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Educação e design: O jogo como elemento mediador na aprendizagem da linguagem de Libras Rita Inês Petrykowski PEIXE Mestre Universidade da Região de Joinville Departamento de Design Doutoranda pelo PPGEDU/UFRGS Bolsista CAPES Brasil [email protected] Juliana Silveira ANSELMO Mestre Universidade da Região de Joinville Departamento de Design Brasil [email protected] Ivan Luiz de MEDEIROS Mestre Universidade da Região de Joinville Departamento de Design Brasil [email protected] Resumo A implementação de materiais lúdico-educativos que possam contribuir para melhores resultados na promoção do ensino e aprendizagem da linguagem de Libras e que propiciem a interação mais efetiva de crianças surdas e ouvintes em ambientes de aprendizagem é o conteúdo do qual trata o presente artigo. Considerado de extrema importância para o desenvolvimento da identidade cultural das crianças, em especial daquelas com deficiência auditiva, o Jogo de Tabuleiro concebido incentiva o diálogo e a brincadeira entre crianças surdas e ouvintes em sala de aula. No estudo são abordados conteúdos que podem ser explorados em diversas disciplinas curriculares, sendo plausível a interação e o fomento aos processos de aprendizagem formal e informal. Assim, a partir das informações apreendidas durante a pesquisa, ficou perceptível a possibilidade de criação de outros jogos ou a proposição de materiais lúdico-educativos diversos, principalmente no que tange à investigação ligada à aplicação da cultura visual no universo do surdo. Palavras-chave: Linguagem de Libras, Design Social, Educação, Jogo.

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Educação e design: O jogo como elemento mediador na aprendizagem da linguagem de Libras

Rita Inês Petrykowski PEIXE Mestre

Universidade da Região de Joinville Departamento de Design

Doutoranda pelo PPGEDU/UFRGS Bolsista CAPES

Brasil [email protected]

Juliana Silveira ANSELMO

Mestre Universidade da Região de Joinville

Departamento de Design Brasil

[email protected]

Ivan Luiz de MEDEIROS Mestre

Universidade da Região de Joinville Departamento de Design

Brasil [email protected]

Resumo A implementação de materiais lúdico-educativos que possam contribuir para melhores resultados na promoção do ensino e aprendizagem da linguagem de Libras e que propiciem a interação mais efetiva de crianças surdas e ouvintes em ambientes de aprendizagem é o conteúdo do qual trata o presente artigo. Considerado de extrema importância para o desenvolvimento da identidade cultural das crianças, em especial daquelas com deficiência auditiva, o Jogo de Tabuleiro concebido incentiva o diálogo e a brincadeira entre crianças surdas e ouvintes em sala de aula. No estudo são abordados conteúdos que podem ser explorados em diversas disciplinas curriculares, sendo plausível a interação e o fomento aos processos de aprendizagem formal e informal. Assim, a partir das informações apreendidas durante a pesquisa, ficou perceptível a possibilidade de criação de outros jogos ou a proposição de materiais lúdico-educativos diversos, principalmente no que tange à investigação ligada à aplicação da cultura visual no universo do surdo. Palavras-chave: Linguagem de Libras, Design Social, Educação, Jogo.

Abstract The implementation of recreational and educational materials that can contribute to better results in promoting language learning and teaching of sign language and promotes a more effective interaction of deaf and hearing children in learning environments is the content of which is the present article. Being considered of great importance on a children´s cultural indentity development ,especially those with impaired hearing, the designed board game promotes dialogue and banter between deaf and hearing children in a classroom. This study´s contents may be explored in various curriculum subjects that are likely to foster interaction and formal and informal learning processes. Thus, based on information learned during the research it became apparent the possibility of creating other games and the proposition of ludic and educational material, especially in regard to visual and cultural related research in the world of the hearing impaired people. Keywords: Sign Language, Social Design, Education, Game.

