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Alterações no Código de Processo Penal: Considerações em Torno da Lei nº 11.689, de 9 de Junho de 2008 Vilson Farias Advogado Criminalista; Ex-Delegado de Polícia; Professor; Promotor de Justiça Aposentado; Especialista em Ciências Criminais; Doutorando pela Universidade de Granada – Espanha; Doutor em Direito. RESUMO: O presente artigo trata da análise das modificações introduzidas no CPP pela Lei nº 11.689/08, que introduziu alterações de relevo nos procedimentos bifásicos do Tribunal do Júri, como a extinção do recurso de protesto por novo Júri, a exigência de oportunização de defesa ao imputado antes mesmo do efetivo recebimento da denúncia, simplificação procedimental na primeira fase do rito do Júri, prevê a possibilidade de intimação por edital da decisão de pronúncia do acusado solto que não foi encontrado, cabimento de apelação, e não mais recurso em sentido estrito, de decisão de impronúncia ou absolvição sumária, entre outras não menos importantes. Palavras-chave: Lei nº 11.689/08; Tribunal do Júri; Intimação; Desaforamento; Libelo; Jurados. SUMÁRIO: Introdução. 1 Substituição da Iudicium Accusatione por uma Fase Contraditória, Preliminar, a Ser Encerrada em 90 Dias; 2 Vedação Expressa da Eloqüência Acusatória na Decisão de Pronúncia; 3 Ampliação das Hipóteses de Absolvição Sumária; 4 Recurso Cabível Contra as Decisões de Impronúncia e Absolvição Sumária, que Não Será Mais o Recurso em Sentido Estrito, mas Sim Apelação; 5 Intimação da Decisão de Pronúncia: em se Tratando de Réu Solto, Passa a Ser Admitida por Edital, com o Normal Prosseguimento do Feito, o que Colocou Fim à Chamada Crise de Instância; 6 Desaforamento; 7 Do Processo de Desaforamento (Cabimento e Oportunidade); 8 O Princípio do Contraditório e o Desaforamento; 9 Do Efeito Suspensivo para o Pedido de Desaforamento; 10 Da Possibilidade de Desaforamento para Segundo Julgamento; 11 Do Reaforamento; 12 O Reaforamento e a Anulação da Decisão de Pronúncia; 13 Desaforamento para Comarca Vizinha: Quando Julgamento Não Realizado nos 6 Meses Seguintes ao Trânsito em Julgado da Decisão de Pronúncia; 14 Extinção do Libelo Acusatório; 15 Relativamente aos Jurados; 16 Adoção da Cross Examination; 17 Limitação na Leitura das Peças em Plenário; 18 Da Quesitação; 19 Extinção por Protesto por Novo Júri; 20 Atribuições do Presidente do Tribunal do Júri; 21 Considerações Finais; 22 Bibliografia.

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Alteraes no Cdigo de Processo Penal: Consideraes em Torno da Lei n 11

Alteraes no Cdigo de Processo Penal: Consideraes em Torno da Lei n 11.689, de 9 de Junho de 2008Vilson FariasAdvogado Criminalista; Ex-Delegado de Polcia; Professor; Promotor de Justia Aposentado; Especialista em Cincias Criminais; Doutorando pela Universidade de Granada Espanha; Doutor em Direito.RESUMO: O presente artigo trata da anlise das modificaes introduzidas no CPP pela Lei n 11.689/08, que introduziu alteraes de relevo nos procedimentos bifsicos do Tribunal do Jri, como a extino do recurso de protesto por novo Jri, a exigncia de oportunizao de defesa ao imputado antes mesmo do efetivo recebimento da denncia, simplificao procedimental na primeira fase do rito do Jri, prev a possibilidade de intimao por edital da deciso de pronncia do acusado solto que no foi encontrado, cabimento de apelao, e no mais recurso em sentido estrito, de deciso de impronncia ou absolvio sumria, entre outras no menos importantes.

Palavras-chave: Lei n 11.689/08; Tribunal do Jri; Intimao; Desaforamento; Libelo; Jurados.

SUMRIO: Introduo. 1 Substituio da Iudicium Accusatione por uma Fase Contraditria, Preliminar, a Ser Encerrada em 90 Dias; 2 Vedao Expressa da Eloqncia Acusatria na Deciso de Pronncia; 3 Ampliao das Hipteses de Absolvio Sumria; 4 Recurso Cabvel Contra as Decises de Impronncia e Absolvio Sumria, que No Ser Mais o Recurso em Sentido Estrito, mas Sim Apelao; 5 Intimao da Deciso de Pronncia: em se Tratando de Ru Solto, Passa a Ser Admitida por Edital, com o Normal Prosseguimento do Feito, o que Colocou Fim Chamada Crise de Instncia; 6 Desaforamento; 7 Do Processo de Desaforamento (Cabimento e Oportunidade); 8 O Princpio do Contraditrio e o Desaforamento; 9 Do Efeito Suspensivo para o Pedido de Desaforamento; 10 Da Possibilidade de Desaforamento para Segundo Julgamento; 11 Do Reaforamento; 12 O Reaforamento e a Anulao da Deciso de Pronncia; 13 Desaforamento para Comarca Vizinha: Quando Julgamento No Realizado nos 6 Meses Seguintes ao Trnsito em Julgado da Deciso de Pronncia; 14 Extino do Libelo Acusatrio; 15 Relativamente aos Jurados; 16 Adoo da Cross Examination; 17 Limitao na Leitura das Peas em Plenrio; 18 Da Quesitao; 19 Extino por Protesto por Novo Jri; 20 Atribuies do Presidente do Tribunal do Jri; 21 Consideraes Finais; 22 Bibliografia.

Introduo

A Lei n 11.689/08, que altera dispositivos do DL 3.689, de 3 de outubro de 1941 Cdigo de Processo Penal , relativos ao Tribunal do Jri, e d outras providncias, foi aprovada em 9 de junho, e oriunda de um projeto que comeou a ser discutido no ano de 2001, por meio de uma iniciativa do Poder Executivo, que nomeou uma comisso de juristas, presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover, para a criao de propostas tendentes a reformular o Cdigo de Processo Penal, buscando mais eficcia em suas medidas e celeridade nos processos. Dentre os projetos elaborados, estava o de n 4.203/01, que versava especificamente sobre o Tribunal do Jri.

Trata-se de lei basicamente processual, e, sendo assim, suas normas tm eficcia em relao aos processos que se encontrarem em tramitao quando entrar em vigor.

Quanto ao direito intertemporal, dvidas surgiro, sobretudo nos processos em que se aguardava intimao pessoal da pronncia agora possibilitada a intimao pela via editalcia e nos que h pendncia ou qualquer supervenincia ou recurso de protesto por novo jri, o qual foi agora suprimido. Aqui, questionvel a aplicao da lei nova aos fatos praticados anteriormente a sua vigncia, por se tratar de norma processual atrelada a preceito fundamental. Alm disso, aos fatos ocorridos anteriormente, atual redao do art. 366 do CPP, em relao possibilidade de intimao editalcia da pronncia, h espao para discusso por tratar-se de novatio legis prejudicial ao ru.

O texto se fundamenta em predicados de celeridade, eficincia, simplicidade e segurana. Embora esteja propenso a crticas, no h como negar que o legislativo deu importante contribuio para a celeridade e simplificao do rito e do sistema de formulao de quesitos. Tais alteraes representam sinalizao para o judicirio, no sentido de que se deve estruturar para traduzir em efetividade o anseio social que inspirou a lei nova. Noutra idia, impende reconhecer a necessidade urgente de conferir prioridade aos processos que versam sobre crimes dolosos contra a vida.

Como bem ensina o Promotor de Justia Rodrigo Iennaco de Moraes, a instruo orientada pelos princpios da oralidade e da concentrao dos atos em audincia, obedecendo seguinte lgica: sero inquiridos, nessa ordem, ofendido, quando for possvel, e testemunhas presentes, com a impossibilidade de inverso se testemunhas arroladas pela acusao no comparecerem. A seguir, aparece o esclarecimento dos peritos, caso previamente requerido, acareao, reconhecimento de pessoas e coisas e, ao final, o acusado ser interrogado, o qual, evidentemente, j estar a par das provas produzidas contra si.

As testemunhas sero inquiridas pelas partes e o juiz complementa a instruo. O ru interrogado primeiro pelo juiz; as partes o complementam, formulando perguntas diretamente ao ru, sem a interveno do juiz. Encerrada a coleta de provas, seguem-se os debates orais, destinando-se s partes o tempo de vinte minutos, prorrogveis por mais dez; havendo assistente admitido, ter a palavra por dez minutos, prorrogando-se neste caso o tempo da defesa por igual perodo. Finalmente, a deciso sobre a pronncia dever ser prolatada na prpria audincia, ou, excepcionalmente, em 10 (dez) dias.

A lei estabelece que o prazo para encerramento da instruo ser de 90 (noventa dias), portanto, se no observado, dar ensejo a excesso que poder, conforme o caso, resultar na soltura do acusado preso. Constata-se que o prazo fixado na lei refere apenas a instruo, devendo ser contado, pois, do recebimento da denncia, nele no se computando o tempo regular para investigao, em que houver, desde logo, priso provisria. Ressalte-se que tal prazo no peremptrio, eis por que deve ser interpretado em cada processo concreto, conforme o princpio da razoabilidade, j consagrado, nesse diapaso, na jurisprudncia do STJ.

Como bem escreveu Reinaldo Daniel Moreira no Boletim IBCCrim do ms de julho de 2008 (ano 16, n. 187), a extino do recurso de protesto por novo jri disciplinado nos arts. 607 e 608 do CPP, cabvel nos casos de condenao pena privativa de liberdade igual ou superior a 20 (vinte) anos de recluso para um nico crime, ou quando este patamar de pena for resultado de continuidade delitiva ou concurso formal de delitos, tal remdio no encontra correspondente no direito comparado, nem mesmo no direito anglo-americano, cenrio em que preponderam os julgamentos populares.

Os doutrinadores frisam que a origem de tal recurso remonta o CPP de 1832, quando sua previso alicerava nica e exclusivamente em questes de ndole humanitria, razo pela qual, com abolio das penas de morte, degredo e gals perptuas ento previstas. O dito recurso teria perdido seu sentido. A partir de agora, com esta nova lei, apenas caber recurso de apelao para atacar o mrito das decises dos jurados, quando estas se apresentem manifestamente contrrias s provas dos autos.

No aspecto procedimental, a nova Lei n 11.689 consagra, na nova proposta para o art. 406 do CPP, a exigncia de oportunizao de defesa ao imputado antes mesmo do efetivo recebimento da pea vestibular, por escrito, e no prazo de 10 (dez) dias. Na realidade, trata-se de uma defesa preliminar (atpica) j presente em alguns ritos, como no caso dos crimes funcionais, art. 514, CPP, no rito do julgamento dos crimes de competncia dos tribunais e na Lei n 11.343 (de 23 de agosto de 2006 Institui o Sistema Nacional de Polticas Pblicas sobre Drogas Sisnad; prescreve medidas para preveno e uso indevido, ateno e reinsero social de usurios e dependentes de drogas; estabelece normas para represso produo no autorizada e ao trfico ilcito de drogas; define crimes e d outras providncias).

