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AS DIFERENÇAS NAS NARRATIVAS MIDIÁTICAS NA COBERTURA DA TRAGÉDIA EM MARIANA 1 Marco Túlio Pena Câmara 2 RESUMO O rompimento da barragem da empresa Samarco (Vale/BHP), em 05/11/2015, foi o maior desastre ambiental do país, causando a destruição de Bento Rodrigues e do Rio Doce. Este artigo busca investigar a diferença entre a cobertura midiática dos editoriais de quatro produções jornalísticas impressas mineiras: Estado de Minas, O Tempo, Lampião e a Revista Curinga (produtos laboratoriais da Universidade Federal de Ouro Preto). A metodologia é baseada na análise do discurso, tomando como base a noção de enquadramento e construção de notícias, presentes em Charaudeau (2015) e Porto (2004); e o gênero editorial com posicionamento institucional, trabalhado em Alves Filho (2006), Furtado (2009) e Valões e Lima (2010). É possível notar a diferença de cobertura entre os jornais, não só pela proximidade física do fato, mas também pela linha editorial de conduzir a narrativa, firmando-se como porta- vozes das histórias envolvidas na tragédia. PALAVRAS-CHAVE: Editorial; Discurso midiático; Bento Rodrigues; Enquadramento. DIFFERENCES IN THE MEDIA NARRATIVES IN THE COVERAGE OF THE TRAGEDY IN MARIANA 1 Trabalho apresentado no GT 2 Narrativas e textualidades midiáticas. 2 Jornalista formado pela Universidade Federal de Viçosa. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens – Centro Federal de Ensino Tecnológico de Minas Gerais (CEFET-MG); [email protected] IX Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais https://ecomig2016.wordpress.com/ | [email protected]

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AS DIFERENÇAS NAS NARRATIVAS MIDIÁTICAS NA COBERTURA DA TRAGÉDIA EM MARIANA1

Marco Túlio Pena Câmara2

RESUMO

O rompimento da barragem da empresa Samarco (Vale/BHP), em 05/11/2015, foi o maior desastre ambiental do país, causando a destruição de Bento Rodrigues e do Rio Doce. Este artigo busca investigar a diferença entre a cobertura midiática dos editoriais de quatro produções jornalísticas impressas mineiras: Estado de Minas, O Tempo, Lampião e a Revista Curinga (produtos laboratoriais da Universidade Federal de Ouro Preto). A metodologia é baseada na análise do discurso, tomando como base a noção de enquadramento e construção de notícias, presentes em Charaudeau (2015) e Porto (2004); e o gênero editorial com posicionamento institucional, trabalhado em Alves Filho (2006), Furtado (2009) e Valões e Lima (2010). É possível notar a diferença de cobertura entre os jornais, não só pela proximidade física do fato, mas também pela linha editorial de conduzir a narrativa, firmando-se como porta-vozes das histórias envolvidas na tragédia.

PALAVRAS-CHAVE: Editorial; Discurso midiático; Bento Rodrigues;

Enquadramento.

DIFFERENCES IN THE MEDIA NARRATIVES IN THE COVERAGE OF THE

TRAGEDY IN MARIANA

ABSTRACT

Samarco (Vale/BHP) dam break, on 11/05/2015, was the worst disaster in the country, causing the destruction of Bento Rodrigues and of Rio Doce. This article pursuits to investigate the difference among the media coverage of the editorials of four printed journalistic productions: Estado de Minas, O Tempo, Lampião and Revista Curinga (lab production of Universidade Federal de Ouro Preto). The methodology is based on speech analysis, considering the ideia of framework and building of news, present in Charaudeau (2015) and Porto (2004); and the editorial gender with institutional positioning, worked in Alves Filho (2006), Furtado (2009) and Valões e Lima (2010). It is possible to notice the diference of coverage among the journals, not only because of the physical proximity of the fact, but also because of the editorial line

1 Trabalho apresentado no GT 2 Narrativas e textualidades midiáticas.2 Jornalista formado pela Universidade Federal de Viçosa. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens – Centro Federal de Ensino Tecnológico de Minas Gerais (CEFET-MG); [email protected]

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of leading the narrative, firming as spokesperson of the histories involved in the tragedy.

KEYWORDS: Editorial; media speech; Bento Rodrigues; Framework.

