das relações entre Igreja e Estado, são
vistas no âmbito do movimento do homem no caminhar da história, da forma como
ela nos é contada pela filosofia.
Isto posto, vemos que a Filosofia do Estado é um reflexo, é uma antecipação
(igualmente) do conhecimento do valor da Lei e do seu efeito na vida prática.
Vemos, então, que o conhecimento da Lei, embora de natureza racional, tem um
componente intuitivo de seus efeitos, e desta forma, deve-se predicar o que o
Estado venha a ser visando o embasamento moral.
31
4. O Tratado da Lei
Devemos, primeiramente, situar a importância deste tratado na organicidade da
Summa Theologica: Tomás de Aquino concebeu a segunda parte da Summa, parte
esta onde está incluso o Tratado da Lei, como o movimento que a criatura racional
realiza aos olhos de Deus (Primeira Parte da Segunda Questão, Prólogo). Esse
movimento é uma conversão a Deus, um retorno ao Primeiro Princípio de Causa
Eficiente, e, portanto, o homem se dirige a origem de tudo o que há. O retorno, o
vislumbre, que o homem realiza para alcançar intelectivamente a razão, é um
movimento de conversão onde a razão erige um primado, e um domínio sobre o
corpo; desta forma orientando as suas faculdades rumo a civilidade, a urbanidade. A
vontade do homem tendo esse fim é objetivo de suprema bem-aventurança e o
Criador percebendo que o homem a Ele se dirige em todo o seu movimento o dota
de graça inigualável a fim de fortificar em seu espírito virtude ainda maior de que o
homem é capaz.
O mérito desse vislumbre pertence ao homem, e segundo, ainda, a visada de Santo
Tomás acerca da questão, a moral deve tratar o homem como imagem operativa de
Deus, na medida em que este ao tomar o modelo da lei para erigir a lei secular,
torna-se, desta forma, senhor de sua atividade, por seu livre-arbítrio (Primeira Parte
da Segunda Questão, Prólogo). A lei secular é a lei da Igreja, e nela estão inclusos
os Dogmas e Juízos Eclesiásticos. Engloba, ainda, os tratados romanos acerca da
lei e as doutrinas ensinadas pelos Primeiros Padres da Igreja em matéria de
legislação. Na definição teológica, é uma prescrição religiosa, conjunto de regras
que emanam da autoridade pontifícia e interpretadas pelo homem de acordo com a
Revelação. São exemplos das leis seculares: as Leis Mosaicas, as do Corão, as
Doutrinas de Jesus aos Doutores da Lei.
A moral, em seu nível prático, estuda os atos do homem (atos efetivos de efeito
singular) e não a essência que muitos acreditam haver, e busca excluir do estudo
(se bem que não por completo) os aspectos relativos a salvação, e ainda aproveita
da Revelação muitos dos aspectos concernentes ao que é melhor para o homem
enquanto aquele que realiza, enquanto vivente no mundo do sensível.
32
Tomás de Aquino, então, busca conciliar o haver prático do homem com aspectos
da Revelação que devem nortear as suas realizações, o seu bem-estar e o
desenvolvimento de suas qualidades práticas mais úteis. A moral, então, se ocupa
do concupiscente, dos hábitos que o homem constrói na cotidianidade do viver, dos
sistemas de pensamento que guiam o espírito no concurso de sua atividade
intelectiva; mais diretamente dos atos governados pela vontade do homem.
A vontade é motivo de especial atenção, pois esta é o que norteia o homem,
primariamente a ser dono de si e a usar de imperatividade sobre a natureza. Foi a
vontade que permitiu ao homem sobrepujar os animais. A vontade é o atributo que
permite ao homem usar de força para subjugar a natureza.
A moral a que se pretende Santo Tomás é filosófica e afirmativa, na medida em que
se baseia em uma evidência concreta do Principio Imovente: Deus. Desta forma,
Deus é objeto direto da consideração de Tomás, pois é tomado como fim último,
especificador e configurador da atividade livre do homem. Deus, é, então, o modelo,
a regra a ser seguida. O homem afirma, então, Deus como aquele a quem se
assemelha, ainda que de forma distante.
Tudo o que se move tem como término um objetivo. Na natureza tudo tem
finalidade, e o homem não fere a esse princípio de identidade enquanto parte de um
todo. Desta forma, o homem segue em direção a Deus, e tendo a lei a norteá-lo, ele
contempla a Deus como fim último e bem-aventurança suprema. Isto posto, Deus
resulta em um termo (uma regra) que especifica o movimento de conversão do
homem.