A educação de surdos

urante o processo de desenvolvimento da educação dos surdos, o Brasil teve muita influência de tendências pedagógicas estrangeiras. Entretanto, os processos educacionais propostos eram ainda baseados nos moldes da educação de ouvintes,

deixando assim de respeitar a identidade cultural desses alunos – os surdos. A linguagem através das mãos, denominada popularmente como língua de sinais, não era bem vista no ambiente escolar. Fundamentando a idéia anterior, foi no ano de 1880, em um congresso em Milão, que o uso de língua de sinais foi definitivamente excluído das escolas, firmando o oralismo:

Por quase um século, as línguas de sinais foram perseguidas nas mesmas instituições que supostamente deveriam propagá-las. Os códigos não chegaram a ser eliminados, mas simplesmente conduzidos ao mundo marginal, onde sobreviveram graças às contraculturas estabelecidas pelas crianças nas escolas, clandestinas, rebeldes e cruéis (Rée, 2005).

Somente em meados do século XVI, pedagogos e filósofos envolvidos, de fato com a educação, iniciaram estudos que discutiam sobre a integração social dos surdos. Entretanto, até então, não havia uma preocupação com a formação educacional de pessoas surdas, sendo que essas não eram vistas como cidadãos produtivos ou úteis à sociedade.

De lá para cá, essa realidade sofreu uma mudança significativa. A preocupação com a educação inclusiva de surdos no Brasil e em outros países tem ocupado o meio acadêmico, a fim de analisar métodos eficazes para o processo de ensino e aprendizagem destes alunos (Rèe, 2005).

Ao falar em inclusão é fundamental mencionar a Declaração de Salamanca, pois se trata de um documento internacional sobre as políticas educacionais e, em especial, a educação especial. O centro dessa Declaração mostra que a maior parte dos alunos com necessidades educativas especiais não apresenta qualquer característica intrínseca que não permita a inclusão, a menos que existam fortes razões para agir de outra forma (BRASIL, 1997).

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A Declaração de Salamanca (BRASIL, 1997) foi adotada na maioria dos países e também inspirou a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Importante considerar que na LDB, em um de seus capítulos sobre a educação especial, há a ênfase e a inclusão de parâmetros para a integração/inclusão do aluno especial na escola regular e, na Declaração de Salamanca (1994: 24), há menção sobre a situação lingüística dos surdos, a qual defende as escolas e classes para eles:

As políticas educativas devem ter em conta as diferenças individuais e as situações distintas. A importância da linguagem gestual como o meio de comunicação entre os surdos, por exemplo, deverá ser reconhecida, e garantir-se-á que os surdos tenham acesso à educação na linguagem gestual do seu país. Devido às necessidades particulares dos surdos e dos surdos/cegos, é possível que a sua educação possa ser ministrada de forma mais adequada em escolas especiais ou em unidades ou classes especiais nas escolas regulares (BRASIL, 1997).

Sendo assim, as escolas têm implantado políticas de inclusão de pessoas com necessidades especiais desde o Ensino Fundamental, sustentando a função da escola no processo de aprendizagem. Como base legal, tem-se a LDB, delegando aos órgãos educacionais seu papel nesse processo inclusivo: disponibilizar serviços de apoio especializado para atender às peculiaridades da clientela de educação especial; atender em classes, escolas ou serviços especializados, em função das condições específicas dos alunos, caso não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular; ofertar educação especial, na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil; assegurar aos educandos com necessidades especiais currículos, métodos, técnicas, profissionais capacitados, recursos educativos e organização específica, para atender às suas necessidades.

A língua de sinais é oficial como língua de uso dos surdos, sendo garantida pela Lei das Libras e em quase todos os Estados brasileiros já existe, em seu quadro, a lei que defende a língua de sinais e a torna de uso. Segundo Quadros (1997), trata-se de “uma língua natural, adquirida de forma espontânea pela criança surda em contato com pessoas que utilizam essa língua”. E, se a língua oral é adquirida de forma sistematizada, então os surdos têm o direito de ser ensinados na língua de sinais. A aprendizagem da linguagem de Libras e o desenvolvimento da língua oral ocorrem paralelamente, mas esse bilingüismo pode sofrer variações devido a alguns critérios, sendo: Origem – aprende na família; Competência – domínio de duas línguas e controle gramatical da outra; Função – uso conforme a situação.

