A Adaptação de Obra Clássica Para Uma Microssérie de Tv
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Coordenadoria de Publicidade e Propaganda
LUCIANA DA SILVEIRA CANIZELLA
A ADAPTAO DE OBRA CLSSICA PARA UMA MICROSSRIE DE TV:
UMA ANLISE SEMITICA DE CAPITU, DIRIGIDA POR LUIZ FERNANDO
CARVALHO DE ALMEIDA.
Assis
2011
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Coordenadoria de Publicidade e Propaganda
LUCIANA DA SILVEIRA CANIZELLA
A ADAPTAO DE OBRA CLSSICA PARA UMA MICROSSRIE DE TV:
UMA ANLISE SEMITICA DE CAPITU, DIRIGIDA POR LUIZ FERNANDO
CARVALHO DE ALMEIDA.
Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Comunicao Social com Habilitao em Publicidade e Propaganda do Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis IMESA e Fundao Educacional do Municpio de Assis FEMA, como requisito parcial obteno de Certificado de Concluso. Orientanda: Luciana da Silveira Canizella Orientadora: Prof Dr Eliane A. Galvo Ribeiro Ferreira. Linha de Pesquisa: Cincias Sociais e Aplicadas.
Assis
2011
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Dedicatria
Aos meus pais, Ronaldo e Nildete, meus heris, que me proporcionaram uma
formao acadmica de qualidade e com muito amor e apoio, acreditaram e
investiram em minha vida. Eles so minha alma e meu corao!
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Agradecimentos
Este trabalho de concluso de curso no seria possvel sem a colaborao e
ajuda de vrias pessoas, portanto, em um primeiro momento, agradeo a meus
pais, Ronaldo e Nildete, que sempre estiveram do meu lado apoiando-me e
incentivando-me, alm de fazerem de tudo para que eu conclusse minha
graduao da forma mais brilhante possvel. Eles so meus grandes mestres!
No posso deixar de reconhecer a participao direta e indireta que, para tal
realizao recebi, dos meus colegas de classe, que por muitas vezes tambm
foram meus professores, alm dos amigos que a vida me trouxe ao longo dos
anos.
s amigas Anelisa Succi, Las Brancalho, Nathalia Alves e Heloisa Bueno,
pela parceria ao longo desse percurso, pela compreenso, pelos conselhos,
pelos ensinamentos, pelas gargalhadas, viagens inesquecveis, e at pelos
desentendimentos que tambm so uma forma de aprendizado.
Gostaria de citar em especial a professora Alcioni Galdino, grande amiga e
uma pessoa extremamente sbia, possuidora de uma doura fantstica,
bondade, muito amor e dedicao no que faz. E tudo isso se encaixa na bela
voz que tem. Sempre brincaram que ela era minha me e eu sua filha. Nunca
vou me esquecer disso.
E com imensa gratido que destaco o nome da professora mestra e
orientadora Eliane Galvo, pela sabedoria, apoio, incentivo, amizade, pacincia
e constante dedicao demonstrada no s no desenvolvimento deste
trabalho, mas durante todo o perodo de faculdade. uma professora mgica,
um ser humano apaixonante!
Nenhum de ns to esperto quanto todos ns juntos
(Ken Blanchard, Don Carew e Eunice Parisi-Carew)
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A vindes outra vez, inquietas sombras...
Machado de Assis (In: Dom Casmurro)
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Resumo
O presente Trabalho de Concluso de Curso tem por objetivo analisar a
microssrie Capitu, produzida pela Rede Globo de Televiso, e dirigida por Luiz
Fernando Carvalho de Almeida, em dezembro de 2008. A microssrie uma
adaptao da obra literria Dom Casmurro, de Machado de Assis.
Nesta anlise, parte-se do pressuposto de que a adaptao de uma obra
literria quando resulta em trabalho artstico para a TV cria um espao diferente
dentro de uma emissora pertencente TV aberta, cujos variados programas se
destinam s grandes massas, como o caso da Rede Globo.
Mais especificamente, pretende-se neste trabalho refletir sobre o processo da
adaptao televisiva a partir de uma obra literria e o dilogo que se instaura
entre as duas obras, sendo que, na linguagem audiovisual, a publicidade e a
semitica entram em cena como comunicaes capazes de provocarem
emoes nos indivduos e impulsionar seus desejos latentes.
Palavras-chave: Publicidade; Propaganda; Adaptao; Semitica; Rede
Globo.
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ABSTRACT
This work has as objective to analyze the microseries Capitu, produced by
Globo Television Network and directed by Luiz Fernando Carvalho de Almeida
in December 2008. The microseries is an adaptation of the literary Dom
Casmurro, Machado de Assis.
In this analysis, we start from the assumption that the adaptation of a literary
work of art when it results in the TV creates a different space within a station
belonging to the broadcast television, whose varied program intended to the
masses, as is the case Rede Globo.
More specifically, this paper aims to reflect the process of the television
adaptation from a literary work and the dialogue established between the two
works, and in the audiovisual language, semiotics and advertising comes into
play as communication can trigger emotions in individuals and boost your latent
desires.
Keywords: Advertising; Adaptation; Semiotics; Rede Globo
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SUMRIO
Introduo ................................................................................................................ 09
Captulo I A Semitica nas obras de arte
1. A Semitica e sua relao com a cultura ...................................................... 14
1.1 A Semitica no marketing e na publicidade .................................................. 16
1.2 A linguagem dos signos e o dilogo entre duas obras distintas ................... 19
Captulo II Um olhar mercadolgico diferenciado
1. Sntese histrica da Rede Globo .................................................................. 27
1.1 Indstria Cultural: uma introduo ................................................................ 29
1.1.1 Alienao/Revelao pelo processo de significao ............................................... 34
1.1.2 Indstria Cultural no Brasil ..................................................................................... 40
1.2 A televiso e sua funo democratizante ..................................................... 42
1.3 Capitu ........................................................................................................... 51
Captulo III O romance em questo
1. Casmurrice no enredo .................................................................................. 57
1.1 Machado de Assis ........................................................................................ 59
1.2 Luiz Fernando Carvalho de Almeida ............................................................. 63
1.3 O modo de preparo de uma adaptao ........................................................ 65
1.3.1 A personagem e a narrativa ................................................................................... 65
1.3.2 Anlise do filme ..................................................................................................... 68
1.3.3 Elementos gerais: a tarefa do Roteirista ................................................................. 69
1.3.4 Palco X Tela .......................................................................................................... 69
1.3.5 Adaptao ............................................................................................................. 70
1.3.6 Princpios bsicos da roteirizao .......................................................................... 72
1.3.7 A diviso em trs atos ............................................................................................ 74
1.3.8 O universo da histria ............................................................................................ 75
1.3.9 Protagonista, antagonista e conflito ........................................................................ 77
1.3.10 Externar o que interno ......................................................................................... 78
1.3.11 O poder da incerteza.............................................................................................. 79
1.3.12 O tempo ................................................................................................................. 80
1.4 Quadros de Capitu e a semitica .................................................................. 80
Consideraes finais ............................................................................................ 89
Bibliografia ........................................................................................................... 91
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Introduo
O presente trabalho prope-se analisar a adaptao televisiva da microssrie
Capitu, dirigida por Luis Fernando Carvalho de Almeida, em 2008. A
microssrie, composta por cinco captulos, uma adaptao do livro Dom
Casmurro, de Machado de Assis. A srie gira em torno da personagem Capitu,
embora o narrador seja Bentinho e o seu discurso esteja em primeira pessoa.
Procura-se entender, neste texto, a adaptao como um processo que envolve
opes de interpretao e esttica pessoais do diretor relacionadas com
determinadas tendncias dominantes na atual linguagem audiovisual. Para
Andrade, Reimo e Carvalho (2007, p.118), existem vrios graus de adaptao
de uma obra literria para um meio audiovisual. A mais comum a adaptao
propriamente dita; o basear-se em e o inspirar-se em; e o vago a partir de.
Robert Stam (apud JOHNSON, 2003, p.44) afirma que a adaptao uma
forma de dialogismo intertextual, e o papel da publicidade, que se utiliza da
intertextualidade, reside, justamente, em comunicar com maior eficcia e
agregar valor quilo que se vende, conferindo ao produto as qualidades de
status, arte e cultura, prprias do objeto crtico que se retoma pela dialogia.
Pode-se deduzir ento que
[...] todo fenmeno de cultura s funciona culturalmente porque
tambm um fenmeno de comunicao, e considerando-se que
esses fenmenos s comunicam porque se estruturam como
linguagem, pode-se concluir que todo e qualquer fato cultural, toda e
qualquer atividade ou prtica social constituem-se como prticas
significantes, isto , prticas de produo de linguagem e de sentido
(SANTAELLA, 2008, p.12).
Pretende-se observar que a adaptao de uma obra literria quando resulta em
trabalho artstico para a TV cria um espao diferente dentro de uma emissora
pertencente TV aberta, cujos variados programas se destinam s grandes
massas, como o caso da Rede Globo.
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Conforme Morin (1977), romances da alta cultura, s vezes, podem ser
vulgarizados na adaptao, pois a linguagem voltada para o grande pblico
simplificada, sofrendo metamorfoses. Tais processos resultam da [...]
esquematizao da intriga, reduo do nmero de personagens, reduo dos
caracteres a uma psicologia clara, eliminao do que poderia ser dificilmente
inteligvel para a massa dos espectadores (MORIN, 1977, p.54).
Para Antonio Candido:
Uma obra uma realidade autnoma, cujo valor est na frmula que
obteve para plasmar elementos no-literrios: impresses, paixes,
ideias, fatos, acontecimentos, que so a matria-prima do ato criador.
A sua importncia quase nunca devida circunstncia de exprimir
um aspecto da realidade, social ou individual, mas maneira por que
o faz (CANDIDO, 1981, p.34).
Desse modo, justifica-se que, neste trabalho, busque-se observar justamente
esse modo de fazer.
Em nossa sociedade globalizada, o livro no objeto eleito e preferido pelos
consumidores. O cinema e a televiso, ao resgatar uma histria, s vezes,
esquecida cumpre tambm um papel social, contendo elementos atraentes
para o pblico-leitor a que se destina (PIRES, 2008). Sendo assim, a
microssrie Capitu no uma simples adaptao de Dom Casmurro, mas um
dilogo com a obra original, uma releitura intrigante, na qual a histria
centrada nesta figura enigmtica e cheia de sombras.