Na primeira fase do rito do jri (judicium accusationis) em que se procede o juzo de admissibilidade de acusao, a nova lei promove uma simplificao procedimental, pois, segundo a nova redao do art. 411 do CPP, dispe que o juiz deve ordenar a realizao de diligncias requerida pelas partes e providenciar para a inquirio das testemunhas em 10 (dez) dias, logo aps, realizar-se- a audincia de instruo, na qual sero ouvidas as vtimas, as testemunhas e os peritos, procedendo a eventuais acareaes e o reconhecimento de pessoas ou coisas. Ao final da audincia ser interrogado o acusado acerca do fato, isto na realidade j vinha sendo aplicado na Lei n 9.099/95, como dispe o art. 81, o que considerado pela doutrina uma medida de ampla defesa.

A nova disciplina exterioriza uma tendncia j presente na Lei n 11.343/06 de concentrao de toda a instruo e deciso em uma s audincia, pois o legislador optou por privilegiar a celeridade, abreviando o rito, o que poder causar muita polmica. A nova lei ainda, conforme dispe o art. 420, prev a possibilidade de intimao por edital da deciso de pronncia do acusado solto que no foi encontrado, o que leva no suspenso do curso do processo quando o ru no encontrado para a intimao da pronncia (denncia), no caso de delito inafianvel, como prevem atualmente os arts. 413 e 414 do CPP. Outra novidade a que consta no art. 416, de cabimento de apelao, e no mais de recurso em sentido estrito, de deciso de impronncia ou absolvio sumria.

Na segunda fase do rito do jri (judicium causae) observa-se como modificao de relevo a supresso do libelo-crime acusatrio, com esta modificao, a pea acusatria a ser levada em plenrio a prpria denncia. Outra modificao proposta referente ao instituto do desaforamento, alm das hipteses antes em vigor, acrescenta a nova lei, que esta pode ser determinada, tambm, em razo do comprovado excesso de servio no juzo, ouvidos o juiz-presidente e a parte contrria, se o julgamento no puder ser realizado em 6 (seis) meses a contar do trnsito em julgado da deciso de pronncia. Razo pela qual fica suprimida a hiptese da atual redao do 424, pargrafo nico, CPP, no sentido de que o desaforamento poderia ser requerido passado 1 (um) ano do recebimento do libelo, se o julgamento ainda no tivesse sido realizado.

Alm dessas profundas modificaes, tambm a nova lei eleva o nmero de jurados sorteados para integrar a cada seo de 21 para 25. Acrescenta tambm ao rol dos impedidos de funcionar como jurados no mesmo julgamento, alm daquelas constantes no vigente 462, as pessoas que vivem em unio estvel, previso adequada Constituio, que reconhece a unio estvel como entidade familiar. Tambm consagra o impedimento daqueles que j funcionaram no mesmo processo, ou que j tenham integrado o conselho de sentena que tenha julgado outro ru, em caso de concurso de pessoas.

A idade mnima para o servio do jri de 18 (dezoito) anos completos, e no mais de 21 (vinte um). Em plenrio, dentre outros pontos relevantes, o projeto prev expressamente que o uso de algemas ser permitido apenas quando absolutamente necessrio, como dispe o art. 474, 3, CPP. Os debates orais tambm tm nova durao, uma hora e meia para a acusao e igual perodo para a defesa, acrescidos de mais uma hora para cada parte, caso haja mais de um acusado, e uma hora para eventual rplica e trplica, duplicados no caso de mais de um acusado. H modificaes tambm no que se refere quesitao, no novo art. 483, CPP, os jurados sero indagados acerca: I da materialidade do fato; II da autoria ou participao; III se o acusado deve ser absolvido; IV se existe causa e diminuio de pena alegada pela defesa; V se existe qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecida na pronncia ou em deciso posterior que admitiu a acusao.

Essas foram as principais alteraes, bem como outras de no menos importncia que foram esmiuadas por ocasio desse trabalho.

Passo a comentar as mudanas trazidas.

1 Substituio da Iudicium Accusatione por uma Fase Contraditria, Preliminar, a Ser Encerrada em 90 Dias

A primeira fase do procedimento, idealizada pela doutrina de sumrio da culpa (iudicium accusatione) sofreu profundas modificaes, pois os arts. 406 e ss. do CPP que anteriormente tratavam da deciso de pronncia, impronncia e absolvio sumria, passaram a constar em novos dispositivos.

Agora, com o advento dessa nova lei, essa etapa ser substituda por uma fase preliminar onde dar-se- o contraditrio, o qual antecede o prprio recebimento da denncia quando o magistrado ouvir as testemunhas, interrogar o acusado, determinando diligncias e logo aps decidir sobre a admissibilidade ou no da pea acusatria, em 90 (noventa) dias.

A doutrina costuma se referir a tal fase "de juzo de admissibilidade da acusao marcada pelo contraditrio". O descumprimento desse prazo pode ensejar a impetrao de habeas corpus, pois evidente a incidncia do constrangimento ilegal. importante analisar a nova redao que se conferiu ao art. 406: "oferecida a denncia ou queixa, o juiz, se no a rejeitar liminarmente, receb-la- e ordenar a citao do acusado para responder acusao, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias ou, no caso de citao por edital, do comparecimento pessoal do acusado ou defensor constitudo".

Entre as mudanas est ainda o fato de que a citao do ru passa a ser feita tambm por edital, e no mais apenas pessoalmente, o que contribui com a rapidez na contagem de prazos no julgamento.

Como bem escreveu Luis Lopes de Souza Jr. e Luma Gomides de Souza, algumas alteraes sugeridas pelo projeto foram aplaudidas em mbito doutrinrio, no obstante, em sua maioria, houve crticas, que desencadearam o oferecimento de quatro substitutivos, sendo que, a nosso ver, algumas apresentavam propostas melhores que as do texto original, como o caso do substitutivo apresentado pelo Deputado Flvio Dino, mas a redao da Lei n 11.689/08 demonstra, no entanto, que no houve aprovao total de nenhuma das propostas apresentadas.

Realmente o legislador quis aplicar ao Tribunal do Jri o que parece ser uma tendncia do Processo Penal, qual seja, a criao de uma fase preliminar contraditria. Pois, conforme o Projeto de Lei n 4.203/01, aps o oferecimento da pea acusatria, o ru deveria ser citado para apresentar defesa preliminar, no prazo de 10 (dez) dias. A pea vestibular (denncia ou queixa-crime) s seria recebida ao final da instruo criminal, aps o oferecimento das alegaes finais da acusao e defesa, o que certamente poderia causar certos entraves, considerando que o indivduo estaria respondendo a um procedimento, sem haver, formalmente, acusao vlida. Alm disso, sabemos que a prescrio se interrompe com o oferecimento da denncia, o que somente ocorreria meses aps o seu oferecimento.

Por outro lado, a nova redao do art. 406 do CPP pe fim a esta discusso, afirmando que primeiro o Magistrado receber a denncia ou queixa e somente depois abrir prazo para a apresentao da resposta escrita do ru, oportunidade em que o acusado apresentar o seu rol de testemunhas, que se mantm de no mximo 8 (oito), e no 5 (cinco), como pretendia o Projeto de Lei. A maior novidade, realmente, aquela que tem lugar no art. 411, e que realiza uma audincia de instruo, debates e julgamento. Sendo assim, em uma mesma oportunidade o juiz togado, o qual poder ser o presidente do tribunal do jri (ou outro, a quem a lei de organizao judiciria local atribuir a competncia para cuidar da primeira fase do procedimento), proceder oitiva do ofendido, das testemunhas de acusao e de defesa (nesta ordem), colher esclarecimento dos peritos, se for o caso, evidentemente, efetuar acareaes, reconhecimento de pessoas ou coisas, colher o interrogatrio do ru e determinar a realizao de debates orais (que na realidade so alegaes finais orais proferidas pelos representantes da acusao e da defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos cada, prorrogveis por mais 10 (dez); havendo assistente de acusao, este ter a palavra por 10 (dez) minutos, tambm prorrogveis aps a fala do MP).

A audincia de instruo passa a ser uma, pois devero ser ouvidas a vtima (quando possvel), as testemunhas de acusao e defesa, bem como os peritos, quando houverem. A seguir, no mesmo ato, as acareaes e reconhecimentos de pessoas e coisas, caso sejam necessrios. Somente aps tudo isto que se ouvir o acusado. "H crticas diante de tal mudana, principalmente entre membros do MP, pois alegam que a mesma poder trazer inconvenientes neste ponto, pois o ru ter oportunidade de assistir toda a produo de provas para somente depois prestar suas declaraes, ter chance, portanto, de elaborar uma defesa mais convincente e no necessariamente verdica".

Honestamente no compartilho de tal entendimento, pois, diante do nosso sistema preliminar de investigao, o ru quando chega em juzo j sabe o que lhe pesa (ou seja, tudo sobre o processo). Surgem outras crticas, seno vejamos: encerrada a etapa de produo de prova, mas ainda na mesma audincia, ser concedido prazo para oferecimento das alegaes finais, as quais passam a ser orais. A lei frisa que sero concedidos 20 (vinte) minutos para acusao e defesa, respectivamente, prorrogveis por mais 10 (dez) nos dois casos.

Filio-me corrente que sustenta que tal alterao trar prejuzos incalculveis defesa do acusado, pois nesta fase de alegaes finais que o advogado tentar convencer o juiz a no levar o caso apreciao dos jurados, a desclassific-lo, desqualific-lo, entre outras teses, para embasar. Para fundamentar cada uma dessas hipteses ser necessria a realizao de um minucioso estudo, com base na doutrina e jurisprudncia, visando demonstrar ao juiz o equvoco do argumento do MP.

Terminados os debates, poder o juiz proferir deciso imediatamente, ou em dez dias. Ramon Gimenes Tavares refere-se lei, neste passo, a deciso de pronncia, impronncia, absolvio sumria ou desclassificao. De ressaltar ainda, que como prevem as novas regras, a deciso de pronncia nada mais ser que a deciso de recebimento da denncia, pois o juiz somente deliberar acerca da viabilidade da ao penal aps a dilao probatria referida.

Imprescindvel assinalar que o novo regramento pretende imprimir celeridade ao procedimento, assinalando, por exemplo, que nenhum ato ser adiado (exceto quando imprescindvel a prova faltante, e isso bvio), que o juiz determinar a conduo coercitiva de ausentes e que poder inquirir testemunhas que comparecerem, independentemente da suspenso da audincia. Ainda na parte relativa da instruo inicial, houve o legislador por bem em admitir, expressamente, as figuras do emendatio libeli e mutatio libeli, como dispe o art. 411, 3, e prosseguindo na fase da judicium accusationis, observa-se que o art. 415 est mais pormenorizado que o revogado art. 411, no que tange s hipteses de absolvio sumria.

Certamente esse trabalho poder tornar-se impossvel diante da obrigatoriedade de alegaes orais, razo pela qual seria necessrio, ou ser necessrio que o defensor j levasse pronto para audincia um roteiro sobre os principais pontos que sero abordados para fundamentar a tese previamente escolhida, ou teses, no entanto esta hiptese tambm se mostra de difcil realizao, posto que todas as provas constantes nos autos, at ento, eram provenientes de procedimento policial, podendo ser alteradas na fase judicial, o que no raras vezes acontece. Por isso, o mais provvel que s se vislumbre, efetivamente, eventual tese defensiva durante a audincia de instruo, minutos antes do oferecimento das alegaes finais.

Na realidade, o legislador criou uma verdadeira defesa prvia, como j havia criado na Lei n 10.409/02, com um procedimento judicial de natureza bastante garantista, inseriu a possibilidade de ser realizada uma defesa preliminar antes mesmo de a autoridade judiciria receber a denncia, como bem ensina Paganella Boschi (A Nova Lei Antitxicos: primeiras impresses. Revista do ITEC, n. 7, 2002, p. 62), pois agora, como se obtm do art. 406, o juiz antes de receber a denncia ou a queixa manda citar o acusado para responder acusao por escrito.

