58973615 Ginastica Laboral Na Prevencao de Lerdort (1)

download 58973615 Ginastica Laboral Na Prevencao de Lerdort (1)

of 130

Transcript of 58973615 Ginastica Laboral Na Prevencao de Lerdort (1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PS -GRADUAO EM ENGENHARIA DE PRODUO

GINSTICA LABORAL NA PREVENO DE LER/DORT ? UM ESTUDO REFLEXIVO EM UMA LINHA DE PRODUOWILLIANS CASSIANO LONGEN

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo da

Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para Mestre Produo obteno em do ttulo de de Engenharia

Florianpolis 2003

2

WILLIANS CASSIANO LONGEN GINSTICA LABORAL NA PREVENO DE LER/DORT ? UM ESTUDO REFLEXIVO EM UMA LINHA DE PRODUO

Esta dissertao foi julgada e aprovada para a obteno do ttulo de Mestre em Engenharia de Produo do Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo da Universidade Federal de Santa Catarina

Florianpolis, 26 de maro de 2003.

Prof. EDSON PACHECO PALADINI, Dr. COORDENADOR DO CURSO

BANCA EXAMINADORA

_______________________________ Prof. Jos Maral Jackson Filho, Dr. Orientador

_______________________________ Prof. Roberto Moraes Cruz, Dr.

_______________________________ Prof. Vera Lcia Guimares Blank, Dr.

3

Dedico este trabalho Maria da Luz, eterna e incondicional incentivadora dos meus anseios pessoais e

profissionais. Ou simplesmente me...

4

Agradecimentos

Agradeo profundamente a quem viabilizou e incentivou meus primeiros passos dentro da sade do trabalho, no contato com o trabalhar e sua complexa condio. Tcnico de Segurana do Trabalho, Design Industrial, Fotgrafo, Piloto, Lder Nato, Luiz Alberto Schmit, pessoa verstil dos tempos modernos.

Muito obrigado ao Orientador, Professor e Pesquisador da Fundacentro, Dr. Jos Maral Jackson Filho pela dedicao em ensinar, empenho em orientar a execuo desta dissertao e pelo estmulo ao pensamento reflexivo. Agradeo aos funcionrios da empresa envolvida no trabalho, por tudo que pudemos compartilhar, a convivncia, alegrias e frustraes, as descobertas, enfim pelo que aprendemos. todos os professores do Curso de Ps-Graduao em Engenharia da Produo com nfase em Ergonomia.

instituio onde trabalho e desenvolvo minhas habilidades humanas e profissionais, UNESC Universidade do Extremo Sul Catarinense, em especial ao Departamento do Curso de Fisioterapia.

5

SUMRIO

LISTA DE ABREVIAES.........................................................................................viii LISTA DE FIGURAS......................................................................................................x LISTA DE TABELAS....................................................................................................xi RESUMO......................................................................................................................xii ABSTRACT.................................................................................................................xiii 1 CONSIDERAES INICIAIS.................................................................................14 1.1 Problemtica.................................................................................................... 14

1.2 Justificativa e relevncia.........................................................................................15 1.3 Objetivos do trabalho.............................................................................................16 1.3.1 Objetivo Geral...........................................................................................16 1.3.2 Objetivos Especficos................................................................................16 1.4 Limitaes do estudo.............................................................................................17 1.5 Estrutura da dissertao........................................................................................18 1 CONTEXTUALIZAO TERICA.........................................................................19 2.1 O fenmeno LER/DORT........................................................................................19 2.1.1 Nomenclatura - LER ou DORT ?..............................................................19 2.1.2 Contextualizao social do fenmeno....................................................21 2.1.3 O trabalho e LER/DORT.........................................................................23 2.1.4 Histrico e reconhecimento.....................................................................24 2.1.4.1 O Histrico brasileiro e o reconhecimento.....................................27 2.1.5 Definio..................................................................................................31 2.1.6 Fatores contributivos................................................................................32 2.1.7 Caractersticas do adoecimento..............................................................36 2.1.7.1 A dor como manifestao predominante.......................................37 2.1.7.2 As limitaes funcionais.................................................................38 2.1.8 Os estgios e suas caractersticas.........................................................40 2.1.9 Alguns dados epidemiolgicos sobre LER/DORT..................................41 2.1.10 Alguns dados sobre a epidemiolgicos no estado do Paran...............43 2.1.11 LER/DORT na indstria ......................................................................46

6

2.2 Preveno de LER/DORT......................................................................................49 2.2.1 A Ergonomia e a preveno de LER/DORT............................................52 2.2.2 Ginstica laboral como proposta preventiva de LER/DORT....................55 2.2.2.1 Histrico.........................................................................................55 2.2.2.2 Definies......................................................................................57 2.2.2.3 Objetivos propostos.......................................................................59 2.2.2.4 Efeitos fisiolgicos atribudos Ginstica Laboral........................61 2.2.2.5 Ginstica Laboral e a influncia da Recreao.............................64 2.2.2.6 A proposta da Ergomotricidade.....................................................66 2.2.2.7 Os profissionais que atuam com a Ginstica Laboral...................66 2.3 Sntese da Reviso de Literatura..........................................................................68 3 MTODO.................................................................................................................70 4 ESTUDO DE CASO DE UMA LINHA DE PRODUO DA INDSTRIA DE

ALIMENTOS RESULTADOS E DISCUSSO..........................................................72 4.1 Caractersticas Gerais da Empresa........................................................................72 4.2 Caractersticas da Fbrica envolvida no estudo.....................................................73 4.3 Perfil administrativo e organizacional.....................................................................73 4.4 Setor de produo Processamento, Empacotamento e Distribuio dos Salgadinhos..................................................................................................................73 4.5 Processo dos Salgadinhos.....................................................................................74 4.6 Empacotamento dos Salgadinhos..........................................................................76 4.7 Centro de Distribuio (CD)...................................................................................78 4.8 Empacotamento rea crtica do Setor de Produo quanto manifestaes relacionadas LER/DORT...........................................................................................78 4.8.1 4.8.2 A atividade gestual dos Auxiliares de Produo do Empacotamento...........................................................................................................79 Dados referentes a julho de 1996 sobre a incidncia de

LER/DORT no setor de empacotamento......................................................................81 4.8.3 Programa de Ginstica Laboral adotado no Setor de Empacotamento...........................................................................................................86

7

4.8.4

Levantamento realizado pela empresa 3 meses aps o incio do

Programa de Ginstica Laboral....................................................................................88 4.8.5 Dados referentes a julho de 1997...................................................89 4.8.6 Dados referentes a julho de 1998..................................................94 4.9 Discusso..............................................................................................................98 5 CONCLUSES.....................................................................................................109 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..........................................................................112 ANEXOS....................................................................................................................124

8

LISTA DE ABREVIAES

AET - Anlise Ergonmica do Trabalho ASPEUR - Associao Pr-Ensino Superior de Novo-Hamburgo AVD's - Atividades de Vida Diria CAT - Comunicado de Acidente de Trabalho CEREST - Centro de Referncia em Sade do Trabalhador CESAT - Centro de Estudos de Sade do Trabalhador CIC - Cidade Industrial de Curitiba CLT - Consolidao das Leis Trabalhistas CRP - Conselho Regional de Psicologia CUT - Central nica dos Trabalhadores DORT - Distrbios Osteomusculares Relacionados com o Trabalho DRT - Delegacia Regional do Trabalho FEEVALE - Federao de Estab. de Ensino S uperior de Novo Hamburgo GL - Ginstica Laboral GLC - Ginstica Laboral Compensatria GLP - Ginstica Laboral Preparatria GM - Ginstica de Manuteno INSS - Instituto Nacional de Seguridade Social LER - Leses por Esforos Repetitivos MPAS - Ministrio da Previdncia e Assistncia Social MTb - Ministrio do Trabalho NR - Norma Regulamentadora NR-09 - Norma Regulamentadora sobre Fatores de Risco Ambiental NR-17 - Norma Regulamentadora de Ergonomia NUSAT - Ncleo de Sade de Trabalhador OCD - Ocupacional Cervicobraquial Disorder OIT - Organizao Internacional do Trabalho OMS - Organizao Mundial da Sade

9

OS - Ordem de Servio PAIR - Perda Auditiva Induzida pelo Rudo PCI - Programa de Controle de Incapacidade SESA - Secretaria do Estado da Sade SESI - Servio Social da Indstria SESMT - Servio de Segurana e Medicina do Trabalho SINDPD - Sindicato dos Empregados de Empresas de Processamento de Dados SSST - Secretaria de Segurana e Sade do Trabalho UNICAMP - Universidade de Campinas

10

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 01 - Esquematizao da seqncia produtiva da empresa...........................74 FIGURA 02 - Distribuio da execuo dos 11 principais movimentos por ciclo.........80 FIGURA 03 - Distribuio por acometimento e queixas em 1996................................81 FIGURA 04 - Distribuio por regio de acometimento em 1996................................83 FIGURA 05 Conduta dos trabalhadores quando do aparecimento dos sintomas.......................................................................................................................85 FIGURA 06 - Comportamento dos casos de LER/DORT e queixas relacionadas aps 3 meses do Programa de Ginstica Laboral conforme registros da empresa........................................................................................................................88 FIGURA 07 - Distribuio por acometimento e queixas em 1997................................90 FIGURA 08 - Distribuio por regio de acometimento em 1997................................91 FIGURA 09 Conduta dos trabalhadores quando do aparecimento dos sintomas.......................................................................................................................93 FIGURA 10 - Distribuio por acometimento e queixas em 1998................................95 FIGURA 11 - Distribuio por regio de acometimento em 1998................................96 FIGURA 12 Conduta dos trabalhadores quando do aparecimento dos sintomas.......................................................................................................................98 FIGURA 13 - Distribuio dos auxiliares de produo do empacotamento por ano..............................................................................................................................100 FIGURA 14 Comportamento dos casos de LER/DORT e queixas osteomusculares........................................................................................................107

11

LISTA DE TABELAS

TABELA 01 - Acidentes de Trabalho no Paran em 1998 - Distribuio de Casos por Tipo de Acidente...........................................................................................................43 TABELA 02 - Acidentes de Trabalho no Paran em 1998 - Distribuio de casos por Funo do Trabalhador Acidentado.............................................................................44 TABELA 03 - Acidentes de Trabalho no Paran em 1998 - Distribuio por Diagnstico da Leso...................................................................................................45 TABELA 04 - Doenas Profissionais no Paran em 1998 - Distribuio por Diagnsticos mais Freqentes.....................................................................................46 TABELA 05 - Perfil dos casos de LER/DORT e queixas osteomusculares em 1996 (n=27) ..........................................................................................................................84 TABELA 06 - Perfil dos casos de LER/DORT e queixas osteomusculares em 1997 (n=14)...........................................................................................................................92 TABELA 07 - Perfil dos casos de LER/DORT e queixas osteomusculares em 1998 (n=18)...........................................................................................................................97

12

RESUMO

O presente estudo teve como objetivo discutir as representaes e significados da experincia de uma organizao com um Programa de Ginstica Laboral utilizado como mtodo de preveno de LER/DORT, destacando as influncias sobre o registro dos casos. Trata-se de uma empresa do ramo alimentcio que apresenta um setor crtico quanto s manifestaes relacionadas LER/DORT, no qual foi implantado em 1996 um Programa de Ginstica Laboral. O comportamento dos casos ao longo de dois anos analisado no presente trabalho. Para isso, o estudo envolve uma abordagem sobre a prtica apoiada em LAVILLE (1977), seguindo a prtica reflexiva defendida por SCHN (2000). O estudo utilizou como principal fonte de dados os registros do SESMT da empresa, que serviu como base para a anlise documental realizada. Os resultados mostraram uma grande reduo no registro dos casos de LER/DORT, principalmente trs meses aps a implantao do programa, voltando a crescer ao longo dos dois anos de forma progressiva. Esta caracterstica mostrou ter grande relao com o significado atribudo Ginstica Laboral pela empresa e ter sofrido fortes influncias de outros comportamentos da prpria organizao. Verificou-se tambm que a inteno de preveno foi contraditria ao implantar um Programa de Ginstica Laboral ao qual foi atribuda toda a expectativa de prevenir LER/DORT. Palavras Chave: Ginstica Laboral, LER/DORT, Sade no Trabalho, Ergonomia.