Hoje, com o acesso informao cada vez mais acelerado e em curto espao
de tempo, comum que o livro, o marketing, a internet, a televiso e o cinema
caminhem juntos. Em nossa sociedade, h jovens com ideologias e
concepes diversificadas que no se satisfazem mais com heris e
comportamentos manifestos apenas por meio de um veculo de comunicao.
Esse pblico anseia pela multiplicidade de manifestaes culturais: livro,
cinema, roupas, msicas etc. Todavia, vale destacar que o pblico consumidor
de manifestaes culturais financeiramente privilegiado. H classes sociais
no Brasil que jamais tm acesso alta cultura.
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Diante dessa realidade, pode-se deduzir que o cinema tem contribuies
importantes a oferecer, pois, por meio da apresentao de uma obra artstica
adaptada, assegura a democratizao da cultura.
Neste trabalho, construmos a hiptese de que uma produo audiovisual,
mesmo que tenha uma estrutura de marketing e um planejamento de mdia
voltado venda, estando assim inserido dentro da produo de massa
habitual, talvez contenha elementos novos e enriquecedores, sendo assim
vantajoso que seja produzido e consumido em massa, e impulsione a
comercializao e o consumo do produto original.
Levantamos tambm a hiptese de no ser vantajosa para a sociedade
qualquer forma de arte se manter marginalizada e desconhecida apenas por
ser um produto no muito consumido pela populao, sendo assim positivo que
haja adaptaes para a disseminao da obra, e que seja possvel mont-las
sem que se tenha perda cultural.
Em sua estruturao, este trabalho composto por trs captulos. No primeiro,
apresento uma reflexo semitica em relao s obras de arte em geral e na
publicidade e no marketing. Em segundo plano, reflito sobre a linguagem
semitica nas duas obras sob anlise, a literria e a audiovisual, buscando-se
compreender, sobretudo, a produo de sentido a partir de certa construo do
olhar, da focalizao, na montagem cinematogrfica.
O segundo captulo trata de indstria cultural e da proposta mercadolgica da
emissora que efetivou a microssrie, no caso, a Rede Globo.
O terceiro captulo trata de teoria e prtica do roteiro. Pretende-se analisar as
caractersticas gerais, os elementos da narrativa, o desenvolvimento e a
estruturao da trama, a imagem cinematogrfica, as mensagens que o diretor
quer transmitir para o pblico, a trilha sonora, entre outros aspectos. Alm
disso, tambm ser feita novamente uma reflexo semitica utilizando alguns
quadros da microssrie.
Para tanto, analisamos a microssrie de Luiz Fernando Carvalho de Almeida,
comparando-a com a obra de Machado. Nessa comparao, visamos
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desvendar se a adaptao resultou em um produto com qualidades estticas
ou se apenas mais uma produo de mercado.
O terceiro captulo apresentar dados sobre o trabalho prtico, ou seja, o vdeo
documentrio que ser produzido, em palavras.
Todos os captulos se completam e constituem um todo que culmina na
concluso. Ao trmino do trabalho, apresento os anexos e a bibliografia. Posta
ao final, ela evita a recorrncia contnua a notas de rodap.
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A Semitica nas Obras de Arte
Fonte: CARVALHO, 2008 (Primeiro Captulo).
CAPTULO I
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1. A semitica e sua relao com a cultura
O homem o animal que vive entre dois
grandes brinquedos o Amor onde ganha, a
Morte onde perde. Por isso, inventou as artes
plsticas, a poesia, a dana, a msica, o teatro,
o circo e, enfim, o cinema.
Oswald de Andrade (apud
SANTAELLA, 1997, p.89)
A conscincia de linguagem em sentido amplo gerou a necessidade do
aparecimento de uma cincia capaz de criar dispositivos de indagao e
instrumentos metodolgicos aptos a desvendar o universo multiforme e
diversificado dos fenmenos de linguagem, surgindo assim, a Semitica, que
considerada a mais jovem cincia a despontar no horizonte das chamadas
cincias humanas. De acordo com Lcia Santaella, a Semitica peirceana,
concebida como Lgica, no se confunde com uma cincia aplicada. O esforo
de Charles Sanders Peirce (1839 1914), que era antes de tudo um cientista,
foi o de configurar conceitos sgnicos to gerais que pudessem servir de
alicerce qualquer cincia aplicada, e assim, como teoria cientfica, a
Semitica de Peirce criou conceitos e dispositivos de indagao que nos
permitem descrever, analisar e interpretar linguagens (SANTAELLA, 2008,
p.55-70).
Assim, para a semitica interessa:
o estudo da produo de sentido e como ele surge;
quais so as possibilidades de sua proliferao;
a complexidade dos processos de organizao dos cdigos;
as condies de recepo leitura interpretao da mensagem.
Santaella desenvolve a hiptese de que os signos esto crescendo no mundo:
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Basta um retrospecto para nos darmos conta de que, desde o
advento da fotografia, ento do cinema, desde a exploso da
imprensa e das imagens, seguida pelo advento da revoluo
eletrnica que trouxe consigo o rdio e a televiso, ento, com todas
formas de gravao sonoras, tambm com o surgimento da holografia
e hoje com a revoluo digital que trouxe consigo o hipertexto e a
hipermdia, o mundo vem sendo crescentemente povoado de novos
signos. Para compreender esse crescimento e o consequente
crescimento do prprio crebro humano, tenho considerado que a
expanso semiosfrica, quer dizer, a expanso do reino dos signos
que est tomando conta da biosfera, longe de ser apenas fruto da
insacivel produo capitalista, parte de um programa evolutivo da
espcie humana (2004, p.13).
Umberto Eco afirma que no se pode esquecer que, na semitica, signo no
apenas uma palavra ou uma imagem, mas tambm uma proposio e,
inclusive, um livro inteiro (apud TREVIZAN, 2002, p.14). Para Peirce, signo
sinnimo de vida (SANTAELLA, 1997, p.87).
Zizi Trevizan (2002) relata que uma teoria da leitura deve envolver,
necessariamente, reflexes sobre a natureza tridica da linguagem, constituda
do elemento produtor (AUTOR), da matria produzida (TEXTO) e do sujeito
receptor (LEITOR);. Qualquer que seja a modalidade desta linguagem, a
jornalstica, a literria, a flmica, a publicitria, ela deve, pois, contemplar o
dilogo do leitor com os signos do texto e o dilogo do leitor com as condies
extra-textuais, das quais tambm participa o autor (2002, p.35). Com isso,
pode-se concluir que uma leitura semitica sempre metalinguagem e sua
tarefa no descobrir verdades, mas apontar validades.
Para Lcia Santaella, a Semitica a cincia que tem por objeto de
investigao todas as linguagens possveis, ou seja, que tem por objetivo o
exame dos modos de constituio de todo e qualquer fenmeno como
fenmeno de produo de significao e de sentido (2008, p.13). Pode-se
deduzir, ento, que
[...] todo fenmeno de cultura s funciona culturalmente porque
tambm um fenmeno de comunicao, e considerando-se que
esses fenmenos s comunicam porque se estruturam como
linguagem, pode-se concluir que todo e qualquer fato cultural, toda e
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qualquer atividade ou prtica social constituem-se como prticas
significantes, isto , prticas de produo de linguagem e de sentido
(2008, p.12).
A reflexo que se apresenta sobre as narrativas televisuais, em especial, sobre
a microssrie brasileira Capitu, tem a inteno de compreender aspectos desse
gnero brasileiro de contar histrias, de construir memrias, enfim, de agir
sobre o mundo por meio da linguagem. Linguagem no apenas responsvel
pela comunicao, pois, como seres de linguagem, por meio das palavras,
dos signos; enfim dos discursos, lembra-nos Bakhtin (2002), que nos
compreendemos e compreendemos o mundo. A linguagem, ao mesmo tempo
em que o lugar de acesso ao mundo, acaba sendo um obstculo ao
conhecimento da realidade. O signo, como semente, tem que morrer para
germinar. Portanto, a linguagem no apenas nos situa no mundo, mas tambm
situa o mundo para que possamos compreend-lo e transform-lo. ela que
constri a ponte necessria para nossas possveis percepes, orientaes,
aes e compreenses daquilo que chamamos de realidade. A linguagem
literria, sobretudo, possui potencialidades extremamente ricas de significao
que favorecem a anlise semitica.
1.1 A semitica no marketing e na publicidade
Como afirma Siqueira,
[...] as linguagens da Publicidade, atravs de seus recursos
plurissgnicos conduzem a muitos comportamentos que dominam
grande parcela da populao. Ela no cria a necessidade, mas a
manipula, despertando desejos, boa vontade, simpatia, em relao ao
objeto anunciado (apud TREVIZAN, 2002, p.78).
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Armando SantAnna afirma ainda que [...] a publicidade uma das vrias
foras de comunicao que, atuando isoladamente ou em combinao, leva o
consumidor atravs de sucessivos nveis que podemos denominar de nvel de
comunicao: desconhecimento, compreenso, convico e ao
(SANTANNA, 2002, p.78).
Um mesmo objeto ou situao podem ser vistos de diferentes formas e
intensidades, pois a estrutura social e a cultura presentes em cada ser
permitem interpret-los de maneiras dspares. Conforme Bergan e Luckman
(1991), [...] a maneira como vemos as coisas afetada pelo que sabemos ou
pelo que acreditamos. Para eles, [...] aps apresentada, uma imagem como
obra de arte, o modo pelo qual as pessoas a olham afetado por toda uma
srie de premissas aprendidas sobre a arte, seja ela em qual modo for
apresentado. Surgem, ento, suposies a respeito de beleza, verdade, gnio,
civilizao, forma, status, gosto, etc. (BERGER; LUCKMAN, 1991, p.10).
Assim, em concordncia com Santaella, podemos fixar ainda melhor a
fenomenologia em questo, em que os fenmenos de cultura s funcionam
culturalmente para com o pblico porque so tambm um fenmeno de
comunicao.
Conforme Santaella (2008, p.32) afirma, [...] no h nada, para ns, mais
aberto observao do que os fenmenos. De acordo com Peirce, a
fenomenologia seria a descrio e a anlise das experincias que esto em
aberto para o homem, cada dia e cada hora, em cada canto e esquina de
nosso cotidiano (apud SANTAELLA, 2008, p.32). Sendo assim, [...] fenmeno
tudo aquilo que aparece mente, corresponda a algo real ou no, portanto,
a fenomenologia tem por objetivo [...] levantar os elementos ou caractersticas
que pertencem a todos os fenmenos e participam de todas as experincias
(SANTAELLA, 2008, p.33).