O Tratado da Lei é o estudo da moral do homem, pois ele se estabelece na regra
primeira, no Princípio Primeiro; e, a partir daí descende à vida singular do homem.
Através do estudo dos atos humanos, Santo Tomás empreende o seu exame, que
se dá em dois momentos distinguíveis: Primeiro em Geral (Prima Secundae), parte
na qual se faz analisar as características e os princípios comuns a todo o obrar, que
são especificados logo mais em particular na Secunda Secundae, onde Tomás lança
os princípios que devem estabelecer a vida moral e aponta o que é danoso a esta
própria vida (Primeira Parte da Segunda Parte, Questão 6 – Prólogo).
33
O Tratado da Lei pertence a Prima Secundae e se dedica ao estudo dos atos
humanos em geral ou em comum. A lei constitui um dos ingredientes mais
fundamentais de todos os atos humanos. Os atos humanos recebem o seu caráter
moral a partir do advento da lei. O advento da lei se dá quando a Lei de Moisés é
instituída. É, a partir da lei, que se impõe ordem a comunidade e se faz com que os
atos humanos venham a convergir para o bem último.
Depois de examinar os atos humanos em si mesmos (Primeira Parte da Segunda
Parte, Questões de 6 a 48), passa Tomás de Aquino ao estudo dos princípios ou
causas desses atos, que podem ser em primeiro lugar, intrínsecos ou interiores ao
homem, como a vontade que é a fonte de onde brotam as operações humanas. Ao
estudo desses princípios interiores dedica Santo Tomás muitas questões em sua
Summa. Acerca das potências ou faculdades, Tomás escreveu amplamente no
Tratado do Homem (Primeira Parte, Questões de 78 a 83) e acerca dos hábitos em
geral e em específico, sendo ainda a análise em tomo tantos dos bons, como dos
maus hábitos, tanto quanto acerca das virtudes, quanto sobre os vícios, tem Tomás
de Aquino escrito na Prima Secundae (Questões de 49 a 89). Dizemos ser do
homem as faculdades ou potências, pois as do homem são potenciais, na medida
em que agem. Isto posto, as faculdades são singulares em Deus e no homem, a
diferença é que Deus está em ato – Princípio Imovente, causa de Si-Próprio – e as
faculdades de Deus, são, portanto, perfeitas.
Os princípios exteriores que afetam a vida do homem foram tratados de forma geral
quanto Tomás pontifica acerca da moral (Primeira Parte da Segunda Parte, Questão
9, Artigos de 4 a 6, Questão 10, Artigo 4). De toda forma, na Questão 90, Tomás
inicia um estudo mais detido. Os princípios ou causas exteriores da bondade dos
atos são a lei e a graça de Deus, de onde se excluem expressamente os princípios
exteriores do mal, que se reduzem aos diabos e aos anjos diabólicos, e ainda aos
demais homens que não conhecem o advento da lei, acerca dos quais Tomás tratou
em outras partes da Summa (Primeira Parte, Questão 114, Primeira Parte da
Segunda Parte, Questões de 80 a 83).
O que move o agir exterior, singular, do homem são os princípios interiores do
entendimento e da vontade. Isto posto, concluímos, então, ser o homem governado
34
mais pela vontade que pelo entendimento. Somente aquele que puder mover
eficazmente a ambas as faculdades superiores é que pode ser causa extrínseca,
verdadeira do ato, coisa que compete unicamente a Deus. Através da lei, Deus
ilustra o entendimento, dirigindo a sua função prática. Pela graça, Deus instiga o
homem e move a sua vontade fazendo com que este busque acomodar-se a ordem
natural do mundo. Este acomodar começa na inteligência e se solidifica em sua
vontade e se estende a toda atividade exterior do homem. Deste modo, o princípio
austero que move o homem ao bem, externo ao mesmo e que ao mesmo tempo se
compartilha (por imagem e semelhança), é Deus, que nos instruí pela lei e nos
concede a graça. Admitindo-se a evidência da metodologia divina nesse obrar
acerca do homem, Tomás de Aquino concebe que dentro desta lógica teria que vir
primeiro o Tratado da Lei (Questões de 90 a 108) antes do Tratado da Graça
(Questões de 109 a 114), que apresentam-se, ambos, perfeitamente correlativos
dentro da concepção de vida moral do homem.