Portanto, a primeira alterao reside logo no artigo inaugural, que prev a citao do ru para que em dez dias responda acusao por escrito. Cuida-se, em caso da introduo no procedimento do jri, da defesa preliminar, instrumento j utilizado, por exemplo, no mbito dos processos afeitos a entorpecentes e vigente, tambm, nos casos de competncia originria dos Tribunais (Lei n 8.038/90).

Diria ainda, alicerado em Rodrigo Iennaco de Moraes, que esta nova lei estabelece um novo rito, prprio para os processos de competncia do jri, com uma instruo sumria-preliminar. Oferecida e recebida a denncia (ou queixa-crime), o acusado ser citado para oferecer resposta escrita em 10 (dez) dias, a partir da efetiva citao vlida, quando houver inrcia, ser nomeado defensor para faz-lo, em obedincia ao princpio da defesa efetiva. Ultrapassada a fase da defesa prvia, abre-se vista acusao, a fim de que esta se manifeste sobre preliminares e documentos em 5 (cinco) dias. A seguir, so inquiridas as testemunhas, seguindo-se diligncias, no mximo em 10 (dez) dias. A primeira dvida que surge, realmente, sobre a efetividade da argio de preliminares, com a denncia recebida (a menos que tais questes se resolvessem com possvel aditamento denncia, ou no mbito da impronncia ou da absolvio sumria).

Como bem ensina Ramon Gimenes Tavares, a seguir, aps a defesa, em cujo bojo dever ser deduzida toda a espcie de tese defensiva (e por isso mesmo ela obrigatria, como dispe o art. 408), inovou uma vez mais o legislador ao prever no art. 409 a rplica do MP ou do querelante (nas hipteses de ao penal privada subsidiria da pblica e de conexo entre crime doloso contra a vida e outro sujeito a ao penal privada), tambm semelhana do que ocorre nos feitos que tramitam sob os efeitos da Lei n 8.038/08. Interpretando o art. 412 que vislumbramos o prazo de 90 (noventa) dias para o trmino dessa fase. Luis Lopes de Souza Jr. e Luma Gomides de Souza, em relao ao art. 412, que fixa o prazo de 90 (noventa) dias para a concluso da instruo, "sustentam tambm estar clara a inteno legislativa de empreender celeridade ao processo a todo custo, razo pela qual tambm discordo da referida previso, pois na Europa, onde se mantm um invejvel sistema judicirio, casos complexos como homicdios qualificados podem ter durao de at 4 (quatro) anos (considerando somente a fase de instruo), e, portanto, arremata com uma pergunta: como o Judicirio brasileiro poder fazer um trabalho razovel em 90 (noventa) dias?". E no precisa pensar-se nica e exclusivamente em comarcas de grande porte como So Paulo e Rio de Janeiro, onde o volume das varas do jri estrondoso. Diante disto, parece que vai chover impetrao de habeas corpus por excesso de prazo.

No que se refere deciso de pronncia, no se constatam grandes modificaes, pois conforme o atual CPP, em se tratando de crime inafianvel, a intimao da deciso de pronncia teria que ser sempre pessoal ao ru. Caso o mesmo no fosse encontrado, o processo ficaria suspenso, assim como o prazo prescricional, a fim de que no houvesse prejuzo a nenhuma das partes. Diante da nova roupagem, se o acusado se encontra em lugar incerto e no sabido, poder ser intimado da pronncia por edital, ainda que se trate de crime inafianvel. Certamente esta outra alterao que vai ao encontro da celeridade, mas, por outro lado, influi no direto de defesa do acusado que fica impossibilitado de apresentar recurso.

Na fase de preparao do processo para o julgamento em plenrio, determina-se que o juiz faa relatrio sucinto do que constar nos autos, ordenando que o mesmo seja includo na pauta de julgamentos. No respectivo PL (4.203/01) este relatrio seria enviado a cada um dos 25 (vinte cinco) jurados sorteados, mas tal previso no foi ratificada pelo legislador no momento da edio da lei.

Por sua vez o art. 413 define que "encerrada a instruo preliminar, o juiz, fundamentalmente, pronunciar o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existncia de indcios suficientes da autoria ou participao". Analisando o teor desse artigo no encontramos nada de novo, pois o mesmo se limita a frisar o que trazia o art. 408 do CPP, apenas com uma diferena: fala-se tambm em indcios suficientes de participao no crime.

2 Vedao Expressa da Eloqncia Acusatria na Deciso de Pronncia

importante deixar bem claro que o legislador inseriu esse dispositivo proibindo de forma clara o juiz que ao pronunciar realize qualquer valorao sobre os fatos ou sobre o ru, a vedao esta contida no 1 do dispositivo referido, segundo o qual "a fundamentao da pronncia limitar-se- indicao da materialidade do fato e da existncia de indcios suficientes de autoria ou de participao, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstncias qualificadoras e as causas de aumento de pena". o fim da chamada eloqncia acusatria, como bem escreve a jurista Patrcia Donati de Almeida em brilhante artigo, do qual colhemos vrios subsdios para este trabalho.

Por sua vez, Rodrigo Iennaco de Moraes frisa que a fundamentao da pronncia permanece restrita, ligada ao juiz positivo de materialidade e indcio de autoria. Portanto, a capitulao jurdica se refere ao tipo base, qualificadoras e majorantes, razo pela qual a partir de agora o acusado solto com paradeiro ignorado ser intimado da deciso de pronncia por edital. Pouca ou nenhuma novidade est prevista para a hiptese de impronncia, que permanece como anttese da pronncia.

A deciso de impronncia, destarte, equivale, em efeitos prticos, a que determine ao arquivamento do inqurito policial, a ampliao e o aperfeioamento das hipteses de absolvio sumria, que subtrai do jri a anlise de fato intencional praticado contra a vida, sendo admitida em hipteses evidentes de: a) inexistncia do fato; b) no ser o ru autor ou partcipe do fato; c) o fato no constituir infrao penal; d) causa de excluso do crime ou de iseno de pena (salvo o art. 26, caput, do CP, se no for a nica tese da defesa). Nenhuma alterao significativa consta para a hiptese de desclassificao, para crime de competncia do juiz singular nesta fase do procedimento.

3 Ampliao das Hipteses de Absolvio Sumria

Em relao absolvio sumria esta nova lei estende as suas hipteses, frisando no art. 415 que "o juiz, fundamentalmente, absolver desde logo o acusado, quando: 1) provada a inexistncia do fato; 2) provado no ser ele o autor; 3) o fato no constituir crime; 4) demonstrada a causa de iseno de pena ou de excluso de crime". A diferena est no seguinte: o antigo art. 411 do CPP fala em absolvio sumria, quando "o juiz se convencer da existncia de circunstncia que exclua o crime ou isente de pena o ru, recorrendo, de ofcio, da sua deciso. Este recurso ter efeito suspensivo e ser sempre para o Tribunal de Apelao".

importante atentar para o que dispe o art. 415 e seu pargrafo nico, que transcrevo literalmente:

"Art. 415. O juiz, fundamentalmente, absolver desde logo o executado, quando:

I provada a inexistncia do fato;

II provado no ser ele autor ou partcipe do fato;

III o fato no constituir infrao penal;

IV demonstrada causa de iseno de pena ou de excluso do crime.

Pargrafo nico. No se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do DL 2.848/40 Cdigo Penal, salvo quando esta for a nica tese defensiva."

importante transcrever o art. 26, caput, do Cdigo Penal:

"Art. 26. isento de pena o agente que, por doena mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao mesmo tempo da ao ou da omisso, inteiramente incapaz de entender o carter ilcito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento."

Portanto, este pargrafo nico, inserido ao art. 415, tem uma ressalva importantssima de que no haver absolvio sumria com base no inciso IV, exceto se essa for a nica tese defensiva.

4 Recurso Cabvel Contra as Decises de Impronncia e Absolvio Sumria, que No Ser Mais o Recurso em Sentido Estrito, mas Sim Apelao

Os recursos previstos contra a deciso de impronncia e absolvio sumria tambm foram modificados. O recurso em sentido estrito que era previsto no art. 581, IV e VI, do CPP no mais se aplica e sim o de apelao, como dispe o art. 416 (contra sentena de impronncia ou absolvio sumria caber apelao). Por outro lado, deve se reconhecer que a modificao no se coaduna com o sistema recursal vigente, uma vez que tais juzos configuram meras prelibaes, isto , decises interlocutrias que deveriam ser enfrentadas por recursos em sentido estrito, como muito bem ensina Ramon Gimenes Tavares, razo pela qual criou-se uma exceo sistemtica do CPP, pelo que o apelo destinava-se, via de regra, ao questionamento de decises de mrito stricto sensu.

Em conseqncia, ao tratar da intimao da pronncia, uma improbidade tcnica foi corrigida no art. 420 com a nova redao trazida pela Lei n 11.689/08, que estabelece: "a intimao da deciso de pronncia ser feita: 1) pessoalmente ao acusado, ao defensor nomeado e ao MP; 2) ao defensor constitudo, ao querelante e ao assistente do MP".

Como muito bem escreveu a jurista Patrcia Donati de Almeida, "com tais alteraes, estar encerrada a discusso em torno da natureza jurdica da pronncia, pois realmente grande parte da doutrina entende, hoje, que se trata de sentena, mais precisamente, uma sentena processual (Mirabete). De outra banda, h quem defenda a sua natureza de deciso interlocutria no terminativa, posto que no encerra o processo, mas apenas uma fase, determinando o incio de outra". Por isso filio-me corrente que defende ser esse o entendimento mais correto, eis por que com a sano dessa reforma a polmica termina pelo fato de que a norma se refere expressamente deciso.

5 Intimao da Deciso de Pronncia: em se Tratando de Ru Solto, Passa a Ser Admitida por Edital, com o Normal Prosseguimento do Feito, o que Colocou Fim Chamada Crise de Instncia

Nos crimes inafianveis imprescindvel que ocorra a intimao pessoal do ru da sentena de pronncia, razo pela qual o processo no pode ter prosseguimento. a denominada "crise de instncia" que impe a suspenso do processo at que o ru seja encontrado e permite a decretao preventiva, alicerado na garantia da aplicao da lei penal. Com o advento da nova lei (11.689/08), quando se tratar de ru solto, admite a intimao dessa deciso por edital, com o regular prosseguimento do feito (art. 420, pargrafo nico).

No demais assinalar mais uma vez no respeitante intimao da deciso de pronncia, constata que com a eliminao da chamada "crise de instncia", situao ocorrente quando o ru pronunciado por crime inafianvel no era encontrado para referida cientificao, o que ocasionava na suspenso do processo at a sua localizao, razo pela qual, com o surgimento do pargrafo nico do art. 420, ser possvel a intimao por edital, alterao que poder ser eficaz no combate impunidade, sem sombra de dvidas.

6 Desaforamento

O colega Rodrigo Tourinho Dantas escreveu um brilhante artigo em torno do desaforamento e do reaforamento no novo procedimento do Jri, intitulado "O desaforamento e o reaforamento no novo procedimento do jri", disponvel no saite Jus Navigandi, que, por ser excelente, com freqncia o cito quase literalmente, pois concordo em gnero e grau com as suas afirmaes, e tambm em torno da elaborao do artigo.