De acordo com Perlin & Strobel (2006) a partir de pesquisas no mundo acadêmico, observa-se nos relatos dos professores das escolas de ouvintes que, apesar de todos os obstáculos e dificuldades, alguns se mostram receptivos e abertos para dar continuidade ao processo e outros se mostram resistentes em aprender formas de como lidar com alunos surdos.

O ideal é que em processos de inclusão nas escolas de ouvintes, que os profissionais se preparem para dar aos alunos surdos os conteúdos pela língua de sinais, através de recursos visuais, tais como figuras, língua portuguesa escrita e leitura, a fim de desenvolverem nos alunos a memória visual e o hábito de leitura. Ainda, que esses alunos recebam apoio de professor especialista, conhecedor de língua de sinais e, enfim, propiciando intérpretes de língua de sinais, para o maior acompanhamento das aulas. Outra possibilidade é contar com a ajuda de professores surdos, que auxiliem o professor regente e trabalhem com a língua de sinais nas escolas.

Quadros (1997) aborda que a criança surda precisa criar sua própria teoria de mundo por meio de experiências diárias, interagindo de forma efetiva com indivíduos do seu meio. Isso significa que a escola deve ir além de seu trabalho profissional didático, promovendo programas e oportunidades que possibilitem essa inter-relação de crianças surdas e indivíduos ouvintes.

Conforme estudo de Soares (2002), a escola transformadora é aquela que prioriza as camadas populares e trabalha com a bandeira da luta contra as desigualdades sociais e econômicas, consciente de seu papel político, através de um ensino eficiente utilizando de materiais e instrumentos que permitam conquistar essa reivindicação social de igualdade e equilíbrio. Percebe-se assim, a importância de se produzir matérias que auxiliem as atitudes de uma escola e a política transformadora de inclusão e interação social.

As questões da construção da identidade do surdo envolvem o reconhecer do seu modo de vida, sua visão do mundo e suas situações sociolingüísticas específicas vividas por esta comunidade. Trabalhar com essa diferença significa compreender o surdo como uma pessoa que possui língua diferente, uma língua materna que não é a língua portuguesa; significa conhecer a sua língua (Libras), usá-la e oportunizar a ele, surdo, a aquisição de conhecimentos nas duas línguas (primeiro na sua e depois na língua portuguesa, de forma sistemática, continuada, dialógica, para que verdadeiramente, ele possa construir sua identidade e exercer o direito da cidadania. Neste papel da escola como instrumento do saber, além do que já foi dito sobre o trabalho com a diferença, inclui-se informar, problematizar, debater os diferentes questionamentos sociais e preconceitos; contribuir para eliminar a seletividade social; agir rumo à transformação da sociedade ou, pelo menos, instrumentalizar o surdo para estabelecer relações, em iguais condições, com os ouvintes (Política de Educação de Surdos de Santa Catarina, 2004).

No Brasil, o direito à Educação das pessoas surdas ou com deficiência auditiva está garantido no Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que regulamentou a Lei nº 10.436 (abril de 2002), a qual dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras. Nesta Lei, prevê-se ainda a inserção das Libras como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores de instituições de ensino públicas e privadas dos sistemas Federal, Estadual e Municipal de ensino de todo o País (BRASIL 2002; BRASIL 2005).

No Estado de Santa Catarina, a reestruturação das Políticas Públicas de Educação de Surdos iniciou-se em 2004 por meio da Fundação Catarinense de Educação Especial – FCEE e da Secretaria de Estado da Educação e Inovação – SED. A proposta envolvia a criação de funções de professor bilíngüe, instrutor e monitor de Libras e professor-intérprete de Libras/Português/Libras; formação continuada dos profissionais que ocupariam os novos cargos criados; criação de turmas bilíngües e salas de recursos nas assim denominadas escolas-pólo; reorganização do espaço físico dessas escolas, a fim de adequar-se as turmas implantadas e ao trabalho dos novos profissionais (SANTA CATARINA, 2009).