Nessa medida, so trs as faculdades que devemos desenvolver para essa
tarefa:
1) A capacidade contemplativa, isto , abrir as janelas do esprito e ver o
que est diante dos olhos.
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2) Saber distinguir, discriminar resolutamente diferenas nessas
observaes.
3) Ser capaz de generalizar as observaes em classes ou categorias
abrangentes.
Essas trs faculdades mostram como os fenmenos aparecem conscincia.
Neste trabalho, entende-se conscincia como o lugar onde interagem formas
de pensamento. Sendo assim, as experincias so as observaes de cada
indivduo ao se deparar com os fenmenos, cabendo a eles perceb-los,
constatar sua existncia e interpret-los.
A partir disso, podemos nos aproximar de trs categorias, ou seja, de trs
modos dos fenmenos aparecerem conscincia ou trs modalidades
possveis de apreenso de todo e qualquer fenmeno. De acordo com
Santaella, [...] elas se constituem, no entanto, nas modalidades mais
universais e mais gerais, atravs das quais se opera apreenso-traduo dos
fenmenos (SANTAELLA, 2008, p.42). Vejamos, ento, quais so elas:
Primeiridade: Trata-se do presente imediato, iniciante, original, espontneo e
livre. No pode ser articuladamente pensado. Se for afirmado, perde toda a sua
inocncia caracterstica de mera qualidade. Enfim, o sentimento imediato.
Secundidade: Consiste na arena da existncia cotidiana, em um estado de
alerta, conscincia do EU que s nos dada atravs da conscincia do
OUTRO. Enfim, a conscincia do conflito.
Terceiridade: Aproxima, ou melhor, realiza a mediao entre a primeiridade e
a secundidade em uma sntese intelectual. Corresponde camada de
inteligncia ou pensamento em signos, atravs do qual representamos e
interpretamos o mundo; implica generalizaes e leis.
Santaella ainda define:
Como matrizes abstratas, as trs definem campos gerais e
elementares que raramente sero encontrados em estado puro nas
linguagens concretas que esto a e aqui, conosco e em uso. Na
produo e utilizao prtica dos signos, estes se apresentam
amalgamados, misturados, interconectados. Por exemplo: todas as
linguagens da imagem, produzidas atravs de mquinas (fotografia,
cinema, televiso...), so signos hbridos: trata-se de hipocones
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(imagens) e de ndices. No necessrio explicar por que so
imagens, por isso evidente. So, contudo, tambm ndices porque
essas mquinas so capazes de registrar o objeto do signo por
conexo fsica (SANTAELLA, 2008, p.69-70).
Desse modo, Santaella afirma que a Semitica geral e a teoria dos signos, em
geral, trouxeram as imprescindveis fundaes fenomenolgicas e formais para
o desenvolvimento necessrio de muitas e variadas Semiticas especiais,
como a Semitica da linguagem sonora, da arquitetura, da linguagem visual, da
dana, das artes plsticas, da literatura, do teatro, do jornal, dos gestos, dos
ritos, dos jogos e das linguagens da natureza...
Nessas Semiticas especiais, que tm por funo descrever e analisar a
natureza especfica e os caracteres peculiares de cada um daqueles campos,
brotam necessariamente as prticas e aplicao, isto , as atividades de leitura
e inteligibilidade dos mais diversos processos e produtos de linguagem: um
poema, um teorema, uma pea musical, um objeto, uma pea de teatro, um
filme, um programa de televiso, um ponto de luz, uma nota musical
prolongada, o silncio. Justifica-se, ento, que analisemos neste trabalho dois
produtos culturais, romance e adaptao para a televiso, pertencentes
mesma categoria, ou seja, s Semiticas Especiais.
1.2 A linguagem dos signos e o dilogo entre duas obras distintas
Para Hlio Guimares (2003, p.91), as adaptaes de obras literrias para
veculos audiovisuais constituem um processo cultural complexo.
Sendo assim, a adaptao televisiva um processo que envolve opes de
interpretao e esttica pessoal do diretor, relacionada com determinadas
tendncias dominantes na atual linguagem audiovisual. primeira vista,
compreender uma adaptao representa localizar os elementos em comum
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entre ela e seu texto de origem, e no h nada mais em comum do que a
personagem central.
O filme tem em igual relevncia a narrativa (o ngulo de viso da cmera), a
ao, a fotografia, as personagens, a trilha sonora e outros elementos que o
compe como um todo. Por isso mesmo, o cinema pode ser considerado algo
que [...] esteticamente equvoco, ambguo, impuro. O cinema tributrio de
todas as linguagens, artsticas ou no, e mal pode prescindir desses apoios
que eventualmente digere (GOMES, 1987, p.105).
Conforme Gomes:
A histria da arte cinematogrfica poderia limitar-se, sem correr o
risco de deformao fatal, ao tratamento de dois temas [...], o que o
cinema deve ao teatro e o que deve literatura. O filme s escapa a
esses grilhes quando desistimos de encar-lo como obra de arte e
ele comea a nos interessar como fenmeno. No na esttica, mas
na sociologia que refulge a originalidade do cinema como arte viva do
sculo. (GOMES, 1987, p.106).
Quando nossos olhos esto diante de uma adaptao televisiva surge a
insistncia na fidelidade em relao obra literria, ou seja, a arte inicial por
onde a adaptao tomou forma. No entanto, [...] a literatura e o cinema
constituem dois campos de produo cultural distintos, embora em algum nvel
relacionados (JOHNSON, 2003, p.44).
Johnson ainda afirma que,
[...] a insistncia na fidelidade perde sentido. Uma obra artstica,
seja ela romance, conto, poema, filme, escultura, ou pintura, tem de
ser julgada em relao aos valores do campo no qual se insere, e no
em relao aos valores de outro campo (2003, p.44).
Ento, muito mais produtivo pensar na adaptao como uma forma de
dialogismo intertextual, assim como afirma Robert Stam (Apud JOHNSON
2003, p.44), e o papel da publicidade, que se utiliza da intertextualidade, reside,
justamente, em comunicar com maior eficcia e agregar valor quilo que se
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vende, conferindo ao produto as qualidades de status, arte e cultura
prprias do objeto crtico que se retoma pela dialogia.
Guimares explica que:
[...] as adaptaes continuam a nos colocar diante de problemas
irresolvidos da cultura contempornea, em que as tradicionais
hierarquizaes entre as expresses artsticas e culturais so
constantemente questionadas e em que os limites entre alta e baixa
cultura, cultura de massa e cultura erudita, originalidade e cpia so
constantemente redefinidos. [...] Justamente por estarem nesse
terreno conflituoso que as adaptaes colocam questes de
interesse, tais como a apropriao e ressignificao de produtos
culturais do passado pelos meios de comunicao de massa,
projetando-os para diferentes pblicos e atribuindo-lhes novas
significaes e sentidos (GUIMARES, 2003, p.110-11).
A transposio do texto literrio para a mdia audiovisual deve ser lida como
produto autnomo. No entanto, h vrias posies em relao questo da
fidelidade na adaptao da literatura para as linguagens audiovisuais. Alguns
pesquisadores asseguram que essa mudana de suporte no desqualifica o
texto original, pois seus elementos podem de alguma forma estar presentes na
narrativa imagtica. Acredita-se que o resultado da transposio deve ser fiel
ao texto original, tendo como finalidade reproduzir nas imagens as
caractersticas e os elementos do texto escrito. Haveria, ento, uma forma mais
concreta e fiel de fazer a transposio.
Sob essa tica, o texto literrio seria impossibilitado de indicar ao leitor uma
abundncia de interpretaes, o que vai contra a sua prpria essncia, como
afirma Hlio Guimares:
O pressuposto bsico desses discursos baseados na noo de
fidelidade que quanto mais fiel ao texto literrio, melhor ser o
programa de TV [...], supe-se existir uma leitura correta e nica
para o texto literrio, cabendo ao adaptador descobrir o verdadeiro
sentido do texto e transferi-lo para uma nova linguagem e um novo
veculo. Essa viso nega a prpria natureza do texto literrio, que a
possibilidade de suscitar interpretaes diversas e ganhar novos
sentidos com o passar do tempo e a mudana das circunstncias.
Levada ao limite, a idia de fidelidade supe que programa de TV fiel
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ao texto literrio de alguma forma possa substitu-lo, tomando seu
lugar e tornando-o de alguma forma obsoleto, desnecessrio, ideia
incorporada de quem l o resumo de um romance ou assiste novela
ou minissrie baseadas no romance e acredita ter lido o romance.
(GUIMARES, 2003, p.94-95).
Sobre tradues criativas, intersemiticas, Joo Manuel Cunha diz que a
criao, ento, vai determinar escolhas dentro de um complexo sgnico que
estranho ao sistema do texto original, afastando-se, inclusive, cada vez mais da
idia de fidelidade (apud MARTINS, 2003, p.63).
E assim, utilizarei novamente o que Siqueira afirma (apud Trevizan) em relao
linguagem da Publicidade caminhar juntamente com a linguagem dos signos,
utilizando seus recursos plurissgnicos, aonde estes conduzem os
comportamentos da maioria das pessoas. Estas linguagens so uma s, e
despertam desejos, boa vontade, simpatia, em relao ao objeto anunciado.
Sendo assim,
[...] invocou-se o argumento tradicional de que a transposio de
narrativas literrias para veculos de massa beneficia a produo
literria por divulgar o livro e estimular a leitura, ainda que a moeda
ficcional de larga circulao, digamos assim, seja o programa de TV,
e no o livro. Se fato que a adaptao estimula a vendagem de
livros por algumas semanas, em torno das personagens e da
histria contada pela TV que se constri um imaginrio ficcional
amplamente compartilhvel (GUIMARES, 2003, p.109).
Alm disso, Guimares ainda afirma que:
[...] o processo de adaptao, portanto, no se esgota na
transposio do texto literrio para um outro veculo. Ele pode gerar
uma cadeia quase infinita de referncias a outros textos, constituindo
um fenmeno cultural que envolve processos dinmicos de
transferncia, traduo e interpretao de significados e valores
histrico-culturais (2003, p.91).
