A Adaptação de Obra Clássica Para Uma Microssérie de Tv

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1 Coordenadoria de Publicidade e Propaganda LUCIANA DA SILVEIRA CANIZELLA A ADAPTAÇÃO DE OBRA CLÁSSICA PARA UMA MICROSSÉRIE DE TV: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DE CAPITU, DIRIGIDA POR LUIZ FERNANDO CARVALHO DE ALMEIDA. Assis 2011

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    Coordenadoria de Publicidade e Propaganda

    LUCIANA DA SILVEIRA CANIZELLA

    A ADAPTAO DE OBRA CLSSICA PARA UMA MICROSSRIE DE TV:

    UMA ANLISE SEMITICA DE CAPITU, DIRIGIDA POR LUIZ FERNANDO

    CARVALHO DE ALMEIDA.

    Assis

    2011

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    Coordenadoria de Publicidade e Propaganda

    LUCIANA DA SILVEIRA CANIZELLA

    A ADAPTAO DE OBRA CLSSICA PARA UMA MICROSSRIE DE TV:

    UMA ANLISE SEMITICA DE CAPITU, DIRIGIDA POR LUIZ FERNANDO

    CARVALHO DE ALMEIDA.

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Comunicao Social com Habilitao em Publicidade e Propaganda do Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis IMESA e Fundao Educacional do Municpio de Assis FEMA, como requisito parcial obteno de Certificado de Concluso. Orientanda: Luciana da Silveira Canizella Orientadora: Prof Dr Eliane A. Galvo Ribeiro Ferreira. Linha de Pesquisa: Cincias Sociais e Aplicadas.

    Assis

    2011

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    Dedicatria

    Aos meus pais, Ronaldo e Nildete, meus heris, que me proporcionaram uma

    formao acadmica de qualidade e com muito amor e apoio, acreditaram e

    investiram em minha vida. Eles so minha alma e meu corao!

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    Agradecimentos

    Este trabalho de concluso de curso no seria possvel sem a colaborao e

    ajuda de vrias pessoas, portanto, em um primeiro momento, agradeo a meus

    pais, Ronaldo e Nildete, que sempre estiveram do meu lado apoiando-me e

    incentivando-me, alm de fazerem de tudo para que eu conclusse minha

    graduao da forma mais brilhante possvel. Eles so meus grandes mestres!

    No posso deixar de reconhecer a participao direta e indireta que, para tal

    realizao recebi, dos meus colegas de classe, que por muitas vezes tambm

    foram meus professores, alm dos amigos que a vida me trouxe ao longo dos

    anos.

    s amigas Anelisa Succi, Las Brancalho, Nathalia Alves e Heloisa Bueno,

    pela parceria ao longo desse percurso, pela compreenso, pelos conselhos,

    pelos ensinamentos, pelas gargalhadas, viagens inesquecveis, e at pelos

    desentendimentos que tambm so uma forma de aprendizado.

    Gostaria de citar em especial a professora Alcioni Galdino, grande amiga e

    uma pessoa extremamente sbia, possuidora de uma doura fantstica,

    bondade, muito amor e dedicao no que faz. E tudo isso se encaixa na bela

    voz que tem. Sempre brincaram que ela era minha me e eu sua filha. Nunca

    vou me esquecer disso.

    E com imensa gratido que destaco o nome da professora mestra e

    orientadora Eliane Galvo, pela sabedoria, apoio, incentivo, amizade, pacincia

    e constante dedicao demonstrada no s no desenvolvimento deste

    trabalho, mas durante todo o perodo de faculdade. uma professora mgica,

    um ser humano apaixonante!

    Nenhum de ns to esperto quanto todos ns juntos

    (Ken Blanchard, Don Carew e Eunice Parisi-Carew)

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    A vindes outra vez, inquietas sombras...

    Machado de Assis (In: Dom Casmurro)

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    Resumo

    O presente Trabalho de Concluso de Curso tem por objetivo analisar a

    microssrie Capitu, produzida pela Rede Globo de Televiso, e dirigida por Luiz

    Fernando Carvalho de Almeida, em dezembro de 2008. A microssrie uma

    adaptao da obra literria Dom Casmurro, de Machado de Assis.

    Nesta anlise, parte-se do pressuposto de que a adaptao de uma obra

    literria quando resulta em trabalho artstico para a TV cria um espao diferente

    dentro de uma emissora pertencente TV aberta, cujos variados programas se

    destinam s grandes massas, como o caso da Rede Globo.

    Mais especificamente, pretende-se neste trabalho refletir sobre o processo da

    adaptao televisiva a partir de uma obra literria e o dilogo que se instaura

    entre as duas obras, sendo que, na linguagem audiovisual, a publicidade e a

    semitica entram em cena como comunicaes capazes de provocarem

    emoes nos indivduos e impulsionar seus desejos latentes.

    Palavras-chave: Publicidade; Propaganda; Adaptao; Semitica; Rede

    Globo.

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    ABSTRACT

    This work has as objective to analyze the microseries Capitu, produced by

    Globo Television Network and directed by Luiz Fernando Carvalho de Almeida

    in December 2008. The microseries is an adaptation of the literary Dom

    Casmurro, Machado de Assis.

    In this analysis, we start from the assumption that the adaptation of a literary

    work of art when it results in the TV creates a different space within a station

    belonging to the broadcast television, whose varied program intended to the

    masses, as is the case Rede Globo.

    More specifically, this paper aims to reflect the process of the television

    adaptation from a literary work and the dialogue established between the two

    works, and in the audiovisual language, semiotics and advertising comes into

    play as communication can trigger emotions in individuals and boost your latent

    desires.

    Keywords: Advertising; Adaptation; Semiotics; Rede Globo

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    SUMRIO

    Introduo ................................................................................................................ 09

    Captulo I A Semitica nas obras de arte

    1. A Semitica e sua relao com a cultura ...................................................... 14

    1.1 A Semitica no marketing e na publicidade .................................................. 16

    1.2 A linguagem dos signos e o dilogo entre duas obras distintas ................... 19

    Captulo II Um olhar mercadolgico diferenciado

    1. Sntese histrica da Rede Globo .................................................................. 27

    1.1 Indstria Cultural: uma introduo ................................................................ 29

    1.1.1 Alienao/Revelao pelo processo de significao ............................................... 34

    1.1.2 Indstria Cultural no Brasil ..................................................................................... 40

    1.2 A televiso e sua funo democratizante ..................................................... 42

    1.3 Capitu ........................................................................................................... 51

    Captulo III O romance em questo

    1. Casmurrice no enredo .................................................................................. 57

    1.1 Machado de Assis ........................................................................................ 59

    1.2 Luiz Fernando Carvalho de Almeida ............................................................. 63

    1.3 O modo de preparo de uma adaptao ........................................................ 65

    1.3.1 A personagem e a narrativa ................................................................................... 65

    1.3.2 Anlise do filme ..................................................................................................... 68

    1.3.3 Elementos gerais: a tarefa do Roteirista ................................................................. 69

    1.3.4 Palco X Tela .......................................................................................................... 69

    1.3.5 Adaptao ............................................................................................................. 70

    1.3.6 Princpios bsicos da roteirizao .......................................................................... 72

    1.3.7 A diviso em trs atos ............................................................................................ 74

    1.3.8 O universo da histria ............................................................................................ 75

    1.3.9 Protagonista, antagonista e conflito ........................................................................ 77

    1.3.10 Externar o que interno ......................................................................................... 78

    1.3.11 O poder da incerteza.............................................................................................. 79

    1.3.12 O tempo ................................................................................................................. 80

    1.4 Quadros de Capitu e a semitica .................................................................. 80

    Consideraes finais ............................................................................................ 89

    Bibliografia ........................................................................................................... 91

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    Introduo

    O presente trabalho prope-se analisar a adaptao televisiva da microssrie

    Capitu, dirigida por Luis Fernando Carvalho de Almeida, em 2008. A

    microssrie, composta por cinco captulos, uma adaptao do livro Dom

    Casmurro, de Machado de Assis. A srie gira em torno da personagem Capitu,

    embora o narrador seja Bentinho e o seu discurso esteja em primeira pessoa.

    Procura-se entender, neste texto, a adaptao como um processo que envolve

    opes de interpretao e esttica pessoais do diretor relacionadas com

    determinadas tendncias dominantes na atual linguagem audiovisual. Para

    Andrade, Reimo e Carvalho (2007, p.118), existem vrios graus de adaptao

    de uma obra literria para um meio audiovisual. A mais comum a adaptao

    propriamente dita; o basear-se em e o inspirar-se em; e o vago a partir de.

    Robert Stam (apud JOHNSON, 2003, p.44) afirma que a adaptao uma

    forma de dialogismo intertextual, e o papel da publicidade, que se utiliza da

    intertextualidade, reside, justamente, em comunicar com maior eficcia e

    agregar valor quilo que se vende, conferindo ao produto as qualidades de

    status, arte e cultura, prprias do objeto crtico que se retoma pela dialogia.

    Pode-se deduzir ento que

    [...] todo fenmeno de cultura s funciona culturalmente porque

    tambm um fenmeno de comunicao, e considerando-se que

    esses fenmenos s comunicam porque se estruturam como

    linguagem, pode-se concluir que todo e qualquer fato cultural, toda e

    qualquer atividade ou prtica social constituem-se como prticas

    significantes, isto , prticas de produo de linguagem e de sentido

    (SANTAELLA, 2008, p.12).

    Pretende-se observar que a adaptao de uma obra literria quando resulta em

    trabalho artstico para a TV cria um espao diferente dentro de uma emissora

    pertencente TV aberta, cujos variados programas se destinam s grandes

    massas, como o caso da Rede Globo.

  • 10

    Conforme Morin (1977), romances da alta cultura, s vezes, podem ser

    vulgarizados na adaptao, pois a linguagem voltada para o grande pblico

    simplificada, sofrendo metamorfoses. Tais processos resultam da [...]

    esquematizao da intriga, reduo do nmero de personagens, reduo dos

    caracteres a uma psicologia clara, eliminao do que poderia ser dificilmente

    inteligvel para a massa dos espectadores (MORIN, 1977, p.54).

    Para Antonio Candido:

    Uma obra uma realidade autnoma, cujo valor est na frmula que

    obteve para plasmar elementos no-literrios: impresses, paixes,

    ideias, fatos, acontecimentos, que so a matria-prima do ato criador.

    A sua importncia quase nunca devida circunstncia de exprimir

    um aspecto da realidade, social ou individual, mas maneira por que

    o faz (CANDIDO, 1981, p.34).

    Desse modo, justifica-se que, neste trabalho, busque-se observar justamente

    esse modo de fazer.

