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1 O IMPERIAL INSTITUTO BAHIANO DE AGRICULTURA E A ESCHOLA AGRÍCOLA DA BAHIA. MARIA ANTONIETA DE CAMPOS TOURINHO 1 FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Ã mingua de capitaes, de braços, de instrução e de instrumentos aratorios, a nossa lavoura luta contra um mal que a corroe como ferrugem ao ferro, a rotina.. (Fala do Presidente da Província de 1863). A Eschola Agrícola da Bahia, inaugurada em 1877, é construída e mantida pelo Imperial Instituto Bahiano de Agricultura, instituição criada em 1859 por personalidades ligadas à agro-indústria açucareira com a pretensão de “salvar do aniquilamento a lavoura nacional”, em S. Bento das Lages, município de S. Francisco do Conde, recôncavo da Bahia. Nessa escola, que é a primeira da América Latina, funciona um curso elementar para formar operários agrícolas e um curso superior destinado à formação de engenheiros agrônomos. O presente trabalho, que é um recorte da dissertação de mestrado intitulada “ O Imperial Instituto Bahiano de Agricultura - a instrução agrícola e a crise da economia açucareira na segunda metade do século XIX”, historia as referidas instituições no contexto mais amplo da economia açucareira particularmente no que se refere à formação de mão de obra especializada e à modernização da tecnologia. Para construir as relações nas quais as duas instituições se movimentam as categorias históricas mais significativas são: exploração colonial; economia açucareira; sistema escravista; trabalho escravo; trabalho livre (nacional e estrangeiro); tecnologia; modernização; educação; ideologia. A primeira e principal fonte da pesquisa é a correspondência do Instituto com a Presidência da Província, documentação manuscrita (relatórios, ofícios e mapas demonstrativos da situação financeira) arquivada na Série Agricultura da Seção Histórica do Arquivo Público da Bahia. Foram consultados também: as Falas dos Presidentes das Províncias e Mensagens dos Governadores do Estado referentes à segunda metade do século XIX; as Atas da Congregação dos Professores, o livro de Matrículas da Eschola Agrícola da 1 Professora de Metodologia da História – Faced / UFBa; Mestra em Ciências Sociais - FFCH / UFBa; Doutoranda em educação – Faced / UFBa

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O IMPERIAL INSTITUTO BAHIANO DE AGRICULTURA E A ESCHOLA

AGRÍCOLA DA BAHIA.

MARIA ANTONIETA DE CAMPOS TOURINHO1

FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

à mingua de capitaes, de braços, de

instrução e de instrumentos aratorios, a nossa

lavoura luta contra um mal que a corroe como

ferrugem ao ferro, a rotina..

(Fala do Presidente da Província de 1863).

A Eschola Agrícola da Bahia, inaugurada em 1877, é construída e mantida pelo

Imperial Instituto Bahiano de Agricultura, instituição criada em 1859 por personalidades

ligadas à agro-indústria açucareira com a pretensão de “salvar do aniquilamento a lavoura

nacional”, em S. Bento das Lages, município de S. Francisco do Conde, recôncavo da Bahia.

Nessa escola, que é a primeira da América Latina, funciona um curso elementar para formar

operários agrícolas e um curso superior destinado à formação de engenheiros agrônomos. O

presente trabalho, que é um recorte da dissertação de mestrado intitulada “ O Imperial

Instituto Bahiano de Agricultura - a instrução agrícola e a crise da economia açucareira na

segunda metade do século XIX”, historia as referidas instituições no contexto mais amplo da

economia açucareira particularmente no que se refere à formação de mão de obra

especializada e à modernização da tecnologia. Para construir as relações nas quais as duas

instituições se movimentam as categorias históricas mais significativas são: exploração

colonial; economia açucareira; sistema escravista; trabalho escravo; trabalho livre (nacional e

estrangeiro); tecnologia; modernização; educação; ideologia.