INTRODUÇÃO

O rompimento da barragem de Fundão da empresa Samarco (Vale/BHP), em

05/11/2015, causou a destruição de Bento Rodrigues, subdistrito pertencente à cidade de

Mariana, e é considerado, pela sua extensão e danos causados, o maior desastre

ambiental do Brasil, matando animais, rios, vegetação e, principalmente, histórias. A

lama de rejeitos da barragem rapidamente chegou ao Rio Doce e seguiu o curso até

chegar ao mar, no litoral do Espírito Santo. No trajeto, atingiu toda a fauna e flora

ligadas ao rio, em um verdadeiro cenário de destruição, com o elevado número de

peixes mortos que eram visíveis no leito do rio, além de prejudicar a população

ribeirinha que tirava seu sustento do rio Doce e até comprometer o abastecimento de

água de cidades que dependem diretamente do Rio, como a cidade de Governador

Valadares, a maior do leste do Estado. Os impactos dessa tragédia são sentidos até hoje,

um ano depois. São histórias que foram soterradas, vidas que foram perdidas,

comunidade que não foi refeita, esperança que ainda persiste latente.

Dada à importância do registro de tamanha tragédia, jornais locais, estaduais e

nacionais voltaram sua atenção, pautas e equipes à Mariana. Helicópteros de

reportagens, equipes fotográficas e repórteres enviados especiais chegavam à cidade a

todo o momento na procura da cobertura completa do maior desastre ambiental do

Brasil. Narrar um fato novo, com causas ainda desconhecidas e com abrangência que

supera os limites territoriais estaduais, foi um desafio. Dos iniciantes na profissão aos

mais experientes, relatar a tragédia de Mariana foi um marco na história e vida

profissional de cada um que esteve envolvido. Cobertura jornalística intensa,

registrando o caminho destruidor que a lama percorreu e histórias que foram apagadas

por ela. Diferentes veículos com diferentes posicionamentos focavam nas consequências

da tragédia, seguindo cada um a sua linha editorial.

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Conforme relatam Barbosa e Carvalho (2016, p. 2), “uma das tarefas do

jornalismo diante de um acontecimento como o de Mariana é tentar construir a narrativa

(ou as narrativas) desse evento traumático, experenciado e testemunhado pelas pessoas

atingidas por ele”. Nesse sentido, Charaudeau (2015) postula a importância do relato

testemunhal, do discurso de depoimento, descrição e “designação identificadora” na

construção da notícia a fim de gerar efeito de credibilidade (e veracidade) na

reportagem. No entanto, é importante ressaltar o papel do jornalista e do veículo ao qual

o profissional trabalha para a construção dessa realidade:“A posição do jornalista é a de testemunha esclarecida, o que aumenta sua responsabilidade em relatar fielmente o acontecimento e, ao mesmo tempo, o compromete, pois a narrativa que constrói não pode prescindir da visada de captação. A instância midiática está, pois, colocada diante de um acontecimento exterior a si mesma, o qual deve ser considerado segundo suas potencialidades de atualidade, de diegese, de causalidade e de dramatização, acontecimento que deve ser transformado em narrativa midiática através de escolhas efetuadas a partir de uma série de roteiros possíveis”. (CHARAUDEAU, 2015, p. 157)

Dessa forma, o presente artigo busca investigar a diferença entre a cobertura de

quatro jornais mineiros, baseado nos editoriais de suas edições especiais: Estado de

Minas, O Tempo, Lampião e a Revista Curinga, sendo estes dois últimos, produtos

laboratoriais do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Para isso, pretende-se analisar o enquadramento dado em cada editorial, por cada

veículo, a partir das fontes utilizadas, estrutura e construção da narrativa. Busca-se,

ainda, refletir sobre as palavras designadas à descrição do fato, como posicionamento e

construção do ponto de vista. O objetivo é identificar semelhanças e, principalmente,

diferenças, para verificar se houve disparidades na cobertura entre os quatro veículos,

considerados, aqui, na dicotomia entre a mídia hegemônica e contra-hegemônica3.

A análise toma como base duas grandes esferas: a noção de enquadramento e

construção de notícias e da relação do gênero editorial com o posicionamento

institucional, o que o público pode esperar de tal produto. Dessa forma, pretende-se

analisar as narrativas utilizadas em cada veículo, as representações demonstradas, as

vozes apresentadas (e silenciadas) e como essas estratégias se relacionam com o

3 Aqui, trataremos os jornais-laboratórios como parte de uma mídia contra-hegemônica, já que possui maior liberdade editorial e se diferencia da grande mídia em outros aspectos reconhecidos pelos próprios orientadores, respeitando as limitações de veículos produzidos por estudantes de jornalismo instalados em uma Universidade pública.

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posicionamento ideológico de cada um. Em comum, os editoriais utilizam o relato

testemunhal a fim de legitimar seu discurso, “como sinais de marcação de realidade”

(BARBOSA; CARVALHO. 2016, p. 11). No entanto, o Estado de Minas e O Tempo

destacam a cobertura midiática que acompanhou o trajeto percorrido pela lama e as

histórias da tragédia, enquanto O Lampião e a Curinga se posicionam como jornalismo

local, aproximando-se e demarcando-se como parte da história e dos relatos.