13

ABSTRACT

The present study it had as objective to argue the representations and meanings involving the experience of an organization with the Preventive Exercises being used as method of prevention of Work-related Muskolesqueletal Disorders and the influences on the register of cases. One is about a company of the nourishing branch that presents a critical sector how much to the manifestations related to the Work-related Muskolesqueletal Disorders in whi ch was implanted in 1996 a Program of Preventive Exercises. The behavior of the cases throughout two years is analyzed in the present work, as well as the effect of the program is argued. For this, the study it involves a supported boarding on the practical one in LAVILLE (1977) following the deepened thought practical defended for SCHN (2000). One is about a case study that it used as principal source of data the documentary analysis of the registers of the Service of Security and Medicine of the Work of the company. The results had shown a great reduction in the register of the Work-related Muskolesqueletal Disorders cases, mainly three months after the implantation of the program, coming back to grow to the long one of the two years of gradual form. This characteristic showed to have great relation with the meaning attributed to the Preventive Exercises for the company and to have suffered strong influences from other behaviors of the proper organization. It was also verified that the prevention intention was contradictory when implanting a Program of Preventive Exercises to which was attributed to all the expectation to prevent Work-related Muskolesqueletal Disorders. Key Words: Preventive Exercises, Work-related Muskolesqueletal Disorders, Health of the work, Ergonomics.

14

1 CONSIDERAES INICIAIS

1.1 Problemtica

Entre todos os aspectos que envolvem as Leses por Esforos Repetitivos / Distrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT), destaca-se a discusso das medidas de enfrentamento da problemtica. Mais do que a atuao sobre os fatores de risco ou a nfase sobre a manifestao somtica, considera-se que as medidas e atitudes preventivas devem guiar as principais aes nesta rea. Nesse sentido, os esforos para a compreenso do homem no trabalho e do contexto onde est inserida sua atividade so essenciais. A valorizao do pensamento e atitudes preventivas em todas as esferas dos setores produtivos, envolvendo quem projeta, fiscaliza, gere e executa o trabalho, ganham significado principalmente quando mergulhadas na cultura da valorizao da doena. Assim, a noo de sade como ausncia de doena, parece uma viso simplista, principalmente relativa a sade do trabalhador, onde as doenas ocupacionais no so sbitas e na maioria das vezes previsveis. Sobre isso SILVA (1995), inclui entre outros fatores, alm da ausncia de doena, o perfeito bem-estar e ajustamento social. Certamente, a anlise aprofundada de todas as condicionantes psicossociais, organizacionais, ambientais e as caractersticas individuais de quem trabalha devem trilhar os caminhos da preveno. Paralelamente s aes tradicionais e em desenvolvimento nesse campo, surgem medidas como a Ginstica Laboral (GL), que ainda no tem seus benefcios e limitaes bem definidos enquanto mecanismo de preveno de LER/DORT. A carncia de estudos sobre sua importncia e alcance traz, como conseqncia, grandes variaes na interpretao do seu papel dentro do campo da sade do trabalhador. Nos extremos dessas incertezas, a ginstica laboral pode ser considerada como um instrumento auxiliar de uma atitude preventiva global, ou em outros casos, como uma mscara para as outras medidas que podem passar a ser subvalorizadas ou desconsideradas.

15

1.2 Justificativa e Relevncia

Os centros industriais das grandes cidades so um universo de demandas com relao s diferentes formas de analisar e compreender o sistema produtivo. A Cidade Industrial de Curitiba (CIC), localizada na capital paranaense, caracterizada por vrias empresas que contam com produo em srie atravs de linhas de montagem e trabalho fragmentado em seus sistemas operacionais. Em 1997, foram oficialmente registrados 662 casos de LER/DORT no Paran, acometendo 277 trabalhadores entre 26 a 35 anos, 251 entre 36 a 45 anos e 86 entre 19 a 26 anos, nmero expressivo envolvendo profissionais no alge de suas capacidades laborativas (SESA-CEPI-PR, 1998). Em 1998, apesar da subnotificao, freqente no pas, dos 1.363 registros de doena profissional, 41,3% ou seja 563 casos de LER/DORT foram registrados oficialmente pela Secretaria do Estado da Sade do Paran, precedidos somente por 567 casos de Perda Auditiva Induzida pelo Rudo (PAIR), com 41,6%. Os registros do mesmo ano, apontam que a classe mais acometida foi de auxiliar de produo com 22% do total de casos. Outro dado relevante sobre o perfil das condies e relaes de trabalho nas indstrias e empresas paranaenses em 1998, o nmero de casos de bitos por acidentes de trabalho.1 No trabalho de ZTOLA (2000), o nmero de 125 casos de vtimas de LER/DORT, numa mesma empresa de linha de montagem da regio da CIC, entre os anos de 1995 e 1998, uma expresso da gravidade da problemtica envolvendo a indstria paranaense. Dentre as aes praticadas na busca da preveno de LER/DORT, a GL est presente em vrias empresas sendo proposta, em alguns casos, como sendo uma das medidas preventivas e em outros recebe a atribuio de ser a principal medida de enfrentamento.1

Do total de 88 casos, 50 mortes, portanto 56,8% foram de acidentes com meios de transporte e o alarmante nmero de 14 mortes, 15,9% envolvendo agresso por pessoa no ambiente de trabalho, fato que exprime em parte a conflitante relao do homem com seu trabalho, tendo como exemplo as empresas paranaenses. (INSS-SESA, 1998)

16

Este trabalho envolve a anlise da experincia de uma empresa pertencente CIC, caracterizada por atividade em linha de produo, na qual foi realizado um Programa de GL. O foco do estudo envolve o setor da empresa considerado de maior risco para LER/DORT. Uma outra caracterstica envolvida na prtica da GL como medida preventiva, reside na atuao dos profissionais envolvidos com a sade dos trabalhadores. As atribuies feitas GL em alguns casos sofre influncia da prpria formao desses profissionais e da noo que tm de preveno. Esses efeitos preventivos atribudos GL de um lado podem ser encarados como um dogma e de outro negao da existncia de LER/DORT dentro das organizaes.2

1.3 Objetivos do Trabalho

1.3.1

Objetivo Geral

Analisar o mtodo da Ginstica Laboral como indicador preventivo do fenmeno LER/DORT no setor produtivo industrial.

1.3.2 Objetivos Especficos

?

Identificar caractersticas organizacionais e produtivas prprias da empresa, em especial do setor analisado e as relaes com a manifestao de LER/DORT e com a adoo do Programa de GL;

2

Um dos exemplos da relao entre a execuo de GL e a negao da existncia de LER/DORT, envolve passagens na empresa envolvida no estudo de alguns casos de queixas levadas pelos trabalhadores ao servio mdico onde os mesmos recebiam a resposta de que no tinham do que reclamar pois estavam fazendo os exerccios. Em algumas situaes eram atribudos aos exerccios capacidade de substituir o tratamento em casos j instalados e dos encaminhamentos.

17

? ? ? ?

Caracterizar a populao de trabalhadores do setor analisado com nfase nos portadores de LER/DORT ou com manifestaes relacionadas ao fenmeno; Analisar a partir da reflexo sobre a prtica, as condies nas quais ocorreu a implantao e manuteno de um Programa de GL; Discutir o significado atribudo pela organizao estudada ao Programa de GL; Verificar os alcances e limitaes do Programa de GL como mecanismo de preveno de LER/DORT.

1.4 Limitaes do Estudo

Sobre os enfrentamentos de LER/DORT nos ambientes produtivos, a prioridade deve ser voltada para a preveno envolvendo todos os segmentos relacionados com o trabalho. Neste sentido, supe-se que a GL um mecanismo colaborador quando associada com medidas que atuem sobre as causas dos desequilbrios entre o trabalho e a sade. Tendo assim, intensas limitaes quando usada como um mtodo isolado, podendo at ofuscar a necessidade de iniciativas importantes na concepo do trabalho e na sua organizao. O estudo envolve uma reflexo sobre a prtica deste mtodo, em uma situao onde foi utilizado como mecanismo de preveno de LER/DORT, focando a anlise para o setor de maior incidncia de casos na empresa envolvida no estudo. Os significados e representaes da GL para aquela linha de produo no contexto da empresa so explorados, no entanto, o esclarecimento dos efeitos diretos dos exerccios sobre os trabalhadores no ocorre neste estudo. H portanto, a necessidade de direcionamentos de pesquisas nessa temtica, principalmente envolvendo estudos epidemiolgicos de populaes trabalhadoras submetidas a este mtodo, com a finalidade especfica de levantar os resultados diretos da GL. Uma grande limitao encontrada neste estudo e influenciada pela carncia de referencial de literatura envolve as bases tericas e conceituais da GL.

18

Tal fato foi evidenciado pela grande escassez de livros e artigos cientficos sobre a GL. A complexidade do fenmeno LER/DORT e a caracterstica de ser uma problemtica de mltiplas causas com certeza um fator agravante para dificultar qualquer abordagem envolvendo esta temtica.

1.5 Estrutura da Dissertao

O captulo 1 apresenta algumas caractersticas sociais das LER/DORT, representadas pelas diferentes iniciativas e tentativas de enfrentamento. Envolve tambm alguns dados epidemiolgicos, referentes regio de aplicao da pesquisa, bem como o objeto de estudo. No captulo 2 apresentada uma reviso contextualizada envolvendo o fenmeno LER/DORT, as medidas de preveno, com nfase na GL como proposta preventiva. O captulo 3 apresenta a metodologia utilizada para desenvolver o estudo, citando os mtodos e procedimentos em sua seqncia de execuo. No captulo 4 abordado o caso da linha de produo envolvida no estudo, apresentando resultados da interveno e as discusses. O captulo 5 traz as concluses do trabalho e as sugestes para trabalhos futuros.

