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••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• EDUARDO C. S. SITTAR Li vre- Ducente c Ooutor. Profeswr Associado ou Dcp:.u1 amCn1 {) de Filosofia c Teoria Geral do Direito da Fac uld ade de Direito da Universidade de o Paulo. ÉTICA GERAL E PROfISSIONAL 3'edIção' revista 2005 n" Ed -- -----_ ... .. ... -_ .. \ l .... - Z.5. I>ivisõcs da élicn A ética. C O"M ' "'Iher fillll'Óúco. pode ser dividida. seguindo uma dctcrrmnada orient ação conceitua I. cm do is ramos: a éhca nnnnaliva c a mctaética. Enquan to n ética nonnati va se detém no c...;t ooo hiSlórico .. filoSÓúc" ou w nccitual da moralidade. ou seja. das normas mo .... is espalhadas pela soc iedade, praticadas ou não•.• mctaética se pro .. jlÕC a ser uma investigação do tipo epistemológico, ou seja. uma avalia .. ção da. condiçõe. _ de possi bilidade de qualquer estudo ou proposta teó- ricu ética". Se a ética normativa estuda as normas sociais"'. se detendo wbre a moralidade ro_itiva, a metaélica estuda e avalia a ética normativa. que sedizer que a ética normativa abre espaço para a discus .. são das diversas correntes de pensamento acerea da ética, e, nesse sentido, é o que permite-o estudo hi stórico-filosófico da ética {ética socrática. ética platônica .. .)". Pode .. se, então, identificar. as princi .. pais correntes de pensamento ético<Xlmo constituindo grandes·grupa .. 34. cr. Margaroth Rago; Luiz B. Lac:erda Orlandi;Alft<do Vciga .. Nc:to(orgs.). lmoge", de Fouca.uit e R$Son.&t.cias nielr..schi.an.as. Rio de Jaociro: DP&tA. W02. p. 185 .. 186. 3S . A meut<iça é o "ludo critico dos ...... ".. _: "I&ual que la ética nocmativa "'pane una reflQ;i6n acerca de las ' nocmas mon.les CJiwn1cs (moraUdad positiva). la met.aWca implica una reflcxi6n sobre los SÚtem&S exiscc.o= (monlidad<rítica)" (Ouisin. Inlroducci6. a itica, I99S , p. 43). Jó. "No campo da Étiça filosófica cnoonttamos • oonnaliv. ;; Étia cspoculativa. A Étia nonnativaé mais do que o leis, pois_ cnuDci&r u ncxmas que assqurem e satisfaçam a autoridade do. que deve $CC. para que • soc:icdade atinja $CUS objcúvos. Apóia·" em rU6es costumes • também nciooais cropCricas. Iouvando-se cm C><pCri&>cias antcnO<CS (Kone.lnicilJf4o d itica. 1999, p. lOS). 37. TamItbn chamada étiça cspoculaóva: "A Ética cspocu\aliva _ to .. coalrV,"COm. sistcmatizaçãodos dados coahccidos. as razl\c$ ú.1timas(tcl<oI6gicas) ou ru6c.s primei.ras{dcoatológicas). por meio das quais possa. quantificac c avaliar os rcnõmenos _, atribuilJdo.lhes jufz.ns de valor moral, ou seja, de valor segun .. do os wmcs" (Konc.lnicútçDo à étic4, 1999, p. lOS) . 25

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EDUARDO C. S. SITTAR

Livre-Ducente c Ooutor. Profeswr Associado ou Dcp:.u1amCn1{) de Filosofia c Teoria Geral do Direito da Faculdade de

Direito da Universidade de São Paulo.

ÉTICA GERAL E PROfISSIONAL

3'edIção' revista

2005

n" Ed

-­~Saraiva

-----_ ........ -_ .. \ l

.... -

Z.5. I>ivisõcs da élicn

A ética. CO"M ' "'Iher fillll'Óúco. pode ser dividida. seguindo uma dctcrrmnada orientação conceituaI. cm dois grand~ ramos: a éhca nnnnaliva c a mctaética. Enquanto n ética nonnativa se detém no c...;tooo hiSlórico .. filoSÓúc" ou w nccitual da moralidade. ou seja. das normas mo .... is espalhadas pela sociedade, praticadas ou não •.• mctaética se pro .. jlÕC a ser uma investigação do tipo epistemológico, ou seja. uma avalia .. ção da. condiçõe._ de possibilidade de qualquer estudo ou proposta teó­ricu ética". Se a ética normativa estuda as normas sociais"'. se detendo wbre a moralidade ro_itiva, a metaélica estuda e avalia a ética normativa.

Há que sedizer que a ética normativa abre espaço para a discus .. são das diversas correntes de pensamento acerea da ética, e, nesse sentido, é o que permite-o estudo histórico-filosófico da ética {ética socrática. ética platônica ... )". Pode .. se, então, identificar. as princi .. pais correntes de pensamento ético<Xlmo constituindo grandes·grupa ..

34. cr. Margaroth Rago; Luiz B. Lac:erda Orlandi;Alft<do Vciga .. Nc:to(orgs.). lmoge", de Fouca.uit e ~úuu: R$Son.&t.cias nielr..schi.an.as. Rio de Jaociro: DP&tA. W02. p. 185 .. 186.

3S. A meut<iça é o "ludo critico dos ......".. _: "I&ual que la ética nocmativa "'pane una reflQ;i6n acerca de las 'nocmas mon.les CJiwn1cs (moraUdad positiva). la met.aWca implica una reflcxi6n sobre los SÚtem&S ~cos exiscc.o= (monlidad<rítica)" (Ouisin. Inlroducci6. a Ià itica, I99S , p. 43).

Jó. "No campo da Étiça filosófica cnoonttamos • ~. oonnaliv. ;; • Étia cspoculativa. A Étia nonnativaé mais do que ~_ o leis, pois_ cnuDci&r u ncxmas que assqurem e satisfaçam a autoridade do. que deve $CC. para que • soc:icdade atinja $CUS objcúvos. Apóia·" em rU6es ~ ~ ~ costumes • também nciooais cropCricas. Iouvando-se cm C><pCri&>cias antcnO<CS

(Kone.lnicilJf4o d itica. 1999, p. lOS). 37. TamItbn chamada étiça cspoculaóva: "A Ética cspocu\aliva _ to ..

coalrV,"COm. sistcmatizaçãodos dados coahccidos. as razl\c$ ú.1timas(tcl<oI6gicas) ou ru6c.s primei.ras{dcoatológicas). por meio das quais possa. quantificac c avaliar os rcnõmenos _, atribuilJdo.lhes jufz.ns de valor moral, ou seja, de valor segun .. do os wmcs" (Konc.lnicútçDo à étic4, 1999, p. lOS).

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mentos de estudo da ética normativa. a saber: 1) as éticas normativas teleológicas (eudemonistas e hedonistas), para as quais a noção pri· mordial é a de que a ética deve conduzir a um fim natural, ou à felici· dade, ou ao bem-estar, ou à utilidade geral... (Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro, Hume, Bentham, Stuart MilI ... )"; 2) as éticas normativas deontológicas, para as quais a noção primordial é a da necessária e imperativa obediência ética pela consciência do dever e da responsabilidade, individual ou social... {cristianismo, ética kantiana, ética do contmto sociaL.)". Não obstante se poder assim dividir as dimensões filosóficas ético-normativas, nunca é demais dizer que os grupamentos não sufocam a independêncial6gica, conceituai, e muito menos as peculiaridades, de cada proposta filosófica.

Outra distinção importantlssima a ser feita é aquela que divide a ética em dois grandes ramos: a ética geral e a ética aplicada.

A primeira deter-se-ia na análise e ~R. ,estudp . c!a~ . 'l0rma.s S't ciais, aquelas que atingem a toda a coletividade, e que possui linea­mentos os mais abrangentes posslveis, correspondendo ao conjunto de preceitos aceitos numa detenninada cultura, época e local não pelo consenso da população, mas sim pela maioria predontinante. A ética geral incumbir-se-ia, portanto, de tratar do~ temas gerais 'de interesse' . ligados à moralidade. Essa faceta da ética seria a mais aberta, e, por

. 38. "as camlln distinguir, dentro de las iticas teleológicas que proponen como meta cl bienestar humano, las eudemonistU (que ,61~tomlUÍanlcn consid'eración los

,placeres más o menos intelectuates o espiritualçs) y I~ hedonis~ ~de.fl.t4o~~,,~!a~r en griego), que tendrlan como objecto la penecución de placéres f(\U materiaJes" (Guisin, lntroducci6n o lo ética . 1995, p. 37). .

39. "La diferencia esencial entre las c!tiw teleológicas y las deontológicas o de principios. C$ que mientras las primeras exigen un fin más o menos natural I

perseguir por la nzón humana, fin que presenta lu características de ser bueno prudeneillmente y bueno ttieamente. tn las segundas lo que importa es obmr con­(onne a deberes (dlon .. deber en gOego) exigidos por 11 e,,;istencil de principi~ y dictados por la rll.ón pura. como la ttica kantiana. y dercchos (naturales y/o fundamentaJes) o principios producidos mediante consenso o contrato por los hu· manos (aunque en este 1l1timo caso podrl'a darse un importante acercamiento a las tticas teleológicas o de fines)" (Guis'n. /ntrodutddn a la Itfca. 1995. p. 38-39).

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conseqUência. a mais abrangente. lidando com os interesses sociais de um modo geral.

A segunda deter-se-ia na apreciação de normas morai s e códi­gos de ética especificamente localizáveis na sociedade, uma vez que estes estariam relacionados ao comportamento de grupos, coletivida­dcs, cntegorias de pessoas, não possuindo a abrangência da primeira. E~sa faceta da ética: chamadà ética aplic'ldtt. dcter-~c- ia no ~tudo qualificado (por um interesse espec!!ico por ramo de atividadc, gru­po de pessoas envolvido ... ) de questões ético-sociais. São desdobra­mentos da ética aplicada: a ética ecológica, a ética profissional. a ética familiar, a ética empresarial...

1\Ido isso em função da especialização desses estudos edas exi­gências principiológicas que acabam se formando em tomo deles. Porém, é certo que todas convergem, em seus interesses, para uma reflexão sintética e, g~ral, proposta pela ética geral. Também é certo que todas essas'étic8S;10<;a.li%lldas e esPecIficas se incrementam quando se comunicam e vivem em dialética social; mas a distinção, além de didática, é necessária para efeitos de diferenciação e de análise <antificada do saber.

A parte da .ética aplicada que se procurará abordar com maior profundidad~ ndsui' óbrà'será '''da éUtá iNdOssldhal. Quando a ética se deita sobre a projeção profissional, quer, de fato, detectar as nor­mas que presidem o relacioniunento humano por meio do trabalho; é da conjugação enn:c, açlla I~boral ~ ',ação !l'~r~1 Rue se procurará ex­trair uma refl,exão, .\Dais , aprin1Ora~~ ,sob(e ~ssa parte da ética aplica-

. • .. ' I' . , ••. __ ·.·,t,.l da. De fato, deter-se-á • segunda parte à~ste escrito na investigação das normas morais:, aos lirlnêfpfMI ~ 'ib:f~lii-ttia~ 'jurfdico-disci plina­res que.governam a' atuação de uin cipó' espeélfico de profissional, a saber, O profissional do direito, em suas Várias é diversificadas fun­ções, cargos e papéis sociais".

40. o que importa dizer neste momento t que a aproximação de ambas as ci!nciu se toma ainda mais clara quando se procura estudar I ~tica di sciplinar do profissional do direito. En1l0 se passa a compreender o quanto uma cieneia (~tica) t cara l outra. (direito) na compreenslo de sua. preceptlstica.