EDITORIAL COMO GÊNERO OPINATIVO

Tradicionalmente comum no jornal impresso, o Editorial se insere no gênero

Opinativo, pois exprime a opinião do veículo ao qual se insere, não apenas de

determinados repórteres. É o pensamento oficial do jornal, inserido em uma perspectiva

institucional, em que, ainda que não seja assinado, é redigido, em sua maioria, pela

direção ou editor-chefe. Alves Filho (2006) defende a institucionalização do editorial:“fala-se em nome de uma instituição ou empresa, a qual assume a responsabilidade pelo tratamento do objeto de sentido e pelas posições axiológicas assumidas, eximindo o redator do texto das responsabilidades jurídicas e enunciativas em relação ao conteúdo e posições assumidas em cada texto empírico; ou seja, o autor jurídico é a própria empresa jornalística”. (ALVES FILHO, 2006, p. 85)

Apesar de ter um pequeno alcance efetivo de leitor, cerca de 5% (CAMPOS,

2004), é o espaço onde o veículo se posiciona acerca dos temas atuais e apresenta o que

pode ser encontrado naquela edição, posicionando-se, de maneira mais explícita, em

relação às notícias trabalhadas. Dessa forma, é no editorial onde a empresa se define e

demarca sua linha política e opinativa, a fim de convencer o leitor a partilhar dos

mesmos ideais, considerados como verdades absolutas.“Como a palavra não é passada diretamente ao leitor, o que se busca é que ele aceite a orientação argumentativa apresentada e, consequentemente, alinhe-se à posição enunciativa defendida pelo jornal – nesse sentido, a interação é tensa. Em outras palavras, a autoria no editorial confere autoridade à empresa jornalística para que ela assuma uma posição e a defenda como uma verdade”. (ALVES FILHO, 2006, p. 87).

Apesar de ter um objetivo definido, seguindo o princípio de tipologia

heterogênea (MARCUSCHI, 2002), o editorial pode ganhar novos formatos de acordo

com o suporte em que está veiculado, público ao qual se direciona, dentre outras

variáveis que podem influenciar na produção do texto.

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Com base na definição de Beltrão (1980), Valões e Lima (2010) apresentam

algumas características do gênero. Para nossa análise, consideraremos que os referidos

editoriais estão classificados:

1) Quanto à morfologia: Artigo de fundo, o que abre a página de opinião, sendo reconhecido pela sua tipografia e a manifestação explícita do posicionamento do jornal.

2) Quanto à topicalidade: de Consequência, já que repercutem os efeitos da tragédia na vida das pessoas e na rotina da cidade

3) Quanto ao conteúdo: Informativo, ao passo que exploram aspectos que não foram trabalhados com tanto afinco nas notícias, além de apresentarem o trabalho feito

4) Quanto ao estilo: Emocional, pois envolve o leitor na cobertura da tragédia, utilizando de estratégias patêmicas para o convite à leitura do produto, colocando o próprio jornal nessa posição subjetiva envolto de sentimentos causados pelo ofício.

5) Quanto à natureza: Circunstancial, já que estão inseridos no contexto da tragédia retratada em nível nacional, inscrita em forte opinião social, transmitindo o posicionamento editorial.

Em uma visão semiolinguística, o editorial está inscrito no Contrato de

Comunicação, caracterizando-se como gênero situacional (CHARAUDEAU, 2015):

inclui a identidade dos parceiros inscritos (no caso, o próprio jornal); a finalidade

daquele ato de comunicação (exposição da opinião e convencimento a partir dela); o

propósito como sendo o macrotema (a cobertura da tragédia); e o dispositivo no qual

o gênero está inserido (jornal impresso). Dessa maneira, chegamos ao seguinte

esquema ilustrativo (EMEDIATO, 2003), que servirá como base para nossa análise:

DOMÍNIO DE PRÁTICA SOCIAL

Midiatização

SITUAÇÃO GLOBAL DE COMUNICAÇÃO(determinações sociais)

Mídias de informação

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SITUAÇÃO ESPECÍFICA DE COMUNICAÇÃO

Determinações sociais Determinações discursivas

Características semiolinguísticas

Jornalismo impresso

VARIANTES TEXTUAIS

Características semiolinguísticas

Jornal popularJornal satíricoJornal políticoJornal de referência

APRESENTAÇÃO DO CORPUS

Como dito anteriormente, a cobertura da tragédia de Mariana foi intensa e

ganhou destaque em cadernos especiais nos quatro veículos analisados: O Tempo,

Estado de Minas, Lampião e Curinga. Para este artigo, selecionamos os editoriais de

cada edição especial: “Agonia de um rio”, número 6.923 do jornal O Tempo, de

29/11/2015. “Vozes de Mariana”, número 26.959 do jornal Estado de Minas, de

05/12/2015; “Do fim ao recomeço”, edição 21 do jornal Lampião, de janeiro de 2016;

“Edição Especial”, edição 16 da revista Curinga, de março de 2016;

Especialmente nos jornais O Tempo e Estado de Minas, considerou-se como

editorial a nota de abertura da edição especial, na capa de cada uma, como apresentação

do conteúdo que se propõe a apresentar. Já nos produtos laboratoriais da UFOP,

Lampião e Curinga, o editorial se encontra nas páginas dois e três, respectivamente.