Santo Tomás, desde cedo, concebe a lei como pedagoga da vida moral, pois estuda
o desenvolvimento do homem como um todo. Isto posto, resulta ser a lei uma
disciplina inevitável e fecunda a qual irá submeter-se o homem para alcançar seu
mais alto nível de vida por intermédio da virtude; desta forma o homem dirige a sua
finalidade a Deus, tanto no domínio temporal do viver social, como no plano
espiritual e transcendente de sua vida pessoal e sobrenatural. Isto posto, convém
explicar os tipos de lei com os quais Santo Tomás trabalha:
1. Lei Eterna: conjunto de regras que emanam da Providência Divina e dadas
ao homem pela Revelação;
2. Lei Natural: corpo de leis ou princípio fundamentado na razão e na eqüidade,
de decorrente da natureza do bom-senso ou da religião, eticamente
compulsório para as sociedades cultas, por assegurar a dignidade da
existência e os direitos individuais da honra e da liberdade – direito, princípio;
3. Lei Positiva: lei dos legisladores que impõe preceitos obrigatórios divididos
em caracteres positivos e negativos – complemento da lei natural: caráter
positivo: lei humana, caráter negativo: lei divina.
A palavra “lei” contém ampla significação, mas, de toda forma, lei é toda prescrição
35
que emana da autoridade e se impõe a todos os indivíduos por igual e que a estes
não é lícito alegar o seu desconhecimento quaisquer que sejam os fins.
O homem, em seu curso evolutivo, tem se ocupado em descobrir os princípios sobre
os quais Deus edificou o universo. Sendo lícito o caminhar do homem neste fim, as
suas descobertas vem, de primeiro, ordenadas nas leis menos mutáveis como as
leis de gravidade, de atração das massas e outras; e que dão origem ao que se
convencionou chamar “ciência”. As “leis cientificas” são assim chamadas
“princípios”, pois refletem àquilo que pensamos ser as regras da natureza que
expressam o modo de produção das coisas e dos fenômenos, em conformidade com
seus respectivos fins.
As leis que a ciência toma por princípio, nada mais são que o reflexo singular da lei
eterna de Deus, que criou tudo a partir de Si. Isto posto, as leis que o homem pensa
descobrir nada mais são que criação de Deus. O homem as descobre por processos
e sistemas empíricos, busca assemelhar-se a elas, pois que são perfeitas, no
compartilhar da grande obra. Em ser empírico, o homem descobre que as leis
eternas são forma reflexiva permanente dos princípios científicos e estão no
macrocosmo e no microcosmo de toda a criação. Posto que toda lei depende de
Deus, este a pode dispensar com vistas a fins superiores como no caso dos
milagres.
Observa-se um sentido concreto no haver da lei, nos âmbitos moral e psicológico do
homem. Isso se dá no haver tanto social quanto político. São as normas ou regras,
por exemplo, que dirigem a atividade moral do homem guiando-o a sua finalidade.
Essas normas diretivas são as leis eterna, positiva divina (lei que Deus como
Legislador Onipotente do universo impõe como diretriz, ex.: “a lei mosaica”) e a lei
natural. Por sua vez, essas normas tem como finalidade nos conduzir a um estágio
de perfeição social. Os reflexos práticos dessas leis são:
1. A Lei Positiva Humana: lei que se limita ao haver e fazer do homem, que
regula o direito comum, limitando os campos de atuação das leis aplicáveis e
organizando as relações jurídicas. Relacionando as suas respectivas
natureza e objeto.
2. Lei Civil: cada uma das leis que regulamentam as relações dos indivíduos no
36
plano particular, sua vida, atividades, obrigações, direitos e tudo que se referir
ao cidadão como indivíduo.
3. Lei Eclesiástica: tentativa de reproduzir, de imitar e impor aos crentes uma
prescrição religiosa nos moldes de uma teologia. Tal como o direito tem a sua
ciência e filosofia, a lei eclesiástica toma a teologia por ciência e os juízos
eclesiásticos e Dogmas da Igreja por diretrizes.
Tomás de Aquino assinala os princípios filosóficos das leis naturais ao escrever
acerca da Providência, da criação e do governo de Deus sobre o mundo e tudo o
que criou. Esses princípios filosóficos são interpretados por Tomás como leis em
razão da Providência, onde residiriam como se fossem códices da lei eterna. No
mundo criado, as leis eternas agiriam de modo passivo, por participação, ou
impressão da lei divina. Santo Tomás disserta no Tratado da Lei (Questão 91, Artigo
Primeiro e Questão 93) acerca da lei eterna como uma das espécies ou
determinações do conceito geral de lei, e a essa doutrina o entendimento deverá,
pois, alcançar perfeitamente, para que se possa compreender a ordem das leis do
universo. De toda forma, mesmo assim sendo, Tomás circunscreve o seu campo de
investigação acerca da lei neste tratado ao campo moral da atividade humana, que
possui sua fonte e raiz última na lei eterna de Deus. O homem, então, participa da lei
eterna formalmente através da lei natural que rege concretamente a vida humana
moral.
