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187 Neo, pós ou anticlassicismo: a forma romântica de olhar para a antiguidade grega O que nos faz pensar nº24, outubro de 2008 Cada época de uma civilização cria uma arte que lhe é própria e que jamais se verá renascer. Tentar revivificar os princípios artísticos de séculos passados só pode levar à produção de obras natimortas. Assim como é impossível fazer reviver em nós o espírito e as maneiras de sentir dos antigos gregos, também os esforços tentados para aplicar seus princípios (…) só levarão à criação de formas seme- lhantes às formas gregas. A obra assim produzida será sem alma para sempre. Wassily Kandinsky Resumo Este artigo estuda a renovação que os primeiros românticos fizeram na leitura da antiguidade, apresentando sua posição singular na querela entre antigos e moder- nos. Esta posição consistiu na forma histórica de olhar o classicismo grego como fonte de inspiração, ao invés de endossá-lo como modelo eterno a ser copiado. Palavras-chave: romantismo . classicismo . modernidade . antiguidade . história Abstract This article examines the renewal that the first romantics made in the interpretation of antiquity, presenting their unique position in the quarrel between ancients and Pedro Duarte de Andrade * Neo, pós ou anticlassicismo: a forma romântica de olhar para a antiguidade grega * Doutorando em Filosofia na PUC-Rio. Professor da Pós-Graduação Lato Sensu, especialização em Arte e Filosofia, da PUC-Rio. Professor Substituto de Filosofia do IFCS/UFRJ. Wassily Kandinsky, Do espiritual na arte, (São Paulo, Martins Fontes, 996), p. 27.

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antiguidade grega

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  • 187Neo, ps ou anticlassicismo: a forma romntica de olhar para a antiguidade grega

    O que nos faz pensar n24, outubro de 2008

    Cada poca de uma civilizao cria uma arte que lhe prpria e que jamais se ver renascer. Tentar revivificar os princpios artsticos de sculos passados s

    pode levar produo de obras natimortas. Assim como impossvel fazer reviver em ns o esprito e as maneiras de sentir dos antigos gregos, tambm os esforos tentados para aplicar seus princpios () s levaro criao de formas seme-lhantes s formas gregas. A obra assim produzida ser sem alma para sempre.

    Wassily Kandinsky

    Resumo

    Este artigo estuda a renovao que os primeiros romnticos fizeram na leitura da antiguidade, apresentando sua posio singular na querela entre antigos e moder-nos. Esta posio consistiu na forma histrica de olhar o classicismo grego como fonte de inspirao, ao invs de endoss-lo como modelo eterno a ser copiado.

    Palavras-chave: romantismo . classicismo . modernidade . antiguidade . histria

    Abstract

    This article examines the renewal that the first romantics made in the interpretation of antiquity, presenting their unique position in the quarrel between ancients and

    WassilyKandinsky,Do espiritual na arte,(SoPaulo,MartinsFontes,996),p.27.

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    Neo, ps ou anticlassicismo: a forma romntica de olhar para a antiguidade grega

    * Doutorando em Filosofia na PUC-Rio. Professor da Ps-Graduao Lato Sensu, especializao em Arte e Filosofia, da PUC-Rio. Professor Substituto de Filosofia do IFCS/UFRJ.Wassily Kandinsky, Do espiritual na arte, (So Paulo, Martins Fontes, 996), p. 27.

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    alm de apolneos, tambm dionisacos. Mas esta outra histria, qual vol-taremos depois.

    Na realidade, o maior problema de opor o romantismo ao classicismo que, assim, no se consegue explicar como os gregos permaneceram centrais para o pensamento romntico, saudados como a fonte original para qual a cultura devia voltar os olhos. No por acaso, no que diz respeito ao cunho classicista da maturidade de Schiller e Goethe vivida na cidade de Weimar, existem mais convergncias com seus contemporneos romnticos situados em Iena do que discordncias: os paralelos entre os dois grupos de autores, classicistas e romnticos, parecem bvios2. Tanto que comum acusar os romnticos de nostlgicos3 ou de estarem sob a tirania da cultura grega4, o que, a rigor, no o caso. verdade, contudo, que os primeiros romnticos buscavam, nas palavras de Friedrich Schlegel, a perspectiva de um classicis-mo crescendo sem limites5.

    *

    No possvel compreender a profundidade da relao dos romnticos com o classicismo apenas no nvel descritivo. No adianta listar elementos que caracterizariam um e outro lado, sem refletir sobre o fundo filosfico que os explica. Este fundo diz respeito ao problema da histria, resumido por Goe-the ao afirmar que fazemos a experincia do que est ausente, qual perten-ce a experincia do passado, atravs de uma autoridade alheia; a experincia do que est presente deveramos fazer por autoridade prpria6. Porm, essa dialtica histrica, de acordo com ele, no feliz: a natureza do indivduo completamente insuficiente para fazer ao mesmo tempo as duas coisas como convm7.

    No caso em questo, a autoridade do passado a antiguidade, e o pro-blema , como disse Hlderlin, o ponto de vista segundo o qual devemos encarar a antiguidade.

    Ernst Behler, German Romantic Literary Theory (Cambridge, Cambridge University Press, 993), p. 2.Jacques Taminiaux, La nostalgie de la Grce lAube de lIdealisme Allemand (Haia, Martinus Ni-jhoff, 967).E. M. Butler, Tyranny of Greece over Germany (Boston, Beaon Press, 935).Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (So Paulo, Iluminuras, 997), p. 64 (Athenum, Frag-mento 6).J. W. Goethe, Mximas e reflexes (Rio de Janeiro, Forense Universitria, 2003), p. 3.Ibidem, p. 3.

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    189Neo, ps ou anticlassicismo: a forma romntica de olhar para a antiguidade grega

    moderns. This position consisted in a historical way of looking at Greek classicism as a source of inspiration, rather than endorsing it as a timeless model to be emu-lated.

    Keywords: romanticism . classicism . modernity . antiquity . history

    De que modo podemos nos relacionar com o passado? Essa pergunta ganha fora sempre que a organizao da tradio no d conta dos desafios do presente. Tematizar, conscientemente, a forma pela qual estamos situados na histria , nessa medida, j o sinal de que no pertencemos a ela de modo na-tural. Nesse sentido, o nascimento daquilo que chamamos de modernidade, os novos tempos, ocorre simultaneamente ao nascimento da antiguidade, j que esta, antes daquela, no podia ser exatamente antiga. Noutras palavras: o que torna antiga a antiguidade a modernidade, que, ao mesmo tempo, s moderna pois coloca outro tempo como distinto de si mesma.

    Em seu alvorecer, a questo da conscincia histrica veio tona, em espe-cial, no enfrentamento do passado clssico, paulatinamente problematizado. Seria o presente neo, ps ou anticlssico? No sentido meramente cronolgico, claro que o simples fato de se colocar em questo a relao com o classicis-mo significa que se trata do contexto do ps-classicismo. Mas resta saber se o ps pretende ser neo ou anticlssico diante do passado. Foi essa dualidade que balizou a famosa querela de antigos e modernos.

    Entretanto, se s aps o classicismo aparece a pergunta sobre como se relacionar com ele, mesmo quando os franceses, seguindo os renascentistas italianos, propem, no sculo XVII, o neoclassicismo, j reconhecem estarem fora do classicismo original. So neo. Podem desejar manterem-se fiis tradio greco-romana, mas s por se tratar de um desejo, e no de uma cer-teza dada, j esto fora daquele pertencimento original. Nesse sentido espec-fico, so modernos, a despeito de poderem querer ser antigos.

    Foi comum, de outro lado, encarar os romnticos, no sculo XVIII, como se fossem o anticlassicismo, por conta de sua reabilitao da Idade Mdia bem como de diversas culturas orientais e, sobretudo, de sua aparente oposio aos valores clssicos. Fazendo o elogio do exagero e no da conteno, do subjetivo e no do objetivo, do caos e no da ordem, do extravasar e no da sobriedade, da transgresso e no da manuteno, da noite e no do dia, os romnticos teriam aberto guerra ao clima apolneo da cultura grega. Na ver-dade, eles j estavam, antes de Nietzsche, descobrindo que os gregos eram,

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    alm de apolneos, tambm dionisacos. Mas esta outra histria, qual vol-taremos depois.

    Na realidade, o maior problema de opor o romantismo ao classicismo que, assim, no se consegue explicar como os gregos permaneceram centrais para o pensamento romntico, saudados como a fonte original para qual a cultura devia voltar os olhos. No por acaso, no que diz respeito ao cunho classicista da maturidade de Schiller e Goethe vivida na cidade de Weimar, existem mais convergncias com seus contemporneos romnticos situados em Iena do que discordncias: os paralelos entre os dois grupos de autores, classicistas e romnticos, parecem bvios2. Tanto que comum acusar os romnticos de nostlgicos3 ou de estarem sob a tirania da cultura grega4, o que, a rigor, no o caso. verdade, contudo, que os primeiros romnticos buscavam, nas palavras de Friedrich Schlegel, a perspectiva de um classicis-mo crescendo sem limites5.

