823-Relacoes Brasil-Estados Unidos No Setor de Energia

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  • relaes brasil-estados unidos no setor de energia:do mecanismo de consultas sobre cooperao energtica ao memorando de entendimento sobre biocombustveis (2003-2007) desafios para a construo de uma parceria energtica

  • ministrio das relaes exteriores

    Ministro de Estado Embaixador Antonio de Aguiar Patriota Secretrio-Geral Embaixador Ruy Nunes Pinto Nogueira

    fundao alexandre de gusmo

    Presidente Embaixador Gilberto Vergne Saboia

    A Fundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundao pblica vinculada ao Ministrio das Relaes Exteriores e tem a fi nalidade de levar sociedade civil informaes sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomtica brasileira. Sua misso promover a sensibilizao da opinio pblica nacional para os temas de relaes internacionais e para a poltica externa brasileira.

    Ministrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo, Sala 170170-900 Braslia, DFTelefones: (61) 3411-6033/6034/6847Fax: (61) 3411-9125Site: www.funag.gov.br

  • Braslia, 2011

    neil giovanni paiva benevides

    Relaes Brasil-Estados Unidos no Setor de Energia:

    Do Mecanismo de Consultas sobre Cooperao Energtica ao Memorando de Entendimento sobre Biocombustveis (2003-2007) Desafi os para a Construo de uma Parceria Energtica

  • Direitos de publicao reservados Fundao Alexandre de GusmoMinistrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo70170-900 Braslia DFTelefones: (61) 3411-6033/6034Fax: (61) 3411-9125Site: www.funag.gov.brE-mail: [email protected]

    Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conforme Lei n 10.994, de 14/12/2004.

    Equipe Tcnica:Henrique da Silveira Sardinha Pinto FilhoAndr Yuji Pinheiro UemaFernanda Antunes SiqueiraFernanda Leal WanderleyJuliana Corra de FreitasPablo de Rezende Saturnino Braga

    Programao Visual e Diagramao:Juliana Orem

    Reviso:Marcelo Carslon Thadeu

    Impresso no Brasil 2011

    CDU: 327.3

    Benevides, Neil Giovanni Paiva.

    Relaes Brasil-Estados Unidos no setor de energia: do mecanismo de consultas sobre cooperao energtica do memorando de entendimento sobre biocombustveis (2003-2007) / Neil Giovanni Paiva Benevides. Braslia: Fundao Alexandre de Gusmo, 2011.

    276 p.

    1. Relaes exteriores. 2. Energia. 3. Biocombustveis.

    ISBN: 978.857.631.301-4

    Ficha catalogrfica elaborada pela Bibliotecria Sonale Paiva CRB /1810

  • Sumrio

    Siglas e Abreviaes, 9

    Introduo, 13

    Captulo I - O Cenrio Energtico no Mundo: Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis, 31

    A Caractersticas da matriz energtica mundial, 31B A indstria petrolfera, 42C A indstria de gs natural. O comrcio de GNL, 49D A expanso dos biocombustveis, 53

    Captulo II - O Setor de Energia nos Estados Unidos, 59A Descrio da matriz energtica. Reservas, produo e consumo

    de recursos energticos, 59B Evoluo do setor energtico. A perda da autossuficincia em

    petrleo e gs natural, 63C O setor de etanol. Ciclos de expanso e polticas de apoio, 68D A dependncia externa no setor energtico. Importaes de

    petrleo, gs natural e biocombustveis, 77

    Captulo III - Governo George W. Bush (2001-2008): A Poltica Energtica e a Cooperao Internacional, 85

    A Os Estados Unidos e a segurana energtica. Aes no plano externo e interno, 85

  • B Poltica energtica: Funes no mbito do Executivo e do Congresso dos Estados Unidos. Cooperao com o Brasil no setor energtico, 100

    C Formulao e execuo da poltica energtica durante a Administrao George W. Bush, 113

    D Recomendaes da NEP (National Energy Policy) sobre segurana energtica e parcerias internacionais, 123

    Captulo IV - Relaes Brasil-Estados Unidos (2003-2007): As Consultas sobre Cooperao Energtica e o Lanamento da Parceria em Biocombustveis, 139

    A - O Mecanismo de Consultas sobre Cooperao na rea de Energia, 139

    B - O Memorando de Entendimento para avanar a Cooperao em Biocombustveis, 153

    C - O Frum Internacional de Biocombustveis, 177

    Concluses, 185A Estratgia dos Estados Unidos para a cooperao energtica

    com o Brasil, 185B Limites para a construo de uma parceria energtica, 206C Proposta de Plano de Ao, 213

    Bibliografia, 219

    Anexo I - Ajuste Complementar entre a Repblica Federativa do Brasil e os Estados Unidos da Amrica para a Cooperao na rea de Tecnologia Energtica, 229

    Anexo II - Memorando de Entendimento entre o Ministrio de Minas e Energia da Repblica Federativa do Brasil e o Departamento de Energia dos Estados Unidos da Amrica para o Estabelecimento de Mecanismo de Consultas sobre Cooperao na rea de Energia, 237

    Anexo III - Memorando de Entendimento entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da Amrica para avanar a Cooperao em Biocombustveis, 241

  • Anexo IV - Declarao do Frum Internacional de Biocombustveis, 245

    Anexo V - Primeira Reunio do Mecanismo de Consultas entre o Ministrio de Minas e Energia da Repblica Federativa do Brasil e o Departamento de Energia dos Estados Unidos da Amrica. Relatrio, 249

    Anexo VI - Nota do Departamento de Estado sobre a Assinatura do Memorando de Entendimento para Avanar a Cooperao Bilateral em Biocombustveis, 253

    Anexo VII - Mapas, Grficos, Tabelas e Quadros, 257

  • 9

    ABCM Associao Brasileira do Carvo Mineral ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas ADM Archer Daniels MidlandAEIA Agncia Internacional de Energia Atmica AIOC Anglo-Iranian Oil CompanyALCA Acordo de Livre Comrcio das AmricasANCAP Administracin Nacional de Combustibles, Alcohol y Portland ANP Agncia Nacional do Petrleo ANWR Arctic National Wildlife Refuge APEC Asia-Pacific Economic CooperationAPOC Anglo-Persian Oil Company APP Parceria sia-Pacfico sobre Clima e Desenvolvimento Limpo APPI Acordo de Promoo e Proteo de Investimentos ARAMCO Arabian American Oil Company ASTM American Society for Testing on MaterialsBG British GasBID Banco Interamericano de DesenvolvimentoBLM Escritrio de Gerenciamento de Terras Pblicas BP British PetroleumBTL Biocombustvel sintticoCAFE Corporate Average Fuel Economy CALTEX California Texas Oil Company CAMEX Cmara de Comrcio ExteriorCARICOM Comunidade do Caribe

    Siglas e Abreviaes

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    CBI Caribbean Basin InitiativeCECA Comunidade Europeia do Carvo e do Ao CEFET Centro Federal de Educao Tecnolgica Celso Suckow da FonsecaCEI Comunidade dos Estados Independentes CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina e o CaribeCFTC Commodity Futures Trading Commission CNEN Comisso Nacional de Energia Nuclear CNPC China National Petroleum Corportation CNPE Conselho Nacional de Poltica Energtica CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e TecnolgicoCOPEL Companhia Paranaense de Energia CSLF Carbon Sequestration Leadership ForumCTCL Centro Tecnolgico de Carvo Limpo DOE Departamento de EnergiaDOS Department of StateEIA Energy Information Administration EISAct Energy Independence and Security Act EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuriaENAGAS Ente Nacional del GasENR Diviso para Energia e Recursos Naturais EPA Environmental Protection AgencyEPAct Energy Policy ActEPC Diviso para Pases Produtores de EnergiaEPE Empresa de Pesquisa EnergticaETBE ter etil-butil tercirioFAO Organizao das Naes Unidas para Agricultura e AlimentaoFDL Fundo de Desenvolvimento Limpo FSA Financial Services AuthorityFTAA Free Trade Area of the AmericasGAO Government Accountability Office GIF Generation IV International ForumGLP Gs Liquefeito de PetrleoGNL Gs Natural LiquefeitoGNLE Gs Natural Liquefeito Embarcado GTS Gas to SolidsGTW Gas to WireHBIO Hidrogenao de leos vegetaisHGN Hidratos de gs natural comprimidoIEC Escritrio de Energia Internacional e Poltica de Commodities INMETRO Instituto Nacional de Metrologia, Normalizao e Qualidade IndustrialIOCs International Oil CompaniesIPHE Parceria Internacional para a Economia do Hidrognio

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    siglas e abreviaes

    ISO International Organization for Standardization LACTEC Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento LIHEAP Low Income Home Energy Assistance ProgramMAPA Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento MCT Ministrio da Cincia e TecnologiaMDIC Ministrio Desenvolvimento, Indstria e Comrcio ExteriorMDL Mecanismo de Desenvolvimento Limpo MME Ministrio de Minas e EnergiaMMS Servio de Controle Mineral mpg Milhas por galoMRE Ministrio das Relaes Exterioresmst Million short tonsMTBE ter metil-butil tercirioNAEWG Grupo de Trabalho sobre Energia da Amrica do Norte NAFTA Acordo de Livre Comrcio da Amrica do Norte NEP National Energy Policy NEPD National Energy Policy Development GroupNETL National Energy Technology LaboratoryNIOC National Iranian Oil Company NOCs National Oil CompaniesNREL Laboratrio Nacional de Energia Renovvel NYMEX New York Mercantile ExchangeOCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico ODA Official Development AssistanceOEA Organizao dos Estados AmericanosOECD Organization for Economic Cooperation and DevelopmentOECS Organizao dos Estados do Caribe OrientalOMC Organizao Mundial do ComrcioPAI Petrobras America Inc. PBio Petrobras BiocombustveisPDVSA Petrleos de Venezuela S.A.PEMEX Petrleos Mexicanos PNUD Programa das Naes Unidas para o DesenvolvimentoPNUMA Programa das Naes Unidas para o Meio AmbienteRCE Redues Certificadas de Emisses RFA Renewable Fuels Association SICA Sistema de Integrao da Amrica CentralSOCAL Standard Oil of CaliforniaSOCONY Standard Oil of New York SPR Reserva Estratgica de Petrleo TAES Texas A&M Universitys Agricultural Experiment Stationtcf Trillion cubic feetTexaco Texas Oil Company

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    TVA Tennessee Valley AuthorityUFRJ Universidade Federal do Rio de JaneiroUNB Universidade de BrasliaUNICA Unio da Indstria de Cana-de-acar UNIDO United Nations Industrial Development OrganizationUSAID Agncia para o Desenvolvimento Internacional USDA Departamento de Agricultura dos Estados Unidos USNRC Comisso Reguladora Nuclear USP Universidade de So PauloUSTDA Agncia de Comrcio e Desenvolvimento USTR Office of the United States Trade Representative WTI West Texas Intermediate YPF Yacimientos Petrolferos Fiscales

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    Nos ltimos anos, a questo energtica ganhou visibilidade na pauta bilateral. Em 20 de junho de 2003, com a assinatura do Memorando de Entendimento entre o Ministrio de Minas e Energia (MME) e o Departamento de Energia (DOE) para Estabelecimento do Mecanismo de Consultas sobre Cooperao na rea de Energia, Brasil e Estados Unidos passaram a contar com foro especfico, em nvel ministerial, para tratar da cooperao energtica, inclusive em novas reas tecnolgicas como o sequestro de carbono e a economia do hidrognio. Posteriormente, em 9 de maro de 2007, assinou-se o Memorando de Entendimento entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da Amrica para Avanar a Cooperao em Biocombustveis, pelo qual os dois pases se engajaram em parceria inovadora, voltada para projetos bilaterais de pesquisa, cooperao com terceiros pases e a estruturao do mercado internacional de biocombustveis. Dessa forma, no perodo 2003-2007, o relacionamento no setor de energia elevou-se de patamar restrito cooperao tcnica e s consultas ministeriais sobre temas energticos at alcanar o status de parceria na rea dos biocombustveis. Dois encontros presidenciais, ambos em maro de 2007, em So Paulo e em Camp David, marcaram o aprofundamento da cooperao energtica.

