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Universidade de Aveiro2006
Seco Autnoma de Cincias Sociais, Jurdicas ePolticas
LEONEL SILVA DESOUSA
AS EMPRESAS PBLICAS COMO SOLUO?Contributos para uma anlise das realidadessubjacentes.
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Universidade de Aveiro2006
Seco Autnoma de Cincias Sociais, Jurdicas ePolticas
LEONEL SILVA DESOUSA
AS EMPRESAS PBLICAS COMO SOLUO?Contributos para uma anlise das realidadessubjacentes.
Dissertao apresentada Universidade de Aveiro para cumprimento dos
requisitos necessrios obteno do grau de Mestre em Gesto Pblica,
realizada sob a orientao cientfica do Doutor Jos Manuel Moreira, Professor
Catedrtico, e co-orientao do Mestre Miguel Lucas Pires, ambos da Seco
Autnoma de Cincias Sociais, Jurdicas e Polticas da Universidade de Aveiro.
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o jri
presidente Doutor Artur da Rosa Pires,professor catedrtico da Universidade de Aveiro
vogais Doutor Jos Manuel Lopes da Silva Moreira,professor catedrtico da Universidade de Aveiro (Orientador)
Doutor Joo Salvador Velez Pacheco de Amorim,professor auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Mestre Lus Miguel Simes Lucas Pires,assistente na Universidade de Aveiro (Co-Orientador)
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agradecimentos Aos meus pais, a quem tanto reconheo tudo o que fizeram por mim,
minha mulher, Ana Filipa, a quem dedico este trabalho pelo incasvel apoio.
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palavras-chave Empresas Pblicas, Administrao Pblica, Direito Pblico, Direito Privado,
Concorrncia, Endividamento.
resumoA presente dissertao, na descoberta dos caminhos de aproximao
resposta da pergunta As Empresas Pblicas como Soluo?, pretende
questionar a opo pelo recurso figura das empresas pblicas como soluo
dos problemas recorrentemente apontados s formas organizatrias
tradicionais da Administrao Pblica, bem como constituir-se como um
contributo para o estudo das realidades s mesmas subjacentes.
Este estudo comea por analisar a problemtica geral da relao da
Administrao Pblica com o Direito Privado. De seguida abordado o objecto
de estudo, as empresas pblicas, primeiramente sob a perspectiva formal
(aproximao jurdica), sequentemente sob a considerao da sua relao
com a concorrncia e por ltimo sob uma perspectiva material (aproximao
econmico-financeira).
Como concluso, pretende-se defender que a anlise dos factos indicia,
em geral, que as empresas pblicas apresentam-se hoje como parte do
problema que pretendiam solucionar. Com efeito, para alm da carncia de um
explcito referencial racional e jurdico fundamentador da oportunidade da sua
criao e balizador da sua organizao e funcionamento, a maioria das
empresas pblicas, nomeadamente em consequncia de uma m gesto, de
um deficiente ou inexistente acompanhamento por parte do Estado e das suas
posies monopolistas, apresentam-se com uma desastrosa situao
econmico-financeira e como um contributo para a desoramentao das
despesas pblicas, responsabilizando assim os contribuintes, principalmente
das geraes futuras, sem a necessria e legitimadora autorizao
democrtica.
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keywords Public Enterprises, Public Administration, Public Law, Private Law,
Competition, Indebtedness.
abstractThe aim of the present dissertation is to ask the option of public
enterprises as a solution to the problems of traditional public administration
organization, finding ways to answer the following question: The Public
Enterprise as a Solution?. The other goal of the present dissertation is to
contribute to study of public enterprises.
This study starts to analyze the general problematic of the relationship
between Public Administration and Private Law. Next, it is analyzed the studyobject the public enterprises in two hands. On one hand, we examine public
enterprises in the formal perspective (law approach) as well as their
relationship with market competition. On other hand, this study examines public
enterprises in the material perspective (economical and financial approach).
The conclusion is that public enterprises are part of the problem. Instead
of resolve the problems of public administration, they create others. In fact,
there is not one rational and juridical reference, which regulates well the public
enterprises. Moreover, the majority of they revel a chaotic economic and
financial situation, due to bad management, to failed accompaniment of State
shareholder and their monopolistic positions. In this context, there are unfair
consequences to the taxpayers of the future generations, without the necessary
democratic accountability.
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CAPTULO III
AS EMPRESAS PBLICAS A (FALTA DE) CONCORRNCIA
10. As empresas pblicas, os Servios de Interesse Geral e a concorrncia . 49
11. O Direito Comunitrio e as empresas pblicas ... 54
12. As empresas pblicas e a contratao de bens e servios ... 58
12.1. Sobre a falta de coerncia legislativa .. 58
12.2. Sobre a m/defeituosa transposio da(s) Directiva(s) Comunitria(s) .. 59
12.3. Da abertura de um concurso 62
12.3.1. Obrigatoriedade pela lei? 62
12.3.2. Obrigatoriedade pela necessidade? . 63
13. A privatizao das empresas pblicas monopolistas ... 65
13.1. Financiamento pblico e as novas necessidades de capital . 65
13.2. O fenmeno da privatizao de monoplios estatais .. 67
CAPTULO IV
AS EMPRESAS PBLICAS DA PERSPECTIVA MATERIAL
14. O Estado, as empresas pblicas e a gesto .. 73
14.1 A relao do Estado com as empresas pblicas ... 73
14.2. A funo accionista ..... 73
14.3. A (falta de) estratgia .. 74
14.4. Da gesto ..... 76
14.5. Das prticas de governo .. 80
15. As empresas pblicas e os seus contributos .... 82
15.1. Comportamentos observados nas empresas pblicas .. 8215.2. Situao econmico-financeira das empresas pblicas ... 84
15.3. As empresas pblicas e a desoramentao das despesas pblicas .... 87
CONCLUSES ..... 91
Referncias Bibliogrficas . 95
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A verdade como o Sol. Ela permite-nos ver tudo,
mas no deixa que a olhemos.
Victor Hugo
INTRODUO
Em Portugal, semelhana do que acontece na maior parte do mundo ocidental, a
despesa pblica tem vindo a crescer de tal forma que o Estado absorve j cerca de metadede toda a riqueza produzida.
A interveno do Estado na sociedade alastrou-se a todas as esferas de actividade,
incluindo a econmica, podendo afirmar-se ser difcil encontrar domnios isentos da sua
presena.
Em equivalncia, uma Administrao Pblica gastadora, paralisada, mal gerida,
limitadora da iniciativa individual, transformadora dos cidados em si dependentes e
protectora dos mais poderosos, so algumas das consideraes que mais repetidamente se
fazem ouvir em tempos de recursos cada vez mais escassos, como so aqueles em que
vivemos.
Como resposta, uma das principais solues apresentadas o ressurgimento das
empresas pblicas, agora sob a forma de entidade pblica empresarial ou de sociedade
comercial. Com efeito, temos assistido a uma transferncia (1) do Sector Empresarial do
Estado (SEE), predominantemente para a figura da sociedade comercial de capitais
pblicos, que hoje integra tambm o novo conceito legislativo de empresa pblica, em
sentido amplo.
(1) A este respeito curioso notar que nos anos 90 foram criadas trs empresas pblicas que, por forados Decretos-lei que lhes deram origem, foram imediatamente transformadas em sociedades annimas: aEmpresa de Transporte e Difuso de Sinais de Rdio e de Televiso, E.P. Teledifusora de Portugal, E.P.(Decreto-Lei n. 138/91, de 8 de Abril), a Rdio Comercial, E.P. (Decreto-Lei n. 198/92, de 23 deSetembro) e a Sociedade Instaladora de Mercados Abastecedores (SIMAB), E.P. (Decreto-Lei n. 93/93, de24 de Maro). Por outro lado ser importante referir que actualmente no existem talvez mais do que meia
dzia de empresas pblicas (no sentido estrito inicial e excluindo-se as empresas pblicas municipais),nomeadamente, aREFER,a CP,aNAVe oMETROPOLITANO DELISBOA.
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Mas a crescente empresarializao pblica da actuao do Estado, de to rpida e
profunda que se vem assumindo, acarreta consigo a necessidade e o merecimento de uma
ateno especial da doutrina, principalmente no que se refere :
a) Problemtica geral da relao da Administrao Pblica com o Direito Privado;
b) Perspectiva formal (aproximao jurdica) sobre as empresas pblicas;
c) Considerao, em especial, da relao das empresas pblicas com a concorrncia;
d) Perspectiva material (aproximao econmico-financeira) sobre as empresas
pblicas, no sentido de uma confrontao entre as motivaes, os fundamentos e a
misso inerentes sua criao com a factualidade sequente verificada.
Estes so os propsitos visados na presente dissertao que, a final, para alm de
pretender constituir-se como um arrimo para a anlise das realidades subjacentes,
procurar contribuir para uma resposta negativa pergunta As Empresas Pblicas como
soluo?, leia-se, como soluo para as consideraes que apontmos no incio sobre a
Administrao Pblica.
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CAPTULO I
A ADMINISTRAO PBLICA NAS VESTES DE UM PARTICULAR
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1. A UTILIZAO DO DIREITO PRIVADO PELA ADMINISTRAO PBLICA
A utilizao do Direito Privado pela Administrao Pblica (2), apesar de ser um
fenmeno cuja amplitude mxima em Portugal foi atingida nos ltimos anos, j nos anos20 preocupava os juspublicistas um pouco por todo o lado (3). Na altura, esta tendncia foi
famosamente apelidada por FRITZ FLEINERcomo a fuga da Administrao Pblica para
agir segundo o Direito Privado (4). Mais recentemente, nos anos 80, BARTOLOMEU SELLERI
chamou a ateno para a procura da paridade entre a Administrao Pblica e o cidado
(5).
Generalizando-se a designao expressiva da fuga para o Direito Privado (6),
embora autonomizvel, esta questo insere-se na vastssima questo do repensar das
funes do Estado e da redefinio dos contornos dogmticos da Administrao Pblica e
do prprio Direito Administrativo, no que respeita a um seu esprito nascente e sua
relao com o direito privado (7).