    *

    No possvel compreender a profundidade da relao dos romnticos com o classicismo apenas no nvel descritivo. No adianta listar elementos que caracterizariam um e outro lado, sem refletir sobre o fundo filosfico que os explica. Este fundo diz respeito ao problema da histria, resumido por Goe-the ao afirmar que fazemos a experincia do que est ausente, qual perten-ce a experincia do passado, atravs de uma autoridade alheia; a experincia do que est presente deveramos fazer por autoridade prpria6. Porm, essa dialtica histrica, de acordo com ele, no feliz: a natureza do indivduo completamente insuficiente para fazer ao mesmo tempo as duas coisas como convm7.

    No caso em questo, a autoridade do passado a antiguidade, e o pro-blema , como disse Hlderlin, o ponto de vista segundo o qual devemos encarar a antiguidade.

    Ernst Behler, German Romantic Literary Theory (Cambridge, Cambridge University Press, 993), p. 2.Jacques Taminiaux, La nostalgie de la Grce lAube de lIdealisme Allemand (Haia, Martinus Ni-jhoff, 967).E. M. Butler, Tyranny of Greece over Germany (Boston, Beaon Press, 935).Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (So Paulo, Iluminuras, 997), p. 64 (Athenum, Frag-mento 6).J. W. Goethe, Mximas e reflexes (Rio de Janeiro, Forense Universitria, 2003), p. 3.Ibidem, p. 3.

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    189Neo, ps ou anticlassicismo: a forma romntica de olhar para a antiguidade grega

    moderns. This position consisted in a historical way of looking at Greek classicism as a source of inspiration, rather than endorsing it as a timeless model to be emu-lated.

    Keywords: romanticism . classicism . modernity . antiquity . history

    De que modo podemos nos relacionar com o passado? Essa pergunta ganha fora sempre que a organizao da tradio no d conta dos desafios do presente. Tematizar, conscientemente, a forma pela qual estamos situados na histria , nessa medida, j o sinal de que no pertencemos a ela de modo na-tural. Nesse sentido, o nascimento daquilo que chamamos de modernidade, os novos tempos, ocorre simultaneamente ao nascimento da antiguidade, j que esta, antes daquela, no podia ser exatamente antiga. Noutras palavras: o que torna antiga a antiguidade a modernidade, que, ao mesmo tempo, s moderna pois coloca outro tempo como distinto de si mesma.

    Em seu alvorecer, a questo da conscincia histrica veio tona, em espe-cial, no enfrentamento do passado clssico, paulatinamente problematizado. Seria o presente neo, ps ou anticlssico? No sentido meramente cronolgico, claro que o simples fato de se colocar em questo a relao com o classicis-mo significa que se trata do contexto do ps-classicismo. Mas resta saber se o ps pretende ser neo ou anticlssico diante do passado. Foi essa dualidade que balizou a famosa querela de antigos e modernos.

    Entretanto, se s aps o classicismo aparece a pergunta sobre como se relacionar com ele, mesmo quando os franceses, seguindo os renascentistas italianos, propem, no sculo XVII, o neoclassicismo, j reconhecem estarem fora do classicismo original. So neo. Podem desejar manterem-se fiis tradio greco-romana, mas s por se tratar de um desejo, e no de uma cer-teza dada, j esto fora daquele pertencimento original. Nesse sentido espec-fico, so modernos, a despeito de poderem querer ser antigos.

    Foi comum, de outro lado, encarar os romnticos, no sculo XVIII, como se fossem o anticlassicismo, por conta de sua reabilitao da Idade Mdia bem como de diversas culturas orientais e, sobretudo, de sua aparente oposio aos valores clssicos. Fazendo o elogio do exagero e no da conteno, do subjetivo e no do objetivo, do caos e no da ordem, do extravasar e no da sobriedade, da transgresso e no da manuteno, da noite e no do dia, os romnticos teriam aberto guerra ao clima apolneo da cultura grega. Na ver-dade, eles j estavam, antes de Nietzsche, descobrindo que os gregos eram,

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    Entretanto, nada disso fez com que os romnticos embarcassem na busca de fazer renascer a cultura grega. No se tratava de voltar aos gregos, mas de voltar os olhos para eles. a que as coisas comeam a se complicar, ao mesmo tempo que ficam interessantes. Embora admirassem a arte grega, os romnticos no foram soterrados pela antiguidade, graas pioneira impor-tncia que concederam histria. Segundo Friedrich Schlegel, a cincia da arte sua histria. Esta perspiccia histrica impediu que os romnticos, mesmo venerando os gregos, os colocassem como modelo fora do tempo a ser copiado.

    Se o elogio antiguidade no deixa conceber o romantismo como anti-classicismo, o sentido histrico os coloca longe do neoclassicismo. Nenhuma recriao da cultura grega, para eles, seria possvel ou mesmo recomendvel, j que roubaria, de antemo, a possibilidade do simples nascimento da cultu-ra moderna, ainda que ela deva ser considerada atravs da referncia anti-guidade. nesta fronteira entre a identidade e a diferena com a antiguidade clssica que se constri o pensamento romntico alemo.

    *

    No pr-romantismo, a discusso entre modernos e antigos j estava posta. Herder, lder do movimento, declarara: mais que ao grego, sinto-me prxi-mo de Shakespeare2. Shakespeare, nesta altura, era sinnimo de moderno, j que sua obra tornara-se grande ao se libertar das regras clssicas. Em torno dele, os pr-romnticos juntavam-se para afirmar a criao artstica original do presente, enfrentando a maldio de ser-nos difcil pensar como os anti-gos, uma vez que se deseja apanhar o pensamento sem expresso3.

    Buscando regras antigas para realizar artisticamente a modernidade, por confiar serem elas universais e atemporais, esquece-se que, por mais elevadas que sejam, foram criadas numa poca especfica, a ela pertencendo. Seria preciso, assim, achar a forma originalmente moderna para tratar dos temas originalmente modernos, longe do palavrrio esttico no qual o pensamento tratado em separado da expresso4.

    Ibidem, p. 35.J. G. Herder, Shakespeare, in Autores pr-romnticos alemes (So Paulo, EPU, 99), p. 50.J. G. Herder, Da terceira coleo de fragmentos, in Autores pr-romnticos alemes (So Paulo, EPU, 99), p. 3.Ibidem, p. 3.

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    Sonhamos com formao, piedade, etc., mas no possumos nenhu-ma. So apenas pretenso sonhamos com originalidade e autono-mia, acreditamos enunciar o novo em alto e bom tom, mas tudo isso no passa de reao, de uma espcie de vingana suave contra a escra-vido que norteia o nosso relacionamento com a antiguidade. Parece que, realmente, quase no se oferece uma outra escolha seno deixar-se soterrar pelo j assumido, pelo positivo ou, com a mais violenta soberba, contrapor a vida de nossas foras a tudo o que foi dado, aprendido, a todo o positivo.8

    Sonhamos com a construo da cultura prpria do nosso tempo, com nossa formao. Desejamos autonomia, ou seja, dar a ns a nossa prpria lei, de nossa poca, ao invs de tom-la emprestada. Porm, esta pretenso esbarra na solidez do j assumido, da positividade do dado, que eclipsa a abertura da negatividade daquilo que ainda no . Mesmo buscando o novo, os modernos so dominados pela reao, tornando-se, ainda, escravos da an-tiguidade que querem negar, pois no esforo despedaante de venc-la, aca-bam por mant-la como o ponto de orientao contrastante para o presente.

    Eis a bifurcao histrica em que estava a modernidade: afirmar o presen-te sobre o passado ou deix-lo a ele subordinado, contrapor com violenta soberba a fora do atual a tudo o que foi feito ou deixar-se soterrar pelo que j est formado? Este tudo ou nada foi recusado pelos primeiros pensadores romnticos, como Hlderlin. Friedrich Schlegel, por exemplo, dilua a oposi-o do romantismo moderno, no qual estaria includo, antiguidade clssica, ao afirmar que somente quando forem encontrados o ponto de vista e as condies da identidade absoluta que existiu, existe ou existir entre antigo e moderno, se poder dizer que ao menos o contorno da cincia est pronto9.

    Logo, no estranho que abundem, no romantismo, elogios aos gregos. Tanto que, ao formularem algum cnone, os romnticos concedem a eles o primeiro posto. Falando sobre pocas da arte potica, por exemplo, louvam Homero. Na planta homrica vemos tambm o surgimento de toda poesia; mas as razes se subtraem ao olhar, e as flores e os ramos da planta brotam inconcebivelmente belos da noite da antiguidade0. Passagens como essa fi-zeram Schiller acusar os romnticos at de grecomania.

    F. Hlderlin, Reflexes (Rio de Janeiro: Relume Dumar, 994), p. 2.Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (So Paulo, Iluminuras, 997), p. 7 (Athenum, Frag-mento 49).Friedrich Schlegel, Conversa sobre a poesia (So Paulo, Iluminuras, 994), p. 35.

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    Entretanto, nada disso fez com que os romnticos embarcassem na busca de fazer renascer a cultura grega. No se tratava de voltar aos gregos, mas de voltar os olhos para eles. a que as coisas comeam a se complicar, ao mesmo tempo que ficam interessantes. Embora admirassem a arte grega, os romnticos no foram soterrados pela antiguidade, graas pioneira impor-tncia que concederam histria. Segundo Friedrich Schlegel, a cincia da arte sua histria. Esta perspiccia histrica impediu que os romnticos, mesmo venerando os gregos, os colocassem como modelo fora do tempo a ser copiado.