A primeira e principal fonte da pesquisa é a correspondência do Instituto com a

Presidência da Província, documentação manuscrita (relatórios, ofícios e mapas

demonstrativos da situação financeira) arquivada na Série Agricultura da Seção Histórica do

Arquivo Público da Bahia. Foram consultados também: as Falas dos Presidentes das

Províncias e Mensagens dos Governadores do Estado referentes à segunda metade do século

XIX; as Atas da Congregação dos Professores, o livro de Matrículas da Eschola Agrícola da

1 Professora de Metodologia da História – Faced / UFBa; Mestra em Ciências Sociais - FFCH / UFBa; Doutoranda em educação – Faced / UFBa

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Bahia e fotos da escola e dos alunos pertencentes ao arquivo da biblioteca da Faculdade de

Agronomia da UFBa., no município de Cruz das Almas. O contato com esses documentos

permitiu a aproximação com a vida e o cotidiano dessas Instituições: os arrastados e

turbulentos anos de construção da escola; o seu funcionamento; a relação do Instituto com o

governo Provincial e Imperial; a sua organização administrativa e financeira; as

considerações, decisões e ações da instituição diante dos problemas da economia açucareira

quando se torna porta-voz das principais questões que afligem a oligarquia açucareira na

segunda metade do século XIX.

Outra fonte significativa, também pertencente ao acervo da Faculdade, são as teses

para conclusão do curso defendidas pelos formandos do curso superior no período de 1880 a

1904. Foram localizadas na biblioteca da referida faculdade cento e setenta e oito teses

tratando de temas amplos e diversos mas ao trabalho foram incorporadas apenas aquelas que

retomam as questões – a falta de braços, de capitais e atraso da técnica na lavoura baiana –

que motivaram a criação do instituto e sua escola, vistas agora sob prismas mais

modernizadores e aquelas que tratam mais especificamente das questões da educação, as quais

geralmente defendem a educação agrícola como fator de desenvolvimento e solução para os

problemas da economia açucareira.

No trabalho intitulado “Idéias Socialistas na Eschola Agrícola da Bahia”, Maria do

Socorro Fraga analisa essas teses, procurando demonstrar a existência de idéias socialistas

ainda não aprofundadas no universo ideológico dos alunos de S. Bento das Lages. Referências

ao Imperial Instituto e à sua Escola também aparecem em alguns outros autores. Pang (1947)

e Riding (1970) nos seus estudos sobre a economia baiana no século XIX focalizam o

Instituto como uma tentativa frustrada dos lavradores de criarem uma associação que

representasse os interesses da agricultura. Pedreira (1976) transcreve o Decreto de 1o de

novembro de 1859 que estabelece as bases para o funcionamento do Imperial Instituto e traça

resumidamente o histórico da Escola Agrícola desde a inauguração até sua transferência para

Salvador em l930. Guimarães (1974) no livro “Esplendor e Agonia do Instituto Bahiano de

Agricultura 1859—1902” relata os momentos de glória e decadência dos quarenta e cinco

anos de vida da instituição através da transcrição das Atas das Sessões do Instituto,

documentação que se inicia com a Ata Inaugural assinada pelo Imperador D. Pedro II. No

capítulo intitulado “Do Imperial Instituto Bahiano de Agricultura à Escola de Agronomia da

Universidade Federal da Bahia”, Cunha (1977) amplia o relato até a instalação da escola, em

1943, na cidade de Cruz das Almas e lamentando a “ruinaria majestosa” em que se

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transformou o prédio construído em S.Bento das Lages, transcreve apelos para a sua

restauração como monumento histórico.

A criação do Imperial Instituto de Agricultura faz parte do clima de prosperidade e de

disseminação de ideias progressistas, reinantes no país após a proclamação da maioridade de

D. Pedro II. Linhares (1979; p. 149) caracteriza a década de 50-60 “como uma época de

otimismo continuado que se prolongará até 1873, momento de sua primeira crise”. Almeida

(1951) observa que a partir de 1840 há uma certa reanimação na economia baiana que se

prolonga pela década de 50, apesar da cólera de 1855 e da seca de 57 e 61. Azevedo (1969;

p.14,15) analisando as contradições deste período marcado pela supressão do tráfico de

escravos em 1850, considera que apesar dos vários fatores que desequilibraram a economia

baiana há, nesta década, uma recuperação do “mal-estar econômico dos anos 30, provocada

pela utilização dos capitais, liberados pela supressão do tráfico e pela criação de

estabelecimentos bancários”.