A perspectiva e o ponto de vista do prprio diretor da microssrie, Luiz
Fernando Carvalho, de que as adaptaes so um achatamento da obra. Por
conta disso, ele define o trabalho feito na microssrie como uma aproximao.
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23
Carvalho ainda diz:
[...] optei por um outro ttulo, Capitu, diferente de Dom Casmurro,
portanto. Assim a ideia de uma aproximao ficaria ainda mais clara,
revelando no se tratar apenas de uma tentativa de transposio de
um suporte para outro, e sim de um dilogo com a obra original. E,
por sua vez, nasce da tambm uma outra tentativa: o dilogo com a
personagem Capitu, que no prprio texto do Machado to
misteriosa e enigmtica (CARVALHO, 2008, p.75).
Para Carlos Amadeu Botelho Byington, Dom Casmurro [...] trata de um
romance de dvida entre o possvel adultrio de Capitu e o delrio de Bentinho,
oriundo do seu cime doentio (BYINGTON, 2008, p.19). Byington afirma que
Machado, utilizando a fala de Bentinho, fundamenta as duas possibilidades
maquiavelicamente ora com dados concretos e explcitos, ora com aluses
discretas, mas sempre com a inteno de tornar a dvida indecifrvel. O autor
[...] nos convida a embarcar na dvida como uma funo psicolgica
estruturante da Conscincia [...]. (2008, p.20)
Byington ainda afirma que,
[...] A obra de Machado de Assis (1839-1908) nos coloca diante de
uma sociedade do final do sculo XIX puritana, muito reprimida, na
qual as emoes verdadeiras so insinuadas, de um modo geral,
atravs de frestas. Ele no se compromete com nenhuma emoo
que caracterize a identidade autntica do personagem, mas emprega
reaes que sugerem estados de conscincia. Junto com a dvida de
quem conhece o final do livro, esse estilo instiga a imaginao do
leitor e a conduz para a subjetividade do enredo (2008, p.22).
Conforme Santaella, [...] sofremos na carne e no esprito a tragdia da
conscincia. Tragdia paradoxal, misto de regozijo e dor, luz e trevas, vida e
morte, plenitude e vazio (SANTAELLA, 1997, p.88). Nesse contexto, Santaella
ainda afirma que [...] toda definio acabada uma espcie de morte, porque,
sendo fechada, mata justo a inquietao e curiosidade que nos impulsionam
para as coisas que, vivas, palpitam e pulsam (2008, p.9).
Umberto Eco adverte que um autor no deve oferecer interpretaes de sua
obra. Um romance, como o de Machado, [...] uma mquina para gerar
interpretaes (ECO, 1985, p.8). Eco afirma que o autor [...] deveria morrer
-
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depois de escrever. Para no perturbar o caminho do texto. (ECO, 1985, p.12).
Desse modo, afirma tambm que o texto aps a escritura elege seus leitores e
forma-os, esses leitores, por sua vez, realizam suas leituras diversas,
escolhendo quais caminhos seguir entre as inmeras possibilidades labirnticas
de interpretao.
O interessante na obra de Machado justamente isso a construo do
enredo em torno da ambiguidade. Por exemplo, ao mesmo tempo em que
aponta qualidades de Capitu, como uma jovem de fascinante beleza,
inteligncia e perspiccia, ele tambm aponta uma Capitu que tem grande
capacidade de mentira, dissimulao e manipulao. Sergio Paulo Rouanet
(ROUANET, 2008, p.68) diz que a questo da ambiguidade, do duplo, do
espelho, no se coloca somente na forma do romance em si, da literatura, mas
est espalhada em cada um dos personagens.
Assim como afirma Carvalho, [...] a opo pelo caminho da dvida eleva o
romance ao mtico embate entre o que seja mera aparncia das coisas e a
verdade do mundo (CARVALHO, 2008, p.75). Sobre isso, Carvalho coloca:
[...] No uma questo se a histria de poca ou no. Se,
simplesmente, Capitu traiu ou no. O tema bem outro e pertence a
qualquer tempo [...]. Nas entrelinhas, h uma serpente engolindo sua
prpria cauda. Logo, o grande paradigma dessa histria ele mesmo,
chama-se Dom Casmurro. Seu relato procura dar conta de como lidar
com esse ba de fantasmagorias, memrias, emoes, dvidas.
Principalmente de dvidas (2008, p.79).
Carvalho ainda diz que a dvida presente em Dom Casmurro reafirmada na
microssrie como parte do processo cultural e processo dialtico da
modernidade. Ento, a obra deve ser lida sob o signo da dvida.
Conforme o filsofo tcheco Vilm Flusser (apud ROUANET, 2008, p.66), a
dvida a cincia, sem dvida no pode haver cincia, a dvida metdica.
Portanto, vemos que esse processo de releitura entre Dom Casmurro e Capitu
um fenmeno cultural ao qual devemos prestar muita ateno e valoriz-lo,
pois o prprio Machado apresenta na obra literria a ideia de continuao, o
que demonstra uma modernidade absurda em relao sua poca e prpria
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25
literatura existente, e assim como Carvalho diz, [...] essa continuao que
traa uma perspectiva esttica e um dilogo entre artistas de eras to
distantes (CARVALHO, 2008, p. 77). Carvalho ainda afirma que tentou se
aproximar de Machado com esse esprito de continuao e com um tom
dialtico a fim de libertar seu texto das leituras castradoras que o aprisionavam
ao realismo do sculo XIX. Enfim, a microssrie fez renascer a obra literria,
com outras coordenadas estticas, mas com a mesma sntese, reafirmando
Machado em termos de contedo e linguagem, e dialogando com
possibilidades simblicas da modernidade ao abrir o texto a outras
visibilidades.
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Um Olhar Mercadolgico Diferenciado
Fonte: CARVALHO, 2008 (Primeiro Captulo).
CAPTULO II
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1. Sntese histrica da Rede Globo
Irineu Marinho iniciou na profisso de jornalista em 1891, atuando em vrios
jornais, como Dirio de Notcias, A Notcia, Gazeta da Tarde, A Tribuna e A
Gazeta de Notcias. Exerceu cargos de revisor, reprter policial e diretor. Em
1911, Irineu criou o jornal A Noite, e deu incio quele que seria o maior imprio
de comunicaes do pas. Em 1925, aps fundar o jornal O Globo, veio a
falecer.
Assim, seu filho Roberto Marinho tomou a frente dos negcios, tornando-se
chefe do jornal O Globo em 1931. Com a inaugurao da Rdio Globo, em
1944, fundou as Organizaes Globo. Em 1957, a empresa conseguiu a
concesso, dada por Juscelino Kubitschek, do canal 4 do Rio de Janeiro,
preparando-se para a chegada de sua televiso.
O grupo norte-americano Time-Life foi o grande parceiro das Organizaes
Globo na implementao da TV. Com isso, a Rede Globo de Televiso foi ao ar
pela primeira vez em 26 de abril de 1965, no Rio de Janeiro.
Segundo Roberto Marinho, a inteno principal era trazer para o Brasil um
modelo televisivo diferenciado e grandioso. Para se chegar a isso, investiu-se
gradualmente na contratao dos melhores artistas e profissionais do ramo na
poca, como Raul Longras, Dercy Gonalves, Chico Anysio e Chacrinha, alm
dos diretores Walter Clark e Jos Bonifcio de Oliveira Sobrinho, que fizeram a
diferena para a expanso da emissora, pois j carregavam uma bagagem
profissional de outros canais de televiso.
A Rede Globo chegou a So Paulo em 1966, a partir da aquisio pelas
Organizaes Globo da TV Paulista, tornando-se o Canal 5. O grupo
empresarial seguiu fazendo suas aquisies por vrios estados brasileiros,
expandindo sua rede televisiva para as diversas regies do pas.
___________________
Para a composio deste tpico foram utilizadas principalmente as informaes disponibilizadas no website oficial da
Rede Globo (Disponvel em: . Acesso em 18 ago 2011) e na Wikipdia (Disponvel em:
. Acesso em 18 ago 2011).
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A criao do globo para compor o logotipo da emissora foi feita pelo desenhista
Borjalo, entretanto, mais tarde, foi modificado por Hans Donner que tambm
criou o famoso plim-plim com som de vidro tilintando.
Ao centralizar suas produes na cidade do Rio de Janeiro, possibilitou um
barateamento dos custos. Entretanto, na teledramaturgia no tinha grandes
produes, a rede era nova e no possua experincia nesse setor, fazendo
com que perdesse muitos pontos para a concorrncia. Porm, aps a falncia
da TV Excelsior, novos autores chegaram emissora, como Lauro Csar
Muniz e Dias Gomes. Desde ento passou a impor seu padro de dramaturgia
no Brasil e consolidou-se e tornou-se referncia na produo de novelas, sries
e minissries, tanto nacional como internacionalmente.
A Rede Globo tornou-se pioneira em muitos quesitos. Foi a primeira emissora
do Brasil a trazer para o pas o videotape, a transmitir ao vivo uma Copa do
Mundo (Inglaterra, 1966), a exibir um telejornal em rede nacional
simultaneamente com a primeira edio do Jornal Nacional, alm de transmitir
o lanamento da nave espacial Apollo IX (1968) via satlite, estrear uma
programao totalmente nacional e utilizar o satlite Intelsat para transmisses
em tempo real em territrio nacional.
A Rede Globo possui hoje 113 emissoras, entre geradoras e afiliadas, e pode
ser assistida durante 24 horas por dia em 99,84% dos municpios brasileiros.
Em 2008, a emissora lanou ao ar o Projeto Quadrante, um conjunto de quatro
microssries, exibidas uma por ano, que tencionou levar a literatura brasileira
para a televiso. A microssrie Capitu foi a segunda produo do Projeto,
sendo a primeira A Pedra do Reino, dirigida tambm por Luiz Fernando
Carvalho. A ideia de produzir Capitu surgiu por conta do centenrio de morte
do aclamado escritor Machado de Assis, autor do romance Dom Casmurro, no
qual se baseia a srie.
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1.1 Indstria Cultural: uma introduo
Com a valorizao do capital, filme e rdio no tm necessidade de serem
empacotados como arte, antes se definem como indstrias, o capital que
geram os liberta do compromisso social. Eles pertencem ento indstria
cultural. Entretanto, a diferena de valor orado pela indstria cultural no tem
nada a ver com a diferena objetiva, com o significado dos produtos.
(HORKHEIMER; ADORNO, 2002, p.172).