    Se o elogio antiguidade no deixa conceber o romantismo como anti-classicismo, o sentido histrico os coloca longe do neoclassicismo. Nenhuma recriao da cultura grega, para eles, seria possvel ou mesmo recomendvel, j que roubaria, de antemo, a possibilidade do simples nascimento da cultu-ra moderna, ainda que ela deva ser considerada atravs da referncia anti-guidade. nesta fronteira entre a identidade e a diferena com a antiguidade clssica que se constri o pensamento romntico alemo.

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    No pr-romantismo, a discusso entre modernos e antigos j estava posta. Herder, lder do movimento, declarara: mais que ao grego, sinto-me prxi-mo de Shakespeare2. Shakespeare, nesta altura, era sinnimo de moderno, j que sua obra tornara-se grande ao se libertar das regras clssicas. Em torno dele, os pr-romnticos juntavam-se para afirmar a criao artstica original do presente, enfrentando a maldio de ser-nos difcil pensar como os anti-gos, uma vez que se deseja apanhar o pensamento sem expresso3.

    Buscando regras antigas para realizar artisticamente a modernidade, por confiar serem elas universais e atemporais, esquece-se que, por mais elevadas que sejam, foram criadas numa poca especfica, a ela pertencendo. Seria preciso, assim, achar a forma originalmente moderna para tratar dos temas originalmente modernos, longe do palavrrio esttico no qual o pensamento tratado em separado da expresso4.

    Ibidem, p. 35.J. G. Herder, Shakespeare, in Autores pr-romnticos alemes (So Paulo, EPU, 99), p. 50.J. G. Herder, Da terceira coleo de fragmentos, in Autores pr-romnticos alemes (So Paulo, EPU, 99), p. 3.Ibidem, p. 3.

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    Sonhamos com formao, piedade, etc., mas no possumos nenhu-ma. So apenas pretenso sonhamos com originalidade e autono-mia, acreditamos enunciar o novo em alto e bom tom, mas tudo isso no passa de reao, de uma espcie de vingana suave contra a escra-vido que norteia o nosso relacionamento com a antiguidade. Parece que, realmente, quase no se oferece uma outra escolha seno deixar-se soterrar pelo j assumido, pelo positivo ou, com a mais violenta soberba, contrapor a vida de nossas foras a tudo o que foi dado, aprendido, a todo o positivo.8

    Sonhamos com a construo da cultura prpria do nosso tempo, com nossa formao. Desejamos autonomia, ou seja, dar a ns a nossa prpria lei, de nossa poca, ao invs de tom-la emprestada. Porm, esta pretenso esbarra na solidez do j assumido, da positividade do dado, que eclipsa a abertura da negatividade daquilo que ainda no . Mesmo buscando o novo, os modernos so dominados pela reao, tornando-se, ainda, escravos da an-tiguidade que querem negar, pois no esforo despedaante de venc-la, aca-bam por mant-la como o ponto de orientao contrastante para o presente.

    Eis a bifurcao histrica em que estava a modernidade: afirmar o presen-te sobre o passado ou deix-lo a ele subordinado, contrapor com violenta soberba a fora do atual a tudo o que foi feito ou deixar-se soterrar pelo que j est formado? Este tudo ou nada foi recusado pelos primeiros pensadores romnticos, como Hlderlin. Friedrich Schlegel, por exemplo, dilua a oposi-o do romantismo moderno, no qual estaria includo, antiguidade clssica, ao afirmar que somente quando forem encontrados o ponto de vista e as condies da identidade absoluta que existiu, existe ou existir entre antigo e moderno, se poder dizer que ao menos o contorno da cincia est pronto9.

    Logo, no estranho que abundem, no romantismo, elogios aos gregos. Tanto que, ao formularem algum cnone, os romnticos concedem a eles o primeiro posto. Falando sobre pocas da arte potica, por exemplo, louvam Homero. Na planta homrica vemos tambm o surgimento de toda poesia; mas as razes se subtraem ao olhar, e as flores e os ramos da planta brotam inconcebivelmente belos da noite da antiguidade0. Passagens como essa fi-zeram Schiller acusar os romnticos at de grecomania.

    F. Hlderlin, Reflexes (Rio de Janeiro: Relume Dumar, 994), p. 2.Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (So Paulo, Iluminuras, 997), p. 7 (Athenum, Frag-mento 49).Friedrich Schlegel, Conversa sobre a poesia (So Paulo, Iluminuras, 994), p. 35.

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    submet-la ao crivo da histria. J em 794, Friedrich Schlegel expunha esses dois lados da questo, em seu ensaio Sobre o estudo da poesia grega.

    No faltam, neste texto, louvores antiguidade, na qual poderamos fruir a pura beleza ou encontrar a perfeio despretensiosa8. Segundo Schlegel, a poesia grega verdadeiramente atingiu o limite ltimo da formao natural da arte e do gosto, o mais alto cume da livre beleza9. Muitas vezes, esses comentrios resvalam mesmo na sensao de superioridade dos antigos sobre os modernos, carentes da firme solidez cultural grega.

    Este estado chamado de poca de ouro20, escreve Schlegel. Porm, o curioso que ele segue afirmando que o prazer que as obras da poca de ouro grega proporcionam admite, certamente, acrscimo2. De que modo obras perfeitas poderiam sofrer ampliao ou aumento? Poucos anos depois, junto do irmo August Schlegel, Friedrich descartaria os gregos como poca de ouro da cultura. Eles falam, ento, da imagem enganosa de uma poca de ouro passada, porque, dizem, se houve a poca de ouro, no foi exatamente dourada, afinal, ouro no pode enferrujar ou ser corrodo22. Entra em jogo, aqui, a questo da histria. Se fosse de ouro, a poca escaparia do tempo, pois o ouro, seguindo a metfora, no corri, ficando a salvo do movimento da histria. Sabemos, porm, que no assim. Logo, se no mais somos clssi-cos, os prprios clssicos no so de ouro.

    Essa perspectiva, exposta durante o perodo do primeiro grupo romntico fixado em Iena no ano de 799, j aparecia, mesmo que mais tmida, no texto de Friedrich Schlegel de 794. Seu ttulo j sintomtico desta tomada de sentido histrico face antiguidade: Sobre o estudo da poesia grega. Embora sua redao sugira a inclinao clssica do autor, favorvel arte grega, sua abordagem parte da situao moderna e espera contribuir para o seu apri-moramento. No toa que o texto abre com as seguintes palavras: bvio que a poesia moderna ou ainda no alcanou o objetivo em direo ao qual se esfora, ou que seu esforo no possui objetivo estabelecido, sua formao

    Friedrich Schlegel, ber das Studium der griechischen Poesie, in Kritische Schriften (Mnchen, Carl Hanser Verlag, 970), p. 84 (298).Ibidem, p. 75 (287).Ibidem, p. 75 (287).Ibidem, p. 75 (287).August Schlegel, in Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (So Paulo, Iluminuras, 997), p. 90 (Athenum, Fragmento 243).

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    Herder, severo crtico do Iluminismo, contestava que a natureza huma-na era fundamentalmente a mesma em todos os tempos e lugares. Ele no era nacionalista; supunha que diferentes culturas podiam e deviam florescer proveitosamente lado a lado como tantas flores pacficas no grande jardim humano, atacando s os cosmopolitismo e universalismo ocos5, notou Isaiah Berlin. Para ele, cada cultura possua seu prprio centro de gravidade, logo, a modernidade no poderia girar em torno do centro antigo.

    Nas palavras de Friedrich Schlegel, que compartilha o mesmo problema de Herder mas no sua soluo, trata-se da estranha predileo que poetas modernos tm pela terminologia grega para designar seus produtos6. Por conta disso, os pr-romnticos voltaram-se, muitas vezes, para tradies lo-cais, buscando a inspirao para a produo de uma arte original. Para Herder, por exemplo, o poeta que queira reinar sobre a expresso dever permanecer fiel sua terra; nela poder plantar palavras poderosas, pois que conhece o pas; aqui poder colher flores, pois que a terra lhe pertence, de onde conclui que a disposio verdadeira s se estampa na lngua materna7.

    Essa aproximao metafrica entre a explorao da linguagem na escrita e a explorao do pas na geografia, to cara retrica pr-romntica, tinha por objetivo apontar outro ponto de referncia para a poesia que no os antigos gregos, bem como outras tradies formuladas no universal, mas localmen-te. Da que muitos contos ficcionais do romantismo alemo sejam incurses mgicas ou fantsticas no folclore.

    *

    No caso dos primeiros romnticos, a antiguidade grega no foi renegada como, s vezes, o fizeram os pr-romnticos. verdade que eles abriram o leque de influncias e fontes para a criao moderna, desvendando alternati-vas tradio greco-romana. Mas no a abandonaram. Pelo contrrio, como vimos, os primeiros romnticos tinham em alta conta a antiguidade e jamais deixariam para trs sua riqueza potica. Tampouco, contudo, deixariam de

    Isaiah Berlin, O Contra-Iluminismo, in Ensaios sobre a humanidade (So Paulo, Companhia das Letras, 2002), p. 273, p. 284.Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (So Paulo, Iluminuras, 997), p. 27 (Athenum, Frag-mento 45).J. G. Herder, Da terceira coleo de fragmentos, in Autores pr-romnticos alemes (So Paulo, EPU, 99), p. 33.