No menos brilhante foi o que escreveu Rodrigo Iennaco de Moraes, Promotor de Justia, em torno do assunto, e que passamos a reproduzi-lo integralmente pela profundidade e esgotamento do tema. "O sistema de desaforamento previsto atualmente sofrer significativa ampliao e o instituto passa a funcionar, tambm, como mecanismo de controle do tempo processual. Alm das hipteses atuais (ordem pblica, dvida sobre a imparcialidade do jri ou para segurana pessoal do acusado), o projeto prev o desaforamento do julgamento em caso de excesso de servio, se o julgamento no puder ser realizado no prazo de 6 meses, contado do trnsito em julgado da pronncia salvo o tempo de adiamentos, diligncias ou incidentes de interesse da defesa.

No havendo excesso de servio ou processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciao nas reunies peridicas previstas para o exerccio, diz a lei que "o acusado poder requerer" ao Tribunal que determine a imediata realizao do julgamento. Quanto ao desaforamento, a interpretao dos dispositivos legais no deixa dvida que, em todas as hipteses de desaforamento (tradicionais e em virtude de morosidade por excesso de servio), estaro legitimados juiz, acusao (MP, querelante ou assistente) e defesa. Isso embora o texto parea restringir a possibilidade de o assistente pleitear o desaforamento no caso de mora por excesso de servio, vez que tal restrio no se coaduna com o esprito do projeto, que admitiu expressamente a legitimidade do assistente para o pedido de desaforamento, o que no se verifica na sistemtica do CPP atual.

A dvida que surgir diz respeito morosidade do julgamento (aps admissibilidade da acusao) no justificada por excesso de servio. Nesse aspecto, o texto legal parece confirmar a dico inicial da exposio de motivos, no sentido de que somente o acusado poderia requer-lo. No obstante a concluso que se extrai de uma primeira leitura consagrar uma exegese restritiva, no h como negar a legitimidade do MP para tal pleito, o que se afirma sob a tica do sistema constitucional.

que o MP (a quem a Constituio atribuiu o status de defensor da sociedade, da ordem jurdica e dos direitos fundamentais) quando atua como parte no processo penal (sendo o titular da ao penal condenatria), age no interesse pblico de evitar a impunidade e a prescrio. Nesse sentido, eventual restrio do legislador, prevendo a hiptese como prerrogativa exclusiva da defesa, viola o princpio do contraditrio, mais especificamente a paridade de armas, que seu corolrio. E no apenas. A legitimao ministerial ainda encontra respaldo na defesa do interesse indisponvel do acusado (todo e qualquer cidado acusado) de ver-se julgado em tempo razovel, haja vista o prejuzo social, moral e psicolgico que o status de processado acarreta ao cidado.

Sobre o tema, portanto, podem-se estabelecer trs concluses:

1) O desaforamento, nos moldes previstos no PL 4.203/01, passa a funcionar, tambm, como mecanismo de controle temporal do processo penal: a) para evitar a prescrio e a impunidade; b) para melhor distribuir o nus da durao do processo entre acusado e sociedade; c) para garantir ao acusado julgamento em tempo razovel.

2) O pedido de desaforamento, em qualquer hiptese, inclusive em virtude de demora no julgamento motivada por excesso de servio, poder ser feito pelo MP, assistente, querelante, acusado ou juiz, conforme interpretao sistemtica dos arts. 427 e 428, com a redao que lhes d o PL 4.203/01.

3) O MP, atuando no processo penal como parte ou como fiscal da lei, possui legitimidade para requerer ao Tribunal a determinao de julgamento prioritrio de processo do jri, em caso de atraso no justificado por excesso de servio, de acordo com a interpretao constitucional do PL 4.203/01.

O juiz presidente reservar datas na mesma reunio peridica para a incluso de processo que tiver o julgamento adiado. Sorteio dos jurados para a reunio pelo prprio juiz, precedido de intimao do MP, OAB e Defensoria Pblica, independentemente do comparecimento efetivo. Sero sorteados 25 (vinte cinco) jurados, em vez dos 21 (vinte um) atualmente previstos. Recusa no alistamento ou no comparecimento acarretam multa de 1 a 10 salrios-mnimos ao jurado. Havendo escusa de conscincia, h previso de servio alternativo (proporcional e razovel): atividades administrativas, assistenciais, filantrpicas ou mesmo produtivas, no Poder Judicirio, na Defensoria Pblica, no MP ou em entidade conveniada.

Evita-se o adiamento de julgamentos por ausncias injustificadas. Ausncia MP: redesignao primeiro dia desimpedido da mesma reunio; cincia ao Procurador-Geral de Justia do fato e da nova data. Se a ausncia for do advogado: se outro no for constitudo, adiamento nico, cincia OAB, com designao de nova sesso no prazo mnimo de 10 dias, intimando-se a Defensoria Pblica para patrocnio da defesa, que, no caso, independer da condio econmica do ru (nada impedindo que o juiz arbitre honorrios em favor da instituio, se for o caso, a serem custeados pelo prprio acusado).

O julgamento no ser mais adiado, se o acusado solto tiver sido intimado e no comparecer audincia. Na ausncia do acusado preso, salvo pedido de dispensa de comparecimento subscrito pelo acusado e por seu defensor, adia-se para o primeiro dia livre da mesma reunio. No caso de ausncia de testemunha: conduo coercitiva, crime de desobedincia, aplicao de multa. Somente haver adiamento quando arroladas (art. 422) com a marca da imprescindibilidade e pedido de intimao por mandado. Certificada no-localizao da testemunha, realiza-se o julgamento.

Instalada a sesso, os jurados recebero cpias da pronncia (e/ou decises posteriores de admissibilidade) e do relatrio do processo. Juiz, MP, assistente e advogado podero inquirir diretamente o ofendido e testemunhas (alis, aqui o juiz passa a exercer atividade complementar apenas); jurados por intermdio do juiz. Partes e jurados podero requerer acareaes, reconhecimentos, esclarecimento dos peritos, e a leitura de peas (exclusivamente precatrias, cautelares, antecipadas ou no-repetveis). Aps interrogatrio judicial, MP, assistente, querelante e defensor perguntam diretamente ao acusado, se presente. Emprego excepcional de algemas, vedada referncia nos debates (em seu benefcio ou prejuzo). H expressa vedao de referncia, sob pena de nulidade, pronncia como argumento de autoridade, ao silncio ou eventual ausncia de interrogatrio por falta de comparecimento (que passa a ser direito do acusado).

Inicia-se o debate com a sustentao da acusao admitida e de eventuais agravantes. Alterou-se o tempo: uma hora e meia seguida de uma hora de rplica, se for o caso; se h mais de um acusado, acresce uma hora para cada e dobra o tempo da rplica. Possibilidade, via juiz, de pedido de indicao da fonte do argumento pelas partes e jurados e de solicitao de esclarecimentos ao orador pelos jurados.

De acordo com a nova lei, sero formulados quesitos sobre: a) matria de fato; e b) possvel absolvio do acusado (que entendemos ser de formulao obrigatria, ex vi legis, independente das teses sustentadas pela defesa). Os quesitos sero elaborados com base na pronncia, interrogatrio e alegaes das partes, observando-se a seguinte ordem: a) materialidade do fato; b) autoria ou participao; c) se o acusado deve ser absolvido; d) se existe causa de diminuio de pena alegada pela defesa; e) se existe circunstncia qualificadora ou causa de aumento de pena (reconhecidas na pronncia ou em decises de admissibilidade posteriores).

A resposta coincidente em nmero superior a trs encerra a votao (sigilo dos veredictos), de acordo com a interpretao sistemtica dos arts. 483, 1, e 487 do projeto, a despeito de alterao da redao do art. 489 aprovada na Comisso de Constituio e Justia da Cmara. Assim, no haver revelao de deciso unnime. Negada materialidade ou autoria, absolve-se; afirmadas, quesita-se, ainda, se "o jurado absolve o acusado(?)". Condenado, prossegue-se na votao.

No caso de tentativa (ou alterao da tipificao para crime de competncia do prprio jri), a quesitao se dar aps o segundo quesito (ordem: materialidade-participao-tentativa). A nosso sentir, deve-se observar que, como regra, haver a precedncia da tese desclassificatria sobre a absolvio; na dvida, prestigia-se a ordem indicada pela prpria defesa. Em caso de desclassificao, com alterao da tipificao para crime de competncia singular (desclassificao propriamente dita), formula-se quesito a respeito, em regra antes do terceiro (quesito absolutrio obrigatrio). Havendo alegao de tese impropriamente denominada desclassificatria (excesso culposo em descriminantes), em que no h repercusso na competncia do prprio Jri, quesita-se aps o terceiro. Da mesma forma se procede quando a "desclassificao" se refere, em verdade, dvida na tipificao de injustos capitulados no rol dos dolosos contra a vida ("desclassificao" de homicdio para infanticdio), em que o quesito respectivo ser formulado aps o segundo e antes da questo absolutria, por fora do art. 483, 5, do CPP, com a redao que lhe deu a lei nova.

Secundum eventum litis, as decises de impronncia ou absolvio sumria desafiam o recurso de apelao; a deciso de pronncia, recurso em sentido estrito. O protesto por novo jri ser simplesmente suprimido.

O art. 70 do CPP frisa que a determinao da competncia jurisdicional no Brasil via de regra estabelecida pelo lugar da infrao, o que vale dizer que ser fixada pelo lugar em que se consumou a infrao, ou no caso de tentativa, pelo local em que for praticado o ltimo ato de execuo, razo pela qual os doutrinadores sustentam que o ru deve ser julgado no distrito da culpa, onde cometeu a infrao penal. Por outro lado, essa regra do art. 70 do CPP no absoluta, pois, em se tratando dos crimes de competncia do Tribunal do Jri, poder haver uma derrogao para outra comarca da mesma regio, como se obtm dos novos arts. 427 e 428 do CPP, com redao dada pela Lei n 11.689/08.

Por isso, poderamos conceituar desaforamento como esse deslocamento de competncia. Por sua vez o processualista Fernando da Costa Tourinho Filho assim se manifesta: "desaforar deslocar o julgamento que deve ser realizado no foro onde se consumou a infrao, que previsto em lei como dispe o art. 70 do CPP, para outro prximo. Em sntese, retirar o processo do foro original, para que seja julgado em outro, o que vale dizer que o ru ser julgado fora do distrito de sua culpa". O Professor Hlio Tornaghi diz que "desaforar tirar o processo do foro em que est". Naturalmente, mand-lo a outro foro.

Portanto, o desaforamento uma exceo regra da fixao da competncia em razo do lugar da infrao (ratione loci). Nesse sentido, j decidiu a Egrgia Suprema Corte brasileira, no julgamento do HC 70.799, aparecendo com o Relator o Ministro gacho Paulo Brossard de Souza Pinto (o art. 424 do CPP), ao qual faz aluso o Ministro, corresponde ao atual art. 427 do CPP, como se v:

"HC 70.799/GO. GOIS. JRI. DESAFORAMENTO. EXCEPCIONALIDADE. A teor do disposto no art. 424 do CPP, o desaforamento consubstancia exceo. JRI. DESAFORAMENTO. COMARCA MAIS PRXIMA. O desaforamento h de ocorrer considerada a comarca mais prxima ao distrito da culpa."