    Em nossa sociedade globalizada, o livro no objeto eleito e preferido pelos

    consumidores. O cinema e a televiso, ao resgatar uma histria, s vezes,

    esquecida cumpre tambm um papel social, contendo elementos atraentes

    para o pblico-leitor a que se destina (PIRES, 2008). Sendo assim, a

    microssrie Capitu no uma simples adaptao de Dom Casmurro, mas um

    dilogo com a obra original, uma releitura intrigante, na qual a histria

    centrada nesta figura enigmtica e cheia de sombras.

    Hoje, com o acesso informao cada vez mais acelerado e em curto espao

    de tempo, comum que o livro, o marketing, a internet, a televiso e o cinema

    caminhem juntos. Em nossa sociedade, h jovens com ideologias e

    concepes diversificadas que no se satisfazem mais com heris e

    comportamentos manifestos apenas por meio de um veculo de comunicao.

    Esse pblico anseia pela multiplicidade de manifestaes culturais: livro,

    cinema, roupas, msicas etc. Todavia, vale destacar que o pblico consumidor

    de manifestaes culturais financeiramente privilegiado. H classes sociais

    no Brasil que jamais tm acesso alta cultura.

  • 11

    Diante dessa realidade, pode-se deduzir que o cinema tem contribuies

    importantes a oferecer, pois, por meio da apresentao de uma obra artstica

    adaptada, assegura a democratizao da cultura.

    Neste trabalho, construmos a hiptese de que uma produo audiovisual,

    mesmo que tenha uma estrutura de marketing e um planejamento de mdia

    voltado venda, estando assim inserido dentro da produo de massa

    habitual, talvez contenha elementos novos e enriquecedores, sendo assim

    vantajoso que seja produzido e consumido em massa, e impulsione a

    comercializao e o consumo do produto original.

    Levantamos tambm a hiptese de no ser vantajosa para a sociedade

    qualquer forma de arte se manter marginalizada e desconhecida apenas por

    ser um produto no muito consumido pela populao, sendo assim positivo que

    haja adaptaes para a disseminao da obra, e que seja possvel mont-las

    sem que se tenha perda cultural.

    Em sua estruturao, este trabalho composto por trs captulos. No primeiro,

    apresento uma reflexo semitica em relao s obras de arte em geral e na

    publicidade e no marketing. Em segundo plano, reflito sobre a linguagem

    semitica nas duas obras sob anlise, a literria e a audiovisual, buscando-se

    compreender, sobretudo, a produo de sentido a partir de certa construo do

    olhar, da focalizao, na montagem cinematogrfica.

    O segundo captulo trata de indstria cultural e da proposta mercadolgica da

    emissora que efetivou a microssrie, no caso, a Rede Globo.

    O terceiro captulo trata de teoria e prtica do roteiro. Pretende-se analisar as

    caractersticas gerais, os elementos da narrativa, o desenvolvimento e a

    estruturao da trama, a imagem cinematogrfica, as mensagens que o diretor

    quer transmitir para o pblico, a trilha sonora, entre outros aspectos. Alm

    disso, tambm ser feita novamente uma reflexo semitica utilizando alguns

    quadros da microssrie.

    Para tanto, analisamos a microssrie de Luiz Fernando Carvalho de Almeida,

    comparando-a com a obra de Machado. Nessa comparao, visamos

  • 12

    desvendar se a adaptao resultou em um produto com qualidades estticas

    ou se apenas mais uma produo de mercado.

    O terceiro captulo apresentar dados sobre o trabalho prtico, ou seja, o vdeo

    documentrio que ser produzido, em palavras.

    Todos os captulos se completam e constituem um todo que culmina na

    concluso. Ao trmino do trabalho, apresento os anexos e a bibliografia. Posta

    ao final, ela evita a recorrncia contnua a notas de rodap.

  • 13

    A Semitica nas Obras de Arte

    Fonte: CARVALHO, 2008 (Primeiro Captulo).

    CAPTULO I

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    1. A semitica e sua relao com a cultura

    O homem o animal que vive entre dois

    grandes brinquedos o Amor onde ganha, a

    Morte onde perde. Por isso, inventou as artes

    plsticas, a poesia, a dana, a msica, o teatro,

    o circo e, enfim, o cinema.

    Oswald de Andrade (apud

    SANTAELLA, 1997, p.89)

    A conscincia de linguagem em sentido amplo gerou a necessidade do

    aparecimento de uma cincia capaz de criar dispositivos de indagao e

    instrumentos metodolgicos aptos a desvendar o universo multiforme e

    diversificado dos fenmenos de linguagem, surgindo assim, a Semitica, que

    considerada a mais jovem cincia a despontar no horizonte das chamadas

    cincias humanas. De acordo com Lcia Santaella, a Semitica peirceana,

    concebida como Lgica, no se confunde com uma cincia aplicada. O esforo

    de Charles Sanders Peirce (1839 1914), que era antes de tudo um cientista,

    foi o de configurar conceitos sgnicos to gerais que pudessem servir de

    alicerce qualquer cincia aplicada, e assim, como teoria cientfica, a

    Semitica de Peirce criou conceitos e dispositivos de indagao que nos

    permitem descrever, analisar e interpretar linguagens (SANTAELLA, 2008,

    p.55-70).

    Assim, para a semitica interessa:

    o estudo da produo de sentido e como ele surge;

    quais so as possibilidades de sua proliferao;

    a complexidade dos processos de organizao dos cdigos;

    as condies de recepo leitura interpretao da mensagem.

    Santaella desenvolve a hiptese de que os signos esto crescendo no mundo:

  • 15

    Basta um retrospecto para nos darmos conta de que, desde o

    advento da fotografia, ento do cinema, desde a exploso da

    imprensa e das imagens, seguida pelo advento da revoluo

    eletrnica que trouxe consigo o rdio e a televiso, ento, com todas

    formas de gravao sonoras, tambm com o surgimento da holografia

    e hoje com a revoluo digital que trouxe consigo o hipertexto e a

    hipermdia, o mundo vem sendo crescentemente povoado de novos

    signos. Para compreender esse crescimento e o consequente

    crescimento do prprio crebro humano, tenho considerado que a

    expanso semiosfrica, quer dizer, a expanso do reino dos signos

    que est tomando conta da biosfera, longe de ser apenas fruto da

    insacivel produo capitalista, parte de um programa evolutivo da

    espcie humana (2004, p.13).

    Umberto Eco afirma que no se pode esquecer que, na semitica, signo no

    apenas uma palavra ou uma imagem, mas tambm uma proposio e,

    inclusive, um livro inteiro (apud TREVIZAN, 2002, p.14). Para Peirce, signo

    sinnimo de vida (SANTAELLA, 1997, p.87).

    Zizi Trevizan (2002) relata que uma teoria da leitura deve envolver,

    necessariamente, reflexes sobre a natureza tridica da linguagem, constituda

    do elemento produtor (AUTOR), da matria produzida (TEXTO) e do sujeito

    receptor (LEITOR);. Qualquer que seja a modalidade desta linguagem, a

    jornalstica, a literria, a flmica, a publicitria, ela deve, pois, contemplar o

    dilogo do leitor com os signos do texto e o dilogo do leitor com as condies

    extra-textuais, das quais tambm participa o autor (2002, p.35). Com isso,

    pode-se concluir que uma leitura semitica sempre metalinguagem e sua

    tarefa no descobrir verdades, mas apontar validades.

    Para Lcia Santaella, a Semitica a cincia que tem por objeto de

    investigao todas as linguagens possveis, ou seja, que tem por objetivo o

    exame dos modos de constituio de todo e qualquer fenmeno como

    fenmeno de produo de significao e de sentido (2008, p.13). Pode-se

    deduzir, ento, que

    [...] todo fenmeno de cultura s funciona culturalmente porque

    tambm um fenmeno de comunicao, e considerando-se que

    esses fenmenos s comunicam porque se estruturam como

    linguagem, pode-se concluir que todo e qualquer fato cultural, toda e

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    qualquer atividade ou prtica social constituem-se como prticas

    significantes, isto , prticas de produo de linguagem e de sentido

    (2008, p.12).

    A reflexo que se apresenta sobre as narrativas televisuais, em especial, sobre

    a microssrie brasileira Capitu, tem a inteno de compreender aspectos desse

    gnero brasileiro de contar histrias, de construir memrias, enfim, de agir

    sobre o mundo por meio da linguagem. Linguagem no apenas responsvel

    pela comunicao, pois, como seres de linguagem, por meio das palavras,

    dos signos; enfim dos discursos, lembra-nos Bakhtin (2002), que nos

    compreendemos e compreendemos o mundo. A linguagem, ao mesmo tempo

    em que o lugar de acesso ao mundo, acaba sendo um obstculo ao

    conhecimento da realidade. O signo, como semente, tem que morrer para

    germinar. Portanto, a linguagem no apenas nos situa no mundo, mas tambm

    situa o mundo para que possamos compreend-lo e transform-lo. ela que

    constri a ponte necessria para nossas possveis percepes, orientaes,

    aes e compreenses daquilo que chamamos de realidade. A linguagem

    literria, sobretudo, possui potencialidades extremamente ricas de significao

    que favorecem a anlise semitica.

    1.1 A semitica no marketing e na publicidade

    Como afirma Siqueira,

    [...] as linguagens da Publicidade, atravs de seus recursos

    plurissgnicos conduzem a muitos comportamentos que dominam

    grande parcela da populao. Ela no cria a necessidade, mas a

    manipula, despertando desejos, boa vontade, simpatia, em relao ao

    objeto anunciado (apud TREVIZAN, 2002, p.78).

  • 17

    Armando SantAnna afirma ainda que [...] a publicidade uma das vrias

    foras de comunicao que, atuando isoladamente ou em combinao, leva o

    consumidor atravs de sucessivos nveis que podemos denominar de nvel de

    comunicao: desconhecimento, compreenso, convico e ao

    (SANTANNA, 2002, p.78).

    Um mesmo objeto ou situao podem ser vistos de diferentes formas e

    intensidades, pois a estrutura social e a cultura presentes em cada ser

    permitem interpret-los de maneiras dspares. Conforme Bergan e Luckman

    (1991), [...] a maneira como vemos as coisas afetada pelo que sabemos ou

    pelo que acreditamos. Para eles, [...] aps apresentada, uma imagem como

    obra de arte, o modo pelo qual as pessoas a olham afetado por toda uma

    srie de premissas aprendidas sobre a arte, seja ela em qual modo for

    apresentado. Surgem, ento, suposies a respeito de beleza, verdade, gnio,

    civilizao, forma, status, gosto, etc. (BERGER; LUCKMAN, 1991, p.10).

    Assim, em concordncia com Santaella, podemos fixar ainda melhor a

    fenomenologia em questo, em que os fenmenos de cultura s funcionam

    culturalmente para com o pblico porque so tambm um fenmeno de

    comunicao.