Devido à falta de recursos, as assessorias técnico-pedagógicas não puderam cumprir sua função de oferecer suporte aos profissionais e acompanhar o desenvolvimento da política. Porém, as atividades não foram abandonadas e hoje se tem por todo o Estado de Santa Catarina inúmeras turmas ou classes de educação bilíngüe, as quais estão originando as

escolas bilíngües, fundamentadas na filosofia da educação bilíngüe e no respeito ao direito do cidadão surdo (SANTA CATARINA, 2009).

Atualmente, existem três escolas da Rede Pública Estadual de educação bilíngüe em Santa Catarina e, a partir destas, espera-se reunir elementos que subsidiem as ações para a inclusão de surdos na perspectiva bilíngüe em todas as regiões do estado. Na cidade de Joinville, a Escola de Educação Básica Rui Barbosa é considerada “escola-pólo no ensino bilíngüe”, devido ao número de alunos surdos, cerca de 60, distribuídos no Ensino Fundamental. Segundo a direção desta Instituição de Ensino, as famílias de crianças surdas não costumam participar efetivamente da educação de Libras promovida pela escola. A comunicação em casa é feita por sinais caseiros e oralização, não colaborando para a continuidade do trabalho desenvolvido pela escola, devido à dificuldade de comunicação no ambiente familiar. Assim, a proposta de um material lúdico de mediação pedagógica, como jogos de memória e percurso, poderia contribuir para a aprendizagem da linguagem de Libras também no âmbito familiar.

Garantir acesso e condições didático-pedagógicas para que o aluno surdo aproprie-se dos conhecimentos sistematizados na escola é de fundamental importância para a sua interação na comunidade em que vive. Neste sentido, entende-se que a interdisciplinaridade do design com os procedimentos pedagógicos pode contribuir para melhores resultados quanto à promoção do ensino de Libras nas escolas e uma interação mais efetiva entre crianças surdas e ouvintes nestes ambientes, por meio de materiais lúdicos de mediação pedagógica.

Design como instrumento de interação social

O design pode ser um referencial para a interlocução entre surdos e ouvintes, propiciando a reflexão acerca da sua função social, considerando que todo projeto de design possui uma dimensão social. Ainda que não explicite compromissos sociais, emerge numa determinada sociedade e reflete sua cultura. Sua forma de atuação pode ser bastante ampla e com impactos significativos na sociedade. Fala-se, portanto, do design social, que colabora com ações voltadas para o desenvolvimento da sociedade, combinando tecnologias e materiais de contextos sociais, e com a preocupação de satisfazer ou modificar seu entorno. Papanek (p.63, 1995) diz que “A preocupação com o ambiente e com os desfavorecidos da nossa sociedade é a base mais profunda e poderosa que deve dar forma ao design”.

Para o designer Eduardo Barroso Neto, o design social possui “três pilares”: a criação de produtos cujo conceito esteja associado à preservação da memória e da cultura, o desenvolvimento social e a sustentabilidade (Lacerda, 2007). Já para Margolin & Margolin (2004) o principal objeto do design social é a satisfação das necessidades humanas, contrariamente ao objetivo primário do design para o mercado, que é criar produtos para venda. O designer, neste caso, é um transformador social.

Mazzilli (2007) propõe também o design lúdico como aquele que, fundamentado em concepções inovadoras, associa as possibilidades de uso lúdico e educativo dos equipamentos às soluções de design, desde as suas possibilidades materiais e de usabilidade, até os aspectos finais de acabamento (Mazzilli, 2007).

A linguagem visual é um dos componentes fundamentais no processo de criação de produtos lúdicos. Importante considerar que toda linguagem é recurso de comunicação, constituída por um conjunto de elementos visuais que, associados, podem compor mensagens em diversos níveis de complexidade. A discussão do significado de “lúdico” como atributo de jogo, sendo este inerente ao universo infantil, deflagra o entendimento do que se pode chamar de linguagem visual lúdica, meio essencial de comunicação e de produção de mensagens relativas ao espaço infantil (Mazzilli, 2007).

Huizinga (2008, p. 21) nos aponta que “os jogos infantis possuem a qualidade lúdica em sua própria essência, e na forma mais pura desta qualidade”. Todavia, embora seu propósito, à primeira vista, possa parecer sem finalidade ou compromisso, eles não estão dissociados de um caráter educativo.