19

2 CONTEXTUALIZAO TERICA

2.1 O fenmeno LER/DORT

Para atingir a discusso sobre a prtica que o estudo prope, faz-se necessria a compreenso dos significados e do processo de estruturao histrica e social que vem ocorrendo a cerca do fenmeno LER/DORT. O entendimento do binmio LER e DORT, passando pelo processo de construo social que envolve esta temtica, bem como sua importncia e repercusso para o homem que trabalha, contribuem para a reflexo sobre preveno e iniciativas de enfrentamento. No sentido de antecipao que o enfoque preventivo reporta, os fundamentos entre os modelos propostos ou existentes de preveno precisam considerar a complexidade do trabalhar, onde o ato produtivo toma uma dimenso ampla e o contexto global onde est inserido determina as condicionantes deste processo. Portanto, a identificao da preveno como uma abordagem sistmica proposta pela Ergonomia e a anlise dos diferentes modelos propostos de preveno, podem fornecer elementos para o melhor entendimento e compreenso dos alcances reais dessas iniciativas. As definies, princpios e fundamentos encontrados da GL, como mtodo proposto de preveno de LER/DORT, so abordados para que possam ser feitas as relaes com a prtica a que se prope o estudo.

2.1.1 Nomenclatura LER ou DORT ?

Neste estudo ser usada a denominao LER/DORT - Leses por Esforos Repetitivos / Distrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho. A sigla LER, foi utilizada durante vrios anos, sendo ainda melhor identificada, frente a isso, ainda so muitos os autores que utilizam esta denominao, mesmo aps a edio da atualizao da Norma Tcnica de 1997 do Instituto Nacional de Seguridade Social

20

(INSS). Baseando-se no termo ingls work-related musculoskeletal disorders, foi proposta a sigla DORT, ficando desta forma enquadrada na categoria das doenas relacionadas ao trabalho proposta pela Organizao Mundial da Sade (OMS). Para GA LAFASSI (1998), a sigla LER pode ter conotao errnea, uma vez que j confirmaria a presena de uma alterao anatomopatolgica, explicando a preferncia pelo termo DORT. Sobre o mesmo assunto BORGES (2000), opta pelo uso de LER, concordando com as crticas dicotomia entre as chamadas doenas profissionais (cujo nexo causal entre fator de ambiente de trabalho e efeito sade imediatamente realizado) e as doenas relacionadas ao trabalho (cujo nexo causal, por ser mais complexo de difcil comprovao), o que tem dificultado a identificao e preveno deste fenmeno. Segundo RANNEY (2000), sobre o uso da denominao DORT, quando existem no trabalho mltiplos fatores associados doena e at quando as exposies no ocupacionais podem produzi-la, o termo doena relacionada ao trabalho o mais adequado. Por outro lado, se o resultado para a sade apresenta um claro processo ou agente patolgico, ento o termo doena poderia ser aceito. Mas quando alguns dos resultados so de patognese incerta, podendo consistir de sintomas sem sinais bvios, ento o termo distrbio mais preciso, concordando com o que dispe a norma tcnica. Sobre o mesmo assunto, BORGES (2000) discorre que o reconhecimento social de qualquer doena nas sociedades ocidentais passa pelo reconhecimento mdico. O diagnstico mdico utilizado como critrio normativo da existncia ou no das doenas e distrbios da sade, onde as normatizaes expressam um campo de lutas polticas e de produo de conhecimentos. Alm das circunstncias tcnicas especficas do reconhecimento como doena esto as questes sociais e polticas envolvendo LER/DORT. SZNELWAR (2001) cogita a existncia de um profundo processo de taylorizao do nosso tecido social, onde cada ator social faria sua parte sem se importar com as conseqncias do seu ato profissional, estando tal reao intimamente relacionada com a forma como a sociedade vem tratando a questo. Segundo o mesmo autor, um exemplo da influncia poltica no significado social de LER/DORT, est ligada aos limites dos

21

seguros sociais. A crise existente no sistema de seguridade social seria devida, em boa parte, ao desenvolvimento de uma prevalncia da tica financeira em detrimento de uma tica do lastro social construda atravs dos anos para mediar conflitos e injustias. Fica evidente assim, que trata-se de um fenmeno que transcende a abordagem mdica tcnica, sofrendo influncias sociais e polticas. O termo LER tradicionalmente conhecido pelos diversos atores sociais no pas, principalmente melhor identificado pela classe trabalhadora. J DORT o que sugere a normatizao brasileira atual, sendo uma terminologia que vem ganhando espao progressivo. Por serem as denominaes duplamente usadas e difundidas no Brasil, esta dissertao refere-se ao fenmeno como LER/DORT. A respeito, BAWA (1997), refere -se LER/DORT como sendo um fenmeno social moderno.3

2.1.2 Contextualizao Social do Fenmeno

A grande diversidade de aspectos envolvidos na compreenso das LER/DORT, tem sido objeto de ateno h alguns anos no Brasil e no mundo. Frente complexidade dos fatores contributivos envolvidos na gnese deste fenmeno, a sociedade busca solues e adequaes de toda a sorte, que passam por diversos ramos de atividade e do conhecimento. A luta pela compreenso aprofundada sobre as queixas dos trabalhadores e suas conseqncias, inicialmente foco da ateno apenas de profissionais da segurana e da sade do trabalho, no decorrer da evoluo histrica, passa a ser preocupao tambm de sindicatos, empresrios, governo, ONGs, pesquisadores, associaes de trabalhadores lesados, poder judicirio, entre outros.

3

Em recente Frum Nacional sobre o Fenmeno LER/DORT, realizado na cidade de Florianpolis no ms de outubro de 2001 e envolvendo representantes de diversos segmentos e regies do pas, este tema foi tratado como um fenmeno social. Sendo chamado assim, de fenmeno LER/DORT. (SZNELWAR, 2001)

22

Para BORGES (2000), este fenmeno chamou mais ateno quando adquiriu a caracterstica de ocorrer em diferentes processos produtivos,

particularmente a partir das mudanas tecnolgicas e organizacionais dos ltimos 30 anos. Tais transformaes foram induzidas pela automatizao e informatizao da produo, alm das diferentes formas de gesto da fora de trabalho que acompanham os processos de reestruturao produtiva no mundo globalizado, com conseqncias marcantes para aqueles que desenham o trabalho e sobretudo para quem o executa. Sobre um prisma sistmico, o fenmeno LER/DORT tem aspectos sociais amplos, que ultrapassam os limites da doena e suas conseqncias e manifestaes. DUARTE (apud SATO, 2001), com base em um estudo de caso de um trabalhador acometido, acompanha o movimento da conscincia do mesmo. Conclui o autor, que a autoconscincia desse trabalhador sofre um processo de transformao ao encontrar interlocutores que o reconheam como pessoa e dem espao para refletir sobre sua condio de trabalho e de vida, dando novo significado sua estria. LIMA, ARAJO & LIMA (1997) focalizam o processo de construo social da militncia de trabalhadores vitimados, atravs do caso de uma associao de portadores das leses. Em ambos os estudos est presente a constatao de que a vivncia como portador de LER/DORT e a interao em ambientes sociais confirmadores dessa percepo so situaes facilitadoras para a emergncia de sujeitos com a potencialidade para transformar os contextos de vida e os scripts socialmente definidos. Para SATO (2001, p.149), so essas relaes interpessoais e sociais compreensivas e solidrias que possibilitam criar um substrato para prticas coletivas e individuais que questionem os papis sociais. Observa -se que no difcil traar um paralelo entre a leitura histrica desse fenmeno e o comportamento que os atores sociais envolvidos tm demonstrado, com adaptaes constantes na interpretao e reao ao mesmo, do reconhecimento negao, da supernotificao subnotificao, da sinceridade simulao, do apoio discriminao, da punio e denncia ao descaso. Nos extremos da compreenso e das atitudes de enfrentamento, parece haver, ainda, um processo de ajuste social. O que confirma a definio de que a abordagem deste

23

fenmeno no Brasil, a exemplo da Itlia, a actancial (dos atores sociais), embora em vrios aspectos atualmente j existam consensos entre todas as linhas de

interpretao. Tais fatores, confirmam a necessidade de amplas revises e estudos acerca deste tema, contrariando os posicionamentos de que LER/DORT trata-se de assunto j esgotado e sem novos horizontes. 2.1.3 O Trabalho e LER/DORT

As manifestaes somticas em quem trabalha so um grito de alerta, mostrando que no o homem quem est doente, mas sim o trabalho. (OLIVEIRA, 1998). O trabalho uma necessidade humana, ou seja, um processo entre o homem e a natureza que est determinado pela forma concreta em que se d a produo, distribuio, intercmbio e consumo dos meios de vida pelos diferentes grupos humanos. O trabalho implica em um processo de reproduo social. (MARX, 1985). Portanto, a compreenso do trabalhar, do produzir, no sentido mais amplo e irrestrito, parece fundamental. ASSUNO & ROCHA (1993), BORGES (2000) e GRANDO (1999) destacam as bases que fundamentam o trabalho e suas relaes com os distrbios musculoesquelticos, onde os trabalhadores so submetidos a um trabalho que no organizado por eles e para eles, mas dentro dos princpios tayloristas e suas caractersticas. As potencialidades intelectuais so colocadas em segundo plano e as condies de trabalho inibem as relaes humanas, o que pode levar fragilizao afetiva e intelectual de quem o executa. Nesta mesma linha, CORD (1999) afirma que o homem procura sua realizao por meio do trabalho e na ao transformadora que encontra momentos de satisfao, de realizao de seus projetos. No momento em que ele completa um projeto qualquer, realiza uma vontade e isso o faz feliz, estimulando-o a iniciar um projeto. A problemtica reside no fato de que o trabalhador de hoje realiza atividades que no so projetos seus, como tambm no so seus os frutos dos esforos. Longe de ser criativo, o trabalho que desenvolve torna-se opressivo e estafante.