    Conforme Santaella (2008, p.32) afirma, [...] no h nada, para ns, mais

    aberto observao do que os fenmenos. De acordo com Peirce, a

    fenomenologia seria a descrio e a anlise das experincias que esto em

    aberto para o homem, cada dia e cada hora, em cada canto e esquina de

    nosso cotidiano (apud SANTAELLA, 2008, p.32). Sendo assim, [...] fenmeno

    tudo aquilo que aparece mente, corresponda a algo real ou no, portanto,

    a fenomenologia tem por objetivo [...] levantar os elementos ou caractersticas

    que pertencem a todos os fenmenos e participam de todas as experincias

    (SANTAELLA, 2008, p.33).

    Nessa medida, so trs as faculdades que devemos desenvolver para essa

    tarefa:

    1) A capacidade contemplativa, isto , abrir as janelas do esprito e ver o

    que est diante dos olhos.

  • 18

    2) Saber distinguir, discriminar resolutamente diferenas nessas

    observaes.

    3) Ser capaz de generalizar as observaes em classes ou categorias

    abrangentes.

    Essas trs faculdades mostram como os fenmenos aparecem conscincia.

    Neste trabalho, entende-se conscincia como o lugar onde interagem formas

    de pensamento. Sendo assim, as experincias so as observaes de cada

    indivduo ao se deparar com os fenmenos, cabendo a eles perceb-los,

    constatar sua existncia e interpret-los.

    A partir disso, podemos nos aproximar de trs categorias, ou seja, de trs

    modos dos fenmenos aparecerem conscincia ou trs modalidades

    possveis de apreenso de todo e qualquer fenmeno. De acordo com

    Santaella, [...] elas se constituem, no entanto, nas modalidades mais

    universais e mais gerais, atravs das quais se opera apreenso-traduo dos

    fenmenos (SANTAELLA, 2008, p.42). Vejamos, ento, quais so elas:

    Primeiridade: Trata-se do presente imediato, iniciante, original, espontneo e

    livre. No pode ser articuladamente pensado. Se for afirmado, perde toda a sua

    inocncia caracterstica de mera qualidade. Enfim, o sentimento imediato.

    Secundidade: Consiste na arena da existncia cotidiana, em um estado de

    alerta, conscincia do EU que s nos dada atravs da conscincia do

    OUTRO. Enfim, a conscincia do conflito.

    Terceiridade: Aproxima, ou melhor, realiza a mediao entre a primeiridade e

    a secundidade em uma sntese intelectual. Corresponde camada de

    inteligncia ou pensamento em signos, atravs do qual representamos e

    interpretamos o mundo; implica generalizaes e leis.

    Santaella ainda define:

    Como matrizes abstratas, as trs definem campos gerais e

    elementares que raramente sero encontrados em estado puro nas

    linguagens concretas que esto a e aqui, conosco e em uso. Na

    produo e utilizao prtica dos signos, estes se apresentam

    amalgamados, misturados, interconectados. Por exemplo: todas as

    linguagens da imagem, produzidas atravs de mquinas (fotografia,

    cinema, televiso...), so signos hbridos: trata-se de hipocones

  • 19

    (imagens) e de ndices. No necessrio explicar por que so

    imagens, por isso evidente. So, contudo, tambm ndices porque

    essas mquinas so capazes de registrar o objeto do signo por

    conexo fsica (SANTAELLA, 2008, p.69-70).

    Desse modo, Santaella afirma que a Semitica geral e a teoria dos signos, em

    geral, trouxeram as imprescindveis fundaes fenomenolgicas e formais para

    o desenvolvimento necessrio de muitas e variadas Semiticas especiais,

    como a Semitica da linguagem sonora, da arquitetura, da linguagem visual, da

    dana, das artes plsticas, da literatura, do teatro, do jornal, dos gestos, dos

    ritos, dos jogos e das linguagens da natureza...

    Nessas Semiticas especiais, que tm por funo descrever e analisar a

    natureza especfica e os caracteres peculiares de cada um daqueles campos,

    brotam necessariamente as prticas e aplicao, isto , as atividades de leitura

    e inteligibilidade dos mais diversos processos e produtos de linguagem: um

    poema, um teorema, uma pea musical, um objeto, uma pea de teatro, um

    filme, um programa de televiso, um ponto de luz, uma nota musical

    prolongada, o silncio. Justifica-se, ento, que analisemos neste trabalho dois

    produtos culturais, romance e adaptao para a televiso, pertencentes

    mesma categoria, ou seja, s Semiticas Especiais.

    1.2 A linguagem dos signos e o dilogo entre duas obras distintas

    Para Hlio Guimares (2003, p.91), as adaptaes de obras literrias para

    veculos audiovisuais constituem um processo cultural complexo.

    Sendo assim, a adaptao televisiva um processo que envolve opes de

    interpretao e esttica pessoal do diretor, relacionada com determinadas

    tendncias dominantes na atual linguagem audiovisual. primeira vista,

    compreender uma adaptao representa localizar os elementos em comum

  • 20

    entre ela e seu texto de origem, e no h nada mais em comum do que a

    personagem central.

    O filme tem em igual relevncia a narrativa (o ngulo de viso da cmera), a

    ao, a fotografia, as personagens, a trilha sonora e outros elementos que o

    compe como um todo. Por isso mesmo, o cinema pode ser considerado algo

    que [...] esteticamente equvoco, ambguo, impuro. O cinema tributrio de

    todas as linguagens, artsticas ou no, e mal pode prescindir desses apoios

    que eventualmente digere (GOMES, 1987, p.105).

    Conforme Gomes:

    A histria da arte cinematogrfica poderia limitar-se, sem correr o

    risco de deformao fatal, ao tratamento de dois temas [...], o que o

    cinema deve ao teatro e o que deve literatura. O filme s escapa a

    esses grilhes quando desistimos de encar-lo como obra de arte e

    ele comea a nos interessar como fenmeno. No na esttica, mas

    na sociologia que refulge a originalidade do cinema como arte viva do

    sculo. (GOMES, 1987, p.106).

    Quando nossos olhos esto diante de uma adaptao televisiva surge a

    insistncia na fidelidade em relao obra literria, ou seja, a arte inicial por

    onde a adaptao tomou forma. No entanto, [...] a literatura e o cinema

    constituem dois campos de produo cultural distintos, embora em algum nvel

    relacionados (JOHNSON, 2003, p.44).

    Johnson ainda afirma que,

    [...] a insistncia na fidelidade perde sentido. Uma obra artstica,

    seja ela romance, conto, poema, filme, escultura, ou pintura, tem de

    ser julgada em relao aos valores do campo no qual se insere, e no

    em relao aos valores de outro campo (2003, p.44).

    Ento, muito mais produtivo pensar na adaptao como uma forma de

    dialogismo intertextual, assim como afirma Robert Stam (Apud JOHNSON

    2003, p.44), e o papel da publicidade, que se utiliza da intertextualidade, reside,

    justamente, em comunicar com maior eficcia e agregar valor quilo que se

  • 21

    vende, conferindo ao produto as qualidades de status, arte e cultura

    prprias do objeto crtico que se retoma pela dialogia.

    Guimares explica que:

    [...] as adaptaes continuam a nos colocar diante de problemas

    irresolvidos da cultura contempornea, em que as tradicionais

    hierarquizaes entre as expresses artsticas e culturais so

    constantemente questionadas e em que os limites entre alta e baixa

    cultura, cultura de massa e cultura erudita, originalidade e cpia so

    constantemente redefinidos. [...] Justamente por estarem nesse

    terreno conflituoso que as adaptaes colocam questes de

    interesse, tais como a apropriao e ressignificao de produtos

    culturais do passado pelos meios de comunicao de massa,

    projetando-os para diferentes pblicos e atribuindo-lhes novas

    significaes e sentidos (GUIMARES, 2003, p.110-11).

    A transposio do texto literrio para a mdia audiovisual deve ser lida como

    produto autnomo. No entanto, h vrias posies em relao questo da

    fidelidade na adaptao da literatura para as linguagens audiovisuais. Alguns

    pesquisadores asseguram que essa mudana de suporte no desqualifica o

    texto original, pois seus elementos podem de alguma forma estar presentes na

    narrativa imagtica. Acredita-se que o resultado da transposio deve ser fiel

    ao texto original, tendo como finalidade reproduzir nas imagens as

    caractersticas e os elementos do texto escrito. Haveria, ento, uma forma mais

    concreta e fiel de fazer a transposio.

    Sob essa tica, o texto literrio seria impossibilitado de indicar ao leitor uma

    abundncia de interpretaes, o que vai contra a sua prpria essncia, como

    afirma Hlio Guimares:

    O pressuposto bsico desses discursos baseados na noo de

    fidelidade que quanto mais fiel ao texto literrio, melhor ser o

    programa de TV [...], supe-se existir uma leitura correta e nica

    para o texto literrio, cabendo ao adaptador descobrir o verdadeiro

    sentido do texto e transferi-lo para uma nova linguagem e um novo

    veculo. Essa viso nega a prpria natureza do texto literrio, que a

    possibilidade de suscitar interpretaes diversas e ganhar novos

    sentidos com o passar do tempo e a mudana das circunstncias.

    Levada ao limite, a idia de fidelidade supe que programa de TV fiel

  • 22

    ao texto literrio de alguma forma possa substitu-lo, tomando seu

    lugar e tornando-o de alguma forma obsoleto, desnecessrio, ideia

    incorporada de quem l o resumo de um romance ou assiste novela

    ou minissrie baseadas no romance e acredita ter lido o romance.

    (GUIMARES, 2003, p.94-95).

    Sobre tradues criativas, intersemiticas, Joo Manuel Cunha diz que a

    criao, ento, vai determinar escolhas dentro de um complexo sgnico que

    estranho ao sistema do texto original, afastando-se, inclusive, cada vez mais da

    idia de fidelidade (apud MARTINS, 2003, p.63).

    E assim, utilizarei novamente o que Siqueira afirma (apud Trevizan) em relao

    linguagem da Publicidade caminhar juntamente com a linguagem dos signos,

    utilizando seus recursos plurissgnicos, aonde estes conduzem os

    comportamentos da maioria das pessoas. Estas linguagens so uma s, e

    despertam desejos, boa vontade, simpatia, em relao ao objeto anunciado.

    Sendo assim,

    [...] invocou-se o argumento tradicional de que a transposio de

    narrativas literrias para veculos de massa beneficia a produo

    literria por divulgar o livro e estimular a leitura, ainda que a moeda

    ficcional de larga circulao, digamos assim, seja o programa de TV,

    e no o livro. Se fato que a adaptao estimula a vendagem de

    livros por algumas semanas, em torno das personagens e da

    histria contada pela TV que se constri um imaginrio ficcional

    amplamente compartilhvel (GUIMARES, 2003, p.109).

    Alm disso, Guimares ainda afirma que:

    [...] o processo de adaptao, portanto, no se esgota na

    transposio do texto literrio para um outro veculo. Ele pode gerar

    uma cadeia quase infinita de referncias a outros textos, constituindo

    um fenmeno cultural que envolve processos dinmicos de

    transferncia, traduo e interpretao de significados e valores

    histrico-culturais (2003, p.91).