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! '! :' , A Etica do estudante de direito

JOSÉ RENATO NAL1Nl

ÉTICA GERAL E

PROFISSIONAL

A tmCA 00 ES'ruOAtm! Dfi DIREITO 217

intuição. Soa humanidade não se converter e não vivenciar a solidarie­dade, pouca esperança haverá de subsistência de um padrão civilizató­rio preservador da dignidade,

A melhor lição ~ o exemplo, Temos falhado ao legar à juventude um modelo pobredeconvlv!ncla, Estamo< nos acostumando a uma so­ciedade ego!sta, hedonista, imediatistae consumista. Ego(smo distan­ciado da visão otimista de Shaftesbury e ~utler, para quem o indivIduo é altruísta por natureza,' Ego!smo na sua versão mais pessimista, a con­ceber o homem "como um ser ego(sta, preocupado primeiro consigo mesmo e logo pelas pessoas mais próximas a ele, disposto a competir com os demais e a prejudicá-los, se isto for necessário à satisfação de seus desejos".' Hedonismo exacerbado, pregando o prazer a qualquer custo o a conversão da vida em uma etema festa, Aju ventude é passagei-

• SUMÁRIO: 7,1 Ética é assunto para todas as idades - 7,2 Deveres ra e, alémde prolongá-Ia mediante utilização de todos os recursos, reela-"'", para consigo mesm,~, :-?:~ ,R~~,!~i~~,,,:m.~~t~ cO,m os col~g~s;- !,4, , '" , ,ma-se ao jovem vença um campeonato de resistência para participar de

, () .I " , , Relacionamento com os~rofessores - 70/. t5 ~tudan,~e a SOCl~rn- d cert • . ''-"""n' oc'a's e lu'd'lcos Imediau'smo ",' , c ;'_'_~"hC"'o •• ",!",, "''''''''e,''s""'I'' ""'''''''1"'''' r. ",y ",)< ,," .1"" ':1" 'n . l""" ,,,,to osos ames. sexuals'''''r_ IVOS, S I' ' , '''- , .>.-, '", ", ,',' déu 7,6,>i't:lIC4dopro .. : or~"u,ello'- :'A ucada nlversl a e , ' b h' , , ,., '1 ' " -7,8 O futUrO ético dá·UiiIVersldachi. ' .. , " como se o mundo estivesse prestes a se aca. ar e . ouvesse pressa em

usufruir de todas as suas benesses. Consumismo Impregnando a pró-

\

' pria concepção de vida: tudo constitui produto na sociedade de IIIllS-

, , .. " .. J~',:,:" .. ,,: ,'C, c .. , '.', _"' ,," .... .. .." .. ,,: , ", .. "sas, que descarta valores, descarta a velhice, os sacrifícios e iudo aqui-! 7.1 Ética é ass'\lIt'l'Ra.r.<>.;tp4!1$. iII$:Ílhule:>c, mu IIe n' c ,!d, u', lo que não significar um permanente desfrute. i. "", I N :H)"'C nn<ir J'.~n\~r:u · .. k\~"'t' \· II~.lI"t" ,1 .1 . ", n)~ ... , !~';i l '\ ' .. ,' ii"" ;' ·, n 11 .• NãosepodeesperardeescolarescujasmãesquaseseagridernflSica-

:',' ;'" '.'::t:':" 'I, , :': " ' J P',fCocul'ar-s: !:?,~:~ ~g~d~~~~~f!"~,R.~~u.Y~~o: d~~ldos.oSQ':Id,Os ,, , ! .. ,:, :, " : mente na disputa de vaga para estacionar seu carro à saída da escola Ve-'. ': Já formado~, Assl~ ~o~o ,e., ~1l~~~tJ:B~?: i§r::2I~~a ~:~B;I ev?,I~~~~:,; ,: ,;:, , _ .' ,nharn a se portar eticamente quando adultos. Nem se aguarde que os fi-

" ," '" ,,, sem prevls~o de r~mO, finãI; asSimilar conceitos cucos e em~nhar-<e -, , , Jhosde pais que lesam o fisco seus empregados ou patrões .nue se refe" I ... ' .. ,' " ' . e' "~ I " ol l v }', \I\.:~ta\..lt:H , ~r\ Cll\~!;)t\Ja~CLl.' t· II!~J Jl:..!c.:. .l \ J " uulr<n\l J\:l , lU!.: ;') . , '"1

" :~;!\) ,l" \~d,,; ,'I I • em v~; " lTCJ, i- .?~ , ~l!trl~~~UIlt:~rllfa~n\~H1V(~)lXii~1 1 rtr~tRf{Íll" 11 ~n .. , \L ·,~h.l 1Tt fI(lll) Il W ammàhonestidadecomoumatributodostolos, venham no futllr? acons-. J~ ~h"\Ur" l'\.;tlll<!'" " , ."" A~ cri~~çasp~i~lIm~n~lIIqç,~s:4e<P\l~cl1wpatí,,~is fi<>tnWim ,,, " ed"" tituir modelos morais. Se o pai resolve 9s seus problemas mediante aI'­

'", .. "'" "'," : ' . _ n~essidad~ da cP.!\Y'\Y~!l~i8t,J:I~P;~.fWi,il!1iç!~~PI\f1l" II1<erP!lP~,:p'~' h,,.,, """ ranjos de duvidosa moralidade, se vem ~ se gabar de haver enganado ,:. " , ,:.., , :,' ,. ,' Ie:aJó~de;, pru:aocq~C(~,I!1~,!(Mql~l'aâ~y"q\l,em~~"~lI\~~l'\'"", '/' ""I,outrem ou de Dão ser alguém que deil<.e de tirar vantagem em ludo,está

... \" competitiva: onde, ~;<j~,!,I(.I~:-\II\', vl!!lt;lj~~lrw. ,~d~ Ugl~ sociedade en- construindo os filhos com padrões idênticos, ferma, a~onviver tranqUilamente com o marginalizado, a se despreocu-

\

\

par com o idoso, a agredir a natureza e o patrimOnio alheio, pode ser'es- UI LORD SHAFTESBURY, .. An inquiry conceming virtue. or mentn , in D, cola cruel das futuras gerações: ' , D. RAPHAEL (comp.l, British moroljst. Oxford: Clarendon Press. 1969,

Nem por isso se deve abaIldonar o projeto de torná-Ias mais sensi - t, I, p, 173-175 oJOSEPH BUTLER. "Fifleen semons", idem. p. 325, apud veis e solidárias. De um ideal de formação em quea razão e a informa- MARTIN DIEGO FARREL. Métodos de la ética. Buenos Aires: Abelo-ção prevaleceram deve-se partir para novo paradigma. É hora de deso- <Io-Petrot, 1994, p. 18-19. bstruircanais pouco utilizados, como os sentimentos, as sensações e a CD ,MARTfN DIEGO FARREL. Métodos d.1a ética, cit., idem. p. 26.

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••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 218 ÉTICA GERAL E PROASSIONAL

o universitário brasileiro precisaria serilotado de uma ética espe­cial. São poucos os privilegiodos que chegam aos bancos da universida­de. Para propiciar ensino superior a esses selecionados, o Brasil deixou de investir em saneamento básico, saóde, moradia, educação de base, emprego. Cada vaga numa universidade representa investimento que se deixou de fazerem outras áreas. Nem se fale queem escolas particulares quem paga é O aluno. Toda escola privada recebe subsídios do Estado e este é sustentado por uma legião de excluídos que delc pouco recebe, em comparação com aqueles que- na catincia de recursos de uma nação emer­gente- podem ser considerados verdadeiramente privilegiados.

Todavia, o exemplo ético mais intenso deveria provir de quem esco­lheu o direito como curso universitário e como forma de subsist!ncia. O estudante de direito optou por uma carreira cujo nóeleo é trabalhar com o certo e com o errado. Ele tem responsabilidade mais intensificada, diante dos estudantes destinados a outras carreiras, de conhecer o que é moralmente certo e'o que vem a ser eticamente reprovável.

Alguma ética todo jovem possui. Mesmo que seja a ética do debo­che, a ética do acinte, ou a ética do desespero, a ética do resultado ou a ética do deixa disso. O ideal é fazer com que as éticas individuais en­contrem um ntlcleo comum bascado num princípio denso e que inspira todo O ordenamento jurfdico pátrio: O princípio da dignidade humana.

Na Faculdade de Direito o estudante precisa serestimulado a desen­volver sua formação ética inicial e, depois de cinco anos, queira-se ou não, estará ele entregue a um mercado,de trabalho com normativa ética bem definida. Os advogados têm Código de Ética; juízes e promotores também. E, até há pouco, nada ouvia o estudante q'uanto à ciência dos deveres em seu curso.

Os Tribunais de Ética da OAB vêm enfrentando inúmeras dentlncias de pessoas prejudicadas por seus advogados. Avolumam-se as queixas, multiplicam-se as apurações. Ainda recentemente, no Estado de São Pau­lo, que concentra o maior n6mero de advogados do País - aproxima-se a 200 mil advogados o número dos credenciados pela OAB - , dez porcento deles respondiam a processos no Tribunal deÉtica e Disciplina, processos que vão da apropriação indébita dos valores dos clientes, do conluio, da desídia, do erro grosseiro. Participar de algumas sessões do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB é lição de que os futuros advogados não se es­quecerão. É óbvio que O ser humano, criatura faUvel , comete infraçOes as

A ÉTICA 00 ESTIJOANTE OE DIREITO 219

mais variadas,em todos os campos de suaatuação.1bdavia, tudoissotam­bém decorre de nãoexistirpreocupaçlio séria dos mantenedores das esco­las de direito com a formação ética dos futuros profissionais.

Seria ilusão pueril acreditar-seque o salto qualitativo nas carreiras jurídicas, vinculado ao incremento ético de seus integrantes, decorra de um processo de aperfeiçoamento espontâneo da comunidade. A decan­taçlio dos maus costumes para ver anorar os bons não tem sido a regra mi históriadascivilizaçães. Há razões para muitoceticismoe, até, paracer­to pessimismo. O momento de se pensar seriamente em ética era ontem, não amanhã. O futuro cobrará do profissional posturas cujo fundamento ele não entenderá perfeitamente e de cuja experiência n~o dispõe, pois nada se lhe transmiliu ou cobrou.

Todo professor experiente já ouviu indagações de seu alunado de Direito que chegam a chocar, talo despreparo. Poucas as vocações aler­tadas do que significa estudar Direito e qual o compromisso assumido por quem ingressa na Faculdade de Ciências Jurídicas. Afinal, está-se a viver um tempo em que as sociedades criminosas destinam parcela con­siderável de seu dinheiro para formar profissionais voltados à sua tutela jurídica e, portanto, operadores destinados a atuar pró-criminalidade. S6 O estudo aprofundado e a meditação conseqüente sobre a ética profissio­nal é que poderá fazer frente a essa situação nova.

Ainda é tempo, embora se faça a cada dia mais urgente, de propiciar uma renexão crítica sobre a6tica e de envolverajuventude nesse proje­to digno de reconstrução da credibilidade no Direito e na Justiça. O entu­siasmo da mocidade e ó convfvio com heterogeneidades próprias à atual formação jurídica são propícios a fornecer aos mais Itlcidos os instru­mentos de sua conversão em profissionais irrepreensivelmente éticos, se os responsáveis pela educação jurídica se compenetrarem de que o en­sino e a vivência ética não constituem formalismo. A inclusão da disci­pHnaÉtica Geral e Profissional no currículo das Faculdades de Direito surgiu do reconhecimento de que os patamares de legitimidade das car­reiras jurídicas, em virtude das denúncias disseminadas e ampliadas pela mídia, chegaram a níveis insuspeitados.

O momento, agora, é o da reversão. Para isso, a juventude também há de serconclamada e as lideranças acadêmicas precisam se cansei en­tizar de que mais importante do que promover as tradicionais e pouco criativas Semanas Jur(dicas, delas se reclama um investimento na for-

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mação de um profissional ético, em quem se possa confiar. Projeto que, se não começou antes, é inadiável tenha inicio na Faculdade de Direito.

7.2 Deveres para consigo mesmo

Os principias que·regem acon,duta humana devem contemplar, em primeiro lugar, os deveres postos em relação à própria pessoa. Não se fale em ética para consigo mesmo, que ética é algo a ser cultivado em relação aos outros. Ninguém contesta aexistência de deveres para com a própria identidade. Assim O dever de subsistir, Insito ao instinto de so­brevivência, o dever de se manter corporal e espiritualmente hlgido, o dever de higiene pessoal e o de se apresentar em condições compatfveis com o local, momento e circunstâncias.

As Faculdades de Direito de antigamente eram reflexos dasolenidade que imperava na atuação judicial. Os alunos freqUentavam aulas de paletó e gravata e se portavam como futuros operadores.' A multiplicação das Escolas, com a conseqUente ampliação das turmas -quantos milhares de brasileiros hoje estudam Direito?:", as transformações da sociedade, vie­ram a gerar um fenômeno visual na maiorparte das Faculdades. Hoje não se distingue o estudante do Direito do estudante de Educação Física. Am­bos comparecem às aulas vestindo Irainings, quando não calções, chine­los de dedo e outros trajes. Se o hábito não fCl1. o monge, tudo sendo permi­tido em nome da informalidade e da franqueza maior que preside o rela­cionamento humano neste início de milênio, como se explicara preserva­çãode alguns símbolos em Justiças mais tradicionais e respeitadas do que a brasileira? Pense-se, como exemplo, na cabeleira do juiz inglês, forma- ' lidade essencial e sem a qual os julgamentos são nulos.