24

FERREIRA & MENDES (2001) estudando as relaes entre ergonomia e psicodinmica, em abordagem sobre as relaes do homem com o trabalho, destacam que prazer e sofrimento so uma vivncia subjetiva do prprio trabalhador, compartilhada coletivamente e influenciada pela atividade de trabalho. Nessa perspectiva analtica, todo o trabalho veicula implicitamente um custo humano que se expressa sob a forma de carga de trabalho, e as vivncias de prazer e sofrimento tm como um dos resultantes, o confronto do sujeito com essa carga que, por conseguinte, conflitante com o seu bem-estar. Segundo KUORINKA et al (1998), atualmente LER/DORT constitui um tema de preocupao central em bom nmero de pases industrializados. Acrescentam ainda, que quando ocorram as primeiras correlaes sobre a cadncia imposta e o estresse ligado ao trabalho, pensava-se que as atividades caracterizadas pelas tarefas repetitivas iriam diminuir com o passar do tempo, o que levaria a uma reduo de seus efeitos negativos, inclusive LER/DORT. Mas, tem ocorrido o que pode-se chamar de inverso de expectativas. O que se verifica que esse fenmeno continua sendo um dos principais problemas relacionado ao trabalho. O mercado atual prioriza a diminuio dos custos de produo, com menor investimento em mo de obra e visa o aumento da produtividade. Para isso, introduz novas formas de organizao, no vas tecnologias e equipamentos. Na prtica, isso pode trazer limitao da autonomia dos trabalhadores sobre os movimentos do prprio corpo e reduo de sua criatividade e liberdade de expresso nas atividades que desenvolve. O enfoque dado ao trabalho na maioria das vezes, tambm ajuda a explicar a gnese dos conflitos do ser humano com o trabalhar, isto fica evidente nesta reflexo de SZNELWAR (2001, p. 2):Sempre causa espanto quando so mostradas no espao pblico, as atividades desenvolvidas pelos trabalhadores, nas mais diversas profisses e ambientes de trabalho. Mais grave ainda, que quando se trata do trabalhar a referncia ligada produo e, de uma maneira mais restrita, ao resultado. Resultado este que poderia ser considerado como a sntese de tudo que feito pelos mais diversos atores da produo, mas que jamais retrata o que as pessoas fizeram para produzir.

25

2.1.4 Histrico e Reconhecimento

Vrios so os registros histricos mencionando leses ou queixas osteomusculares relacionadas com a atividade ocupacional, como as citaes de Ellenborg em 1473, fazendo aluso alteraes em trabalhadores de ourivesaria, bem como de Paracelsus em mineiros, em 1567 (RIO et ali, 1998). As conhecidas referncias do sculo XVII, do considerado pai da medicina do trabalho, o italiano Bernardino Ramazini, exprimem no tratar-se de um mal dos tempos modernos (RAMAZZINI, 1988 e 2000). Pode-se encontrar referncias interessantes tambm em registros brasileiros, como do conselheiro do Imprio, Francisco Gomes da Silva, o Chalaa, secretrio particular de D. Pedro I, seu amigo e confidente. Quando foi designado para elaborar e redigir a Constituio do Imprio, com grande urgncia (levou menos de um ms) e assim se expressa aps entregar o trabalho solicitado:No dia seguinte, o generoso monarca concedeu-me um muito honroso galardo: o posto de

oficial da Secretaria dos Negcios do Imprio. Essa gratificao, somada ao meu soldo de capito da guarda de honra e o de criado efetivo do p ao, deu -me com que viver mais folgadamente e, mesmo tendo muitas dores na mo direita, pude enfim levar uma vida mais condigna minha natureza (FOREIO, apud OLIVEIRA, 1998, p. 27).

Charles

Bell,

em

1833,

descreveu

a

cimbra

do

escrivo,

caracterizada pela alta incidncia de espasmos na mo. E em 1882, Robinson descreveu a cimbra do telegrafista e notou sua semelhana com a emergente cimbra do escrivo (IRELAND, 1995, p. 3; RIO et ali, 1998, p.25). Cowers posteriormente, escreveu sobre a cimbra do escrivo em 1888, chamando-a de neurose ocupacional na sua extensa monografia Doenas do Sistema Nervoso (IRELAND, 1995, p. 3). Em 1895, a tendinite das estruturas do primeiro compartimento dorsal da mo foi mencionada por Fritz DeQuervain como entorse das lavadeiras, ao detectar

26

o quadro em mulheres que lavavam a roupa com conseqente desgaste sobre os tendes e msculos do polegar (SILVERSTEIN, 1987). Os relatos da adolescente Miles Franklin, em 1901, fazem meno de queixas ou supostas leses relacionando-as com a atividade desenvolvida:Entre os pequenos fedelhos, assim que crescem o suficiente para carregar o balde, aprendem a tirar o leite. Assim suas mos se acostumam com o movimento, e isto no os afeta. Conosco era diferente. Sendo quase adultos quando comeamos a tirar o leite, e s ento mergulhamos pesadamente neste exerccio, um efeito doloroso caa sobre ns. Nossas mos e braos, at os cotovelos inchavam, de maneira que o nosso sono era constantemente interrompido pela dor (CODO & ALMEIDA, 1998, p.8).

Na Itlia, em 1902, uma comisso especial definiu como doena ocupacional aquela causada diretamente por atividades desenvolvidas

exclusivamente no campo de determinada profisso ou decorrente da tarefa executada (TAGLIAVINI & POI, 1998). Existem registros de que em 1908 a caimbra do telegrafista foi includa na lista de doenas cobertas pela previdncia social britnica (British Workmans Compensation act), que levou criao de um comit pelo Departamento dos Correios da Inglaterra e Irlanda (IRELAND, 1995). O Ministrio do Trabalho do Japo, em 1964, estabeleceu

recomendaes normativas relacionadas a limites para repetitividade e ritmo de trabalho, perodo de exposio diria, perodo de tempo mximo de atividade ininterrupta e perodo mnimo de tempo para recuperao (NAKASEKO, TOKUNAGA & HOKOGAWA, 1982). Mais recentemente, em 1974, a Japan Association of Industrial Health, fixou a denominao de Occupacional Cervicobrachial Disorder (O.C.D.), para as patologias relacionadas com movimentos repetitivos dos membros superiores (ROCHA et al, 1986). Na Austrlia, nos anos 80, ocorreu um fenmeno por muitos chamado de febre epidmica, com relao s LER/DORT, l ento denominada neurose

27

ocupacional, o que levou a um determinado esforo para no se discutir a questo. Foi estabelecida uma moratria, em 1987, que por muitos anos impediu a publicao de artigos sobre LER/DORT no Medical Journal of Australia, e no mesmo ano, o Australian Public Service interrompeu a publicao dos registros de incidncia de leses (BAMMER apud RANNEY, 2000). Em 1985, o Australian Council of Hand Surgery aprovou algumas resolues referentes s leses, chamando-as de neurose ocupacional e sndrome da fadiga reversvel, no entanto os trabalhadores continuaram a sofrer leses e muitos proeminentes cirurgies da mo no concordaram com essas resolues. O problema foi amplamente discutido e as resolues no foram aprovadas com apoio unnime (RANNEY, 2000). Ainda neste ano, a OMS classificou as doenas relacionadas ao trabalho (worked-related diseases), como multifatoriais,

considerando existirem vrios fatores envolvidos na gnese destas leses. Em 1986, Fry apresenta a hiptese da overuse syndrome sndrome do uso excessivo, a partir de pesquisas clnicas realizadas com msicos (RIO & cols, 1998).

2.1.4.1 O Histrico Brasileiro e o Reconhecimento

Entre outros dados histricos o reconhecimento como doena profissional no Brasil, em 6 de agosto de 1987, atravs da portaria 4062, em especial das tenossinovites, levou a um grande aumento sazonal do registro de casos no final da dcada de 80. (COUTO, 1994). Esse reconhecimento, ocorreu para atender a reivindicao dos sindicatos e embora utilizasse a expresso tenossinovite do digitador, estendia a possibilidade do reconhecimento das outras categorias profissionais que exercitam os movimentos repetidos dos punhos (SETTIMI, 2001). Segundo MARTINS (1995), entre os anos de 1986 e 1990, houve um processo de anlise e discusso sobre o trabalho de processamento de dados, envolvendo o

28

Sindicato de Empregados de Empresas de Processamentos de Dados (SINDPD), Delegacia Regional do Trabalho de So Paulo (DRT/SP), entre outra s entidades. Em fevereiro de 1987, o SINDPD/SP organizou uma Semana de Sade, com a participao de vrias entidades para uma discusso com os trabalhadores sobre os problemas relacionados ao trabalho em processamento de dados. Sendo lanado, nessa ocasio, um Manual sobre Doenas Profissionais em Processamento de Dados, provavelmente o primeiro a ser publicado sobre o tema no Brasil. Ainda em 1987, de maro a abril, foram realizadas inspees em 17 empresas, envolvendo um total de 10.500 funcionrios. Aps esse estudo, em 1989, a Associao Nacional dos Profissionais de Processamento de Dados encaminhou Secretaria de Segurana e Sade do Trabalhador (SSST) do Ministrio do Trabalho (MTb), uma proposta preliminar de norma para discusso, sendo que aps reunies e seminrios a equipe tcnica da DRT/SP elaborou a publicao de O trabalho com os terminais de vdeo. Paralelamente, os sindicatos regionais de processamento de dados pressionavam para publicao da norma. Para BARREIRA (1994), como as atividades de processamento eletrnico de dados vinham sendo estudadas no Brasil desde 1984 e no exterior h muito mais tempo, muita informao e conhecimento j havia sido produzido, explicando o envolvimento histrico dessa classe no reconhecimento e normatizao de LER/DORT. O ento Ministrio Unificado do Trabalho e da Previdncia Social, atravs da Portaria n 3751, em novembro de 1990, alterou a Norma Regulamentadora de Ergonomia (NR-17) de 1978, atualizando-a quanto aos fatores de risco de doenas ocupacionais, em especial as associadas ao esforo repetitivo. Foram feitas recomendaes de adequaes envolvendo fatores biomecnicos e organizacionais, bem como alguns outros conceitos envolvendo Ergonomia. (MTPS, 1990). A NR-17 de 1978, contemplava somente trs itens: transporte, levantamento e descarga de peso, bem como o mobilirio e orientao dos trabalhadores pelos tcnicos da empresa.