    A perspectiva e o ponto de vista do prprio diretor da microssrie, Luiz

    Fernando Carvalho, de que as adaptaes so um achatamento da obra. Por

    conta disso, ele define o trabalho feito na microssrie como uma aproximao.

  • 23

    Carvalho ainda diz:

    [...] optei por um outro ttulo, Capitu, diferente de Dom Casmurro,

    portanto. Assim a ideia de uma aproximao ficaria ainda mais clara,

    revelando no se tratar apenas de uma tentativa de transposio de

    um suporte para outro, e sim de um dilogo com a obra original. E,

    por sua vez, nasce da tambm uma outra tentativa: o dilogo com a

    personagem Capitu, que no prprio texto do Machado to

    misteriosa e enigmtica (CARVALHO, 2008, p.75).

    Para Carlos Amadeu Botelho Byington, Dom Casmurro [...] trata de um

    romance de dvida entre o possvel adultrio de Capitu e o delrio de Bentinho,

    oriundo do seu cime doentio (BYINGTON, 2008, p.19). Byington afirma que

    Machado, utilizando a fala de Bentinho, fundamenta as duas possibilidades

    maquiavelicamente ora com dados concretos e explcitos, ora com aluses

    discretas, mas sempre com a inteno de tornar a dvida indecifrvel. O autor

    [...] nos convida a embarcar na dvida como uma funo psicolgica

    estruturante da Conscincia [...]. (2008, p.20)

    Byington ainda afirma que,

    [...] A obra de Machado de Assis (1839-1908) nos coloca diante de

    uma sociedade do final do sculo XIX puritana, muito reprimida, na

    qual as emoes verdadeiras so insinuadas, de um modo geral,

    atravs de frestas. Ele no se compromete com nenhuma emoo

    que caracterize a identidade autntica do personagem, mas emprega

    reaes que sugerem estados de conscincia. Junto com a dvida de

    quem conhece o final do livro, esse estilo instiga a imaginao do

    leitor e a conduz para a subjetividade do enredo (2008, p.22).

    Conforme Santaella, [...] sofremos na carne e no esprito a tragdia da

    conscincia. Tragdia paradoxal, misto de regozijo e dor, luz e trevas, vida e

    morte, plenitude e vazio (SANTAELLA, 1997, p.88). Nesse contexto, Santaella

    ainda afirma que [...] toda definio acabada uma espcie de morte, porque,

    sendo fechada, mata justo a inquietao e curiosidade que nos impulsionam

    para as coisas que, vivas, palpitam e pulsam (2008, p.9).

    Umberto Eco adverte que um autor no deve oferecer interpretaes de sua

    obra. Um romance, como o de Machado, [...] uma mquina para gerar

    interpretaes (ECO, 1985, p.8). Eco afirma que o autor [...] deveria morrer

  • 24

    depois de escrever. Para no perturbar o caminho do texto. (ECO, 1985, p.12).

    Desse modo, afirma tambm que o texto aps a escritura elege seus leitores e

    forma-os, esses leitores, por sua vez, realizam suas leituras diversas,

    escolhendo quais caminhos seguir entre as inmeras possibilidades labirnticas

    de interpretao.

    O interessante na obra de Machado justamente isso a construo do

    enredo em torno da ambiguidade. Por exemplo, ao mesmo tempo em que

    aponta qualidades de Capitu, como uma jovem de fascinante beleza,

    inteligncia e perspiccia, ele tambm aponta uma Capitu que tem grande

    capacidade de mentira, dissimulao e manipulao. Sergio Paulo Rouanet

    (ROUANET, 2008, p.68) diz que a questo da ambiguidade, do duplo, do

    espelho, no se coloca somente na forma do romance em si, da literatura, mas

    est espalhada em cada um dos personagens.

    Assim como afirma Carvalho, [...] a opo pelo caminho da dvida eleva o

    romance ao mtico embate entre o que seja mera aparncia das coisas e a

    verdade do mundo (CARVALHO, 2008, p.75). Sobre isso, Carvalho coloca:

    [...] No uma questo se a histria de poca ou no. Se,

    simplesmente, Capitu traiu ou no. O tema bem outro e pertence a

    qualquer tempo [...]. Nas entrelinhas, h uma serpente engolindo sua

    prpria cauda. Logo, o grande paradigma dessa histria ele mesmo,

    chama-se Dom Casmurro. Seu relato procura dar conta de como lidar

    com esse ba de fantasmagorias, memrias, emoes, dvidas.

    Principalmente de dvidas (2008, p.79).

    Carvalho ainda diz que a dvida presente em Dom Casmurro reafirmada na

    microssrie como parte do processo cultural e processo dialtico da

    modernidade. Ento, a obra deve ser lida sob o signo da dvida.

    Conforme o filsofo tcheco Vilm Flusser (apud ROUANET, 2008, p.66), a

    dvida a cincia, sem dvida no pode haver cincia, a dvida metdica.

    Portanto, vemos que esse processo de releitura entre Dom Casmurro e Capitu

    um fenmeno cultural ao qual devemos prestar muita ateno e valoriz-lo,

    pois o prprio Machado apresenta na obra literria a ideia de continuao, o

    que demonstra uma modernidade absurda em relao sua poca e prpria

  • 25

    literatura existente, e assim como Carvalho diz, [...] essa continuao que

    traa uma perspectiva esttica e um dilogo entre artistas de eras to

    distantes (CARVALHO, 2008, p. 77). Carvalho ainda afirma que tentou se

    aproximar de Machado com esse esprito de continuao e com um tom

    dialtico a fim de libertar seu texto das leituras castradoras que o aprisionavam

    ao realismo do sculo XIX. Enfim, a microssrie fez renascer a obra literria,

    com outras coordenadas estticas, mas com a mesma sntese, reafirmando

    Machado em termos de contedo e linguagem, e dialogando com

    possibilidades simblicas da modernidade ao abrir o texto a outras

    visibilidades.

  • 26

    Um Olhar Mercadolgico Diferenciado

    Fonte: CARVALHO, 2008 (Primeiro Captulo).

    CAPTULO II

  • 27

    1. Sntese histrica da Rede Globo

    Irineu Marinho iniciou na profisso de jornalista em 1891, atuando em vrios

    jornais, como Dirio de Notcias, A Notcia, Gazeta da Tarde, A Tribuna e A

    Gazeta de Notcias. Exerceu cargos de revisor, reprter policial e diretor. Em

    1911, Irineu criou o jornal A Noite, e deu incio quele que seria o maior imprio

    de comunicaes do pas. Em 1925, aps fundar o jornal O Globo, veio a

    falecer.

    Assim, seu filho Roberto Marinho tomou a frente dos negcios, tornando-se

    chefe do jornal O Globo em 1931. Com a inaugurao da Rdio Globo, em

    1944, fundou as Organizaes Globo. Em 1957, a empresa conseguiu a

    concesso, dada por Juscelino Kubitschek, do canal 4 do Rio de Janeiro,

    preparando-se para a chegada de sua televiso.

    O grupo norte-americano Time-Life foi o grande parceiro das Organizaes

    Globo na implementao da TV. Com isso, a Rede Globo de Televiso foi ao ar

    pela primeira vez em 26 de abril de 1965, no Rio de Janeiro.

    Segundo Roberto Marinho, a inteno principal era trazer para o Brasil um

    modelo televisivo diferenciado e grandioso. Para se chegar a isso, investiu-se

    gradualmente na contratao dos melhores artistas e profissionais do ramo na

    poca, como Raul Longras, Dercy Gonalves, Chico Anysio e Chacrinha, alm

    dos diretores Walter Clark e Jos Bonifcio de Oliveira Sobrinho, que fizeram a

    diferena para a expanso da emissora, pois j carregavam uma bagagem

    profissional de outros canais de televiso.

    A Rede Globo chegou a So Paulo em 1966, a partir da aquisio pelas

    Organizaes Globo da TV Paulista, tornando-se o Canal 5. O grupo

    empresarial seguiu fazendo suas aquisies por vrios estados brasileiros,

    expandindo sua rede televisiva para as diversas regies do pas.

    ___________________

    Para a composio deste tpico foram utilizadas principalmente as informaes disponibilizadas no website oficial da

    Rede Globo (Disponvel em: . Acesso em 18 ago 2011) e na Wikipdia (Disponvel em:

    . Acesso em 18 ago 2011).

  • 28

    A criao do globo para compor o logotipo da emissora foi feita pelo desenhista

    Borjalo, entretanto, mais tarde, foi modificado por Hans Donner que tambm

    criou o famoso plim-plim com som de vidro tilintando.

    Ao centralizar suas produes na cidade do Rio de Janeiro, possibilitou um

    barateamento dos custos. Entretanto, na teledramaturgia no tinha grandes

    produes, a rede era nova e no possua experincia nesse setor, fazendo

    com que perdesse muitos pontos para a concorrncia. Porm, aps a falncia

    da TV Excelsior, novos autores chegaram emissora, como Lauro Csar

    Muniz e Dias Gomes. Desde ento passou a impor seu padro de dramaturgia

    no Brasil e consolidou-se e tornou-se referncia na produo de novelas, sries

    e minissries, tanto nacional como internacionalmente.

    A Rede Globo tornou-se pioneira em muitos quesitos. Foi a primeira emissora

    do Brasil a trazer para o pas o videotape, a transmitir ao vivo uma Copa do

    Mundo (Inglaterra, 1966), a exibir um telejornal em rede nacional

    simultaneamente com a primeira edio do Jornal Nacional, alm de transmitir

    o lanamento da nave espacial Apollo IX (1968) via satlite, estrear uma

    programao totalmente nacional e utilizar o satlite Intelsat para transmisses

    em tempo real em territrio nacional.

    A Rede Globo possui hoje 113 emissoras, entre geradoras e afiliadas, e pode

    ser assistida durante 24 horas por dia em 99,84% dos municpios brasileiros.

    Em 2008, a emissora lanou ao ar o Projeto Quadrante, um conjunto de quatro

    microssries, exibidas uma por ano, que tencionou levar a literatura brasileira

    para a televiso. A microssrie Capitu foi a segunda produo do Projeto,

    sendo a primeira A Pedra do Reino, dirigida tambm por Luiz Fernando

    Carvalho. A ideia de produzir Capitu surgiu por conta do centenrio de morte

    do aclamado escritor Machado de Assis, autor do romance Dom Casmurro, no

    qual se baseia a srie.

  • 29

    1.1 Indstria Cultural: uma introduo

    Com a valorizao do capital, filme e rdio no tm necessidade de serem

    empacotados como arte, antes se definem como indstrias, o capital que

    geram os liberta do compromisso social. Eles pertencem ento indstria

    cultural. Entretanto, a diferena de valor orado pela indstria cultural no tem

    nada a ver com a diferena objetiva, com o significado dos produtos.