    No obstante a disposio poltica de ambos os Governos para fomentar o dilogo em alto nvel e produzir avanos na cooperao

    Introduo

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    energtica, os resultados alcanados foram relativamente modestos. Criado em 2003, por iniciativa dos Estados Unidos, o Mecanismo de Consultas deveria, em princpio, reunir-se anualmente, sob a presidncia dos titulares das pastas de energia, com o propsito de examinar temas de mtuo interesse na rea de energia, incluindo planejamento energtico e anlises de polticas energticas, comrcio e investimentos e cooperao na rea de tecnologias energticas1. O Mecanismo foi acionado, porm, uma nica vez, em 19 de abril de 2004, durante visita ao Brasil do Secretrio de Energia Spencer Abraham. Apesar do interesse brasileiro em dar continuidade aos trabalhos do Mecanismo, no foi possvel reunir o grupo durante a gesto do Secretrio Samuel Bodman (2005-2008), sucessor de Abraham no Departamento de Energia.

    No setor dos biocombustveis, ao amparo do Memorando de Entendimento de 2007, os Governos do Brasil e dos Estados Unidos lanaram parceria bilateral, que inclui: a) pesquisa e desenvolvimento de tecnologia para biocombustveis de nova gerao; b) ao conjunta para promover a produo e o consumo de etanol em pases da Amrica Central, do Caribe e da frica; e, c) cooperao no mbito do Frum Internacional de Biocombustveis para o estabelecimento de padres uniformes e normas com vistas ao estabelecimento do mercado de biocombustveis2. O Itamaraty teve participao ativa na concepo e na negociao do Memorando de Entendimento de 2007. A parceria com os Estados Unidos em biocombustveis enfrenta, porm, uma srie de obstculos, como as barreiras tarifrias s importaes de etanol brasileiro, as disparidades entre as respectivas indstrias em termos de produtividade, impacto sobre a produo de alimentos e dependncia de apoio governamental e as resistncias criao do mercado internacional de biocombustveis.

    A anlise das relaes bilaterais no setor energtico no perodo 2003-2007 exigir ateno tanto a fatores externos, como o mercado internacional de petrleo, quanto s caractersticas especficas de cada pas. Nos Estados Unidos, a escalada dos preos do petrleo, ocorrida entre 2003 e 2008, encareceu os custos do setor de transportes e suscitou

    1 Pargrafo operativo 1 do Memorando de Entendimento entre o MME e o DOE para estabelecimento do Mecanismo de Consultas na rea de Energia. Vide Anexo II.2 Pargrafo operativo 1 do Memorando de Entendimento entre os Governos do Brasil e dos Estados Unidos para avanar a Cooperao em Biocombustveis. Vide Anexo III.

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    introduo

    intenso debate sobre a necessidade de diversificar a matriz energtica, promover maior eficincia e utilizao da energia renovvel e reduzir a dependncia do petrleo importado. Motivou, tambm, o reforo da poltica energtica no sentido de estimular iniciativas voltadas para a explorao de fontes renovveis e alternativas de energia, entre as quais se inscreve a parceria com o Brasil na rea de biocombustveis. No Brasil, porm, no ocorreu aumento significativo dos preos da gasolina, mesmo no auge da crise petrolfera em 2008. Explicam o caso brasileiro, de um lado, a maior participao do etanol no mercado interno de combustveis, que desestimulou o repasse da alta das cotaes internacionais do petrleo, e, de outro, a poltica de preos adotada pelo Governo Federal. As elevadas margens de lucro da Petrobras e de outras empresas petrolferas possibilitaram aumento dos investimentos em atividades de explorao no litoral brasileiro, que culminaram com as descobertas de petrleo e de gs natural na camada pr-sal a partir de 2007. Alm das implicaes para o desenvolvimento industrial e o posicionamento geoestratgico do pas, o anncio das reservas do pr-sal abriu novas perspectivas para as relaes com os EUA.

    O Brasil apresenta baixo consumo de energia per capita, sobretudo em comparao com os Estados Unidos, o Canad e os pases da Unio Europeia3. O desenvolvimento econmico e social conduzir o pas, inevitavelmente, a patamares mais elevados de consumo de energia, em particular eletricidade. As projees da Empresa de Pesquisa Energtica (EPE) sugerem crescimento da demanda por energia primria no Brasil da ordem de 5% ao ano4. Para garantir o crescimento econmico, o Governo brasileiro necessita assegurar o incremento da produo energtica e a diversificao das fontes externas de energia, de preferncia preservando o perfil limpo da matriz energtica. Atualmente, o pas conta com recursos tecnolgicos e condies geolgicas favorveis para suprir boa parte da demanda interna por energia. Recorre, porm, s importaes de alguns insumos, como gs natural, carvo, leo diesel e derivados de petrleo. Do ponto de vista do planejamento energtico, a preocupao com o abastecimento interno, sobretudo no setor eltrico, tem sido

    3 Vide Mapa 1, Anexo VII.4 Conferncia Nacional de Poltica Externa e Poltica Internacional II CNPEPI: o Brasil no mundo que vem a. Debate sobre Energia. Professor Mauricio Tiomno Tolmasquim. Braslia: Fundao Alexandre de Gusmo, 2008.

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    constante. O Governo tem fomentado, por exemplo, a construo de hidreltricas e de termeltricas a gs natural. H razes para crer que o Brasil conseguir manter o ritmo de crescimento econmico, sem perder a relativa autonomia que conquistou no setor energtico. De acordo com a EPE, o grau de dependncia externa no setor energtico brasileiro tem diminudo gradativamente: 40% (1980); 25% (1990); 22% (2000); e 10% (2005)5. Desde 2006, o Brasil beneficia-se da autossuficincia no setor petrolfero (volume de produo maior do que o consumo), mas ainda precisa importar leo leve para uso nas refinarias nacionais. O pas rene condies para tornar-se exportador de petrleo e de produtos derivados de alto valor agregado. A explorao dos depsitos de gs natural da camada pr-sal, por sua vez, contribuir para a reduo da dependncia externa no setor.

    Os Estados Unidos so os maiores produtores e consumidores de energia, ao lado de China e Rssia6. Dependem, porm, do fornecimento externo para suprir parte da demanda domstica por petrleo e gs natural. O grau de dependncia externa maior no caso do petrleo. O pas importa cerca de 60% do petrleo consumido internamente. At os anos 50, os Estados Unidos mantiveram autossuficincia no setor, o que permitiu sustentar a expanso do ps-guerra. Desde ento, o volume das importaes de petrleo tem crescido, tendncia interrompida apenas durante os choques do petrleo nos anos 70. Nas Amricas, o Canad, o Mxico, a Venezuela e o Brasil so os maiores fornecedores de petrleo para os Estados Unidos. As exportaes brasileiras de petrleo para o mercado norte-americano tm crescido significativamente. Aps as descobertas na regio do pr-sal, cresceu a expectativa das autoridades norte-americanas de que o Brasil possa futuramente ampliar seu fornecimento. Em maro de 2009, durante visita a So Paulo, o Secretrio de Estado Assistente para o Hemisfrio Ocidental, Thomas Shannon, declarou: Estamos bastante interessados no petrleo e no gs brasileiro... bvio que quando o Brasil comear a explorar suas reservas e conhecer sua magnitude... ns estaremos muito interessados em continuar as conversaes7.

    5 Idem.6 Vide Tabela 1, Anexo VII.7 Valor Econmico, EUA acompanham de perto megacampos brasileiros, publicado em 01/04/2009.

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    introduo

    O setor de biocombustveis, apesar das descobertas do pr-sal e das restries tarifrias s exportaes brasileiras de etanol, permanecer como um dos eixos do relacionamento bilateral tanto na rea energtica quanto diplomtica. Brasil e Estados Unidos so os maiores produtores de etanol. Ambos os Governos tm interesse no avano da pesquisa cientfica, no desenvolvimento dos biocombustveis avanados e na criao do mercado internacional de etanol. Do lado norte-americano, h expectativa de reduzir a dependncia das importaes de petrleo por meio do estmulo indstria domstica de etanol, assim como inteno de fomentar parceria energtica com os pases das Amricas e do Caribe, com base na produo e consumo de energia renovvel. Do lado brasileiro, espera-se ampliar as exportaes de etanol e promover iniciativas de cooperao triangular, em benefcio dos pases africanos, centro-americanos e caribenhos, alm de contar com o apoio dos Estados Unidos para o estabelecimento dos padres e regras do mercado internacional de etanol. O Brasil o nico pas capaz de sustentar exportaes de etanol em larga escala e o principal fornecedor dos Estados Unidos. No Congresso, porm, a presso do lobby agrcola tem garantido a manuteno das barreiras tarifrias s importaes de etanol brasileiro, assim como subsdios produo de etanol de milho.

    Alm do petrleo e do etanol, o gs natural na forma de GNL (Gs Natural Liquefeito) desponta como possvel fator para o incremento do comrcio bilateral. Desde o final dos anos 80, os Estados Unidos recorrem ao fornecimento externo de gs natural. Importam cerca de 16% do gs natural consumido internamente, a maior parte canalizada por gasodutos. O Canad responde por mais de 80% das vendas. Alm disso, os Estados Unidos importam, por via martima, cargas de GNL de pases como Trinidad e Tobago, Egito, Nigria e Arglia8. No Brasil, h perspectiva de reduo da dependncia externa no setor de gs natural, graas s descobertas dos recursos da camada pr-sal. Executivos da Petrobras consideram a possibilidade de exportao de gs para os Estados Unidos. A Bacia de Santos Campo de Jpiter, no bloco BM-S-24 contaria com depsitos de gs natural suficientes para garantir o abastecimento interno e tornar disponveis eventuais excedentes para exportao. Em fevereiro de 2009, a Diretora de Gs e Energia da Petrobras, Maria das

    8 Energy Information Administration. Annual Energy Outlook 2009.

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    Graas Foster, anunciou o projeto de estocar e liquefazer o gs que no for utilizado para gerao da energia trmica com vistas sua exportao para pases do Cone Sul, Estados Unidos e Unio Europeia: Nossa prioridade atender ao mercado de gerao de energia. Mas em um pas em que h gerao hbrida de hidreltricas e trmicas ficamos com excedente de gs natural quando os reservatrios esto cheios. Somos uma loja e nossa funo dar o melhor encaminhamento ao gs produzido aqui9.

    Em novembro de 2009, a Petrobras e a BG (British Gas) assinaram acordo para desenvolvimento do projeto Gs Natural Liquefeito Embarcado (GNLE), que tem como objetivo instalar terminal flutuante de GNL para escoar o gs do pr-sal da Bacia de Santos. O cronograma prev incio das operaes em julho de 2015, com capacidade para liquefazer quatorze milhes de metros cbicos de gs natural por dia. O GNLE considerado pela direo da Petrobras como a alternativa mais vivel para o transporte do gs do pr-sal da Bacia de Santos. O produto ter como destino o mercado interno, quando houver demanda, ou mercados externos, quando os reservatrios das hidreltricas estiverem cheios10.