Um pouco mais de adequação no traj';;' e nos modos como se apre­sentam os alunos não causaria malefício à educação jurídica. Até os trei­nos para a futura atuação restam prejudicados quando se faz uma simu­lação de julgamento e o aluno escolhido para representar o juiz se apre­senta de bermuda e com camiseta cavada .. . Hoje, com a necessidade de um treino efetivo da futura profissão, substituindo-se as desnecessárias simulações por uma prestação de justiça real, não meramente virtual, o traje é mais importante ainda. A pane que trouxer os seus problemas à resolução dos Juizados Especiais sentir-se-á mais confortada se estiver diante de alguém que se vista adequadamente.

A EnCA DO ESTUOAtm! OB DIREITO 221

Todavia, mais importante do que a forma 6 o conteúdo. A criatura humana é destinada à perfectibilidade. Todos podem tornar-se cada dia melhores. Melhor seria dizer: uma vida só se justifica seo compromisso de se tornar cada dia um pouco menos imperfeito vier a ser um projeto sério. Essa é uma proposta individual que<1epende apenas de cada cons­ciência. Ao se propor a estudar Direito, O estudante assume um compro­misso: o derealmente estudar. Isso parece óbvio e realmente o é. Quem conhece o aluno do bacharelado jurídico sabe que as obviedades preci­sam ser enfrentadas. Exemplo disso é que continua a existir o uso da cola ou de outros artifícios para obtenção de graus favoráveis nas avaliações periódicas. Cresce a praxe da contratação de profissionais ou equipes para a confecção de trabalhos cientificas ou da monografia, hoje necessária à obtenção do grau de bacharel em Direito.' O advento da informáticapro­picia a,pesquisa.e o acesso às maiores bibliotecasdas melhores universi­dades do mundo. S6 que muitos alunos, em lugar de se valerem dapes­quisa e a aprofundarem com ~ sua análise pessoal, se limitam a inserir nas monografias - sem a utilização das aspas -enormes trechos elabora-dos por outros estudiosos. '

Todos os anoS - e agora, todos os semestres - milhares de jove~s são chamados ao vestibular e optam pelo Direito. Grandepartedeles desco­nhece o que seja o compromisso jurídico. Estão pensando em fazer um curso que lhes permita a continuidáde do trabalho, ou de acesso relati va­mente fácil, diante da quantidade'de vagas oferecida. Seja na escola pú­blica, seja na particular, os esquemas de aprovaçao permitem que, de­,pois de cinco anos, esse universitário seja um bacharel. A passagem de uma série ailutra 6 sempre facilitada. PoucaS as exigências eos obstácu­los postos ao estudante. O resultado é que o número de advogados no Brasil vai logo chegar a um milhão, pois são mais de setecentas faculda­des, lançando - dir-se-ia até, arremessando -, semestralmente, ao mer­cado de trabalho milhares de novos bacharéis.

Parcela considerável da responsabilidade pelas deficiências doensi­no de direito é de ser tributada aos educadores. Chame-se de educador alguém bem intencionado. Não merece essa denominação o mero em-

tJI Este é um sinal qucdepOecontra o estudante, não apenas eticamente. Deixa de executar o trabalho so~icitado .e"em·lugar de aprender, está pagando para alguém aprender mais em seu nome.

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222 ÉTICA GERAL E PROFISSIONAL

presário, que abre escola apenas para gan har dinheiro e que poderia estar <e dedicando a qualquer outra atividade lucrativa. Nilo que o lucro seja abominável-é legítimo, embora não possa representaro único objetivo doempresário da educação, pois os bonseducadores,.muitas vezes, con­formam-se como curso tradicional, mantêm as grandes turmas, com aulas proferidas em auditórios. Há faculdades<jue congregam vár;asclasses num único espaço e só formalmente separam as turmas, como se elas ocupassem dependências separadas. Com isso podem·burlar as autori­dades e a fiscalização, mas propiciam péssimo exemplo ético e estão longe de propiciar o melhor ensino. A qualidade do estabelecimento passa a ser uma promessa vã.

Os professores de direito, como regra, nunca se dedicam exclusi­vamente ao ensino. Limitam-se, em grande maioria, a ministrar aulas prelecionais, quase sempre resumidas ao exame seqUencial da codifi­cação. Não há espaço para a reflexão crítica, nem para a t)esquisa. In­viável O acompanhamento individual do' aprendizado ou orientação direta sobre os estudos. O ensino é sofrível, a pesquisa quase ausente, nem se fale na extensão,"

Outra parcela de responsabilidade pelas carências da formação ju­rCdica, não se negue, decorre dos próprios estudantes. Ressalve-seo fato de não conhecerem arealidade do ensinojurídico, quantos atraídos para o estudo do' Direito por fatores que não imbricam com O objetivo de aperfeiçoar as carreiras jurídicas_ Há uma parcela de estudantes que ingressa na faculdade de direito sem saberexatamente o que ali encon­trará. Parta-se do pressuposto, por amor à argumentação, de que a maio-

f~1 A Universidade brasileira goza de autonomia didático-cient(ficn, admi­nistrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerá ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extendo. Longo caminho res­ta a ser trilhado para se atingir ao ideal do equilíbrio entre esses tres pila­res. Se o ensino vem sendo transmitido. embora com deficiencias reco­nhecidas, pouco se realiza em tennos de pesquisa na Universidade priva­da e os trabalhos de extendo ainda carecem de eficiencia e visibilidade. São os estudantes que precisam motivar as mantenedoras a promover tais objetivos, comandos cogentes do constítuinte-brasileiro em relaçAo à Universidade, conforme se verifica do artigo 207, capul, da ConstituiçAo da República.

A ~nCA DO ESTUDANTIl DE DIREITO 223

ria adentrou conscientemente na faculdade de direito. Ainda esses, em expressiva maioria, se impregnam do espírito conservador e inerte da academia e resistem às tentativas de transformação <as mudanças im­portam em esforço maior e necessidade de abandonar hábitos antigos). Preferem o velho método das apostilas, das provas clássicas, dos enun­ciados exigíveis conhecidos previamente pelo alunado . Resistem aos trabalhos, à pesquisa, à avaliação continuada, pois uma avaliação éon­tínua importaem estudo permanente. ·É mais confortável o sistema clás­sico das provas periódicas, centenas de alunos reunidos, estudo muito superficial e atribuiçilo de notas favoráveis a todos quantos estejam em dia com os seus carnês de pagamento.

A resistência àHransformações não é incomum. Os alunos resisti­ram ao examede avaliação da uni versidade, conhecido por P rovão, a cujos propósitos não se pode recusar idoneidade. Essa avaliação permanente da peiforml1nce da universidade e dos universitários vai se integrando na realidade educacional brasileira e passará a produzir outros frutos. O desempenho dos alunos tende a ser considerado pelas futuras emprega­doras e pelas instituições às quais eles recorrerão quando disputarem as reduzidas vagas nas carreiras jurídicas mais prestigiadas.

Engana-se o universitário que só pretende facilidades, ao se opor às modificações, ao não exigi-Ias ou ao deixar de lutar por elas, ao preferir a via singela. Da obtenção do diploma sem maiores sacrifícios os efeitos não tardarão a ser sentidos pelo próprio aluno. Terminado o curso, virá a angústia de quem não sabe exatamente o que fazer com o diploma: "Sou bacharel em Direito! E do.(?". Haverá dia, não muito longínquo, no Bra­sil, em que será necessário perguntar quem não é-bacharel em Direito.

Seria interessante que todo brasileiro conhecesse direito, ao menos para poder reclamar seus direitos. Se acorrida aos cursos jurídicos se der para o exereício da cidadania, não haverá razão para maiores preocupa­ções. A questão mais preocupante é a possível ilusão com que se acenar para os incautos que acreditarem que um diploma em direito abrirá todas as portas. O aluno precisa ser conscientizado de que a maior parte das escolas só lhe dará um diploma. Conseguir extrair dele todas as conse­qUências benéficas, conseguir sobreviver no exercício de uma carreira jurídica dependerá exclusivamente de seu mérito e esforço pessoal. O pressuposto do diploma é o mínimo, condição necessária, mas não sufi­ciente, para o êxito profissional.

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A advocacia toma-se aos poucos um território inexpugnável. Será um paradoxo<:oncluir que a multiplicaçãodos profissionais representa difi­culdade também multiplicada noexercrcio da atividade jurídica básica? Ocorre que, em virtude mesmo do crescimento da oferta, só os mais ca­pazes possuem condições de sobrevivência. Enormes escritórios, verda­deiras empresas jurídicas, recrutam os mais qualificados. Os demais pro­curam sobreviver, mas cul minam por continuar a fazer aquilo que já rea­lizavam antes de formados. Desaparece aos poucos o advogado profis­sionalliberal. Somente um seleto grupo de profissionais que atendem aos casos emblemáticos, os advogados mediálicos, sobrevivem desse exer­creio artesanal.

O caminho para o jovem advogado ser reconhecido não é róseo. Se não tiver uma famíliajá respeitada na área equeoencaminhe, a trilha até o êxito profissional dependerá de enorme esforço e de redobrados sacri­fícios. Aqueles que insistem só eocontram espaço para servir como qua­lificados office boys de advogados hámais tempo nomercado. Será lon­go e árduo o caminho até à redenção profissional.

O concurso constitui via atraente para ingresso a carreiras ainda do­tadas de certa aura de respeitabilidade. Tais certames congregam cada vez número maior de interessados. São milhares de candidatos que acor­rem à chamada e uma percentagem mínima logra aprovação. Tanto as­sim que várias iniciativas exitQsas têm suprido a falta de preparação desses profissionais. A função prec!pua de preparo, que seria da pró­pria instituição - Poder Judiciárioe Ministério Público, especialmente _, foi de fato delegada a alguns educadores que descobriram essa via e são hoje, na realidade, os responsáveis pela renovação de quadros nas carreiras públicas. . .

O defeito maior do concurso é o seu atrelamento a uma forma arcaica de seleção. Ela é baseada apenas na memorização de legislação, doutri­na e jurisprudência. Vence o candidato que consegue se recordar de mi­núcias, não raramente encontradas com facilidade nos Códigos. Descui­da-se, ainda, de maior preocupação vocacional. A dificuldade no acesso ao mercado de trabalho faz do nOVO bacharel umcandidalo cr6nico. Ins­creve-se para todos os concursos. Encontra-seo mesmo concorrente igual­mente interessado a disputar as provas nas seleções para os quadros da Magistratura, do Ministério Público, das Defensarias, das Procuradorias, das Polícias. Precisa. na verdade, de um emprego.

A STICA 00 IlST1JOANTIl De DIReiTO 225

1 A visão aparentemente pessimista - na verdade é realista, ao me-noS para a visão das metrópoles, nas quais existe a grande concentra­ção de Faculdadese-de profi ssionais - poderia vir a ser aten~ada se o estudante de Direito souber exatamente o 4ue pretende. Ao Ingressar no primeiro ano da Faculdade de Direito, já terá condições de se e~ca­minhar para uma das opções profissionais abertas a quem se propoe a obter o grau de Bacharel em Direito. O direito é instrumento de solu­ção de conflitos e de garantia do Estado de Direito de I~dole democrá­tica. Somente o direito poderá oferecer respostas ViáveiS para uma so­<:iedade enferma. Sinais de sua moléstia o convívio entre tecnologia de ponta e ignorância, entre abundância e miséria, entre inclusão e exclu­são, dentre tantas outras situações polarizadas.

A juventude é naturalmente inquieta e revoltada contra a injustiça. Fora despertada ades cobrir a potencialidade ~o direito para ~ solução de todas as grandes indagações do final do mnemo e mergulhana,num pro­jeto de transformação do mundocoin iníc!Q na conversão pesso~: Con­versão à causa dajustiça. Justiça que tem míclo emse autoproplclllfum curso de direito da melhor qualidade.

O primeiro dever do estudante de direito é se o:>anter lúcido e ~ons­ciente. Indagar-se sobre o seu papel no mundo, allllssão ~u~ lhe fo~ con­fiada e que depende, exclusivamente, de sua vontade. Atmgtdo o ~scer­nimento o estudO continuo, sério e aprofundado será conseqUênCia na­tural. A ;,ossoa lúcida sabe que ela pode, no seu universo, pequeno e in­significante lhe pareça, transformar o mundo.

Saberá reclamar um padrão de qualidade àsua escola, desde os aspec­tos flsicos à excelência do ensino, aí incluídas as virtudes do corpodocen­te, direção e funcionalismo. A maior parte d~s que se dedicam ao ensino é formada de pessoas bem-intencionadas. Esllmul~~ por um. alunado. en­tusiasta, reagirá para converter a Faculdade.de ~ll'CltO ~m ~ma de~natl­vidade concretizando a reforma do enSInO Jurldlco hOJe dehneada.