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    submet-la ao crivo da histria. J em 794, Friedrich Schlegel expunha esses dois lados da questo, em seu ensaio Sobre o estudo da poesia grega.

    No faltam, neste texto, louvores antiguidade, na qual poderamos fruir a pura beleza ou encontrar a perfeio despretensiosa8. Segundo Schlegel, a poesia grega verdadeiramente atingiu o limite ltimo da formao natural da arte e do gosto, o mais alto cume da livre beleza9. Muitas vezes, esses comentrios resvalam mesmo na sensao de superioridade dos antigos sobre os modernos, carentes da firme solidez cultural grega.

    Este estado chamado de poca de ouro20, escreve Schlegel. Porm, o curioso que ele segue afirmando que o prazer que as obras da poca de ouro grega proporcionam admite, certamente, acrscimo2. De que modo obras perfeitas poderiam sofrer ampliao ou aumento? Poucos anos depois, junto do irmo August Schlegel, Friedrich descartaria os gregos como poca de ouro da cultura. Eles falam, ento, da imagem enganosa de uma poca de ouro passada, porque, dizem, se houve a poca de ouro, no foi exatamente dourada, afinal, ouro no pode enferrujar ou ser corrodo22. Entra em jogo, aqui, a questo da histria. Se fosse de ouro, a poca escaparia do tempo, pois o ouro, seguindo a metfora, no corri, ficando a salvo do movimento da histria. Sabemos, porm, que no assim. Logo, se no mais somos clssi-cos, os prprios clssicos no so de ouro.

    Essa perspectiva, exposta durante o perodo do primeiro grupo romntico fixado em Iena no ano de 799, j aparecia, mesmo que mais tmida, no texto de Friedrich Schlegel de 794. Seu ttulo j sintomtico desta tomada de sentido histrico face antiguidade: Sobre o estudo da poesia grega. Embora sua redao sugira a inclinao clssica do autor, favorvel arte grega, sua abordagem parte da situao moderna e espera contribuir para o seu apri-moramento. No toa que o texto abre com as seguintes palavras: bvio que a poesia moderna ou ainda no alcanou o objetivo em direo ao qual se esfora, ou que seu esforo no possui objetivo estabelecido, sua formao

    Friedrich Schlegel, ber das Studium der griechischen Poesie, in Kritische Schriften (Mnchen, Carl Hanser Verlag, 970), p. 84 (298).Ibidem, p. 75 (287).Ibidem, p. 75 (287).Ibidem, p. 75 (287).August Schlegel, in Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (So Paulo, Iluminuras, 997), p. 90 (Athenum, Fragmento 243).

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    193Neo, ps ou anticlassicismo: a forma romntica de olhar para a antiguidade grega

    Herder, severo crtico do Iluminismo, contestava que a natureza huma-na era fundamentalmente a mesma em todos os tempos e lugares. Ele no era nacionalista; supunha que diferentes culturas podiam e deviam florescer proveitosamente lado a lado como tantas flores pacficas no grande jardim humano, atacando s os cosmopolitismo e universalismo ocos5, notou Isaiah Berlin. Para ele, cada cultura possua seu prprio centro de gravidade, logo, a modernidade no poderia girar em torno do centro antigo.

    Nas palavras de Friedrich Schlegel, que compartilha o mesmo problema de Herder mas no sua soluo, trata-se da estranha predileo que poetas modernos tm pela terminologia grega para designar seus produtos6. Por conta disso, os pr-romnticos voltaram-se, muitas vezes, para tradies lo-cais, buscando a inspirao para a produo de uma arte original. Para Herder, por exemplo, o poeta que queira reinar sobre a expresso dever permanecer fiel sua terra; nela poder plantar palavras poderosas, pois que conhece o pas; aqui poder colher flores, pois que a terra lhe pertence, de onde conclui que a disposio verdadeira s se estampa na lngua materna7.

    Essa aproximao metafrica entre a explorao da linguagem na escrita e a explorao do pas na geografia, to cara retrica pr-romntica, tinha por objetivo apontar outro ponto de referncia para a poesia que no os antigos gregos, bem como outras tradies formuladas no universal, mas localmen-te. Da que muitos contos ficcionais do romantismo alemo sejam incurses mgicas ou fantsticas no folclore.

    *

    No caso dos primeiros romnticos, a antiguidade grega no foi renegada como, s vezes, o fizeram os pr-romnticos. verdade que eles abriram o leque de influncias e fontes para a criao moderna, desvendando alternati-vas tradio greco-romana. Mas no a abandonaram. Pelo contrrio, como vimos, os primeiros romnticos tinham em alta conta a antiguidade e jamais deixariam para trs sua riqueza potica. Tampouco, contudo, deixariam de

    Isaiah Berlin, O Contra-Iluminismo, in Ensaios sobre a humanidade (So Paulo, Companhia das Letras, 2002), p. 273, p. 284.Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (So Paulo, Iluminuras, 997), p. 27 (Athenum, Frag-mento 45).J. G. Herder, Da terceira coleo de fragmentos, in Autores pr-romnticos alemes (So Paulo, EPU, 99), p. 33.

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    cialmente com a tradio platnica. Anteriormente, os gregos haviam mantido seu impacto na histria da esttica sobretudo atravs dos ro-manos, bem como atravs das vrias adaptaes da Potica, de Arist-teles. Seguindo Winckelmann e a tradio do humanismo germnico, os Schlegel tentaram acabar com esta forma de classicismo atravs do estabelecimento de uma conexo mais prxima com o mundo estti-co dos gregos e se referindo diretamente s declaraes sobre poesia de Plato26

    Embora Plato tivesse expulsado os poetas da repblica ideal que imagi-nou, sua doutrina, para os romnticos, parecia mais filosfica do que a tradi-o aristotlica que lera as lies poticas do mestre de modo fragmentado, sem levar em conta o seu pensamento. Fora isso, os romnticos sentiam-se atrados pela reflexo platnica acerca da natureza no emprica do belo, que dava asas para os vos de sua prpria filosofia da arte. No que nos interessa aqui, cabe destacar que contestar a potica aristotlica visava desautorizar a esttica neoclssica e, assim, tirar da antiguidade o valor de modelo a ser obedecido.

    Nesse sentido, Winckelmann foi um discreto precursor do romantismo, a despeito de sua crena clssica no ideal apolneo fixo de beleza grega na nobre simplicidade e calma grandeza27. que, como mostrou Gerd Bor-nheim, sua importncia histrica no repousa apenas no fato de defender entusiasticamente os antigos, mas sobretudo em saber problematiz-los, em perguntar o que se deve entender por antigo28. Foi este ltimo ponto que o fez especialmente relevante para os romnticos em geral.

    No caso do humanismo germnico, a influncia de Lessing, a despeito dos valores iluministas que o afastavam do romantismo, foi sentida pelos Sch-legel, por conta da contestao pioneira do neoclassicismo no teatro.

    Ns, alemes, reconhecemos com bastante sinceridade que ainda no possumos um teatro. O que muitos de nossos crticos de arte, que concordam com essa confisso e so grandes admiradores do teatro

    Ernst Behler, The Impact of Classical Antiquity on the Formation of the Romantic Literary Theory of the Schlegel Brothers, in Zoran Konstantinovic, Warren Anderson e Walter Dietze, Classical Models in Literature (Innsbruck, Amoe, 98), p. 39. J.-J. Winckelmann, Rflexions sur limitation des oevres grecques en peinture et en sculpture (Paris, Aubier, s/d), ps. 42-43.Gerd Bornheim, Pginas de filosofia da arte (Rio de Janeiro, Uap, 998), p. 79.28

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    195Neo, ps ou anticlassicismo: a forma romntica de olhar para a antiguidade grega

    nenhuma direo especfica23. ainda e sempre, portanto, a questo da for-mao cultural moderna que comanda a reflexo sobre a antiguidade, por sua vez ponto de referncia crucial em tal empreitada. Deve-se, pois, sublinhar, no ttulo do texto, a palavra estudo. Embora a arte grega esteja presente, o que importa a discusso sobre como ela ser encarada ou, em outras pala-vras, estudada para compreender os desafios do presente.

    *

    De que modo deveria ser estudada a poesia grega? Esta pergunta chave para compreender a relao do romantismo com a antiguidade, que no se resume oposio. Existe, porm, oposio ao estudo neoclssico do classicismo, que o transformara em padro eterno e, lanando mo das lies poticas aristo-tlicas, pretendia decifrar os segredos da boa produo e correta avaliao de toda arte. Era isso que August Schlegel tinha em mente ao declarar que o estudo dos antigos foi pervertido fatalmente24. Mesmo Goethe, tantas vezes crtico dos romnticos, juntava-se a eles nisso, ao afirmar que fragmentos do tratado sobre a arte potica fornecem uma estranha viso de Aristteles, pois se precisaria antes de todas as coisas tomar contato com o modo de pensar filosfico deste homem para compreender como ele considerou esta manifes-tao artstica25.

    Foi essa apropriao neoclssica das lies aristotlicas que fez com que, algumas vezes, os primeiros romnticos se voltassem para Plato. Pois, ao contrrio do que Boileau e outros neoclssicos fizeram com o pensamento de Aristteles, em Plato a reflexo sobre a arte no se manifestava na forma de regras ou determinaes concretas sobre o fazer potico. No era doutrina emprica prescritiva, mas reflexo filosfica especulativa.