Na Província da Bahia, o contexto acima descrito, propício a empreendimentos

modernizadores, convive com dificuldades, conflitos e contradições que exigem soluções

modernizadoras. Na segunda metade do século XIX a agro-indústria açucareira no Brasil luta

com dificuldades internas e externas que acabam por reduzir um produto essencialmente de

exportação como o açúcar a um lugar secundário no comércio mundial e a levar as regiões

produtoras a uma situação de decadência. As implicações desse quadro se prendem

principalmente aos problemas de mercado, preço, técnica e mão-de-obra. No plano

internacional, essas implicações se relacionam com a concorrência de outros centros

produtores, o que provoca a restrição do mercado consumidor e a diminuição do preço do

açúcar. Com a supressão do tráfico em 1850 agrava-se o problema da mão-de-obra e a técnica

não pode suprir essa deficiência, pois se encontra obsoleta atuando quase que nas mesmas

bases do inicio da colonização. Assim, a modernização passa a ser a saída para a crise e, na

Bahia, se expressa no Imperial Instituto Bahiano de Agricultura, cuja atuação, particularmente

com a criação e manutenção da Escola Agrícola, demonstra o esforço de setores mais

progressistas da elite baiana de superar os problemas da economia açucareira, tentando

adaptar-se aos novos tempos que exigiam referenciais mais modernos.

Nas reuniões do Instituto discute-se: a falta de braços para o trabalho agrícola

relacionada não apenas à supressão do tráfico negreiro mas também à migração interna para

as lavouras do Sul; a reação ao trabalho livre particularmente ao trabalhador livre nacional

considerado inapto e preguiçoso; as tentativas de utilização do trabalhador estrangeiro; a

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incompatibilidade entre trabalho livre e escravo; a necessidade de técnicas mais modernas,

mas é fundamentalmente na criação de uma escola agrícola que se focalizam as possibilidades

de soluções para as dificuldades da economia açucareira. Dessa maneira, escolhido o local, o

engenho de S. Bento das Lages pertencente à Ordem dos Beneditinos, todos os recursos e

atenções do Imperial Instituto de Agricultura são canalizados para a construção da escola.

Durante mais de dez anos as obras arrastam-se, os empreiteiros cobram, o abade de São Bento

reclama o aluguel atrasado, as reuniões são adiadas por falta de número suficiente de

membros. O único órgão que funciona regularmente é a Diretoria, que leva adiante o projeto

da Escola, equilibrando a receita e a despesa na medida do possível, cobrando as sempre

atrasadas subvenções Provincial e Imperial e pagando aos credores, quando os recursos

permitem. Finalmente com o edifício pronto, o material vindo da Europa instalado, os

estatutos aprovados pelo Governo Imperial, iniciam-se, em 1877, as aulas da primeira escola

agrícola do Brasil, destinada a formar no curso elementar operários especializados para

trabalharem nas propriedades agro-açucareiras, disseminando entre os outros trabalhadores

uma técnica mais avançada e no curso superior uma nova elite técnica que liderasse as

transformações necessárias à recuperação da economia açucareira, difundindo conhecimentos

tecnológicos mais avançados.

O curso elementar, que conta com uma clientela composta de filhos de pequenos

lavradores, de órfãos de São Joaquim e de meninos abandonados da capital, tem a duração de

três anos e admite alunos entre doze e quinze anos, que estudam noções elementares de

aritmética, gramática, geografia, contabilidade, desenho linear e mecânico, ministrados por

um professor primário contratado pelo Instituto de Agricultura. Também aprendem catecismo

e música com o capelão e praticam trabalhos rurais, durante cinco horas por dia, nos campos.

Esta formação básica é garantida pela escola, que também fornece “alimentação, vestuário,

livros, instrumentos de botica”. O curso se inicia em março de 1877 com treze alunos - nove

filhos de lavradores e quatro orfãos de S. Joaquim - não preenchendo as vinte vagas iniciais.

A sua frequência é irregular e marcada por problemas disciplinares, fugas e evasões de

alunos. No relatório do Instituto transcrito na Fala de 1889, o Diretor informa que “da Eschola

teem sahido promptos 25 operários agrícolas : 4 em 1881; 2 em 1882; 2em 1883; 2 em 1884;

2em 1886; 3 em 1887; 3 em 1888”. Os diversos tipos de conflitos e os retornos pouco

compensadores demonstram que o propósito de se formar operários agrícolas como uma das

vias para modernizar a economia açucareira baiana não encontra receptividade no contexto do

recôncavo na segunda metade do XIX.