(2) possvel encontrar a definio de Administrao Pblica em qualquer manual de Direito
Administrativo, havendo uma quase total unanimidade quanto s diversas acepes que a mesma pode tomar.Numa acepo material ou objectiva, a Administrao Pblica significa a actividade administrativa tendente satisfao dos interesses da comunidade fixados pela poltica. Em sentido orgnico ou subjectivo, aAdministrao Pblica surge como estrutura organizatria a quem por lei atribudo o desempenho dafuno administrativa (v. SRVULO CORREIA, Noes de Direito Administrativo, vol. 1, Lisboa: Danbio,1982, p. 30;DIOGOFREITAS DO AMARAL,Direito Administrativo, Lies policopiadas, Lisboa, vol. 2, 1988,p. 338; JOO CAUPERS,Introduo ao Direito Administrativo, 6. edio, Lisboa: ncora, 2001, pp. 33 a 38 eAFONSO DOLIVEIRA MARTINS, Constituio, Administrao e Democracia, Nos 25 anos da Constituio daRepblica Portuguesa Evoluo Constitucional e Perspectivas Futuras, Lisboa: Associao Acadmica daFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2001, pp. 463 e segs.). Fala-se, ainda, em AdministraoPblica em sentido formal ou funcional para designar o modo de agir dos rgos administrativos (v. R OGRIOSOARES, Administrao Pblica, Enciclopdia Polis, vol. 1, Lisboa: Editorial Verbo, 1983, p. 136 e DIOGOFREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. 1, 2. edio, Coimbra: Almedina, 1994, p. 33).
(
3
) Cfr. MARIA DA GLRIA GARCIA, As transformaes do Direito Administrativo na Utilizao doDireito Privado pela Administrao Pblica Reflexes sobre o lugar do Direito no Estado, Os Caminhosda Privatizao da Administrao Pblica, IV Colquio Luso-Espanhol de direito administrativo, Boletim daFaculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, pp. 345 e segs.
(4) FRITZ FLEINER,Instituciones de derecho administrativo (traduo espanhola), Barcelona: EditorialLabor, 1993, p. 263.
(5) BARTOLOMEU SELLERI, Pubblica amministrazione e cittadino: alla ricerca della parit, Roma:Ed. Scientifica, 1984. Esta ltima reflexo tem em si subjacente a problemtica de saber se nessa fuga ounessa procura de paridade no estar encoberto, consciente ou inconscientemente, o desejo de abandono doDireito pelo Estado e sua Administrao.
(6) Necessariamente, ser uma fuga no sentido de subterfgio habilidoso ou de fuga de um prisioneiro,o Estado, do direito pblico, a evadir-se para a liberdade do direito privado.
(7) Cfr. MARIA JOO ESTORNINHO, A Fuga para o Direito Privado. Contributo para o estudo da
actividade de direito privado da Administrao Pblica, edio reimpressa, Coimbra: Almedina, 1999, pp.32 e segs.
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Tal como se comeou por afirmar, o Estado actua cada vez mais como um particular,
relacionando-se com os demais despido da veste de imperium e sujeitando-se ao Direito
Privado. Um exemplo do que se acaba de referir so precisamente as empresas pblicas,
onde o Estado-Legislador pretende expressamente jogar no campo do Direito Privado
(artigo 7. do Decreto-Lei n. 558/99, de 17 de Dezembro (doravante RSEE), que
estabeleceu o regime jurdico do sector empresarial do Estado e das empresas pblicas) (8).
Sendo o Estado, um Estado de Direito e, em consequncia, sendo a obedincia ao
Direito para o Estado necessariamente estrita, a capacidade de agir, a iniciativa para a
aco, assim como os fins e critrios que lhe presidem no relacionamento com os
particulares, tm de encontrar um fundamento fora ou para alm do Estado. Esse
fundamento o Direito, exteriorizado por intermdio das normas atributivas de
competncia, ou, na sua ausncia, atravs da juridicizao da proibio do arbtrio
incorporada como uma clusula geral atributiva de competncia.
A clusula geral da proibio do arbtrio ser necessariamente indeterminada. A
plasticidade -lhe essencial porquanto lhe permite adaptar-se facilmente aos renovados
equilbrios da evoluo social, na procura da satisfao contnua do interesse geral, ele
mesmo um conceito indeterminado.
Na ausncia de qualquer mediao legislativa, a Administrao tem tomado as
decises no mbito do Direito Privado em razo de uma autorizao que decorre do
ordenamento jurdico como um todo, id est, em razo de um quadro valorativo que
caracteriza esse ordenamento, o distingue dos demais, tornando-o nico (reforo da
importncia do Direito como sistema) (9).
No quadro da ideia do Direito como sistema, o Princpio da Justiaadquire valor
decisivo. A Administrao actua segundo o Princpio da Justia, tal como lhe impostopelo n. 2 do artigo 266. da Constituio da Repblica Portuguesa (doravante CRP) (10),
(8) Quanto s empresas municipais, o respectivo regime jurdico foi estabelecido pela Lei n.58/98, de 18 de Agosto (Lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais - LEMI).
(9) Realando a coerncia sistemtica do direito administrativo e a sua importncia para fazer face aosnovos desafios, nomeadamente os da responsabilidade estatal resultantes do movimento de privatizao, vera tese de EBERHARD SCHMIDT-ASSMAN, Das allgemeine Verwaltungsrecht als Ordnungsidee, SpringerVerlag, Berlin: Heidelberg, 1998.
(10
) Nas palavras sbias de GOMES CANOTILHO, A proclamada unidade da ordem jurdica parece estardefinitivamente ultrapassada. A tenso entre a ordem e o caos coloca-nos ento perante um problema: como
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princpio esse que tem como corolrio a autonomizao dos princpios da
proporcionalidade, da igualdade, da imparcialidade e da boa-f, continuando a ser assim o
alfobre dos valores fundamentais atravs dos quais a sociedade pretende reger-se (11).
O Princpio da Justia a sntese das directrizes valorativas do sistema jurdico,
aceites pela comunidade como patrimnio que identifica o seu direito e que
continuadamente procura actualizar-se.
Quando o Estado-Administrao segue as vias do Direito Privado e no as do Direito
Pblico para prosseguir os fins que lhe so impostos, justifica muitas das vezes essa opo
atravs dum princpio de eficcia, quando no mesmo de optimizao dos meios em funo
dos fins a atingir, o princpio da eficincia.
Relevante para a compreenso do referido movimento de fuga o enquadramento
em que este movimento tem tido lugar, id est, todo o conjunto de dependncias e
solicitaes que diariamente e crescentemente so exigidas do Estado.
A interrogao que devemos colocar () parece ento ser esta: no estaremos a
pedir ao Estado, e o mesmo ser dizer, sua Administrao, que faa de Deus e resolva
todos os problemas sociais, os nossos problemas, a seu modo? E, nesse desejo de querer
Deus na Terra no vai implcito o desejo de eliminar da aco estadual o problema doDireito e, logo, o problema do arbtrio? (12).
Exigir do Estado uma aco eficiente, uma aco que optimize os meios em funo
dos fins, corresponde a exigir o cumprimento dos ditames de Direito. Mas essa
optimizao no poder ser obtida no sentido da legitimao pelo resultado, numa viso
em que os resultados atingidos justificam os meios usados, quaisquer que estes sejam. Os
prprios meios devem ser pelo Direito reconhecidos e, principalmente, previstos e assim
desejados, numa ideia de proibio do arbtrio.
O apelo aos valores da ordem jurdica exigidos pela proibio do arbtrio pode ser
traduzido de uma forma positiva em que a proibio do arbtrio exija do Estado e
navegar no cosmos normativo?, Direito Constitucional e Teoria da Constituio, 2. ed., Coimbra:Almedina, 1998, p. 1021.
(11) V. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituio da Repblica Portuguesa Anotada, 3
edio, Coimbra: Coimbra Editora, 1993, anotao ao artigo 266..(12) Cfr. MARIA DA GLRIA GARCIA, op. cit.,p. 346.
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consequentemente da sua Administrao, que a sua apreciao das situaes e a procura
das solues seja guiada pela j referida ideia de justia.
Uma deciso viola, no enquadramento definido, o princpio da proibio do arbtrio
se, de um modo claro, sem margem para quaisquer dvidas, violar essa sntese valorativa e
afectar os sentimentos mais elementares de justia da comunidade.
Independentemente do que acontecer e das posies que possam ser tomadas quanto
legitimao da aco de um Estado, no pode deixar de se encontrar um lugar para o
Direito no Estado, um lugar para o Direito na Administrao Pblica, mesmo quando
actuem sob a alada do Direito Privado.
2. A FUSO ENTRE O DIREITO PBLICO E O DIREITO PRIVADO
Como j se referiu, na sociedade actual, o papel do Estado alastrou-se a todas as
esferas da sociedade, incluindo a Economia. Tal polinizao arrastou consigo o
esbatimento da clssica distino entre os campos de actuao do Direito Pblico e do
Direito Privado, podendo mesmo afirmar-se ser difcil encontrar domnios isentos do
Direito Pblico.
Continuando o Direito Privado a ter um papel indispensvel na estruturao jurdica
da Economia, assiste-se hoje porm a uma reorientao do ncleo do Direito Econmico
para as normas de Direito Pblico (13). Tal reorientao realizada custa do designado
fenmeno da interpenetrao, principalmente do Direito Pblico pelo Direito Privado,
sendo assim evidente a extrema dificuldade na separao das guas (14).
O Direito Privado vem assumindo cada vez mais um cariz instrumental face
interveno econmica do Estado, verificando-se uma reduo da tradicional
excepcionalidade jurdica desta interveno manifesta atravs do seguinte: por um lado,
tem cada vez mais como destinatrios entidades privadas, cuja aco se tem associado do
Estado em prol dos objectivos deste; por outro lado, o Estado tem rogado sujeitar-se
(13) V. LUS S. CABRAL DE MONCADA, Direito Econmico, 4. ed. Revista e Actualizada, Coimbra:Coimbra Editora, 2003, p. 16.
(14
) Assim, JORGE MIRANDA,Direito Econmico, Enciclopdia Polis, vol. 2, Lisboa: Editorial Verbo,1984, p. 446.
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deliberadamente ao mesmo, embora encoberto de diversas capas, como o exemplo das
empresas pblicas.
Com a interveno estadual no domnio da Economia, os ditames clssicos da
distino entre o Direito Pblico e o Direito Privado caem cada vez mais por terra. Se
tomarmos por referncia o critrio orgnico, dificilmente poderemos situar a natureza
publicstica ou privatstica de uma sociedade de economia mista. Se considerarmos o
critrio do fim prosseguido, o Estado prossegue hoje finalidades puramente empresariais,
muitas das vezes atravs de empresas pblicas criadas por outras empresas pblicas.
Mesmo no seio da Administrao Pblica, a introduo do princpio da eficcia e das
tcnicas do management (em resultado dos cidados passarem a interessar-se mais pela
qualidade dos servios pblicos e menos pelo estrito respeito pelos funcionrios das regras
do Direito Administrativo) (15), conduziu a que o denominado estatuto da Funo Pblica
(16), visto como um monumento intocvel (17), fosse desvirtuado nos seus elementos
cardiais (18) e comeasse a ser substitudo pelo Direito Laboral enquanto fonte reguladora
das relaes de emprego pblico (19).
No resulta ser consequncia da mera capacidade de Direito Privado do Estado os
meios jurdicos ao dispor das entidades pblicas, privadas e mistas destinatrias da suainterveno econmica. So antes resultado do conjunto de prerrogativas e especificidades
atribudas pelo Estado com o objectivo de facilitar a sua interveno.