    Esta reavaliao tambm trouxe uma mudana decisiva na relao prevalecente com a antiguidade clssica, que pode ser descrita como uma sada da influncia romana e aristotlica, dominante sobre a cr-tica europia, em troca de um lao mais forte com os gregos e espe

    Friedrich Schlegel, ber das Studium der griechischen Poesie, in Kritische Schriften (Mnchen, Carl Hanser Verlag, 970), p. 3 (27).August Schlegel, Vorlesungen ber dramatische Kunst und Literatur (Bonn, K. Schroeder, 923), Vorlesung I.J. W. Goethe, Mximas e reflexes (Rio de Janeiro, Forense Universitria, 2003), p. 42-43.25

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    cialmente com a tradio platnica. Anteriormente, os gregos haviam mantido seu impacto na histria da esttica sobretudo atravs dos ro-manos, bem como atravs das vrias adaptaes da Potica, de Arist-teles. Seguindo Winckelmann e a tradio do humanismo germnico, os Schlegel tentaram acabar com esta forma de classicismo atravs do estabelecimento de uma conexo mais prxima com o mundo estti-co dos gregos e se referindo diretamente s declaraes sobre poesia de Plato26

    Embora Plato tivesse expulsado os poetas da repblica ideal que imagi-nou, sua doutrina, para os romnticos, parecia mais filosfica do que a tradi-o aristotlica que lera as lies poticas do mestre de modo fragmentado, sem levar em conta o seu pensamento. Fora isso, os romnticos sentiam-se atrados pela reflexo platnica acerca da natureza no emprica do belo, que dava asas para os vos de sua prpria filosofia da arte. No que nos interessa aqui, cabe destacar que contestar a potica aristotlica visava desautorizar a esttica neoclssica e, assim, tirar da antiguidade o valor de modelo a ser obedecido.

    Nesse sentido, Winckelmann foi um discreto precursor do romantismo, a despeito de sua crena clssica no ideal apolneo fixo de beleza grega na nobre simplicidade e calma grandeza27. que, como mostrou Gerd Bor-nheim, sua importncia histrica no repousa apenas no fato de defender entusiasticamente os antigos, mas sobretudo em saber problematiz-los, em perguntar o que se deve entender por antigo28. Foi este ltimo ponto que o fez especialmente relevante para os romnticos em geral.

    No caso do humanismo germnico, a influncia de Lessing, a despeito dos valores iluministas que o afastavam do romantismo, foi sentida pelos Sch-legel, por conta da contestao pioneira do neoclassicismo no teatro.

    Ns, alemes, reconhecemos com bastante sinceridade que ainda no possumos um teatro. O que muitos de nossos crticos de arte, que concordam com essa confisso e so grandes admiradores do teatro

    Ernst Behler, The Impact of Classical Antiquity on the Formation of the Romantic Literary Theory of the Schlegel Brothers, in Zoran Konstantinovic, Warren Anderson e Walter Dietze, Classical Models in Literature (Innsbruck, Amoe, 98), p. 39. J.-J. Winckelmann, Rflexions sur limitation des oevres grecques en peinture et en sculpture (Paris, Aubier, s/d), ps. 42-43.Gerd Bornheim, Pginas de filosofia da arte (Rio de Janeiro, Uap, 998), p. 79.28

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    195Neo, ps ou anticlassicismo: a forma romntica de olhar para a antiguidade grega

    nenhuma direo especfica23. ainda e sempre, portanto, a questo da for-mao cultural moderna que comanda a reflexo sobre a antiguidade, por sua vez ponto de referncia crucial em tal empreitada. Deve-se, pois, sublinhar, no ttulo do texto, a palavra estudo. Embora a arte grega esteja presente, o que importa a discusso sobre como ela ser encarada ou, em outras pala-vras, estudada para compreender os desafios do presente.

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    De que modo deveria ser estudada a poesia grega? Esta pergunta chave para compreender a relao do romantismo com a antiguidade, que no se resume oposio. Existe, porm, oposio ao estudo neoclssico do classicismo, que o transformara em padro eterno e, lanando mo das lies poticas aristo-tlicas, pretendia decifrar os segredos da boa produo e correta avaliao de toda arte. Era isso que August Schlegel tinha em mente ao declarar que o estudo dos antigos foi pervertido fatalmente24. Mesmo Goethe, tantas vezes crtico dos romnticos, juntava-se a eles nisso, ao afirmar que fragmentos do tratado sobre a arte potica fornecem uma estranha viso de Aristteles, pois se precisaria antes de todas as coisas tomar contato com o modo de pensar filosfico deste homem para compreender como ele considerou esta manifes-tao artstica25.

    Foi essa apropriao neoclssica das lies aristotlicas que fez com que, algumas vezes, os primeiros romnticos se voltassem para Plato. Pois, ao contrrio do que Boileau e outros neoclssicos fizeram com o pensamento de Aristteles, em Plato a reflexo sobre a arte no se manifestava na forma de regras ou determinaes concretas sobre o fazer potico. No era doutrina emprica prescritiva, mas reflexo filosfica especulativa.

    Esta reavaliao tambm trouxe uma mudana decisiva na relao prevalecente com a antiguidade clssica, que pode ser descrita como uma sada da influncia romana e aristotlica, dominante sobre a cr-tica europia, em troca de um lao mais forte com os gregos e espe

    Friedrich Schlegel, ber das Studium der griechischen Poesie, in Kritische Schriften (Mnchen, Carl Hanser Verlag, 970), p. 3 (27).August Schlegel, Vorlesungen ber dramatische Kunst und Literatur (Bonn, K. Schroeder, 923), Vorlesung I.J. W. Goethe, Mximas e reflexes (Rio de Janeiro, Forense Universitria, 2003), p. 42-43.25

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    ta, segundo Schlegel, como exemplo que compreende a idia inalcanvel, que se torna aqui, essencialmente, completamente visvel33.

    Embora o ensaio Sobre o estudo da poesia grega ainda traga, em seu bojo, certo respeito s regras e leis de construo potica oriundas dos gregos, Frie-drich Schlegel j lana a sua revolucionria considerao sobre a antiguidade, mesmo que de modo ambguo. o preo que, em geral, pagam os pioneiros: so menos resolutos e livres de contradies que seus epgonos. Essa ambi-guidade, contudo, no diminui o quanto sua reflexo transformou o modo de pensar a relao dos modernos com os antigos, que agora tinham reconhecida sua qualidade esttica sem que, para isso, fosse necessrio destitu-la de sua natureza histrica e for-la ao patamar atemporal.

    Este o ponto de vista segundo o qual devemos encarar a antiguidade, como diria Hlderlin. Porm, ao mudar a forma de olhar a antiguidade, os romnticos, ao mesmo tempo, descobriram, por assim dizer, outra paisagem, diferente daquela imagem forjada pelo neoclassicismo. De sbito, os gregos apareciam no mais como o povo solar do dia, mas como a cultura cuja fonte escondida era a noite escura. L deitavam as razes de sua arte e, alis, a rele-vncia da forma dramtica da tragdia. Igualmente misturados na mente de Sfocles estavam a divina intoxicao de Dionsio, a profunda inventividade de Atena e a calma prudncia de Apolo34, escreveu Friedrich Schlegel.

    a que reside a importncia da descoberta romntica da ambivalncia da cultura grega como apolnea e dionisaca, depois retomada pela filosofia de Nietzsche. Na medida em que no era mais concebida unilateralmente atravs do princpio apolneo solar da ordem harmnica, a antiguidade no forne-cia, objetivamente falando, a luz que desse orientao precisa. Seu princpio dionisaco, de desmesura, retirava dela a preciso e o equilbrio das medidas, pois a noite antiga era a fonte de onde brotava sua beleza. Esta ambivalncia corrompia a solidez necessria a qualquer imagem que se queira modelar ou prescritiva. Este caos formado de maneira estimulante a semente a partir da qual se organizou o mundo da poesia antiga, escreveu Friedrich Schlegel j no corao do grupo romntico de Iena, revelando que, assim como os sbios procuram na gua o comeo da natureza, a poesia mais antiga tambm se mostra em fludas feies35.

    Ibidem, p. 75 (288).Ibidem, p. 84 (298).Friedrich Schlegel, Conversa sobre a poesia (So Paulo, Iluminuras, 994), p. 35.35

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    197Neo, ps ou anticlassicismo: a forma romntica de olhar para a antiguidade grega

    francs, pensam ao dizer tal coisa eis algo que no posso realmente saber. Mas sei bem o que penso disso. Penso efetivamente que no s ns, alemes, mas os que se gabam de ter h cem anos um teatro, que se jactam at de ter o melhor teatro de toda a Europa, que tambm os franceses ainda no tm um teatro.29

    Por trs da provocao nacionalista do alemo Lessing ao teatro francs, estava a convico de que a simples reedio do classicismo grego, por mais bem sucedida que fosse, no era suficiente para, realmente, fazer bom teatro. Essa declarao era explosiva em seu contexto, j que se voltava contra a pre-dominncia da Frana neoclssica no teatro europeu, amparada por nomes como o de Molire, na comdia, e Corneille e Racine, na tragdia. De outro lado, os romnticos opunham a eles o gnio potico ingls de Shakespeare, como exemplo de liberdade face s regras antigas objetivas, j que ele tomara a tragdia grega no como modelo emprico, mas como alimento espiritual para sua criao artstica prpria.