    Com vistas a proporcionar viso mais ampla do tema do trabalho, cabe formular, inicialmente, algumas consideraes sobre o cenrio energtico internacional, com nfase nos efeitos da crise de 2008 sobre a evoluo dos setores de hidrocarbonetos e de etanol no Brasil e nos Estados Unidos.

    O mercado do petrleo, desde o incio do sculo XXI, tem-se caracterizado por acentuada volatilidade. Aps longa fase de elevao dos preos entre os anos de 2003 e 2008 seguida de brusca queda das cotaes, em meados de 2008, o mercado petrolfero voltou a registrar tendncia de alta a partir de 200911. Em maro de 2003, s vsperas da interveno dos EUA contra o Iraque, a cotao do barril de leo leve (WTINYMEX) estava a US$ 35 na bolsa de Nova York. Com a derrota de Saddam Hussein e a retomada das exportaes do Iraque, em junho de 2003, houve reduo dos preos. Pouco mais tarde, em setembro, com o barril de leo leve cotado abaixo de US$ 30, os pases

    9 Jornal do Commercio, Petrobrs anuncia projeto de se tornar exportadora de gs natural, publicado em 12/02/2009.10 Estado de So Paulo, Petrobras e BG vo fazer o 1 terminal flutuante de gs, publicado em 18/11/2009.11 Vide Grfico 1, Anexo VII.

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    introduo

    da Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo (OPEP) durante reunio que contou com a participao do Iraque, pela primeira vez desde 1990 decidiram reduzir o teto de produo do cartel em 900.000 barris dirios, alegando risco de superproduo em 2004. Os preos voltaram a subir, impulsionados tambm pelo crescimento da demanda mundial. Em maio de 2004, o barril de leo leve (WTI-NYMEX) superou o patamar de US$ 40. A fase ascendente dos preos do petrleo se estendeu at 2008, tendo-se registrado uma breve interrupo no incio de 2007. No decorrer do perodo, o preo mdio do barril de petrleo, negociado na Bolsa de Nova York, elevou-se de US$ 30, em 2003, at o patamar de US$ 140, em julho de 2008.

    A partir do segundo semestre de 2008, com o colapso dos mercados financeiro e imobilirio nos Estados Unidos, os preos do petrleo despencaram. Em fevereiro de 2009, o preo do barril de leo leve (WTI) encontrava-se em nvel inferior a US$ 37 na Bolsa de Nova York. A trajetria de queda dos preos foi interrompida, porm, no incio de 2009. Em maro, o valor do barril (WTI) j havia retornado ao patamar de US$ 50 graas aos cortes de produo da OPEP e ao aumento da demanda por combustvel para calefao no Hemisfrio Norte. A desvalorizao do dlar, o retorno da especulao com os contratos futuros de energia e dados positivos sobre as economias dos Estados Unidos e da China, os dois maiores consumidores de petrleo, impulsionaram ainda mais as cotaes. Em novembro de 2009, o valor do barril de leo leve (WTI), negociado na Bolsa de Nova York, para entrega em janeiro de 2010, chegou a ser cotado a US$ 80,07.

    A fase de alta dos preos do petrleo (2003-2008), que se estende durante o perodo histrico considerado no presente trabalho, coincidiu com um ciclo de crescimento da economia internacional, impulsionado pela expanso do crdito e pela globalizao financeira. Alm do forte componente especulativo, decorrente da atuao dos fundos de hedge e dos bancos de investimento na negociao dos contratos futuros, a escalada dos preos do petrleo resultou de outros fatores, dentre os quais seria possvel citar a elevao dos custos da explorao petrolfera, o declnio da produo extra-OPEP, a desvalorizao do dlar, a reduo dos estoques estratgicos de pases da OCDE (Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico), a instabilidade poltica no Oriente Mdio, a coeso e o poder de mercado da OPEP, a limitada capacidade de

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    refino da indstria petrolfera mundial e o crescimento da demanda global por combustveis, sobretudo no setor de transportes. O longo perodo de alta dos preos do petrleo teve forte impacto sobre a evoluo do setor energtico no mundo. Estimulou, por exemplo, os investimentos na explorao dos recursos no convencionais de hidrocarbonetos, como o xisto e as areias betuminosas, os leos pesados e os depsitos petrolferos localizados em grandes profundidades martimas. Reforou o interesse na produo de energia a partir de fontes renovveis, como a biomassa, e a pesquisa cientfica em novas reas, como a economia do hidrognio12. A questo energtica passou a ocupar espao crescente no dilogo entre Governos, empresas e organismos multilaterais, ao lado de outros desafios globais, como a mudana do clima, o combate fome e pobreza e o avano das pandemias (AIDS, gripes).

    O agravamento da crise econmica e financeira, em meados de 2008, provocou reduo abrupta dos preos do petrleo, que perdurou por alguns meses, o suficiente para provocar reverso das expectativas nos mercados energticos. At ento, os altos preos do petrleo haviam estimulado, em muitos pases, a adoo de polticas voltadas para maior eficincia energtica, diversificao e explorao das fontes renovveis e alternativas de energia. A reduo dos preos trouxe alvio economia mundial, imersa em profunda crise. Resultou, porm, em diminuio da competitividade das fontes renovveis e alternativas, como energia elica, energia solar e os biocombustveis. Acarretou desacelerao no ritmo dos projetos energticos ligados ao aproveitamento dos recursos no convencionais de hidrocarbonetos. Caram, tambm, os preos do gs natural, normalmente ligados aos preos do petrleo (em algumas regies, por meio de contratos, como no Japo e na Unio Europeia), o que reforou a tendncia de perda da competitividade dos combustveis alternativos ao gs, utilizados na produo eltrica, como o carvo, energia solar, elica e nuclear.

    A retrao da economia global, associada reviravolta no mercado petrolfero, determinou mudanas na configurao do cenrio energtico. Em primeiro lugar, os baixos preos e as restries de crdito reduziram investimentos em explorao e produo de petrleo e gs natural, sobretudo nos projetos de mais alto custo, como os que envolvem a

    12 The Hydrogen Economy. Jeremy Rifkin. New York, NY: Tarcher Penguin, 2002.

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    introduo

    produo de leos pesados (Venezuela), em guas profundas (Golfo do Mxico) e areias betuminosas (Canad). Exceo notvel foi o Brasil, onde a Petrobras divulgou, no incio de 2009, plano de negcios para acelerar a explorao das reservas do pr-sal, que envolve investimentos da ordem de US$174 bilhes at 2013. A crise internacional acentuou, ainda, tendncia de queda da produo em regies tradicionais, fora da influncia da OPEP, como o Mar do Norte e a Rssia. Estima-se que, no longo prazo, a OPEP, que responde atualmente por cerca de 40% da oferta global, dever ampliar sua participao e seu poder de mercado13. Novas descobertas, inclusive as do pr-sal brasileiro, no seriam suficientes para reverter a tendncia de queda da participao relativa da produo extra-OPEP, uma vez que os pases do cartel controlam trs quartos das reservas provadas de petrleo no mundo14.

    O mercado de gs sentiu, tambm, o impacto da crise internacional, no s por conta da queda dos preos, mas pela reduo dos custos da indstria, em particular dos projetos de GNL (Gs natural liquefeito). Ao reduzir preos e custos do GNL, a crise estimulou o comrcio do produto, principalmente nos mercados do Atlntico, motivando grandes empresas, como a Petrobras, a formular planos para o setor. A crise gerou, porm, excedente de gs no mercado, inclusive no Brasil. Em seu relatrio anual sobre o mercado de gs, a Agncia Internacional de Energia (AIE) registrou reduo de 4% na demanda global no primeiro trimestre de 2009 a primeira queda do consumo em dcadas ao mesmo tempo em que verificou aumento da capacidade de produo e liquefao de gs natural em pases exportadores como o Catar, Rssia, Indonsia, Malsia e Imen. Segundo a Agncia, h risco de que, no mdio prazo, a combinao de demanda fraca e preos mais baixos desestimulem os investimentos em produo e infraestrutura de abastecimento, o que comprometeria o desenvolvimento do mercado de gs em escala global15.

    No plano internacional, uma das principais consequncias da crise foi o fortalecimento da posio da China na disputa por recursos energticos. Em contraste com a brusca reduo da atividade econmica nos Estados Unidos, Japo e Europa, a China manteve taxas positivas de crescimento e incrementou sua demanda por petrleo e recursos naturais.

    13 Energy Information Administration. International Energy Outlook 2009.14 Vide Quadro 1, Anexo VII.15 International Energy Agency. Natural Gas Market Review 2009.

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    Em 1993, a China tornou-se importadora lquida de petrleo, despertando a preocupao dos formuladores de poltica energtica em pases ocidentais, sobretudo nos Estados Unidos. Para garantir novas fontes de petrleo, o Governo chins passou a celebrar acordos de cooperao com pases produtores da frica e da Amrica Latina, como Angola, Peru, Equador, Colmbia, Venezuela e Brasil, alm dos fornecedores tradicionais do Oriente Mdio e da sia. Tais acordos incluem, com frequncia, participaes em empresas petrolferas, joint ventures com estatais e investimentos em refinarias, gasodutos e infraestrutura de transporte. Apesar de no representar ameaa aos interesses corporativos das empresas petrolferas ocidentais, atuantes em toda a Amrica Latina, o fluxo dos investimentos chineses sinalizou clara disposio de Pequim para aumentar sua presena na regio e garantir maior diversidade geogrfica na relao de seus fornecedores.

    No Brasil, a crise internacional ocorreu no contexto da divulgao das descobertas de petrleo e gs natural na camada pr-sal. Em julho de 2008, o Governo brasileiro criou grupo de trabalho interministerial encarregado de formular proposta para a adequao do marco regulatrio do setor petrolfero s condies das reas do pr-sal, caracterizadas por baixo risco exploratrio e alta capacidade de produo. A proposta foi encaminhada ao Congresso Nacional em fins de agosto de 2009. O Governo pretende utilizar os recursos obtidos com a explorao do pr-sal para fortalecer a cadeia produtiva de petrleo e gs (indstria naval, petroqumica, equipamentos), alm de financiar investimentos na rea social. Por meio da Petrobras, o Governo decidiu ampliar o nmero de refinarias no Brasil para reduzir a dependncia das importaes de derivados do petrleo (diesel, GLP e nafta) e permitir, no futuro, a exportao de produtos de alto valor agregado, no apenas leo bruto, como ocorre atualmente. H a preocupao, tambm, de planejar o ritmo da produo no pr-sal de maneira a resguardar a autossuficincia petrolfera. Projees da Empresa de Pesquisa Energtica (EPE) indicam que, no prazo de dez a quinze anos, o Brasil alcanar o nvel de produo de trs milhes de barris dirios. Considerando-se a relao reservas provadas/produo nacional, seria possvel manter a autossuficincia petrolfera at por volta de 203016.

    16 Conferncia Nacional de Poltica Externa e Poltica Internacional II CNPEPI: o Brasil no mundo que vem a. Debate sobre Energia. Professor Mauricio Tiomno Tolmasquim. Braslia: Fundao Alexandre de Gusmo, 2008.