Assim, tem-se que o desaforamento importa na modificao da competncia territorial, quando presentes os requisitos dos arts. 427 e 428, CPP, ou ainda questes de ordem material, a saber, por exemplo, precariedade de instalaes. Nesse diapaso, bom lembrar a posio de Eugnio Pacelli in verbis: "a deciso, como se v, pertence ao Tribunal de hierarquia jurisdicional competente, tendo em vista que importa em modificao de competncia envolvendo comarcas e, por isso, juzos distintos, e ambos de primeira instncia".

importante tambm registrar que o instituto do desaforamento no fere os preceitos constitucionais, precisamente porque, ao contrrio do que possa transparecer, o referido instituto no colide com o princpio do juiz natural, tampouco com a vedao de tribunal de exceo. que o desaforamento desloca o julgamento de um foro para outro, em razo das situaes previstas na lei processual, mas a competncia para julgar continua com o Tribunal do Jri, que constitucionalmente o juiz natural para apreciar os crimes dolosos contra a vida.

Acrescente-se ainda que o desaforamento no enseja a formao de tribunal de exceo, uma vez que faz variar apenas o local do julgamento, como dispe o antigo art. 424, CPP e o atual 427, j com a redao dada pela Lei n 11.689/08, visando assegurar a imparcialidade dos jurados. Em outras palavras: a excepcional modificao da competncia ratione loci medida que se impe iseno e imparcialidade do conselho de sentena. O nosso tribunal maior (STF), instado a se manifestar sobre o tema, assim se colocou:

"HC 67.851/GO. HABEAS CORPUS. JRI. JUIZ NATURAL. TRIBUNAL DE EXCEO. DESAFORAMENTO. REAFORAMENTO. 1. No de ser conhecido o habeas corpus, no ponto em que se impugna o desaforamento deferido, porque pretenso idntica j foi repelida por duas vezes pelo Supremo Tribunal Federal. 2. Juiz natural de processo por crimes dolosos contra a vida e o tribunal do jri. Mas o local do julgamento pode variar, conforme as normas processuais, ou seja, conforme ocorra alguma das hipteses de desaforamento previstas no art. 424 do CPP, que no so incompatveis com a Constituio anterior nem com a atual (de 1988) e tambm no ensejam a formao de um Tribunal de Exceo. 3. No se justifica o restabelecimento da competncia do foro de origem (reaforamento), se permanecem as razes que ditaram o desaforamento. HC conhecido, em parte, e nessa parte, indeferido."

Interpretando o que diz o art. 427 do CPP, conclui-se cristalinamente que a figura processual do desaforamento aplica-se to-somente aos processos de competncia do jri, sendo inadmissveis para processos de competncia do juiz singular. imprescindvel registrar que o desaforamento s poder ocorrer quando a deciso de pronncia no comportar mais recurso, assim, s tem aplicao para o ru pronunciado e deve ser argida depois de transitada deciso de pronncia, at antes do incio do julgamento do foro originrio.

Tal entendimento vem sendo h muito tempo adotado pela doutrina e jurisprudncia brasileiras, passou a ser positivado com a reforma processual penal, conforme se obtm do 4 do art. 427 do CPP, como se v:

"Art. 427 ()

4 Na pendncia de recurso contra a deciso de pronncia ou quando efetivado o julgamento, no se admitir o pedido de desaforamento, salvo, nesta ltima hiptese, quanto a fato ocorrido durante ou aps a realizao de julgamento anulado."

Casos de desaforamento:

Antes da atual reforma o desaforamento era objeto de apenas um artigo, o qual assim dispunha:

"Art. 424. Se o interesse da ordem pblica o reclamar, ou houver dvida sobre a imparcialidade do jri ou sobre a segurana pessoal do ru, o Tribunal de Apelao, a requerimento de qualquer das partes ou mediante representao do juiz, e ouvido sempre o procurador-geral, poder desaforar o julgamento para comarca ou termo prximo, onde no subsistam aqueles motivos, aps informao do juiz, se a medida no tiver sido solicitada, de ofcio, por ele prprio.

Pargrafo nico. O Tribunal de Apelao poder ainda, a requerimento do ru ou do Ministrio Pblico, determinar o desaforamento, se o julgamento no se realizar no perodo de um ano, contado do recebimento do libelo, desde que para a demora no haja concorrido o ru ou a defesa."

O instituto do desaforamento foi contemplado com uma seco prpria (seco 5 do Captulo II do CPP) pela Lei n 11.689/08. A seguir, passo a transcrev-los literalmente:

"Art. 427. Se o interesse da ordem pblica o reclamar ou houver dvida sobre a imparcialidade do jri ou a segurana pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministrio Pblico, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representao do juiz competente, poder determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma regio, onde no existam aqueles motivos, preferindo-se as mais prximas.

1 O pedido de desaforamento ser distribudo imediatamente e ter preferncia de julgamento na Cmara ou Turma competente.

2 Sendo relevantes os motivos alegados, o relator poder determinar, fundamentadamente, a suspenso do julgamento pelo Jri.

3 Ser ouvido o juiz presidente, quando a medida no tiver sido por ele solicitada.

4 Na pendncia de recurso contra a deciso de pronncia ou quando efetivado o julgamento, no se admitir o pedido de desaforamento, salvo, nesta ltima hiptese, quanto a fato ocorrido durante ou aps a realizao de julgamento anulado."

"Art. 428. O desaforamento tambm poder ser determinado, em razo do comprovado excesso de servio, ouvidos o juiz presidente e a parte contrria, se o julgamento no puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trnsito em julgado da deciso de pronncia.

1 Para a contagem do prazo referido neste artigo, no se computar o tempo de adiamentos, diligncias ou incidentes de interesse da defesa.

2 No havendo excesso de servio ou existncia de processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciao pelo Tribunal do Jri, nas reunies peridicas previstas para o exerccio, o acusado poder requerer ao Tribunal que determine a imediata realizao do julgamento."

O atual art. 427, seguindo a esteira do anterior 424 do CPP, prescreve que o desaforamento pode ser determinado pelos seguintes motivos, a saber: o interesse da ordem pblica, dvida quanto imparcialidade do jri, ou ainda se houver incerteza quanto segurana do ru. No que se refere primeira hiptese, caber o desaforamento, quando o interesse da ordem pblica assim o exigir. A nossa doutrina unnime em afirmar que indispensvel existir um estado de paz e tranqilidade, de modo a que se realize o julgamento dentro das normalidades. Outra situao que leva a impor o pedido de desaforamento, quando houver dvida acerca da imparcialidade do jri. O inesquecvel Magalhes Noronha, com a clareza de sempre, assim ensina: "A imparcialidade do Jri fundamental. Parcialidade e justia so idias antitticas. No raro que o crime apaixone a opinio pblica, gerando no meio social de onde so tirados os jurados , antipatia, malquerena e mesmo dio contra o ru, no raro sendo que aqueles que vo servir no jri manifestem sua opinio contra o acusado, embora sem conhecerem o delito nos pormenores descritos pelo processo, disso surgindo situao incompatvel com a Justia".

oportuno registrar que para requerer o desaforamento na hiptese de existir dvida sobre a imparcialidade do jri, indispensvel que haja indcios necessrios para que se suscite essa suspeita. A nossa jurisprudncia, de maneira unssona, vem afirmando que as dvidas devem ser srias, sendo vedadas as suspeitas vagas. O jurista Francisco Monteiro Rocha assim se pronunciou: "A dvida sobre a imparcialidade do jri deve ser sria e baseada em elementos suasrios convincentes. No basta a presuno ou receio de que o jri afrontar a lei, para prejudicar ou beneficiar o ru. Urge que o argente demonstre evidncias de que o julgamento est comprometido mesmo pela imparcialidade dos jurados".

Diante disso, constatamos cristalinamente que necessrio haver indcios sobre a parcialidade. Assim, no configura imparcialidade a simples reao favorvel ou no da imprensa, o poder econmico e poltico do ru, popularidade do acusado, dentre outros. Fator que tambm caracteriza o desaforamento a incerteza quanto segurana do acusado. quando h um eminente perigo integridade corporal ou vida do ru em face da revolta popular diante do fato delituoso, o que a lei quer evitar que ocorra o justiamento ou constrangimento do acusado pelo povo, como no raras vezes tem ocorrido, razo pela qual se evita com a medida que se faa justia com as prprias mos. O caso tpico quando ocorre o desaforamento para evitar o linchamento do ru.

Por outro lado, para que tudo isso acontea, e tambm porque o desaforamento medida rara, indispensvel que haja prova sria e idnea a autorizar a medida. O anterior art. 424 do CPP prescrevia que poderia haver o desaforamento se transcorrido um ano do recebimento do libelo, no tivesse sido realizado o julgamento, desde que no tivesse concorrido o ru tampouco defesa para tal procrastinao. Nesse sentido, a Lei n 11.689/08 introduziu importantes modificaes: a) o prazo no mais de 1 (um) ano, mas sim de 6 (seis) meses; b) agora o prazo de 6 (seis) meses no contado da data do recebimento do libelo e sim contado do trnsito em julgado da deciso de pronncia; c) porque o desaforamento no leva mais em conta a demora para o julgamento e o parmetro atual o excesso de servio.

importante registrar que se no houver excesso de servio e o julgamento no se realizar dentro de 6 (seis) meses do trnsito em julgado da deciso de pronncia, no caber desaforamento. No obstante, como se obtm do 2 do art. 427 do CPP, incidindo tal situao, bem como na hiptese de existncia de processo aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciao pelo Tribunal do Jri, nas reunies peridicas previstas para o exerccio, o causado poder requerer ao Tribunal que determine a imediata realizao do julgamento.

Conclui-se que poder haver o desaforamento em razo do comprovado excesso de servio, ouvidos o juiz presidente e a parte contrria, se o julgamento no puder ser realizado no prazo de seis meses contado do trnsito em julgado da deciso de pronncia. preciso sublinhar que para a contagem desse prazo no se computar o tempo de adiamentos, diligncias ou incidentes de interesse da defesa.

Rodrigo Tourinho Dantas levanta uma polmica. Seriam as hipteses contempladas nos arts. 427 e 428 do atual CPP introduzidas pela reforma numerus clausus, isto , so taxativas?

A doutrina e a jurisprudncia, majoritariamente, posicionavam-se, anteriormente, diante do velho art. 424 de que se tratava de rol meramente exemplificativo. Filio-me corrente esboada pelo eminente jurista Rodrigo Tourinho Dantas de que este posicionamento permanece mesmo depois da referida reforma processual-penal.

Diante disso, por outros motivos como fora maior ou caso fortuito (questes de ordem material, apenas para exemplificar) podem ensejar o desaforamento. O Tribunal de Justia de So Paulo, em torno do assunto, decidiu favoravelmente a respeito, quando na comarca no havia prdio onde poderia se realizar o jri e tambm por falta de instalaes adequadas, quando o julgamento era de longa durao e repercusso.

7 Do Processo de Desaforamento (Cabimento e Oportunidade)

O desaforamento s pode ocorrer quando os processos forem de competncia do Tribunal do Jri, no havendo respaldo legal para os processos de competncia do jri singular. Nesse sentido a nossa jurisprudncia j se consolidou, pois entende que em nenhum outro rito possvel.

O pedido de desaforamento somente poder ocorrer depois que transitar em julgado a deciso interlocutria de pronncia ou no recurso formulado contra a pronncia.

Outra no a posio do festejado Magalhes Noronha, seno vejamos: "o desaforamento s do julgamento, carecendo de razo Borges da Rosa quando sustenta que tambm se pode dar, relativamente, a instruo criminal, pois o Cdigo de clareza meridiana ao dizer: (...) poder desaforar o julgamento. Trata-se tambm de medida somente aplicvel ao julgamento do jri".