29

Para MARTINS (1995, p.2), a primeira verso da NR-17 foi elaborada durante o governo militar, portanto, sem nenhuma discusso com os diversos atores sociais interessados, limitando as aes das DRTs aplicao de multas. Os primeiros passos naquela poca, apresentavam um aspecto bastante positivo quanto ao comportamento e enfrentamento da problemtica, visto que as irregularidades identificadas nas inspees das DRTs em empresas de processamento de dados, eram inicialmente discutidas em uma mesa de negociao composta pelos representantes da empresa e dos trabalhadores e tcnicos das DRT's que desempenhavam papel de mediadores. Tais negociaes, resultavam em um compromisso entre as partes, de aspecto mais abrangente que os encontrados na norma vigente at ento. Em 1991, o Ministrio do Trabalho e da Previdncia Social publicou a Norma Tcnica de LER, que incorporava conhecimentos de literatura e da prtica dos profissionais de sade do pas, incluindo vrias entidades neuro-ortopdicas como sendo LER e ampliando as categorias profissionais passveis de acometimento (SETTIMI, 2001). Em oito de junho de 1992, aps eventos pblicos de informaes e discusses, a Secretarias de Estado da Sade de So Paulo (SESA-SP), ratificou a norma federal do INSS, MTPS-1991 e ampliou as medidas de preveno e procedimentos tcnico-administrativos na Resoluo SS-197. Em seguida, as Secretarias de Estado do Trabalho, da Ao Social e da Sade de Minas Gerais assinaram a Resoluo 245/92, endossando a Resoluo Estadual de So Paulo sobre o assunto (SES, SETAS, 1992). Tal elaborao envolveu a sociedade civil, representantes de trabalhadores, empregadores, poder pblico e universidades. No aspecto preventivo, esta norma segue orientaes da NR-17 de 1990. A NR-17 incluiu medidas preventivas especialmente para as atividades de processamento eletrnico de dados e estabelece o dever do empregador em adotar medidas, tais como: introduo de pausas de descanso, adequao de mquinas e mobilirios e a realizao de estudo ergonmico para a reduo da incidncia das leses. Essa norma teve o grande mrito de ter envolvido amplos

30

setores sociais na sua elaborao e ter sido o resultado de um consenso social (SETTIMI, 2001). Em maro de 1993, a Diviso de Percias Mdicas da Coordenao Geral de Servios Previdencirios do Ministrio da Previdncia Social revisou a MPS1991, incorporando dados consensuais que haviam sido estabelecido nas resolues das Secretarias de Estado da Sade dos Estados de So Paulo e Minas Gerais. Segundo SETTIMI (2001), no Seminrio Nacional sobre LER, que aconteceu em Braslia, em junho de 1996, o movimento sindical denunciou esta postura da Previdncia. A partir desta denncia, a Previdncia convida as Centrais Sindicais para participarem da comisso que revisou as Normas Tcnicas para avaliao da incapacidade por LER, obrigando que essas representaes fossem de formao mdica. Contudo, apenas a Central nica dos Trabalhadores (CUT), nesta fase, enviou representantes. A comisso foi composta por vrios peritos do INSS de SP, Minas Gerais, Santa Catarina e Espirito Santo, do CRP/INSS, da DRT/SP, da UNICAMP e do CEREST/SP. No dia 10 de junho, ocorreu a primeira reunio com a participao da CUT, pois o grupo tcnico revisor j estava funcionando anteriormente. No final de 1996, a Previdncia resolve montar uma comisso de redao, alterando significativamente o que havia sido debatido anteriormente pelos componentes da comisso e chama para uma leitura do texto, numa reunio do dia vinte e cinco de abril de 1997, onde seus componentes recebem no mesmo dia, a ltima verso da proposta da Norma, que tem 37 pginas e consta de duas sees. Sem tempo para discusso, a Previdncia fez a edio dessa verso, sem considerar as opinies dos vrios componentes da comisso. A profuso de textos, incluindo contribuies externas terminou gerando, progressivamente, uma espcie de colagem de textos, de forma que a despeito de algumas valiosas contribuies, perdia-se a dimenso do todo, chegando ao ponto da contradio explcita de contedo entre tpicos, que deveriam estar bem sintonizados (SETTIMI, 2001). Segundo LEO & COURY (1997), com o objetivo de uniformizar sua conduta e regulamentar os procedimentos e metodologia para fins de avaliao

31

pericial, o INSS do Ministrio da Previdncia e Assistncia Social (MPAS) publicou em nove de julho de 1997, no Dirio Oficial da Unio, uma minuta para atualizao da Norma Tcnica sobre as LER. Essa minuta se prope a atualizar a norma anterior, alterando inclusive a denominao das Leses por Esforos Repetitivos (LER) para Distrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT). Nos dias 19 e 20 de Agosto de 1998, o MPAS, atravs do diretor do Seguro Social, fez publicar, no DOU atravs OS/DSS/INSS 606, o novo texto da Norma Tcnica de LER/DORT Leses por Esforos Repetitivos, rebatizada de DORT Distrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho. A Norma Tcnica editada atravs da Ordem de Servio (OS) 606, traz uma srie de mudanas, que no se restringem denominao da molestia ocupacional.

2.1.5 Definio

Algumas definies encontradas sobre LER/DORT simplificam sua origem multifatorial fazendo associao a um fator de risco, em especial a repetitividade de movimentos. A definio presente na Norma Tcnica (ordem de servio 606 de 05/08/98) do INSS (1998), conceitua como uma sndrome clnica caracterizada por dor crnica, acompanhada ou no de alteraes objetivas e que se manifesta principalmente no pescoo, cintura escapular e/ou membros superiores em decorrncia do trabalho, podendo afetar tendes, msculos e nervos perifricos. Associa-se a estes fatores um complicador: o tempo insuficiente para a recuperao dos tecidos msculo-esquelticos. Sobre o freqente acometimento da funo, SALVENDI (1997, p.1126), afirma que tais desordens so entidades patolgicas em que as funes e a configurao do sistema musculoesqueltico esto fora do normal. Existem registros atuais sobre afeces de origem ocupacional em membros inferiores, em especial com manifestao nos joelhos (MIRANDA & DIAS, 1999).

32

Para CAILLET (2000, p. 467-468), os distrbios musculoesquelticos relacionados ao trabalho so definidos como compensao dos trabalhadores frente s condies produtivas a que esto sujeitos. Na mesma linha, ASSUNO (2001) e FERREIRA & MENDES (2001) destacam o trabalhador em atividade e suas regulaes. ASSUNO (1995, p.175), em sua abordagem sobre LER/DORT, define como sendo o nome dos distrbios de origem ocupacional que atingem dedos, punhos, antebraos, cotovelos, braos, ombros, pescoo e regies escapulares, resultantes do desgaste muscular, tendinoso, articular e neurolgico provocado pela inadequao do trabalho ao ser humano que trabalha. GALAFASSI (1998, p.37) define LER/DORT como sendo patologias que se instalam insidiosamente em determinados segmentos do corpo, e que so conseqncia do trabalho.

2.1.6 Fatores Contributivos

O reconhecimento da complexidade deste fenmeno exige a noo de que no se trata de um mal de etiologia nica. A multifatoriedade que envolve LER/DORT, supera a noo de que a repetitividade d e movimentos possa ser a causa exclusiva (APOSTOLI, 2001; LO, 1998; ASSUNO, 1995, 2000, 2001, 2002; BAWA, 1997; OLIVEIRA, 1991, 1998; BARREIRA, 1994; BERNARD, 2000; MIRANDA, 1998; SETTIMI, 2001; BORGES, 2000; SZNELWAR, 2001, 2000; GALAFASSI, 1998; ALEXANDRE & MORAES, 1999; BARRETO & SANTOS, 2001). A repetio de movimentos, numa abordagem um pouco mais sistmica, passa a ser apenas mais um dos inmeros fatores contributivos para a gnese desta problemtica. Existe uma tendncia atual de excluir a repetitividade como sendo fator de risco, calada na leitura que se faz de que a seqncia extremamente repetitiva de uma linha de produo, por exemplo, seja conseqncia da forma como o trabalho organizado e projetado, ficando o fator de risco, portanto, send o atribudo estes outros fatores mais complexos.

33

Por outro lado, alguns autores consideram a repetio de movimento como um e no exclusivo fator que contribui para o aparecimento de LER/DORT nos ambientes de trabalho. A exemplo, pode-se citar ASSUNO (2000), ao considerar que a noo de repetitividade extremamente til para se tentar abordar as situaes de trabalho na maioria dos ambientes industriais e de escritrio. Afirma, ainda, que ela deriva dos achados dos estudos da biomecnica, baseados nos conhecimentos da fisiologia muscular, acerca das leses teciduais quando o ritmo em que a tarefa realizado no garante a pausa necessria para que a fibra muscular retorne ao seu estado inicial de repouso, permitindo, assim, adequada reperfuso sangnea. Nessa situao, podem ocorrer reaes no organismo, gerando uma resposta inflamatria e/ou degenerativa das clulas dos tecidos moles (msculos, nervos, tendes, ligamentos). Na mesma linha BUCKLE (1997) afirma que, entre os mecanismos fisiopatolgicos referenciados na gnese desses problemas, englobam-se contraes contnuas e aumento de presso intramuscular, interrupo do aporte sangneo e compresses de feixes nervosos, levando a sofrimento muscular crnico. Concordando ser, a repetio de movimentos, um dos fatores de risco. Assim tambm considera a repetitividade APOSTOLI (2001), em sua abordagem sobre o paradigma da evoluo de LER/DORT. Quanto exigncia fsica decorrente do trabalho, GRANDJEAN (1998) destaca a importncia do esforo muscular. Em especial o trabalho esttico, que alm de favorecer a instalao da fadiga muscular, uma existncia prolongada e excessiva, conduz tambm ao surgimento de leses. ASSUNO (2000) afirma que no adoecer do portador de LER/DORT deve-se considerar que o corpo o primeiro e o mais natural instrumento do homem. Os gestos so mais do que encadeamentos musculares eficazes e operatrios, eles so atos de expresso da postura psquica e social de um sujeito para o outro. O ser humano no trabalho movimenta-se atravs das ferramentas, mas, principalmente, atravs do seu corpo. Na evoluo da espcie humana, quando o homem pde manter-se de p, ele liberou as suas mos, que nesse momento se tornaram mais disponveis para "assessorar" a mente. Os gestos manuais pela ao consciente

34

permitem transformar os objetos a partir de um projeto elaborado mentalmente. Mas, sob um quadro temporal rgido, o gesto cerceado. Considerando LER/DORT como um fenmeno multifatorial, vrios so os fatores que contribuem para sua manifestao na realidade laboral. MIRANDA & DIAS (1999) apresentam trs grandes grupos como fatores causais, como sendo consensuais, apesar das diferentes abordagens existentes a cerca deste tema, entre eles destacam-se: ?

Fatores de natureza ergonmica - fora excessiva, alta repetitividade de um

mesmo padro de movimento, posturas incorretas dos membros superiores, compresso das delicadas estruturas dos membros superiores, incluindo fatores ambientais como frio, vibrao, ventilao e rudos, m adaptao do mobilirio, falta de manuteno em equipamentos e ferramentas, ms concepes de postos de trabalho, exigncia fsica desnecessria em funo da disposio ou das dimenses de equipamentos e instrumental de trabalho. ? Fatores de natureza organizacional e psicossociais - concentrao de movimentos para um mesmo indivduo, horas extraordinrias, dobras de turno, ritmo apertado de trabalho, ausncia de pausas, jornada de trabalho exagerada, gratificao por produtividade, cobrana excessiva por produo e qualidade por parte da superviso ou da chefia, incompatibilidade entre a formao e as exigncias do trabalho, atividades montonas, conflitos disfuncionais, problemas nas relaes e interaes humanas, ambientes de trabalho hostis, privao da criatividade e potencialidades individuais colocadas em segundo plano, empobrecimento e fragmentao da tarefa; ?