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    introduo

    A crise coincidiu com o incremento gradativo das exportaes brasileiras de petrleo para os Estados Unidos, antes mesmo do incio da produo nos campos do pr-sal. Em janeiro de 2009, o Brasil exportou 382 mil barris por dia para os Estados Unidos, o que representou aumento de 117% em relao ao volume exportado em janeiro de 2008, de 176 mil barris dirios. A Energy Information Administration (EIA) relacionou o Brasil, naquele ms, como o 8 maior exportador de leo bruto para os Estados Unidos, frente de grandes produtores como Rssia e Arglia17. As autoridades norte-americanas esto dispostas a estimular o aumento das exportaes brasileiras. Em julho de 2009, o U.S. Ex-Im Bank concedeu linha de crdito Petrobras no valor de US$ 5 bilhes para financiar a importao de bens e servios dos Estados Unidos, necessrios para a explorao das reservas petrolferas do pr-sal.

    O aumento das exportaes de leo bruto para os Estados Unidos e outros mercados evidencia, entretanto, desequilbrios estruturais da indstria petrolfera nacional, decorrentes da reduzida capacidade do refino. Em 2006, o Brasil alcanou, pela primeira vez, nveis de produo petrolfera acima do consumo interno, o que configurou, do ponto de vista tcnico, autossuficincia. O dficit na conta petrleo no foi, porm, eliminado em decorrncia do diferencial de preos entre os produtos importados (leos leves e derivados, como diesel, GLP e nafta) e os exportados (leo pesado). Em 2007 e 2008, o dficit agravou-se, em razo de fatores diversos como o aumento da demanda por combustveis sobretudo diesel, para gerao de energia em termeltricas e em funo da safra agrcola e o incremento do diferencial de preos entre leos pesados e os derivados, alm da expanso da produo domstica em ritmo abaixo das metas previstas pela Petrobras. A crise econmica e financeira provocou queda do consumo interno de derivados, atenuando o dficit da balana comercial do petrleo. O problema persiste, contudo, por conta do diferencial de preos entre produtos exportados e importados. No primeiro bimestre de 2009, o preo mdio do barril de petrleo importado pelo Brasil era de US$ 46,63. O petrleo brasileiro, por sua vez, foi exportado pelo preo mdio de US$ 29,5318. Tais circunstncias neutralizam os

    17 Energy Information Administration. Crude Oil and Total Petroleum Imports Top 15 Countries.18 Fundao Centro de Estudos do Comrcio Exterior. Funcex na mdia. Com queda no consumo, volta a autossuficincia, Estado de So Paulo, publicado em 24/09/09.

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    benefcios advindos do aumento das exportaes de petrleo e justificam os investimentos na construo de novas refinarias.

    A reduo dos preos do petrleo, no segundo semestre de 2008, atingiu diretamente o setor de biocombustveis. Antes da crise, a produo mundial de etanol e biodiesel encontrava-se em plena expanso, beneficiada pelos altos preos do petrleo e pelo apoio governamental nos pases desenvolvidos. Nos Estados Unidos e na Unio Europeia, os biocombustveis, apesar dos elevados custos de produo, foram estimulados por uma ampla gama de incentivos, como tarifas de importao, normas tcnicas e barreiras ambientais e sociais. Principal alvo das barreiras protecionistas, o Brasil, ainda assim, conseguia ampliar suas exportaes de etanol para mercados na sia, Europa e EUA: 3,53 bilhes de litros, em 2007 e 5,1 bilhes de litros, em 200819. A crise econmica de 2008 provocou desacelerao do ritmo de expanso do setor, tanto em decorrncia da retrao da demanda global e da escassez de crdito, quanto pela perda de competitividade ocasionada pela sbita queda dos preos dos combustveis fsseis. Com a crise, reduziram-se as margens de lucro, o que deixou usinas de etanol e biodiesel sem recursos para financiar a produo ou pagar dvidas.

    No Brasil, a crise provocou inmeras falncias, pois o setor de etanol apresentava alto nvel de endividamento em dlar decorrente dos emprstimos contrados, desde 2006, para ampliar reas de produo e adquirir mquinas e equipamentos. Com os emprstimos, as empresas do setor buscavam atender ao crescimento tanto da demanda interna, impulsionada pelas vendas dos veculos flex fuel, quanto da externa. As dificuldades das empresas intensificaram-se, a partir de 2007, em razo dos baixos preos do acar e do lcool no mercado internacional e do crescimento das exportaes em ritmo abaixo do previsto. A crise econmica acelerou processo j em curso de consolidao do setor por meio de reestruturao e fuses de empresas. Grandes companhias estrangeiras, como Bunge, Cargill, Archer Daniels Midland e Louis Dreyfus Commodities, alm de tradings, como as japonesas Mitsui, Itochu e Sozijtz, beneficiaram-se da conjuntura para adquirir novas usinas, sobretudo de pequenos e mdios produtores, ampliando sua presena no

    19 Unio da Indstria de Cana-de-acar (UNICA). Exportaes brasileiras de etanol por pas de destino.

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    introduo

    mercado brasileiro. Segundo dados do Banco Central, o Brasil recebeu, de janeiro de 2007 a junho de 2009, cerca de US$ 3 bilhes em investimentos estrangeiros diretos, que foram aplicados principalmente na aquisio de usinas de etanol20.

    Nos Estados Unidos, a crise econmica interrompeu o boom do etanol do milho, que rendera ao pas, em 2006, o posto de maior produtor mundial de etanol. Graas aos subsdios oficiais, s restries tarifrias importao do etanol brasileiro e influncia do lobby agrcola no Congresso, o setor de biocombustveis havia experimentado anos de expanso acelerada. Em 2005, o Congresso aprovou legislao (EPAct 2005), que fixava metas ambiciosas de produo e consumo de combustveis renovveis: 7,5 bilhes de gales de etanol e biodiesel misturados gasolina, em 2012. Em dezembro de 2007, o Presidente Bush assinou o Energy Independence and Security Act (EISAct), que ampliou as referidas metas: 36 bilhes de gales misturados gasolina em 2022, dos quais 20 bilhes de biocombustveis avanados. Apesar do apoio oficial, o setor enfrentava dificuldades, antes mesmo da crise, decorrentes da elevao dos custos de sua matria-prima, o milho, e da ausncia de infraestrutura adequada para transportar o biocombustvel das zonas rurais para os centros urbanos.

    A eleio de Barack Obama, nesse contexto, foi muito bem recebida. Oriundo de Illinois, estado situado no cinturo do milho, o Senador Barack Obama acenou, durante a campanha presidencial, com apoio s empresas do setor de etanol, ao contrrio de John McCain, que criticou abertamente a poltica oficial de subsdios. Depois de eleito, Barack Obama confirmou o apoio ao desenvolvimento da indstria domstica de biocombustveis e reforou os programas de fomento produo e distribuio de etanol, contemplando, em particular, o etanol celulsico. Foram mantidas, tambm, as barreiras tarifrias s importaes do etanol brasileiro. A influncia do lobby do milho no Congresso criou constrangimentos para o Governo Obama. Em julho de 2009, declaraes do Secretrio de Estado Assistente para o Hemisfrio Ocidental, Thomas Shannon, favorveis eliminao da tarifa do etanol, formuladas durante sua audincia de confirmao no Senado para a Embaixada em Braslia,

    20 Agncia Brasil, Crise econmica acentua concentrao da indstria do etanol, publicado em 30/07/09.

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    despertaram reao negativa do Senador Charles Grassley Republicano de Iowa, outro estado do cinturo do milho, e um dos votos necessrios para aprovao da reforma do sistema de sade, proposta por Obama. A Casa Branca apressou-se a confirmar, por nota imprensa, que a Administrao Obama no tem planos de alterar a cobrana de tarifa sobre a importao de etanol brasileiro. Ainda assim, a nomeao de Thomas Shannon para a Embaixada em Braslia permaneceu bloqueada durante o ano de 2009.

    Passada a fase mais crtica da recesso econmica, o mercado petrolfero voltou sua dinmica habitual, em particular no tocante ao papel dos agentes especuladores21. A desvalorizao do dlar, a manuteno dos juros norte-americanos em nveis baixos e a recuperao do mercado de aes conferiram novamente atratividade aos contratos de commodities. Os preos futuros do barril de petrleo mantiveram-se, a partir de junho, acima do patamar de US$ 70. Sob presso da comunidade internacional, autoridades reguladoras dos Estados Unidos (Commodity Futures Trading Commission CFTC) e do Reino Unido (Financial Services Authority FSA) iniciaram esforos para limitar a influncia dos especuladores sobre os mercados de energia. Nos Estados Unidos, a CFTC tem como alvo no apenas os grandes bancos (Goldman Sachs, Morgan Stanley) e os fundos de penso, de hedge e de doaes, mas tambm as empresas petrolferas (BP, Royal Dutch Shell) e os grandes conglomerados (Cargill, Koch Industries) que negociam commodities ou vendem derivativos financeiros (swaps) para investidores em busca de proteo contra as oscilaes dos preos das commodities22.

    Este trabalho acompanhar a evoluo do relacionamento na rea energtica, desde o incio do Governo do Presidente Luiz Incio Lula da Silva, at os encontros presidenciais de maro de 2007: a visita do Presidente George W. Bush a So Paulo, em 9 de maro, ocasio em que foi lanada a parceria bilateral na rea de biocombustveis; e a visita do Presidente Luiz Incio Lula da Silva a Camp David, em 31 de maro. Com base no exame de documentos oficiais, acordos, processos de negociao e na leitura da bibliografia, o trabalho pretende avaliar de que forma as diretrizes da poltica energtica dos Estados Unidos

    21 Oil 101. Morgan Downey. New York, NY: Wooden Table Press LLC. 2009.22 Valor Econmico, Derivativos so o alvo de reguladores nos EUA, publicado em 10/11/2009.

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    introduo

    determinaram a formulao e o encaminhamento da cooperao com o Brasil. Pretende, ainda, identificar oportunidades e sugerir linhas de ao diplomtica para reforar a interlocuo positiva com o Governo dos Estados Unidos, assim como influenciar os rumos do intercmbio no setor energtico em sentido mais favorvel aos objetivos da poltica externa brasileira.

    O trabalho est estruturado em quatro captulos. O primeiro analisar a conjuntura internacional, buscando descrever o contexto em que se desenvolvem as iniciativas bilaterais na rea energtica, com nfase nos setores de petrleo, gs natural e etanol. O captulo ter quatro subdivises. A primeira examinar as caractersticas da matriz energtica mundial (preponderncia dos combustveis fsseis; concentrao geogrfica da produo e do consumo de energia; participao das fontes renovveis) e a evoluo dos diferentes setores energticos. A segunda subdiviso analisar a indstria petrolfera, relacionando os diversos atores que exercem influncia sobre o mercado internacional: pases produtores e consumidores, empresas integradas de energia, agncias internacionais e a OPEP. Incluir, tambm, retrospectiva histrica sucinta sobre o setor. A terceira subdiviso descrever a evoluo da indstria de gs natural, sua relevncia econmica e os desafios tcnicos para maior expanso global. A quarta subdiviso far breve anlise do setor de biocombustveis, mencionando, entre outros aspectos, o crescimento da produo e consumo de etanol e biodiesel em diferentes regies do mundo e os esforos para a estruturao do mercado internacional de etanol.