O ~cadêmico brasileiro deve ier sempre na consciência o fato de ser um privilegiado. Ínfima a pereentagemdos nacionais qu~ ingressam ~a Universidade. Como na parábola dos talentos, a quem !IUllS 6 dado, m8ls

'" Sobre a reforma do ensino juódico, ver JOSÉ RENATO NALIN1, "O novO ensino do Direito", RT715/342 e ss.

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226 rnCA GERAL E PROFISSIONAL

é pedido. O universitário tem um débito para com a comunidade e a for­ma adequada de começar a saldá-lo é procurar<:xtrair proveito máximo desua permanência na Faculdade.Bstudandoe exigindo ensino adequa­do, pois alguém está pagando para recebê-lo e alguém está sendo pago para ministrá-lo. Empenhando-se na pesquisa, parte indissociável do processo educativo. Participando da extensão, que é forma de abertura da Universidade à comunidade.

Tanto pode ser feito pelo universitário de Direito para melhorar a si­tuação dos seus semelhantes. Basia, para isso, acionar a sua vontade. Assim, os mutlrõesjurídicos para resolver problemas de documenta.­ç!io das pessoas necessitadas, o atendimento para a resoluçilodedúvidas jurídicas, as cruzadas da cidadania, para alertar a população quanto aSeUS direitos. Muitos projetas especiais podem ser desenvolvidos e já encon­tram exemplo em inúmeras Faculdades: a instalação de juizado especial . no interior da escola,.çom funcionamento a cargo dos alunos. Juizado especial que pode ser o informal deconciliaçilo ou o de pequenas causas. As Faculdades também podem ser detentoras do arquivo dos Tribunais, propiciando a seus alunos o cantata direto com os processos e devem ter cartórios-modelo, para treinar o aluno com a rotina forense.

A falência do Estado como instituiçilo onipotente e pronta a atender a todos os reclamos deve incentivara participação do alunado de Direito na resolução dos problemas locais. O trabalho voluntário do estudante de Direito poderá resgatar muitos semelhantes de uma situação de margina­lidade. Os Diretórios Acadêmicos poderão se encarregar de prover os ex­cluCdostle documentação civil e profissional, auxiliando-os a obtercerti­dões dos assentos indispensáveis - nascimento e c~samento -, regulari­zando as situações conjugais, encaminlJando-os ao mercado de trabalho.

Um trabalho de conscientização dajuventude para os problemas da droga e da delinqUência poderia ser realizado pelos universitários. Afi­nal, parece que a dependência vai conquistando. a juventude e cada dia mais cedo. À infração praticada por menor é uma percentagem conside­rável da grande criminalidade pátria.

Os encarcerados precisam tamMm de assistência juódica plena. Ela não significa apenas assistência judiciária. Há situações pessoais dos presos que precisam ser resolvidas. Questões familiares, de vizinhança, de benefícios paralisados ou suspensos. Esse atendimento poderia vir a

A rnCA DO ESTUDANTE DE DIREITO 227

ser feito pelos acadêmicos. A população carcerária de São Paulo, por exemplo, alcança hoje o razoável número de ccrn mil presos. Não existe condição de assistência jurídica integral prestada por advogados. Os jo­vens acadêmicos podem desempenhar relevante serviço se vierem a se interessar pela sorte daqueles que a sociedade priva da liberdade por have­rem delinqUido. E passarão a entender melhor arealidadede que o crime é um fenômeno social edeque o preso nãoé problema da polCcia ou questão da administração penitenciária, mas é um desafio para toda a sociedade.

A participação do aluno na vida concreta do direito é essencial. A escola não pode ser transmissora inerte da verdade codificada e de algu­ma orientação jurisprudeneial. Ela tem o dever de formar umaconsciên­eia crCtica no alunado. O novo bacharel deve ser um agente transforma­dorda realidade, imbu!do do compromisso de aperfeiçoara ordenamen­to. E, antes de a faculdade lhe oferecer tudo isso, é seu dever ético dela exigir a fidelidade para com esse ideário .

Outro exercício recomendável é a participação na política acadê­mica. A Faculdade é formadora de Uderes. LIderes precisam treinar os seus talentos de liderança, de maneira a estarem preparados quando re­correrem a eles na vida profissional. O treino poUtico auxilia o enfrenta­menta da tensão dialética, sem a qual o direito n!io opera. Se existe pre­tensão a uma ética na poUtica, esse paradigma há de se iniciar na dispu­ta democrática dos cargos diretoriais, para que a poUtica propriamente dita não perca a qualidade.

A Escola de Direito s.empre foi o celeiro dos poUticos. As Arcadas, a tradicional Faculdade do Largo de São Francisco, proveu O Brasil de seus primeiros Presidentes da incipiente República. Era dali que saCa a reação contra a ditadura, contra os desmandos e o autoritarismo. Hoje, o território dos acadêmicos de direito é um vazio poHtico. Não se rei­vindica, não se reclama, não se participa da vida poHtica nacional. A comprovar a velha ponderação do notável André Franco Montara, de que seria tarefa fácil derrubar a ditadura, mas missão extremamente dificil a construção da democracia.

Um Estado de Direito de índole democrática exige Democracia. E a Democracia brasileira tem o modelo constitucional participativo. Deve ser reinventado o princípio da subsldlariedade. Tudo aquilo que a co­munidade puder fazer por si, ela deve fazê-lo, desnecessitando de invo­cara governo. O jovem acadêmico de Direitoéo protagonista mais indi-

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cado para mostrar ao povo como se faz uma verdadeira Democracia e como seedifica o Estado de Direito.

Tudo isso pertineà ética. Um estudante desprovido de ética não será um bom profissional. A Democracia resultante de sua atuaçãonãoserá a forma ideal de vida comunitária em que se procuragai"anti ro bem de todos, prevalecendo a orientação da maioria, mas será um regime hegemônico, baseado na priorização dos intéresses sociais. É por esse motivo que a ética reveste uma importância absoluta neste início de milênio.

Ouso afirmar que o estudante de direito deve procurar agir etica­mente e ser virtuoso desde os bancos escolares. A prática da virtude não significa perder a alegria, renunciar ao prazer ou aos jogos lúdicos de sua idade.' Ser virtuoso não equivale a ser circunspecto, arredio, azedo e mal-humorado. A verdadeira virtude é aquela que Aristóteles já encontrava na parte superior da alma sob forma dúpl ice: a sabedoria, a considerar as supremas razões dos seres, e a sabedoria prática.

Todo o sistema ético está centrado na sabedoria prática. As tenden­cias, apetites e desejos devem estar num justo meio-termo, no equilíbrio que deriva da prudência. A idéia de moderação, ou do justo meio, "consis· le emfazero que se deve, quando se deve, nas devidas circunstâncias, em relação as pessoas às quais se deve, para ofim devido e como é devido".' O justo meio não é outra coisasenllo o dever. "Por exemplo, a virrude da coragem modera o medo; ela é o justo meio-lermo entre a covardia e a

I" Spinoza já observara: "Certamente, apenas uma feroz e triste superstição proíbe ter prazeres. Com efeito, o que é mais conveniente para aplacar a fome e a sede do que banir a melancolia? Esta a minha regra, esta a minha convicção. Nenhuma divindade, ninguém, a não ser um invejoso, pode ter prazer com a minha impotência e a minha dor, ninguém toma por virtude nossas lágrimas, nossos solu,ÇOs, ~osso çemor e OUI,rOS sinais de impotên­cia interior. Aocontrário, quanto maior a alegria que nos afeta, quanto maior a perfeição à qual cnegamos, mais é necessário participannos da natureza divina. Portanto, 6 próprio d~ um homem sábio usar as coisas e ter nisso o maior prazer possrvel (sem chegar ao fastio, o que não 6 mais ter prazer)". SPINOZA, "Éthique", IV, escólio da prop. 45, trad. Appuhn, apud AN­DRÉ COMTE-SPONVILLE, Pequeno Iralado das grandes virtudes, São Paulo: Martins Fontes, .\ 996, p. '45: .

'" ARISTÓTELES, Élica a Nic5maco, VI, 1, 1138 b 19-20, apud OLINTO A. PEGORARO, Ética éjusliça, Petr6polis: Vozes, 1995, p. 26. i

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A ÉTICA DO EST\JOANTI! 06 DlR.E1TO 229

audácia: modera o medo para que sejamos firmes diante do obst4culo e não fujamos covardemenle; modera a audácia para que não enfrentemos o perigo alaba/hoadomente. Ajustiça modera a paixão do lucro, levan­do-nos a honraros contratos sem lesãoao próximo e sem danos pessoais",' A reiteração de condutas equilibradasconduzàracionalidade. Quando se é racional, pode-se afirmarque a virtude triunfou. O ser humano venceu a paixão, que não deixa de ser paixão, mas segue racionalizada.

A ética deve servirpara·isso. Não para alimentar discussões teóricas, mas para a vida real, parau prática existencial de todae qualquer pessoa. Senão houver o compromisso de viver1lticamente, o estudo e o apren­dizado da ética de nada servirá.

7.3 Relacionamento com os colegas

O companheirismo acadêmico é sempre espontâneo e prazeroso. Os anos passados na Universidade podem ser considerados dentre os mais felizes na vida dequalquer profissional. Costuma-se recordar com sau­dades desse·tempo que, enquanto transcorre, é célere e inconseqUente.

Mesmo assim, a massificação do ensino fez com que algumas práti­cas fossem relegadas. As antigas turmas das academias tradicionais le­vavam muito asério a circunstância de integrarem homogêneo grupo que, a partir.da formatura, era designado pelo respectivo ano. Os laços de convívio erarn'Verdadeirarnente fraternos. As tunnaS seguiam unidas pela vida, reunindo-se a cada aniversário de fortnatura, irmanadas na memó- . ria do um tempo de sadia e gostosa convivência. Até mesmo a alegria espontânea da organização da festa de formatura foi substituída e dele­gada a uma empresa. Aquele tempo destinado a um estreitamento de convívio, às brincadeiras e jogos jocosos, foi irocado pela co\ltratação de umaempt:CSa especializada em realizar a cerimônia dacolação de grau e de entrega dI' diplpma.

Compl'l!!'nde-se que tudo muda. Mas parece tiav~ mudado para pior. Os formandos se limitam a pagar mensalidadeseacomparecer a umafesta que não foi por eles programada, mas parece um grande happening, com projCÇÕCS, músicas eaté fogos de artifício. Tudo para disfarçar o des~pare­cimento da alegria genuína que deveria ser a tônica daquela comemora-

'" OLINTO A. PEGORARO, Élica é juSliça, cil .. idem, p .. 26-27 ..

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ção. Sem dizer que oti'eino<leorganizaçlioda festa era uma prova concreta da capacidade de administrar o interesse ooIetivo, de vivenciar a idéia do condomínio, de respeitara orientação da lI1aioria, de saber conciliar as di­ferenças. Tudoessencial a quem sepropõea exercer,profissionalmente, a atividade da composição dos conflitos, rumo à obtenção da pacificação.

A oferta do ensino jurídico massificado, objet.) de consumo educa­cional e colocado 11 disposição do aluno como verdadeira mercadoria, esmaeceu a sensibilidade desses contornos. Alunos de uma mesma clas­se não se conhecem. Passam anos ocupando o mesmo espaço físico sem trocarem palavra. Nada sabem a respeito da vida, das vicissitudes, das angústias e sonhos de seus colegas. São passageiros transitórios da nave mercantil que se propOs a dar-lheS um diploma.

Umdeveréticopara.comocolegaéconhecê-lo.Identificá-lopelonome. Participar de sua vida. Ser solidário nas dores -quem as não sofre1-e nas alegrias. Não se está pOr aCaSO na mesma turma. Essa é a oportunidade de fazer amigos, de se irmanar com aqueles que estão submetidos à mesma experiência convivida em tempo idêntico. É triste respirar o mesmo ar de um semelhante dias, meses e anos seguidos, sem chegar a apreender o universo de suas qualidades e partilhar com ele as próprias angllstias.

Interessar-se pelo colega leva também ao dever ético de solidarie­dade. A ausência de um companheiro durante alguns dias deve motivar a indagação da classe e a sua proposta de auxiliá-lo a enfrentar eventual problema. De maneirllidêntica, a ética impõe se visite o colega acidenta­do ou enfermo, que se faça presenle ao funeral de seu familiar, que se compareça à sua casa quando convidado. Exatamente como se' faz com os ámigos. Não se exclui a oportunidade de se proceder a uma coleta, sem alarde e sem constranger o beneficiado, quando algo lhe tenha ocor­rido que impeça de satisfazer às mensalidades ou taxas da Faculdade.