Em boa hora a Lei n 11.689/08 ratificou esse entendimento como se dispe do art. 427, 4, o qual transcrevo:

" 4 Na pendncia de recurso contra a deciso de pronncia ou quando efetivado o julgamento, no se admitir o pedido de desaforamento, salvo, nesta ltima hiptese, quanto ao fato ocorrido durante ou aps a realizao de julgamento anulado."

oportuno que se ressalte que no cabe o pedido de desaforamento na apelao da deciso do jri, pois atentaria contra a soberania deste, razo pela qual, se a acusao, a defesa, ou ainda o juiz no diligenciou o desaforamento na oportunidade adequada, no tem sentido que venha a fazer quando do segundo julgamento ditado por apelao, exceto quando o fato ocorrido durante ou aps a realizao de julgamento anulado. O pedido de desaforamento dever ser realizado junto ao tribunal de instncia superior.

Quaisquer das partes, inclusive o assistente de acusao, bem como o juiz (MP ou querelante, nos casos de crime de ao privada), podem requerer a mudana do local do julgamento. Entretanto, caso seja o juiz que requeira o desaforamento, ele s poder faz-lo nas hipteses do caput do art. 427, mas as partes podero requer-la tanto nas hipteses do caput do art. 427, bem como na hiptese trazida pelo art. 428, CPP.

O MP pode requerer o desaforamento em quaisquer das hipteses j mencionadas, pois pode agir como parte ou como custos legis, no caso de crime de ao privada. Nesses casos imprescindvel que se d vista ao defensor do ru como garantia ao princpio constitucional da ampla defesa. Anteriormente reforma processual havia um entendimento que antes de ser decidido o desaforamento pelo Tribunal, havia necessidade de o juiz prestar as informaes pertinentes ao pedido. A Lei n 11.689 ratificou tal posicionamento, como dispe o art. 427, 3.

Com base no princpio constitucional da celeridade processual, consagrado na Carta Magna pela Emenda n 45, bem como atendendo ao princpio da economia processual, o juiz normalmente envia o processo ao Tribunal j devidamente informado. Como dispe o art. 427, CPP, no caso de o juiz solicitar o pedido, evidentemente que j sero explicitadas as informaes necessrias ao julgamento. Posteriormente, superada esta fase de prestao de informaes, os autos sero remetidos ao Procurador Geral de Justia, para que o mesmo se manifeste, ou ao representante do MP na Cmara. O pedido de desaforamento tem preferncia nos julgamentos na cmara ou turma competente, quando estiver no STJ. Sendo relevantes os motivos alegados, o relator poder determinar fundamentalmente a suspenso do julgamento pelo Jri, inclusive decidindo liminarmente.

Antes do surgimento da Lei n 11.689, discutia-se se o assistente da acusao poderia ou no pedir o desaforamento. A doutrina posicionava-se de modo contrrio e o festejado Fernando da Costa Tourinho era exceo, pois se posicionava favoravelmente. Realmente, a Lei n 11.689 acabou com tal discusso, pois o art. 427 claro como a luz do meio-dia, seno vejamos:

"Art. 427. Se o interesse da ordem pblica o reclamar ou houver dvida sobre a imparcialidade do jri ou a segurana pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministrio Pblico, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representao do juiz competente, poder determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma regio, onde no existam aqueles motivos, preferindo-se as mais prximas."

A nova roupagem dada pela Lei n 11.689/08 passa a prever que o desaforamento ser para outra comarca da mesma regio, onde no existam aqueles motivos, preferindo-se as mais prximas, em obedincia ao que a melhor doutrina e jurisprudncia j vinham adotando anteriormente.

8 O Princpio do Contraditrio e o Desaforamento

A nossa lei maior escreveu no rol dos direitos e garantias fundamentais dois princpios dos mais importantes no Estado Democrtico de Direito, a seguir: o princpio do contraditrio e da ampla defesa, razo por que encontram alicerce legal no art. 5, LV, segundo o qual os litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral so assegurados o contraditrio e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. O contraditrio e a ampla defesa devem ser observados qualquer que seja o procedimento, razo pela qual, no procedimento do jri, em relao ao desaforamento, tais princpios no poderiam ser postos de lado.

A Smula 712 do STF sedimentou o seguinte entendimento: " nula a deciso que determina o desaforamento do processo de competncia do jri sem audincia da defesa". Como j referido, sendo o MP o requerente do desaforamento, imprescindvel participao do defensor no processo como garantia ao princpio constitucional da ampla defesa. No obstante, o art. 428 do CPP, com a nova redao dada por essa reforma processual, apenas proclame expressamente, na hiptese do desaforamento em razo do comprovado excesso, se o julgamento no puder ser realizado no prazo de seis meses, contado do trnsito em julgado da deciso de pronncia, a necessidade de manifestao da parte contrria, entendemos que, em qualquer hiptese, faz-se imprescindvel a audincia das partes.

Caso o juiz no tiver propiciado s partes o contraditrio, o Tribunal deve faz-lo, como ensina James Tudenchlak, citado por Francisco Monteiro Rocha: "Constatamos grave omisso da lei, ao no dispor acerca do pronunciamento das partes, cujo interesse na deciso evidente. De bom alvitre, portanto, serem elas intimadas pelo tribunal, da representao judicial, com abertura de prazo para se manifestarem a respeito".

Por outro lado, imperioso que se assinale que o STF, a respeito da necessidade de manifestao das partes quando o requerimento feito pelo juiz, ainda no se posicionou pacificamente, como se pode observar:

"HC 77.580-1/RS. DESAFORAMENTO. INTIMAO. O crivo do Tribunal referente a pedido de desaforamento s poder acontecer mediante cincia prvia da defesa e acusao. Precedentes: HC 69.054 /MT, 64.207/MG e 71.059/PB, julgados no Plenrio, na Primeira e Segunda Turmas, relatados pelos Ministros Clio Borja, Nri da Silveira e por mim, com arestos veiculados nos DJU de 10 de abril de 1992, 10 de outubro de 1986 e 9 de agosto de 1994, respectivamente."

Em sentido oposto, a mesma Egrgia Suprema Corte j se manifestou pela dispensabilidade da manifestao das partes quando o juiz requisitar ex officio o desaforamento:

"HC 71.345/GO. O desaforamento, por constituir derrogao da regra do julgamento no distrito da culpa, de aplicao restrita. Partindo do magistrado o pedido, ele deve ser acolhido. A regra de que no desaforamento deve-se ouvir a parte contrria vista do contraditrio no prevalece quando o alvitre do magistrado. A presuno de imparcialidade."

Somos da mesma opinio do jurista Rodrigo Tourinho Dantas de que esta ltima posio completamente equivocada, pois a presuno de imparcialidade que atribui o STF ao Magistrado no capaz de afastar uma garantia constitucional.

Francisco Monteiro Rocha, com quem corroboramos, assim se posiciona: "() no h que se argumentar haver presuno de imparcialidade do juiz, para afastar, por si s, o princpio do contraditrio, em representao de desaforamento por ele apresentada. A presuno de imparcialidade e lealdade do julgador sempre presente, qualquer que seja o processo em julgamento, e nem por isso se tem deixado de prestigiar o princpio do contraditrio".

9 Do Efeito Suspensivo para o Pedido de Desaforamento

Os doutrinadores Mirabete e Francisco Monteiro Rocha posicionavam-se desfavoravelmente contra o efeito suspensivo do desaforamento argumentando que a lei silenciava e por isso no haveria razo para dar-se uma interpretao extensiva. Os tribunais tambm assim se manifestavam e frisavam que o art. 424, CPP, no atribua efeito suspensivo ao pedido de desaforamento, razo pela qual diziam que no se poderia pretender a tipificao de constrangimento ilegal o indeferimento do pedido de adiamento at a deciso do desaforamento, e apenas para exemplificar citamos o RT 592/444.

Fernando da Costa Tourinho, com invulgar brilhantismo, posicionava-se de forma contrria, pois alegava "ser de bom senso que se aguardasse o pedido de desaforamento atribuindo, pois, efeito suspensivo". Prosseguindo na sua argumentao, o ilustre doutrinador baiano assim se manifestou: "E se houver o julgamento (parcial, como sups a parte que pediu o desaforamento) e, em seguida, o Tribunal deferir o pedido? Como proceder em face de tamanha perplexidade? Para evitar situaes como essa, o julgamento deve suceder apreciao do pedido de desaforamento". Finalmente a Lei n 11.689/08 acabou com tal polmica dando nova redao ao 2 do art. 427, o qual autoriza a concesso de efeito suspensivo, como se observa: " 2 Sendo relevantes os motivos alegados, o relator poder determinar, fundamentadamente, a suspenso do julgamento pelo jri".

Como se observa, a regra que o pedido de desaforamento no seja dotado de efeito suspensivo, mas, excepcionalmente, sendo relevantes os motivos alegados, o relator poder determinar, fundamentalmente, a suspenso do julgamento pelo jri.

Compartilhamos da idia esposada pelo eminente jurista Rodrigo Tourinho Dantas, no sentido de que o legislador equivocou-se ao transformar em regra aquilo que deveria ser tratado como exceo, pois o desaforamento medida excepcional, razo pela qual as hipteses autorizadoras deveriam ser analisadas sempre em favor do ru, visto que para ns o desaforamento uma garantia do ru de ter um julgamento justo e pacfico, por isso, a exceo do desaforamento pela incidncia do disposto no art. 428 do CPP, caso no qual entendemos no ser possvel a concesso de efeito suspensivo, todo o pedido de desaforamento deveria ser dotado de efeito suspensivo, exceto se comprovadamente utilizado como medida manifestamente procrastinatria.

10 Da Possibilidade de Desaforamento para Segundo Julgamento

Nada obsta que ocorra o desaforamento para o segundo julgamento, pois, para isso, mister que o primeiro tenha sido anulado e fatos novos e relevantes surjam de modo que autorize a mudana do julgamento para outro foro. importante transcrever o que dispe o 4 do art. 427:

" 4 Na pendncia de recurso contra a deciso de pronncia ou quando efetivado o julgamento, no se admitir o pedido de desaforamento, salvo, nesta ltima hiptese, quanto a fato ocorrido durante ou aps a realizao de julgamento anulado."

Em relao interposio de recurso contra deciso que acolheu o pedido de desaforamento, hoje isto j est pacificado tanto na doutrina quanto na jurisprudncia, no sentido de que no cabe recurso contra deciso referente ao pedido de desaforamento. Por outro lado, o STF, em entendimento pacfico, vem reiteradamente decidindo ser pertinente a impetrao de habeas corpus para rever a deciso contra pedido de desaforamento.

11 Do Reaforamento

importante consignar que antes da reforma processual o instituto do reaforamento no era previsto pelo CPP, e a Lei n 11.689/08 chamou-se ao silncio.

Inicialmente vamos definir reaforamento como uma espcie de segundo desaforamento, ou seja, retira o julgamento do foro para o qual tinha sido designado (faz-se o desaforamento), retornando para o foro original. Em conseqncia, o ru julgado onde deveria s-lo inicialmente. A peculiaridade que retorna o julgamento (lembre-se que o desaforamento do julgamento).

A doutrina de Joo Carlos Ferreira da Silva, na obra Processo Penal para Concursos, assim se refere a respeito do reaforamento: " a volta do processo ao lugar de origem, uma vez que foram cessadas as causas do desaforamento. Prevalece o entendimento de que no possvel o reaforamento".

Portanto, a maior parte da doutrina ensina que, ocorrido o desaforamento, no pode ocorrer o reaforamento mesmo que no foro inicial tenham desaparecido as causas que o determinar, como dispem os arts. 427 e 428 do CPP, bem como as questes de ordem material.