(15) V. JEAN-MARIE WOEHRLING, Lvolution du Rle du Droi dans LAction Administrative,RevueFranaise d`Administration Publique, n. 26, 1983, pp. 138 e segs.
(16) Estatuto esse entendido como o conjunto de normas de Direito Pblico que disciplina a relaojurdica de emprego pblico e demais relaes jurdicas nela filiadas v. JOO ALFAIA, Conceitos
Fundamentais do Regime Jurdico do Funcionalismo Pblico, vol. I, Coimbra: Almedina, 1985, p. 17.(17) V. JACQUES CHEVALLIER/DANIELE LOSCHAK, Racionalit Juridique et Racionalit Managrialedans LAdministration Franaise, Revue Franaise dAdministration Publique, n. 24, 1982, pp. 90 e segs.
(18) V. RAMN PARADA,Derecho Administrativo II. Organizacin y empleo pblico,13. ed., Madrid:Marcial Pons, 1999, p. 90.
(19) V., neste sentido, SILVIA DEL SAZ, La Privatizacin de las Relaciones Laborales en lasAdministraciones Pblicas, Os Caminhos da Privatizao da Administrao Pblica, IV Colquio Luso-Espanhol de direito administrativo, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra:Coimbra Editora, 2001, p. 147 e FERNANDA MAS, A Relao Jurdica de Emprego Pblico. Tendncias
Actuais, Seminrio Novas Perspectivas de Directo Pblico, Lisboa: IGAT, 1999, pp. 1 e segs. Embora no sepossa falar da existncia de um modelo ideal de Funo Pblica para que tenderiam os sistemasadministrativos dos diversos pases, inegvel que na maior parte dos pases europeus se assiste a umatendncia para a contratualizao das condies de emprego ao nvel da Administrao Pblica v. ALAIN
CLAISSE/MARIE-CHRISTINE MEININGER, Les Fonctions Publiques a Lpreuve de la Modernisation, RevueFranaise dAdministration Publique, n. 75, 1995, pp. 443 a 450.
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Ao Direito Privado compete assumir-se como o meio mais adequado para a
manifestao da vontade privada, nomeadamente em ordens jurdicas democrticas que, tal
como a nossa, lhe reconhecem carcter conformador da ordem jurdico-econmica.
Ao Direito Pblico, enquanto direito do interesse geral, no compete intervir na
esfera privada da actividade econmica. Os interesses da colectividade devem ser
espontaneamente realizados no mercado, atravs do livre jogo da iniciativa e do risco
individual, apenas regulados pelo Direito Privado, regra geral, o Civil e o Comercial. O
Direito Pblico deve ser impermevel Economia, exclusiva esta da iniciativa privada e
consequentemente do Direito que rege os privados.
A deciso econmica no deve ser a primeira agenda de um Estado, mas antes o
garantir da vida social e poltica, estas sim nucleares do Direito Pblico.
O Estado no deve inventar finalidades prprias atravs de fundamentos que
legitimam a interveno econmica realizada atravs das suas empresas. Em vez de
prescrever produtos e servios para cada cidado-consumidor, deve antes actuar de modo a
que cada um possa alcanar livremente as suas prprias produes e consumos (20).
Ao devolver para o Direito Privado a concretizao do seu regime e depois de ter
precisado os pressupostos da sua aplicao, o Direito Pblico funcionaliza o DireitoPrivado, tornando-o instrumento dcil dos seus desgnios e que, nessa medida, lhe rouba a
pureza da sua natureza jurdico-privada (21). Neste sentido, ganha cada vez mais
importncia a necessidade de separao entre o Direito Pblico e o Direito Privado, cada
um deles com a sua esfera de aplicao perfeitamente diferenciada.
3. A ADMINISTRAO PBLICA PRIVADA E OS PRINCPIOS JURDICOS
O confronto com a aco da Administrao Pblica segundo o Direito Privado
apenas pode ser compreendida com o permanente apelo rede de princpios jurdicos que,
apesar da ausncia do poder de imperium so, pela natureza das coisas, o lastro
indispensvel e o ltimo reduto da aco legtima do Estado.
(20) Neste sentido, JOSEPH SCHUMPETER, Capitalism, Socialism and Democracy, 5. ed., London: Allen
& Unwin, 1981, pp. 297 e segs.(21) Cfr. LUS S.CABRAL DE MONCADA, op. cit., pp. 17 e 18.
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No contexto de vestes particulares assumidas pela Administrao, assumem
primordial importncia princpios como o da igualdade que proba a discriminao e o da
imparcialidade que imponha o sopesar dos interesses em presena.
Nem sempre simples para a Administrao cumprir a rede de princpios que a
regem, surgindo na realidade dos factos conflitos entre os mesmos. Com efeito, uma
deciso legtima pode ser a que coincide com uma gesto eficaz e financeiramente
eficiente, mas no ser capaz de abranger a igualdade material subjacente ideia de justia
socialmente exigida. O princpio da ponderao global dos interesses poder ser assumido
como critrio orientador para a suapraxisdiria. Mas tal princpio dever ser entrelaado
com o princpio da racionalidade, porventura mais conhecido pela expresso inglesa rule
of reasonableness.
Assim, os actos do Estado-Administrao devem ser fruto de um discurso racional,
coerente e capaz de convencer. O discurso racional de um Estado, mesmo que empresrio,
torna-se limite da sua aco por intermdio do princpio da racionalidade.
Se um discurso racional necessrio para concretizar os princpios jurdicos na sua
aco, mais ainda o ser na caracterstica essencial de qualquer actuao de um Estado e
que a sua actividade jurdico-legal. A sua principal preocupao deve ser a de estabelecero quadro legal dentro do qual todos os cidados possam exercer a sua liberdade, mas no
mbito da justificao do Estado pelo Direito e enquanto actuar na forma do Direito,
incluindo os seus princpios orientadores.
4. A ADMINISTRAO PBLICA E O LIVRE ARBTRIO
Um dos princpios basilares do Direito Privado o princpio da autonomia da
vontade. O mesmo tem por fundamento o poder de autodeterminao do homem, tambmdesignado de livre arbtrio. O livre arbtriomaterializa-se na possibilidade do homem
agir de acordo com fins por si estabelecidos, segundo a sua vontade, responsabilizando-se
pelos seus comportamentos.
No que ao Estado diz respeito, apesar de o arbtrio estar tambm presente na sua
aco, de imediato se conclui que dele est ausente qualquer sentido positivo.
Inversamente ao homem, vedado ao Estado e, logo, sua Administrao, agir
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arbitrariamente, sob pena de contradizer a sua essncia. Assim se prev o princpio da
proibio do arbtrio.
A proibio do arbtrio funda a rejeio da aco estadual moralmente
injustificvel, traduzida na no-aceitao da aco estadual que objectivamente no se
contenha no quadro de valores em que assenta a ordem jurdica globalmente considerada.
Toda a aco do Estado necessita sempre de ser previamente justificada, sendo esta
necessidade no um dado natural mas construdo para atingir objectivos especficos, como
o sejam a concretizao de uma vivncia social pacfica de acordo com uma ideia de
justia.
O Estado surge para prosseguir fins alheios, que o transcendem, e atravs daheteronomia desses fins e no da autonomia da vontade que a sua aco legitimada e
avaliada. A autonomia a fonte de uma ordem jurdica prpria e exclusiva, regida por
princpios especficos que se distinguem claramente da ordem jurdica estadual (22).
Quanto mais o Estado intervm na Economia, maior a dificuldade para os
indivduos elaborarem os seus planos uma vez que toda a interveno ter como base o
conjunto das circunstncias do momento e no poder, portanto, ser passvel de prvia
definio (23).
Nestes termos, assume reforada importncia a consagrao do princpio do Estado
de Direito em todas as aces do Estado, nomeadamente atravs do estabelecimento de
normas previamente estabelecidas e anunciadas. A principal preocupao deve ser
estabelecer o quadro necessrio para permitir a todo o indivduo ser livre de procurar
realizar os seus propsitos e desejos pessoais na certeza de que o poder do governo no
ser deliberadamente utilizado para frustrar os seus interesses.
(22) Assim, JOO BATISTA MACHADO, Participao e Descentralizao. Democratizao eNeutralidade na Constituio de 1976, Coimbra: Almedina, 1982, pp. 70 e segs.
(23) Conforme nos recorda FREDERICO HAYEK, O caminho para a servido, Lisboa: Teoremas, 1977,p. 228, o poder concentrado ao servio de uma empresa pblica maior que o mesmo dividido pelas diversasempresas privadas. Com efeito, Num sistema de concorrncia no h ningum que possa exercer umafraco do poder daquele que exercido por uma empresa pblica em monoplio. Disseminar ou
descentralizar o poder equivale, necessariamente, a diminuir a quantidade absoluta e de poder, reduzindo-se opoder exercido pelo homem.
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5. A PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL
O modelo de Estado teleologicamente orientado para a prossecuo do bem-estar j
estava consagrado, em pleno, na Constituio de 1976, sendo um modelo baseado nadignidade da pessoa humana enquanto realizao da solidariedade social atravs da
democracia econmica. Foi intencionada a viso de um Estado produtor de bens e
prestador de servios, mas numa perspectiva de Estado Social Justiceiro, tambm
designado por alguns autores de Estado Zorro (24).
A generalizao at aos nossos tempos da viso do Estado de bem-estar acarretou
uma verdadeira reformulao do modelo clssico tendente separao entre o Estado e
sociedade, podendo-se afirmar hoje que no h sociedade sem Estado, nem o Estado podeser entendido sem a sociedade (25).
A reformulao do papel do Estado resultante do modelo de bem-estar imputou
directamente no mesmo imposies constitucionais de concretizao (26), potenciando o
desenvolvimento de um Estado economicamente interventor (27), fundeado na Constituio
que instituiu um conjunto de mecanismos jurdicos tendentes sua efectivao e garantia
(28).
No obstante, a possibilidade constitucional da interveno do Estado no pode
deixar de ter em considerao outros imperativos constitucionais que reforam a
interveno da sociedade civil. A garantia estatal de proviso de um bem no implica que
(24) Cfr. CLAUDE EMERI,Ltat de Droit dans les Systmes Polyarchiques Europens,Revue Franaise
de Droit Constitucionnel, 1992, pp. 35 e 36, citado por PAULO OTERO, Vinculao e Liberdade deConformao Jurdica do Sector Empresarial do Estado, Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 14. O EstadoZorro traduz a ideia de um Estado que protege os fracos, as minorias, os deserdados, as vtimas actuais oupotenciais de um desenvolvimento desordenado.
(25) Sobre a gradual interpenetrao entre o Estado e a sociedade, v. MARIA DA GLRIA DIAS GARCIA,Da Justia Administrativa em Portugal, Lisboa: Universidade Catlica Editora, 1994, pp. 512 e segs.