Fatores socio-econmicos e culturais, como o medo do desemprego, baixa

remunerao e falta de reconhecimento social, ausncia de perspectivas de desenvolvimento humano e pessoal e ms condies de vida. Assim, LER/DORT seria uma manifestao da falncia dos mecanismos psicolgicos, individuais e coletivos, de resistncia por parte dos trabalhadores, diante

35

de prticas administrativas e gerenciais autoritrias, rgidas e opressivas existentes nas organizaes. Na mesma linha, SMITH (1996) afirma que so oito os fatores de risco que interferem na possibilidade de ocorrncia de LER/DORT, sendo eles: a freqncia dos movimentos; a postura da articulao envolvida; a fora necessria para realizar a tarefa ou a carga que exige foras; a vibrao; as condies ambientais; as caractersticas da organizao do trabalho; as condies

psicossociolgicas e os fatores de risco de ordem individual, como o sexo. As condies de vida fora do ambiente de trabalho tambm devem ser consideradas, podendo ter contribuio na gnese dos distrbios. Apesar do reconhecimento dos inmeros fatores que, combinados, podem refletir no adoecimento por parte de um trabalhador, algumas questes individuais podem facilitar ou predispor o trabalhador ao desenvolvimento de LER/DORT, embora no possam descartar a relao do fato com o trabalhar. Entre estes fatores esto algumas condies patolgicas sistmicas, como a diabetes, situaes reumticas, hipotiroidismo, colagenoses vasculares, tuberculose e infeces. Com relao condio prvia do indivduo que desenvolve a manifestao em forma de doena, APOSTOLI (2001) apresenta uma interessante teoria que considera que as condies individuais e intrnsecas do trabalhador, podem chegar a deix -lo numa fase que o autor chama de pr patolgica, porm o que vai faz -lo adoecer realmente de LER/DORT, so as ms condies de trabalho, no descaracterizando portanto, a relao ocupacional. Na mesma linha, SETTIMI (2001) apresenta argumentos de que necessrio reconhecer que o adoecer com LER/DORT gerado pelo trabalho e no se deve usar de justificativas para descaracterizar as doenas da provenientes, como no sendo relacionadas ao trabalho. Considera ainda, que os fatores externos ao trabalho no podem ser considerados para sua ocorrncia e sim para seu agravamento. A complexa combinao dos fatores contributivos para a potencializao de uma determinada atividade ao risco, no so raras em muitas situaes de trabalho e vo alm das linhas de produo ou dos setores onde predomina a mo de obra feminina. Complexidade essa expressada por SZNELWAR (2001), ao afirmar que LER/DORT poderia ser considerada, em ltima anlise, como a sntese, o

36

resultado de relaes sociais de produo e do desenvolvimento tecnolgico presentes em nossa sociedade. A Norma Regulamentadora n 9 do Ministrio do Trabalho (NR-9) torna obrigatria a elaborao de mapas de risco ambientais nas empresas, devendo esses serem realizados pelas Comisses Internas de Preveno de Acidentes (CIPA's), aps ouvir todos os trabalhadores. Teoricamente, o contedo desta NR aponta para a reflexo de que ampla participao da classe trabalhadora, permite a discusso coletiva das correes necessrias nos ambientes de trabalho e fundamental para identificar fatores geradores das LER/DORT. O reconhecimento ou negao da relao existente de algum fator considerado de risco com o desenvolvimento de uma doena relacionada com o trabalho, tambm traz adaptaes e ajustes extremamente variados, manifestando se, na prtica, ora no reconhecimento, ora na negao do nexo ou da existncia real de LER/DORT. Ao considerar que certos fatores so discutidos como sendo ou no de risco, no fica difcil estabelecer que exista confuso tambm na aceitao da existncia e no amparo social que far-se-ia necessrio em muitas situaes. Evidencia-se assim, que a NR-9 faz uma abordagem especfica e focada sobre os fatores de risco. A NR-17 do MTb, referente Ergonomia, dispe sobre a necessidade da Anlise Ergonmica do Trabalho (AET), o que vai alm da simples abordagem sobre os fatores de risco.

2.1.7 Caractersticas do Adoecimento

O acometimento envolvendo principalmente os membros superiores, no de difcil compreenso ao relacionar seus movimentos com as finalidades funcionais do homem em atividade, tendo como ponto principal a mo. A garra, pina, preenso, o empurrar, o puxar, toda a dinmica e funcionalidade dos membros superiores se do com o objetivo de proporcionar posicionamento para as mos, que executam a

37

atividade. Uma mo lesada inutiliza totalmente tal membro, at que se recupere novamente sua complexa capacidade funcional. Mo funo, caracterizando as estruturas que atuam para permitir sua dinmica, como os principais pontos de manifestao patolgica de LER/DORT. Para DANGELO & FATTINI (apud COELHO & REIS, 1998), a mo um instrumento de trabalho sofisticado, exigindo inmeros movimentos coordenados para conferir-lhe habilidade e destreza. No fica difcil compreender essa relao, pois refletindo sobre a exigncia de manuteno de posturas e contraes estticas para posicion-la, principalmente da coluna cervical, cintura escapular e ombros, ou durante os movimentos fsicos e repetidos, a somatizao conseqncia de como o trabalho configurado, do trabalhar e as adaptaes que o mesmo exige de quem o executa. Dados do SESA/INSS de 1998 (2001), referentes aos acidentes de trabalho neste ano, quanto localizao das leses, apontam para 20,6% dos acidentes atingindo os dedos das mos, 7,7% acometendo as mos, 7,6% os ps e dedos dos ps, e 6,4% atingindo os olhos. Tais acidentes incluindo doenas ocupacionais, com emisso de Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT), ilustram o forte acometimento envolvendo as mos com relao a outras regies corporais. O diagnstico de LER/DORT sempre est atrelado a uma definio clnica que especifica as manifestaes em forma de doena somtica. Pode-se considerar que o diagnstico de LER/DORT um reconhecimento da relao ocupacional, enquanto que a identificao da manifestao patolgica propriamente dita tem um significado clnico e regionaliza, ao menos teoricamente, o local de acometimento. A maioria dessas manifestaes clnicas so definidas desde a Norma Tcnica de 1992, sendo que posteriormente outras formas de manifestao clnica passaram tambm a ser consideradas. (Anexo 1).

2.1.7.1 A Dor como Manifestao Predominante

38

As manifestaes de LER/DORT parecem reforar a importncia da abordagem regional da dor, uma vez que quanto mais significativos os processos fisiopatolgicos, mais bem localizados eles tendem a se apresentar. (BARRETO, 2001). Para FEUERTEIN (1992), KNAPP (1984), MIRANDA (1998), quanto aos sintomas do trabalhador com queixas musculoesquelticas, a dor a causa mais freqente de consultas ao mdico. ASSUNO (2001) ressalta, ainda, que importante considerar que as manifestaes musculoesquelticas so de natureza diversa (inflamatria ou degenerativa), podendo atingir tecidos diferentes (tendes, msculos, ligamentos, nervos) e stios especficos dos membros superiores (dedos, punhos, cotovelos, ombros e pescoo), podendo-se esperar que o processo lgico tenha caractersticas distintas. O sintoma doloroso, muitas vezes inespecfico e com caractersticas e propriedades pouco definidas, ganha importncia mpar no contexto desse fenmeno. Para CAILLET (2000) e MIRANDA (1998), a dor a causa mais freqente de consultas ao mdico nestes casos. Como qualquer doena, LER/DORT tambm tem melhores perspectivas se abordada logo no incio dos primeiros sintomas, ento neste sentido a dor como uma das primeiras manifestaes no pode ser ignorada ou subestimada. Por outro lado, pela caracterstica de ser apenas um sintoma e geralmente no um sinal objetivo, em muitos casos o trabalhador a tolera e segue com o mesmo ritmo e condio de trabalho. Somente quando alguns indicadores mais palpveis como queda produtiva, acidentes e incidentes se apresentam que acontece de forma geral o reconhecimento de que existe algo alterado.

2.1.7.2 As Limitaes Funcionais

O entendimento de funcionalidade no seu sentido mais amplo, deve conceber, alm da capacidade produtiva plena: as Atividades de Vida Diria (AVDs), o potencial para manter as relaes humanas e afetivas, a capacidade de

39

concentrao e bom humor, assim como de manter a harmoniosa dinmica dos membros, ao caminhar por exemplo. Para CAILLET (2000), para valorizar qualquer programa de tratamento ou reabilitao a cerca do portador de LER/DORT, deve-se desenvolver um Programa de Controle de Incapacidade (PCI), que alm das capacidades laborativas, tambm considera as AVDs. Neste sentido, a manuteno da integridade da capacidade funcional, torna-se um leque bastante amplo. A abordagem apenas dos movimentos necessrios para o trabalho, dentro de uma leitura sistmica do ser humano no seu contexto social e de vida, apresenta-se extremamente limitada e incua, ao analisar esse fenmeno. Sobre o assunto PEREIRA & LECH (1997) afirmam que no portador de LER/DORT no s o trabalho afetado mas tambm o desempenho em atividades da vida diria, tais como as domsticas, as de lazer e esportivas. Para aproximar-se do processo de compreenso das incapacidades e limitaes funcionais tpicas do portador de LER/DORT, parece necessrio transcender o conceito de que h necessidade de encontrar sinais objetivos e sintomas especficos para poder haver o reconhecimento da doena. Em um adoecimento caracterizado por sinais subjetivos e sintomas totalmente inespecficos, a funcionalidade pode ser de ordem difcil de ser mensurada ou quantificada. ASSUNO (2001) faz uma associao entre a gravidade do quadro do portador de LER/DORT, a constatao da migrao dos sintomas e os mltiplos diagnsticos, com as tentativas de compensar fisicamente as limitaes funcionais decorrentes do processo lgico. A relao entre sintomas e limitaes funcionais tambm denotada por MIRANDA (1998), citando o comum quadro de dor, parestesias, irradiaes, edema, rigidez e limitaes de movimento com repercusses diretas sobre o trabalho. Relata, assim, que o acometimento de LER/DORT vem acompanhado de altos ndices de incapacidades laborativas e funciona is. As funes podem ser afetadas em sua condio plena de vrias maneiras. A manifestao de LER/DORT, no raramente, pode alterar a capacidade sensorial do indivduo, ao desenvolver parestesias, hipoestesias, ou at anestesias, locais ou segmentares. O acometimento sensorial geralmente perturba toda a condio fisiolgica de percepo de estmulos, atravs do comprometimento da

40

sensibilidade proprioceptiva ou profunda, da sensibilidade descriminativa, da alterao do tato, da percepo de vibraes, da sensibilidade fina, da captao de variaes de temperatura e da reduo da potencialidade dos nociceptores, que tm a funo de informar o sistema nervoso central da presena de estmulos nocivos. No aspecto motor, alm dos movimentos perturbados pelos sintomas dolorosos e pelo processo inflamatrio, que pode estar presente, existe a reduo da resistncia muscular ao trabalho e consequentemente da resistncia fadiga. Tal fato reduz os potenciais quantitativos e qualitativos de trabalho. Podem ocorrer ainda, as perdas motoras de alta preciso tambm conhecidas como motricidade fina, que influenciadas pelas redues sensoriais e associadas s restries de resposta do aparelho musculo -esqueltico, ficam extremamente falhas e comprometidas. O sofrimento psquico, leva para uma outra face das limitaes funcionais, caracterizando as limitaes cognitivas, que interferem no apenas no trabalhar mas tambm na vida daquele que trabalha. Em uma perspectiva psicolgica e psicanaltica, BAWA (1997) cita a viso da doena como um impedimento decorrente dos processos neurais. A psicanlise moderna chama essa condio de doena de converso, a qual descreve a converso de uma ansiedade em uma doena fsica, assim o problema orgnico disfara o psquico. Outro fator importante o constrangimento encarado por quem sofre deste mal, que tambm pode ser considerado uma limitao de funo, ao interferir agudamente nas emoes ou na psique do indivduo e na sua relao com o trabalho. O sofrimento alm de ter origem na mecanizao e robotizao das tarefas, nas presses e imposies da organizao do trabalho, na adaptao cultura ou ideologia organizacional, representada nas presses do mercado, nas relaes com os clientes e com o pblico, tambm causado pela criao das incompetncias, significando que o trabalhador sente-se incapacitado de fazer frente s situaes convencionais, no habituais ou erradas, quando acontece a reteno da informao que destri a cooperao (DEJOURS, 1995, 1997, 1998). Segundo BAWA (1997), alguns pesquisadores em prol da simplificao, classificam a sndrome do tnel do carpo e a tenossinovite como casos de LER/DORT localizados, enquanto que os estados dolorosos sem qualquer origem fsica

41

identificvel so considerados leses difusas. Tais diferenciaes so puramente semnticas, mas podem entretanto, apresentar implicaes importantes nas abordagens de LER/DORT e no entendimento das conseqncias que estes distrbios trazem funcionalmente para o indivduo.