    (HORKHEIMER; ADORNO, 2002, p.172).

    As produes, ao passarem pelo crivo da indstria cultural, perderam a sua

    qualidade de ruptura com o mundo emprico, passaram a se apresentar como

    reconhecveis pelo cidado comum, como continuidades de seu universo.

    Desse modo, os produtos dessa indstria operam em todos os homens de uma

    vez por todas (2002, p.175). Assim, cada manifestao particular da indstria

    cultural reproduz os homens como aquilo que foi j produzido por toda a

    indstria cultural. Logo, cria-se um padro esperado pelo receptor, consumidor.

    Cria-se um estilo que a indstria cultural por fim absolutiza, gerando a obra

    medocre que busca a semelhana, a imitao pelo libi da identidade.

    A indstria cultural supe que o espectador no deve exercitar sua capacidade

    imaginativa, projetiva e interpretativa, por isso evita-se qualquer vazio que exija

    um esforo em busca da concretude. Dessa forma, a indstria paradoxalmente

    priva seus consumidores do que continuamente lhes promete. Oferece-lhes,

    sob a promessa de um banquete, apenas o menu deste. Ela priva o espectador

    da sublimao esttica. Ela o sufoca, reprime, expondo-o continuamente a

    objetos de desejo dos quais ele privado. O espectador, por hbito ou no,

    percebe esse processo em sua amplitude ou sente que no h como lhe opor

    resistncia. Esse tipo de divertimento, distrao, promove, dessa forma a

    resignao de quem nele procura se esquecer. A distrao significa o no

    pensar, esquecer a dor, mesmo onde ela se mostra (2002, p.192), levar as

    pessoas a se distanciarem do contato com a subjetividade. Assim sendo, ela

    valoriza, portanto, o coletivo, no o individual. [...] Ningum deve dar conta

    oficialmente do que pensa. Em troca, todos so encerrados, do comeo ao fim,

  • 30

    em um sistema de instituies e relaes, que formam um instrumento

    hipersensvel de controle social (2002, p.197).

    Nesse sistema de controle social no h lugar para o desprivilegiado

    economicamente, para o revolucionrio. A indstria cultural pauta-se pelos

    princpios da utilidade e da finalidade. Desse modo, na recepo dos bens

    culturais o valor de uso substitudo pelo de troca, em lugar do prazer esttico

    penetra a idia de tomar parte e estar em dia, em lugar da compreenso,

    ganha-se prestgio. (2002, p.205). Assim, a cultura passa a ser uma mercadoria

    que se funde com a propaganda, visando a fins econmicos e a encobrir sua

    falta de fruibilidade. A publicidade seu elixir da vida, ela permite o reforo do

    vnculo entre consumidores e grande firmas. As despesas com publicidade,

    por sua vez, refluem para o caixa dos monoplios (2002, p.209).

    O poder industrial utiliza-se da publicidade como a arte por excelncia, ela

    propaga seu poder, gera necessidades, ao invadir a paisagem com cartazes e

    letreiros, as revistas, a publicidade atua como exposio desse poder. Seu

    processo de criao est fundado no princpio da eficincia, na tcnica do

    manejo dos homens, concebidos como incapazes de sentir prazer com o

    diferente, ou com o que requer interpretao. A eles, a publicidade oferece o

    surpreendente, porm familiar, o leve, contudo incisivo, o especializado, mas

    simples. Assim, a indstria cultural, ao ser ingerida sem certa bagagem,

    capaz de devorar o seu espectador e alien-lo.

    Entretanto, o diagnstico apresentado por Horkheimer e Adorno sobre o poder

    da publicidade merece ser relativizado, tendo em vista que muitas produes

    da indstria cultural fracassaram e foram rejeitadas pelos seus receptores.

    Para Dwigth Macdonald (apud ECO, 1971), as massas foram produzidas pela

    revoluo industrial, em fins do sculo XVIII, na Europa. Antes disso, havia

    somente a Alta Cultura e a Arte Popular. A arte popular surgiu da manifestao

    do povo, veio de baixo. Segundo ele, existem desde ento, a Massicultura, a

    Medicultura e a Alta Cultura.

    Para Macdonald, a Massicultura uma pardia da Alta Cultura. Ela surge no

    sculo XVIII, com os romances ancilares e permanece na produo miditica

  • 31

    atual de rdio, televiso e cinema. Entretanto, o autor afirma que a

    Massicultura um fato novo na Histria, caracteriza-se por ser no-arte,

    antiarte. Assim, ela no oferece aos seus clientes uma catarse emocional e

    uma experincia esttica. Portanto, ela propicia um carter de escapismo a seu

    leitor.

    Ao confrontar a Massicultura com a Alta Cultura, o autor define esta ltima

    como expresso de sentimentos, ideias, gostos, modos de ver idiossincrticos.

    A ela, o pblico reage de maneira individual. A massicultura por sua vez

    indiferente a qualquer critrio de avaliao, impessoal e embora se sujeite ao

    espectador no lhe permite a comunicao. H ento uma conteno no

    processo comunicativo, no dilogo com o leitor.

    A questo da Massicultura parte integrante da sociedade moderna industrial,

    consiste em transformar o indivduo no homem de massa. As massas

    constituem-se por uma grande quantidade de pessoas incapazes de exprimir a

    sua qualidade humana, porque desligadas umas das outras no se

    reconhecem nem como indivduos, nem como membros de uma comunidade,

    conforme Macdonald. A moralidade dessa sociedade de massa desce ao nvel

    dos membros mais primitivos e o seu gosto ao nvel do menos sensvel e do

    mais ignorante. H, ento, para o autor, um nivelar por baixo. Apesar disso,

    esse nivelar tomado como medida pelos tcnicos da Massicultura. Para eles,

    interessam dados estatsticos como provas concretas do sucesso de

    determinado filme, livro, programa de TV ou de uma msica. Em sua defesa, os

    produtores de Massicultura afirmam que oferecem ao pblico o que este quer.

    vlido observar que o pblico quer aquilo que muitas vezes lhe oferecem.

    Porque esse pblico homogeneizado perde suas faculdades de querer

    valores, de se individualizar e de se reconhecer como nico. Nessa

    homogeneizao h uma tendncia para degradar as coisas srias e elevar as

    frvolas (ECO, 1971, p.79).

    A Massicultura surgiu inicialmente na Inglaterra, no sculo XVIII, juntamente

    com a industrializao. Com o advento do salrio, a leitura tem um incremento

    deixando de ser, de 1700 a 1800, exclusividade de aristocratas, eclesisticos e

  • 32

    estudiosos, passando a ser consumida por empregados, artfices, operrios e

    camponeses.

    O pblico de massa ento passa a assumir uma forma determinante no critrio

    de classificao de uma obra, no como boa, mas como popular. Observa-se

    que o criador precisa produzir considerando no os critrios qualitativos, antes

    os do xito junto a esse pblico. Os livros passam a ser vistos como

    mercadoria, sendo avaliado com base na reao do pblico consumidor. No

    cinema, os crticos passaram a produzir textos que elegem o que agrada ao

    pblico em geral, omitindo assim o prprio gosto, sem importncia, em nome

    da coletividade. Desse modo, as obras duradouras afastaram-se do mercado e

    passaram a posicionar-se contrariamente a ele. A esse movimento denominou-

    se de vanguarda.

    Assim, de acordo com Macdonald:

    [...] As massas concedem um valor absurdamente alto ao gnio

    pessoal, ao carisma do executor, mas exigem tambm uma secreta

    desforra; ele deve fazer o jogo o seu jogo , deve distorcer a sua

    personalidade para se adequar ao seu gosto (ECO, 1971, p.94).

    Na Massicultura e na Medicultura tudo se torna mercadoria voltada para o

    lucro. A linha divisria entre a Alta Cultura, voltada aristocracia, e a

    Massicultura, direcionada plebe, j no existe. Hoje, as pessoas podem

    escolher entre a televiso e os antigos mestres, entre Tostoi e um romance

    barato, porque o esquema da vida cultural, para Macdonald, est aberto,

    poroso (p. 103). Portanto, a produo no pode ser voltada somente para o

    que se imagina seja o Grande Pblico. preciso que o escritor produza

    tambm para os seus iguais, aquela minoria informada, interessada. [...] A

    maioria, se quiser, que escute atrs da porta, mas seus gostos devem ser

    ignorados (1971, p.147).

    Segundo o autor, no se trata de recriar a vanguarda, nem de melhorar o nvel

    geral da Massicultura e da Medicultura, antes de perceber que o pblico de

  • 33

    massa divisvel, composto por pequenos outros pblicos, formados por

    especialistas, que tambm podem ser comercialmente vantajosos (1971,

    p.147).

    Conforme Macdonald, a considerao pelo pblico como uma multido

    representa a desconsiderao do indivduo em si mesmo. Essa considerao

    totalizante gera a falsidade de que se pode compreender as massas e

    presumir o seu gosto.

    Dentro das acepes acerca da indstria cultural, existem duas correntes

    fundamentais que podem ser tanto classificadas como divididas entre os

    sujeitos que esto a favor dessa indstria, e os que esto contra. Estes

    ltimos so denominados, por Umberto Eco (2001), de apocalpticos,

    acreditam que a indstria cultural s produz produtos voltados para a

    alienao. Os primeiros, a favor, so denominados de integrados (ECO,

    2001), e para eles a indstria tem como funo central a mesma de toda

    produo intelectual, como define Teixeira: A revelao, para o homem, das

    significaes suas e do mundo que o cerca (com a diferena que agora essa

    revelao se faria mais depressa e para um nmero maior de pessoas)

    (TEIXEIRA, 1989, p.28).

    De um lado, portanto, esto os que acreditam, como Adorno e

    Horkheimer (os primeiros, na dcada de 1940, a utilizar a expresso

    indstria cultural tal como hoje a entendemos) que essa indstria

    desempenha as mesmas funes de um Estado fascista e que ela

    est, assim, na base do totalitarismo moderno ao promover a

    alienao do homem, entendida como um processo no qual o

    indivduo levado a no meditar sobre si mesmo e sobre a

    totalidade do meio social circundante, transformando-se com isso

    em mero joguete e, afinal, em simples produto alimentador do

    sistema que o envolve. Do outro lado, os que defendem a ideia

    segundo a qual a indstria cultural o primeiro processo

    democratizador da cultura, ao coloc-la ao alcance da massa

    sendo, portanto, instrumento privilegiado no combate dessa mesma

    alienao. (TEIXEIRA, 1989, p.28).

  • 34

    Teixeira afirma que o caminho para decidir qual das correntes est com a razo

    analisar o que diz ou o que faz essa determinada indstria, e ao invs de optar por o

    que dito ou feito, optar por como dito ou feito.