Ao se defrontar com o colega aparentemente perturbado ou preocupa­do, aquele que estiver motivado por uma sadia ética de coleguismo deve­rá procurar mitigar-lhe o desconforto. Este pode ter origem na famflia, no trabalho, em tantas outras fontes. O angustiado gostaria de serouvido, mas não encontra quem se disponha a abandonar, momentaneamente, as pró­prias atribulações para tentar compreender o sofrimento alheio.

Esse é um fenOmeno generalizado na vida contemporAnea. As pes­soas já nilo têm paciência para ouvir. A única audiência que se consegue

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hoje. cronometrada e mediante pagamento, é ados profiSSionais da psi­canálise. Eo ombro amigo sempre foi necessário e ainda funciona como terapia de apoio para quase todos os humanos.

Outra postura ética a ser perseguida é respeitar as diferenças. No univer.;o de uma classe há muitas individualidades diversos. Pessoas que se distinguem por raça, cor, aspecto físico, origem social, prererências sexuais. Todas elas merecem respeito e compreensão. O preconceito é alguma coisa a ser banida e chega a ser intolerável numa comunidade jurfdica. Pois nesta se ensina que o ser humano, qualquer seja ele, é titu­lar de difeitos e de igual dignidade perante a ordem jurfdica.

A juventude pode ser cruel quando seleciona alguns caracteres que considera estranhos e sobre eles faz recair a ironia, o sarcasmo ou o de­boche. A classe é expressão gregária e obedece a alguns condutores. Os Ifderes naturais, formadores de opinião, respeitados por todo o grupo, estes precisam estar atentos para impedir que os colegas martirizem ou­tros, submetendo-os acontfnuos vexames. Episódios lamentáveis uma e outra vez são registrados, em que o aluno é obrigado a se transferir, talo clima de animosidade instaurado em sua classe.

A virtude, em todas essas hipóteses, é geradora de consistente satis­fação naquele que se dispOs a abrir-se ao convfvio. Ela dá prazer enorme a quem a pratica. Envolver-se na tentativa de mitigar a carga alheia de problemas é remédio para o trato da sua própria cota de infelicidade. Eo {reino durante a Universidade não é senão experiência adquirida para um saudável exercfcio profissional pouco adiante.

7.4 Relacionamento com os professores

Recrutam-se professores para a Faculdade de Direito dentre os pro­fissionaisexitosos em suas respectivas carreiras. Os fonnados em Direi­to fornecem quadros para um dos poderes do Estado - o Judiciário - e para instituições prestigiadas como o Ministério Público e a advocacia, ambas essenciais à administração daJ ustiça.Existe, portanto, contingente enorme de potencial mão-de-obra para a indústria do ensino jurfdico.

Tal circunstância vai condicionar o perfil do professor de Direito. O juizéconvidado a lecionar porque vepceu o severO concurso de ingresso e tomou-se expressão da soberania estatal. O mesmo vale para o inte­grante do Ministério Público. Não se indaga sobre seus pendores didáti-

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co-pedagógicos. A exigência de uma formação para o magistério sempre foi encarada com resistência pelos operadores jurídicos. A questão é real­mentepoiêmica. O sucesso na carreirajá credencia o profissional como vitorioso, apto a demonstrar com sua experiência que a opção do estu­dante está no reta caminho, valeu a pena e propicia êxito. Nem sempre, contudo, a proficiência na~arreira se faz ncompanhar por inequívocos dotes na transmissão do conhecimento. Profissionais de reconhecido prestígio niio são professores de mérito. Outros há, privilegiados, que acumulam as qualidades.

Novamente se invoque o princípio do justo-termo. O operador jurí­dicobem sucedido .. respeitado em sua profissão, reveste condições para ser um educador eficiente. Para isso, não constitui demasia reclamar-se formação específica. Não parece necessário um curso universitário re­guiar de pedagogia, mas algumas noções de didática, de metodologia do ensino jurídico poderiam formar o formador, com reflexos evidentes na qualidade da educação do Direito.

Em virtude da especialíssima situação do corpo docente da Faculda­de de Direi to, nem sempre o convívio com O alunado é o ideal. As turmas ainda são muito numerosas. Isso impede o contato pessoal entre profes­sor e aluno. É raro tenha o mestre condições de identificar por nome os estudantes de sua classe. Não lhe é permitido trabalhar em grupos, orien­tar estudos e privar da companhia dos seus discípulos.

O fato de dedicar-se a outra carreira, que é aresponsável por seu sus­tento, faz com que as aulas sejam objeto de preocupação secundária. A remuneração nas Faculdades não estimula o professor a uma dedicação mais intensa. Envolvido com seus afazeres profissionais, devota-se ao ensino pelo tempo necessário à ministração das aulas. São fatores de dis­tanciamento para os quais o aluno deve atentar, pois os mestres do Direi­to sempre são estimulados quando o discente demonstra um interesse genuíno por sua formação.

Todo universitário que fizer chegar ao seu mestre a pretensão legíti­ma a uma orientação intelectual direcionada a determinado concurso ou atividade sem düvidaserá bem recebido. A aproximação mestre/aluno é sempre benéfica ao processo do aprendizado. Nada obsta que o passo inicial parta do discfpulo, se não brotar do próprio mestre.

Algumas regras há que nem se podem dizer éticas, mas se mostram relevantes para a edificação de um clima de cordialidade e estima. Sãoos

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pequenos gestos denunciadores de respeito, como prestigiar a aula, aten­tar para a exposição, indagare contribuir para um debate fecundo. Os ai u­nos de antigamente faziam.saudação inicial ao, professores, quando to­inavam contato com eles pela primeira vez. Saudavam-nos no dia do professore, a final, agradeciam pela oportunidade de convivência acres­centadora de seus conhecimentos e experiência.

Os tempos são outros. Mas as pessoas continuam as mesmas. Susce­tíveis de se sensibilizarem com gestos singelos. mas que predispõem o professor a conferir maior afinco à missão de ensinar.

. Ética é também a conduta do aluno que, tendo razões de queixa em relação ao professor, as expõe ao próprio interessado, antes de procurar direção ou entidade mantenedorapara solicitar a substituição do docen­te. Essa praxe até ocorre em grandes empresas de prestação educacional, onde O consumidor é o aluno e ele deve estar sempre satisfeito com o

. . , produto. Afasta-se ela, todavia, do ideal ético da verdade, dMransparên­cia, da lealdade e da carroção. Oprofissional do Direito'deve enfrentar todas as questões de maneira frontal, sem se abrigar no anonimato e sem recorrer a técnicas pouco preservadoras da dignidade do próximo.

A relação p~fes;or/aluno deve ser franca, amistosa, cooperati ViL Se assim for, O ensino fluirá mais naturalmente, o aprendizado será um pro­cesso espontâneo. O encontro entre estudantes de Direito menos expe­rientes e mais'exPerientes'- outra coisa não é o professor - deve ser uma parcela prazenteira do período regular de estudo. O ideal seria o estabe­lecimento de laços de amizade entre eles. Onde existe afeição, a conduta ética virá por acréscimo, desnecessáriasprofundas cogitações. Só muito mais tarde o profissional terá condições de reconhecer o mérito daqueles educadores que o orientaram, que serviram de sinalizadores e de para­digmas em'sua formação. Quase sempre, quando isso ocorre, li falta da presença física do Mes.tre já lião permitirá ao discfpulo agradecido a ex­teriorização de seu reconhecimento.

7.5 O estudante e a sociedade

Todo estudante é um devedor, inicialmente insolvente, da comuni­dade por ele integrada. Para assegurar-lhe vaga no sistema reconhecido de educaç~o regular, ela investiu consideravelmente. Num país.de es­cassos recursos ante inesgotáveis necessidades, outros bens da Vida fo-

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ram sacrificados para garantir essa oportunidade deconclusão-do ciclo normal de formação . .

o estudante precisa devolver à sociedade um pouco daquilo que ela . investiu nele, mediante participação efetiva no processo político. não deixando de se interessar por eleições, votandO e podendo ser eleito, e mediante aproveitamento eretivo dos recursos postos à sua disposiçãO. É engano pensar que a mensalidade atende a todas as ne=sidades da escola. Aeducação é subsidiada, considerando-se a párticipação estatal em seus projetas privados. Pagar é obrigação de quem contrata os serviços'educa­cionais de uma empresa. Mas esta se beneficia'também de recursos gover­namentais, resultantesdeumacoletaaqueacorrem todas as pessoas. Mes­mo aquelas subtraídas ao processo educacional comum. Raramente se detém a.pensarquedexcluído, aquele que não pode estudar na época mais favorável. também sustenta O sistema educacional de seu país. Se o estu­dante tivesse noção plena dessa realidade, saberiadedicar-secomrespon­sabilidade maior ao seu projeto pessoal de aprendizado.

Todo estudante pode melhorar seu país, mesmo antes de se formar, participando de projetas de promoção humana, integrando-se a serviços voluntários tendentes ao resgate dos excluídos. atu;mdo decisivamente na fixação dos rumos da conduta dos titulares de funções públicas.

A nacionalidade parece haver despertado para a vergonha da miséria e o movimento Comunidade solidária precisa de todos os brasileiros para reduzir os índices de exclusão que envergonham qualquer compa­triota. Inúmeras organizações não govemamentais-ONGs -se prestam a motivar a comunidadeazelarporinteresses descuidados ede cuja tute­Ia pode depender a própria subsistência da humanidade. Os detentores de funções públicas são exercentes transitórios de um mandato outorga­do pela cidadania. Esta tem o dever ético de fiscalizar o eleito. para que a sua postura parlamentar ou de governo não se afaste do ideal assinala­do pela comunidade.

O estudante de Direito tem grande poder e a História está pontuada de episódios heróicos em que a luta dos acadêmicos serviu à {fefesa da democracia. da1iberdade e da ordem jurfdica. O Brasil está a viver uma tênue experiência democrática. de futuro ainda condicionado ao êxito da estabilização econOmica. Por isso toda atuação acadêmica tendente ao fortalecimento democrático é bem-vinda.

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A IlTICA DO ESTUDANTIl OS DIREITO 235

FreqUentar aulas. estudar. fazer trabalhos, pesquisar e se submeter a avaliações é o míni mo ético reclamado ao universitário. Mais do que isso, ele precisa ingressar na vida política, num sentido bastante amplo. favo­recendo com as ·luzes de seu conhecimento e com o entusiasmo de sua juventude, a consecução de objetivos .prop,iciadores de um futuro cada vez mais digno à sua Pátria.

O crescimento das Organ izaçôes Não-Governamentais - ONGs, após o advento da Constituição de 1988. deveria estimular o estudante a par­ticipar -obrigatoriamente - de uma delas. ou de criar alguma outra para o desenvolvimento de sua área de interesses. Toda comunidade precisa de ajuda. e o estudante. idealista como devem seros jovens - e jovens são todos os que estão atualmente numa sala de aula - pode transfonnar o entorno de sua escola.

Inúmeros sãoos projetas que poderiam ser desenvolvidos pelo aluna­do. em trabalho de verdadeira extensão, algo de que se descuida muito na universidade brasileira. Basta mencionar as carências dos excluídos. da educação de base, da vacinação. do meio ambiente. da educação ambien­tal. do treino paraacidadania, da verdadeira incursão ao objetivo primeiro da República, que é reconhecer a-dignidade de cada ser humano.

7_6 A Ética do professor de Direito

Este tópico não está deslocado no capítulo dedicado à ética dos estu­dantes de Direito. O professor de Direito não é senão um estudante qua­lificado, mais experiente e responsável pelo despertar de outros colegas para viver a paixão fascinante pelas ciências jurfdicas.

O que leva uma pessoa a aoeitaruma função deprofessorde Direito? As respostas podem ser múltiplas. A menos provável delas éadc que

pretende, com isso. sustentar-se e à famOia. A remuneração. quase sem­pre. chega a ser indecorosa, mesmo naqueles estabelecimentos integra­dos em grandes empresas educacionais, voltadas à exploração de uma atividade lucrativa como outra qualquer no desenfreado capitalismo da pósemodernidade. A sociedade brasileira vem adquirindo fisionomia singular. onde o valor reside na aparência, no físico. no lazer e no entre­tenimento. Qualquer propagador de cultura tradicional está excluído do processo do enriquecimento. Não se premia a cultura e a erudição. mas o show e o circo.