2.1.8 Os Estgios e Suas Caractersticas

A partir da norma tcnica de 1993 sobre LER do Ministrio da Previdncia Social, o processo de adoecimento ficou sendo classificado em quatro estgios (OLIVEIRA, 1998; NICOLETTI, 1996; MIRANDA, 1998; ASSUNO, 1989 e LECH, 1991 apud HELFENSTEIN, 1997; MINISTRIO DA PREVIDNCIA SOCIAL, 1993; AYOAMA apud ASSUNO, 1993). Esta classificao visa diferenciar as fases do curso do adoecimento: ?

Estgio ou Grau I: o paciente apresenta sensao de peso e desconforto no

membro afetado, dor espontnea localizada em membros superiores ou cintura escapular. Os sinais flogsticos esto ausentes, a dor no se irradia, melhora com o repouso e o prognstico bom. ? Estgio ou Grau II: a dor torna-se mais intensa e persistente, aparecendo durante

a jornada de trabalho de modo intermitente, o que provoca queda na produtividade. Demora mais a se recuperar com o repouso, os sinais clnicos esto ausentes e o prognstico favorvel. ? Estgio ou Grau III: a intensidade da dor aumenta, tornando-se mais persistente,

sendo comum a ocorrncia de dor noturna. Edema, hipertrofia e alteraes de sensibilidade esto presentes. O sistema nervoso autnomo pode sofrer alteraes, provocando sudorese e palidez. A produtividade muito afetada, e s vezes a tarefa torna-se impossvel de ser realizada. O prognstico j no to favorvel. ? Estgio ou Grau IV: a dor torna -se contnua e s vezes insuportvel. O edema

torna-se persistente, e nesta fase se caracterizam a atrofia e as deformidades.

42

Alteraes do perfil psicolgico podem acompanhar o quadro. A capacidade de trabalho anulada e advm a incapacidade. O prognstico sombrio. Esta norma define que o diagnstico deve ser essencialmente clnico e basear-se na histria clnica ocupacional,4

no

exame

fsico,

nos

exames

complementares quando justificados e na anlise das condies de trabalho responsveis pelo aparecimento de leses.

2.1.9 Alguns Dados Epidemiolgicos sobre LER/DORT

As estatsticas e dados epidemiolgicos existentes so bastante comprometidos, acompanhando o discorrer histrico e social do fenmeno. Ocorreu um momento de supernotificao nos anos prximos e posteriores ao reconhecimento legal das tenossinovites como doena ocupacional. Um exemplo da sazonalidade da notificao e registro foi observado na Bahia em um prazo de 5 anos, quando em 1991, o Centro de Estudos de Sade do Trabalhador (CESAT/Bahia) registrou 4,2% de casos de LER/DORT diagnosticados entre o total de casos de doenas profissionais e este percentual subiu para 60% em 1996 (MIRANDA & DIAS, 1999). Atualmente, ocorre um processo de negao do problema, manifestado atravs de uma subnotificao. Essas fases e tendncias so fortemente influenciadas, de certa forma, pelos momentos histricos, polticos e sociais pelos quais esteja passando o pas. Por outro lado, as caractersticas do prprio adoecimento em doena e a necessidade de firmar o nexo com o trabalho, exercem grande influncia para que os profissionais respons veis pelo reconhecimento encontrem dificuldades em registrar e dar encaminhamento aos casos.

4

O tratamento mdico, de acordo com a mesma norma, indica imobilizao do membro afetado por perodo de 10 a 14 dias, acompanhado de aplicao de dose nica injetvel de corticide associado administrao de antinflamatrios no hormonais. As infiltraes so contra-indicadas, pois podem promover degenerao nos tecidos, que levam roturas tendneas. Nos casos de indicao cirrgica, o paciente deve ser esclarecido sobre os aspectos positivos e negativos da conduta.

43

A grande contingncia de trabalhadores informais no Brasil, exerce tambm forte influncia nos dados oficiais sobre LER/DORT. Esses trabalhadores por no estarem oficialmente reconhecidos ficam fora das estatsticas, isso mais um fator de forte influncia para que os dados oficiais sejam contestados. Paralelamente e exercendo grande influncia, est a situao dos servidores pblicos, que por estarem fora da Consolidao das Leis Trabalhistas (CLT), no entram nas estatsticas, ficando assim os casos manifestados por estes trabalhadores, a exemplo do trabalhador informal, fora dos registros oficiais. Os estudos epidemiolgicos recentes, apesar das fragilidades, confirmam a relao dos movimentos de esforo, repetio e sobrecarga esttica na origem de muitos problemas msculo-esquelticos. (BERNARD, 1997; BUCKLE, 1997). Nos Estados Unidos, cerca de 65% das doenas do trabalho envolvem as LER/DORT. Na Europa tem-se mostrado a mais freqente das doenas do trabalho. Nos pases escandinavos, a preocupao com a doena extremamente grande. Na Finlndia, em 1974, a LER j era de notificao compulsria (OLIVEIRA, 1998). De acordo com estimativas da OMS e da Organizao Internacioal do Trabalho (OIT), os custos das doenas e dos acidentes de trabalho chegaram a cerca de quatro por cento da produo mundial em 1997. Este fato teria como origem principal a crescente transferncia das instalaes de produo para pases do Terceiro Mundo.5

2.1.10 Alguns Dados Epidemiolgicos no Estado do Paran

5

Em recente artigo de WILLIANS (1999), a OMS e a OIT alertam para o fato da globalizao poder aumentar a incidncia de doenas e acidentes de trabalho. Menciona a impressionante estatstica da OIT: as doenas e os acident es relacionados ao trabalho matam anualmente 1,1 milho de pessoas em todo o mundo.

44

Apesar dos processos sociais que envolvem a notificao e a influncia direta sobre os dados epidemiolgicos existentes, observar e analisar o que se tem registrado parece importante, ao possibilitar o acompanhamento exatamente destes processos de ajustes e adaptaes. Os dados dos CAT's aqui analisados, referem-se aos trabalhadores do mercado formal paranaense. No ano de 1998, foram registradas pela Secretaria de Estado da Sade, informaes de 19.651 CATs. Sendo que desses, 1.363 casos eram de doenas profissionais, correspondendo a 6,9 %. (Tab. 01).

Tabela 1 Acidentes de Trabalho no Paran em 1998 - Distribuio de Casos por Tipo de Acidente

Tipo Acidente Tpico Acidente de Trajeto Doena Profissional Ignorado Total Fonte: INSS/SESA

N de casos 16.831 1.383 1.363 74 19.651

% 85,6 7,0 6,9 0,4 100

Deste montante de casos de acidentes de trabalho relevante o nmero de 4.329 casos envolvendo os auxiliares de produo. Tal incidncia oficial, mostra em parte as caractersticas deste tipo de funo na indstria paranaense quanto aos riscos ocupacionais, tanto com relao aos acidentes tpicos, quanto s doenas ocupacionais, registradas para fins previdencirios como acidentes do trabalho (Tab. 02).

45

Tabela 2 - Acidentes de Trabalho no Paran em 1998 Distribuio de casos por Funo do Trabalhador Acidentado

Funo Auxiliar de Produo Trabalhador Rural

N de casos 4.329 2.419

% 22,0 12,3 11,5

Operador de mq./ Mecnico de 2.251 Manuteno Faxineiro/ Gari/ Coletor de lixo Pedreiro/Servente, pedreiro Pessoal de enfermagem Motoristas Carpinteiros/ marceneiros Cozinheiros, auxiliares de cozinha Bancrios e economirios Soldadores Outros Campo incorreto Total Fonte: INSS/SESA 19.651 no preenchido 822 802 669 406 369 351 4.076 ou 109 auxiliar 1.849 de 1.199

9,4 6,1

4,3 4,0 3,4 2,1 1,9 1,7 20,7 0,5

100

Dentre os diagnsticos das leses propriamente ditas em 1998 no Paran, os casos de LER/DORT que foram notificados, somaram 563 casos, equivalente a 2,9 % dos 19.651 casos gerais de acidentes de trabalho. Em tais registros, lideravam os casos de ferimentos leves, com 21,3 % dos casos (Tab. 03).

46

Tabela 3 - Acidentes de Trabalho no Paran em 1998 Distribuio por Diagnstico da Leso

Diagnsticos Mais Freqentes

N de casos

% 21,3

Ferimentos Leves (sem meno de 4.205 leso de vscera, nervo, etc) Contuso sem alterao da superfcie 2.911 cutnea Fraturas fechadas Entorses e distenses Fraturas Abertas Leso superficial Queimaduras Efeito do rudo sobre o ouvido PAIR LER/DORT Amputaes Outros diagnsticos Campo no preenchido ou incorreto Total Fonte: INSS/SESA 267 3.854 1.762 19.651 1.528 1.184 1.157 1.080 573 567

14,8

7,7 6,0 5,8 5,6 2,9 2,9 2,9

Leses por esforos repetitivos - 563

1,3 19,6 8,9 100,0

Analisando especificamente as doenas profissionais no Paran no ano de 1998, o diagnstico de LER/DORT foi de 563 casos, representando 41,3 % do total de casos. Precedidos por 4 casos de PAIR, com 41,6 %. (Tab. 04).