Se pensarmos o design como sendo “um artefato tangível” não podemos dissociar a atividade do designer dos processos criativos e das novas tecnologias aplicadas à educação. Hesket (1997) dedica um capítulo inteiro dos seus estudos aos jogos, aprendizado, trabalho e lazer. Traz à discussão a importante participação dos designers na concepção de equipamentos e acessórios lúdicos e educacionais, cuja abordagem incorporada traduz-se em potencial para facilitar e tornar a educação disponível por toda a vida, adaptável às necessidades individuais e às circunstâncias sociais em constante mutação.

Desenvolvimento do jogo de tabuleiro

Inicialmente, para a realização da investigação, o projeto foi proposto para análise e aprovado pelo Comitê de Ética da UNIVILLE, sendo aplicado, ainda, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido junto à direção da escola, professores e responsáveis legais dos alunos, o que outorga aos responsáveis a possibilidade de trabalhar com os dados obtidos junto aos informantes.

Dentre as etapas do desenvolvimento do jogo estão:

a) Revisão bibliográfica e análise de conteúdos sobre educação de surdos, aprendizagem da linguagem de Libras, design social, interação social, sistemas de comunicação e materiais lúdicos;

b) Visitas na escola bilíngüe parceira da pesquisa para observações sistemáticas e análises de atividades desenvolvidas nas turmas de 1ª série (apenas com alunos surdos com idade entre 5 e 7 anos), 4ª série (apenas com alunos surdos com idade entre 10 e 14 anos) e 5ª série (bilíngüe e alunos com idade entre 11 e 15 anos) e produção de diário de bordo;

c) Análise dos registros das inferências à escola: neste momento observou-se como se davam as brincadeiras entre as crianças ouvintes e surdas e verificou-se que, na maior parte das vezes, elas brincam separadamente e que a relação dos surdos com os ouvintes apresentava algumas limitações.

Como o objetivo inicial da pesquisa era de desenvolver um material para interação entre crianças surdas e ouvintes, houve a opção para que as observações fossem mais pontuais na

5ª série bilíngüe. Naqueles momentos, foi possível observar que a professora, acompanhada de uma intérprete, repassava as informações para os alunos surdos e, nesse contexto, a utilização de recursos visuais para ilustrar a aula é praticamente inexistente. Além disso, ocorre uma divisão na sala de aula, onde surdos ocupam uma parte do espaço e os ouvintes a outra metade. A grande maioria dos alunos ouvintes não conhece a linguagem de Libras.

Com esta turma ainda foi realizada uma investigação para identificar os tipos de desenhos animados e personagens com os quais os alunos mais se identificavam. O resultado deu conta de que os desenhos caricaturados, estilizados e os personagens humanos, que conseguem ser apreendidos sem a utilização dos aspectos sonoros, foram os que mais se destacaram.

d) Verificação do estado da arte dos materiais lúdico-educativos pertinentes ao ensino e aprendizagem de Libras: Uma pesquisa de mercado foi realizada, onde se identificou que são limitadas as opções de materiais lúdicos promotores da interação entre crianças surdas e ouvintes e, os disponibilizados, são precários e com baixa pregnância visual.

e) Coleta de dados com professores: foram aplicados questionários com cinco professores do Ensino Fundamental da escola e, ainda, realizou-se um encontro coletando depoimentos de duas professoras que atuam na Gerência da Educação de Joinville junto a programas de inclusão, e uma professora intérprete. Dentre as considerações levantadas, temos: que o indivíduo surdo possui seu campo visual muito aguçado, razão pela qual o ensino de Artes é a disciplina curricular que está na preferência dos alunos, por ser onde os surdos têm a oportunidade de trabalhar com atividades ligadas aos aspectos visuais, uma vez que apresentam maior facilidade para o desenho; que a criança surda necessita ser instigada à curiosidade, ou seja, a conteúdos temáticos que resultam em comportamentos, suscitando possibilidades de inferência, desafios, autonomia, conhecimento de si próprio e do mundo. Temas ligados a atividades rotineiras e prazerosas como “ir à praia”, visitar um zoológico, aspectos da cultura visual ou relacionados à escola poderiam ser interessantes. Quanto mais associados ao seu cotidiano, mais passíveis de despertarem o interesse das crianças, por isso a importância do emprego de elementos visuais como cores e texturas. Levantou-se, também, que os alunos sentem maior segurança ao desenvolverem suas atividades em grupo, considerando que ali há aspectos interativos e de grande significação para que haja a dialogicidade. Segundo as especialistas, dentre os professores que ministram aulas para as crianças surdas, muitos não conhecem Libras, principalmente por falta de interesse, já que nas salas dos surdos há sempre um intérprete, o que acaba gerando acomodação.