    *

    Todo o modo romntico de olhar a antiguidade est amparado no sentido histrico de que a arte infinitamente perfectvel30, conforme escreveu Frie-drich Schlegel. Shakespeare era a prova de tal perfectibilidade, levando a arte at alturas que mesmo os gregos no poderiam imaginar. Esta a cifra do sentido histrico da arte, ao qual est submetida inclusive a antiguidade, pois um mximo absoluto em sua contnua evoluo no possvel: porm, um mximo relativo, condicionado, uma aproximao permanente, insupervel, possvel3. Logo, a antiguidade no o mximo absoluto, mas apenas o m-ximo relativamente condicionado ao seu tempo. No criaram os antigos sim-plesmente uma beleza sobre a qual nada mais belo poderia ser pensado32. Tanto poderia que os modernos voltam os olhos para os gregos para criar sua beleza sobre a deles. Desse modo, embora destituda do valor modelar eterno, a arte grega faz parte da aproximao, jamais supervel, do absoluto. Ela con

    Lessing, Dramaturgia de Hamburgo, in De teatro e literatura (So Paulo, EPU, 99), p. 82.Friedrich Schlegel, ber das Studium der griechischen Poesie, in Kritische Schriften (Mnchen, Carl Hanser Verlag, 970), p. 76 (288).Ibidem, p. 76 (288).Ibidem, p. 75 (288).32

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    ta, segundo Schlegel, como exemplo que compreende a idia inalcanvel, que se torna aqui, essencialmente, completamente visvel33.

    Embora o ensaio Sobre o estudo da poesia grega ainda traga, em seu bojo, certo respeito s regras e leis de construo potica oriundas dos gregos, Frie-drich Schlegel j lana a sua revolucionria considerao sobre a antiguidade, mesmo que de modo ambguo. o preo que, em geral, pagam os pioneiros: so menos resolutos e livres de contradies que seus epgonos. Essa ambi-guidade, contudo, no diminui o quanto sua reflexo transformou o modo de pensar a relao dos modernos com os antigos, que agora tinham reconhecida sua qualidade esttica sem que, para isso, fosse necessrio destitu-la de sua natureza histrica e for-la ao patamar atemporal.

    Este o ponto de vista segundo o qual devemos encarar a antiguidade, como diria Hlderlin. Porm, ao mudar a forma de olhar a antiguidade, os romnticos, ao mesmo tempo, descobriram, por assim dizer, outra paisagem, diferente daquela imagem forjada pelo neoclassicismo. De sbito, os gregos apareciam no mais como o povo solar do dia, mas como a cultura cuja fonte escondida era a noite escura. L deitavam as razes de sua arte e, alis, a rele-vncia da forma dramtica da tragdia. Igualmente misturados na mente de Sfocles estavam a divina intoxicao de Dionsio, a profunda inventividade de Atena e a calma prudncia de Apolo34, escreveu Friedrich Schlegel.

    a que reside a importncia da descoberta romntica da ambivalncia da cultura grega como apolnea e dionisaca, depois retomada pela filosofia de Nietzsche. Na medida em que no era mais concebida unilateralmente atravs do princpio apolneo solar da ordem harmnica, a antiguidade no forne-cia, objetivamente falando, a luz que desse orientao precisa. Seu princpio dionisaco, de desmesura, retirava dela a preciso e o equilbrio das medidas, pois a noite antiga era a fonte de onde brotava sua beleza. Esta ambivalncia corrompia a solidez necessria a qualquer imagem que se queira modelar ou prescritiva. Este caos formado de maneira estimulante a semente a partir da qual se organizou o mundo da poesia antiga, escreveu Friedrich Schlegel j no corao do grupo romntico de Iena, revelando que, assim como os sbios procuram na gua o comeo da natureza, a poesia mais antiga tambm se mostra em fludas feies35.

    Ibidem, p. 75 (288).Ibidem, p. 84 (298).Friedrich Schlegel, Conversa sobre a poesia (So Paulo, Iluminuras, 994), p. 35.35

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    197Neo, ps ou anticlassicismo: a forma romntica de olhar para a antiguidade grega

    francs, pensam ao dizer tal coisa eis algo que no posso realmente saber. Mas sei bem o que penso disso. Penso efetivamente que no s ns, alemes, mas os que se gabam de ter h cem anos um teatro, que se jactam at de ter o melhor teatro de toda a Europa, que tambm os franceses ainda no tm um teatro.29

    Por trs da provocao nacionalista do alemo Lessing ao teatro francs, estava a convico de que a simples reedio do classicismo grego, por mais bem sucedida que fosse, no era suficiente para, realmente, fazer bom teatro. Essa declarao era explosiva em seu contexto, j que se voltava contra a pre-dominncia da Frana neoclssica no teatro europeu, amparada por nomes como o de Molire, na comdia, e Corneille e Racine, na tragdia. De outro lado, os romnticos opunham a eles o gnio potico ingls de Shakespeare, como exemplo de liberdade face s regras antigas objetivas, j que ele tomara a tragdia grega no como modelo emprico, mas como alimento espiritual para sua criao artstica prpria.

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    Todo o modo romntico de olhar a antiguidade est amparado no sentido histrico de que a arte infinitamente perfectvel30, conforme escreveu Frie-drich Schlegel. Shakespeare era a prova de tal perfectibilidade, levando a arte at alturas que mesmo os gregos no poderiam imaginar. Esta a cifra do sentido histrico da arte, ao qual est submetida inclusive a antiguidade, pois um mximo absoluto em sua contnua evoluo no possvel: porm, um mximo relativo, condicionado, uma aproximao permanente, insupervel, possvel3. Logo, a antiguidade no o mximo absoluto, mas apenas o m-ximo relativamente condicionado ao seu tempo. No criaram os antigos sim-plesmente uma beleza sobre a qual nada mais belo poderia ser pensado32. Tanto poderia que os modernos voltam os olhos para os gregos para criar sua beleza sobre a deles. Desse modo, embora destituda do valor modelar eterno, a arte grega faz parte da aproximao, jamais supervel, do absoluto. Ela con

    Lessing, Dramaturgia de Hamburgo, in De teatro e literatura (So Paulo, EPU, 99), p. 82.Friedrich Schlegel, ber das Studium der griechischen Poesie, in Kritische Schriften (Mnchen, Carl Hanser Verlag, 970), p. 76 (288).Ibidem, p. 76 (288).Ibidem, p. 75 (288).32

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    Eles despertaram para o sentido histrico da arte, que seria, depois, apro-priado, com maior fora, por Hegel, para quem o absoluto no fica fora da histria, mas se realiza na histria e como histria o que vale inclusive para a exposio do absoluto na arte. Tratamos da arte nascendo da prpria idia absoluta e at mesmo indicando a exposio sensvel do prprio abso-luto como sua finalidade, devemos proceder junto a esta viso panormica40, afirma Hegel. Nos seus cursos de esttica, essa viso panormica deve ser a histria que mostre como as partes singulares se originam do conceito de belo artstico em geral enquanto exposio do absoluto4.

    Porm, a despeito da proximidade de Hegel, as diferenas entre ele e os romnticos so grandes. Pois o modo romntico de pensar a histria no possua o sentido teleolgico que Hegel lhe emprestava, ou seja, no tinha norte fixo algum para o qual, a priori, tendesse. Menos ainda achavam os romnticos, como Hegel, que o caminhar do tempo tivesse fim, lugar no qual, chegando l, cessasse o caminho. Da a perspectiva de Friedrich Schlegel da infinita perfectibilidade da arte, que lhe abre a possibilidade de crescer para sempre, fora de qualquer marco finalista. Entende-se, agora, porque Schlegel podia enunciar, paradoxalmente, um classicismo crescendo sem limites.

    Portanto, a presena da histria na compreenso da arte, com os romn-ticos, no foi totalizante como em Hegel. Mesmo assim, mudara o modo de pensar a relao do presente moderno com o passado clssico, que deixava de ser a norma atemporal para a arte, j que, para os romnticos, os antigos () no possuem o monoplio da poesia42, como afirmou Friedrich Schlegel. S por isso, o prprio Hegel pde reconhecer que o mrito de ter dado forma clssica beleza sensual foi sem dvida para os gregos, mas o classicismo representa apenas uma fase da arte43, como afirmou Gombrich.