A lei moral é o principio extrínseco (que não pertence a essência de algo – que é
exterior) formal dos atos humanos.
A lei pode se dar a conhecer a partir dos moldes mais diversos que se apresentam
ao conhecimento: teológicos, filosóficos (filosofia moral, filosofia do direito),
científicos (ciência jurídica), jurisprudenciais (tanto civil quanto eclesiástica). Essas
disciplinas restringem a seu modo, com mais ou menos amplitude, a natureza, o
conteúdo e as propriedades das leis que nos governam:
1. Teológicos: A Teologia é a ciência absolutamente primeira, diz Aristóteles,
tem por objetivo os seres ao mesmo tempo separados e imóveis, e como o
divino, se estiver presente em alguma parte, o está, segundo Aristóteles,
37
nestas naturezas. A Teologia ou Filosofia Teológica é a mais elevada dentre
todas as ciências elevadas. Um dos segmentos da Teologia ou Filosofia
Teológica é a “Teologia Natural”, mais própria do filósofo que do teólogo, pois
tem como critério a “luz da razão”. A Teologia Natural é um saber de Deus
com base no conhecimento do mundo; por isso às vezes se diz que a
Teologia Natural pode conhecer “sem fé”.
2. Filosóficos: A Filosofia é um conjunto de especulações teóricas que
compartilham com a Religião a busca das verdades primeiras e
incondicionadas, tais como as relativas a natureza de Deus, da alma e do
universo, divergindo entretanto da fé por utilizar procedimentos
argumentativos, lógicos e dedutivos.
3. Filosofia do Direito: Embora os Gregos não falassem de “direito”
expressamente, deixaram especulações de definitivo interesse sobre o poder,
a convivência, a ordem, os valores e as normas sociais. Os Romanos
enriqueceram certos temas com correlações políticas e desenvolveram
largamente a prática do direito, como novas vivências institucionais e com
uma linguagem jurídica que se consolidou bastante e influiu sobre todos os
séculos medievais e modernos.
Pensou-se muito durante a Idade Média sobre o direito, entendido como algo
de origem divina, correlato do poder mais limitador deste. O direito, centro da
vida social, se expressaria por intermédio dos costumes da comunidade, e
seria sempre aplicado como derivação da justiça.
4. Filosofia Moral: Fim essencial da razão humana. Embasada pela Teologia e
pela Revelação. A Filosofia Moral explicita as razões da lei, tanto revelada
quanto feita pelas próprias mãos do homem.
5. Científicos: A Ciência é um processo racional usado pelo homem para se
relacionar com a natureza e assim obter resultados que lhe sejam úteis.
Corpo de conhecimentos sistematizados que, adquiridos via observação,
identificação, pesquisa e explicação de determinadas categorias de
fenômenos e fatos, são formulados metódica e racionalmente.
6. Ciência Jurídica: A Chamada “ciência européia do direito” nasce em Bolonha
no séc. XI. Com base ns textos Justinianeus (Littera Boloniensis), os juristas
desenvolveram uma técnica especial de abordagem, caracterizada pela glosa
38
gramatical e filológica, pela exegese ou explicação do sentido, pela
concordância e pela distinção. Neste confronto do texto estabelecido e do seu
tratamento explicativo é que nasce a Ciência do Direito com seu caráter
eminentemente dogmático, ou seja, como um processo de conhecimento
cujas condicionantes fundamentais ora são dadas e predeterminadas, e, ora
são dadas pela imposição da autoridade.
7. Jurisprudenciais: A Jurisprudência é a Ciência do Direito e das Leis.
Conjunto de decisões e interpretações das leis feitas pelos tribunais
superiores, adaptando as normas às situações de fato.
Outra definição de jurisprudência é sendo a mesma ciência do direito
igualmente, onde se compõe como instrumento do arbítrio ou conjunto de
decisões de justiça pertinentes a dado período de tempo ou concernente a
dada matéria jurídica (jurisprudência eclesiástica). Ramo ou brecha na lei que
obriga a construção de juízo por arbítrio do que seja mais justo (jurisprudência
civil, fiscal, etc.). Conjunto dos códigos do direito.