O especial “Um adeus ao Rio Doce”, do jornal O Tempo, apresenta o título “O

Rio da minha aldeia” (Figura 1) , fazendo referência a uma poesia de Fernando Pessoa,

com imagens de peixes mortos no leito do rio. O texto apresenta lead tradicional, com

dados e atualização numérica, apresentando a tragédia. O jornal demarca o

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deslocamento da reportagem para a elaboração do caderno e a narrativa testemunhal que

se propôs a fazer.

Figura 1 Editorial do Jornal O Tempo: "O rio da minha aldeia"

Já o especial “Vozes de Mariana”, do jornal Estado de Minas (Figura 2),

apresenta, na capa, rostos das vítimas da tragédia, com o subtítulo “A dor em primeira

pessoa”, exemplificado em algumas falas reproduzidas entre aspas, marcando o discurso

relatado4. O texto de apresentação do jornal traz uma epígrafe do prêmio Nobel de

Literatura, comparando a tragédia de Mariana com o acidente nuclear de Chernobyl.

Apesar de apresentar o protagonismo das vítimas, o texto exalta o papel dos repórteres

na produção do material, apresentando-os logo no início da nota, para, só depois,

nomearem os personagens retratados, reconhecendo que eles “não podem ser vítimas

também do silêncio”.

4 Ver CHARAUDEAU, 2015, p. 161IX Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais

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Figura 2 Editorial do Jornal Estado de Minas: "Vozes de Mariana"

O jornal-laboratório Lampião apresenta três artigos do gênero opinativo:

Editorial, Crônica e Opinião. O editorial, objeto de análise deste artigo, leva o título

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“Caos e Esperança” (Figura 3), trazendo a indagação acerca da responsabilidade da

tragédia. O texto, ainda, reforça a necessidade de que o fato não pode ser esquecido e,

como jornal-laboratório do curso de Comunicação Social, relaciona o papel da

Universidade com o papel acadêmico de levar informação completa ao leitor, com

abordagem diferenciada e regionalizada.

Figura 3 Editorial do Jornal Lampião: "Caos e esperança"

Por fim, a revista Curinga já se demarca como jornal local, como parte dos

relatos apresentados. O editorial (Figura 4) retrata o acontecimento como marca do

processo de identidade e de subjetividade da publicação e da população, trazendo

termos e relatos relacionados à memória, história, identidade a partir de narrativas de

vida, concedendo a “voz do invisível”, em oposição à grande mídia. Assim como o

Lampião, a revista também levanta uma indagação: “Qual o preço que se paga?”.

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Figura 4 Editorial da Revista Curinga

ENQUADRAMENTO E A CONSTRUÇÃO DOS PONTOS DE VISTA NOS

EDITORIAIS

Classificar o editorial como gênero opinativo o qual indica o caminho escolhido

pelo veículo na abordagem de tal fato é fundamental para este trabalho. Também é

preciso destacar que a imparcialidade midiática, tão disseminada pelo senso comum, é

um mito. Considerar a mídia apenas como “fonte de informação”, onde ela é passada de

forma objetiva, é ignorar o papel do sujeito na instância da produção, que carrega IX Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação de Minas Gerais

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valores e opiniões que perpassam na produção daquele conteúdo, agregando pontos de

vista e subjetividade na informação, ainda que seja um relato sobre um fato,

acontecimento, como foi a tragédia relatada. “Partindo do acontecimento, o jornalista interpreta e analisa em função de sua própria experiência, de sua própria racionalidade, de sua própria cultura, tudo isso combinado com as técnicas próprias a seu ofício (…) A instância midiática institui-se num ‘meganarrador’ compósito, incluindo aí a fonte de informação, o jornalista que redige a notícia e a redação que a insere numa determinada encenação”. (CHARAUDEAU, 2015, p. 156 e 157)

No campo da Comunicação, os enquadramentos determinam a produção de

notícias, que definem e constroem a realidade a partir de determinada visão. Assim, as

notícias “são um recurso social cuja construção limita um entendimento analítico da

vida contemporânea” (TUCHMAN, 1978, p. 215 apud PORTO, 2004, p. 79). Nesse

contexto, o enquadramento, entendido com uma “ideia central organizadora”, é um

modo de organizar o discurso através de práticas específicas, construindo uma

determinada interpretação dos fatos.

É nesse sentido que Charaudaeau (2015) afirma que a notícia opera com um real

construído, a partir do filtro de um ponto de vista. Ou seja, não é o retrato puro e bruto

do acontecido, mas sim um recorte a partir da visão e interpretação do fato.