    De Hegel em diante, a compreenso da arte pela histria tornou-se pre-ponderante, at sufocante s vezes. Porm, naquele momento, o sentimento era o oposto. Historicizar a arte era dar a ela o ar que lhe faltava por conta da subordinao ao classicismo enquanto modelo eterno a ser obedecido. Foi isso que fizeram os romnticos, liberando a arte de tais compromissos e, ao mesmo tempo, sem enclausur-la numa estrutura sistemtica rgida. Para

    F. W. G. Hegel, Cursos de esttica I (So Paulo, Edusp, 200), p. 86.Ibidem, p. 86.Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (So Paulo, Iluminuras, 997), p. 34 (Lyceum, Frag-mento 9).Ernst Gombrich, Hegel e a Hstria da Arte, in Revista Gvea (n. 5, abril de 988), p. 58.43

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    199Neo, ps ou anticlassicismo: a forma romntica de olhar para a antiguidade grega

    Nesse sentido, acompanha a mudana de relacionamento que os romnti-cos tm com a antiguidade certa alterao no que significa a prpria antigui-dade. Longe de ser modelo estvel, ela fluda, logo, no pode ser copiada. apenas certa formao cultural exemplar, que no pode ser repetida, mas pode ser observada e, assim, tem muito a ensinar pois ali os gregos sou-beram dar forma ao informe, mantendo-se na linha fina que separa e une a ordem e o caos, o ser e o nada. Suas produes artsticas podem ser um insupervel exemplo no qual todo o propsito da arte torna-se to manifesto quanto possvel em uma obra de arte efetiva36, sugere Schlegel. Elas no de-vem ser copiadas na objetividade emprica, mas imitadas no seu gesto diante do mundo. Logo, a antiguidade no precisa nos soterrar e ns no precisamos fazer oposio a ela com violenta soberba.

    Basta, para tanto, sabermos que o absoluto no pertence antiguidade, mas a antiguidade faz parte do absoluto. Por isso, embora no fornea regras universais acima da histria, ela deve ser olhada com toda a ateno, j que a se expressa o absoluto. Se o absoluto se externaliza no emprico, ento no adequado ver esta externalizao como um ato essencialmente repetitivo e atemporal, logo, era necessrio examinar esta articulao do absoluto como um processo histrico37, como reparou Suart Barnett.

    *

    Hegel , para mim, o pai da histria da arte38, confessou Ernst Gombrich. Eu deslocaria, na sua sentena, apenas a filiao paternal de Hegel. Ele mais a me da histria da arte, que gera e entrega para o mundo, j pronta, a criana nascente na nossa metfora, a historicizao da arte. No lugar de pai, daquele que insemina pela primeira vez, esto os primeiros romnticos, que exigiam, ao lado da mais profunda especulao, tambm a histria da arte mais erudita39, de acordo com Friedrich Schlegel.

    Friedrich Schlegel, ber das Studium der griechischen Poesie, in Kritische Schriften (Mnchen, Carl Hanser Verlag, 970), p. 80 (293).Stuart Barnett, Critical Introduction: The Age of Romanticism: Schlegel from Antiquity to Mo-dernity, in Friedrich Schlegel, On the Study of Greek Poetry (New York, State University of New York Press, 200, p. 3.Ernst Gombrich, Hegel e a Hstria da Arte, in Revista Gvea (n. 5, abril de 988), p. 57.August Schlegel, in Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (So Paulo, Iluminuras, 997), p. 90 (Lyceum, Fragmento 2).

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    Eles despertaram para o sentido histrico da arte, que seria, depois, apro-priado, com maior fora, por Hegel, para quem o absoluto no fica fora da histria, mas se realiza na histria e como histria o que vale inclusive para a exposio do absoluto na arte. Tratamos da arte nascendo da prpria idia absoluta e at mesmo indicando a exposio sensvel do prprio abso-luto como sua finalidade, devemos proceder junto a esta viso panormica40, afirma Hegel. Nos seus cursos de esttica, essa viso panormica deve ser a histria que mostre como as partes singulares se originam do conceito de belo artstico em geral enquanto exposio do absoluto4.

    Porm, a despeito da proximidade de Hegel, as diferenas entre ele e os romnticos so grandes. Pois o modo romntico de pensar a histria no possua o sentido teleolgico que Hegel lhe emprestava, ou seja, no tinha norte fixo algum para o qual, a priori, tendesse. Menos ainda achavam os romnticos, como Hegel, que o caminhar do tempo tivesse fim, lugar no qual, chegando l, cessasse o caminho. Da a perspectiva de Friedrich Schlegel da infinita perfectibilidade da arte, que lhe abre a possibilidade de crescer para sempre, fora de qualquer marco finalista. Entende-se, agora, porque Schlegel podia enunciar, paradoxalmente, um classicismo crescendo sem limites.

    Portanto, a presena da histria na compreenso da arte, com os romn-ticos, no foi totalizante como em Hegel. Mesmo assim, mudara o modo de pensar a relao do presente moderno com o passado clssico, que deixava de ser a norma atemporal para a arte, j que, para os romnticos, os antigos () no possuem o monoplio da poesia42, como afirmou Friedrich Schlegel. S por isso, o prprio Hegel pde reconhecer que o mrito de ter dado forma clssica beleza sensual foi sem dvida para os gregos, mas o classicismo representa apenas uma fase da arte43, como afirmou Gombrich.

    De Hegel em diante, a compreenso da arte pela histria tornou-se pre-ponderante, at sufocante s vezes. Porm, naquele momento, o sentimento era o oposto. Historicizar a arte era dar a ela o ar que lhe faltava por conta da subordinao ao classicismo enquanto modelo eterno a ser obedecido. Foi isso que fizeram os romnticos, liberando a arte de tais compromissos e, ao mesmo tempo, sem enclausur-la numa estrutura sistemtica rgida. Para

    F. W. G. Hegel, Cursos de esttica I (So Paulo, Edusp, 200), p. 86.Ibidem, p. 86.Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (So Paulo, Iluminuras, 997), p. 34 (Lyceum, Frag-mento 9).Ernst Gombrich, Hegel e a Hstria da Arte, in Revista Gvea (n. 5, abril de 988), p. 58.43

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    199Neo, ps ou anticlassicismo: a forma romntica de olhar para a antiguidade grega

    Nesse sentido, acompanha a mudana de relacionamento que os romnti-cos tm com a antiguidade certa alterao no que significa a prpria antigui-dade. Longe de ser modelo estvel, ela fluda, logo, no pode ser copiada. apenas certa formao cultural exemplar, que no pode ser repetida, mas pode ser observada e, assim, tem muito a ensinar pois ali os gregos sou-beram dar forma ao informe, mantendo-se na linha fina que separa e une a ordem e o caos, o ser e o nada. Suas produes artsticas podem ser um insupervel exemplo no qual todo o propsito da arte torna-se to manifesto quanto possvel em uma obra de arte efetiva36, sugere Schlegel. Elas no de-vem ser copiadas na objetividade emprica, mas imitadas no seu gesto diante do mundo. Logo, a antiguidade no precisa nos soterrar e ns no precisamos fazer oposio a ela com violenta soberba.

    Basta, para tanto, sabermos que o absoluto no pertence antiguidade, mas a antiguidade faz parte do absoluto. Por isso, embora no fornea regras universais acima da histria, ela deve ser olhada com toda a ateno, j que a se expressa o absoluto. Se o absoluto se externaliza no emprico, ento no adequado ver esta externalizao como um ato essencialmente repetitivo e atemporal, logo, era necessrio examinar esta articulao do absoluto como um processo histrico37, como reparou Suart Barnett.

    *

    Hegel , para mim, o pai da histria da arte38, confessou Ernst Gombrich. Eu deslocaria, na sua sentena, apenas a filiao paternal de Hegel. Ele mais a me da histria da arte, que gera e entrega para o mundo, j pronta, a criana nascente na nossa metfora, a historicizao da arte. No lugar de pai, daquele que insemina pela primeira vez, esto os primeiros romnticos, que exigiam, ao lado da mais profunda especulao, tambm a histria da arte mais erudita39, de acordo com Friedrich Schlegel.

    Friedrich Schlegel, ber das Studium der griechischen Poesie, in Kritische Schriften (Mnchen, Carl Hanser Verlag, 970), p. 80 (293).Stuart Barnett, Critical Introduction: The Age of Romanticism: Schlegel from Antiquity to Mo-dernity, in Friedrich Schlegel, On the Study of Greek Poetry (New York, State University of New York Press, 200, p. 3.Ernst Gombrich, Hegel e a Hstria da Arte, in Revista Gvea (n. 5, abril de 988), p. 57.August Schlegel, in Friedrich Schlegel, O dialeto dos fragmentos (So Paulo, Iluminuras, 997), p. 90 (Lyceum, Fragmento 2).

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    luta que, sem declnio de um dos lados, ele pudesse se equilibrar48. Esta deve ter sido a esperana de Hegel ao buscar a sntese feliz dos opostos dialticos.

    Todavia, isto no dado ao homem, e Deus tambm parece no desej-lo49, afirma Goethe, neste ponto mais prximo dos romnticos. Para estes, entretanto, o romantismo no s um dos termos do conflito, mas o nome de sua aceitao. Se eles, s vezes, tentaram ser o regente que moderaria a luta at o equilbrio, sabiam, contudo, que o esforo no evitava o restabele-cimento do conflito. No resolveramos, de vez, a relao com os antigos por afirmao ou negao. Fadados a nos relacionarmos com eles, porm, pode-ramos abandonar o que Ernst Behler chamou de verso pobre da moder-nidade, que a mera separao do classicismo, em prol da modernidade genuna, que possui um relacionamento igual com o classicismo e uma posio dinmica em relao quele mundo50.

    Essa falta de negao romntica do classicismo explica a talvez confu-sa presena de um anseio quase neoclssico pela antiguidade junto com a firme convico de que a cultura contempornea irrevogavelmente distin-ta da antiguidade5. que os grandes poetas e artistas, observou August Schlegel, seja qual for a fora de seu entusiasmo pelos antigos e seja qual for a determinao de seu propsito de entrar em competio com eles, so compelidos por sua independncia e originalidade mental a desbravar seu caminho prprio52.