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236 ETICA GERAL E PROFlSS tONAL

Existem ainda os professores vocacionados. Aqueles que acreditam que o Direito é instrumento de solução das controvérsias, de pacificação e harmoni zação comunitári a ede realização da democracia. Estes fazem do magistério um sacerdócio e nulrem a esperança de estar a construir o futuro. Mas também nãoseexclua,a meta da obtenção de prestígio, favo­recedor do êxito em outras atividades, nas quais o título de professor universitário ainda impr~ssiona. E os~ue pretendem conviver com aju­ventude, extraindo dela um poucodcânimopara vencer os embates ex is­tenciais. Ou os que nisso enxergamoportunklade para atualizaros estu­dos, enfrentar o desafio de se colocar diante da mocidade e ouvir suas cobranças, sua sinceridade cruel e até, muita vez, insolente,

Há um misto de tudo isso nos quadros do magistério superior jurídi­co brasileiro. Pane-se de umàconstatação~mpíricae genérica, sem con­templar alguns casos episódicos e extremados. Como o daqueles que, na

,cátedra, pretendem apenas criar uma clientela fixa para a compra de suas apostilas ou livros, Ou de quem precise de um argumento forte para estar fora de casa ao menos duas vezes por semana, convivendo com jovens que se tornam companheiros"- mais ainda companheiras - de noitadas, de chopadas e de esticadas em barzinhos de convívio,

Esta reflexão não serve a caracterizar o magistério em outras cairei­ras e a sofrida classe do magistério doensino básico e fundamental. Con­seguiu-se, em algumas décadas, proletarizar o professor, hoje mal remu­nerado, sem perspecli vas de carreira, sem possibilidade de continuar seus estudos e às voltas com um alunado a cada dia mais rebelde, indiscipli­nado e sem limites. Enquanto não se conferir seriedade ao trato da edu­cação, a começar da seleção eda reciclagem dos professores, não haverá solução eficiente para muitos dos problemas brasileiros.

O que também não existe ainda no Brasil é um processo completo e real de formação do professor de Direito. A pós-graduação em sentido estrito contribui para a elaboração de dissertações e teses relevantes. Pouco investe, porém. na preparação de educadores. Favorece-se exclusiva­mente o estudo do Direito, sem se deter no ensino da didática, da peda­gogia, da psicologia educacional e das modernas técnicas ,de transmis­são do conhecimento.

Não são muitos os professores preocupados com isso. Raros aqueles que se propõem uma reciclagem ou um aprendizado de tais saberes, sem os quais grande parte da cultura jurídica do docente deixa de chegar ao

. A ÉTlCA DO ESTUDAlmfoB DIREITO 237

discente. Um pouco de técnica de ensino auxiliaria notáveis juristas a um salto quali tativo no desempenbo docente, com reflexos favo ráveis no processo formativo das novas gerações de estudantes do direito.

O primeiro cânone ético do professor de Direito é conscientizar-se de que, na cátedra,de nãoé juiz, nem promotor, nem advogado ou qual­querootro proflssional do direito, Eleé professor, éalguém cuja incum­bência é formar um colega, é fazer com que os quadros jurídicos de re­posição sejam preparados com ciência e com ética.

Tornar-secada vez melhor professornão é impossfvel. Quem gosta de ensinar ou aprecia o con vívio com a juveritude não encontrará dificul­dades em desobstruir os canais impeditivos de uma eficiente transmis­são <lo conhecimento.

Exigências éticas também residem no compromisso de oferecer ao educando não somente préstimos de ensino técnico, senão de orientação moral, pois nãohá verdadeiro progresso senão houver progresso moral. Mais do que um compilador de juri~prupência, alguém proficiente no manuseio dos códigos e na assimilação da doutrina, o mundo precisa de umjurista eticamente engajado num projeto de redenção de seus seme­lhantes, O profissional do Direito é aquele que poderáforneceraltemati­vas à violência, à competição, ao menosprezo à dignidade humana. So­mente umaalma bem formada.leiácondiçôe5 de contribuir para uma nova era, mais sensível aos verdadeiros valores, menos oprimida pela neces­sidade<le vencer a qualquer llreço.

O professorjá não seconsideraresponsávelpelamoral de seus alu­nos. Principalmente na Faculdade, eles chegam cidadãos feitos, de cará­ter e personalidade praticamente acabada. São os filhos da TV, dos video games, das salas de chal da conversa virtual, da liberação dos costumes, da permissividade, das mães que abdicaram das tarefas domésticas e não encontraram quem as substituísse, de pais assustados com o avanço do feminismo. Alguém deve, ter coragem de dizer a esses jovens em que acreditar, redescobrindo a singeleza das coisas essenciais - o valor da família, da solidariedade, da l~dade.,., a fmitude da vida e a sua celeri­dade, o destino,de transcendência da humanidade, o compromisso de contínuo aperfeiçoamento na breve avent!1I"8 terrestre.

Ainda é tempo de o professor resgatar as qualidades de uma carreira que já teve concretamente reconhecida a sua nobreza na hierarquia das

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profissões liberais. Basta aceitar que sua missão envolve mais do que ensinar direito. Do autêntico mestre se aguarda transmita lições e prática do respeito, da moral, da amizade, da tolerância e da compreensão.

Para desincumbir-se de um cómpromisso de tamanha abrang8ncia, não basta conhecer ética. Antes, é preciso acreditar na ética e viver eticamente.

Impregnando-se de consciêncià ética, o docente jurldico de imedia­to reconhecerá que a escola de Direito deve formar bons profissionais, tecnicamente preparados, mas, antes disso, deve preocupar-se com a formação de cidadãos conscientes. A escola não pode se limitar a trans­mitir algum conhecimento jurldico e lançar à competição do mercado profissionais que encontram dificuldade nos exames da OAB, delllQns­tram resultados sofrlveis nos concursos públicos às carreiras forenses e, em sua imensa maioria, continuam a desempenhar as funções e a ocupar os empregos anteriores à colação de grau. Ela também tem o dever ético de tornarútil odiplomade Direito, deconscientizaro alunosem vocação de que deverá procurar um curso compat(vel com suas aptidões e de que aqueles que permanecerem deverão demonstrar paixão pelo Direito.

As escolas, em geral, não estão educando para a vida. Transmitem conhecimento de que o aluno não extrairá proveito em sua subsistência, pois divorciado das exigências concretas postas à pessoa. Mas a escola, a mantenedora, a Universidade, a Reitoria, a direção constituem rea­lidades abstratas para o aluno. A pessoa que, concretamente, ocupa o seu dia-a-dia é o professor. Este nllo pode deixar de se imbuir da respon­sabilidade de alertar o educando de todos os desafios que encontrará a partir da conclusão do curso. A relação que se estabelece entre professor e aluno é pessoal, palpável e duradoura. Ela gera efeitos cuja qualidade está condicionada ao senso crítico do docente. Oele depende tornar-se alguém que exerça influência permanente sobre a formação do aluno, ou ocupar sem convicção um lugar no professorado universitário.

Não se é professorcompulsoriarnente. O corpo docente da Faculda­de de Direito é integrado de profissionais competentes e pessoas idôneas em suas carreiras. Embora o sistema esteja todo comprometido com a inércia, a reforma do ensino jurídico pode partirde uma reforma da cons­ciência do professor. Ele poderá transformar o mundo se iniciar uma conversão de sua consciencia, pondo-a a serviço da formação integral do jovem perante ele colocado.

1 A trrrcA DO ESTUDANTE DE DIREITO 239

7.7 A Ética da Universidade

Muitos falam que a universidade já morreu, ou vislumbram sua morte próxima. Algo que nasceu há mais de mil anos deveria continuar a exis­tir com idêntica estrutura?

Ricardo Dip analisa o que poderia ser a morte da Universidade, ao ponderar: "Quando autores de variada geografia e diversa doutrinafd­Iam. numa linguagem comum e atutU, na Universidade moribunda (Var­gas Uosa), na Universidade que agoniza (AIÚln Bloom), na Universida­de que reclama socorro para não morrer(Pierre Aubenque), parece que cabe ver nesses alardes em un{ssono uma perspediva até então não vis­lumbrada para o século XXI: o desaparecimento da Universidade ".' Conclua-se ou não como esses autores, a Universidade vive uma crise. E em Estado-Nação de desenvolvimento heterogêneo como o Brasil, uma crise angustiante, pré-comatosa. "Merafábrica de habilitações (Patricio Randle), supermercado de guloseimas (Bernardino Montejano), a Uni­versidade dos nossoS tempos. apoiada na cosmovisão da aparência, ab­dicou, senão inteiramente, em muita parte, de sua autoridade moral e in­telectual, pennitindo que, com um poder extraordinário, os meios de co­municação ocupassem o espaço e a tarefa que à Universidade estavam destinados pela sociedade que a nutre. Apartada da tradição de sua cul· tura, alheia de umafilosofia que a pudesse alimentar, cerrada aos pro· blemas de seu tempp, a UniversidadeagonizaJaz-se moribunda,pede um socorro que não se pode predizer chegue a ponto de recobrá-la ".10

A sociedade não se mostra satisfeita com sua Universidade. A pró­pria comunidade universitária tambémjá não se aceita nos moldes como funciona. Seus alunos não se conformam com o distanciamento entre as necessidades do mundo é o acervo de conhecimentos que lhes é trans­mitido. Seus professores vivenciam desalento, vendo o paIs remune­rar com generosidade os apresentadores de TV, os jogadores de fute-

'" RICARDO HENRY MARQUES DIP. "Para a retificação do ensino jur!­dico no Brnsil". in Temas Aluais de Direito, edição comemorativa do Ju­bileu de Prata da Academia Pautista de Direito, São Paulo: Ltr, coord. Milton Paulo de Carvalho, 1998, p. 59.

". RICARDO HENRY MARQUES DIP. "Para a retificação do ensino jur!­dico no Brasil'" cit., idem. p. 60.

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boI, as dançarinas do sensualismo e'a elesreservaruma carr~ira med(­ocre, sem garantia de subsistência dignaquandoda aposentadoria. Quem se dedica à pesquisa, depois de uma vida toda empenhada em estudos e análises, não percebe o suficiente para sustenlar uma velhice digna. Não há est(mulo para o estudo. Os premios para a cultura são simbóli­cos. O Governo, em fase de enxugamento, pretende sacrificar ainda mais as dotações para a Universidade.

De situação tal não escapam nem as Universidades Católicas, nasci­das no coração da Igreja e inseridas no sulcada tradição que remonta à própria origem da Universidade como instituição, revelando-se sempre um centro incomparável de criatividade e de irradiação do saberpara o bem da humanidade." . . . .

A educação é necessidade a mais premente para Um país de terceiro mundo. O terceiro milênio será a era do saber, erjgida sqpre O capital úni­co do conhecimento. Essa constataçàoé um tru(smo, reiterado e recorren­te em solenes proclamações .. A implementação de um programa. consis­tente de educação para todos - sem contemplar idade, pois o projeta içleal é continuado e para sempre-esbarra em I\lguns' óbices-de (ndole ética.

A educação é direito de todas e dever dO.&tado e dafamrtia e será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. 12 A coexis­tência de instituições públicas e privadas de ensino" permite o desen­volvimento de significativo número de iniciativas. Nem todas poôem ser consideradas padrões éticos de instituições educacionais.

Aos proprietários de escolas precisa acudir a límpida admoesta­ção de Miguel Reale: "A educação tem, em verdade, como fim primor­dial aformaçãoe a realização da personalidade, o que significa acons­tituição de um sujeito consciente de sua própria valia e, por conseguinte, em condições de afirmare salvaguardar sua própria liberdad~"." Não há perversão em se obter lucro com educação. Perverso é pensar ape-

101 . JOÃO PAULO lI, Constituição Apostólica sobre as Universidades Cat6~ /icas, de 15.08.1990.

'U, Anigo 205 da Constituição da República Federativa do Brasil. "" Anigo 206, inciso !II, da Constituição da Repllblica. '''' MIGUEL REALE, "Variações sobre a educação", O Estado de S. Paulo

de 31.10.1998.

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A ÉTICA DO ESTUDANTE DE DIRErro 241

nas em lucro, em detrimento da excelência nos sistemas de aprendiza­do e ensino.

O novo currículo jurldico" representa significativa intenção de avan­<;0 no estudo do Direit<l. Ele também gerou uma cultura de'lualidade total no ensino, preocupando-se as mantenedoras em qualificar o pes­soal docente, em-dotar as bibliotecas de elementos de consulta e empre­parar os alunos para as provas{fe avaliação.