    Assim, Teixeira aponta o contedo como determinante. Ento,

    [...] o estudo do o qu prende-se questo do contedo divulgado

    pelo veculo. Deste ponto de vista, os produtos da indstria cultural

    sero bons ou maus, alienantes ou reveladores, conforme a

    mensagem eventualmente por eles veiculada. [...] Para os que se

    colocam neste ponto de vista, a televiso, por exemplo, pode dirigir-

    se para o caminho da revelao e da libertao do homem na medida

    em que transmitir menos novela ou menos futebol e mais programas

    de informao ou, em termos mais amplos, e ainda por hiptese, na

    medida em que, digamos, divulgar uma programao embebida na

    filosofia socialista e no na capitalista. (TEIXEIRA, 1989, p.29-30)

    Teixeira, utilizando Karl Marx, diz que [...] todo produto traz em si os vestgios,

    as marcas do sistema produtor que o engendrou (TEIXEIRA, 1989, p.35), ou

    seja, a ideologia do capitalismo toma conta de todos os veculos da indstria

    cultural, independente da mensagem por eles divulgada.

    fato que o sistema capitalista nos cerca por inteiro. Contudo, preciso

    compromisso com a formao e conscientizao do consumidor, a fim de que

    este se veja como um ser nico, que tem poderes prprios e individuais e que

    no precisa se embebedar somente neste modo capitalista de viver.

    1.1.1 Alienao/Revelao pelo processo de significao

    A semitica, to abordada nesta monografia, tambm uma possibilidade de

    determinar-se o como dos veculos da indstria cultural. Segundo Teixeira,

    [...] Todo processo de significao e este o processo em jogo nos

    veculos da indstria cultural, como alis em todas as demais

    atividades relativas ao ser humano est baseado na operao de

    signo. Sendo signo tudo aquilo que representa ou est no lugar de

    outra coisa, entende-se por operao de signo a relao que se

    estabelece entre o signo propriamente dito (uma palavra, uma foto,

    um desenho, uma roupa, uma edificao, etc.), o referente (aquilo

    para o que o signo aponta, aquilo que representado pelo signo) e o

    interpretante (ou conceito, imagem mental, significado formado na

  • 35

    mente da pessoa receptora de um dado signo) (TEIXEIRA, 1989,

    p.52-3)

    Teixeira, baseando-se em Charles Sanders Pierce (nosso grande semilogo),

    prope que os signos possam ser de trs tipos: cone, ndice e smbolo.

    Para o que interessa a esta exposio, suficiente reter que:

    1) cone, ou signo icnico, um signo que tem uma analogia com o objeto

    representado. a relao do signo consigo mesmo, de acordo com

    Santaella (SANTAELLA, 2008, p.62). Para melhor entendimento,

    Santaella exemplifica:

    [...] Uma tela inteira de cinema que, durante alguns instantes, no

    seno uma cor vermelha forte e luminosa. Quem assistiu a Gritos e

    Sussurros, de Bergman, deve se lembrar disso. Era a pura cor,

    positiva e simples, to proeminente a absorvente que, no caso, nem

    sequer se podia lembrar ou perceber que aquela cor estava numa

    tela. a qualidade apenas que funciona como signo, e assim o faz

    porque se dirige para algum e produzir na mente desse algum

    alguma coisa como um sentimento vago e indivisvel. esse

    sentimento indiscernvel que funcionar como objeto do signo, visto

    que uma qualidade, na sua pureza de qualidade, no representa

    nenhum objeto. [...] por isso que, se o signo aparece como simples

    qualidade, na sua relao com seu objeto, ele s pode ser um cone.

    [...] Da que o cone seja sempre um quase-signo: algo que se d

    contemplao (2008, p.63-64).

    Santaella ainda afirma que

    [...] O objeto do cone, portanto, sempre uma simples possibilidade,

    isto , possibilidade do efeito de impresso que ele est apto a

    produzir ao excitar nosso sentido. [...] No entanto, porque no

    representam efetivamente nada, seno formas e sentimentos (visuais,

    sonoros, tteis, viscerais...), os cones tem um alto poder de

    sugesto. (2008, p.64)

    Sendo assim, as formas de criao na arte e as descobertas na cincia tm a

    ver com cones.

  • 36

    2) ndice, ou signo indicial, um signo que representa seu objeto por

    remeter-se diretamente a ele; o ndice aponta para seu objeto, para seu

    referente; sem ser semelhante a seu objeto, como o cone, est ligado a

    ele de tal modo que, sem ele, no pode existir. De acordo com Santaella,

    essa modalidade por ser chamada de hipocones, ou seja, signos que

    representam seus objetos por semelhana. Assim, Santaella afirma que

    uma imagem um hipocone porque [...] a qualidade de sua aparncia

    semelhante qualidade da aparncia do objeto que a imagem

    representa (SANTAELLA, 2008, p.65). Santaella ainda diz que um

    diagrama um hipocone de segundo nvel, visto que representa as

    relaes entre as partes de seu objeto, utilizando-se de relaes anlogas

    em suas prprias partes. J o hipocone de terceiro nvel so as

    metforas verbais. Estas nascem da justaposio entre duas ou mais

    palavras, justaposio que pe em interseco o significado convencional

    dessas palavras. Teixeira ainda aponta que [...] o ndice um signo

    efmero, de vida curta ou que, pelo menos, depende em tudo da durao

    de vida de seu objeto. O ndice no tem autonomia de existncia

    (TEIXEIRA, 1989, p.55).

    3) Smbolo, ou signo simblico, o signo que representa seu objeto em

    virtude de uma conveno, de um acordo; o smbolo no tem nenhum

    trao em comum com seu objeto nem est ligado a ele de algum modo. O

    exemplo mais comum de smbolo a palavra, qualquer palavra. Teixeira

    afirma que [...] para ser entendido, o smbolo no exige que seu receptor

    conhea o objeto a que se refere, como o ndice (TEIXEIRA, 1989, p.57).

    Desse modo, segundo Santaella, [...] o objeto de uma palavra no

    alguma coisa existente, mas uma ideia, lei armazenada na programao

    lingstica de nossos crebros (SANTAELLA, 2008, p.67).

    Sendo assim, estes trs tipos de signos geram trs tipos de conscincia, ponto-

    chave de nosso assunto. Teixeira afirma que, de fato, [...] dificilmente se pode

    constatar a ocorrncia de um desses trs tipos de signo em estado puro.

  • 37

    Frequentemente um cone tambm um ndice, assim como um ndice pode

    ser simblico (TEIXEIRA, 1989, p.58). Mas, didaticamente, possvel dizer

    que:

    1) categoria do signo icnico corresponde uma categoria da conscincia

    que se poderia dizer, igualmente, conscincia icnica. [...] uma

    conscincia que opera basicamente com o sentir e com o sentimento, no

    se interessando pelos procedimentos de anlise, de dissecao do objeto

    sobre o qual se debrua (TEIXEIRA, 1989, p.58). Ento, esse tipo de

    conscincia atua atravs do pensamento analgico, e assim, a

    conscincia da intuio, das sensaes e pode ser motivada pela

    recepo de um signo icnico. a primeiridade.

    [...] Esse modo de conhecimento, baseado na intuio e na empatia

    (isto : no sentir o objeto, mas sentir com o objeto, penetrar no

    objeto e senti-lo por dentro), frequentemente, aquele que leva s

    verdadeiras e significativas descobertas, embora no se possa

    demonstr-lo. [...] O que se pretende dizer com conscincia icnica

    que se trata de uma conscincia que procede com seu objeto, do

    mesmo modo como o signo icnico faz com seu objeto. Isto :

    procede por analogia (TEIXEIRA, 1989, p.59).

    2) categoria do signo indicial corresponde a conscincia indicial. Esta, por

    sua vez, exige do sujeito algo mais que a simples contemplao.

    [...] Uma seta que indica um certo caminho s funciona efetivamente

    como signo indicial para algum interessado em descobrir esse

    caminho e que o descobre, locomovendo-se: ou o signo indicial

    funciona ou no ser signo indicial. Isto implica que a pessoa que o

    recebe deve praticar um certo ato, deve despender alguma energia

    no processo de recepo desse signo. A recepo do signo indicial

    implica um certo esforo, fsico ou mental. (TEIXEIRA, 1989, p.60)

    Portanto, se a conscincia icnica , num certo sentido, contemplativa, a

    indicial operativa. a conscincia da constatao, pois ela no leva a novas

    descobertas assim como a conscincia icnica, e sim, leva ao que j foi

    revelado, ou seja, a secundidade.

  • 38

    3) categoria do signo simblico corresponde a conscincia simblica, esta

    interessada nas convenes, normas e causas. Portanto, envolve a

    terceiridade. Este tipo de conscincia [...] no se contenta com sentir ou

    intuir uma coisa, nem em constatar que ela existe: quer saber por que

    existe. Se a icnica analgica e intuitiva, enquanto a indicial operativa,

    a conscincia simblica lgica (TEIXEIRA, 1989, p.61).

    Aps expostas todas essas proposies, chega o momento do relacionamento

    entre elas e os produtos da indstria cultural. Teixeira afirma:

    [...] Aqui, ento, vai ser possvel dizer que o problema com a indstria

    cultural no tanto o que ela diz ou no; no tanto o fato de ser ela

    deste ou daquele modo, estruturalmente; nem o fato de ter surgido

    neste ou naquele sistema poltico-social mas, sim, no modo como

    diz. que a indstria cultural na TV, no rdio, na imprensa, na

    msica (particularmente a dita popular), nos fascculos, mas tambm

    nas escolas e nas universidades o paraso do signo indicial, da

    conscincia indicial.

    Teixeira, ento, diz que toda a indstria cultural vem operando com signos

    indiciais e desenvolvendo conscincias indiciais, ou seja, [...] tudo, signos e

    conscincias e objetos, efmero, rpido, transitrio; no h tempo para a

    intuio e o sentimento das coisas, nem para o exame lgico delas

    (TEIXEIRA, 1989, p.62) Sendo assim, no h revelao, apenas uma

    constatao superficial, o que contribui para a alienao.

    [...] A capacidade de interpretar o mundo iconicamente, de distinguir o

    sentido nas coisas, v-se cada vez mais diminuda. Do mesmo modo,

    a possibilidade de proceder a uma interpretao simblica do mundo,

    de procurar suas causas e reuni-las em teorias coerentes, torna-se

    sempre, mais e mais, algo como um dom especial, reservado a um

    pequeno nmero, quase uma elite. O que prevalece a tendncia a

    ver apenas o significado indicial das coisas. [...] O ndice manda seu

    receptor sempre de uma coisa para outra, sem deter-se nem no

    objeto visado, nem em nada no permitindo nem penetrar

    intuitivamente nele, nem conhecer logicamente suas causas e

    destinos. Nesse processo, as outras duas funes semiticas

    (funes de interpretao, de formao do significado), a icnica e

    simblica, so reduzidas apenas dimenso indicial quando

    deveriam, no mnimo, estar em p de igualdade com esta.