(26) Assim, GOMES CANOTILHO, Constituio Dirigente e Vinculao do Legislador, Coimbra:Coimbra Editora, 1982, pp. 285 e segs.
(27) Neste sentido e de forma mais desenvolvida, v. PAULO OTERO, O Poder de Substituio em DireitoAdministrativo: enquadramento dogmtico-constitucional, Volume 2, Lisboa: Lex-Edies Jurdicas, 1995,pp. 590 e segs.
(28) Como no poderia deixar de se verificar, rapidamente se atingiram excessos de Estado de bem-estar, chegando mesmo a falar-se em crise do Estado de bem-estar ou de um Estado de mal-estar. Assim,
RAMON COTARELO, Del Estado del Bienestar al Estado del Malestar, 2. ed., Madrid: Centro de EstudiosConstitucionales, 1990.
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essa proviso ocorra margem do mercado, exigindo-se apenas o fornecimento de meios
que permitam o acesso ao mercado do bem em causa (29).
Perante a Constituio da Repblica Portuguesa e considerando as funes
inerentes segurana, defesa e justia, desde sempre se levantou a questo em saber se
a interveno pblica do Estado na economia, na tal finalidade do bem-estar, deve
envolver uma actividade directa constitutiva ou prestadora ou, diferentemente, ser apenas
um agente com um lugar supletivo, visando suprir casos de inrcia ou desinteresse da
sociedade civil (30). No fundo o que se pretende saber se a interveno econmica dos
poderes pblicos deve nortear-se por um princpio normativo da subsidiariedade (31),
onde a clusula constitucional do bem-estar deva ser atingida, em primeira linha, atravs
da sociedade civil.
No mbito do respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidados, o Estado
deve respeitar a operatividade da liberdade de iniciativa econmica privada, respeitando o
facto de que no existe um, mas vrios sectores de propriedade dos meios de produo,
devendo o Sector Pblico respeitar a existncia do Sector Privado, Cooperativo e Social
(32).
O princpio (implcito) da subsidiariedade do Estado, derivado do respeito peladignidade da pessoa humana, subordina a interveno directa do Estado a uma regra de
necessidade (33) e no ao princpio do livre arbtrio legislativo.
ideia de necessidade da interveno e apropriao pblica dos meios de produo
est tambm aliada o princpio geral da reserva de lei ou, por outras palavras, o princpio
(29) Cf. JOO CARLOS ESPADA, Social Citizenship Rights: A Critique of F. A. Hayek and RaymondPlant, London: Macmillan Press, 1996, pp. 186 a 188.
(30) Cf. VITAL MOREIRA,A Ordem Jurdica do Capitalismo, 3. ed., Coimbra: Centelha, 1978, pp. 218e segs.
(31) Cf. JOO BATISTA MACHADO, Lies de Introduo ao Direito Pblico, Obra Dispersa, ScientiaIuridica, vol. II, Braga: Universidade do Minho, 1993, p. 413.
(32) A alnea c) do artigo 80. da CRP, proclama a liberdade de iniciativa e de organizao empresarialcomo princpio fundamental da organizao econmico-social; o n. 1 do artigo 86. da CRP, vincula oEstado a incentivar a actividade empresarial privada; o n. 3 do mesmo artigo 86., constitucionaliza aexigncia de sectores bsicos vedados por lei actividade de empresas privadas.
(33
) Cf. PAULO OTERO, Vinculao , Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 46.
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da legalidade da interveno (34). A lei deve funcionar como fundamento da competncia
de interveno, como critrio de exerccio e de limite de uma tal competncia (35).
Considerando que o n. 1 do artigo 266. da CRP, subordina a Administrao
prossecuo do interesse pblico, o Estado-Legislador apenas poder atribuir aos rgos
administrativos ou a outras entidades, mesmo que privadas (empresas pblicas), criadas
para intervir na economia, o exerccio de actividades que visem prosseguir o interesse
pblico. A subordinao da interveno pblica lei uma contribuio para que a
actuao seja sempre filtrada por uma fundamentao de interesse pblico, sob pena de
violao de lei ou de desvio de poder, seno mesmo de inconstitucionalidade.
Como Estado-Membro da Unio Europeia, Portugal encontra-se vinculado a
cumprir o Tratado da Unio Europeia quanto subsidiariedade estadual diz respeito. Se,
por um lado, a Unio Europeia foi tambm estabelecida tendo em vista a prossecuo do
bem-estar (36), por outro, a Comunidade s deve intervir na medida que os objectivos a
atingir possam ser mais bem alcanados pelos prprios Estados-Membros (37).
Tambm resulta do prprio Direito Comunitrio a subsidiariedade estadual em
relao prpria sociedade civil, id est, estabelecendo-se como princpios estruturantes de
toda a Comunidade a defesa da concorrncia (38
), o direito de estabelecimento (39
) e asliberdades de circulao de servios e capitais (40), o intervencionismo dos Estados fica
nessas reas limitado a uma aco subsidiria em relao aos particulares (41).
(
34
) Cfr. artigo 83. da CRP.(35) Assim, ANTNIO DE SOUSA FRANCO E GUILHERME DOLIVEIRA MARTINS, A ConstituioEconmica Portuguesa Ensaio Interpretativo, Coimbra: Almedina, 1993, pp. 226 e segs.
(36) Cfr. o primeiro pargrafo do Artigo B do Tratado da Unio Europeia, verso assinada emMaastricht, em 7 de Fevereiro de 1992, o qual estabelecia que A Unio atribui-se os seguintes objectivos: -A promoo de um progresso econmico e social equilibrado e sustentvel ().
(37) Para uma anlise mais aprofundada, Cf., por todos, FAUSTO DE QUADROS, O Princpio daSubsidiariedade no Direito Comunitrio Aps o Tratado da Unio Europeia, Coimbra: Almedina, 1995.
(38) Cfr. alnea g) do n. 1 do artigo 3. e artigos 85. a 94. do Tratado da Comunidade Europeia.(39) Cfr. artigos 43. e segs. do Tratado da Comunidade Europeia.(40) Cfr. artigos 59. e segs. do Tratado da Comunidade Europeia.(41) Refiram-se, entre outras, como posio que defende o valor infraconstitucional do Direito
Comunitrio, MARIA LUSA DUARTE, O Tratado da Unio Europeia e a Garantia da Constituio (Notas de
uma reflexo crtica), Estudos em Memria do Professor Doutor Joo de Castro Mendes, Lisboa: FDL/Lex-Edies Jurdicas, 1995, pp. 704 e segs.
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CAPTULO II
AS EMPRESAS PBLICAS DA PERSPECTIVA FORMAL
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6. ENQUADRAMENTO ESPECIAL
6.1. Introduo histrica
Para compreender a realidade que hoje temos sobre como se encontra estruturada a
Administrao Pblica e como esta se tem vestido de empresa pblica, necessrio fazer
um percurso (42), ainda que breve, sobre aquilo que foi a Administrao Pblica no
passado, uma vez que, como bem nota ROGRIO SOARES, (...) uma compreenso de
muitos institutos ainda hoje vigentes no pode alcanar-se sem que se tenha presente, nas
suas linhas gerais, o processo de ritmo varivel de que eles so ainda o ltimo (mas no
definitivo) termo (43
).A consolidao do Estado Moderno e o surgimento da Administrao Pblica, tal
como a entendemos hoje, resultado de um longo e complexo processo que se confunde
com a dissoluo das relaes feudais e o surgimento do Estado absoluto.
Quando da Corte e da estrutura feudal se destacaram um conjunto de cargos de
derivao feudal (os oficiais) ou de criao rgia (os comissrios), passou a ser promovida
de modo estvel a satisfao das necessidades pblicas.
A transio do Estado Medieval para o Estado Moderno caracterizou-se por uma
progressiva centralizao e fortalecimento do poder real, alicerado nas noes de Estado e
de soberania, introduzidas respectivamente por MAQUIAVEL e JEAN BODIN. Para o efeito
no ter deixado de contribuir a grande expanso comercial e financeira decorrente dos
Descobrimentos, a qual debilitou as estruturas senhoriais feudais (44).
Se no Estado Medieval tnhamos como marca distintiva a funo da realizao da
Justia, no Estado Moderno acresce a realizao da Polcia, entendida ela como uma
actividade de promoo do bem-estar social (45).
(42) Cf. PAULO VEIGA E MOURA,A Privatizao da Funo Pblica, Coimbra: Coimbra Editora, 2004,pp. 18 e segs.
(43) Cfr. ROGRIO SOARES,Interesse Pblico, Legalidade e Mrito, Coimbra: [s.n.], 1955, p. 47.(44) V. LUCIANO PAREJO/ANTNIO JIMNEZ-BLANCO/LUIS ORTEGA, Manual de Derecho
Administrativo, 3. ed., Barcelona: Ariel, 1990, p. 5.(45) O conceito de Polcia, que surgia com um sentido aproximado ao que actualmente se atribui
expresso Administrao Pblica, representava a actuao do Prncipe dirigida realizao do bem-estar e dafelicidade dos sbditos v. MARCELO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 10. ed., 6.
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A definio, o estabelecimento e a execuo da ideia existente data do conceito de
bem-estar competia ao monarca. A vontade rgia, alicerada na razo de Estado ou na
salus publica, era a fonte do direito, o qual se transformava no resultado da vontade do
monarca. Existia, em sntese, uma total identificao entre o Estado, o Direito e o Rei, to
bem conhecida atravs da proclamao de Lus XIV que LEtat cest moi.
O jurdico esgotava-se no Direito Privado, por regra apenas aplicvel aos sbditos,
desenrolando-se toda a actividade da Administrao sem subordinao a preceitos
jurdicos, mas apenas com obedincia s instrues emitidas pelo soberano,
impossibilitando que o particular reivindicasse quaisquer direitos face ao Estado.
Como o Estado e a respectiva Administrao actuavam margem do Direito, foi
encontrada como nica soluo a criao de uma pessoa de direito privado a quem
pudesse ser imputada a responsabilidade pelos prejuzos causados pela Polcia, no que
brilhantemente representado pelo ditame de OTTO MAYER Soumets-toi et presente ta
note(46). Surge ento o fisco, que no dispunha de qualquer autoridade e mais no era do
que um sbdito de um mesmo rei.
Com a Revoluo Francesa, os ventos da mudana encarregam-se de mudar
radicalmente os paradigmas do Estado e da Sociedade. A soberania deixa de radicar nomonarca para passar a nascer da sociedade, vulgo povo, sendo a vontade geral distinta das
vontades individuais que a compem, sobre estas prevalecendo (47).
A definio da vontade geral agora de definio legal, sendo que a lei
perspectividade de geral e impessoal, condio essencial para alcanar a igualdade e
liberdade to vivamente proclamadas.