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A tentativa de modernização da agricultura através da formação de um operariado

agrícola, defronta-se também com a resistência das famílias que percebem que o

encaminhamento dos seus filhos para o trabalho nos engenhos, prejudica a renda familiar e

por isso, demonstram um total desinteresse pela escola porque “poucos são os pais que

renunciam ao trabalho de seus filhos mormente quando estes atingem a idade de 10 a 12 anos,

época em que já lhes podem prestar alguns serviços ou os retiram do curso antes que sejam

engajados na força de trabalho”.2 Frustada a tentativa transformar os filhos de pequenos

proprietários, de meeiros e de moradores nas grandes propriedades da região, em operários e

regentes agrícolas, habilitados, sábios e moralizados, que soubessem por “em movimento os

novos apparelhos de que a agricultura moderna se serve”,3 o curso elementar adquire um

aspecto de casa de “recuperação de menores”, com sua clientela reduzida a meninos

abandonados e é assim que se apresenta em 1896, ano que cessam as informações sobre a

formação do operariado, apesar de continuarem as informações relativas ao curso superior.

O curso superior forma várias turmas de engenheiros agrônomos no período de 1880,

ano da primeira formatura, a 1902 e sua clientela se compõe de alunos pensionistas e

gratuitos, que são selecionados pelos seguintes critérios: provar que não têm meios; pertencer

a famílias que exerçam a profissão de agricultura, ser orfão de pai e mãe, ser filho de viúva,

ser filho de funcionários púb1icos civis ou militares. Para serem admitidos, os alunos devem

ter completado dezesseis anos e mostrarem-se habilitados nas disciplinas: português, francês,

geografia, aritmética, álgebra, geometria, trigonometria. A escola oferece 20 vagas: 10 para

alunos pensionistas e 10 para gratuitos. Essas vagas são posteriormente ampliadas para 40 e à

medida que se agrava a situação financeira vai diminuindo o número de pensionistas. A

Mensagem do Governador de 1895 registra que, de 1880 até esta data, concluem o curso 148

alunos. Fraga (1976) refere-se a “cerca de trezentas teses” das quais foram localizados na

pesquisa cento e setenta e oito que estão reunidas em volumes de acordo com os temas:

Agricultura, Mecanização da Agricultura, Agrologia, Economia Política, Economia Rural,

Engenharia Rural, Química Agrícola. Mais do que indicar o número de formandos, essas teses

são fundamentais para o entendimento das idéias e projetos que perpassaram o curso superior,

dando uma visão mais abrangente do significado da atuação dessa escola agrícola.

Uma das condições para que o aluno concluinte da Escola Agrícola da Bahia receba o

grau de Engenheiro Agrônomo é a defesa de uma tese. Durante a existência do

2 Atas das Sessões da Diretoria – Relatório do Diretor da Escola Agrícola, 1886. 3 Mensagem do Governador, 1896.

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estabelecimento, vários acadêmicos sustentam teses sobre os mais variados assuntos, expondo

pontos de vista em relação aos problemas da economia baiana. A natureza desses discursos

reflete o posicionamento de uma geração, que analisa a realidade não mais empiricamente e

sim, através de uma base científica adquirida durante o aprendizado na Escola Agrícola. O

atraso da técnica, a falta de braços e de capitais, a ignorância e conservadorismo dos

lavradores, que são assuntos exaustivamente discutidos nas reuniões do Imperial Instituto, no

período anterior ao funcionamento da Escola Agrícola, são retomados sistematicamente em

quase todos os trabalhos elaborados por seus formandos. A retomada desses grandes temas,

entretanto, não significa uma mera repetição do que foi dito, defendido e combatido pelos

produtores de açúcar. Apesar de diferenças ideológicas mais amplas, que vão desde posições

conservadoras até defesas pouco consistentes de ideias socialistas, inclusive na abordagem de

assuntos controvertidos como a questão salarial, as vantagens da cultura intensiva e a

transformação do regime de propriedade da terra, existe nos discursos dos alunos formados

pela Escola Agrícola uma relativa unanimidade de pensamento expressa em críticas à

realidade brasileira particularmente do Recôncavo da Bahia.