    O segundo captulo analisar as caractersticas do setor energtico nos Estados Unidos, buscando detalhar sua influncia sobre o desenvolvimento da economia e ascenso do pas ao status de superpotncia na segunda metade do sculo XX. O captulo ter quatro subdivises. A primeira far descrio da matriz energtica dos Estados Unidos, necessria para avaliar a importncia relativa das diversas fontes de produo, renovveis e no renovveis. A segunda subdiviso discorrer sobre a evoluo histrica do setor de hidrocarbonetos (carvo, petrleo e gs natural), que responde pela maior parte da produo e do consumo de energia nos Estados Unidos; examinar, nesse contexto, a perda da autossuficincia energtica em petrleo e gs. A terceira descrever os ciclos de expanso do setor de etanol, especificando a extensa gama de incentivos, tanto

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    federais quanto estaduais, responsveis, em grande parte, pelo incremento da produo e do consumo de biocombustveis nos Estados Unidos. A quarta subdiviso analisar o problema da dependncia externa do setor energtico, examinando a evoluo do intercmbio comercial nos setores de petrleo, gs natural e biocombustveis.

    O terceiro captulo discorrer sobre a poltica energtica durante a Administrao George W. Bush, a NEP (National Energy Policy), com nfase nos aspectos relacionados segurana energtica e cooperao internacional. O captulo ter quatro subdivises. A primeira examinar a estratgia do Governo dos Estados Unidos, tanto no plano interno quanto na poltica externa, para garantir a segurana energtica. A segunda subdiviso relacionar as diversas instncias, no mbito do Executivo e do Congresso, responsveis pela poltica energtica nacional. Far, tambm, levantamento sucinto dos projetos de cooperao energtica com o Brasil, que envolvem agncias e instituies governamentais, acadmicas e do setor privado dos Estados Unidos. A terceira subdiviso analisar o processo de formulao e execuo da poltica energtica durante o Governo Bush. A quarta subdiviso analisar as recomendaes da NEP (National Energy Policy) sobre segurana energtica e o fortalecimento das alianas globais; examinar, tambm, parcerias dos Estados Unidos nos setores de petrleo e de gs natural.

    O quarto captulo, com trs subdivises, conter o foco do trabalho. Descrever as negociaes do Memorando de Entendimento entre o MME e o DOE para Estabelecimento do Mecanismo de Consultas sobre Cooperao na rea de Energia (2003) e do Memorando de Entendimento entre os Governos do Brasil e dos Estados Unidos para Avanar a Cooperao em Biocombustveis (2007). Na terceira subdiviso, o captulo examinar a atuao do Ministrio das Relaes Exteriores na conduo dos entendimentos bilaterais que resultaram na participao dos Estados Unidos como membro fundador do Frum Internacional de Biocombustveis.

    A concluso contm trs subdivises. Na primeira, argumenta-se que a estratgia dos Estados Unidos para as relaes com o Brasil na rea energtica engloba trs objetivos principais: a liberalizao e a integrao dos mercados energticos regionais e a parceria na rea do desenvolvimento sustentvel. Buscar demonstrar que, durante as negociaes dos Memorandos de Entendimento, os Estados Unidos

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    introduo

    procuraram atender aos trs objetivos citados. Na segunda, discorre-se sobre os limites para a construo de uma parceria energtica com os Estados Unidos. Na terceira, apresenta-se proposta de Plano de Ao com o propsito de fomentar o dilogo e a cooperao energtica com os Estados Unidos. O trabalho dar nfase aos setores de hidrocarbonetos e etanol, tendo em conta sua participao no intercmbio comercial, sua relevncia poltica e estratgica e seu peso especfico nas respectivas matrizes energticas. Por limitao de espao, o trabalho no poder estender-se na anlise de outros setores energticos, como a indstria do carvo, nuclear, solar, elica e hidrulica, ou de temas correlatos como as interconexes entre a cooperao energtica e as polticas de combate mudana do clima.

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    A Caractersticas da matriz energtica mundial

    A anlise dos dados sobre produo e consumo de energia primria no mundo revela, em primeiro lugar, forte preponderncia de carvo, petrleo e gs natural23. Em 2006, os combustveis fsseis responderam por mais de 85% da oferta total de energia primria: petrleo (36%), carvo (27%), gs natural (23%), hidreltricas (6%) e usinas nucleares (6%)24. A preponderncia dos combustveis fsseis ocorre, tambm, com relao produo global de eletricidade, embora com sensvel diminuio da participao do petrleo. Em 2006, as principais fontes utilizadas para gerao de energia eltrica no mundo foram carvo (41%), gs natural (20%), fontes renovveis (19%), usinas nucleares (15%) e petrleo (4,8%)25. De acordo com os dados disponveis, as reservas mundiais de combustveis fsseis carvo, petrleo, gs natural, xisto, betume e leo extrapesado so suficientemente vastas para garantir predominncia na matriz energtica em vrios pases por um longo perodo. O carvo o combustvel fssil mais abundante em escala global,

    23 Vide Grfico 2, Anexo VII.24 Energy Information Administration. International Energy Outlook 2009.25 Idem.

    Captulo IO Cenrio Energtico no Mundo: Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis

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    sendo predominante na matriz energtica da regio da sia e do Pacfico. O gs natural o combustvel mais consumido nos pases da Europa e da Eursia. O petrleo, por sua vez, o combustvel predominante nas demais regies do mundo.

    Apesar das iniciativas em curso, que buscam reduzir emisses de carbono e ampliar a produo de energia renovvel, de maneira a combater o aquecimento global, no h expectativa de reduo, pelo menos no curto e mdio prazos, da participao dos combustveis fsseis na matriz energtica global. No setor de transportes, o crescimento do consumo de combustveis renovveis, como etanol e biodiesel, dificultado pela imposio de barreiras tarifrias e no tarifrias ao comrcio internacional do etanol e por resistncias aos biocombustveis, que tm prejudicado as discusses sobre a conformao de um mercado internacional para o etanol. No setor eltrico, observam-se, da mesma forma, dificuldades para o crescimento das fontes renovveis, como a hidreletricidade e a energia solar e elica. O potencial de produo hidreltrica, por exemplo, j foi amplamente explorado pela maioria das economias industrializadas. O poder de influncia das organizaes ambientalistas junto s agncias de financiamento, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), representam forte obstculo construo de novas usinas hidreltricas nos pases em desenvolvimento. Os custos financeiros elevados e a incerteza associada ao funcionamento das usinas solares e elicas impedem a expanso global das respectivas indstrias. A ausncia de soluo satisfatria para a questo do depsito permanente dos dejetos radioativos, os elevados custos financeiros para a construo de usinas e a presso dos grupos ambientalistas tm restringido a utilizao da energia nuclear, inclusive nos pases da OCDE. Dessa forma, razovel supor que os combustveis fsseis, sobretudo carvo e gs natural, continuaro a manter participao majoritria na gerao de energia eltrica na maioria dos pases.

    A anlise da matriz energtica mundial evidencia, em segundo lugar, a concentrao geogrfica da produo e do consumo de energia. Cinco pases responderam, em 2006, por metade da produo de energia primria (50,3%): Estados Unidos, China, Rssia, Arbia Saudita e Canad. De maneira similar, cinco pases representaram, em 2006, metade do consumo energtico mundial (51,8%): Estados Unidos,

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    o cenrio energtico no mundo: petrleo, gs natural e biocombustveis

    China, Rssia, Japo e ndia26. Observe-se que os trs grandes produtores (Estados Unidos, Rssia e China) lideram, tambm, a relao dos maiores consumidores, o que resulta em maior poder de barganha dos trs pases no cenrio energtico global. O grau de dependncia das importaes reflete-se, por sua vez, na formulao das respectivas polticas energticas. A Rssia principal fornecedora de gs natural para a Unio Europeia e superavitria no setor energtico tem disputado, com os Estados Unidos e empresas petrolferas ocidentais, um jogo de influncia sobre pases da sia Central, ricos em hidrocarbonetos. A China e os Estados Unidos, importadores lquidos de petrleo e gs natural, competem acirradamente pela conquista de novas fontes de fornecimento, inclusive no mercado brasileiro. Pases com maior dependncia do fluxo de importaes, como o Japo, a Alemanha, os Estados Unidos e a China, tendem a enfatizar a diversificao das fontes de fornecimento como forma de garantir maiores nveis de segurana energtica. Pases com excedentes de energia, como a Rssia, o Canad e a Arbia Saudita dispem de maior flexibilidade e margem de manobra no tocante formulao das polticas energticas, seja com o objetivo de projeo de poder, como o caso da Rssia, seja com o intuito de fomentar o desenvolvimento industrial (petroqumica, construo naval) e a elevao dos padres de vida da populao.

    O carvo o combustvel fssil mais abundante, presente em todos os continentes27. Foi o combustvel propulsor da Revoluo Industrial e ainda hoje constitui o sustentculo do crescimento econmico em vrios pases desenvolvidos. O comrcio internacional de carvo no apresenta a mesma magnitude do mercado de petrleo. O carvo tampouco rivaliza com o petrleo ou mesmo com o gs natural em termos de relevncia poltica e estratgica. Atualmente, o recurso ao carvo como fonte de energia enfrenta restries do ponto de vista ambiental em decorrncia da emisso elevada de gases do efeito estufa. Mesmo assim, as agncias internacionais avaliam que haver aumento da participao do carvo na matriz energtica mundial, em razo, entre outros fatores, da ampla disponibilidade do carvo e dos altos preos do petrleo, do gs natural e da energia nuclear. Estima-se que, por volta de 2030, o carvo responder por 28% da oferta total de energia primria (e 43% da produo mundial

    26 Energy Information Administration. World Energy Review: 1996-2006.27 Vide Quadro 2, Anexo VII.

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    de eletricidade), graas ao aumento do consumo em pases como Estados Unidos, China e ndia28.

    Cerca de 80% das reservas provadas de carvo concentram-se na sia, na Europa e na Amrica do Norte. Por motivos ligados viabilidade da explorao econmica do carvo (para uso interno ou exportao), os valores das reservas provadas nos pases da frica e da Amrica do Sul so relativamente baixos. De acordo com a Energy Information Administration (EIA), os principais detentores de carvo so: Estados Unidos, com 263.781 mst (million short tons); Rssia, 173.074 mst; China, 126.215 mst; Austrlia, 84.437 mst; ndia, 62.278 mst; frica do Sul, 52.911 mst; e Ucrnia, 37.339 mst. Dois pases respondem pela maior parte da produo e do consumo: China e Estados Unidos. Em 2008, segundo a EIA, os principais produtores de carvo foram: China, 3.008,6 mst; Estados Unidos 1.171,4 mst; ndia, 564,1 mst; Austrlia, 436,9 mst; Rssia, 355,4 mst; frica do Sul, 270,6 mst; Indonsia, 268,3 mst; e Alemanha, 214,3 mst. Em 2008, os maiores consumidores de carvo foram: China, 2.984,2 mst; Estados Unidos, 1.121,7 mst; ndia, 640,4 mst; Alemanha, 271 mst; Rssia, 263,7 mst; Japo, 212,8 mst; frica do Sul, 206,3 mst; Polnia, 157,6 mst; Austrlia, 157,2 mst; e Coreia do Sul, 108,4 mst29.