Eduardo Espinola assim se manifesta: "Definitivos so os efeitos do desaforamento, e, assim, se proscreve o reaforamento, mesmo quando, antes do julgamento, tenham desaparecido as causas que o determinam."

A jurisprudncia unssona tambm se posiciona pelo descabimento do reaforamento, como se observa:

"JRI. Desaforamento. Subsistncia das razes que o determinaram. Reaforamento inadmissvel. HC indeferido. Inteligncia do art. 424 do CPP. Ementa oficial: Habeas corpus. Jri. Juiz natural. Tribunal de exceo. Desaforamento. Reaforamento. No de ser conhecido o habeas corpus no ponto em que se impugna o desaforamento deferido, porque pretenso idntica j foi repelida por duas vezes pelo STF. Juiz natural de processo por crimes dolosos contra a vida o Tribunal do Jri. Mas o local do julgamento pode variar, conforme as normas processuais, ou seja, conforme ocorra algumas das hipteses de desaforamento previstas no art. 424 do CPP, que no so incompatveis com a Constituio anterior nem com a atual (de 1988) e tambm no ensejam a formao de um Tribunal de Exceo. No se justifica o restabelecimento da competncia do foro de origem (reaforamento) se permanecem as razes que ditaram o desaforamento. HC conhecido em parte e nessa parte indeferido." (HC 67.851-3/GO, 1 T., j. 24.04.90, Rel. Min. Sydney Sanches, DJU 18.05.90)

Fernando da Costa Tourinho Filho, isoladamente, admite a possibilidade de reaforamento, uma vez extintos os motivos que ocasionaram o deslocamento do foro original e no local para onde fora desaforado, as circunstncias no permitirem um julgamento sereno. Prosseguindo na sua exposio, o eminente processualista diz que "se por acaso os motivos que originaram o pedido de desaforamento houverem desaparecido e eles surgirem no novo foro, nada impede o reaforamento, alis, o egrgio STF, invocando nosso ponto de vista, houve por bem admitir o reaforamento."

Conclui afirmando que "o reaforamento, nesse caso, s poder ser argido, obviamente, depois de ter se operado o desaforamento, at antes do incio do julgamento do ru".

As hipteses de reaforamento seriam as mesmas para o desaforamento, salvo a hiptese do art. 428 do CPP, em que nunca se admitir o reaforamento, j que se trata de um critrio cronolgico. O tempo estampa marcas indelveis, no havendo como fazer voltar ao estado anterior.

Rodrigo Tourinho Dantas afirma, "contudo, excepcionalmente, consideramos que, apenas quando as causas que justificaram o desaforamento forem questes de ordem meramente materiais, seria possvel falar-se em reaforamento. A justificativa simples".

Conforme o jurista "essas questes materiais, p. ex., precariedade de instalaes, so hipteses objetivas, razo pela qual so de fcil constatao. E, uma vez que supridas, desapareceria por inteiro a causa que determinou o desaforamento, ao contrrio das hipteses do art. 427 do CPP, que, por serem subjetivas, nunca se saber ao certo se as causas que justificaram o desaforamento tenham, de fato, desaparecido por inteiro".

12 O Reaforamento e a Anulao da Deciso de Pronncia

Rodrigo Tourinho Dantas segue afirmando que "no possvel reaforamento quando a deciso interlocutria de pronncia for anulada, pois nada tem a ver com o juzo de admissibilidade, e sim com a mudana onde se processar o julgamento". Esse entendimento j foi consolidado por nossa Corte Suprema, in verbis: "Sendo o desaforamento processo incidental, fora dos autos principais, diz respeito apenas transferncia do foro de julgamento dos pronunciados em processo por crime da competncia do Jri, nada tendo a ver com a sentena de pronncia, que juzo de admissibilidade da acusao intentada (RT 586/415)".

Sendo assim, conforme Rodrigo Tourinho Dantas, uma vez anulada a deciso de pronncia, no se opera o retorno do julgamento para a comarca anterior.

13 Desaforamento para Comarca Vizinha: Quando Julgamento No Realizado nos 6 Meses Seguintes ao Trnsito em Julgado da Deciso de Pronncia

A melhor doutrina diz que, em regra, a competncia determinada pelo lugar em que se consumou a infrao (art. 70), mas nas hipteses de julgamento pelo jri permitido que ele seja realizado em outra comarca, se presente uma das situaes previstas no art. 424, ou seja, se o interesse da ordem pblica o reclamar, ou houver dvida sobre a imparcialidade do jri ou sobre a segurana pessoal do ru.

O art. 428 cria uma nova hiptese de aplicao desse instituto, "pois o desaforamento tambm poder ser determinado em razo do comprovado excesso de servio, ouvidos o juiz-presidente e a parte contrria, se o julgamento no puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trnsito em julgado da deciso de pronncia". Quando tal situao vier a ocorrer, dar-se- o desaforamento para a comarca vizinha que esteja desobstruda.

Alm das hipteses antigas, passa-se a permitir a mudana do local se houver excesso de servio no Tribunal e se o julgamento no puder ser realizado em 6 (seis) meses aps a deciso de que o ru ser submetido a jri. O artigo tambm fala em deslocamento para comarca da mesma regio, e no do mesmo Estado, como faz o atual texto legislativo, razo pela qual poderamos ter um fato ocorrido no Tocantins sendo julgado por alguma comarca de Gois, fato que tambm poder causar alguns inconvenientes.

O legislador, em boa hora, terminou com uma antiga e estril controvrsia, permitindo expressamente que o assistente da acusao possa tambm requerer o desaforamento, o que vem ao encontro dos modernos princpios vitimolgicos inseridos no Direito Criminal.

14 Extino do Libelo Acusatrio

Libelo, conforme conceito do processualista Guilherme de Souza Nucci (CPP Comentado, RT, p. 417-18), trata-se de pea acusatria, cujo contedo fixado pela deciso de pronncia, expondo, na forma de artigos, a matria que ser submetida a julgamento pelo Tribunal do Jri. No procedimento do jri, enquanto a denncia tem por fim expor o fato delituoso para provocar um juzo de admissibilidade da acusao (pronncia), sem invaso do mrito da causa, o libelo crime-acusatrio justamente a pea formal da acusao, que visa exposio do fato criminoso, agora filtrado pela pronncia, ao Tribunal Popular, constituindo a pretenso punitiva do Estado e pretendendo um julgamento de mrito.

O libelo era considerado por muitos doutrinadores como pea suprflua, sem nenhum interesse processual. No obstante, outros doutrinadores como Rogrio Lauria Tucci e Pitombo assim no pensavam: "a supresso do libelo no importa na simplificao do procedimento, no qual haver lugar, em seqncia ao decurso do prazo para interposio de recurso contra a sentena de pronncia, para o requerimento de provas, a serem produzidas no plenrio do jri, e de outras diligncias prvias, tidas como pertinentes e relevantes. (...) Sem o libelo definha-se a contrariedade, enfraquece-se a atuao defensiva, desorienta-se a realizao de prova oral em plenrio e, com isso, desvigora-se a quesitao tudo a negar (isso, sim!) a tradio conservadora da instituio do jri" (Tribunal do Jri: origem, evoluo, caractersticas e perspectivas, p. 87-88). Seguindo a mesma trilha, Pitombo considera "gravssima" a eliminao do libelo-crime, pois terminaria com o controle efetivo do juiz sobre a acusao: "Irromper muito dificultoso, no momento dos debates, o juiz-presidente verificar a fidelidade e a pontualidade da acusao oral", enfraquecendo a defesa (Supresso do libelo, p. 141-142).

Essa polmica no existe mais, pois esta Lei n 11.689/08 extinguiu o libelo. Tambm concordo com o colega Lucas Silva e Greco, advogado, especialista em Direito Pblico, que, no seu artigo "As alteraes implementadas pela nova Lei n 11.689/08. O novo judicium causae" quando sustenta que com a nova redao do art. 422 do CPP desaparece o libelo-crime acusatrio e sua contrariedade, devendo o magistrado presidente do Tribunal do Jri intimar o rgo do Ministrio Pblico ou o querelante no caso de queixa, e o defensor para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que iro depor em plenrio at o mximo de 5 (cinco), oportunidade em que tambm podero juntar documento e requerer diligncias.

Em conseqncia as novas regras acabam por revogar tacitamente o disposto na alnea f, III, do art. 564 do CPP, no que se refere verificao de nulidade pela falta de apresentao do libelo. Prossegue o eminente colega enumerando as modificaes ocorridas diante da extino de libelo e est correto quando afirma que com a redao do art. 476 e do pargrafo nico do art. 482 do CPP, as agravantes, mesmo as de conhecimento anterior ao plenrio, podero nele serem sustentadas, devendo o magistrado elaborar quesito pertinente e submet-lo aprovao do conselho de deciso.

Por outro lado, embora inexista libelo e sua contrariedade, deve ser oportunizada s partes litigantes a oportunidade de requerer diligncias, juntar documentos e arrolar testemunhas (cinco no mximo), em conformidade com o art. 423 do CPP, o juiz presidente do Tribunal do Jri ordenar as diligncias necessrias para sanar qualquer nulidade ou esclarecer fato que interesse ao julgamento da causa, bem como far relatrio sucinto do processo, determinando sua incluso em pauta de reunio do Tribunal do Jri.

A presena do ru passa a ser dispensvel, sempre que o mesmo estiver solto, desde que tenha sido devidamente cientificado da ocorrncia do julgamento. O uso das algemas est proibido, salvo situaes excepcionais descritas em lei. O texto do substitutivo do PL 4.203/01, apresentado pelo Deputado Flvio Dino trazia previso notria tambm no sentido de, em regra, proibir o uso de algemas, por outro lado, acrescentava que caso as mesmas fossem utilizadas em razo da segurana, o representante do MP ficaria proibido de mencionar tal fato como elemento caracterizador da periculosidade do agente. Tambm no poderia haver meno, na sentena de pronncia ou a eventual exerccio do direito.

Em concluso diria ainda que, quanto a esta segunda fase do rito, judicium causae, a primeira diferena a ser observada diz respeito supresso do famoso libelo e, como conseqncia, da contrariedade do mesmo. Pela nova lei, ao receber os autos, o Presidente do Tribunal do Jri determinar a intimao da acusao e da defesa para a apresentao do rol de testemunhas (at cinco) que pretende ouvir em plenrio, juntada de documentos e requerimento de diligncias.

Por sua vez, Rodrigo Iennaco de Moraes sustenta que com a supresso do libelo, a segunda fase (judicium causae) que mais parece, agora, um prolongamento da primeira, inicia-se com a intimao para arrolar testemunhas a serem ouvidas no plenrio do jri, requerer diligncias e juntar documentos, bem como o despacho preparatrio do julgamento: deliberao sobre provas, saneamento de irregularidades, diligncias para esclarecimento de fatos relevantes e relatrio (escrito, que ser depois entregue aos jurados) do processo.

15 Relativamente aos Jurados

Alterou-se o art. 434 do CPP que prev a idade mnima de 21 anos para participao no jri, que passar para 18 anos.

"Art. 434. O servio do jri ser obrigatrio. O alistamento compreender os cidados maiores de 21 (vinte e um) anos, isentos os maiores de 60 (sessenta)."

importante tecer algumas consideraes doutrinrias alicerado em eminentes processualistas como Mirabete, que em seu CPP Interpretado (1999) comenta que se exige idade mnima de 21 anos. O legislador resolveu introduzir sabiamente tal modificao pelo advento do Cdigo Civil em seu art. 5. A menoridade cessa aos 18 (dezoito anos) completos, quando a pessoa fica habilitada prtica de todos os atos da vida civil.