Na luta pelo espaço profissional, seja o filho de representantes da economia

açucareira, seja um forasteiro vindo do Rio Grande do Sul, o acadêmico de agronomia

defende reivindicações fundamentadas no princípio do desenvolvimento da agricultura para a

prosperidade do Brasil; na defesa da agricultura como ciência que compreende uma parte

teórica e uma parte prática, a teoria sendo consequência da prática refletida; na necessidade da

valorização da profissão de Agrônomo e em críticas à valorização do “Bacharelismo” e do

“Funcionalismo”, frequentemente demonstrada pela elite brasileira. Em um país

essencialmente agrícola, os produtores de açúcar, por preconceito, menosprezam a profissão

de agrónomo escolhendo para os filhos, seus prováveis substitutos na gerência das fazendas,

carreiras de bacharéis e por temor de mudanças, reagem contra inovações tecnológicas e

impedem a formação de uma classe trabalhadora livre, competente e disciplinada.

Assim, os acadêmicos da Escola Agrícola, lutando também por um reconhecimento

profissional, propõem constantemente em suas teses a valorização da educação agrícola. O

círculo vicioso da ignorância dos lavradores de açúcar, de uma tecnologia atrasada e de uma

mão-de-obra despreparada deve ser quebrado pela disseminação de escolas, campos de

experimentação, comícios e fazendas modelos. No trabalho intitulado Ensino Agrícola, de

1890, Francisco Pires de Carvalho e Albuquerque, republicano e positivista, teoriza sobre a

importância da organização do ensino agrícola para o progresso da economia açucareira,

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sugerindo que o ensino elementar tome como exemplo o método criado por Henrique

Pestalozzi e que o ensino superior se submeta a algumas reformas, inclusive, com a mudança

da Escola Agrícola para um dos subúrbios da capital, porque a localização em S. Bento das

Lages, local monótono, sombrio e tristemente solitário é um dos obstáculos para o seu

funcionamento. Marçal Pereira Silva, autor da dissertação Instrução Agrícola no Brasil de

1887, também republicano e positivista, coloca a instrução agrícola como fator de ordem e

progresso e criticando a vadiagem da população rural do recôncavo defende a educação pela

força, através da criação de asilos agrícolas para corrigir maus costumes e formar uma mão-

de-obra ordeira e pacata. Em 1886 João Regis de Lima Valverde, no trabalho Classificação e

Escolha dos Instrumentos e Machinas Agrícolas, defendendo a necessidade de utilização de

máquinas na agricultura acredita que a instrução agrícola é a base para a transformação

porque só através dela a classe agrícola estaria apta a introduzir e utilizar os instrumentos

mais aperfeiçoados. Na dissertação Capital Rodante da Propriedade Agrícola, Christovão

Campos (1887) refere-se à difusão do ensino profissional, inclusive como maneira dos

agricultores aprenderem a racionalizar a aplicação dos capitais. Joaquim Pinto de Sá,

dissertando sobre as Qualidades e Disposições Inerentes ao Empreendedor de Indústria

Agrícola (1887), coloca que somente uma instrução racional e metódica transformaria o

agricultor em um bom empreendedor o que lhe permitiria conhecer a terra, os instrumentos

agrícolas, os processos e as épocas mais vantajosas de plantações e colheitas, o movimento

comercial e a contabilidade de uma fazenda. Nos trabalhos Resolução da Crise Agrícola pelo

Braço Nacional ( (1894) e Lavoira e Despovoamento dos Campos (1895), os acadêmicos José

Maria Neves e Alexandrino José de Santanna reivindicam escolas como forma de suprir a

falta de braços, reivindicação que também se expressa na dissertação de Abílio Moncorvo da

Silva intitulada A Rotina Permanente e a Falta de Braços na Agricultura Brasileira (1898)

quando sugere que o “Estado deve abrir escolas em todas as freguezias, cappelas, pequenos

povoados, especialmente escolas praticas especiaes de agricultura, para os orphãos e para os

ingenuos entregues ao Governo, que devem ser distribuídos pelos lugares habitados com

relativa egualdade...” Em 1900, Durval Gonçalves no seu Estudo Analítico da Agricultura

Brasileira, considera que a instrução agrícola, divulgada por escolas e associações agrícolas, é

a base da prosperidade da agricultura, afirmando que “apenas com escolas e mais escolas,

ensino e mais ensino, vigorará a divisão do trabalho, a rotina será banida como daninha e

haverá paz, progresso e prosperidade”.