8. Lei Natural: Em sentido lato, corpo de leis ou principio fundamentado na
razão e na eqüidade, decorrente da natureza do bom senso ou da religião,
eticamente compulsório para as sociedades cultas, por assegurar a dignidade
da existência e os direitos individuais da honra e da liberdade; direito,
princípio. Escolástica: Lei de Deus. Catolicismo: Conjunto de preceitos
estabelecidos por Jesus Cristo e relatados nos Evangelhos.
A teologia estuda a lei moral em toda a sua amplitude, focando a lei eterna e a lei
positiva divina. A lei natural é, então, uma participação da lei eterna. A teologia,
obrigatoriamente, deve estudar todas as leis que afetam os atos humanos morais e
representa uma visão abrangente, panorâmica, que se pode ter acerca da realidade
completa da lei.
O olhar da filosofia moral é complementar, embora autônomo ao teológico. O campo
de investigação da filosofia moral é extenso, pois abarca todas as leis que se
referem a ordem natural. Diretamente, a filosofia moral, toma por objeto central a lei
natural. A filosofia não está preocupada com pretensas razões de uma possível
ordem sobrenatural, mesmo admitindo a lei como princípio dado ao homem
39
extrinsecamente, pois caminha com a teologia e observa o movimento histórico.
Santo Tomás considera que a ciência do direito e toda jurisprudência pertencem ao
ramo da filosofia moral. A filosofia moral tem um leque muito extenso. Ela transita
desde a moral individual, discorre acerca da família, e, isto posto, fala, inclusive, da
moral econômica, pois os antigos assinalavam que ambos os aspectos: familiar e
econômico, tinham uma só acepção. A filosofia moral trata ainda da moral social ou
política, e compreendendo em sentido mais amplo, podemos dizer que a filosofia
moral abarca toda realidade social do homem.
Santo Tomás estudará no Tratado da Lei as noções gerais do direito e da justiça
como ingredientes edificadores de todo sistema moral. As noções de direito e justiça
são comuns a todas as espécies do direito, tanto do privado, quanto do natural e do
positivo. A filosofia moral estará garantindo as noções com que trabalha o direito,
principalmente, o direito da família e o direito público. Em todas as investigações
filosóficas a que o Tratado da Lei se pretende, o direito positivo é considerado
unicamente na medida em que deriva do direito natural, e, ainda, em relação a seu
conteúdo universal. O estudo do direito positivo tem em si mesmo um conteúdo
concreto, fruto de uma sociedade determinada, de uma autoridade particular, e,
pertence ao âmbito das ciências jurídicas, mesmo que tenha que se reportar a
filosofia moral.
Segundo o exposto acima, a lei natural, em toda sua amplitude, incluindo a matéria
jurídica e a lei positiva, enquanto derivada da lei natural, e, consideradas em caráter
geral, devem ser aplicáveis a toda lei humana.
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5. Conclusão
A moralidade é fruto da lei eterna, da lei positiva divina e da lei natural. Essas leis
determinam o caráter dos atos humanos. A lei é a fonte radical e exclusiva do direito.
Em maior ou menor grau, todos os filósofos admitem a relação primal entre lei e
direito em todas as suas manifestações. Isto posto, não deve nos soar estranho que
os séculos que viriam após o XIII, e ainda ao fim da escolástica e inicio da
modernidade, tenham considerado o Tratado da Lei uma das fontes mais
importantes do pensamento jurídico.
Santo Tomás divide a sua consideração acerca da lei a maneira de Aristóteles.
Primeiro estuda a lei em geral, De Lege in Communi, e após, a lei no particular, De
Singulis Legibus.
A primeira parte se refere a lei considerada em sua significação analógica, comum a
todas as classes de lei. Trata, Tomás, dessa forma, de dar acepção aplicável a tais
classes, de forma que possamos, a parti daí descobrir a estrutura essencial de toda
a lei. Este conhecimento nos é necessário para que com acerto possamos
compreender filosoficamente o problema do advento da lei, e, ainda, analisar todos
os problemas que a lei representa. No estudo da lei em geral, realiza Santo Tomás,
considerando primeiro sua essência ou definição (Questão 90), que corresponde a
uma simples apreensão ou primeira operação da mente. Depois, em segundo,
Tomás considera: que há divisão das leis e isto justifica a sua existência, pois é o
direito amplo (Questão 91). Nas considerações da Questão 91, Santo Tomás diz que
lei corresponde a juízo, ou a uma operação da mente. Na terceira consideração,
Santo Tomás, fala dos efeitos próprios da lei que se apresentam como propriedades
de uma essência (Questão 92). A terceira consideração corresponde a terceira
operação da mente.