As produes, ao passarem pelo crivo da indstria cultural, perderam a sua
qualidade de ruptura com o mundo emprico, passaram a se apresentar como
reconhecveis pelo cidado comum, como continuidades de seu universo.
Desse modo, os produtos dessa indstria operam em todos os homens de uma
vez por todas (2002, p.175). Assim, cada manifestao particular da indstria
cultural reproduz os homens como aquilo que foi j produzido por toda a
indstria cultural. Logo, cria-se um padro esperado pelo receptor, consumidor.
Cria-se um estilo que a indstria cultural por fim absolutiza, gerando a obra
medocre que busca a semelhana, a imitao pelo libi da identidade.
A indstria cultural supe que o espectador no deve exercitar sua capacidade
imaginativa, projetiva e interpretativa, por isso evita-se qualquer vazio que exija
um esforo em busca da concretude. Dessa forma, a indstria paradoxalmente
priva seus consumidores do que continuamente lhes promete. Oferece-lhes,
sob a promessa de um banquete, apenas o menu deste. Ela priva o espectador
da sublimao esttica. Ela o sufoca, reprime, expondo-o continuamente a
objetos de desejo dos quais ele privado. O espectador, por hbito ou no,
percebe esse processo em sua amplitude ou sente que no h como lhe opor
resistncia. Esse tipo de divertimento, distrao, promove, dessa forma a
resignao de quem nele procura se esquecer. A distrao significa o no
pensar, esquecer a dor, mesmo onde ela se mostra (2002, p.192), levar as
pessoas a se distanciarem do contato com a subjetividade. Assim sendo, ela
valoriza, portanto, o coletivo, no o individual. [...] Ningum deve dar conta
oficialmente do que pensa. Em troca, todos so encerrados, do comeo ao fim,
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em um sistema de instituies e relaes, que formam um instrumento
hipersensvel de controle social (2002, p.197).
Nesse sistema de controle social no h lugar para o desprivilegiado
economicamente, para o revolucionrio. A indstria cultural pauta-se pelos
princpios da utilidade e da finalidade. Desse modo, na recepo dos bens
culturais o valor de uso substitudo pelo de troca, em lugar do prazer esttico
penetra a idia de tomar parte e estar em dia, em lugar da compreenso,
ganha-se prestgio. (2002, p.205). Assim, a cultura passa a ser uma mercadoria
que se funde com a propaganda, visando a fins econmicos e a encobrir sua
falta de fruibilidade. A publicidade seu elixir da vida, ela permite o reforo do
vnculo entre consumidores e grande firmas. As despesas com publicidade,
por sua vez, refluem para o caixa dos monoplios (2002, p.209).
O poder industrial utiliza-se da publicidade como a arte por excelncia, ela
propaga seu poder, gera necessidades, ao invadir a paisagem com cartazes e
letreiros, as revistas, a publicidade atua como exposio desse poder. Seu
processo de criao est fundado no princpio da eficincia, na tcnica do
manejo dos homens, concebidos como incapazes de sentir prazer com o
diferente, ou com o que requer interpretao. A eles, a publicidade oferece o
surpreendente, porm familiar, o leve, contudo incisivo, o especializado, mas
simples. Assim, a indstria cultural, ao ser ingerida sem certa bagagem,
capaz de devorar o seu espectador e alien-lo.
Entretanto, o diagnstico apresentado por Horkheimer e Adorno sobre o poder
da publicidade merece ser relativizado, tendo em vista que muitas produes
da indstria cultural fracassaram e foram rejeitadas pelos seus receptores.
Para Dwigth Macdonald (apud ECO, 1971), as massas foram produzidas pela
revoluo industrial, em fins do sculo XVIII, na Europa. Antes disso, havia
somente a Alta Cultura e a Arte Popular. A arte popular surgiu da manifestao
do povo, veio de baixo. Segundo ele, existem desde ento, a Massicultura, a
Medicultura e a Alta Cultura.
Para Macdonald, a Massicultura uma pardia da Alta Cultura. Ela surge no
sculo XVIII, com os romances ancilares e permanece na produo miditica
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atual de rdio, televiso e cinema. Entretanto, o autor afirma que a
Massicultura um fato novo na Histria, caracteriza-se por ser no-arte,
antiarte. Assim, ela no oferece aos seus clientes uma catarse emocional e
uma experincia esttica. Portanto, ela propicia um carter de escapismo a seu
leitor.
Ao confrontar a Massicultura com a Alta Cultura, o autor define esta ltima
como expresso de sentimentos, ideias, gostos, modos de ver idiossincrticos.
A ela, o pblico reage de maneira individual. A massicultura por sua vez
indiferente a qualquer critrio de avaliao, impessoal e embora se sujeite ao
espectador no lhe permite a comunicao. H ento uma conteno no
processo comunicativo, no dilogo com o leitor.
A questo da Massicultura parte integrante da sociedade moderna industrial,
consiste em transformar o indivduo no homem de massa. As massas
constituem-se por uma grande quantidade de pessoas incapazes de exprimir a
sua qualidade humana, porque desligadas umas das outras no se
reconhecem nem como indivduos, nem como membros de uma comunidade,
conforme Macdonald. A moralidade dessa sociedade de massa desce ao nvel
dos membros mais primitivos e o seu gosto ao nvel do menos sensvel e do
mais ignorante. H, ento, para o autor, um nivelar por baixo. Apesar disso,
esse nivelar tomado como medida pelos tcnicos da Massicultura. Para eles,
interessam dados estatsticos como provas concretas do sucesso de
determinado filme, livro, programa de TV ou de uma msica. Em sua defesa, os
produtores de Massicultura afirmam que oferecem ao pblico o que este quer.
vlido observar que o pblico quer aquilo que muitas vezes lhe oferecem.
Porque esse pblico homogeneizado perde suas faculdades de querer
valores, de se individualizar e de se reconhecer como nico. Nessa
homogeneizao h uma tendncia para degradar as coisas srias e elevar as
frvolas (ECO, 1971, p.79).
A Massicultura surgiu inicialmente na Inglaterra, no sculo XVIII, juntamente
com a industrializao. Com o advento do salrio, a leitura tem um incremento
deixando de ser, de 1700 a 1800, exclusividade de aristocratas, eclesisticos e
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estudiosos, passando a ser consumida por empregados, artfices, operrios e
camponeses.
O pblico de massa ento passa a assumir uma forma determinante no critrio
de classificao de uma obra, no como boa, mas como popular. Observa-se
que o criador precisa produzir considerando no os critrios qualitativos, antes
os do xito junto a esse pblico. Os livros passam a ser vistos como
mercadoria, sendo avaliado com base na reao do pblico consumidor. No
cinema, os crticos passaram a produzir textos que elegem o que agrada ao
pblico em geral, omitindo assim o prprio gosto, sem importncia, em nome
da coletividade. Desse modo, as obras duradouras afastaram-se do mercado e
passaram a posicionar-se contrariamente a ele. A esse movimento denominou-
se de vanguarda.
Assim, de acordo com Macdonald:
[...] As massas concedem um valor absurdamente alto ao gnio
pessoal, ao carisma do executor, mas exigem tambm uma secreta
desforra; ele deve fazer o jogo o seu jogo , deve distorcer a sua
personalidade para se adequar ao seu gosto (ECO, 1971, p.94).
Na Massicultura e na Medicultura tudo se torna mercadoria voltada para o
lucro. A linha divisria entre a Alta Cultura, voltada aristocracia, e a
Massicultura, direcionada plebe, j no existe. Hoje, as pessoas podem
escolher entre a televiso e os antigos mestres, entre Tostoi e um romance
barato, porque o esquema da vida cultural, para Macdonald, est aberto,
poroso (p. 103). Portanto, a produo no pode ser voltada somente para o
que se imagina seja o Grande Pblico. preciso que o escritor produza
tambm para os seus iguais, aquela minoria informada, interessada. [...] A
maioria, se quiser, que escute atrs da porta, mas seus gostos devem ser
ignorados (1971, p.147).
Segundo o autor, no se trata de recriar a vanguarda, nem de melhorar o nvel
geral da Massicultura e da Medicultura, antes de perceber que o pblico de
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massa divisvel, composto por pequenos outros pblicos, formados por
especialistas, que tambm podem ser comercialmente vantajosos (1971,
p.147).
Conforme Macdonald, a considerao pelo pblico como uma multido
representa a desconsiderao do indivduo em si mesmo. Essa considerao
totalizante gera a falsidade de que se pode compreender as massas e
presumir o seu gosto.
Dentro das acepes acerca da indstria cultural, existem duas correntes
fundamentais que podem ser tanto classificadas como divididas entre os
sujeitos que esto a favor dessa indstria, e os que esto contra. Estes
ltimos so denominados, por Umberto Eco (2001), de apocalpticos,
acreditam que a indstria cultural s produz produtos voltados para a
alienao. Os primeiros, a favor, so denominados de integrados (ECO,
2001), e para eles a indstria tem como funo central a mesma de toda
produo intelectual, como define Teixeira: A revelao, para o homem, das
significaes suas e do mundo que o cerca (com a diferena que agora essa
revelao se faria mais depressa e para um nmero maior de pessoas)
(TEIXEIRA, 1989, p.28).
De um lado, portanto, esto os que acreditam, como Adorno e
Horkheimer (os primeiros, na dcada de 1940, a utilizar a expresso
indstria cultural tal como hoje a entendemos) que essa indstria
desempenha as mesmas funes de um Estado fascista e que ela
est, assim, na base do totalitarismo moderno ao promover a
alienao do homem, entendida como um processo no qual o
indivduo levado a no meditar sobre si mesmo e sobre a
totalidade do meio social circundante, transformando-se com isso
em mero joguete e, afinal, em simples produto alimentador do
sistema que o envolve. Do outro lado, os que defendem a ideia
segundo a qual a indstria cultural o primeiro processo
democratizador da cultura, ao coloc-la ao alcance da massa
sendo, portanto, instrumento privilegiado no combate dessa mesma
alienao. (TEIXEIRA, 1989, p.28).
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Teixeira afirma que o caminho para decidir qual das correntes est com a razo
analisar o que diz ou o que faz essa determinada indstria, e ao invs de optar por o
que dito ou feito, optar por como dito ou feito.