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Apesar da diversidade de interesses, expressas nos títulos das dissertações, a

propagação da instrução agrícola como agente transformador de uma realidade sintetiza o

pensamento da nova elite técnica, formada pela escola, o que desvia o enfoque de outras

instâncias de análise. As constantes referências à falta de capitais, escassez de mão de obra e

atraso da técnica e da consciência de que para promover inovações o lavrador precisa de

recursos, não impedem que as tentativas de modernização efetivem-se apenas na área

educacional. Os acadêmicos tentam minimizar a ignorância da maioria dos lavradores, com

orientações técnicas sobre agricultura e pecuária e neste aspecto não trazem inovações

significativas. A publicação dessas dissertações, provavelmente divulgadas precariamente

como os volumes do Fazendeiro do Brasil, que no começo do século apodreceram nos

armazéns do governo e os exemplares do Manual do fabricante do assucar e do Lavrador

Pratico da Canna de Assucar publicados na década de 1850, repete o velho costume de

disseminação de informações com os mesmos resultados, pouco compensadores porque

praticamente não devem ter influído para a transformação da lavoura açucareira.

A tradição de se tentar resolver parte dos problemas através da disseminação de

informações e pela super valorização da educação, colocada como fator básico de

desenvolvimento, permite empreendimentos como o Instituto de Agricultura e a Escola

Agrícola, criados em um contexto no qual referências à necessidade da educação agrícola

como meio de resolver problemas da agricultura aparecem constantemente nos discursos dos

setores mais progressistas da sociedade baiana, da segunda metade do século XIX, para

quem a disseminação de teorias e práticas avançadas transformaria lavradores ignorantes em

produtores aptos a dirigirem suas fazendas e a criação de escolas, asilos e penitenciárias

permitiria o engajamento, como mão-de-obra disciplinada e responsável, da população rural

livre que no recôncavo reage firmemente a um trabalho sistemático.

A escola, construída em S. Bento das Lages, às margens de um braço de mar em um

local de difícil acesso, reflete as expectativas, os equívocos e provavelmente a megalomania

desses discursos. É uma escola de proporções majestosas composta de: um edifício destinado

à moradia e atividades pedagógicas dos alunos; casas dos professores; uma área externa

destinada aos trabalhos práticos na qual estão os campos de ensaio, o curral, a estrebaria e os

cercados. O edifício dividido em dois andares, "com 190 palmos em quadro, com duzentos e

cinqüenta e duas janelas e portas e quatro portões”, compõe-se de salões, salas de aulas,

dormitórios, banheiros, cozinha, capela, museus: de história natural com 3.462 exemplares de

anatomia – asteologia, paleontologia, esqueletos, imitações em gesso, pneumatologia,

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neurologia, mamíferos, aves, galináceos, pernaltas, peixes, crustáceos, moluscos; de física

com 170 instrumentos; de química com vasilhames, produtos químicos e 372 objetos para as

manipulações. A biblioteca possui 1517 obras em 3813 volumes de ciência, artes e indústria

que se relacionam com a agricultura. Para os trabalhos nos campos de ensaio, a Escola dispõe

de instrumentos e máquinas modernas comprados, em 1871, na Europa.

Todo esse aparato físico técnico/pedagógico, entretanto, não garante um

funcionamento satisfatório. Um dos obstáculos enfrentados é a carência de pessoal

qualificado. A Escola deveria funcionar, com recursos humanos formados por um diretor,

professores em numero suficiente para ministrar todas as disciplinas do currículo, condutores

de trabalhos do campo e um professor para o curso elementar, todavia, principalmente no que

diz respeito ao pessoal da área pedagógica, o funcionamento da escola é caracterizado pelo

número insuficiente de profissionais que possam suprir as necessidades do estabelecimento.