A lei passa a surgir como expresso do interesse e bem comum, sendo atravs dela
que o Estado se relaciona com a sociedade, mais definindo, por um lado, os limites dos
reimpresso, Coimbra: Almedina, 1999, p. 1145 e ALEJANDRO NIETO, Algunas Precisiones sobre elConcepto de Polcia, Revista de Administracin Pblica, n. 81, 1976, pp. 35 a 75.
(46) V. OTTO MAYER, Le Droit Administratif Allemand, Tomo I, (edio francesa) Paris: Giard &Brire, 1906, p. 61, nota 22, assim citado por PAULO VEIGA E MOURA,A Privatizao, Coimbra: Coimbra
Editora, 2004, p. 22.(47) V. ROGRIO SOARES,Interesse , Coimbra: [s.n.], 1955, p. 63.
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direitos individuais em face do interesse geral e, por outro, balizando a actuao da
Administrao Pblica (48).
Os privilgios outrora existentes so abominados e combatidos atravs do Estado.
Proclama-se que todos os homens so iguais por natureza e perante a lei, o que leva ao
reconhecimento de que os () privilgios so por sua natureza injustos, odiosos e
contraditrios com o fim supremo de toda a sociedade poltica (49) e conduz supresso
dos ofcios e abertura do acesso s funes pblicas a todos os cidados (50).
A Administrao Pblica passa a ser organizada em termos militares, parecendo os
seus funcionrios soldados que integram um verdadeiro exrcito, tendo como seus chefes,
os Ministros, e os seus estados-maiores, os Secretrios (51).
Como guardi de valores supra particulares, a Administrao assume-se como
detentora de toda a vontade e ensejos. A autoridade o seu prncipe, a obedincia a sua lei
e a disciplina a sua fora. O funcionrio, algum que desempenha um importante papel no
seio do Estado, participa no exerccio da soberania e autoridade estadual, pelo que era visto
como un citoyen spcial (52), que no possua interesses distintos da estrutura que serve e
com a qual se confunde permanentemente, de tal forma que os seus interesses se diluem
nos interesses do servio pblico ao ponto de se afirmar que ambos so solidrios (53
).No final da Segunda Grande Guerra o Estado assume inquestionavelmente o papel
de principal actor do gigantesco palco social, determinando que a Administrao passasse
a ser vista menos como um gendarme destinado a manter a ordem necessria ao
(
48
) V. VASCO PEREIRA DA SILVA, Em busca do Acto Administrativo Perdido, Coimbra: Almedina,1996, p. 63.(49) Cfr. EMMANUEL SIEYES, Essai sur les Privilges, Quest-ce que le Tiers tat, Paris, 1888, p. 3.(50) Cf. CATHERINE KAFTANI, La Formation du Concept de Fonction Publique en France,
Bibliothque de Droit Public, Tome 196, Paris: LGDJ, 1998, p. 65.(51) A Napoleo deve-se a ideia da criao de uma ordem civil como um conjunto de grandes corpos
permanentes, dotados de estatutos singulares semelhana da organizao das carreiras militares. Nessesentido se pronunciou perante o Conselho de Estado ao referir que desejava construir em Frana uma ordemcivil semelhana dos dois nicos poderes que existiam no mundo, o militar e o eclesistico, salientando quedesejava uma corporao que no tivesse outra ambio que no fosse ser til e outro interesse que ointeresse pblico v. Ramon Parada, Derecho Administrativo II. Organizacin y empleo pblico, 13. ed.,Madrid: Marcial Pons, 1999, pp. 401 e 402.
(52) Cfr. MAURICE HAURIOU, Prcis lmentaire de Droit administratif, 4. ed., Paris: Recueil Sirey,
1938, p. 73.(53) V. LEON DUGUIT, Trait de Droit Constitucionnel, 2. ed., Paris: Boccard, 1923, Tomo III, p. 150.
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exerccio dos direitos por parte dos cidados, e mais como uma companheira que estes no
podem de modo algum dispensar (54).
O Administrado, perante uma teia que passa a penetrar em todos os pontos da sua
vida, vai passar reclamar que o Estado lhe fornea a ajuda necessria para alcanar o seu
bem-estar, o que conduz por sua vez ao reforo da interveno do Estado na sociedade pela
expanso do campo de actuao e interveno do aparelho estadual (55).
A Administrao, outrora eminentemente garante, abandona o famoso laissez
faire e transforma-se numa Administrao fundamentalmente prestadora, funcionando
como o sucedneo terreno da Divina Providncia (56), alicerando a sua actuao no
conceito de procura existencial ou Daseinsvorsorge (57).
O movimento do crescimento do Estado, embora com variaes de maior ou menor
acentuao, no tem parado de crescer. Os novos e inmeros domnios em que se reclama
e se faz sentir a interveno do Estado vo sendo acompanhados pela instituio de outros
tantos servios ou organismos de participao pblica, podendo afirmar-se que () onde
quer que exista e se manifeste com intensidade suficiente uma necessidade colectiva, a
surgir um servio pblico, destinado a satisfaz-la, em nome e no interesse da
colectividade (58
).
(54) V. CNDIDO DE OLIVEIRA, A Administrao Pblica de Prestao e o Direito Administrativo,Scientia Iuridica, Tomo XLV, n.os259/261, Braga: Universidade do Minho, 1996, p. 114.
(55) A expanso do campo de actuao do Estado decorre, em primeiro lugar, do aparecimento detarefas inteiramente novas, depois de uma modificao da actividade da Administrao, a qual no se limita agerir o presente mas tambm a preparar o futuro, e, finalmente, de um empolamento das suas actividadestradicionais, uma vez que o mesmo quando faz a mesma coisa que o Estado do Sculo XIX, o Estadomoderno levado a estender consideravelmente a sua aco assim, JEAN RIVERO,Droit Administratif, 13.ed., Paris: Dalloz, 1992, pp. 31 e segs.
(
56
) V. VASCO PEREIRA DA SILVA, Para Um Contencioso Administrativo dos Particulares - Esboo deuma Teoria Subjectivista do Recurso Directo de Anulao), Coimbra: Almedina, 1989, p. 42.(57) A expressoDaseinsvorsorgefoi empregue por FORSTHOFFem 1938 e no encontra no Portugus
uma palavra que tenha a mesma fora que na terminologia alem (v. V ASCO PEREIRA DA SILVA, Em Busca, Coimbra: Almedina, 1996, p. 75, nota 4), o mesmo se passando no idioma espanhol (v. A LFREDOGALLEGO ANABITARTE, Las Relaciones Especiales de Sujeicin y el Principio de La Legalidad de la
Administracin, Revista de Administracin Pblica, n. 34, 1961, p. 23, nota 52). Parece, porm, ser seguroafirmar-se que ela pressupe a superao da separao Estado/Sociedade e espelha uma ideia de assistnciavital e de preocupao pela existncia humana, assumindo-se como um fim, prosseguido pela Administraoe cuja feliz realizao est garantida por uma srie de mecanismos internos e externos prpriaAdministrao v., neste sentido, LORENZO MARTN-RETORTILLO BAQUER,La Configuracin Jurdica de la
Administracin Pblica y el Concepto de Daseinsvorsorge, Revista de Administracin Pblica, n. 38,1962, pp. 53 e segs.
(58
) Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. 1, 2. edio, Coimbra:Livraria Almedina, 1994, p. 31, sendo por este motivo que se afirma que o servio se tornou no alfae no
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Uma das manifestaes mais visveis do Estado Social , por isso, o crescimento
exponencial e desmesurado do aparelho burocrtico, obrigando a uma diversificao das
frmulas organizativas, designadamente pela descentralizao de funes para
organizaes especiais e autnomas, uma vez que a impotncia da Administrao Directa
do Estado para atender a todas as novas necessidades determinou que muitas das novas
tarefas administrativas fossem assumidas por instncias que lhe eram exteriores ( 59). Uma
das frmulas com particular importncia encontrada foi precisamente a figura do servio
pblico sob forma de empresa, claro est, pblica.
Perante o crescente alargamento e complexidade da actividade administrativa, o
Estado passou a encarregar o desempenho das suas tarefas administrativas a entes
instrumentais, propositadamente criados ou personalizados para o efeito. Tm sido criadas
(ou transformadas em) as empresas pblicas, sob a gide da convico de que as tarefas a
si atribudas sero mais bem realizadas, numa lgica de maior eficincia econmica.
6.2. Os conceitos de empresa pblica
Importa neste ponto analisar e situar o(s) conceito(s) de empresa pblica,
delimitao indispensvel para o enquadramento e compreenso das matrias que sobre as
mesmas podero ser esplanadas.
As empresas pblicas so puras criaes instrumentais do Estado, no
correspondendo a nenhuma colectividade ou agrupamento infra-estadual. Nestes casos
estamos ainda perante a normalmente designada Administrao Indirecta do Estado. A
Administrao Indirecta do Estado aquela que realizada por conta do Estado, mas por
outros entes que no o Estado pelos seus prprios servios.
mega do Direito Administrativo v. PROSPER WEIL, O Direito Administrativo, Traduzido, Coimbra:Almedina, 1977, p. 21.
(59) V. VITAL MOREIRA, Administrao Autnoma e Associaes Pblicas, Reimpresso, Coimbra:Coimbra Editora, 2003, p. 30, onde refere que com o incremento das tarefas estaduais foram crescentementesendo utilizados outros mecanismos institucionais alm do alargamento dos servios departamentais.Primeiro, deu-se a publicizao de instituies privadas preexistentes; depois, a criao de empresas eestabelecimentos pblicos autnomos; por fim, a criao estadual de empresas e estabelecimentos de direitoprivado ou a entrega de tais servios a entidades privadas com financiamento e controlo estadual. No sentidoda criao de uma mquina estadual nova, a funcionar ao lado da Administrao tradicional, tambm sepronuncia ROGRIO SOARES, Administrao Pblica, Direito Administrativo e Sujeito Privado, Boletim da
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra: Universidade de Coimbra, vol. XXXVII, p.129.
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O que caracteriza os entes pblicos que se encontram agrupados na Administrao
Indirecta do Estado o facto de eles no prosseguirem interesses prprios mas interesses
da entidade me (o Estado), e no definirem a sua prpria orientao (esta provm da
entidade-me), tal como as respectivas atribuies e poderes (devoluo de poderes).
A Administrao Indirecta ainda Administrao Estadual, na medida em que as
suas tarefas so tarefas do Estado, sendo estas entidades criadas, extintas e orientadas por
ele. Acresce ainda que essas entidades so financiadas, no todo ou em parte, directa ou
indirectamente por dinheiros pblicos, normalmente oriundos do oramento do Estado.