Está em causa, todavia, algo muito mais relevante. A Universidade está sendo chamada a uma cont(nua renovação, pois "está em causa o significado da investigação cieTÚ(jica, da tecnologia, da convivencia social, da cultura, mas, maisprofundameTÚe ainda, está em causa o pró· prio significado da homem "." Embora destinadas às instituições cató­licas de ensino superior, as disposições~onti<las na Constituição Apos­t6lica de João Paulo II sobre as Uni~rsidades Católicas podem repre­sentar um parâmetro seguro de atuaçãodos institut.<>s de ensino superior em um Estado-Nação como o Brasil.

Toda Universidade, "enquanto Universidade, é uma comunidade acadêmica que, dum moda rigoroso e crítico, contribui para a defesa e o desenvolvimento da dignidade humana e para a herança cultural me­diante a investigação, o ensino e os diversos serviços prestados às co­munidades/ocais, nacionais e internacionais"." Para bem desempenhar sua tarefa, precisa de autonomia institucional e de garantia de liberda­de acadêmica preordenada à salvaguarda dos direitos do indivíduo e da comunidade, no âmbito das exigências da verdade e do bemcomum."

"" Ponaria 1.886, de 30.12.1994, do Ministro de Estado de Educação e do D~porto, que fixou as diretrize~ curriculares e o contelldo mínimo do curso juridico.

"" JOÃO PAULO II, Alocução ao Congresso Inte~acional sobre as Univer­sidades Católicas, 25.04.1989, n.34, AAS-18, 1989, p. 1.218.

"" La Magno Charta delle Universitd Erupee, Bolonha, Itália, 18.09.1988, Princípios Fundamentais.

".. CONcILIO V A TlCANO II, Constituiçáb Pastoralsol>re a Igreja no mun· do contemporâneo GawJium ti Sp ... , n.59, AAS·58, 1966, p.1.08Q, Gra­vissimum educationis, n. 10, AAS-58, 19Cí6, p. 737. Autonomia Institu· cional significa queo governo de uma instituição acadêmica é e pe~ne­ce interno à instituição. Liberdade acadêmiça é a garantia, dada a quantos

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242 anCA GERAL E PROFISSIONAL , A trlCA DO ESTUDANTE DE DIREITO 243

A consciência das fi nalidades de uma Univernidadeque pretenda sub­sistir no lerceira milênio conduzirá a uma coesão de princípios, com o tra­balho em comunhão d.os dirigentes, dos prafesso(1:S, dos alunos e do pes­soal administrativo. Ea Universidade imbuída de sua responsabilidade ética é solicitada a ser instrumento cada vez mais eficaz de desenvolvimento <:ulturnl para os indivíduos<! para a sociedade .. "As suas atividades de in­vestigação, portanto, incluirão o estudodos,graves probleflUls contem­portineos, como a dignidade da vida humana, a promoção dajustiça para todos, a qualidade da vida pessoal efamiliar, a proteção da naJurew, a procura da pato e da estabilidade pol{tica, a repartição fIUlis equélnime das riquezas do mundo e uma nova ordem económica e poUtica, que sirva melhora comunidade humana em n{vel nacional e internacional. A inves­tigação universitária será dirigida a estudar em profundidade as ra(7.es e as causas dos graves problemas do nosso tempo, reservando atenção es-., pedal às suas dimensões éticas e religiosa!. "lO

A responsabilidade ética da Univernidade num Estado-Nação de miséria crescente é de evidência palmar.20 Essa a Instituição especifica-

se dedicam 80 ensino e à. investigaç!o de, no âmbito do seu campo especí­fico de conhecimento e de acordo com os métodos pr6prios de tal área, poder procurar a verdade em toda a parte onde a análise e a evid~ncia 8S

conduzam, e de poder ensinar e publicar os resultados de tal investigação, tendo presentes os critérios de salvaguarda dos direitos do indivíduo e da comunidade, das exig!ncias da verdade e do bem comum.

"" JOÃO PAULO II, Constituição Apost6/ic~ sobre as Universidades Cat6-licas, cit .. idtm.

"" O relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento-BID, intitula­do Enfrentando a Du/gualdade na Amtrica Latina, divulgado el1l novem­bro de 1998, constata que a Am6rica Latina6 a regiao do mundo que exibe a maior desigualdade de renda e o Brnsil6 o campeao absoluto da catego­ria. Os 10% mais ricos do Pars detem 47% da renda nacional, ou 58 vezes mais do que os 10% mais pobres. E ofenOmeno está intimamente vincula4 do à educaçDo. O tempo da escolaridade entre os 10% mais ricos 6 de 10.53 anos. enquanto entre os !O% mais pobres 6de 1,98. Apenas 19% dentre os mais pobres completam o curso primário'. E quem sfto os mais ricos? São pri ncipalmente empregados e profissionais que recebem uma alta taxa de retomo por suaeducaçAo e experiência. As diferenças de escolaridade são transmitidas de uma geração a outra pela ramma. pela mnsferência de

mente destinada a reformaro mundo. assegurando a verdade que liberta e promovendo a consecução dos objetivos nacionais rumo à edificação de uma comunidade jus!a, fraterna e solidária. É da Univ,ersidade que poderia provir a alternativa ao esvaziamento da cidadania. fenômeno reiteradamente constatado por José'Eduardo Faria: .... . a simbiose entre aero.ão da ordem estatal e a conversão do mercado em árbitro das tle­cisõesfinais desarticula os mecanismos de formação das vontades cole­tivas, mina a efetividade da ação redistributiva<ios governos, dissolve a distinção entre público e privado e esva7.ia o papel transformador das práticas po/{ticas. Como nesse contexto a cidadania simplesmente se esvanece, ao impedir a democracia de assegurar padrões mlnimos de igualLiade material e integraçõo social, a simbiose entre Estados fra­cos, governos impotentes e mercados cada ve7.fIUlisdesregulamentados e autônomos também liquida todo um padrão ético e toda um sistema de direitos constru{dos em torno de valores como o respeito à dignidade humana e às liberdades públicas"."

Abandone-se a sua destinação episódica de legitimadora de requisi­tos para o exercício profissional ou de mera mercadora de diplomas, para assumi r-se como instAncia privilegiada de repensamento do pacto social. Afinal, a Universidade é a fábrica da educação. E a idéia da educação foi concebida como "condição imprescind(velpara quea história, tal como

recursos que os pais fazem quando limitam seu consumo para pagar pela educação dos filhos, que gozarão dos beneHeios do capital humano .cu­mulado no merendo de trabalho futuro. As informações necessárias estão na página do BID da Internet - http://www.iadb.org.

nu JOSÉ EDUARDO CAMPOS DE OLIVEIRA FARIA. O direito na eco­nomia g/obaliltlda, Malheiras-Editorial Trotta. no prelo. A visão do so­ciólogo e Mestre da USP 6 pessimista: "Por ironia, tudo isso vem ocor­renda Justamente quando aDtc/araç40 Uni •• naldos Direi/os do Homem , forjada COInÔ resposta slmb6lica às barbdries da 2. -Guerra, completa seu primeiro cinqlJentenário. Com a exclusão social trivializando o desres­peito sistemático de seus princfpios, comprometendo o futuro imediato das novas gerações por falta de oportunidades profissionais, tornando os mecanismos representativos mant'pulávcis pela demagogia, pelo messia­nismo, pela xenofobia e pelo cinismo. abrirido caminho para formas tar­dias defascismo e levando a banalitaçdo da violência autodefensiva por parte dos incluldos, hd motivos para alguma comemoração?".

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•••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ••••••••••• I 244 ÉTICA CERAL E PROFISSIONAL

foi postulado pelo filósofo Benedetto Croce, seja efetivamente afaça­n"a da Iiberdade.Jruroda ~ducação, outrora mo=nto inicial dafor­mação do homem e, já agora, exigência perene que acompanha o ho­mem ao (ongode toda asua~xistência. Vivemos! com efeito. num mundo tão marcado pelas constanles mudanças-que, dia a dia, nos reciclamos, isto é, nos educamos, tanto para enriquecimento interior como para nos tornarmos aptos a viver com a virtude da contemporaneidade" .22

A Universidade brasileira tem uma hipoteca a resgalar junto aos ex­clufdos. Seo não fizer, terá decretada a sua insolvência moral, apressan­do o seu destino rumo ao nada, como anteveem não poucos pensadores contemporâneos.

7.8 O futuro ético da Universidade

A comunidade foi despertada para areivindicação participati vae tem adquirido treino social progressivo. Já se~eivindica mais,já se fIScaliza a atuação do homem público edas instituições,já se<:obraI!) coerência e transparência. Parece chegado o mOmento de inverter a perversa equa­ção reinante, traduzível por uma insensibilidade quanto à coisa pública, -considerada res nul/ius (coisa sem dono).

A Universidade poderá colher os frutos dessa participação consciente da cidadania. A conquista de estágio mais condigno para a nação brasi­leira, aspiração de um Estado de Direito de índole democrática, está con­dicionada a um salto qualitativo na educação. E um projeto consistente de educação integral se subordina à formação de quadros, tarefa indele-gável da Universidade. '

A preocupação com uma educação mais consistente, otimizadora de seus instrumentos e resultados, não é apenas brasileira. Mas o Brasil é um país que necessita muito mais do que os outros de um tratamento sério para o tema. Todos os males brasileiros residem na educação. Miséria, exclusão, corrupção, maltrato da coisa pública, destruição da natureza, violência, nada existe de ruim que não possa ser atribuível à falência do projeto educativo de uma sociedade heterogênea.

A Educação para o presente século, o século XXI, se assenta sobre quatro pilares: aprender'a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos

(UI MIGUEL REALE, Variações sobre a educação, cit., id~m, ibidem,

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A ÉTICA DO ESTUDANTl! DE DIREITO 245

e aprendera conhecer." Na visão de Basarab Nicolescu, Presidente do Centro Internacional de Estudose Pe<quisas Transdisciplinares-CIRET, "há uma transrelação que liga 10' qualro pilares do nova sistema de educaçllo e que /em sua origem em nossa própria constiluição como seres humanos. Uma educação só pode ser viável sefor uma educação inleg raldo ser humano. Uma educação que se dirig~ à tOlalidade aberta do ser humano e não apLnas a um de seus componentes ".l4 Depende detoda a sociedade brasileira investir nesses quatro pilares, para con­verter a Universidade em um centro de transformação do mundo, mui­to mais do que u\TI espaço fechadode diletantismo e esgrima entre in­teleetualidades vaidosas.

A educação do futuro precisa ser tcansdisciplinar. Estão superadas as compartimentações. Antes da multiplicação preservada de formu­lações medievais - esse o modelo universitário ainda vigente e repro­duzido sem criatividade - é mister oferecer um novo paradigma de ensino neste século.

Edgar Morin aceitou o desafio de aprofundar a visãotransdiscipli­nar da educação, atendendo a uma solicitação da UNESCO. Produziu um texto instigante, quedenominou Os Sele Saberes Necessários à Edu­caçllo do Fuluro, e este pode ser um ,roteiro para os atuais estudiosos da questão educacional.

O primeiro dos saberes contempla as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão. Segundo o próprio Morin, "é impressionanle que a edu­caçllo que visa a Iransmilir conhecimenlos seja cega quanlo ao que é o conhecimenlo humano, seus dispositivos, enfermidades, dificuldades, lendlncias ao er.ro e à ilusão, e não se preocupe emfazerconhecer O que é conhecer".iJ É essencial introduzir e desenvolver no processo educa­cional o estudo das caractensticas mentais e culturais do conhecimento, com vistas a evitar o erro ou a ilusão.

"" Estes quatro pi",res são aqueles indicados pelo Relatório DeloIS, assim chamado pois coordenado por Jacques Delo,", pela Comissão Internacio· nal sÔbre a Educação para o Século XXI. Ler Os sele sabe,es necessários à educação do fUluro, Edgar Morin, s~o Paulo/BrasOia, Editora Cortez, Unesco, 2000. p. 11. -

tt" EDGAR MORIN, Os sele saberes, cit .. idem. Ibidem. (ln EDGAR MORIN,op. cit .• ,;d~m. p. 13·14.

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o segundosabtrdiz com os princfpios do conhecimento peninente. A técnica da compartimentação na transmissão do conhecimento impe­de a apreensão do conjunto, rompe o vfnculo entre partes e totalidade. Cumpre fazer com que sejam apreendidos os objetos em seu contexto, sua complexidade e seu conjunto.