Assim, Teixeira aponta o contedo como determinante. Ento,
[...] o estudo do o qu prende-se questo do contedo divulgado
pelo veculo. Deste ponto de vista, os produtos da indstria cultural
sero bons ou maus, alienantes ou reveladores, conforme a
mensagem eventualmente por eles veiculada. [...] Para os que se
colocam neste ponto de vista, a televiso, por exemplo, pode dirigir-
se para o caminho da revelao e da libertao do homem na medida
em que transmitir menos novela ou menos futebol e mais programas
de informao ou, em termos mais amplos, e ainda por hiptese, na
medida em que, digamos, divulgar uma programao embebida na
filosofia socialista e no na capitalista. (TEIXEIRA, 1989, p.29-30)
Teixeira, utilizando Karl Marx, diz que [...] todo produto traz em si os vestgios,
as marcas do sistema produtor que o engendrou (TEIXEIRA, 1989, p.35), ou
seja, a ideologia do capitalismo toma conta de todos os veculos da indstria
cultural, independente da mensagem por eles divulgada.
fato que o sistema capitalista nos cerca por inteiro. Contudo, preciso
compromisso com a formao e conscientizao do consumidor, a fim de que
este se veja como um ser nico, que tem poderes prprios e individuais e que
no precisa se embebedar somente neste modo capitalista de viver.
1.1.1 Alienao/Revelao pelo processo de significao
A semitica, to abordada nesta monografia, tambm uma possibilidade de
determinar-se o como dos veculos da indstria cultural. Segundo Teixeira,
[...] Todo processo de significao e este o processo em jogo nos
veculos da indstria cultural, como alis em todas as demais
atividades relativas ao ser humano est baseado na operao de
signo. Sendo signo tudo aquilo que representa ou est no lugar de
outra coisa, entende-se por operao de signo a relao que se
estabelece entre o signo propriamente dito (uma palavra, uma foto,
um desenho, uma roupa, uma edificao, etc.), o referente (aquilo
para o que o signo aponta, aquilo que representado pelo signo) e o
interpretante (ou conceito, imagem mental, significado formado na
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mente da pessoa receptora de um dado signo) (TEIXEIRA, 1989,
p.52-3)
Teixeira, baseando-se em Charles Sanders Pierce (nosso grande semilogo),
prope que os signos possam ser de trs tipos: cone, ndice e smbolo.
Para o que interessa a esta exposio, suficiente reter que:
1) cone, ou signo icnico, um signo que tem uma analogia com o objeto
representado. a relao do signo consigo mesmo, de acordo com
Santaella (SANTAELLA, 2008, p.62). Para melhor entendimento,
Santaella exemplifica:
[...] Uma tela inteira de cinema que, durante alguns instantes, no
seno uma cor vermelha forte e luminosa. Quem assistiu a Gritos e
Sussurros, de Bergman, deve se lembrar disso. Era a pura cor,
positiva e simples, to proeminente a absorvente que, no caso, nem
sequer se podia lembrar ou perceber que aquela cor estava numa
tela. a qualidade apenas que funciona como signo, e assim o faz
porque se dirige para algum e produzir na mente desse algum
alguma coisa como um sentimento vago e indivisvel. esse
sentimento indiscernvel que funcionar como objeto do signo, visto
que uma qualidade, na sua pureza de qualidade, no representa
nenhum objeto. [...] por isso que, se o signo aparece como simples
qualidade, na sua relao com seu objeto, ele s pode ser um cone.
[...] Da que o cone seja sempre um quase-signo: algo que se d
contemplao (2008, p.63-64).
Santaella ainda afirma que
[...] O objeto do cone, portanto, sempre uma simples possibilidade,
isto , possibilidade do efeito de impresso que ele est apto a
produzir ao excitar nosso sentido. [...] No entanto, porque no
representam efetivamente nada, seno formas e sentimentos (visuais,
sonoros, tteis, viscerais...), os cones tem um alto poder de
sugesto. (2008, p.64)
Sendo assim, as formas de criao na arte e as descobertas na cincia tm a
ver com cones.
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2) ndice, ou signo indicial, um signo que representa seu objeto por
remeter-se diretamente a ele; o ndice aponta para seu objeto, para seu
referente; sem ser semelhante a seu objeto, como o cone, est ligado a
ele de tal modo que, sem ele, no pode existir. De acordo com Santaella,
essa modalidade por ser chamada de hipocones, ou seja, signos que
representam seus objetos por semelhana. Assim, Santaella afirma que
uma imagem um hipocone porque [...] a qualidade de sua aparncia
semelhante qualidade da aparncia do objeto que a imagem
representa (SANTAELLA, 2008, p.65). Santaella ainda diz que um
diagrama um hipocone de segundo nvel, visto que representa as
relaes entre as partes de seu objeto, utilizando-se de relaes anlogas
em suas prprias partes. J o hipocone de terceiro nvel so as
metforas verbais. Estas nascem da justaposio entre duas ou mais
palavras, justaposio que pe em interseco o significado convencional
dessas palavras. Teixeira ainda aponta que [...] o ndice um signo
efmero, de vida curta ou que, pelo menos, depende em tudo da durao
de vida de seu objeto. O ndice no tem autonomia de existncia
(TEIXEIRA, 1989, p.55).
3) Smbolo, ou signo simblico, o signo que representa seu objeto em
virtude de uma conveno, de um acordo; o smbolo no tem nenhum
trao em comum com seu objeto nem est ligado a ele de algum modo. O
exemplo mais comum de smbolo a palavra, qualquer palavra. Teixeira
afirma que [...] para ser entendido, o smbolo no exige que seu receptor
conhea o objeto a que se refere, como o ndice (TEIXEIRA, 1989, p.57).
Desse modo, segundo Santaella, [...] o objeto de uma palavra no
alguma coisa existente, mas uma ideia, lei armazenada na programao
lingstica de nossos crebros (SANTAELLA, 2008, p.67).
Sendo assim, estes trs tipos de signos geram trs tipos de conscincia, ponto-
chave de nosso assunto. Teixeira afirma que, de fato, [...] dificilmente se pode
constatar a ocorrncia de um desses trs tipos de signo em estado puro.
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Frequentemente um cone tambm um ndice, assim como um ndice pode
ser simblico (TEIXEIRA, 1989, p.58). Mas, didaticamente, possvel dizer
que:
1) categoria do signo icnico corresponde uma categoria da conscincia
que se poderia dizer, igualmente, conscincia icnica. [...] uma
conscincia que opera basicamente com o sentir e com o sentimento, no
se interessando pelos procedimentos de anlise, de dissecao do objeto
sobre o qual se debrua (TEIXEIRA, 1989, p.58). Ento, esse tipo de
conscincia atua atravs do pensamento analgico, e assim, a
conscincia da intuio, das sensaes e pode ser motivada pela
recepo de um signo icnico. a primeiridade.
[...] Esse modo de conhecimento, baseado na intuio e na empatia
(isto : no sentir o objeto, mas sentir com o objeto, penetrar no
objeto e senti-lo por dentro), frequentemente, aquele que leva s
verdadeiras e significativas descobertas, embora no se possa
demonstr-lo. [...] O que se pretende dizer com conscincia icnica
que se trata de uma conscincia que procede com seu objeto, do
mesmo modo como o signo icnico faz com seu objeto. Isto :
procede por analogia (TEIXEIRA, 1989, p.59).
2) categoria do signo indicial corresponde a conscincia indicial. Esta, por
sua vez, exige do sujeito algo mais que a simples contemplao.
[...] Uma seta que indica um certo caminho s funciona efetivamente
como signo indicial para algum interessado em descobrir esse
caminho e que o descobre, locomovendo-se: ou o signo indicial
funciona ou no ser signo indicial. Isto implica que a pessoa que o
recebe deve praticar um certo ato, deve despender alguma energia
no processo de recepo desse signo. A recepo do signo indicial
implica um certo esforo, fsico ou mental. (TEIXEIRA, 1989, p.60)
Portanto, se a conscincia icnica , num certo sentido, contemplativa, a
indicial operativa. a conscincia da constatao, pois ela no leva a novas
descobertas assim como a conscincia icnica, e sim, leva ao que j foi
revelado, ou seja, a secundidade.
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3) categoria do signo simblico corresponde a conscincia simblica, esta
interessada nas convenes, normas e causas. Portanto, envolve a
terceiridade. Este tipo de conscincia [...] no se contenta com sentir ou
intuir uma coisa, nem em constatar que ela existe: quer saber por que
existe. Se a icnica analgica e intuitiva, enquanto a indicial operativa,
a conscincia simblica lgica (TEIXEIRA, 1989, p.61).
Aps expostas todas essas proposies, chega o momento do relacionamento
entre elas e os produtos da indstria cultural. Teixeira afirma:
[...] Aqui, ento, vai ser possvel dizer que o problema com a indstria
cultural no tanto o que ela diz ou no; no tanto o fato de ser ela
deste ou daquele modo, estruturalmente; nem o fato de ter surgido
neste ou naquele sistema poltico-social mas, sim, no modo como
diz. que a indstria cultural na TV, no rdio, na imprensa, na
msica (particularmente a dita popular), nos fascculos, mas tambm
nas escolas e nas universidades o paraso do signo indicial, da
conscincia indicial.
Teixeira, ento, diz que toda a indstria cultural vem operando com signos
indiciais e desenvolvendo conscincias indiciais, ou seja, [...] tudo, signos e
conscincias e objetos, efmero, rpido, transitrio; no h tempo para a
intuio e o sentimento das coisas, nem para o exame lgico delas
(TEIXEIRA, 1989, p.62) Sendo assim, no h revelao, apenas uma
constatao superficial, o que contribui para a alienao.
[...] A capacidade de interpretar o mundo iconicamente, de distinguir o
sentido nas coisas, v-se cada vez mais diminuda. Do mesmo modo,
a possibilidade de proceder a uma interpretao simblica do mundo,
de procurar suas causas e reuni-las em teorias coerentes, torna-se
sempre, mais e mais, algo como um dom especial, reservado a um
pequeno nmero, quase uma elite. O que prevalece a tendncia a
ver apenas o significado indicial das coisas. [...] O ndice manda seu
receptor sempre de uma coisa para outra, sem deter-se nem no
objeto visado, nem em nada no permitindo nem penetrar
intuitivamente nele, nem conhecer logicamente suas causas e
destinos. Nesse processo, as outras duas funes semiticas
(funes de interpretao, de formao do significado), a icnica e
simblica, so reduzidas apenas dimenso indicial quando
deveriam, no mnimo, estar em p de igualdade com esta.