Durante os quase vinte e quatro anos de vigncia do Decreto-Lei n. 260/76, de 8 de
Abril (vrias vezes alterado), o conceito de empresa pblica estadual no direito portugus
(de origem interna) abrangia somente entidades de natureza institucional (no abrangia
entes de natureza societria) (60). Deixou de ser assim a partir de 1 de Janeiro de 2000, dia
em que entrou em vigor o Decreto-Lei n. 558/99, de 17 de Dezembro (RSEE), incluindo
as bases gerais do estatuto das empresas pblicas do Estado (n. 1 do artigo 1.).
Com a publicao do RSEE, a amplitude do SEE alargou-se substancialmente,
passando a compreender o conjunto das empresas pblicas e das empresas participadas,
tidas as primeiras numa acepo mais abrangente.De inspirao no acervo comunitrio, o conceito de empresa pblica (61), tal como
hoje est legalmente fixado (artigo 3. do RSEE), compreende as entidades pblicas
empresariais (EPE) e as empresas de natureza societria participadas pelo Estado.
Atravs do RSEE foi contemplada uma nova aproximao ao conceito de empresa
pblica em sentido jurdico-formal, associada forma comercial, atendendo-se ao regime
de direito sob o qual aquelas foram constitudas e regem a sua actividade. Para alm do
critrio da propriedade da maioria do capital, passa a predominar o do controlo atravs do
domnio conferido, por essa participao, parte detida por entidades pblicas.
Sem prejuzo da sua natureza jurdica (sociedades constitudas sob a forma
comercial e entidades pblicas empresariais), nos termos do RSEE so ambas designadas
(60) V. COUTINHO DE ABREU,Definio de Empresa Pblica, Separata do vol. XXXIV, Suplemento doBoletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra: Universidade de Coimbra, 1990.
(61) Sobre a noo comunitria de empresa pblica (ainda assim mais ampla que a portuguesa interna),
v. COUTINHO DE ABREU,Da empresarialidade (As empresas no direito), Coimbra: Almedina, 1996, pp. 292e segs.
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como empresas pblicas s quais quis o legislador, atravs do artigo 4., expressamente
atribuir a misso de contribuir para o equilbrio econmico-financeiro do conjunto do
sector pblico e a obteno de nveis adequados de satisfao das necessidades da
colectividade.
6.2.1. As Entidades Pblicas Empresariais
Integram o conceito de Entidade Pblica Empresarial, as entidades com natureza
empresarial criadas pelo Estado, nas quais se incluem as empresas pblicas (62), bem como
os fundos e servios autnomos com natureza empresarial que passam a tomar a
designao de EPE.
Tendo em conta os dados normativos do RSEE, diremos que as EPE (empresas
pblicas em sentido estrito)so, quanto natureza, pessoas colectivas de direito pblico
criadas pelo Estado com capitais pblicos (por ele atribudos ou por outras entidades
pblicas).
As EPE so destinadas formao (quando no j formadas ab initio) de
organizaes de meios produtoras de bens para a troca (empresas em sentido objectivo),
com denominao parcialmente taxativo-exclusiva e que, sob a superintendncia e tutela
estaduais, visam prosseguir (indirecta ou directamente) finalidades pblicas.
As EPE so, nos termos do artigo 25. do RSEE, pois, pessoas jurdicas com as
correspondentes capacidade de gozo de direitos, autonomia (administrativa em
sentido amplo, como capacidade para gerir patrimonialmente e praticar actos jurdicos;
financeira com receitas prprias e direito de delas dispor segundo prprio oramento; e
patrimonial com patrimnio privativo, mobilizvel (e s ele) para o cumprimento das
obrigaes das entidade pblicas empresariais), e pessoas jurdicas de direito pblico (oque antes era controvertido fica agora claro pelos dizeres do n. 1 do artigo 23.) (63).
A natureza da gesto pretendida de natureza empresarial, sendo o Direito Privado
o direito aplicvel nos termos do artigo 7. do RSEE (no obstante a sua sujeio a um
regime de tutela).
(62) Aqui entendidas as empresas pblicas existentes quela data, as quais eram regidas pelo Decreto-Lei n. 260/76, de 8 de Abril, como por exemplo as j mencionadas METRO DELISBOA, CP,REFER eNAV.
(63
) Sobre a questo na vigncia do Decreto-Lei n. 260/76, v. COUTINHO DE ABREU, Definio...,Coimbra: Universidade de Coimbra, 1990, pp. 183 e segs.
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6.2.2. As empresas de natureza societria
Nos termos do n. 1 do artigo 3. do RSEE consideram-se empresas pblicas as
sociedadesconstitudas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidadespblicas estaduais (64) possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou
indirecta, uma influncia dominanteem virtude de algumas da seguintes circunstncias: a)
deteno da maioria do capital ou dos direitos de voto (sociedades de capitais pblicos); b)
direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos rgos de administrao ou
de fiscalizao (65).
Assim, temos participaes detidas pelo Estado directa ou indirectamente, isolada
ou conjuntamente ou, ainda, atravs de participaes detidas pelas suas empresas em outras(participaes indirectas), as quais se desdobram em autntica cascata de participaes.
Regra geral esto em causa organizaes empresariais que tm uma participao
permanente do Estado ou de quaisquer outras entidades pblicas estaduais, de carcter
administrativo ou empresarial, de forma directa ou indirecta, desde que o conjunto das
participaes pblicas no origine uma situao tipificvel como de empresa pblica.
Deste universo fazem tambm parte as sociedades comerciais (annimas ou por
quotas), constitudas segundo o regime comercial e, por consequncia, sujeitas s normas
do Cdigo das Sociedades Comerciais, aos estatutos da empresa e, ainda, s disposies do
RSEE.
Trata-se de pessoas colectivas de direito privado, de gesto empresarial, regidas
pelo Direito Privado, encontrando-se o capital representado em partes sociais
(designadamente aces).
Alm das sociedades comerciais (ou civis de tipo comercial) dominadas peloEstado ou outras entidades pblicas estaduais, so empresas pblicas as entidades
pblicas empresariais (n. 2 do artigo 3. e artigo 23. e segs. do RSEE), sucessoras e
(64) Nestas entidades pblicas estaduais devem ver-se no apenas pessoas colectivas de direito pblico(institutos pblicos servios pblicos personalizados, estabelecimentos pblicos, fundaes pblicas,entidades pblicas empresariais) mas tambm pessoas colectivas de direito privado (sociedades de capitaispblicos ou de economia mista).
(65) De referir que as sociedades empresas pblicas no tm de ser constitudas nos termos da lei
comercial. Por exemplo, no podem deixar de ser consideradas empresas pblicas as sociedades de capitaispblicos estaduais constitudas por Decreto-lei ou Lei.
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continuadoras das empresas pblicas reguladas pelo agora revogado Decreto-Lei n.
260/76 (v. n. 2 do artigo 23. e artigo 40. do RSEE) (66).
As empresas pblicas, societrias ou institucionais, integram-se no Sector
Empresarial do Estado (n. 1 do artigo 2. do RSEE), includo no Sector Pblico (subsector
pblico-estadual), conforme prescrito pelo n. 2 do artigo 82. da CRP (67).
Nos termos do n. 1 do artigo 2. do RSEE, o Sector Empresarial do Estado integra
ainda as empresas participadas, definidas no n. 2 (definindo ainda o n. 3, de modo
enviesado, participaes permanentes). Todavia, como resulta tambm do n. 2 do artigo
6., no so propriamente as empresas participadas que se integram no SEE mas antes,
essencialmente, as respectivas participaes pblico-estaduais.
Apesar de o n. 1 do artigo 2., se referir to-s s empresas pblicas e s empresas
participadas, pertencem tambm ao Sector Empresarial do Estado as empresas no
personalizadas do Estado (68) ou de outras entidades pblicas estaduais, bem como as
empresas em forma de institutos pblicos (estaduais) (69).
6.2.3. Direito que rege a sua actividade
Embora pertencendo ao Sector Pblico Estadual (n. 2 do artigo 82. da CRP), asempresas pblicas (70), tal como j se referiu, so dominantemente regidas pelo Direito
Privado, no porque este se lhes aplique automaticamente mas porque o Direito assim o
determina.
(
66
) A expresso Entidades Pblicas Empresariais parece ter sido importada de Espanha (entidadespblicas empresariales). Sobre estas ltimas, v.g. ALFONDO PREZ MORENO/ENCARNACIN MONTOYAMARTN, Formas Organizativas del Sector Empresarial del Estado, Os Caminhos da Privatizao daAdministrao Pblica, IV Colquio Luso-Espanhol de direito administrativo, Boletim da Faculdade deDireito da Universidade de Coimbra, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, pp. 59 e segs.
(67) Cfr. COUTINHO DE ABREU,Da empresarialidade..., Coimbra: Almedina, 1996, pp. 159, 160 e 210a 214.
(68) Como foram, durante muito tempo, os estabelecimentos fabris militares.(69) De que eram exemplo as Administraes dos Portos (cfr. Decreto-Lei n. 348/86, de 16 de
Outubro), transformadas agora em sociedades annimas (empresas pblicas) v. os Decretos-Lei n. 335/98,n. 336/98, n. 337/98, n. 338/98 e n. 339/98, todos de 3 de Novembro de 1998.
(70) O mesmo se pode dizer relativamente s empresas pblicas municipais, que integrando o subsectorpblico no estadual (n. 2 do artigo 82. da CRP) ou o sector empresarial municipal (artigo 5. do RSEE),
tambm fazem reger a sua actuao maioritariamente pelo Direito Privado v. artigo 2. e n. 1 do artigo 7.do RSEE e artigo 3. da Lei n. 58/98, de 18 de Agosto (LEMI).
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Quanto s sociedades empresas pblicas, sendo pessoas colectivas privadas (71),
natural que a sua organizao e funcionamento sejam regidos basicamente pelo Direito
Privado (n. 1 do artigo 7. e artigo 16. do RSEE). Elas encontram-se sujeitas a um regime
de Direito Privado, fundamentalmente regido pelo Direito Societrio (sociedades
comerciais), embora regulado, em aspectos particulares, pelo RSEE, no que se refere a
situaes especiais, nomeadamente em termos da prestao de informao e do controlo.
Quanto s EPE, porque tm natureza empresarial, tambm so regidas em boa
medida (sobretudo na sua actividade externa) pelo Direito Privado e por direito aplicvel
(tambm) s entidades privadas empresariais. Estas entidades, embora sujeitas ao Direito
Privado, continuam ainda sob a alada, em alguns aspectos, a um regime de Direito
Pblico, designadamente no que respeita aos poderes de tutela e ao regime especial de
transformao, fuso, ciso e extino.
O princpio continua a ser o prescrito no n. 1 do artigo 7. (para todas as empresas
pblicas), que estabelece o seguinte: regem-se pelo Direito Privado, salvo no que estiver
disposto no presente diploma e nos respectivos estatutos. Isto assim na medida em que
dada a sua finalidade (o lucro) necessitam de grande liberdade de aco, mobilidade e
flexibilidade (1. pargrafo do prembulo do RSEE) no seu modo de funcionamento, que
so facilitados pela utilizao do Direito Privado.