Na segunda parte do Tratado da Lei, sob a luz dos conceitos gerais e comuns
elaborados na primeira parte, examina Tomás cada uma das diversas leis e os
variados problemas que os circundam. Em primeiro lugar, as leis são estabelecidas,
por terem essência que as congregue (serem reconhecidas enquanto tal); isto inicia
na lei suprema, imparticipada e incriada, descende à lei eterna (Questão 93), e
41
seguindo pela lei natural participa então o Princípio da Lei com o universo criado
(Questão 94).
Após, as leis positivas, criadas pelo homem e estabelecidas pela autoridade
legislativa, pertencem ao arbítrio da lei humana, as leis positivas, assim devem ser
consideradas em si mesmas (Questão 95); e segundo seus atributos mais
fundamentais, admitindo as diferenças inerentes a sociedade e o conteúdo de suas
obrigações (Questão 96) devem ser consideradas, as leis positivas, inscritas na
historicidade. A mutabilidade da lei é atributo de sua natureza singular (Questão 97).
A autoridade que estabelece positivamente a lei é Deus, sendo assim, Deus
estabelece a chamada lei positiva divina, que é dual: 1 – a Lei Antiga: que é a do
Antigo Testamento; e a: 2 – Nova Lei: que é a lei do Novo Testamento.
A Lei Antiga é estudada por Santo Tomás em várias questões do Tratado. 1 – Em Si
Mesma: Questão 98; 2 – Acerca dos Preceitos que Contém, Considerados em
Geral: Questão 99; 3 – Em Suas Distintas Classes Morais: Questão 100; 4 – Leis
Cerimoniais: Questões de 101 a 103; e: 5 – Leis Judiciais: Questões de 104 a 105.
Santo Tomás estuda a Nova Lei em primeiro lugar, com relação a sua natureza,
tanto absolutamente quanto em si mesma (Questão 106); depois, a estuda em
relação a Lei Antiga (Questão 107); e, por último, acerca dos preceitos que contém
(Questão 108).
A lei está inscrita no movimento histórico. Uma definição exata de lei tem que visar o
panorama da historicidade. Santo Tomás ao buscar uma definição de lei optou por
instaurar a mesma na universalidade, por isso, é o Tratado da Lei um códice acerca
dos princípios gerais pelos quais a lei é interpretada (princípio fundante do direito).
Santo Tomás nos explica que a lei deve ser apreciada sob duas formas ou sentidos:
I. Sentido Formal: em função de sua organicidade nas mãos do legislador.
Na medida em que a lei ainda é motivo de ponderação na mente do
legislador. In mensurante et regulante.
II. Sentido Passivo: sentido material da lei e/ou singular, unívoco
42
(fenomênico). Sentido aplicado àqueles que são objeto da lei, e que
participam dela, no sentido de que por ela são movidos. In regulato et
mensurato.
Na Questão 90, Tomás pergunta se há lei em um sentido ativo, próprio, essencial.
Se há, em que princípio reside? Em que nós asseguramos a realidade própria da
lei? Se há seguro em uma causa primeira, de que modo são os seus efeitos
produzidos a partir dela?
5. 1 Afirmações Advindas da Questão 90:
I. A lei é constituída pela razão prática, mediante necessidade imperiosa,
que implica em uma ordenação (educação) prévia da vontade;
II. A lei não é “ato” da razão, mas algo produzido pela razão através das
proposições universais da razão prática.
Não devemos tomar toda lei como natureza unívoca e que dessa univocidade se
possa passar a outras leis, ou seja, confundir a sua essência com os códices
erigidos pela razão prática. Isto posto, não devemos confundir a ordem social civil e
a ordem moral com a ordem universal, ou com o que advém do humano. Não
devemos confundir a lei enquanto tal com as leis particulares. A lei eterna
corresponde a ordem universal, a lei divina a ordem moral ou sobrenatural, a lei
natural a ordem moral natural; e a lei humana enquanto derivada da lei natural, é a
ordem social civil. De toda forma, a lei enquanto tal é objeto de estudo no que
tange a ordem humana em geral, mas que realiza analogias com o conjunto descrito
acima.
5.2 Questão 90 – Resumo:
I. A lei moral é a lei dos atos humanos. Seu objeto é o bem comum por
essência. O bem comum reside (tende ao) Primeiro Princípio de Causa
Eficiente, fim último e perfeito da vida humana.