Especialmente o editorial se caracteriza como “acontecimento comentado”,

reconhecendo seu engajamento na função política do jornal, já que tal gênero “se exerce

sobre um propósito que concerne exclusivamente ao domínio político e social”

(CHARAUDEAU, 2015, p. 235).

O ponto de vista pode ser expresso de diversas formas, desde a escolha de uma

foto representativa ao posicionamento mais declarado, pois “referir-se a um objeto é

apontar para um enunciador e para a posição em que seu ponto de vista ocupa no

discurso” (CORTEZ, 2013, p. 299). Assim, coloca a perspectiva de si e do outro no

discurso, por meio da orientação argumentativa em formas nominais, verbos e a própria

percepção na formação de sentido. A autora afirma que através de um mecanismo

textual-discursivo, “o locutor apreende e apresenta os objetos de discurso para fazer

valer seu ponto de vista em meio ao ponto de vista de outros enunciadores” (p. 294).

Portanto, é fundamental sabermos quem está sendo representado e quais as

fontes usadas para a realização dessa representação. Para Charaudeau (2015) a escolha

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das fontes utilizadas é parte da orientação do ponto de vista e determinante no

enquadramento dado. Quando se ignora sua identidade ou é denominada de forma vaga,

indica a “distância com relação ao valor de verdade da informação” (p. 149),

influenciando diretamente na credibilidade, colocando-a em risco.

Para Emediato (2013), o sentido de um enunciado, então, passa a ser os

encadeamentos discursivos que ele evoca, não a informação que ele traz. Ou seja, a

produção de sentido é provocada a partir dos efeitos esperados a partir dessas escolhas e

dos enquadramentos utilizados, incitando o leitor a seguir o ponto de vista defendido

pelo veículo, de forma implícita no corpo da matéria, se identificando com o público. “Os verbos de atitude podem representar uma opinião do sujeito enunciador/informante sobre o dizer de um ator social, (como) exercício de interpretação por parte do jornalista. (...) Indica ao leitor em qual perspectiva ele deve compreender esse dizer, além de provocar o acontecimento ao suscitar reações dos atores sociais ao discurso relatado, abrindo uma perspectiva de debate” (EMEDIATO, 2013, p. 83 e 84)

Como vimos, essa gestão de identidade e identificação com o público pode ser

feita por verbos, adjetivos e qualificações, como observamos no editorial da Revista

Curinga, onde assinalamos: “Olhamos a situação como quem vê todos os dias pessoas

ligadas ao rompimento da barragem, parentes, amigos, conhecidos. Somos parte disso

também” (Figura 5).

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Figura 5 Trecho do Editorial da Revista Curinga

Como podemos observar na imagem acima, o editorial da Revista Curinga faz

questão de se demarcar como jornalismo local, que vivencia e convive com a tragédia e

as consequências dela, além de também se diferenciar na cobertura dos outros veículos,

indo ao encontro da classificação da Revista como parte da mídia contra-hegemônica.

Outro tipo de enquadramento bastante utilizado pelos produtos laboratoriais em

análise é o enquadramento pelo questionamento (Figura 6), que incita o receptor a

problematizar a partir de uma visada incitativa (EMEDIATO, 2013). Ele se dá quando

se faz uma pergunta que incita a reflexão, o pensamento sobre determinada questão. É o

que se observa no jornal Lampião, por exemplo: “’E agora?’ é o que nos perguntávamos

e ainda repetimos. Bento já não existe. Como sobreviver apesar disso? Esta edição

convida você a se perguntar: Quem se responsabiliza? Quem cuida de nós?”. Tal

enquadramento também está presente na Revista Curinga: “Qual o preço que se paga

pela mineração? E qual o custo ambiental da tragédia?”.

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Figura 6 Editoriais da Curinga e do Lampião: Enquadramento pelo questionamento

Como vimos, o editorial é o que diferencia determinado veículo de outro,

mesmo que possam apresentar semelhanças, pois a enunciação decorre de um enunciado

inédito (ALVES FILHO, 2006). Tal característica é fundamental para nossa análise, já

que apresenta de um lado, dois jornais comerciais de grande circulação, com

posicionamentos aparentemente similares e, do outro, dois produtos laboratoriais

elaborados por estudantes do mesmo curso da mesma Universidade, que, apesar de

grandes semelhanças na linha editorial, apresentam abordagens diferentes em cada

edição.

O texto de apresentação da edição especial dO Tempo possui caráter mais

informativo (Figura 7), com o lead de reportagem factual, apresentando o ocorrido,

localizando-o no estado, distanciando-se fisicamente do local, e narrando

temporalmente a tragédia. Além disso, classifica o fato como “acidente”, atribuindo

naturalidade ao desastre.