47

Tabela 4 - Doenas Profissionais no Paran em 1998 Distribuio por Diagnsticos mais Freqentes

Diagnstico PAIR LER Dermatites Efeito Txico de produtos qumicos Pneumoconioses Outros diagnsticos Total Fonte: INSS/SESA

N de casos 567 563 39 22 05 167 1.363

% 41,6 41,3 2,8 1,6 0,4 12,2 100,0

2.1.11 LER/DORT na Indstria

O trabalho na indstria, principalmente representado pelos auxiliares de produo, tem uma relao estreita com o significado deste fenmeno para a sociedade. Apesar de no ser exclusividade dos ambientes industriais, a exemplo dos setores de prestao de servios, do comrcio, de processamentos de dados, conforme (OLIVEIRA, 1998; SZNELWAR & ZIDAN et al, 2000; ASSUNO, 1993; LIMA, ARAJO & LIMA, 1997; MIRANDA, 1998; BAWA, 1997), LER/DORT representa um grande desafio a esse setor produtivo. As caractersticas do trabalho na indstria, geralmente envolvendo linhas de produo, fragmentao e empobrecimento das tarefas, intensificao do ritmo de trabalho, controle rgido visando produtividade, associados a outros diversos fatores considerados de risco, favorecem a manifestao de LER/DORT.

48

Segundo

OLIVEIRA (1998), a disseminao deste fenmeno

fortemente influenciada pelas inovaes tecnolgicas e pela informatizao, que espalham -se em larga escala, muitas vezes sem preocupao com proteo e preveno. Ainda sobre a influncia das inovaes, ROCHA (apud SZNELWAR & ZIDAN et al, 2000), frisa que a incorporao de novas tecnologias no piora necessariamente as condies de sade, mas que esta questo est vinculada possibilidade de interferncia dos trabalhadores sobre esse processo. Com relao ao acometimento do trabalhador da indstria, em especial os auxiliares de produo, que esto envolvidos diretamente no trabalho nas linhas de produo, o trabalho de CHACN (1999), aponta para 94% dos funcionrios da indstria avaliada com LER/DORT, como sendo auxiliares de produo.6

Na mesma linha, o trabalho de ZTOLA (2000), em uma indstria da CIC, envolvendo 125 casos de LER/DORT, tambm faz referncia a grande maioria dos trabalhadores acometidos como sendo auxiliares de produo. Certamente deve se considerar o grande efetivo que essa classe ocupacional representa em uma indstria, em comparao com cargos administrativos ou outros. ASSUNO (1993), cita entre as categorias com maior acometimento de LER/DORT a indstria de alimentos, em especial composta em seu quadro funcional pelos auxiliares de produo. So fortes as influncias da organizao do trabalho na indstria e as influncias disto no favorecimento de condies para adoecimento em funo do trabalho. No levantamento do ano de 1996, realizado pelo Ncleo de Sade do Trabalhador (NUSAT) de Minas Gerais, envolvendo as principais queixas dos trabalhadores portadores de LER/DORT, com relao organizao do trabalho, 91 % referiam sobrecarga de trabalho, 75 % queixavam-se de presso para produzir, 62,5 % de falta de controle sobre o ritmo de trabalho, 45,8 % de ausncia de pausas, 41,6% referiam excesso de horas-extras e 33,3 % afirmavam trabalhar em condies montonas e de repetitividade (OLIVEIRA, 1998).

6

O trabalho de CHACN (1999) bastante convergente com este estudo por envolver tambm uma empresa de Curitiba, do ramo alimentcio e onde a abordagem foi a GL na preveno de LER/DORT.

49

A representatividade da indstria para a sade do trabalhador, especificamente com relao LER/DORT, portanto, to antiga quanto as revolues industriais europia e americana. Pode-se considerar a indstria como precursora de todo o desenvo lvimento tecnolgico das ltimas dcadas, a partir dos grandes saltos emergentes aps a inveno do motor a vapor e da mquina de tecer nos primrdios da era industrial. As relaes existentes entre as condies de trabalho de forma geral e a sade plena com qualidade de vida de quem trabalha, acompanham esse desenrolar histrico. Para OLIVEIRA (1998), o trabalho coletivo nas fbricas, concebidos por tcnicos, elaborado em funo das exigncias de produo e quase sempre no leva em considerao o organismo humano. Afirma ainda, que os conflitos trabalhistas so ocasionados mais pelas condies de trabalho do que pelo nvel salarial.

50

2.2 PREVENO DE LER/DORT

Ao iniciar uma abordagem sobre a preveno e o fenmeno LER/DORT, faz-se necessria uma reflexo envolvendo o prprio significado da preveno. O sentido de antecipao e acautelamento a que a preveno remete parece ser de difcil associao com esse fenmeno, ao se considerar que independentemente das medidas adotadas a exposio ao risco que a prpria situao e condio de trabalho, continuaria existindo. A preveno apresentada como o principal fator com relao s abordagens referentes LER/DORT (LIMA, ARAJO & LIMA, 1997; ASSUNO, 1993; RANNEY, 2000; OLIVEIRA, 1998; SATO, 2001; BERNARD, 1997; KUORINKA et al, 1998; BUCKLE, 1997; ASSUNO & ROCHA, 1993; RIO et al, 1998; GRANDO, 1999; MIRANDA & DIAS, 1999; BAWA, 1997; CAILLET, 2000; BARRETO, 2001; GALAFASSI, 1998; BORGES, 2000; CODO & ALMEIDA, 1998; COUTO, 1994; MIRANDA, 1998; SETTIMI, 2001). A necessidade de polticas preventivas efetivas, a partir dos diversos segmentos envolvidos com o trabalhador, com o trabalhar e suas mltiplas relaes, reconhecidamente uma prioridade, sendo portanto, a medida mais importante envolvendo esse fenmeno. Setores antes voltados para causas unidirecionais, como os sindicatos, o poder judicirio, os rgos pblicos e o empresariado, esto revendo a possibilidade de contribuir de forma mais efetiva na preveno de LER/DORT. Assim como, a integrao dos diferentes envolvidos, cada qual com suas competncias especficas, em sintonia de aes, vem sendo considerado um ideal com relao a esta problemtica (SZNELWAR, 2001 e SETTIMI, 2001). importante considerar a natureza das atividades, do treinamento do trabalhador, da disponibilidade de relaes de assistncia e superviso, que podem afetar a exposio, a satisfao, a atitude e o comportamento. No aspecto organizacional, as polticas e os procedimentos da empresa podem afetar a exposio, por meio da definio de projetos de cargos, atravs da especificao da durao do tempo gasto no trabalho e estabelecendo o clima psicolgico em relao

51

socializao, carreira e segurana no emprego. Esses fatores podem influenciar a disposio psicolgica que afeta a motivao, a atitude, o comportamento e a sade numa base holstica. Seus efeitos podem influenciar a suscetibilidade para o desenvolvimento de LER/DORT (SMITH, 1996). Para DEJOURS (1987), MIRANDA (1998), ASSUNO (1993, 1995, 2000 e 2001), os princpios da preveno de LER/DORT so as reestruturaes do processo produtivo que resultem em melhoria da qualidade de vida no trabalho, proporcionando maior identidade com a tarefa, maior autoridade sobre o processo, ciclos completos e a eliminao de posturas extremamente rgidas normalmente existentes nas relaes de trabalho. ASSUNO & LIMA (2002) fazem uma crtica realidade dos dias atuais da prtica prevencionista como simples aplicao de leis e normas. Afirmam ainda que h uma srie de procedimentos que tornam-se meros rituais, uma vez que so incorporados legislao e tornam-se obrigatrios na prtica da engenharia de segurana e de outras profisses relacionadas sade ocupacional. Citam tambm o caso da NR-17, com a fixao de limites para a entrada de dados, como sendo paradigmtico: desde que o nmero de toques esteja abaixo do limite legal, os novos casos de leses por esforos repetitivos so descaracterizados e atribudos a outras causas no relacionadas ao trabalho. Desta forma, os autores destacam a defasagem entre a produo de novos conhecimentos, teorias e metodologias de anlise e assimilao pela prtica, por parte dos profissionais da segurana que deveriam atuar como prevencionistas, mas de forma geral, limitam-se a aplicar as normas ou verificar em que determinada situao fere a legislao vigente. SZNELWAR (2001) destaca que apesar da questo da justia e da importncia da influncia destes fatores, lamentvel que ainda uma parte significativa do esforo social esteja voltada para o aspecto da comprovao do fato e do nexo causal. Onde transformar o trabalhar, adaptando-o s caractersticas humanas, parece estar relegado a segundo plano. Neste cenrio, parece que o prprio conceito fundamental de preveno est deturpado e sem direo. A valorizao da punio e da busca pelo culpado, acaba ganhando fora e a preveno acaba diluda em um contexto deprimente,

52

porm real, de que sade e qualidade de vida no trabalho so facilmente alcanados quando se cumpre a legislao em vigncia. A discusso aberta sobre o trabalho entre todos os segmentos envolvidos, o principal mecanismo de enfrentamento de LER/DORT, ao envolver a atuao multidirecional que a problemtica exige. A reflexo sobre as aes de preveno devem iniciar pelos envolvidos em desenhar e configurar o trabalho, pois determinam as exigncias que o trabalhar impe quem ir executar a atividade real de trabalho. Desde as preocupaes diretas com a complexidade do ambiente de trabalho, at as influncias legais envolvendo LER/DORT, a preveno passa por um comprometimento social amplo (SZNELWAR, 2001). Segundo HANDAR (1998), sobre a poltica defendida pelo MTb para o combate s doenas decorrentes do trabalho, a formulao e implantao deve considerar as transformaes tecnolgicas e econmicas que vm ocorrendo em nvel mundial nas ltimas dcadas, promovendo junto a sociedade, mecanismos geis de adequao dos diversos setores sociais s novas realidades e evitando, assim, uma possvel precarizao das condies de vida e do meio ambiente. As diretrizes do MTb, de atuao por meio da composio tripartite, com a valorizao da negociao coletiva, da participao das demais reas de governo e de segmentos da sociedade, tm por objetivo a preveno dos acidentes e doenas no trabalho e a conseqente melhoria nas condies de vida do trabalhador. Nesse sentido, o MTb por intermdio da SSST, vem desenvolvendo uma poltica centrada na mobilizao dos atores sociais, para a canalizao de recursos e criao de mecanismos alternativos na busca pela integrao de aes voltadas preveno de LER/DORT. SZNELWAR (2001), em seu registro sobre o Frum Nacional sobre o Fenmeno LER/DORT, destaca que um grande problema, evidenciado nos debates e apresentaes do evento, a fragmentao das aes e a pobre integrao entre os envolvidos em atuar na complexidade do trabalhar em todos seus aspectos. Ficando evidente a falta de articulao entre programas, o que poderia contribuir para fortalecer as suas aes e aumentar a sua eficcia. Segundo CORD (1999), o

53

princpio do trabalho humanamente significativo, o que proporciona ao sujeito que trabalha espaos de liberdade e de criao, e no opresso e tortura. Alguns profissionais defendem a associao de vrias medidas, incluindo a GL como forma de preveno. Em um estudo envolvendo uma equipe multiprofissional, com o objetivo de reduzir as queixas relacionadas ao sistema msculo -esqueltico, MORAES, ALEXANDRE & GUIRARDELLO (1999), concluram que um programa envolvendo alteraes de determinados aspectos da organizao, ambiente e posto de trabalh