f) Aplicação de ferramentas projetuais do design: a equipe vinculada ao Projeto de Pesquisa contou com a colaboração de quatro alunos bolsistas e voluntários na geração de possibilidades para o jogo, além de quatro professores dos Cursos de Design e Pedagogia da UNIVILLE. O resultado foi o desenvolvimento de um Jogo de Tabuleiro (nove peças de 21 x 21 cm) com duas faces, o qual explora dois temas principais: o zoológico e a praia (Figura 1). Optou-se por fazer duas faces para proporcionar variabilidade na brincadeira, dentro de um mesmo material. Isso reduz os custos de produção e aquisição, o que inclui o poliestireno como material para facilitar a limpeza e aumentar a durabilidade. O número de jogadores pode ser de dois a seis com idade mínima de 10 anos e, de preferência, que estimule a comunicação entre surdos e ouvintes, deverá ser jogado por duplas mistas, ou seja, um

surdo e outro ouvinte. O objetivo do tema zoológico “é alimentar os animais” e do tema praia “é sair da ilha e chegar ao posto dos guarda-vidas”.

Figura 1. Jogo de tabuleiro – tema praia

Fonte: Os autores.

g) Testagem do jogo: o material foi testado com duas turmas de 5º série – professores, intérprete e alunos, onde foram levantadas algumas questões que determinaram uma reestruturação, sendo, o apoio para as cartas e o tamanho das peças. Esta etapa é entendida na área do design como essencial para o sucesso do produto, pois é possível rever, avaliar e explorar visando verificar necessidades com vistas às alterações necessárias.

Considerações finais Jogar é uma condição essencial do ser humano. Através do jogo é possível ativar mecanismos de conhecimento e interação, entre outras habilidades e possibilidades que o ato de jogar oferece. A opção pela criação de um jogo como elemento de apoio educacional se apresentou como alternativa premente, uma vez que poderia ser pensado atendendo às demandas que se foram apresentando ao longo da investigação.

De início, as observações efetuadas na Escola Rui Barbosa deram conta de aspectos importantes e serviram como suporte para inferências, sem as quais não seria possível o desenvolvimento do material proposto. As visitas e os intercâmbios viabilizaram uma imersão no cotidiano docente e discente, cujo intuito tratou melhor compreender as interações entre alunos surdos e ouvintes. Isso possibilitou perceber que tais relações

acontecem de forma muito restrita, considerando que surdos e ouvintes não falam o mesmo idioma e isso acaba gerando limitações na comunicação, tanto entre alunos, quanto entre professores/alunos. Em algumas situações, os docentes têm dificuldades para a compreensão de questionamentos oriundos de alunos surdos, por não apresentarem o domínio da linguagem de Libras, o que pode interferir sobremaneira nos processos de aprendizagem e apreensão de conteúdos por parte dos alunos.

De posse de todas as informações necessárias e, tendo como ancoragens autores importantes, tanto da área educacional como aqueles ligados às questões práticas, teóricas e metodológicas do design, foi possível a elaboração de um material que resultasse satisfatório e atendesse aos interesses da investigação, beneficiando tanto alunos quanto professores.

Ainda em processo de constante experimentação e adequação, o jogo proposto tornou-se uma ferramenta importante e um elemento mediador da aprendizagem e dos aspectos dialógicos, contribuindo com a interação entre crianças surdas e ouvintes e desmitificando a idéia de que somente as crianças surdas podem e necessitam aprender a linguagem de Libras.

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