Figura 7 Editorial do Jornal O Tempo: lead tradicional. Editorial informativo

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Logo em seguida, o jornal destaca o papel testemunhal na cobertura da tragédia:

“A reportagem de O Tempo acompanhou de perto esse rastro de morte provocado pelo

maior desastre ambiental do Brasil e um dos maiores do planeta, levando-se em conta o

volume de material derramado na natureza”. Observa-se também, a partir desse trecho

(Figura 8), a angulação mais voltada aos estragos ambientais da tragédia,

dimensionando o tamanho dela, mas também tenta resgatar a perspectiva pessoal do

desastre, mas em segundo plano. “Este caderno especial dimensiona o tamanho do dano

causado ao meio ambiente até aqui (quase um mês após o desastre), questiona as

responsabilidades dos agentes envolvidos e, principalmente, mostra a dor de quem vive

do agora agonizante rio Doce”.

Figura 8 Editorial de O Tempo: informacional, distante da tragédia

Seguindo a mesma linha, o Estado de Minas se apresenta como jornal que

testemunhou a dor das pessoas atingidas e traz, agora, esses relatos, enaltecendo o

trabalho de sua equipe jornalística: “Durante duas semanas, os jornalistas do EM

mergulharam nas histórias de sobreviventes para apresentá-las em textos e vídeos”.

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Figura 9 Editorial do Estado de Minas: ressalta o trabalho da equipe em primeiro lugar

É importante observar que o jornal destaca o trabalho feito pela sua equipe na

cobertura da tragédia. Apesar de carregar o subtítulo de “A dor em primeira pessoa”, e

afirmar dar mais valor às histórias dos moradores envolvidos diretamente no desastre, o

Jornal apresenta, nas suas primeiras linhas, os nomes dos repórteres, e não das vítimas,

que somente são apresentadas no fim do texto.

Outro ponto importante em comum do jornal Estado de Minas com o jornal O

Tempo é o discurso relatado em destaque. Em ambos (Figura 10), apresentam falas de

pessoas que não foram atingidas pelo rompimento da barragem. O primeiro apresenta

um trecho de uma obra premiada no Nobel de Literatura, sobre o acidente nuclear de

Chernobyl, fazendo uma comparação com a tragédia de Mariana. Já O Tempo, destaca,

no alto da página, a fala de uma repórter acerca da cobertura do ocorrido, onde atesta

não conhecer, anteriormente, o curso do leito do rio.

Figura 10 Destaques do Estado de Minas e O Tempo não trazem relatos de vítimas

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Os excertos destacados acima demonstram o não protagonismo, na cobertura

desses dois jornais, das vítimas do desastre, ainda que os referidos veículos tenham

declarado que suas edições especiais seriam diferentes por abordarem, prioritariamente,

os relatos de quem mais sofreu com a tragédia relatada. Assim, realizam o

silenciamento das vozes que afirmaram que seriam ouvidas, cedendo maior espaço e

destaque a outras fontes terceiras à tragédia.

No entanto, enquanto produtos laboratoriais do curso de Jornalismo da UFOP, a

Curinga e o Lampião demonstram abordar a tragédia sob outro olhar, como observado

no editorial da Revista (Figura 5): “Era impossível deixar de relatar as histórias das

vítimas da tragédia. Isso não poderia ser esquecido. Resolvemos fazer uma abordagem

diferente dos outros veículos. (...) buscamos dar voz à todas as pessoas que tiveram

algum envolvimento da situação”. E no Lampião (Figura 11): “Nos dias que sucederam

o acontecido, estudantes se comprometeram e ajudaram reforçando o ideal de

universidade pública como espaço coletivo de aprendizagem e retornos. Este

LAMPIÃO é mais um efeito disso. Não somos instituição. Somos gente, somos alunos e

buscamos, por meio deste jornal, deixar nossa contribuição a esta cidade que nos recebe

de braços abertos a cada semestre, dividindo conosco seu tempo e sua eternidade”. Nos

dois excertos, assim como outros observados anteriormente, podemos verificar a

demarcação de localidade destas publicações, considerando-se como participantes da

rotina da cidade, alterada pela tragédia.

Figura 11 Editorial do Lampião: identificação com as vítimas

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Dessa forma, observamos maior aproximação com o público de atingidos pelo

rompimento da barragem, num processo de identificação e pertencimento, já que estão inseridos

na mesma cidade e dividem as mesmas dúvidas e incertezas acerca do ocorrido. De modo a

sintetizar e explicitar melhor a análise, chegamos ao quadro a seguir. Ele se divide em quatro

categorias de enquadramento específico dos editoriais, elencados pelo autor, presentes nos

quatro veículos selecionados. A cada categoria, apresentamos as palavras-chave em que ela se

demarca, extraída, na íntegra, dos editoriais em questão. A partir desses trechos, inseridos em

determinadas categorias, fazemos a análise, interpretando como cada veículo se posiciona a

partir dessas observações.