II. Toda lei obedece a seu fim. A lei objetiva sempre o bem da comunidade.
Os códices são distintos entre si, entretanto se complementam e se
43
estabelecem em ordem, pois residem no princípio de relação necessária,
e visam o bem comum como fim último.
III. Os “bens comuns” derivados do princípio primeiro de “bem comum” por
essência, recebem o seu gênero moral dentro da razão prática que ordena
a lei. A razão prática da lei é sempre imediata e tem, igualmente, como fim
o bem comum.
A lei tem como fim a ordenação da vontade por intermédio da razão. A perfeição não
pode ser alcançada se não houver uma direção, um “fio seguro” que guie o homem
em seu caminhar histórico. Isto posto, Tomás afirma se a lei um bem comum
limitado dentro da organicidade da sociedade. Os homens, sendo cada um singular
em sua natureza, com características próprias, não podem prescindir do bem que é
a lei; pois, então, se prescindirem não podem ser considerados civilizados.
A paz e a união entre os homens, que vem a ser o objeto central da lei humana
positiva, são os motivos que guiam a sociedade a uma abundância de bens
espirituais e, conseqüentemente, materiais (Questão 98, Artigo I). Então, deduzimos
ser a lei fruto de uma comunidade ou sociedade perfeita. A lei tende a perfeição,
pois, quando justa contempla o homem em sua integralidade. Para os indivíduos que
dão a si preceitos no afã de substituir a lei, ou a ignora-la, caso haja, toma-se a
esses por imperfeitos, pois não desejam entender a Boa Nova e nem a lei, que
deveria orientar os seus espíritos rumo a transcendentalidade. Isto posto, as
sociedades atrasadas que, ainda, não tem a lei como diretiva, se conquistadas, não
a entenderão; a tal tipo de sociedade o soberano deve regular por estatutos. Nas
sociedades organizadas a regulação da sociedade se faz por acordo, pois, a priori,
todos, devido a sua maturidade psicológica, tendem ao bem comum. Isto posto, a
lei positiva humana, juntamente com a lei natural, em sua posição de justiça plena,
criam e mantém a ordem política e social no interior da comunidade.
Novamente, tomaremos a palavra de Fr. Santiago Ramirez, O.P., a pp. 27, da
Introdução da “Suma Teológica” de Santo Tomás:
“A la luz de estos principios es fácil comprender la verdad absoluta de aquella frase
de Santo Tomás: “bonum commune potius est bono privato si sunt euisdem generis;
44
sed potest esse quod bonum privatum sit melius secundum suum genus” (2-2, Q.
152, a.4, AD3). La primacía del bien común sobre el bien particular o privado es
absoluta, si se trata de realidades del mismo género; en órdenes distintos, un bien
particular de un género mas perfecto puede ser superior al bien común de género
inferior, como el bien privado sobrenatural de un hombre, cuando es auténtico bien,
es superior a su bien común político.”
Ao erigirmos como primado o bem comum acima da pessoa humana, não se vai
contra ao caráter próprio e superior da dignidade humana. O bem comum na medida
em que é mais extenso que o bem particular, é o bem comum, mais necessário e
mais perfeito que o bem particular; pois, o bem particular estende a sua participação
a muito poucos.
“El bien común es, pues, el bien por excelencia de la persona, el que
verdaderamente la perfecciona dentro de cada orden de su actividad.”
A noção universal e comum de lei não se pode conhecer perfeitamente, mas tão
somente a sua essência, investigada na Questão 90. Não conhecemos também,
embora já tenhamos feito distinção, as distintas classes de lei que realizam
diversamente a essência comum. Santo Tomás tenta aclarar ao espírito, na Questão
91, essa classe de distinções.
A noção de lei não é unívoca, por isso não devemos falar de espécies, mas de
modos diversos de leis que se diversificam não tão somente por diferenças
extrínsecas (que não pertencem a essência de uma coisa), mas intrinsecamente
(intrínseco é aquilo que é próprio ou essencial, “qualidade intrínseca”), na mesma
razão de lei. Nesta Questão, Santo Tomás indica a existência e a razão de ser de
cada uma das leis.
Os Estóicos (estoicismo, doutrina filosófica de Zenão, chamada “doutrina do pórtico”)
identificaram o “logos” com a divindade que rege a ordem do cosmos. Cícero dizia
que a lei não havia sido instaurada pelo gênio dos homens, nem pelo decreto dos
povos, mas é, sim, algo eterno que rege o mundo eterno. Sendo assim, é Deus que
instaura a lei, e é ele que manda ou proíbe, pois nada do que é feito o é sem que a
45
Sabedoria Suprema permita.