Como dispe o art. 425, 2, do CPP, relativamente aos jurados, houve um redimensionamento do nmero dos alistados anualmente, tendo em vista o aumento populacional do pas, bem como as novas funes atribudas ao juiz no processo de recrutamento, assinalando o envio de ofcios a associaes de classe, clubes, sindicatos etc., solicitando a indicao de pessoas aptas a assumir a posio de julgador leigo. Tambm importante assinalar o que dispe o art. 126, 3, que determina a incluso entre as autoridades presentes no momento do sorteio dos jurados, integrantes da lista geral, um representante da seco local da OAB, e outro da Defensoria Pblica.

O art. 461 do Cdigo de Processo Penal vigente diz que:

"Art. 461. Se os rus forem dois ou mais, podero incumbir das recusas um s defensor; no convindo nisto e se no coincidirem as recusas, dar-se- a separao dos julgamentos, prosseguindo-se somente no do ru que houver aceito o jurado, salvo se este, recusado por um ru e aceito por outro, for tambm recusado pela acusao.

Pargrafo nico. O ru, que pela recusa do jurado tiver dado causa a separao, ser julgado no primeiro dia desimpedido."

Julio Fabbrini Mirabete (CPP Interpretado, Jurdica Atlas, 7. ed., p. 1008-1009) discorre, com referncia ao artigo supramencionado, que "num julgamento em que h 2 (dois) ou mais co-rus, permite a lei que, embora haja 2 (dois) ou mais defensores, seja apenas um deles incumbido das recusas. Caso no haja concordncia dos defensores quanto incumbncia, e no concordando os defensores a respeito da recusa de qualquer jurado sorteado, dar-se- a separao dos julgamentos (art. 79, 2), prosseguindo-se somente no do ru que houver aceito o jurado. No haver separao, porm, se o jurado, recusado por um acusado e aceito por outro, for tambm recusado pela acusao. Nesta ltima hiptese o jurado no servir e o julgamento ser realizado normalmente. Aceito o jurado por um dos defensores e pela acusao, o ru, que pela recusa tiver dado causa separao, deve ser julgado no primeiro dia desimpedido".

Nestes casos, quando houvesse 2 (dois) ou mais rus, freqentemente abria-se espao para acordos entre defensores nas recusas, o que levava freqentemente ciso do julgamento. Agora com esta reforma, o art. 469 fica assim:

"Art. 469. Se forem dois ou mais os acusados as recusas podero ser feitas por um s defensor."

Razo pela qual no mais se cogita da dupla recusa e, conseqentemente, da ciso por esse motivo. No que se refere s recusas imotivadas dos jurados, pretendeu-se evitar, na medida do possvel, no caso de haver mais de um ru com advogados diferentes, tcnica de defesa que, manejando as negativas, permitia a obter a ciso do julgamento inicialmente nico. Ocorre que agora se dar a separao se as recusas importarem na obteno de sete jurados. Antes bastava a discordncia dos jurados acerca dela.

No mesmo sentido, assim escreveu o colega Lucas Silva e Greco: "O regramento jurdico pertinente aos jurados tambm foi inovado. Agora, o jurado que tiver integrado o conselho de deciso (portanto, dever servir como jurado no plenrio do jri), nos 12 (doze) meses que antecederem publicao da lista geral a que se refere o art. 425 do CPP, fica dela excludo. Trata-se de uma praxe forense que agora encontra letra na lei".

Alm do referido, o nmero de jurados que compem o tribunal do jri foi alterado de 21 (vinte e um) para 25 (vinte e cinco) jurados. Tal alterao visa evitar adiamentos do julgamento em decorrncia do chamado "estouro de urna", evento que se verificava quando no se obtinha o nmero mnimo de jurados exigido para a instaurao da sesso de julgamento. uma atitude louvvel, e imprescindvel atualmente, tendo em vista a regra prevista no novo 1 do art. 469 do CPP, que alterou a regra para o desmembramento do julgamento quando presentes 2 (dois) ou mais acusados, que passa a ocorrer no mais em decorrncia da divergncia entre as recusas imotivadas dos jurados por parte de acusao e defesa, mas pela no obteno do nmero mnimo de 7 (sete) jurados para comporem o conselho de deciso.

No ato de convocao dever ser includa a cpia dos arts. 436 a 446, da Crtula Processo Penal que trata da convocao de jurados. Estabeleceu-se ainda que o jurado que tiver feito parte do conselho de sentena nos 12 (doze) meses que precederam a publicao da lista geral, dever ser excludo da mesma, embora a medida poder se mostrar de difcil implementao nas comarcas pequenas, onde no se dispe de um grande nmero de possveis jurados; que a idade mnima para servir como jurado no Conselho de Sentena foi reduzida de 21 (vinte e um) para 18 (dezoito) anos e a idade mxima elevou-se para 70 (setenta) anos; o nmero mnimo de juzes de fato presentes para iniciar a seo subiu para 25 (vinte e cinco); atualizou-se monetariamente a multa pelo no-comparecimento; criou-se a prestao de servio alternativo para aqueles que, por convices religiosas/filosficas no quiserem exercer o mnus (dessa forma, doravante ser possvel o decreto de perda dos direitos polticos daquele que no aceitar a funo de jurado e no cumprir a pena alternativa); estabeleceu-se a condio de jurado como critrio tambm em concursos pblicos para provimento de cargos (e no apenas em licitaes), bem como para efeito de promoo funcional ou remoo; estabeleceu-se iseno na prestao do servio para duas novas categorias servidores do MP e da Defensoria Pblica; acrescentou-se entre os impedimentos a existncia de unio estvel entre jurados; e incluiu-se o teor da smula 206 do STF no inciso I do art. 449.

A lista geral dos jurados ser completada anualmente, importante novidade que visa evitar a profissionalizao do jurado, ou seja, excluso da lista geral do jurado que tiver integrado o conselho de sentena nos doze meses anteriores publicao. Como a excluso se refere lista geral que anual, nada impede que o mesmo jurado atue no conselho de sentena em vrias reunies ou sees de uma mesma reunio enquanto no for excludo da lista geral.

A Lei n 11.689/08 modificou o art. 438 do CPP, o qual proclama que a recusa dos servios do jri importar em pena de suspenso dos direitos polticos, como se observa da transcrio do artigo:

"Art. 438. A recusa ao servio do jri fundada em convico religiosa, filosfica ou poltica importar no dever de prestar servio alternativo, sob pena de suspenso dos direitos polticos, enquanto no prestar o servio imposto."

Observa-se atravs da citada lei que o servio alternativo compreende no exerccio de atividades de carter administrativo, assistencial, filantrpico ou mesmo produtivo no Poder Judicirio, na Defensoria Pblica, no MP, ou em entidade conveniada para estes fins. o que se conclui do 1 do respectivo art. 438, com a nova redao dada pela Lei n 11.689/08. Portanto, a recusa em cumprir a obrigao legal a todos imposta, como o caso do servio do jri, bem como a sua prestao alternativa, implica na suspenso dos direitos polticos. Por isso, enquanto no prestado o servio do jri, o cidado no poder exercer seus direitos polticos, razo pela qual cessada a causa que originou a suspenso desses direitos, vale dizer, somente aps prestar os servios no jri, ou a prestao alternativa, ele ter os seus direitos polticos restabelecidos.

O advogado Rodrigo Tourinho Dantas conclui assim frisando em que pese a posio de renomados doutrinadores, entende que a hiptese de escusa de conscincia, estampada no art. 15, inciso IV, trata-se da suspenso de direitos polticos. Diria que o legislador, ao dar nova redao ao art. 438, CPP, termina com essa discusso, prevendo que a escusa de conscincia implica na suspenso dos direitos polticos, e no na perda.

Realmente, as causas de perda e suspenso dos direitos polticos so privaes excepcionais, que importam, respectivamente, na perda definitiva ou temporria dos direitos polticos de votar e ser votado. Na realidade, a perda difere da suspenso dos direitos polticos, pela restrio imposta ao cidado, enquanto a perda a privao definitiva e permanente dos direitos polticos. A suspenso dos direitos polticos, por outro lado, a privao temporria desses direitos. A nossa Carta Magna elenca as hipteses de perda e suspenso de direitos polticos em seu art. 15, o qual assim reza:

"Art. 15. vedada a cassao de direitos polticos, cuja a perda e suspenso s se dar nos casos de:

I cancelamento da naturalizao por sentena transitada em julgado;

II incapacidade civil absoluta;

III condenao criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV recusa de cumprir obrigao a todos imposta ou prestao alternativa, nos termos do art. 5, VIII;

V improbidade administrativa, nos termos do art. 37, 4."

Acontece que, embora previstas as hipteses de perda e suspenso dos direitos polticos, a nossa Constituio no especificou os casos de perda e suspenso, mas cabe doutrina tal indicao. Os doutrinadores no so unnimes na indicao de tais hipteses, principalmente quando se trata do inciso IV do art. 15 da CF de 1988.

O advogado Rodrigo Tourinho Dantas, em relao escusa de conscincia: perda ou suspenso dos direitos polticos, assim se manifestou: "A CF/88 proclama, em seu art. 5, VIII, que ningum ser privado de direitos por motivo de crena religiosa ou de convico filosfica ou poltica, salvo se as invocar para eximir-se de obrigao legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestao alternativa, fixada em lei".

Como se v, a Constituio se refere "privao" dos direitos, no caso de recusar a cumprir obrigao legal a todos imposta e recusar cumprir prestao alternativa, sem, todavia, especificar de que tipo ser essa privao: se perda ou suspenso dos direitos polticos. Para a doutrina majoritria, a recusa de cumprir obrigao a todos imposta e a prestao alternativa implica na perda dos direitos polticos.

No obstante, h quem defenda, como o caso do insigne Adriano Soares da Costa, que a escusa de conscincia configura hiptese de suspenso dos direitos polticos. Para ns, inteira razo assiste ao ilustre doutrinador.

Justamente porque, uma vez no cumprida a obrigao legal a todos imposta, em razo de crena religiosa ou de convico filosfica ou poltica, assim como a recusa em cumprir a respectiva prestao alternativa, fixada em lei, o cidado ficar privado dos seus direitos polticos at que as cumpra. V-se, pois, que a restrio aos seus direitos polticos temporria (at que cumpra a obrigao a todos imposta ou a alternativa a ela), e no definitiva.

A despeito disso, vejamos as lies do supramencionado doutrinador: "Quanto escusa de conscincia (recusa de cumprir obrigao legal a todos imposta), no causa de perda dos direitos polticos, mas de suspenso. De fato, se a obrigao legal a todos imposta contrria crena, ou convico filosfica ou poltica de algum nacional, deve existir alguma obrigao alternativa que ele tambm no admita cumprir, para que possa vir a sofrer a suspenso dos direitos polticos. Suspensos os direitos polticos, apenas vir a goz-los novamente quando cumprir a obrigao, ou a alternativa a ela. Logo, de perda no se trata, mas de suspenso dos direitos polticos".

Desse modo, cumpre anotar que o cidado que possui direitos polticos e vem a ser deles privados, com a possibilidade de novamente obter o seu exerccio, no os perde: apenas tem suspenso o seu exerccio.

O juiz de direito do Paran Marcos Caires Luz em um bem lanado artigo "A falsa maioria do inciso III e 2 do art. 483 do CPP. Lei n 11.689/08", o qual transcrevemos ipsis litteris, pois julgamos as dvidas levantadas por Sua Exa. pertinentes e inquietantes, pois a redao desse artigo tranqilamente dar muito "pano para manga" e prestar-se- para argies de nulidades, mas,