    No , portanto, no contedo para o qual os romnticos olham que com-preendemos sua posio diante do classicismo, se de afirmao ou de ne-gao. Pois, nesse caso, est claro: de afirmao, j que eles no cessam de olhar para o classicismo. Porm, o que muda e os distingue de seus con-temporneos neoclssicos, a forma pela qual olham para isso que olham, a antiguidade. Esta forma no a da obedincia cega que copia o modelo passado, mas a da apropriao criativa da fonte que inspira o futuro. Nesse

    J. W. Goethe, Mximas e reflexes (Rio de Janeiro, Forense Universitria, 2003), p. 2.Ibidem, p. 2.Ernst Behler, German Romantic Literary Theory (Cambridge, Cambridge University Press, 993), p. 05.Stuart Barnett, Critical Introduction: The Age of Romanticism: Schlegel from Antiquity to Mo-dernity, in Friedrich Schlegel, On the Study of Greek Poetry (New York, State University of New York Press, 200, p. 9.August Schlegel, Vorlesungen ber dramatische Kunst und Literatur (Bonn, K. Schroeder, 923), Vorlesung I.

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    August Schlegel, o combate era contra os que reclamavam para os antigos uma autoridade ilimitada, e com grande aparncia de razo, desde que eles so modelos a sua prpria maneira44. Modelos a sua prpria maneira quer dizer: a arte antiga absoluta dentro de seu prprio jeito, o mximo condi-cionado ao seu tempo, no o incondicionado fora da histria que serviria de lei para qualquer poca.

    Pode-se dizer que os romnticos tiraram o absoluto dos antigos e coloca-ram os antigos no absoluto. Por isso, classific-los como anticlassicismo no adequado, embora menos ainda realoc-los como neoclssicos. Schlegel no procura opor a Grcia e a literatura moderna; antes, procura construir uma reflexo produtiva, crtica45, afirmou Franz Mannemeier. No contexto ps-clssico, o que os romnticos fazem refundar a relao da modernidade com a antiguidade.

    Sob esta premissa, poder-se-ia afirmar, paradoxalmente, que o mais avan-ado tipo de modernidade consiste naquela mentalidade que possui a mais viva relao com os gregos46, notou Ernst Behler. Ela no se atrasa por olhar para os antigos. Esta foi a singularidade da posio romntica alem, na qual classicismo e modernidade entram em uma relao de forte interao, uma comunicao ausente na Frana, na Inglaterra e em todos os outros tratamen-tos da querela entre os antigos e os modernos47. No seria pelo grau de re-pdio ou endosso da antiguidade que seria medido o vigor da modernidade, mas pela capacidade de com ela interagir.

    *

    Goethe foi sagaz ao afirmar que classicismo e romantismo, impulso corpora-tivo e liberdade profissional, manuteno e esfacelamento do solo fundamen-tal: sempre o mesmo conflito, que sempre gera, por fim, um novo, portan-to, o procedimento mais sensato do regente seria moderar de tal modo esta

    August Schlegel, Vorlesungen ber dramatische Kunst und Literatur (Bonn, K. Schroeder, 923), Vorlesung I.Franz Norbert Mannemeier, Friedrich Schlegels Poesiebegriff Dargestellt anhand der Literaturkritis-chen Schriften (Munich, Fink, 97), p. 22-23.Ernst Behler, German Romantic Literary Theory (Cambridge, Cambridge University Press, 993), p. 4.Ibidem, p. 05.47

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    luta que, sem declnio de um dos lados, ele pudesse se equilibrar48. Esta deve ter sido a esperana de Hegel ao buscar a sntese feliz dos opostos dialticos.

    Todavia, isto no dado ao homem, e Deus tambm parece no desej-lo49, afirma Goethe, neste ponto mais prximo dos romnticos. Para estes, entretanto, o romantismo no s um dos termos do conflito, mas o nome de sua aceitao. Se eles, s vezes, tentaram ser o regente que moderaria a luta at o equilbrio, sabiam, contudo, que o esforo no evitava o restabele-cimento do conflito. No resolveramos, de vez, a relao com os antigos por afirmao ou negao. Fadados a nos relacionarmos com eles, porm, pode-ramos abandonar o que Ernst Behler chamou de verso pobre da moder-nidade, que a mera separao do classicismo, em prol da modernidade genuna, que possui um relacionamento igual com o classicismo e uma posio dinmica em relao quele mundo50.

    Essa falta de negao romntica do classicismo explica a talvez confu-sa presena de um anseio quase neoclssico pela antiguidade junto com a firme convico de que a cultura contempornea irrevogavelmente distin-ta da antiguidade5. que os grandes poetas e artistas, observou August Schlegel, seja qual for a fora de seu entusiasmo pelos antigos e seja qual for a determinao de seu propsito de entrar em competio com eles, so compelidos por sua independncia e originalidade mental a desbravar seu caminho prprio52.

    No , portanto, no contedo para o qual os romnticos olham que com-preendemos sua posio diante do classicismo, se de afirmao ou de ne-gao. Pois, nesse caso, est claro: de afirmao, j que eles no cessam de olhar para o classicismo. Porm, o que muda e os distingue de seus con-temporneos neoclssicos, a forma pela qual olham para isso que olham, a antiguidade. Esta forma no a da obedincia cega que copia o modelo passado, mas a da apropriao criativa da fonte que inspira o futuro. Nesse

    J. W. Goethe, Mximas e reflexes (Rio de Janeiro, Forense Universitria, 2003), p. 2.Ibidem, p. 2.Ernst Behler, German Romantic Literary Theory (Cambridge, Cambridge University Press, 993), p. 05.Stuart Barnett, Critical Introduction: The Age of Romanticism: Schlegel from Antiquity to Mo-dernity, in Friedrich Schlegel, On the Study of Greek Poetry (New York, State University of New York Press, 200, p. 9.August Schlegel, Vorlesungen ber dramatische Kunst und Literatur (Bonn, K. Schroeder, 923), Vorlesung I.

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    201Neo, ps ou anticlassicismo: a forma romntica de olhar para a antiguidade grega

    August Schlegel, o combate era contra os que reclamavam para os antigos uma autoridade ilimitada, e com grande aparncia de razo, desde que eles so modelos a sua prpria maneira44. Modelos a sua prpria maneira quer dizer: a arte antiga absoluta dentro de seu prprio jeito, o mximo condi-cionado ao seu tempo, no o incondicionado fora da histria que serviria de lei para qualquer poca.

    Pode-se dizer que os romnticos tiraram o absoluto dos antigos e coloca-ram os antigos no absoluto. Por isso, classific-los como anticlassicismo no adequado, embora menos ainda realoc-los como neoclssicos. Schlegel no procura opor a Grcia e a literatura moderna; antes, procura construir uma reflexo produtiva, crtica45, afirmou Franz Mannemeier. No contexto ps-clssico, o que os romnticos fazem refundar a relao da modernidade com a antiguidade.

    Sob esta premissa, poder-se-ia afirmar, paradoxalmente, que o mais avan-ado tipo de modernidade consiste naquela mentalidade que possui a mais viva relao com os gregos46, notou Ernst Behler. Ela no se atrasa por olhar para os antigos. Esta foi a singularidade da posio romntica alem, na qual classicismo e modernidade entram em uma relao de forte interao, uma comunicao ausente na Frana, na Inglaterra e em todos os outros tratamen-tos da querela entre os antigos e os modernos47. No seria pelo grau de re-pdio ou endosso da antiguidade que seria medido o vigor da modernidade, mas pela capacidade de com ela interagir.

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    Goethe foi sagaz ao afirmar que classicismo e romantismo, impulso corpora-tivo e liberdade profissional, manuteno e esfacelamento do solo fundamen-tal: sempre o mesmo conflito, que sempre gera, por fim, um novo, portan-to, o procedimento mais sensato do regente seria moderar de tal modo esta

    August Schlegel, Vorlesungen ber dramatische Kunst und Literatur (Bonn, K. Schroeder, 923), Vorlesung I.Franz Norbert Mannemeier, Friedrich Schlegels Poesiebegriff Dargestellt anhand der Literaturkritis-chen Schriften (Munich, Fink, 97), p. 22-23.Ernst Behler, German Romantic Literary Theory (Cambridge, Cambridge University Press, 993), p. 4.Ibidem, p. 05.47

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    sentido, a relao dos antigos com os modernos, de acordo com os primei-ros romnticos, seria aquela em que, como escreveu Friedrich Schlegel, o mestre disciplinasse a srio o discpulo, mas tambm lhe deixasse, no suor de seu rosto, uma base slida como herana, sobre a qual o seguidor de-vesse ento avanar sempre mais, com grandeza e audcia, para finalmente movimentar-se com liberdade e habilidade nas mais orgulhosas alturas53.

    O que hs herdado de teus pais,Adquire, para que o possuas,O que no se usa, um fardo , nada mais,Pode o momento usar to s criaes suas.54

    Friedrich Schlegel, Conversa sobre a poesia (So Paulo, Iluminuras, 994), p. 35.J. W. Goethe, Fausto: uma tragdia Primeira parte (So Paulo, Ed. 34, 2004), p. 85.

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