    (TEIXEIRA, 1989, p.63)

  • 39

    Infelizmente, esse processo no est apenas no mundo da indstria cultural,

    mas tambm na base de nosso procedimento de compreenso do mundo,

    onde permanece um esquema e uma viso tecnolgica, viso que se preocupa

    com o lado operativo apenas, ou seja, com o rendimento e eficcia dos

    processos. Teixeira diz que [...] nesse momento, seria possvel perguntar se a

    indstria cultural uma resultante dessa tendncia geral da sociedade,

    reproduzindo-a nos limites de seu campo, ou se a indstria cultural que

    produz essa sociedade (TEIXEIRA, 1989, p.64).

    A realidade que a prpria sociedade vai lentamente gerando seus

    instrumentos e suas tendncias. Isto : cada um de ns responsvel pela

    existncia e desenvolvimento dessa conscincia indicial. Por exemplo: um dos

    veculos mais significantes da indstria cultural a TV. Esse procedimento

    indicial se d, basicamente, [...] atravs da multiplicao no de informaes

    mas de trechos de informaes, apresentadas como que soltas no espao,

    sem reais antecedentes e sem conseqentes (TEIXEIRA, 1989, p.65-66). As

    informaes revelam propriedades superficiais do objeto, dando ao receptor a

    impresso de conhec-lo atravs disso quando na verdade, ele no conhece

    quase nada. Somente uma criana de pouca idade consegue furtar-se a esse

    esquema, pois no estando engajada a ele ainda, consegue pr em prtica o

    processo de semiose ilimitada, que o processo de produo de sentido ligado

    noo de interpretante e assim, o modo de reproduo do signo; este

    trabalha com a sugesto e a maneira de apreender ou compreender os

    fenmenos e fazer progredir o conhecimento.

    [...] Logo, porm, essa criana entrar no peloto dos adultos que, em

    virtude da educao recebida, do conformismo, da lei do menor

    esforo, do sentimento injustificado de vergonha e de uma srie de

    outros motivos, deixam de perguntar-se e perguntar aos outros sobre

    os antecedentes e conseqentes de um conceito ficando assim

    prontos para entrar no esquema indicial de que se serve, mas no s

    ela, a indstria cultural. Passam a contentar-se com dados que

    saem do nada e levam a parte alguma, e acomodam-se a esse

    universo vazio de significao em que se transformam suas vidas.

    (TEIXEIRA, 1989, p.67)

  • 40

    Segundo Teixeira, os ndices so como pegadas humanas sobre a areia.

    Inicialmente, elas poderiam levar pessoa por elas responsvel. No entanto,

    em nossa sociedade, [...] fica-se sem saber quem as fez, por que foram feitas,

    e nem se o sentido da marcha dessa pessoa foi realmente daqui para l ou se

    as pegadas foram feitas com a pessoa caminhando de costas (TEIXEIRA,

    1989, p.67). Santaella ainda afirma: Rastros, pegadas, resduos, remanncias

    so todos ndices de alguma coisa que por l passou deixando suas marcas

    (SANTAELLA, 2008, p.66).

    Contudo, h possibilidades de modificar-se o processo: [...] no ser

    impossvel adotar a prtica icnica ou a simblica, de modo a ter-se nessa

    prtica um instrumento de libertao do homem (TEIXEIRA, 1989, p.68).

    Portanto, preciso preocupar-se com a questo do contedo, e assim, uma

    necessidade semitica deve estar presente e sempre aliada a isso.

    1.1.2 Indstria Cultural no Brasil

    A realidade da indstria cultural no Brasil diverge daquela existente nos centros

    hegemnicos. A discrepncia social entre as classes indica que, no nosso pas,

    embora haja uma indstria cultural, somente, alguns grupos prestigiados a

    consomem, ficando os demais margem, apenas observando e desejando

    participar dessa festa privada, porm muito restrita.

    Se refletirmos acerca do consumo de livros, veremos que, excetuando as

    classes mais prestigiadas, de modo geral, a massa s tem acesso a eles por

    meio de transferncias, ou seja, pelas compras governamentais destinadas

    escola pblica e s bibliotecas pblicas. Para Umberto Eco, na cultura

    ocidental, depois do advento da cultura de massa, j se superou o conceito de

    que um livro, por meio do uso da palavra escrita, assume [...] uma forma capaz

    de ressoar no nimo de quem a frua de modos sempre variados e mais ricos

    (ECO, 2001, p.34).

    Atualmente, a [...] fabricao de livros tornou-se um fato industrial, submetido

    a todas as regras da produo e do consumo; da uma srie de fenmenos

  • 41

    negativos, como a produo de encomenda, o consumo provocado

    artificialmente, o mercado sustentado com a criao publicitria de valores

    fictcios (ECO, 2001, p.50). Um exemplo seria a criao da literatura feminina,

    a indstria considerou que o pblico feminino seria muito mais consumista de

    livros do que o masculino, j que precisava de mais escapismos dentro de uma

    poca repressiva onde no havia muito convvio social, assim as mulheres

    passaram a ter direito a leitura apenas para gerarem lucro para esta indstria.

    Para problematizar seu objeto, Eco prope uma mudana de perspectiva no

    que concerne s indagaes a respeito da validade da cultura de massa. As

    reflexes existentes encerram-se em julgamentos que validam ou invalidam

    esse tipo de cultura. Ele sugere que o problema precisa ser posto em outros

    termos. Assim, considerando que, em uma sociedade industrial, a relao

    comunicativa se d pelos meios de massa, o autor indaga a si mesmo e ao

    leitor sobre qual tipo de ao cultural poderia ser desenvolvida a fim de permitir

    que os meios de comunicao de massa veiculassem valores culturais.

    A cultura de massa possui defeitos como o conservantismo esttico, o

    nivelamento do gosto, a recusa de propostas estilsticas, uma estrutura

    paternalista da comunicao dos valores para se adequar mdia. Embora ela

    transmita um acmulo de informaes e difunda produtos de entretenimento,

    isso no impede que determinado acmulo de dados quantitativos sejam

    resolvidos por alguns indivduos em mutaes qualitativas ou que esses

    produtos sejam negativos ou decadentes.

    O dilogo acerca da indstria cultural complexo. Encadeando nosso objeto de

    estudo, de extrema importncia apontar que algumas caractersticas da obra

    de Machado, e assim, da obra de Luiz Fernando Carvalho, se encaixam nessa

    argumentao.

    Conforme Gustavo Bernardo,

    [...] Machado um hbil jogador, em nenhum momento ele assume

    qualquer postura de voz coletiva, a voz dele absolutamente

    individual. como se ele antecipasse a brincadeira de Nelson

    Rodrigues, de anos mais tarde: Toda unanimidade burra. Ou: toda

    voz coletiva tende burrice, tende a se esclerosar desde o princpio

    (BERNARDO, 2008, p.44-45).

  • 42

    Encerrarei esse captulo dessa maneira a fim de instigar o leitor reflexo

    acerca da cultura de massa. No prximo tpico, tornarei mais clara a retrica

    de Umberto Eco sobre o homem de cultura e a sua obstinao a fim de assumir

    uma atitude de indagao construtiva que ningum possa tirar dele.

    1.2 A televiso e sua funo democratizante

    Com o passar do tempo, novas tcnicas de reproduo foram desenvolvidas,

    como a fotografia e o olhar da cmera cinematogrfica. Para Walter Benjamin,

    esse desenvolvimento permitiu que essas tcnicas fossem aplicadas a todas as

    obras de arte do passado, modificando seus modos de influncia, e as impondo

    como formas originais de arte (In: ADORNO, 2002).

    Conforme Benjamin,

    A reproduo tcnica das obras de arte por meio da fotografia ou

    cmera cinematogrfica elimina a unicidade dessas obras que

    depende do contexto histrico em que foram produzidas. Alm disso,

    as obras perdem sua autenticidade. Isso ocorre porque a

    autenticidade depende do poder de testemunho histrico que essas

    obras possuem. Ao serem reproduzidas as obras perdem a

    autenticidade por dois motivos: primeiro, porque a reproduo tcnica

    mais independente do original, desse modo lhe permite uma

    atualidade que invalida a sua tradio, a herana cultural; segundo,

    porque transporta a reproduo para situaes nas quais o prprio

    original jamais seria encontrado. Assim, conforme o autor, o que se

    atinge com a reprodutibilidade tcnica a aura da obra de arte. Como

    exemplo dessa total liquidao, Benjamin aponta o cinema.

    Entretanto, ele afirma que uma reproduo feita pela mo do homem,

    concebida a princpio como falsa, conserva a autoridade da obra

    original (In: ADORNO, 2002).

    O declnio da aura advm, para o autor, de causas sociais. Na sociedade

    capitalista, as reprodues atendem ao desejo das massas de que as coisas

    se lhes tornem, espacial e humanamente mais prximas. (2002, p.227). Esse

    processo ocorre por meio da imagem, da fotografia que consegue

  • 43

    paradoxalmente reproduzir uma realidade fugidia indefinidamente. Desse

    modo, ao permitir que um objeto se repita identicamente no mundo quantas

    vezes forem desejadas, despoja-se o objeto original de seu vu, de sua aura.

    De acordo com Benjamin, o valor de uma obra era originalmente definido como

    objeto de culto. As imagens de um objeto de arte dirigiam-se muito mais ao

    esprito do homem do que aos seus olhos, esse objeto assumia assim o valor

    de instrumento mgico. Por isso, justificava-se que as obras, nem sempre

    poderiam ser expostas, somente o eram para poucos eleitos e em pocas

    especficas. Mas, [...] medida que as obras de arte se emancipam de seu

    uso ritual, tornam-se mais numerosas as ocasies de serem expostas (2002,

    p.231). Alis, a funo artstica aparece como acessria em uma obra, seu

    valor passou a ser o de reproduo e de exposio. Nesse sentido, o cinema e

    a fotografia so pioneiros. Ento, visto por esse ngulo, o cinema e a fotografia

    trouxeram benefcios para a sociedade, como essa funo democratizante.

    A fotografia e o filme, devido ao valor expositivo, relegam a segundo plano o

    valor de culto. A fotografia s mantm a aura quando voltada para o rosto

    humano nas fotos antigas, pois nestas pode-se observar a expresso fugidia

    de um rosto tomado por melanclica beleza. Com a ausncia do homem da

    fotografia, a legenda tornou-se necessria para indicar qual o caminho

    interpretativo que se deve tomar. O cinema ao impor uma sucesso de

    imagens impede que seja tomada como isolada uma imagem qualquer, para

    ser entendida ela precisa das demais. Enfim, perdeu-se o carter contemplativo

    que os quadros, portadores de imagem, possuam. Portanto, conforme

    Benjamin, o cinema transferiu a interao que existia no teatro entre pblico e

    ator, para a interao entre pblico e mquina, aparelho.