(TEIXEIRA, 1989, p.63)
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Infelizmente, esse processo no est apenas no mundo da indstria cultural,
mas tambm na base de nosso procedimento de compreenso do mundo,
onde permanece um esquema e uma viso tecnolgica, viso que se preocupa
com o lado operativo apenas, ou seja, com o rendimento e eficcia dos
processos. Teixeira diz que [...] nesse momento, seria possvel perguntar se a
indstria cultural uma resultante dessa tendncia geral da sociedade,
reproduzindo-a nos limites de seu campo, ou se a indstria cultural que
produz essa sociedade (TEIXEIRA, 1989, p.64).
A realidade que a prpria sociedade vai lentamente gerando seus
instrumentos e suas tendncias. Isto : cada um de ns responsvel pela
existncia e desenvolvimento dessa conscincia indicial. Por exemplo: um dos
veculos mais significantes da indstria cultural a TV. Esse procedimento
indicial se d, basicamente, [...] atravs da multiplicao no de informaes
mas de trechos de informaes, apresentadas como que soltas no espao,
sem reais antecedentes e sem conseqentes (TEIXEIRA, 1989, p.65-66). As
informaes revelam propriedades superficiais do objeto, dando ao receptor a
impresso de conhec-lo atravs disso quando na verdade, ele no conhece
quase nada. Somente uma criana de pouca idade consegue furtar-se a esse
esquema, pois no estando engajada a ele ainda, consegue pr em prtica o
processo de semiose ilimitada, que o processo de produo de sentido ligado
noo de interpretante e assim, o modo de reproduo do signo; este
trabalha com a sugesto e a maneira de apreender ou compreender os
fenmenos e fazer progredir o conhecimento.
[...] Logo, porm, essa criana entrar no peloto dos adultos que, em
virtude da educao recebida, do conformismo, da lei do menor
esforo, do sentimento injustificado de vergonha e de uma srie de
outros motivos, deixam de perguntar-se e perguntar aos outros sobre
os antecedentes e conseqentes de um conceito ficando assim
prontos para entrar no esquema indicial de que se serve, mas no s
ela, a indstria cultural. Passam a contentar-se com dados que
saem do nada e levam a parte alguma, e acomodam-se a esse
universo vazio de significao em que se transformam suas vidas.
(TEIXEIRA, 1989, p.67)
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Segundo Teixeira, os ndices so como pegadas humanas sobre a areia.
Inicialmente, elas poderiam levar pessoa por elas responsvel. No entanto,
em nossa sociedade, [...] fica-se sem saber quem as fez, por que foram feitas,
e nem se o sentido da marcha dessa pessoa foi realmente daqui para l ou se
as pegadas foram feitas com a pessoa caminhando de costas (TEIXEIRA,
1989, p.67). Santaella ainda afirma: Rastros, pegadas, resduos, remanncias
so todos ndices de alguma coisa que por l passou deixando suas marcas
(SANTAELLA, 2008, p.66).
Contudo, h possibilidades de modificar-se o processo: [...] no ser
impossvel adotar a prtica icnica ou a simblica, de modo a ter-se nessa
prtica um instrumento de libertao do homem (TEIXEIRA, 1989, p.68).
Portanto, preciso preocupar-se com a questo do contedo, e assim, uma
necessidade semitica deve estar presente e sempre aliada a isso.
1.1.2 Indstria Cultural no Brasil
A realidade da indstria cultural no Brasil diverge daquela existente nos centros
hegemnicos. A discrepncia social entre as classes indica que, no nosso pas,
embora haja uma indstria cultural, somente, alguns grupos prestigiados a
consomem, ficando os demais margem, apenas observando e desejando
participar dessa festa privada, porm muito restrita.
Se refletirmos acerca do consumo de livros, veremos que, excetuando as
classes mais prestigiadas, de modo geral, a massa s tem acesso a eles por
meio de transferncias, ou seja, pelas compras governamentais destinadas
escola pblica e s bibliotecas pblicas. Para Umberto Eco, na cultura
ocidental, depois do advento da cultura de massa, j se superou o conceito de
que um livro, por meio do uso da palavra escrita, assume [...] uma forma capaz
de ressoar no nimo de quem a frua de modos sempre variados e mais ricos
(ECO, 2001, p.34).
Atualmente, a [...] fabricao de livros tornou-se um fato industrial, submetido
a todas as regras da produo e do consumo; da uma srie de fenmenos
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negativos, como a produo de encomenda, o consumo provocado
artificialmente, o mercado sustentado com a criao publicitria de valores
fictcios (ECO, 2001, p.50). Um exemplo seria a criao da literatura feminina,
a indstria considerou que o pblico feminino seria muito mais consumista de
livros do que o masculino, j que precisava de mais escapismos dentro de uma
poca repressiva onde no havia muito convvio social, assim as mulheres
passaram a ter direito a leitura apenas para gerarem lucro para esta indstria.
Para problematizar seu objeto, Eco prope uma mudana de perspectiva no
que concerne s indagaes a respeito da validade da cultura de massa. As
reflexes existentes encerram-se em julgamentos que validam ou invalidam
esse tipo de cultura. Ele sugere que o problema precisa ser posto em outros
termos. Assim, considerando que, em uma sociedade industrial, a relao
comunicativa se d pelos meios de massa, o autor indaga a si mesmo e ao
leitor sobre qual tipo de ao cultural poderia ser desenvolvida a fim de permitir
que os meios de comunicao de massa veiculassem valores culturais.
A cultura de massa possui defeitos como o conservantismo esttico, o
nivelamento do gosto, a recusa de propostas estilsticas, uma estrutura
paternalista da comunicao dos valores para se adequar mdia. Embora ela
transmita um acmulo de informaes e difunda produtos de entretenimento,
isso no impede que determinado acmulo de dados quantitativos sejam
resolvidos por alguns indivduos em mutaes qualitativas ou que esses
produtos sejam negativos ou decadentes.
O dilogo acerca da indstria cultural complexo. Encadeando nosso objeto de
estudo, de extrema importncia apontar que algumas caractersticas da obra
de Machado, e assim, da obra de Luiz Fernando Carvalho, se encaixam nessa
argumentao.
Conforme Gustavo Bernardo,
[...] Machado um hbil jogador, em nenhum momento ele assume
qualquer postura de voz coletiva, a voz dele absolutamente
individual. como se ele antecipasse a brincadeira de Nelson
Rodrigues, de anos mais tarde: Toda unanimidade burra. Ou: toda
voz coletiva tende burrice, tende a se esclerosar desde o princpio
(BERNARDO, 2008, p.44-45).
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Encerrarei esse captulo dessa maneira a fim de instigar o leitor reflexo
acerca da cultura de massa. No prximo tpico, tornarei mais clara a retrica
de Umberto Eco sobre o homem de cultura e a sua obstinao a fim de assumir
uma atitude de indagao construtiva que ningum possa tirar dele.
1.2 A televiso e sua funo democratizante
Com o passar do tempo, novas tcnicas de reproduo foram desenvolvidas,
como a fotografia e o olhar da cmera cinematogrfica. Para Walter Benjamin,
esse desenvolvimento permitiu que essas tcnicas fossem aplicadas a todas as
obras de arte do passado, modificando seus modos de influncia, e as impondo
como formas originais de arte (In: ADORNO, 2002).
Conforme Benjamin,
A reproduo tcnica das obras de arte por meio da fotografia ou
cmera cinematogrfica elimina a unicidade dessas obras que
depende do contexto histrico em que foram produzidas. Alm disso,
as obras perdem sua autenticidade. Isso ocorre porque a
autenticidade depende do poder de testemunho histrico que essas
obras possuem. Ao serem reproduzidas as obras perdem a
autenticidade por dois motivos: primeiro, porque a reproduo tcnica
mais independente do original, desse modo lhe permite uma
atualidade que invalida a sua tradio, a herana cultural; segundo,
porque transporta a reproduo para situaes nas quais o prprio
original jamais seria encontrado. Assim, conforme o autor, o que se
atinge com a reprodutibilidade tcnica a aura da obra de arte. Como
exemplo dessa total liquidao, Benjamin aponta o cinema.
Entretanto, ele afirma que uma reproduo feita pela mo do homem,
concebida a princpio como falsa, conserva a autoridade da obra
original (In: ADORNO, 2002).
O declnio da aura advm, para o autor, de causas sociais. Na sociedade
capitalista, as reprodues atendem ao desejo das massas de que as coisas
se lhes tornem, espacial e humanamente mais prximas. (2002, p.227). Esse
processo ocorre por meio da imagem, da fotografia que consegue
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paradoxalmente reproduzir uma realidade fugidia indefinidamente. Desse
modo, ao permitir que um objeto se repita identicamente no mundo quantas
vezes forem desejadas, despoja-se o objeto original de seu vu, de sua aura.
De acordo com Benjamin, o valor de uma obra era originalmente definido como
objeto de culto. As imagens de um objeto de arte dirigiam-se muito mais ao
esprito do homem do que aos seus olhos, esse objeto assumia assim o valor
de instrumento mgico. Por isso, justificava-se que as obras, nem sempre
poderiam ser expostas, somente o eram para poucos eleitos e em pocas
especficas. Mas, [...] medida que as obras de arte se emancipam de seu
uso ritual, tornam-se mais numerosas as ocasies de serem expostas (2002,
p.231). Alis, a funo artstica aparece como acessria em uma obra, seu
valor passou a ser o de reproduo e de exposio. Nesse sentido, o cinema e
a fotografia so pioneiros. Ento, visto por esse ngulo, o cinema e a fotografia
trouxeram benefcios para a sociedade, como essa funo democratizante.
A fotografia e o filme, devido ao valor expositivo, relegam a segundo plano o
valor de culto. A fotografia s mantm a aura quando voltada para o rosto
humano nas fotos antigas, pois nestas pode-se observar a expresso fugidia
de um rosto tomado por melanclica beleza. Com a ausncia do homem da
fotografia, a legenda tornou-se necessria para indicar qual o caminho
interpretativo que se deve tomar. O cinema ao impor uma sucesso de
imagens impede que seja tomada como isolada uma imagem qualquer, para
ser entendida ela precisa das demais. Enfim, perdeu-se o carter contemplativo
que os quadros, portadores de imagem, possuam. Portanto, conforme
Benjamin, o cinema transferiu a interao que existia no teatro entre pblico e
ator, para a interao entre pblico e mquina, aparelho.