Categoria Veículo Palavras-chave Análise

Identificação

Lampião Cidade que nos recebe; dividindo conosco

Identifica-se como inseridos na mesma cidade em que ocorreu a tragédia

CuringaNossa casa; vê todos os dias; Somos parte disso

também

Insere-se na cidade, como parte dos atingidos pela tragédia.

Estado de Minas

o EM escalou os repórteres; Os jornalistas

mergulharam nas histórias

O trabalho feito pelo Jornal é exaltado, destacando os nomes dos repórteres

envolvidos. Ao afirmar que "mergulharam nas histórias", coloca-se como externo à realidade

que busca retratar, ainda que tente aproximação.

O Tempo

acompanhou de perto; repórteres

testemunhando; mostra a dor

Pode-se observar o distanciamento do Jornal em relação às vítimas e cidades atingidas, ao

informar que acompanha, relata, testemunha o que houve, sempre na visão da equipe

responsável pela cobertura, como observador externo, não como parte da tragédia.

Abordagem

Lampião

por parte dos sobreviventes; estragos

incalculáveis; atingidos à mercê; tragédia que não

pode ser esquecida

O jornal denomina o fato como "tragédia", colocando em primeiro plano as perdas dos

habitantes da cidade de Mariana, retratando as vítimas do desastre. Trata, também, da

importância de se registrar o ocorrido por tal abordagem, ao firmar que não pode ser

esquecido.Curinga Histórias das vítimas da

tragédia; Isto não poderia ser esquecido;

Abordagem diferente; tema delicado e

importante; memória de todos os atingidos.

A revista já informa, no primeiro parágrafo, quem são os retratados pela edição: as vítimas. Também já se posiciona como mídia contra-

hegemônica, ao diferenciar sua abordagem dos veículos tradicionais. Também trata da

memória, ao afirmar que tal fato não pode ser esquecido.

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Estado de Minas

Primeira pessoa; Quem fala são brasileiros anônimos, vítimas do descaso criminoso; Vítimas também do silêncio; tragédia; gente; apresentar histórias; ganhou traumas;

O Jornal busca dar uma abordagem mais pessoal e personalizada, ao evidenciar as

pessoas vítimas como foco da edição. Denomina o fato como "tragédia" e "descaso criminoso", relativiza a voz com o silêncio

dado a essas vítimas. Apesar disso, apresenta, primeiramente, os nomes dos repórteres

escalados para tal cobertura para, só ao final, apresentar as vítimas relatadas.

O Tempo

Acidente; dimensiona o tamanho do dano causado

ao meio ambiente; lava fria; mar de lama; maior

desastre ambiental

Classifica o fato como "acidente" e refere como "tragédia" apenas quando se trata em

relação ao meio ambiente. Utiliza palavras que dão denotação natural ao ocorrido (como mar e lava), evidenciando o maior enfoque ambiental na tragédia, em detrimento ao humano/social.

Questionamento

LampiãoE agora? Quem se

responsabiliza? Quem cuida de nós?

Instiga o leitor a fazer as mesmas perguntas e procurar suas possíveis respostas na edição que

se segue. Questiona responsáveis e se coloca como parte dos atingidos.

CuringaQuem eram, são e serão os moradores? Qual o

preço que se paga?

Dá enfoque nas identidades dos moradores e problematiza a questão econômica da

mineração em detrimento dos estragos que ela pode causar.

Estado de Minas x O jornal não apresenta questionamentos nem

incentiva o leitor a fazê-lo.

O TempoQuestiona as

responsabilidades dos agentes envolvidos

O questionamento do jornal não é explícito, assim como a quem se dirige tal problema.

Dessa forma, não deixa claro a questão principal, tampouco instiga a reflexão e análise

que poderiam ser incentivadas pela edição.

Vozes

Lampião x

Não traz nenhum discurso relatado, mas informa a abordagem e direcionamento da

edição, que é voltada às pessoas e à cidade ao qual se insere.

Curinga x

Não traz nenhum discurso relatado, mas informa a abordagem e direcionamento da

edição, que é voltada às pessoas e à cidade ao qual se insere.

Estado de Minas Svetrlana Alexievic

Tem como título "Vozes de Mariana", apresenta, na capa, fotos e relatos de vítimas, mas, no texto, apresenta-se trecho do livro de

escritora bielo-russa.

O Tempo Bárbara Ferreira

Apresenta, em destaque, o relato de uma repórter do jornal e, ao final do texto, trechos

de uma poesia de Fernando Pessoa, silenciando, portanto, as vozes das vítimas às

quais se propõe a relatar.