    O petrleo a principal fonte de energia utilizada globalmente. O declnio das reservas mundiais de petrleo tem motivado inmeros debates. Uma das teorias mais citadas e criticadas30 o Pico de Hubbert, que deve seu nome ao geofsico estadunidense Marion King Hubbert, funcionrio do laboratrio de pesquisa da Shell em Houston, no Texas, no sculo passado. Em 1956, Hubbert foi convidado a fazer uma apresentao no Instituto Americano do Petrleo, em San Antonio, sobre o futuro da produo petrolfera nos Estados Unidos. Hubbert explicou que o pice da produo no territrio continental dos Estados Unidos (48 estados) ocorreria no prazo de dez a quinze anos. Suas previses no foram valorizadas pelas instituies e empresas norte-americanas. Em 1970, a produo norte-americana atingiu o pico (11,3 milhes de barris dirios) e tem declinado desde ento,

    28 Energy Information Administration. International Energy Outlook 2009. 29 Energy Information Administration. International Energy Statistics.30 The Myth of the Oil Crisis. Overcoming the Challenges of Depletion, Geopolitics, and Global Warming. Robin M. Mills. Westport, Connecticut: Praeger Publishers. 2008.

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    o cenrio energtico no mundo: petrleo, gs natural e biocombustveis

    embora o pas ainda disponha de reservas significativas de petrleo, sobretudo no rtico31.

    De acordo com o modelo de Hubbert, a curva representativa da produo mundial ao longo do tempo teria a forma de um sino (bell curve), simtrica na ascenso e no declnio. Aps o pico, haveria um curto perodo de pequenas redues e logo a seguir uma queda abrupta e sem recuperao. O pico indica, assim, o momento em que a produo mundial de petrleo chegar ao seu pice: a explorao de 50% das reservas existentes. A partir desse ponto, a produo cair continuamente e o preo do petrleo aumentar. Crticos de Hubbert afirmam que a teoria do Pico do Petrleo no considera devidamente os fatores tcnicos, econmicos e polticos que estimulam investimentos em novas tecnologias e a busca por alternativas energticas. Argumentam, por exemplo, que a evoluo contnua da tecnologia de explorao permitir o aproveitamento do petrleo pesado (heavy oil) e das reservas existentes em grandes profundidades, inclusive no alto-mar, e nas regies polares. Haveria, tambm, a possibilidade de recorrer s fontes no convencionais, como os minerais betuminosos (xisto e areias betuminosas).

    Apesar das limitaes tericas do modelo de Hubbert, no h dvida de que a explorao de petrleo convencional enfrenta dificuldades crescentes, o que se reflete na tendncia de alta dos preos. Em fevereiro de 2007, o Government Accountability Office (GAO), agncia subordinada ao Congresso dos Estados Unidos, publicou relatrio intitulado Uncertainty about Future Oil Supply Makes it Important to Develop a Strategy for Addressing a Peak and Decline in Oil Production32. Com base nos estudos geolgicos disponveis, o relatrio sustenta que a produo mundial de petrleo dever atingir o pico em um intervalo de tempo que se estende de 2007 at, no mais tardar, 2040. O exato momento em que ocorrer o pico depende, entretanto, de vrios fatores, entre os quais (1) o volume real dos recursos petrolferos mundiais, (2) a evoluo das tecnologias de explorao e (3) o comportamento da demanda global. O relatrio do GAO sustenta que h dificuldades para determinar com preciso a magnitude dos recursos petrolferos existentes no mundo, pois o potencial geolgico de vrias regies ainda

    31 Beyond Oil The View from Hubberts Peak. Kenneth S. Deffeyes New York, NY: Hill and Wang, 2005.32 Relatrio disponvel no endereo eletrnico http://www.gao.gov/new.items/d07283.pdf

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    no foi pesquisado, nem existe esforo sistemtico de avaliao dos recursos no convencionais (petrleo pesado, minerais betuminosos). Alm disso, h elevado grau de incerteza com respeito viabilidade da explorao de parcela significativa dos recursos petrolferos, tendo em vista os impactos ambientais, os custos econmicos e os investimentos em tecnologia necessrios extrao das reservas, sobretudo do petrleo localizado em grandes profundidades. O economista-chefe da Agncia Internacional de Energia, Fatih Birol, avalia que o pico da produo convencional de petrleo ocorrer em 2020, caso no sejam realizadas novas descobertas petrolferas de grande magnitude33.

    O nvel de produo petrolfera tem declinado, de fato, em alguns pases, como Estados Unidos, Reino Unido, Noruega, Mxico, Venezuela e Indonsia. Em outras partes do mundo (Nigria, Arglia, Ir, Iraque e Rssia), h dificuldades para sustentar o fluxo de produo, por motivos diversos, inclusive de ordem poltica. As atenes da indstria internacional tm-se voltado, nos ltimos anos, para novas reas de explorao no Brasil, no Cazaquisto e em Angola. O ritmo da produo petrolfera mundial depender, entretanto, das decises de investimento a serem tomadas pelos grandes detentores de reservas, em particular os pases-membros da OPEP.

    De acordo com dados da EIA, publicados em 2009, as maiores reservas provadas de petrleo estariam localizadas nos seguintes pases: Arbia Saudita (266,71 bilhes de barris), Canad (178,09 bilhes), Ir (136,15 bilhes), Iraque (115 bilhes), Kuwait (104 bilhes), Venezuela (99,3 bilhes), Emirados rabes Unidos (97,8 bilhes), Rssia (60 bilhes), Lbia (43,6 bilhes), Nigria (36,2 bilhes), Estados Unidos (21,37 bilhes), Qatar (15,2 bilhes), Brasil (12,624 bilhes), Arglia (12,2 bilhes), Mxico (10,5 bilhes), Angola (9 bilhes), Noruega (6,7 bilhes), ndia (5,6 bilhes), Om (5,5 bilhes), Equador (4,6 bilhes), Indonsia (3,99 bilhes), Egito (3,7 bilhes), Reino Unido (3,4 bilhes), Argentina (2,6 bilhes), Sria (2,5 bilhes), Congo-Brazzaville (1,6 bilho), Chade (1,5 bilho), Autrlia (1,5 bilho) e Colmbia (1,3 bilho)34. Ressalte-se que as estimativas sobre volume de reservas petrolferas devem ser utilizadas com cautela, tendo em vista circunstncias como (a) ausncia de controle

    33 The Economist. The IEA puts a date on peak oil production. 10 de dezembro de 2009. http://www.economist.com/businessfinance/displaystory.cfm?story_id=1506571934 Energy Information Administration. International Energy Statistics.

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    o cenrio energtico no mundo: petrleo, gs natural e biocombustveis

    e verificao independente sobre as estatsticas oficiais divulgadas por empresas e governos, (b) insuficincia dos estudos e pesquisas geolgicas sobre o potencial de produo em vrios pases e (c) dificuldade de avaliar o volume das reservas oriundas das fontes no convencionais, como os minerais betuminosos. As estimativas so, de todo modo, teis, em particular para fins de comparao do potencial dos pases produtores.

    Os Estados Unidos ocupam posio de destaque no mercado do petrleo. Mesmo dispondo de base relativamente modesta de reservas domsticas provadas resultado, em grande parte, das restries impostas pela legislao federal explorao petrolfera nas regies costeiras e em reas de proteo ambiental os Estados Unidos so o terceiro maior produtor de petrleo. Segundo dados da EIA, a relao dos maiores produtores mundiais, em 2008, foi a seguinte: Arbia Saudita (10.782 milhes de barris por dia), Rssia (9,789 milhes b/d), Estados Unidos (8,514 milhes b/d), Ir (4,174 milhes b/d), China (3,973 milhes b/d), Canad (3,350 milhes b/d), Mxico (3,185 milhes b/d), Emirados rabes Unidos (3,046 milhes b/d), Kuwait (2,741 milhes b/d), Venezuela (2,642 milhes b/d), Noruega (2,465 milhes b/d), Brasil (2,421 milhes b/d), Iraque (2,385 milhes b/d), Arglia (2,179 milhes b/d), Nigria (2,168 milhes b/d), Angola (2,014 milhes b/d), Lbia (1,875 milhes b/d), Reino Unido (1,583 milho b/d), Cazaquisto (1,429 milho b/d) e Qatar (1,207 milho b/d). Com relao ao consumo de petrleo, a participao dos Estados Unidos no mercado internacional amplamente superior de qualquer outro pas. Segundo dados preliminares da EIA, os maiores consumidores de petrleo, em 2008, foram os seguintes: Estados Unidos (19,498 milhes de barris por dia), China (7,850 milhes b/d), Japo (4,784 milhes b/d), ndia (2,940 milhes b/d), Rssia (2,900 milhes b/d), Alemanha (2,569 milhes b/d), Brasil (2,520 milhes b/d), Arbia Saudita (2,380 milhes b/d), Canad (2,260 milhes b/d), Coreia do Sul (2,174 milhes b/d) e Mxico (2,128 milhes b/d) 35.

    O gs natural tem participao expressiva na matriz energtica mundial (23% da produo, em 2006, segundo a EIA). A Agncia Internacional de Energia estima que as formaes geolgicas da terra abrigam gs em volume suficiente para atender a demanda internacional por dcadas. O combustvel formado, na realidade, por uma mistura de

    35 Energy Information Administration. International Energy Statistics.

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    gases, sobretudo metano, mas tambm nitrognio, CO2, butano e propano. Na maioria das vezes, encontra-se acumulado em rochas porosas no subsolo da Terra, em associao com o petrleo, constituindo depsitos naturais, seja no continente (onshore), seja na plataforma continental (offshore). Quando produzido em jazidas sem petrleo, denominado gs natural no associado, como no caso dos poos da provncia gasfera do Juru, no estado do Amazonas. Pode originar-se, tambm, de fontes como o carvo mineral (hulha), o xisto betuminoso, matria orgnica em decomposio e os hidratos de gs submarino, ainda no explorados comercialmente. A combusto do gs natural tem menor impacto na emisso de gases do efeito estufa em comparao ao petrleo e ao carvo. O consumo do gs apresenta, portanto, vantagens do ponto de vista das polticas de combate ao aquecimento global36.

    Avalia-se que as reservas globais de gs natural alcancem o volume de 6.254 tcf (trillion cubic feet), a maior parte localizada em regies distantes dos centros consumidores. A distribuio geogrfica das reservas de gs natural guarda similaridade com o caso do petrleo, tendo em conta que os dois combustveis ocorrem, frequentemente, de forma associada. O mercado de gs, entretanto, tem configurao predominantemente regional, com preos definidos de acordo com caractersticas locais. Trs pases Rssia, Ir e Qatar so os principais detentores dos recursos (cerca de 57%). A maior parte das reservas provadas encontram-se no Oriente Mdio e na Comunidade dos Estados Independentes (CEI). Segundo dados da EIA, de janeiro de 2009, as maiores reservas de gs natural estariam situadas na Rssia (1.680 tcf; 26,9% do total mundial), Ir (992 tcf; 15,9%), Qatar (892 tcf; 14,3%), Arbia Saudita (258 tcf; 4,1%), Estados Unidos (238 tcf; 3,8%), Emirados rabes Unidos (214 tcf; 3,4%), Nigria (184 tcf; 2,9%), Venezuela (171 tcf; 2,7%), Arglia (159 tcf; 2,5%) e Iraque (112 tcf; 1,8%)37.

    Durante dcadas, o gs natural tem sido queimado na boca do poo. Ainda hoje, o desperdcio de gs elevado nas bacias petrolferas, mas a elevao dos preos do petrleo tem contribudo para incrementar a participao do gs na produo de energia eltrica, no setor industrial e para uso em residncias. A comercializao e distribuio do combustvel, seja por meio de gasodutos, seja na forma de Gs Natural Liquefeito

    36 CTGAS-ER: Centro de Tecnologias do Gs e Energias Renovveis.37 Energy Information Administration. International Energy Statistics.