De todo o modo, quando utilizem instrumentos do Direito Privado, as empresas
pbicas com forma pblica ou privada no podem dispor da mesma liberdade que os
estritos sujeitos privados tm, utilizando idnticos instrumentos. Como mais adiante se
desenvolver, enquanto entidades do Sector Pblico, seu dever respeitar os princpios
fundamentais da actuao administrativa (verbi gratia igualdade e imparcialidade),
conforme prescrito pelo artigo 266. da CRP e pelos artigos 2., 3. e 5. e segs. do Cdigo
de Procedimento Administrativo (doravante CPA) (72).
A viso economicista da sua actividade deriva tambm dos fins que lhe so
impostos e que se auto-impe, uma vez que a sua actividade no parou de crescer,
(71) Mesmo quando sejam sociedades de capitais inteiramente pblicos cfr. COUTINHO DE ABREU,Da empresarialidade..., Coimbra: Almedina, 1996, p. 134.
(72
) Para uma perspectiva global, v. VITAL MOREIRA, Administrao , reimpresso, Coimbra:Coimbra Editora, 2003, pp. 280 e segs.
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abrangendo actualmente reas como o ambiente, a cultura, o desporto e a defesa dos
consumidores.
Em tempo de escassez de bens como aquele em que vivemos (escassez de recursos
naturais e financeiros), uma aco que optimize os meios em funo dos fins corresponde
ao cumprimento dos ditames do Direito, por aco.
Mas, curiosamente, h mais de uma centena de anos sentiu-se a necessidade de
destacar um corpo de normas autnomas do Direito Privado, hoje designado de Direito
Pblico, porque se considerava que o primeiro no era adequado a garantir de forma
eficiente a prossecuo do interesse pblico. Hoje, pretende-se o regresso ao Direito
Privado com a justificao de que o Direito Pblico no permite a necessria eficincia na
prossecuo do interesse pblico.
Tal como refere FREITAS DO AMARALPelo Direito Administrativo se saiu, aps a
Revoluo liberal, do sistema de economia feudal; pelo direito privado se comea hoje a
entrar numa certa feudalizao da Administrao Pblica (73).
7. FUNDAMENTOS E RAZES SUBJACENTES?
Qualquer proposta de interveno do Estado na Economia deve explicitar no s os
objectivos a atingir, mas tambm os custos envolvidos, os recursos humanos necessrios, o
esquema organizacional e de incentivos a aplicar e os mtodos de avaliao a utilizar na
prossecuo dos objectivos desejados.
O Estado tem que justificar sempre a sua aco uma vez que o mesmo no um
dado natural, mas construdo para atingir objectivos especficos, concretamente uma
vivncia social pacfica de acordo com uma ideia de justia. Assim, a obedincia ao Direito
e a consequente proibio do arbtrio dirige-se sempre e em primeira linha ao Estado, seja
na qualidade de interventor, seja na qualidade de legislador (74).
Sem prejuzo da justificao que possa existir para a interveno do Estado na
Economia, a criao de empresas pblicas ou a participao no capital social de sociedade
(73) DIOGO FREITAS DO AMARAL, Discurso proferido na Sesso de Encerramento, Os Caminhos daPrivatizao da Administrao Pblica, IV Colquio Luso-Espanhol de direito administrativo, Boletim daFaculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 362.
(74
) Assim, JOS MANUEL FALA ARQUER, Huida al Derecho Privado y huida del Derecho, RevistaEspaola de Derecho Administrativo, n. 75, 1992, pp. 399 e segs.
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annimas no tem obedecido a nenhuma referncia terica, nem a nenhuma estratgia
previamente definida (75).
No obstante a aparente omisso justificativa dos diversos Governos (sempre
encobertos pelos chaves da Economia, da Eficincia e da Eficcia), podem ser
apresentadas como justificaes de maior relevo para a criao de empresas pblicas, as
seguintes (76):
a) Permitir a execuo de um programa ideolgico quando se considera
necessrio, por razes polticas, alargar a interveno do Estado a determinados
sectores que, at a, estavam nas mos de particulares;
b) Mitigar as falhas de mercado nas situaes clssicas de monoplio natural(TELECOM e EDP), explorar monoplios fiscais (TABAQUEIRA) ou potenciar
supostos sectores estratgicos (TAP);
c) Criar instrumentos de poltica industrial (GALP), financeira (CGD), comercial ou
comunicacional (RTP), numa lgica de pretensa necessidade que por vezes o
Estado tem de intervir directamente nas actividades econmicas, assumindo
posies chave, id est, estrategicamente fundamentais;
d) Atenuar os custos sociais e os efeitos polticos dos ajustes realizado pelo
mercado sobre as empresas privadas (falncias, reestruturaes,
despedimentos), para assim manter empregos, paz social ou os rendimentos de
uma determinada rea geogrfica;
e) Estabelecer um monoplio como meio de atender a exigncias sociais ou a
acontecimentos excepcionais sem justificao econmica, s pela liberdade do
seu poder discricionrio;
f) Incutir uma maior eficincia na Administrao Pblica, ao transformar velhos
estabelecimentos comerciais e industriais pblicos, organizados segundo
moldes burocrticos, em organizaes modernas geridas sob a forma
empresarial;
(75) Neste sentido, v. LVARO CUERVO GARCIA, La empresa pblica entre 1978 y 20003. De lajustificao a la privatizao, Revista Economia Industrial, n.os349-350, 2003.
(76
) V., mais desenvolvidamente, AUGUSTO DE ALTADE, Elementos para um Curso de DireitoAdministrativo da Economia, Cadernos de Cincia e Tcnica Fiscal,1970, pp. 115 e segs.
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g) Diversificar ou aumentar as actividades desenvolvidas pelas empresas pblicas
j existentes.
Neste quadro e considerando as razes subjacentes apresentadas para a criao de
uma empresa pblica podem ser perspectivadas os seguintes trs nveis de teorizao,
inter-relacionados: ideologia poltica; instrumentos de interveno econmica; tendncias
de reproduo biolgica.
7.1. Razes de ideologia poltica
As razes de ideologia poltica invocadas pelo Estado enquanto criador de
empresas, correspondem funcionalidade da empresa pblica para o sistema global, seja
este o Estado no seu conjunto ou uma formao social concreta (um partido poltico).
Porm, assim delineado, a interveno directa do Estado na produo de bens e
servios tem provocado consequncias que tem contrariado o seu pretenso objecto inicial.
A criao desmesurada de empresas pblicas tem sido muitas vezes encarada como
uma fonte de rendas polticas (emprego para os diversos actores polticos), de superao de
tenses nas organizaes polticas e instrumento para o mercado dos votos, implicando
consequentemente uma utilizao dos dinheiros pblicos com uma difcil justificaoeconmica.
Se estabelecida como meio para alcanar a paz social mediante atenuao dos
ajustes empresariais ou, em ltima instncia, atravs da nacionalizao de empresa
privadas inviveis, tal nunca considera nem os seus custos nem os efeitos sobre o resto do
sector empresarial. A ttulo de exemplo, por regra, uma interveno estatal num
determinado mercado tem como consequncia, nomeadamente, uma desertificao das
demais empresas privadas do sector e como tal mais desemprego.
7.2. Razes de sanao das falhas de mercado
As razes de poltica econmica intervencionista nas mos do Estado assentam
muitas vezes no pressuposto vulgarmente apelidado de falhas de mercado ou, por outras
palavras, as situaes onde as condies para optimizar o bem-estar no se cumprem pelo
livre jogo do mercado e necessrio actuar via subsdios, atravs da regulamentao ou da
criao de empresas pblicas, assim como de instrumentos de desenvolvimento regional ou
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de apoio a sectores estratgicos como meio para a criao de novas empresas que
incentivem o desenvolvimento.
Tal interveno econmica tambm apresentada como nica opo para atingir
determinados valores ditos de nobres, como o sejam a eliminao da pobreza ou, como
mais recorrentemente defendido, a possibilidade de uma melhor distribuio da riqueza
(mais justa e equitativa).
Se por um lado uma eventual imperfeio do mercado no , por si s, condio
suficiente para justificar uma interveno do Governo, por outro devem sempre ser
equacionados e estudados os processos de governao, de forma a tentar aumentar a
eficincia.
Nunca ficou provado que a interveno econmica do Estado enquanto produtor
tenha gerado uma produo substancialmente maior do que do sistema da concorrncia ou,
mesmo at, das estruturas pblicas administrativas substitudas. Com efeito, a realidade
traduzida nos nmeros tem abolido por completo todos esses mitos, configurando uma
tendncia actual (ao mesmo tempo que proliferam as entidades pblicas empresariais) do
aumento das desigualdades sociais (77).
Tambm deve ser refutada uma razo recorrentemente invocada para a instituiode empresas pblicas em determinados sectores, nomeadamente sectores de forte
preponderncia tecnolgica, e que consiste na viso da empresa pblica como a nica
possibilidade que resta numa escolha entre monoplios pblicos ou privados.
Existe uma convico em determinados quadrantes sociais e polticos que s
atravs da interveno econmica do Estado ou, mxime, atravs da orientao da
economia para determinadas actividades por si consideradas como estratgicas, estas se
podero desenvolver.
(77) Cfr. FREDERICO HAYEK, op. cit., p. 162. A ttulo de exemplo, existe um estudo da OCDE queapresenta para Portugal um coeficiente de Giniigual a 0,37, para a ustria 0,26, para a Blgica 0,28, para aDinamarca 0,23, para a Frana 0,29, para a Alemanha 0,28, para a Grcia 0,34, para a Irlanda 0,33, para aItlia 0,33, para o Luxemburgo 0,28, para a Holanda 0,29, para a Espanha e Reino Unido 0,33, e a mdia naUnio Europeia de 0,31, portanto precisamente Portugal que apresenta a mais elevada desigualdade nadistribuio do rendimento in Economic Surveys Portugal, Paris: OCDE 2003, p. 91. Na p. 90 do mesmo
relatrio e segundo a prpria OCDE, em Portugal o sistema fiscal provavelmente ainda agrava adesigualdade na distribuio do rendimento.
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A definio e a imposio de sectores estratgicos resultam antes, maioria das
vezes, de acordos secretos promovidos pela poltica dos governantes ou de polticas
proteccionistas mais ou menos escondidas, designadamente atravs da atribuio de
subsdios.
Tambm se refira que os sectores estratgicos, a existirem, so aqueles que os
agentes sociais assim os considerem, sendo difcil a sua definio e imposio operativa
unilateral por qualquer governo.
Os prprios planos estabelecidos pelo governo no resultam de uma viso de
conjunto da sociedade e da realidade, mas de uma viso parcial e limitada, muitas vezes da
importncia extremamente exagerada que atribuem s finalidades que consideram
prioritrias (78).