Como terceiro saber está o ensino da condição humana. "O ser hu­mano é a ums6 tempo /fsico, biol6gico, psrquico, cultural, social. hist6-rico. Esta unidade complexa da natureza humana é totalmente desinte­grada na educação por =io das disciplinas. lendo-se tomado impossr­vel aprender o que significa ser humano"." Investindo nesse saber. ca­pacitar-se-áo indivfduo a reconhecer a unidadee a complexidade huma­na. O ser educando poderá, a partir{jele, tomar consciência de sua iden­tidade complexa e de sua identidade comum a todos os outros humanos.

Ensinar a identidade terrena é o objeto do quarto saber. A chamada globalização, que teve infcio muito antes do que se convém afirmar, mas já existia no século XVI, deve ser encarada sob a ótica da solidariedade. A humanidade partilha de um destino comum. Basta examinar as agres­sões causadas à natureza. O efeito estufa não interessa apenas aos mais agressivos dentre os emissores de carbono. O suicfdio da humanidade é obra coletiva e ninguém se salvará sozi nho se a Terra vier a perecer.

O quinto saber é enfrentar as incertezas. Se as ciências permitem que tenhamos hoje muitas certezas, ainda perduram as zonas de incerteza. Nossa educação tradicional se preocupa<:om a transmissão das certezas e se des­cuida de abordar as incertezas. Estas são muito maiores. Os teoremas es­Uio quase todos resolvidos. Mesmo assim, insiste..se em submeter os alu­nos ao suplfcio de resolvê-los, assim como às equaçÕes e logaritmos. Ain­daexiste preocupação com a memorizaç!o das fórmulas qufmicas e com a classificação sintática das palavras e das expressões na frase.

Será que isso contribui, efetivamente, para tornaroeducando um ser mais crftico, consciente e, a final, mais feliz?

A Escola precisa preparar para a vida. E a vida oferece mais impre­vistos do que o previsfve\. A Universidade repete o conhecimento já mastigado e sedimentado, sem fornecer ao alunado as eslratégias hábeis ao enfrentamento do inesperado. Lembra Morin, '" preciso aprender a

nO! EDGAR MORIN. op. cit .. idem. p. 14-15.

I A rnCA DO ESTUOAI'ITE DE OtRErro 247

navegar em um oceano de incerte1.Qs em me;o a arquipélagos de certe­z""." E completa: "Af6rmu/a do poeta grego Eurrped .. , que data de vinte e cinco séculos, nunca/oi tão aluai: o esperado não se cumpre, e ao inesperado um deus abre o caminho. O abandono das concepções deterministas da história humana, que acreditavam poder predizer no.'iSO futuro, o estudo dos grandes acontecimentos e desastres de nosso sépu­lo, todo.'i inesperados, o caráter doravante desconhecido da aventura humafUl devem-nos incitar a preparar as mentes para esperaro inespe­rado. paraenfrentú-/o. É necessário que todos o., que se ocupam da edu­cação constituam a vanguarda ante a incerteza de nossos tempos ". li

O sexto saberé O ensino da compreensão. Embora sendo meio e fim da comunicação humana. a compreensão é ignorada pela educação con­vencionaI. Dela apenas se ocupam as confissões religiosas e essa trans­missão é considerada propagandística, vinculada a objetivos salvíficos e, como regra, pouco respeilada pela comunidade cientffica. Adverte Edgar Morinque "oplanetanecessita, em todos os sentidos, de compreen­são mútua"" Sem compreensão não haverá espaço para a verdadeira democracia, nem para aedificaçãode uma sociedade menos infqua. Para haver compreensão, haverá necessidade de reforma de mentalidades. Este um dos principais objetivos da educação do presente.

À compreensão s6 se chegará se houver conhecimento mais preciso do que é a incompreensão. Mergulhando no estudo das causas e rafzes da incompreensão humana, saber-se-á imunizar o homem contra o precon­ceito, o racismo, a xenofobia, o desprezo, a indiferença, a insensibilida­de. Haverá, com isso, condições mais propfcias para o reconhecimento do outro, de seu espaço e de seus direitos, um dos dramas da vida demo­crática. Conhecendo-se a incompreensão e suas causas, estar-se-á edu­cando para a paz, destino ao qual a humanidade precisa estar vinculada, por essência e fnsita destinação.

O último dos saberes é o mais importante para estas reflexões, pois incide sobre a ~tica do gênero humano. Explica-o. com palavras muito lúcidas, o formulador Edgar Morin: "A educação deve conduzir à antro-

(211 EDGAR MORIN, op. cit., idem, p. 16. (lIl EDGAR MORIN, op. cit., idem. ibidem. (191 EDGAR MORIN, op. cit .. idem, p. 17.

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po-ética, levando em conta o caráter ternário da condição humana, que é serao mesmo tempo indivfduo/sociedade/espécie. Nesse sentido, a itica indivíduo/espécie necesista do controle mútuo da sociedade pelo indiv(­duo e do indivIduo pela sociedade, ou seja, a democracia; a ética indiv(~ duo/espécie convoca, ao século XXI, a cidadania terrestre ".)0

A educação ética é a alternativa mais eficazde tornarcada indivíduo uln zeloso conlrolador da vida democrática. O melhor terlTlÔmelro dos índices democráticos é a vigilância ativa porparte de uma cidadania cons­ciente. Não se ensinará tal ética apenas mediante lições de morai. Será mais eficienle semeá-Ia nas mentes juvenis -nilo necessariamente juve­nis em termos cronológicos. mas em vista da vontade de transformar o mundo-com fundamentos na consciência de que o homem não é um ser uno e isolado. Cada homem é. simultaneamente. indivIduo. cidadão e parcelada espécie. A tríplice realidade impõe um desenvolvimento tam­bém complexo. O desenvolvimento verdadeiramente humano precisa abranger o crescimento em plenitude e conjurito ails autonomias indivi­duais. das participações comunitárias e da consciência de pertença à es­pécie humana, a mais nobre dentre as criadas.

Uma Universidade fundada sobre os quatro pilares e empenhada em desenvoler esses novos saberes será um laboratório de vida democrática e uma usina produtora da compreensão. Ocampo está aberto para tentaressa nova utopia. Há lugar para isso. Não apenas porque o projeto deexpansilo educacional promovido pelas autoridades brasileiras acredita num processo de decantação natural. com futura sobrevivência das boas escolas e sufo­camento das más. todavia por um outro motivo mais profundo.

Éque as utopias estão na moda. Estão sendo revigoradas. "Normal­mente a mudança de idéias precede às mudanças sociais, não o contrá­rio. Assim, uma descoberta cientifica acontece às vezes por acaso, mas uma visão nova (uma revolução ciend./ica. no dizer de Thomas Kuhn anterior tornou-a possível. (". Deste modo. é possível definir o sentido atual de utopia. Antes de ser o produto de uma mente genial trancada em um gabinete. ela é resposra a uma siruação e a um problema comum, ela é uma aspiração partilhada "."

"'" EDGAR MORIN, op. cil., itkm, ibidem. "" PHILIPPE J. BERNARD. Perversões da utopia moderna, Bauru-SP,

EDUSC, 2000, p. XVI.

1 , A ÉTICA DO ESTUDANlB DE DIREITO 249

Essa aspiração partilhada já está disseminada. Todos os seres lúci­dos se preocupam com a Universidade brasileira, com suas falhas e suas carências. Divide-se. no sent ido exato de partilha, o sonho de uma Uni­versidade essencialmente ética. A etapa essencial é a primeira. Depois dela. inexoravelmente, virá o agir.

Muitos há que estão desesperançados com o elevado número de fa­culdades de direito. Será que, efetivamente, os "nichos de excelência" vão suplantar as más escolas, aquelas que na verdade estão a "vender diplomas" a seu alunado. geralmente o alunado mais pobre e menos pre­parado a obter uma vaga em universidade pública?

O tema da deficiência do ensino jurfdico não é novo. Já em 1955. em aula inaugural da Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, San Tiago Dantas salientava a perda de credibilidade do direito como técnica de controle social. Recomendava a reformado ensino como alternativa a essa derrocada: "O ponto de onde;.a.l7Uu ver, devemos partir, nesse exame do ensino que hoje prtiJicamos, /ia dejiliíçâo do pr6prio objetivo da edu­cação jur(dica. Quem percorre os programas de ensino das nossas esco­las, e sobretudo quem ouve as aulas que nelas seproferem. sob aforma elegante e indiferente da velha aula-douta coimbrâ, vê que o objetivoarual do ensino jur(dico é proporcwnar aos estudantes o conhecÚMnto descri­tivo e sistemárico das instituições e normas jur(dicas. Poder(amos dizer que o curso jur(dicoé. sem exagero. umcúrso de institutosjurrdicos, apre: sentados sobaforma expositivo de tratado te6rico-prático"."

Aparentemente pouco teria mudado. Muitos especialistas se detêm a formular propostas de renovaç.ão do ensino juddico e continuam a se frustrar, Paulo Luiz Netto Lobo. ao prefaciar alentada obra de Horácio Wanderley Rodrigues. observa: "a reforma curricular, por si s6. não resolve o problema da elevação da qualidade"." Todavia, também ao . aperfeiçoar currículo se investe na renovação do ensiná jurídico. Hoje, as diretrizes curriculares devem contemplar: "a perfil do formandol egressolproflSsional- conforme o curso, O projeto pedag6gico deverá

"" DANTAS; San Tiago, "A educação jurídica e a crise brasileira". encon­tros da UNB. Ensino Jurfdico Brasnia, UNB, 1978/1979, p. 52.

"" PAULO LUIZ NE'ITO LOBO. apresentação de Ensino do Direito no Brasil, Horácio Wanderlei Rodrigues e Eliane Botelho Junqueira. Floria­nópolis: Fundação Boiteux, 2002.

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orientar O curnculo para um perfil profissional desejado; b competên­cia, habilidades/atitudes; c habilitações e ênfases; d conteúdos curri­culares; e organização docurso;J estágios e atividades complementa­res; g acompanhamento e avaliação .... "

Examinar se a sua faculdade de direito está a contemplar cada uma dessas diretrizes é um bom começo para o aluno que pretender um ensino de qualidade. Para a finalidade desta obra, interessante anotar<jue hoje a ética geral e profissional surge no novo texto normativo de forma autOno­ma. Corrigiu-se o equívoco epistemológico da revogada Portaria MEC-1886/94 que, ao integrá-Ia na filosofia, confundia as esferas muito diver­sas. Estudar ética passou aserobrigat6rio desde 1997, Ue sua manutenção éfundamental dentro de uma imjpos/à que visa trabalharcompet2ncias e habilidades, tendo por base um perfil proposto para o formando"."

Seja qual for a proposta das novas escolils de direito - formação de . advpgados para empresas, formação de advogados para as relações in­ternacionais - ALtA, Mercosul- ou formação de profissionais para as car:reiras pdblicas - magistratura, Ministério POblico, Procuradorias, Defensorias, Policias -, a contemporaneidade reclama um operador ju­rídico essencialmente ético. A ética é muito mais importante do que o conhecimento jurídico, pois, se o profissional tiver ética, sem dúvida cuidará de suprir suas deficiências técnicas. Já pelo contrário, só o torna­ci mais lesivo aos interesses do desenvolvimento moral do Brasil.

PARA REFLEXÃO EM GRUPO

I. A base da educação ética deve ser ministrada no lar ou na escola? 2. A utilização de cola ou outros meios de obter boas notas, consi­

derada a facilidade de aprovação na escola particular, ainda constitui falta ética?

3_ Representa infração ética a contratação de profissional para a ela­boração de trabalhos científicos e para organizar a monografia exigível para encerramento do curso de Direito?

".. HORÁCIO WANDERLEI RODRIGUES e ELlANE BOTELHO JUN­QUEIRA, Ensino do DIreito no Brasil, cit., idem, p. 60.

"" HORÁCIO WANDERLEI RODRIGUES e ELlANE BOTELHO JUN­QUEIRA, op. cit., idem. p. 79.

1 A ÉTICA DO ESTUDANTE Da DtREITO 251

4. Existe alguma falha ética na concepção de que é legitima a multi­plicação das Escolas de Direito, pois no futuro as boas escolas sobrevi­verãoe sufocarão as deficientes?

5. A Universidade brasileira caminha rumo a um despertar ético ou a um anestesiamento da consciência, diante do volume e intensidade de suas deficiências?

6. A função de preparar juízes é da universidade ou do Poder Judi­ciário?

7. A função de preparar promotores é da universidade ou do Minis­tério Público?

8. Como deveria ser o concurso de..-ecrutamento para as carreiras jurídicas?

9. O ensino do direito deve continuar a ser baseado no processo, na postura adversarial, ou abrir-se para outras alternativas de realizaç§o do justo?

10. Quais seriam as perspectivas do profissional do direito no sé­cu lo XXI?