Deus é o supremo governante da comunidade perfeita que é o universo. Ele rege a
tudo por meio da Providência, que é a sua prudência governativa, através da qual o
entendimento e a vontade divinos dirigem ao bem todas as coisas, sendo o bem o
fim último, e bem comum, de todo o universo. Seguimos com a palavra de Fr.
Santiago Ramirez, O.P., à pp. 45 da “Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino”:
“la providencia divina, según nuestro modo de concebir, posee un plan, una razón de
gobierno que encarna perfectamente la esencia de la ley, y que se llama ley eterna,
porque todo lo concebido en la razón de Dios tiene que ser eterno (a.I c).
“Santo Tomás concibe la ley eterna como verdadera ley: un dictamen de la razón
prática de Dios, príncipe del universo, que ordena todas las cosas a un bien común,
que es El mismo (a.I c et Ad3). Posee verdadera promulgación, que por parte del
legislador, que es Dios mismo, es eterna como el verbo, y el Libro de la Vida…”
A experiência intima, fruto do agir de Deus sobre o homem, indica claramente a
existência da lei natural quando distinguimos perfeitamente de uma maneira geral o
bem do mal, o justo e o injusto, ou sentimos remorso ou aprovação interior.
A lei natural se deduz da lei eterna, pois essa é a própria lei de Deus. A lei eterna é
a razão divina, governadora do universo, pois ordena todas as criaturas a um fim
último. Os seres racionais participam da ordenação do universo, mas não de um
modo passivo. A participação do homem é ativa, pois por sua inteligência e livre-
arbítrio pode dirigir a si mesmo e criar sua própria vida moral com vistas ao fim
último. A participação da lei eterna no homem é a lei natural. A lei natural diferencia
o homem dos seres irracionais, pois o homem pode receber essa lei suprema de
modo intelectual e racional. A lei concerne a razão. Seguimos com Frei Santiago
Ramirez, O.P., a pp. 48: “ la razón especulativa debe partir necesariamente de unos
primeros principios firmes indemostrables, evidentes por sí, de cuya certeza
participan todas las demás verdades o conocimientos.” Deste mesmo modo, a razão
prática é inconcebível sem esses princípios práticos, firmes e evidentes, pois são
normas imutáveis. Os primeiros princípios, pois, são constituintes da lei natural.
46
O fim ultimo da comunidade é viver em acordância com a virtude, desta forma vive-
se bem. Aquele que vive fora da comunidade não vive bem, pois a boa vida é a que
está em acordância com a virtude e a vida virtuosa é o propósito da congregação, da
comunidade. Um único povo que seja visto como comunidade deve viver sob as
mesmas leis e sob o mesmo regime de governo. O governo deve dirigir o povo para
a melhor vida dos que vivem em seu reino.
Todas as organizações, pessoas e indivíduos que vivam na comunidade política
devem ter seus interesses dirigidos pela lei, pois essa é a diretiva da comunidade. A
congregação deve se dirigir a propósitos irrestritos deve dirigir-se a beatitude e desta
forma tornar-se cada vez menos imperfeita. Assim, a comunidade caminha para o
ideal da justiça comum, começando-se pelo amor ao mais próximo indivíduo da
comunidade. Deve-se começar a amar o mais próximo, para depois amar o mais
distante.
Tudo isso começa na família que participa da comunidade política e seus membros
cooperam para a virtude.
O assentamento da lei deve ser induzido pelo medo das sanções, para todo aquele
que com a lei não queira cooperar. A força coercitiva da lei deve ser usada contra os
violadores da mesma. A coerção é necessária para que se assegure o lugar central
da autoridade. A lei deve estar presente não tão somente na idéia do legislador, mas
também na idéia de quem ela se dirige. Sendo assim, os cidadãos são o objetivo da
lei. O plano principal da lei (sua diretriz e meta) é proteger e preservar o bem
comum.
O governo deve servir ao povo livre e a lei deve estar em coordenação com o
governo e o povo. Devido a isto, a lei em seu público caráter (em sua promulgação)
deve ser clara, geral, estável e prática, e, ainda fazer parte da razão pública.
A lei deve ser obedecida por todo aquele à qual a mesma é aplicável.
Conseqüentemente, é evidente que o efeito da lei é elevar os indivíduos a sua
própria virtude, e a virtude é o que torna os indivíduos bons. Por isso, o legislador
deve se inclinar ao bem verdadeiro, que tende ao bem comum regulado de acordo
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com a justiça divina. Sendo assim, a lei, por efeito, torna os homens bons.
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