    Contudo, para Benjamin, o cinema trouxe, tanto na ordem visual quanto na

    auditiva, um aprofundamento da percepo. Ele permitiu ao espectador adquirir

    a experincia de um inconsciente visual, pois [...] a natureza que fala cmera

    inteiramente diversa da que se dirige aos olhos. Diferente, sobretudo, porque

    substitui o espao no qual o homem age conscientemente por um espao onde

    sua ao inconsciente (2002, p.247). Ainda, o cinema permitiu que,

    elementos divergentes como a identidade entre o aspecto artstico da fotografia

  • 44

    e seu uso cientfico, fossem estudados. Sendo assim, a fora da arte reside em

    exatamente poder transformar em objeto as reflexes. Para Luciana Inhan, a

    nica inteno da arte a de [...] facilitar e criar o dilogo entre o

    conhecimento e o observador, exatamente o mesmo objetivo da filosofia e da

    cincia (INHAN, 2010, p.17).

    A arte, segundo o filsofo Giles Deleuze:

    [...] consiste na criao de afetos e perceptos, ou seja, de objetos

    tangveis, audveis ou visveis, transformando aquilo que antes era

    apenas conceito e no tinha fora e imagem naquilo que agora pode

    ser percebido, sentido. A arte no somente um reflexo de um

    conceito, ou seja, ela no tenta somente criar uma imagem

    explicativa, como um mapa ou tabela, ela um instrumento de

    reflexo daquilo que est sendo discutido, demonstrado (apud

    INHAN, 2010, p.17).

    Ela no nasce de uma expresso sem sentido, de uma epifania ocasional, no

    apenas fruto do inconsciente, pelo contrrio, ela possui grande carga lgica

    em sua construo. O texto literrio, por exemplo, costuma trazer reflexes de

    carter filosfico, ideolgico, poltico, e mesmo com toda sua lgica ele ainda

    se caracteriza como obra de arte.

    As diversas formas de arte caracterizam uma sociedade, uma poca, um

    pensamento, uma ideologia. Atravs de seus estudos, pode-se interpretar

    como determinadas culturas viam, sentiam, abstraam e admiravam seu prprio

    mundo, seu prprio povo e seus prprios pensamentos.

    A arte foge da racionalizao, ela se elucida pelo subjetivo, oferece um

    choque de sensibilizao, isso se deve tambm ao fato de que no existe

    uma forma de arte absoluta , ela carrega em si uma representao e toca a

    quem a observa. Assim podemos retomar a nossa trgica indstria cultural:

    ______________ Arte Absoluta, Segundo Richard Wagner, A obra de arte absoluta, isto , a obra de arte que no deve estar ligada a nenhum tempo ou lugar, cuja representao no depende de nenhuma pessoa nem de nenhuma circunstncia particulares e nem se dirigindo a nenhum pblico particular, um no senso completo, um fantasma produzido por uma imaginao presa a ideias estticas (apud MACEDO, 1989, p.74).

  • 45

    [...] Quanto s produes da indstria cultural, a subjetividade da arte vem novamente combater as aes objetivas de banalizao da cultura, segundo Theodor Adorno em seu trabalho Teoria esttica, justamente pelo dinamismo e o carter surpreendente da arte. O fato de trazer vida o irreal, a fantasia, desestabiliza a racionalidade e a anlise emprica, cientfica, das produes sociais, ampliando o horizonte para a compreenso. A sensibilidade e a subjetividade vm bater de frente com os ideais puros da razo e torna-se impossvel portanto uma simples anlise objetiva sem levar em conta os sentimentos que uma obra expressa, no s naquele que a observa, mas naquele que a produziu tambm (INHAN, 2010, p.17).

    A inteno de uma obra de arte no a de ser agradvel ao comrcio, seu

    propsito no o consumo excessivo, e apesar da interiorizao que a arte

    capaz de produzir, sua repercusso na sociedade enquanto meio de reflexo e

    transformao ainda pequena, mas apesar de exercer apenas aes

    subjetivas no sujeito (detalhe desvalorizado j que a sociedade atual valoriza o

    coletivo), a arte real e tem presena marcante na construo da realidade.

    Diferente da cincia, que nos mostra uma realidade a ser conhecida,

    demonstrada e provada, a arte nos mostra uma realidade a ser descoberta,

    uma nova possibilidade, e passa a sensao de que quem a v e descobre o

    que ela mostra, compactua com o artista, o reconhecimento de sentimentos e

    desejos puramente humanos. Benjamin defende que a arte no pode ser usada

    com fins polticos e a reproduo da arte, na forma de produo, no deve

    servir alienao das massas. Entretanto, Benjamin no pode antever a

    evoluo dos meios de comunicao acompanhada por intervenes de

    intelectuais e especialistas compromissados com a formao cultural e o

    desenvolvimento de uma postura crtica nos seus receptores, assim como

    nosso objeto de estudo.

    Essas crticas sobre os mass media afirmam que ao se dirigirem a um pblico

    heterogneo, eles se especificam segundo uma mdia de gosto, evitando as

    solues originais. Desse modo, destroem as caractersticas culturais prprias

    de cada grupo tnico. Ainda, ao se dirigirem a um pblico, que ignora a si

    mesmo como grupo social, portanto que no faz exigncias, acabam por se

    impor como modelo. Ao acatar o gosto, estilemas e formas j existentes e

    difundidos, ao nvel da cultura superior e transferidos para nveis inferiores, no

    promovem renovaes, desenvolvem funes conservadoras. Tendem a

  • 46

    provocar emoes intensas ao invs de as sugerirem, [...] entregam-na j

    confeccionada (ECO, 2001, p.40). Inseridos em um circuito comercial, do ao

    pblico o que ele quer e, seguindo as leis de uma economia baseada no

    consumo e na publicidade, sugerem-lhe o que deve desejar. Fornecem uma

    viso passiva e acrtica do mundo, pois desvalorizam o esforo individual

    voltado para a posse de uma nova experincia. Encorajam uma imensa

    informao sobre o presente, entorpecendo a conscincia histrica. Feitos para

    o entretenimento e o lazer, empenham-se em permanecer na superficialidade

    das coisas, por isso impem smbolos e mitos de fcil universalidade, criando

    tipos prontamente reconhecveis. Trabalham sobre opinies comuns,

    reafirmando o consensual. Favorecem projees orientadas para modelos

    oficiais. [...] Surgem como uma tpica superestrutura de regime capitalista,

    usada para fins de controle e planificao coata das conscincias (2001, p.42).

    Embora assumam modos exteriores de uma cultura popular so impostos

    como forma de controle das massas.

    Alguns integrados defendem e negam que a cultura de massa seja tpica de um

    regime capitalista, antes afirmam que ela prpria de qualquer sociedade de

    tipo industrial, pois a adequao mdia ocorre toda vez que um organismo

    poltico ou econmico precisa comunicar-se com a totalidade dos cidados de

    um pas. Assim, ela prpria da democracia. Como se adequa mdia, a

    cultura de massa possui defeitos como o conservantismo esttico, o

    nivelamento do gosto, a recusa de propostas estilsticas, uma estrutura

    paternalista da comunicao dos valores. Ainda, negam que ela tenha tomado

    o lugar de uma cultura superior, pois o pblico a que se destina no tinha

    acesso aos bens de cultura. Negam tambm que, pelo excesso de informao

    sobre o presente, tenha havido prejuzo da conscincia histrica, pois as

    massas no possuam ainda acesso a informaes sobre o presente, nem

    eram dotadas de conhecimentos histricos. Embora ela transmita um acmulo

    de informaes e difunda produtos de entretenimento, isso no impede que

    determinado acmulo de dados quantitativos sejam resolvidos por alguns

    indivduos em mutaes qualitativas ou que esses produtos sejam negativos ou

    decadentes. Se homogeneiza o gosto, tambm contribui para eliminar as

    diferenas de casta, unificar as sensibilidades nacionais, desenvolver [...]

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    funes de descongestionamento anticolonialista em muitas partes do globo.

    (2001, p.47).

    Eco afirma que os apologistas (integrados) erram ao afirmar que a

    multiplicao dos produtos da indstria seja boa em si e no deva se submeter

    a uma crtica e a novas orientaes. Por outro lado, os apocalpticos-

    aristocrticos erram ao julgar a cultura de massa radicalmente m, justamente

    por ser um fato industrial.

    Se, hoje, a cultura de massa manobrada por grupos econmicos e realizada

    por executores especializados em fornecer ao pblico o que julgam mais

    vendvel, sem que se verifique uma interveno macia dos homens de cultura

    na produo, isso no significa dizer que essa interveno no exista. H, no

    interior do modelo, contradies concretas que ali estabelecem uma dialtica

    de fenmenos. Um exemplo disso ocorre no mercado livreiro. Ainda, existem

    homens de cultura que utilizam a produo de um livro para a difuso de

    valores. Justifica esse fato o aparecimento de edies crticas ou de colees

    populares, representando uma vitria da comunidade cultural sobre o

    instrumento industrial com o qual ela felizmente se comprometeu.

    Para que haja produo cultura democrtica faz-se necessrio uma reviso dos

    trs nveis high, middle e low atribudos a produtos da cultura. Conforme Eco,

    esses nveis no correspondem a uma nivelao classista, ainda, no

    representam graus de complexidade, porque no coincidem com trs nveis de

    validade esttica, pois indivduos de classes diversas, ainda de diferentes

    nveis culturais, podem fruir os mesmos produtos culturais. Ainda, existem

    produtos, low brow, que produzidos para um vasto pblico consumir,

    apresentam caractersticas estruturais originais e capacidade de superao dos

    limites impostos pelo circuito de produo e consumo em que esto inseridos,

    sendo assim considerados como obras de arte. Um exemplo disso ocorre com

    certas histrias em quadrinhos que, inicialmente classificadas como lower

    brow, so consumidas no nvel high brow. Por outro lado, h obras tidas como

    novas que, obtm xito nas vendas graas promessa de fruio de valores

    culturais novos, muitas vezes esto apenas divulgando estilemas e atitudes

    culturais esvaziados da sua fora inicial e banalizados, postos ao nvel de um

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    pblico preguioso. Entretanto, tambm h romances criados para o

    entretenimento (bem de consumo) dotados de validade esttica, capazes de

    veicularem valores originais e que tomam como base comunicativa uma

    descoberta estilstica criada por outros experimentos literrios, inicialmente

    com funes de proposta. Esses romances permitem uma evoluo do gosto

    coletivo que passa a desfrutar em um nvel mais amplo de descobertas

    experimentais realizadas em nvel restrito. Pode-se observar ento que o

    panorama muito complexo.

    Para Eco, a [...] diferena de nvel entre os vrios produtos no constitui a

    priori uma diferena de valor, mas uma diferena da relao fruit