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    o cenrio energtico no mundo: petrleo, gs natural e biocombustveis

    (GNL) tem crescido em todo o mundo, em razo no apenas dos altos preos do petrleo, mas tambm dos avanos tecnolgicos que permitiram superar obstculos ao transporte do produto. Dois pases ocupam posio predominante no mercado de gs natural: a Rssia, que o maior produtor, segundo maior consumidor e primeiro detentor de reservas provadas e os Estados Unidos, maior consumidor e segundo produtor mundial. A Rssia a principal fornecedora de gs natural para a Europa e espera poder ampliar suas reservas futuramente, graas abertura de novas reas de explorao no rtico. Os Estados Unidos, embora no disponham de volume excepcional de reservas, apresentam elevado potencial para produo de gs por fontes no convencionais e tm investido pesadamente na explorao domstica.

    Os Estados Unidos dependem do fornecimento externo de gs natural; o consumo atendido majoritariamente pela produo domstica e por suprimentos do Canad. Os maiores produtores de gs natural, em 2008, foram Rssia (23,386 tcf), Estados Unidos (20,561 tcf), Canad (6,037 tcf), Ir (4,107 tcf), Noruega (3,503 tcf), Arglia (3,005 tcf), Pases Baixos (2,991 tcf), Arbia Saudita (2, 841 tcf), Qatar (2,719 tcf), China (2,685 tcf), Turcomenisto (2,490 tcf) Indonsia (2,472 tcf), Reino Unido (2,469 tcf), Uzbequisto (2,387 tcf), Malsia (2,024 tcf), Mxico (1,842 tcf), Emirados rabes Unidos (1,774 tcf), Egito (1,706 tcf), Austrlia (1,597 tcf), Argentina (1,556 tcf) e Trinidad e Tobago (1,338 tcf). A relao dos maiores consumidores de gs natural, em 2008, incluiu os seguintes pases: Estados Unidos (23, 208 tcf), Rssia (16,779 tcf), Ir (4,201 tcf), Japo (3,572 tcf), Reino Unido (3,388 tcf), Alemanha (3,383 tcf), Itlia (2,998 tcf), Ucrnia (2,966 tcf), Canad (2,929 tcf), Arbia Saudita (2,841 tcf), China (2,726 tcf) e Emirados rabes Unidos (2,099 tcf)38.

    A produo mundial de petrleo e gs natural origina-se quase exclusivamente do que se convencionou denominar fontes convencionais. A classificao das fontes evolui conforme o avano das tcnicas de explorao. De acordo com terminologia da Agncia Internacional de Energia, as fontes convencionais de petrleo so aquelas cuja explorao possibilitada pelas tecnologias correntes. Atualmente, consideram-se fontes convencionais, por exemplo, os depsitos de petrleo existentes em grandes profundidades martimas. As fontes no convencionais de petrleo so

    38 Energy Information Administration. International Energy Statistics.

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    aquelas exploradas com o uso de tecnologias complexas e caras, tais como o petrleo extrapesado e os minerais betuminosos (xisto e areias betuminosas). A produo petrolfera das fontes no convencionais representa, portanto, parcela reduzida do total da indstria, uma vez que poucos pases dispem dos recursos financeiros e tecnolgicos necessrios a esse tipo de atividade.

    Com a elevao dos preos do petrleo, renovou-se o interesse na explorao das fontes no convencionais. O Canad, por exemplo, dispe de cerca de dois teros das reservas conhecidas de betume, na provncia de Alberta. Em 2005, produziu 1,6 milho de barris dirios de petrleo oriundo de areias betuminosas (tar sands). Outros pases, como Rssia e Cazaquisto, tm vastas reservas de betume, mas ainda no iniciaram a explorao comercial. O petrleo extrapesado ocorre em vrias regies do mundo. A regio de maior potencial para produo em larga escala a da Bacia do Rio Orinoco, na Venezuela. Poucos pases exploram comercialmente o xisto betuminoso (oil shale). Os custos elevados da minerao e do processamento do xisto inviabilizaram, durante dcadas, o desenvolvimento do setor. Os altos preos do petrleo possibilitam a extrao do xisto betuminoso com maior margem de lucro, o que abre boas perspectivas para a indstria em pases como Estados Unidos, Austrlia, Rssia, Jordnia e Marrocos. Os Estados Unidos, em particular, contam com reserva extraordinria de leo de xisto (equivalente a 800 bilhes de barris de petrleo, segundo dados da EIA) nos Estados de Utah, Colorado e Wyoming. Uma vez superados os obstculos de natureza tcnica, financeira e ambiental para a explorao de tais reservas, a produo das fontes no convencionais poder ter impacto significativo sobre os mercados e a oferta global de petrleo.

    A energia nuclear , tambm, componente expressivo da matriz energtica mundial, embora sua utilizao em larga escala seja limitada a grupo restrito de pases. Segundo dados da EIA, a capacidade nuclear para fins de gerao de eletricidade, no ano de 2006, estava concentrada em seis pases: Estados Unidos (30%), Frana (16%), Japo (11%), Alemanha (6%), Rssia (5%) e Coreia do Sul (5%). Registre-se que a Frana o pas com mais elevada dependncia das centrais nucleares para gerao eltrica: 79% da produo total de eletricidade, em comparao com o Japo (28%), a Alemanha (27%), o Reino Unido (19%) e os Estados Unidos (19%)39.

    39 EIA. Energy Explained. Nuclear Statistics.World.

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    o cenrio energtico no mundo: petrleo, gs natural e biocombustveis

    Em 2006, a energia nuclear respondeu por 15% da produo global de eletricidade40. Com o acirramento da disputa por recursos energticos, alguns pases tm considerado, nos ltimos anos, ampliar o uso dos combustveis nucleares (urnio e plutnio) para produo de eletricidade. A energia nuclear vista como soluo de longo prazo para evitar estrangulamentos no setor eltrico e reduzir a dependncia dos combustveis fsseis. Apesar dos altos custos, estima-se que as usinas nucleares podero ganhar competitividade em relao s usinas que utilizam petrleo, gs e carvo, com a vantagem adicional de reduzir as emisses de carbono. Os investimentos em energia nuclear concentram-se, atualmente, na sia (China, ndia, Rssia e Coreia do Sul), mas pases europeus (Finlndia, Frana e Polnia) e americanos (Estados Unidos e Brasil) consideram tambm construir novas usinas. As reservas conhecidas de urnio so suficientes para atender a demanda, mas haveria, segundo os especialistas, necessidade de incrementar a capacidade de produo no longo prazo, para compensar a reduo da oferta comercial de plutnio (combustvel gerado pelas prprias usinas nucleares). Recorde-se que, nos anos 90, em funo dos esforos de desarmamento nuclear, uma parcela do plutnio utilizado para fins militares foi redirecionada para o mercado comercial, arrefecendo a demanda por minrio de urnio. No h consenso, porm, sobre o futuro da indstria, uma vez que permanecem sem soluo satisfatria os problemas relacionados segurana dos reatores, ao armazenamento de resduos e desmobilizao das usinas 41.

    As fontes renovveis de energia da biomassa, hidrulica, solar, elica e geotrmica respondem por parcela significativa da oferta total de energia primria (TPES) no mundo: cerca de 13%, em 200642. Fatores ambientais (mudana do clima e poluio) e econmicos (altos preos dos combustveis fsseis) sugerem que haver crescimento contnuo da produo de energia renovvel nas prximas dcadas. O aumento da participao das fontes renovveis na matriz energtica depender, entretanto, de fatores diversos, como as caractersticas de cada pas, o nvel de desenvolvimento tecnolgico e a disponibilidade de recursos financeiros. Na maioria dos pases, as novas tecnologias para produo de

    40 Energy Information Administration. International Energy Outlook 2009.41 EIA. Nuclear Explained. Use of Nuclear Power.42 Agncia Internacional de Energia.

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    energia renovvel ainda esto em fase de maturao ou so empregadas em escala limitada. H, tambm, desafios especficos para cada tipo de indstria. No caso da energia solar, os custos de produo permanecem elevados. O aproveitamento da energia elica considerada fonte muito intermitente exigir adaptao dos sistemas de transmisso de eletricidade. A energia geotrmica est disponvel em regies restritas da superfcie terrestre, associada a determinadas formaes geolgicas. No caso da energia hidrulica, que a principal fonte renovvel para produo de eletricidade, estima-se que um tero do potencial hidrulico global tenha sido explorado. Na Europa e na Amrica do Norte, os principais projetos j foram desenvolvidos. Na sia, na Amrica do Sul e na frica, o aproveitamento do potencial hidrulico enfrenta dificuldades em decorrncia dos impactos ambientais e do longo prazo de retorno dos investimentos. A evoluo do setor de biocombustveis, por sua vez, depender de uma srie de fatores: avanos da pesquisa em biotecnologia; estabelecimento de um mercado internacional para o etanol; apoio poltico e econmico dos Governos, sobretudo na fase inicial de desenvolvimento da indstria; manuteno do fluxo de investimentos privados; aumento do nmero de pases produtores e consumidores; e respostas adequadas s preocupaes de ordem ambiental e de segurana alimentar relacionadas produo de biocombustveis.

    Estima-se que a produo comercial em larga escala do etanol celulsico, prevista para os prximos anos, proporcionar nova fase de expanso dos biocombustveis no mundo.

    B A indstria petrolfera

    Mais do que qualquer outra fonte de energia, o petrleo esteve vinculado aos principais eventos que condicionaram a evoluo do sistema internacional e o surgimento da economia globalizada. No sculo XIX, um grupo restrito de grandes companhias (Standard Oil, Royal Dutch e Shell), com acesso privilegiado s regies produtoras do Oriente Mdio, da sia e dos Estados Unidos, impulsionou a fase inicial de expanso da indstria petrolfera. Nos Estados Unidos, a explorao comercial do petrleo teve, como marco original, a descoberta, em 1859, do poo Drake, na Pensilvnia. Na poca, a produo, o transporte e a comercializao de petrleo e derivados eram feitos por pequenas

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    o cenrio energtico no mundo: petrleo, gs natural e biocombustveis

    companhias independentes, que operavam no plano regional. Em 1868, John D. Rockefeller deu incio construo de seu imprio, criando a Standard Oil Company of Pennsylvania. Rockefeller, desde cedo, percebeu que o xito dos seus negcios dependia no apenas da quantidade de leo extrado dos poos, mas tambm da aquisio de refinarias e do controle sobre o transporte e a comercializao dos produtos derivados. Empenhou-se, dessa forma, em negociar acordos preferenciais com as ferrovias e, mais tarde, adquiriu oleodutos. Dez anos depois do incio de suas atividades, a Standard Oil chegou a controlar cerca de 95% da capacidade de refino nos Estados Unidos. Com os lucros auferidos, Rockefeller passou a adquirir participaes em outras empresas petrolferas, expandindo suas atividades por todo o territrio estadunidense43.