Diante de um currículo pretensioso que inclui mais disciplinas do que a das escolas européias

e que exige um corpo docente quantitativamente suficiente e qualitativamente capacitado, a

Escola Agrícola conta apenas em seus melhores momentos com sete professores, alguns

nomeados provisoriamente esperando a realização de concursos. A escola enfrenta ainda

sérios problemas de disciplina. Os alunos do curso elementar reagem ao esquema disciplinar

fugindo da escola e os do curso superior cometem atos de indisciplina em São Bento das

Lages e provocam arruaças na Vila de são Francisco do Conde, local onde passam seus

momentos de lazer e onde acontece o assassinato de um aluno como está registrado na

comunicação de 30/11/1889 do Diretor da Escola à Diretoria do Instituto de Agricultura.

O clima de otimismo no qual se realiza a inauguração da Escola, em 15 de fevereiro de

1877, vai se modificando à medida em que aparecem os conflitos e as contradições se

aguçam. Surgem críticas em relação à qualidade do seu ensino, à validade de seu

funcionamento, ao seu currículo que privilegia a formação teórica em detrimento da prática, à

sua localização e à competência dos professores, da direção da escola e da diretoria do

Instituto de Agricultura. Dois anos depois da inauguração, o seu diretor, deputado Arthur

Rios, ocupa a tribuna da Assembléia Provincial para refutar às acusações feitas pelo

Presidente da Província que na Fala de 1979 critica o presidente do Instituto, o Visconde de

Sergimirim, o diretor e a congregação de professores que considera “uma diretoria

incompetente e sem habilitações, vivendo amigavelmente na mais santa paz numa

congregação de família”. A Escola Agrícola, apesar de pertencer a uma entidade particular,

vive exclusivamente dos cofres públicos e não corresponde ao objetivo inicial de formar

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técnicos especializados, pois o reduzido número de alunos não compensa o investimento feito

pela Província. Em 1893 outro diretor, Arlindo Fragoso, escreve artigos no Jornal de Notícias,

defendendo a escola de acusações semelhantes mas já sugerindo um programa de reformas,

entre elas, a do currículo e a sua transferência de S. Bento das Lages para Salvador.

As propostas iniciais da Escola Agrícola de formar uma mão-de-obra a nível de

regentes agrícolas que disseminasse os conhecimentos adquiridos entre outros trabalhadores e

de preparar uma elite técnica que orientasse as transformações tecnológicas na agro-indústria

do açúcar não atingem os resultados esperados. O número de operários formados pela escola

não é significativo e a atuação como regentes agrícolas provavelmente não é exercida de

maneira expressiva. Quanto ao curso superior, na Fala de 1889, se tem notícias do destino

profissional de cinquenta e quatro engenheiros agrônomos formados no período de 1880 a

1888. Como a maioria diversifica suas atividades – jornalismo, magistério, telegrafia,

trabalhos em empresas - e apenas vinte e cinco se dedicam à lavoura em diversas localidades

da Bahia e em outras províncias e apenas dois são aproveitados no estabelecimento, apesar

da Escola estar em permanente crise de professores, pode-se deduzir que o número dos

egressos que se envolvem na dinâmica da sociedade açucareira é praticamente inexpressivo.

Apesar da ausência de dados sobre egressos dos anos posteriores, provavelmente, a tendência

é manter essa inexpressividade.

Concluindo, os vinte cinco anos de vida da Eschola Agrícola da Bahia são marcados

por um funcionamento precário e problemático com carências de recursos e professores o que

provoca discussões sobre a validade de sua criação e de seu currículo, considerado muito

teórico e pouco prático; a sua transferência para um local de mais fácil acesso; a possibilidade

de passar o seu controle para o Estado. Apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas ao longo

de seus quarenta e cinco anos de existência, que arrefecem a euforia inicial e esvaziam a

frequência de suas reuniões, o Imperial Instituto Bahiano de Agricultura, constrói em pleno

massapê do recôncavo baiano uma escola superior de agronomia, a Eschola Agrícola da

Bahia que passa ao controle do Estado em 1904 e em 1905 reorganiza-se com o nome de

Instituto Agrícola da Bahia. Em 1911, o Governo Federal se responsabiliza pela sua

administração e a transforma na Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária que

continua em S.Bento das Lages até 1930, quando é transferida para Salvador e em 1943 para a

cidade de Cruz das Almas, onde funciona atualmente a Faculdade de Agronomia da

Universidade Federal da Bahia.

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BIBLIOGRAFIA:

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