Contudo, para Benjamin, o cinema trouxe, tanto na ordem visual quanto na
auditiva, um aprofundamento da percepo. Ele permitiu ao espectador adquirir
a experincia de um inconsciente visual, pois [...] a natureza que fala cmera
inteiramente diversa da que se dirige aos olhos. Diferente, sobretudo, porque
substitui o espao no qual o homem age conscientemente por um espao onde
sua ao inconsciente (2002, p.247). Ainda, o cinema permitiu que,
elementos divergentes como a identidade entre o aspecto artstico da fotografia
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e seu uso cientfico, fossem estudados. Sendo assim, a fora da arte reside em
exatamente poder transformar em objeto as reflexes. Para Luciana Inhan, a
nica inteno da arte a de [...] facilitar e criar o dilogo entre o
conhecimento e o observador, exatamente o mesmo objetivo da filosofia e da
cincia (INHAN, 2010, p.17).
A arte, segundo o filsofo Giles Deleuze:
[...] consiste na criao de afetos e perceptos, ou seja, de objetos
tangveis, audveis ou visveis, transformando aquilo que antes era
apenas conceito e no tinha fora e imagem naquilo que agora pode
ser percebido, sentido. A arte no somente um reflexo de um
conceito, ou seja, ela no tenta somente criar uma imagem
explicativa, como um mapa ou tabela, ela um instrumento de
reflexo daquilo que est sendo discutido, demonstrado (apud
INHAN, 2010, p.17).
Ela no nasce de uma expresso sem sentido, de uma epifania ocasional, no
apenas fruto do inconsciente, pelo contrrio, ela possui grande carga lgica
em sua construo. O texto literrio, por exemplo, costuma trazer reflexes de
carter filosfico, ideolgico, poltico, e mesmo com toda sua lgica ele ainda
se caracteriza como obra de arte.
As diversas formas de arte caracterizam uma sociedade, uma poca, um
pensamento, uma ideologia. Atravs de seus estudos, pode-se interpretar
como determinadas culturas viam, sentiam, abstraam e admiravam seu prprio
mundo, seu prprio povo e seus prprios pensamentos.
A arte foge da racionalizao, ela se elucida pelo subjetivo, oferece um
choque de sensibilizao, isso se deve tambm ao fato de que no existe
uma forma de arte absoluta , ela carrega em si uma representao e toca a
quem a observa. Assim podemos retomar a nossa trgica indstria cultural:
______________ Arte Absoluta, Segundo Richard Wagner, A obra de arte absoluta, isto , a obra de arte que no deve estar ligada a nenhum tempo ou lugar, cuja representao no depende de nenhuma pessoa nem de nenhuma circunstncia particulares e nem se dirigindo a nenhum pblico particular, um no senso completo, um fantasma produzido por uma imaginao presa a ideias estticas (apud MACEDO, 1989, p.74).
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[...] Quanto s produes da indstria cultural, a subjetividade da arte vem novamente combater as aes objetivas de banalizao da cultura, segundo Theodor Adorno em seu trabalho Teoria esttica, justamente pelo dinamismo e o carter surpreendente da arte. O fato de trazer vida o irreal, a fantasia, desestabiliza a racionalidade e a anlise emprica, cientfica, das produes sociais, ampliando o horizonte para a compreenso. A sensibilidade e a subjetividade vm bater de frente com os ideais puros da razo e torna-se impossvel portanto uma simples anlise objetiva sem levar em conta os sentimentos que uma obra expressa, no s naquele que a observa, mas naquele que a produziu tambm (INHAN, 2010, p.17).
A inteno de uma obra de arte no a de ser agradvel ao comrcio, seu
propsito no o consumo excessivo, e apesar da interiorizao que a arte
capaz de produzir, sua repercusso na sociedade enquanto meio de reflexo e
transformao ainda pequena, mas apesar de exercer apenas aes
subjetivas no sujeito (detalhe desvalorizado j que a sociedade atual valoriza o
coletivo), a arte real e tem presena marcante na construo da realidade.
Diferente da cincia, que nos mostra uma realidade a ser conhecida,
demonstrada e provada, a arte nos mostra uma realidade a ser descoberta,
uma nova possibilidade, e passa a sensao de que quem a v e descobre o
que ela mostra, compactua com o artista, o reconhecimento de sentimentos e
desejos puramente humanos. Benjamin defende que a arte no pode ser usada
com fins polticos e a reproduo da arte, na forma de produo, no deve
servir alienao das massas. Entretanto, Benjamin no pode antever a
evoluo dos meios de comunicao acompanhada por intervenes de
intelectuais e especialistas compromissados com a formao cultural e o
desenvolvimento de uma postura crtica nos seus receptores, assim como
nosso objeto de estudo.
Essas crticas sobre os mass media afirmam que ao se dirigirem a um pblico
heterogneo, eles se especificam segundo uma mdia de gosto, evitando as
solues originais. Desse modo, destroem as caractersticas culturais prprias
de cada grupo tnico. Ainda, ao se dirigirem a um pblico, que ignora a si
mesmo como grupo social, portanto que no faz exigncias, acabam por se
impor como modelo. Ao acatar o gosto, estilemas e formas j existentes e
difundidos, ao nvel da cultura superior e transferidos para nveis inferiores, no
promovem renovaes, desenvolvem funes conservadoras. Tendem a
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provocar emoes intensas ao invs de as sugerirem, [...] entregam-na j
confeccionada (ECO, 2001, p.40). Inseridos em um circuito comercial, do ao
pblico o que ele quer e, seguindo as leis de uma economia baseada no
consumo e na publicidade, sugerem-lhe o que deve desejar. Fornecem uma
viso passiva e acrtica do mundo, pois desvalorizam o esforo individual
voltado para a posse de uma nova experincia. Encorajam uma imensa
informao sobre o presente, entorpecendo a conscincia histrica. Feitos para
o entretenimento e o lazer, empenham-se em permanecer na superficialidade
das coisas, por isso impem smbolos e mitos de fcil universalidade, criando
tipos prontamente reconhecveis. Trabalham sobre opinies comuns,
reafirmando o consensual. Favorecem projees orientadas para modelos
oficiais. [...] Surgem como uma tpica superestrutura de regime capitalista,
usada para fins de controle e planificao coata das conscincias (2001, p.42).
Embora assumam modos exteriores de uma cultura popular so impostos
como forma de controle das massas.
Alguns integrados defendem e negam que a cultura de massa seja tpica de um
regime capitalista, antes afirmam que ela prpria de qualquer sociedade de
tipo industrial, pois a adequao mdia ocorre toda vez que um organismo
poltico ou econmico precisa comunicar-se com a totalidade dos cidados de
um pas. Assim, ela prpria da democracia. Como se adequa mdia, a
cultura de massa possui defeitos como o conservantismo esttico, o
nivelamento do gosto, a recusa de propostas estilsticas, uma estrutura
paternalista da comunicao dos valores. Ainda, negam que ela tenha tomado
o lugar de uma cultura superior, pois o pblico a que se destina no tinha
acesso aos bens de cultura. Negam tambm que, pelo excesso de informao
sobre o presente, tenha havido prejuzo da conscincia histrica, pois as
massas no possuam ainda acesso a informaes sobre o presente, nem
eram dotadas de conhecimentos histricos. Embora ela transmita um acmulo
de informaes e difunda produtos de entretenimento, isso no impede que
determinado acmulo de dados quantitativos sejam resolvidos por alguns
indivduos em mutaes qualitativas ou que esses produtos sejam negativos ou
decadentes. Se homogeneiza o gosto, tambm contribui para eliminar as
diferenas de casta, unificar as sensibilidades nacionais, desenvolver [...]
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funes de descongestionamento anticolonialista em muitas partes do globo.
(2001, p.47).
Eco afirma que os apologistas (integrados) erram ao afirmar que a
multiplicao dos produtos da indstria seja boa em si e no deva se submeter
a uma crtica e a novas orientaes. Por outro lado, os apocalpticos-
aristocrticos erram ao julgar a cultura de massa radicalmente m, justamente
por ser um fato industrial.
Se, hoje, a cultura de massa manobrada por grupos econmicos e realizada
por executores especializados em fornecer ao pblico o que julgam mais
vendvel, sem que se verifique uma interveno macia dos homens de cultura
na produo, isso no significa dizer que essa interveno no exista. H, no
interior do modelo, contradies concretas que ali estabelecem uma dialtica
de fenmenos. Um exemplo disso ocorre no mercado livreiro. Ainda, existem
homens de cultura que utilizam a produo de um livro para a difuso de
valores. Justifica esse fato o aparecimento de edies crticas ou de colees
populares, representando uma vitria da comunidade cultural sobre o
instrumento industrial com o qual ela felizmente se comprometeu.
Para que haja produo cultura democrtica faz-se necessrio uma reviso dos
trs nveis high, middle e low atribudos a produtos da cultura. Conforme Eco,
esses nveis no correspondem a uma nivelao classista, ainda, no
representam graus de complexidade, porque no coincidem com trs nveis de
validade esttica, pois indivduos de classes diversas, ainda de diferentes
nveis culturais, podem fruir os mesmos produtos culturais. Ainda, existem
produtos, low brow, que produzidos para um vasto pblico consumir,
apresentam caractersticas estruturais originais e capacidade de superao dos
limites impostos pelo circuito de produo e consumo em que esto inseridos,
sendo assim considerados como obras de arte. Um exemplo disso ocorre com
certas histrias em quadrinhos que, inicialmente classificadas como lower
brow, so consumidas no nvel high brow. Por outro lado, h obras tidas como
novas que, obtm xito nas vendas graas promessa de fruio de valores
culturais novos, muitas vezes esto apenas divulgando estilemas e atitudes
culturais esvaziados da sua fora inicial e banalizados, postos ao nvel de um
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pblico preguioso. Entretanto, tambm h romances criados para o
entretenimento (bem de consumo) dotados de validade esttica, capazes de
veicularem valores originais e que tomam como base comunicativa uma
descoberta estilstica criada por outros experimentos literrios, inicialmente
com funes de proposta. Esses romances permitem uma evoluo do gosto
coletivo que passa a desfrutar em um nvel mais amplo de descobertas
experimentais realizadas em nvel restrito. Pode-se observar ento que o
panorama muito complexo.
Para Eco, a [...] diferena de nvel entre os vrios produtos no constitui a
priori uma diferena de valor, mas uma diferena da relao fruit