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Como demonstrado acima, os quatro veículos apresentam características

próprias e especificidades, mas, ainda assim, podem ser separados em dois grupos: de

um lado, Estado de Minas e O Tempo, do outro, Lampião e Curinga. Essa divisão

corrobora nossa classificação enquanto mídia hegemônica e a contra-hegemônica, em

relação à diferença de abordagem na cobertura do mesmo fato. O jornal Lampião e a

Revista Curinga se identificam mais com as vítimas do rompimento da barragem,

voltando suas pautas e atenções principalmente a eles, seja por causa da proximidade

(ambos os veículos são sediados na mesma cidade da tragédia relatada, em Mariana) ou

pela linha editorial. Enquanto isso, Estado de Minas e O Tempo, apesar de estarem no

mesmo estado e, levando em consideração a extensão territorial de Minas Gerais,

próximos às barragens, aborda de forma mais “distanciada” das vítimas, dando enfoque

ambiental, como observado majoritariamente na cobertura do jornal O Tempo, ou

colocando o aspecto pessoal em segundo plano, ainda que este seja o tema principal da

edição, como notado no Estado de Minas. Assim, a abordagem também se diferencia,

exemplificado pelas escolhas lexicais de como classificar o fato e indicação de como se

dá a narrativa daquela edição que segue o editorial analisado. Dessa forma, os produtos

laboratoriais da UFOP se posicionam de maneira mais incisiva e questionadora,

propondo indagações e reflexões, tendo essa característica facilitada por serem mais

independentes editorialmente, com mais liberdade de posicionamento e, até mesmo,

comercial. Mesmo assim, apesar de não apresentar discursos relatados em seus textos, o

Lampião e a Curinga dão mais espaço e voz às vítimas do rompimento da barragem, ao

passo que o Estado de Minas e O Tempo, mesmo que indiquem protagonismo das

vítimas, não o fazem nos seus trechos de destaque, evidenciando falas de pessoas

externas ao acontecimento.

Feita a análise mais detalhada de cada editorial, retomamos ao esquema

apresentado no início deste artigo, sobre a classificação de editorial (EMEDIATO,

2003). Baseando em Furtado (2009), seguindo as postulações de Charaudeau (2015) na

Análise do Discurso, sintetizamos a análise do gênero no esquema a seguir:

O gênero editorial nos jornais O Tempo, Estado de Minas, Lampião e Curinga

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Natureza do discurso – discurso midiático

Situação Global de Comunicação

Informação – discurso de informação

Situação Específica de Comunicação

Jornalismo Impresso

Parceiros inscritos na relação midiática: jornalista relata e opina, enquanto o leitor

absorve a informação e opta por recusar ou aceitar o produto oferecido. Determinado

por quatro exigências: exigência da visibilidade (organização espacial), de legibilidade

(exposição clara), de inteligibilidade (aplica-se ao comentário) e da dramatização

(estratégia de captação).

Variantes Textuais

Jornais de referência – informação (jornal comercial e laboratorial)

Argumentam aquilo que acreditam/defendem, seguindo uma linha de raciocínio ao qual

o veículo se insere na linha editorial previamente estabelecida, regidos pelo contrato de

comunicação. Apresenta o que pode ser encontrado nas matérias e demarca-se como

participante testemunhal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista a importância do editorial na determinação da abordagem e

enquadramento que serão dadas as reportagens subsequentes, percebeu-se uma profunda

ligação entre o primeiro texto de cada edição em relação às reportagens que se seguiam.

Analisar o editorial é tentar perceber a opinião daquele veículo acerca do tema tratado.

Mais que isso, é direcionar o olhar do leitor ao que o jornal se propôs a fazer, como

forma de identificação com o público, a fim de conquistar sua confiança e partilhar da

mesma visão.

Como são veículos distintos, inscritos em diferentes condições de produção e

finalidade, observou-se maior distinção entre esses dois grupos: de um lado, os jornais

de maior circulação estadual e, do outro, os produtos laboratoriais do curso da UFOP.

Tais diferenças são marcantes tanto na própria produção, quanto na visão e abordagem

de cada veículo. Percebeu-se maior envolvimento com as pessoas de Mariana que foram

atingidas e suas histórias nos produtos laboratoriais, enquanto nos outros jornais a

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dimensão da tragédia, pessoal e ambiental, ganha prioridade, com o papel do jornal

como veículo de informação e porta-voz ganhando grande destaque. Tal divisão pode

ser classificada na dicotomia entre mídia hegemônica (jornais comerciais) e contra-

hegemônica (produtos laboratoriais), tendo em vista a diferença de abordagem sobre o

mesmo fato relatado.

Dessa forma, notou-se a diferença de cobertura entre os jornais, não só pela

proximidade física do fato, mas também pela linha editorial de conduzir a narrativa,

pelas palavras, termos e enquadramentos utilizados, firmando-se como porta-vozes das

histórias envolvidas na tragédia e da dimensão da catástrofe.

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