    A trajetria ascendente da Standard Oil foi interrompida no incio do sculo XX. O perfil da empresa e os mtodos de Rockefeller despertaram a ateno do poder pblico e a hostilidade dos grupos consumidores, que reclamavam a aplicao da legislao antitruste. Rockefeller recorria, sempre que possvel, aos seus contatos nos meios polticos e sua equipe de advogados para manter a integridade da empresa. Em 1911, porm, deciso da Corte Suprema dos Estados Unidos desmembrou a Standard Oil em vrias firmas independentes, entre elas trs companhias que integrariam o grupo das Sete Irms: Standard Oil of New Jersey (ou Eastern States Standard Oil-ESSO/EXXON), Standard Oil of New York SOCONY (posteriormente renomeada MOBIL) e Standard Oil of California SOCAL (mais tarde CHEVRON). Durante boa parte do sculo XX, a indstria do petrleo esteve sob controle de um cartel de empresas norte-americanas e europeias (as Sete Irms), que inclua, alm das trs mencionadas, a anglo-holandesa Royal Dutch-Shell, a britnica Anglo-Persian Oil Company e as norte-americanas Gulf Oil e Texaco44.

    A Gulf Oil e a Texaco foram criadas aps as descobertas de petrleo no oeste dos Estados Unidos. Em 1901, um grupo de investidores, entre os quais o Banco Mellon, da Pensilvnia, promoveu a instalao de uma

    43 The Prize. The Epic Quest for Oil, Money and Power. D.Yergin, New York, NY: Free Press/Simon & Schuster, 2003.44 The Age of Oil: the Mythology, History and Future of the Worlds Most ControversialRresource. Leonardo Maugeri. Westport, CT: Praeger Publishers, 2006.

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    refinaria em Port Arthur, no litoral do Texas, para processar o petrleo extrado do campo de Spindletop. No ano de sua descoberta (1901), o poo de Spindletop produzia cerca de 100.000 barris dirios. Em 1904, porm, sua produo j havia declinado para 10.000 barris dirios. Novas descobertas foram feitas em Oklahoma, o que possibilitou a continuidade do boom do petrleo. Em 1907, diversas firmas uniram-se para formar a Gulf Oil Corporation, que posteriormente expandiu suas operaes para os seguintes pases: Mxico, Venezuela, Kuwait, Angola e Cuba 45.

    Criada em 1901 por um grupo de empresrios da Pensilvnia e de Nova York, a Texas Fuel Company Texaco beneficiou-se tambm da riqueza gerada em Spindletop. Em 1904, j tinha escritrios de venda em grande parte dos Estados Unidos e competia diretamente com a Standard Oil. Em 1928, tornou-se a primeira companhia a comercializar gasolina em todos os 48 estados, utilizando uma marca nica. Em 1936, a Texaco, em joint venture com a Standard Oil of California, criou a California Texas Oil Company CALTEX para disputar mercados no Oriente Mdio, frica, Austrlia e Nova Zelndia46.

    Na Europa, no final do sculo XIX, duas grandes companhias petrolferas dominavam o mercado: a Royal Dutch, fundada por Henri Deterding (o Napoleo do leo), que recebeu do Rei Willem III, em 1890, concesso para a explorao de petrleo nas ndias holandesas e a Shell, empresa britnica, fundada em 1897 por Marcus Samuel, que, em parceria com a famlia Rothschild, comercializava petrleo na sia. As duas empresas uniram-se, em 1907, para melhor enfrentar a concorrncia internacional. Antes do surgimento da Royal Dutch-Shell, a Shell havia assinado, no incio do sculo XX, contrato com a Gulf Oil, uma das Sete Irms norte- -americanas, que operava o poo Spindletop, no Texas. A inteno da Shell era adquirir metade da produo da Gulf Oil e revend-la na Europa. A crescente concorrncia da Standard Oil no mercado internacional, assim como o declnio da produo de Spindletop, frustraram os planos da Shell e motivaram sua deciso de unir-se Royal Dutch, em 1907.

    A explorao dos recursos petrolferos do Oriente Mdio iniciou-se, em larga escala, a partir de 1909, com a criao da Anglo-Persian Oil Company (APOC), precursora da atual British Petroleum (BP). Em 1901, o ingls William DArcy

    45 Business Builders in Oil. Nathan Aaseng. Minneapolis, MN: The Oliver Press, inc. 2000.46 The Big Rich: The Rise and Fall of the Greatest Texas Oil Fortunes. Bryan Burrough. New York, NY: Penguin Press HC. 2009.

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    o cenrio energtico no mundo: petrleo, gs natural e biocombustveis

    obteve do X da Prsia, Mozzafar al-Din, uma concesso vlida por sessenta anos para explorao e produo de petrleo no territrio persa. Apesar das dificuldades iniciais, que quase o levaram bancarrota, em decorrncia dos altos custos de explorao, o esforo de DArcy foi recompensado pela descoberta de vasta bacia petrolfera na regio de Masjed Soleyman, no sudoeste da Prsia. DArcy vendeu sua participao acionria na empresa Burmah Oil Company, sediada na Esccia, que criou a APOC como subsidiria. Em 1913, Winston Churchill adquiriu metade das aes da APOC como forma de assegurar a participao do Governo britnico em parcela significativa das concesses de petrleo no Oriente Mdio e tambm para garantir o abastecimento dos navios de guerra do Imprio. A APOC passou a chamar-se Anglo-Iranian Oil Company (AIOC), em 1935, e British Petroleum, em 1954. A BP operou no Ir at a Revoluo Islmica, em 197947.

    As Sete Irms (Exxon, Mobil, Chevron, Texaco, Gulf Oil, British Petroleum e Royal Dutch/Shell) exerceram hegemonia sobre a indstria petrolfera internacional durante boa parte do sculo XX, mas enfrentaram resistncias. O cartel das grandes empresas ocidentais foi, desde cedo, contestado pelos pases produtores, que reconheceram a importncia do petrleo como fator de crescimento econmico e industrial e como fonte de renda fiscal. O domnio empresarial cederia lugar afirmao da soberania nacional sobre os recursos petrolferos. Vrios pases criaram empresas nacionais de petrleo, que assumiriam o controle da indstria petrolfera. A Argentina estabeleceu a primeira companhia nacional de petrleo da Amrica Latina, a Yacimientos Petrolferos Fiscales (YPF), em 1922. Durante dcadas, a YPF atuou como a principal empresa petrolfera no mercado argentino, servindo como referncia para a criao de entidades similares, como a Administracin Nacional de Combustibles, Alcohol y Portland (ANCAP), no Uruguai, em 1931, e a Yacimientos Petrolferos Fiscales Bolivianos, em 193648. No Mxico, em 1938, o Presidente Lzaro Crdenas expropriou bens de dezessete companhias estrangeiras, que se recusavam a acatar deciso do Tribunal Supremo sobre aumento de salrios; criou, em seguida, a Petrleos

    47 The History of the British Petroleum Company. James Bamberg. The Edinburgh Building, Cambridge. Cambridge University Press, 2000.48 Oil and Politics in Latin America. Nationalist Movements and State Companies. George Philip. The Edinburgh Building, Cambridge: Cambridge University Press, 1982.

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    Mexicanos - PEMEX, que detm at hoje o monoplio da explorao de petrleo no pas49.

    No Ir, a indstria petrolfera foi nacionalizada por breve perodo, nos anos 1951-53, tendo sido criada a National Iranian Oil Company (NIOC); a partir de 1979, com a revoluo islmica, a NIOC foi vinculada ao Ministrio do Petrleo e as joint-ventures com empresas estrangeiras, canceladas. A Arbia Saudita optou pela estratgia de negociao para retomar o controle sobre a indstria. Nos anos 50, pressionou por maior participao nos lucros das empresas e, nos anos 70, adquiriu aes da Arabian American Oil Company (ARAMCO), que se tornou empresa inteiramente nacional em 1980. A Venezuela experimentou processo similar: em 1943, o Congresso aprovou a Lei de Hidrocarbonetos, elevando o valor dos royalties pagos pelas empresas estrangeiras e, em 1975, o pas nacionalizou sua indstria, com a criao da Petrleos de Venezuela S.A. (PDVSA). O Brasil, embora sem ocupar posio de destaque no grupo dos pases produtores, tambm nacionalizou a indstria nos anos 50. A Petrobras, criada em 1954, deteve o monoplio da explorao, produo, refino e comrcio do petrleo at a aprovao da Emenda Constitucional 09/1995.

    O controle dos Governos sobre a produo e o comrcio dos recursos petrolferos ampliou-se nos anos 70. A organizao e a influncia crescente dos pases exportadores de petrleo, reunidos na OPEP desde 1960, culminou, em 1973-74, com o primeiro choque do petrleo. Em retaliao ao apoio estadunidense a Israel, durante a IV Guerra rabe-israelense, a OPEP reduziu a produo e organizou embargo, a partir de outubro de 1973, contra os Estados Unidos e a Holanda. O preo do barril de petrleo triplicou em poucos meses, provocando grave crise econmica mundial. A partir da crise de 1973, os temas energticos passaram a figurar com maior destaque no contexto internacional. A reao dos pases industrializados veio com a criao, em 1974, da Agncia Internacional de Energia (AIE), rgo vinculado OCDE, cujos membros decidiram manter estoques de petrleo e promover consultas regulares com vistas a garantir reao coordenada na eventualidade de novas crises energticas. A maioria dos pases consumidores adotou medidas para reduzir a dependncia

    49 Histria da Amrica Latina. De 1870 a 1930. Volume 5. Leslie Bethell. So Paulo, SP: Editora da USP, 2008.

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    o cenrio energtico no mundo: petrleo, gs natural e biocombustveis

    do petrleo importado, seja estimulando a produo domstica, seja promovendo a conservao, a eficincia energtica e fontes alternativas, como o lcool, o carvo e a energia nuclear. No Brasil, por exemplo, o Governo Geisel instituiu o Programa Nacional do lcool (Prolcool) e iniciou cooperao nuclear com a Alemanha Ocidental, que previa a construo de usinas para gerao de energia eltrica.

    Por ocasio do segundo choque, em 1979, precipitado pela revoluo islmica no Ir, o preo do barril de petrleo elevou-se a patamar at ento nunca alcanado: US$ 38, em dezembro de 1979 (ou US$ 106,8 valor atualizado para junho de 2009). A reao do Ocidente permitiu reduzir os preos do petrleo nas duas dcadas seguintes. Alm de investir em energia nuclear e renovvel (elica, solar, geotermal e biocombustveis) e no desenvolvimento de tecnologias que possibilitaram a explorao de petrleo e gs natural em guas profundas, os pases da OCDE buscaram estimular a produo em regies no submetidas influncia da OPEP, como o Golfo do Mxico, o Mar do Norte, o Canad, o Alasca, a Sibria, a frica Ocidental e o Mar Cspio. Embora raramente utilizados, os estoques de petrleo dos pases da OCDE atuaram como fator de estabilizao do mercado. Em janeiro de 1991, por exemplo, s vsperas da Guerra do Golfo, o preo do barril do petrleo elevou-se a cerca de US$ 40, patamar superior quele verificado aps a invaso do Kuwait pelo Iraque (US$ 36, em setembro de 1990). Em coordenao com o Japo e pases europeus, os Estados Unidos anunciaram venda de petrleo dos estoques estratgicos, o que provocou queda abrupta dos preos50.

    O acirramento da disputa entre as empresas nacionais e as grandes companhias ocidentais provocou uma onda de fuses e aquisies na indstria petrolfera. Em 1975, a Gulf Oil decidiu suspender as atividades nos pases em desenvolvimento para concentrar-se na explorao de campos no Reino Unido e na Amrica do Norte. Em 1984, a Standard Oil of Califrnia (SOCAL) trocou o nome para Chevron e uniu-se Gulf Oil. Em 1998, a British Petroleum que j havia adquirido a Standard Oil of Ohio nos anos 80 uniu-se Amoco (antiga Standard