No so os actos excepcionais de altrusmo privado, mesmo que apoiado pelo
Estado, mas antes o sistema da livre concorrncia alicerada numa ordem jurdica
contratual segura que canaliza as energias individuais para a prosperidade geral. Nas
decises de interveno estatal, devem ser sempre comparadas, em condies de igualdade
(sem preconceitos ou juzos prvios), as alternativas de mercado e de interveno estatal
(79
). tambm usual apresentar-se em defesa da interveno econmica do Estado a
cegueira da economia de mercado violadora de um ideal de justia (80). Paradoxalmente,
so os mesmos actores polticos que depois tambm defendem a ideia de cegueira aquando
da aplicao da justia, to simbolicamente representada atravs da figura mitolgica da
Justitia, exigentemente de olhos vendados (81).
(78) Cfr. FREDERICO HAYEK, op. cit., p. 86.(79) A ttulo de exemplo, as compensaes directas ou as subvenes criao de emprego poderiam
alcanar os mesmos resultados, mas com menor custo social do que aqueles que resultam do denominadoemprego social pblico que muitas vezes justifica a criao e manuteno de organizaes do Estado.
(80) Quando o Estado intervm no mercado enquanto agente produtor, tambm contribui para a criaoda justificao da cegueira do mercado, mas com uma amplitude superior pela posio que detm. Assim, emordem a atingir as suas finalidades, temos a diferena excessiva de tratamento de grupos econmicos, omanifesto desequilbrio do tratamento de certas situaes e a desproporo de certas decises, tudo verificadonum ambiente de privilgio e discriminao.
(81) Themis(Justitia, entre os romanos), a deusa grega da Justia, filha de Urano e Gaia, sem venda, erarepresentada com uma balana na mo direita e uma cornucpia na esquerda. Smbolo da ordem e do Direitodivino, costumava-se invoc-la nos juramentos perante os magistrados. Por isso, consideravam-na a Deusa da
Justia. A venda foi inveno dos artistas alemes do sculo XVI, que, por ironia, retiraram-lhe a viso. Afaixa cobrindo-lhe os olhos significava imparcialidade: ela no via diferena entre as partes em litgio,
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princpios da eficcia e da eficincia, de afloramento constitucional (verbi gratia artigo
267. da CRP).
8. INTERESSE GERAL E EMPRESAS PBLICAS
Toda a reforma da Administrao Pblica que no se limite a meras alteraes
superficiais exige repensar as funes e o modo de organizao do Estado,
reequacionando-se o seu papel na sociedade. Para o efeito sempre necessrio estabelecer
a distino entre servios pblicos e sector estatal, de forma a ser possvel determinar se
no podero ser fornecidos de forma mais vantajosa pelo sector privado ou, quando existe
um argumento a favor da proviso pblica, pelos poderes e administraes locais (83).
Apesar de alguns avanos no sentido da devoluo iniciativa privada (sociedade
civil) de alguns sectores da economia, o Estado continua a monopolizar o fornecimento de
diversos bens que no podem caber em nenhuma definio de bem pblico, por mais
abrangente que esta seja (84).
O caso do fornecimento estatal de servios como a educao, a sade, os meios de
comunicao social, os transportes e parte significativa das obras pblicas, que renem
indiscutivelmente as caractersticas de rivalidade e excluso no consumo, constituindo porisso bens privados (bens privados puros, se preferirmos), so perfeitamente passveis de
serem fornecidos pelo mercado. Ainda que se entenda que o acesso a alguns desses bens
privados, como a educao ou a sade, deva ser garantido pelo Estado, tal no de modo
algum justificativo do monoplio estatal na sua proviso.
O quadro constitucional vigente que orienta a actuao econmica do Estado faz
apelo a um princpio de proporcionalidade, que obriga a uma ponderao concreta entre
reais e previsveis vantagens de uma aco em funo do interesse pblico, segundocritrios de aptido ou adequao, de indispensabilidade e de necessidade da deciso aos
fins visados.
(83) Cfr. JOS MANUEL MOREIRA, tica, Democracia e Estado, Cascais: Principia, 2002, pp. 27 e 28.(84) A prpria aplicao prtica do conceito de bem pblico controversa, uma vez que a condio
de no-excluso frequentemente imposta artificialmente pelo Estado, impedindo dessa forma o livrefornecimento do bem pelo mercado. A existncia de bens pblicos muitas vezes o resultado de
constrangimentos institucionais - cfr. PASCAL SALIN, La Arbitrariedad Fiscal, Barcelona: EdicionesInternacionales Universitrias, 1992, pp. 30 e 31.
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Sempre possvel defender a legitimao democrtica da deciso poltica da
interveno econmica atravs do fundamento da prossecuo do interesse pblico
legalmente definido (85). Nesta ptica, o interesse da comunidade estaria satisfeito pela
simples subordinao da Administrao lei uma vez que o interesse pblico seria
definido pela mesma, fruto da vontade geral maioritria manifesta atravs do Estado-
Legislador. A este factor acresceria a capa da subordinao do poder econmico pblico ao
poder democraticamente eleito, dando-se assim cumprimento ao previsto na alnea a) do
artigo 80. da CRP. Mas este entendimento no distingue convenientemente entre o bem
comum ou o esprito de servio pblico e os bens colectivos fornecidos por entidades
estatais.
A este nvel adquirem, pois, importncia fundamental os conceitos de servio
pblico e de servio de interesse econmico geral, como verdadeira fundamentao da
iniciativa econmica pblica (86).
A questo do bem comum continua ainda por resolver, sendo a necessidade da
definio de servio pblico ou sobre regulao ainda actual, tal qual a sempre
presente questo de saber como qualificar quando os governantes promulgam uma lei
considerando prosseguir o interesse pblico, assim reclamando atingir o bem comum.
Do ponto de vista do procedimento, a actividade de prestao de servio pblico
caracteriza-se pela proibio de seleco de clientela, a garantia das satisfaes das
necessidades em causa, a segurana de aprovisionamento e a prestao a preos razoveis
(87). Sequentemente e em funo dos objectivos pretendidos descortinam-se desde logo
limites quanto iniciativa econmica pblica (88).
(85) Cfr. PAULO OTERO,A Vinculao , Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 51.(86) Em regra, o conceito de servio pblico utilizado primordialmente pelas ordens jurdicas de cariz
romano-germnico, influenciadas por uma tradio interventora mais forte, enquanto que o conceito deservios de interesse econmico geral se baseia numa postura tradicionalmente mais liberal, prpria dossistemas anglo-saxnicos.
(87) Assim, CARLOS BATISTA LOBO, A Funo de Actuao Econmica do Estado e o novo regimejurdico do sector empresarial do Estado e das empresas pblicas municipais, Estudos sobre o Novo Regimedo Sector Empresarial do Estado, Coimbra: Almedina, 2000, pp. 253 e segs.
(88) Face ao nmero elevado de empresas municipais actualmente existentes, as questes supraassumem particular importncia, muito em face da insuficincia da Lei n. 58/98 que no prev qualquerlimitao sua criao, inclusive de ndole econmico-financeira, tendo em consequncia sido criadas
empresas municipais para a simples gesto administrativa (competncia essa constitucionalmente reservadaaos municpios), maioria das vezes sem terem sido extintos esses mesmos servios administrativos.
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Habitualmente, quando o Estado representa a sociedade civil no estabelecimento
das regras de jogo controlado pela sociedade civil tanto constitucionalmente como
pelas foras de mercado, entendendo-se tal como o melhor meio de evitar que estes actuem
com base em meros interesses privados.
Numa situao ideal, poderia haver uma convergncia unnime acerca da
necessidade de uma determinada interveno econmica do Estado. Mas dificilmente
haver acordo quanto maneira como essa interveno deve ser realizada, principalmente
entre os nossos representantes polticos, aumentando a convico de que, para a
interveno ser eficaz, tem de ser tirada aos polticos e posta nas mos de tcnicos,
administradores, gestores pblicos em organizaes autnomas como as empresas
pblicas. Consequentemente, vai sendo entregue a definio do que o bem comum a um
leque cada vez mais restrito e isolado de indivduos, o que levanta desde logo a seguinte
preocupao: uma vez que as escalas de valores s podem, em rigor, existir no esprito dos
indivduos, as escalas de valores impostas a todos so parciais e inevitavelmente diferentes,
at incompatveis entre si. (89).
certo que uma concepo de definio parcial de interesse no exclui, decerto, o
reconhecimento de finalidades sociais ou, melhor, de uma convergncia entre as
finalidades individuais que levam os homens a unirem-se em aces comuns. Mas
qualquer forma de interveno pblica, incluindo a realizada na Economia atravs de uma
entidade de Direito Privado, deve estar alicerada e limitada pelo interesse geral.
O artigo 4. do RSEE, que tem com epgrafe Misso das empresas pblicas e do
Sector Empresarial do Estado, releva para primeiro plano o contributo para o equilbrio
do sector empresarial pblico e para segundo, o objectivo da satisfao das necessidades
pblicas.
Porm, sabendo-se da no existncia de uma definio constitucional de interesse
pblico, torna-se praticamente impossvel confrontar com o mesmo qualquer interveno
do Estado ou de entes pblicos menores, nomeadamente aquando da criao ex novo de
uma empresa pblica.
(89) Cfr. FREDERICO HAYEK, op. cit., pp. 109 e segs.
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Perante este vazio, incluindo legal, restam apenas as opes que cada Governo faz
em determinado momento, por sua iniciativa ou no mbito de uma economia de interesses
que o rodeiam, como tambm da interveno doutrinal, necessariamente incansvel, cuja
tarefa prioritria tem sido alertar para o que no interesse pblico.
Assim, na esteira de JOS MANUEL MOREIRAQualquer reforma do Estado e da
Administrao Pblica deve comear pelo combate sem trguas crena de que o interesse
geral sinnimo de "interesse pblico" e este se identifica com o interesse estatal. E, mais
grave ainda, que os interesses do Governo coincidem com o bem comum (90). Mais refere
o mesmo autor que () em grande medida a crise da democracia (que para ns no uma
crise do sistema, mas da forma como no Ocidente se tem vindo a pratic-la) tem a ver com
a perigosa mistura das funes que competem ao Estado e ao Governo, isto , ao no
atendimento de que as capacidades exigidas para cada uma das tarefas, embora igualmente
valiosas, so to diferentes quanto as qualidades humanas requeridas para ser rbitro ou
jogador, juiz ou governante (91).
A finalidade social ou objectivo comum para o qual a sociedade deve ser
organizada segundo o colectivismo () tambm designada por bem comum ou bem-
estar geral ou interesse geral, sempre em termos to gerais e vagos que no preciso
um grande espao de reflexo para verificarmos como nunca eles possuem um significado