A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias História Contemporânea de Portugal 1 A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias Faculdade de Letras da Universidade do Porto Licenciatura em Ciências da Comunicação: Jornalismo, Assessoria, Multimédia História Contemporânea de Portugal Professora Helena Lima Fábio Silva, turma 2 Maria Pestana, turma 1 Marta Gonçalves, turma 3

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Trabalho realizado no âmbito da disciplina de História Contemporânea de Portugal.Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2011

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

1

A adesão da República

Portuguesa às Comunidades

Europeias

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Licenciatura em Ciências da Comunicação: Jornalismo,

Assessoria, Multimédia

História Contemporânea de Portugal

Professora Helena Lima

Fábio Silva, turma 2 Maria Pestana, turma 1

Marta Gonçalves, turma 3

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

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Índice

Introdução e Metodologia ............................................................................................. 3

As Comunidades Europeias .......................................................................................... 5

Portugal – Relações Internacionais pré-25 de Abril ...................................................... 7

I. Plano Marshall ................................................................................................... 7

II. EFTA .................................................................................................................. 9

III. Primeiros acordos com as Comunidades ......................................................... 10

Portugal: da Revolução à estabilidade ........................................................................ 12

«Corrida» portuguesa às Comunidades Europeias ..................................................... 14

I. Posições político-partidárias ............................................................................. 18

II. Posições dos «Nove» ....................................................................................... 21

III. Grécia e Espanha ............................................................................................. 22

IV. Problemas internos das Comunidades ............................................................. 23

V. O período negocial ........................................................................................... 24

Assinatura do(s) Tratado(s) de Adesão ...................................................................... 27

I. Europeus a favor do alargamento (sondagem nos países da comunidade) ..... 27

II. Assinatura do Tratado ...................................................................................... 28

III. Pontos fortes da adesão de Portugal à CEE .................................................... 34

IV. Benefícios vs. Prejuízos da adesão de Portugal às CE ..................................... 36

Consumidor irá ter o IVA ...................................................................................... 36

Turista com “passaporte europeu” ....................................................................... 37

Emigrantes: deixar de ser cidadão de segunda-feira ........................................... 37

Pescadores: o direito às 12 milhas ...................................................................... 38

Reconverter a agricultura ..................................................................................... 38

Abertura nos mercados para os industriais .......................................................... 39

Conclusão ................................................................................................................... 40

Bibliografia .................................................................................................................. 42

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Introdução e Metodologia

O presente trabalho foi elaborado no âmbito da avaliação contínua

(opção dos membros do Grupo) integrado na cadeira de História

Contemporânea de Portugal, leccionada pela docente Helena Lima.

Relativamente à escolha do tema, a integração de Portugal na

Comunidade Económica Europeia, foi um tema que nos despertou interesse,

pelo facto de esta integração portuguesa ter diversas implicações, como foi o

facto de unir um velho continente, formado por tantas nações orgulhosas e

independentes, parece, ainda hoje, passado mais de meio século sobre o

Tratado de Roma, um projecto assaz e ambicioso. Talvez por isso, a

construção Europeia tenha sido uma história de altos e baixos, com períodos

de grande entusiasmo e outros de grande cepticismo.

Depois de começarmos a pesquisar sobre a integração europeia através

de várias fontes tais como: livros, jornais, revistas científicas, constatamos que

é um tema muito amplo: quer o aprofundamento das relações entre os Estados,

quer o alargamento geográfico da União, pudemos verificar que se trata de um

tema muito amplo que abrange muitos assuntos acima supra citados. Foi por

isso que o nosso trabalho cingiu-se somente na integração Europeia de

Portugal. De seguida, iremos abordar o contexto em que se deram as primeiras

negociações, as relações internacionais, a evolução económica, as

transformações a nível demográfico, sociais e culturais, a consolidação da

democracia, os benefícios e prejuízos da adesão de Portugal à CEE em 1985,

entre outros aspectos que se seguem.

Lembramos que a adesão a comunidade europeia foi solicitada em

1977 com uma argumentação essencialmente política. Com a sua integração

na comunidade, o país entendia melhor preservar as jovens instituições

democráticas ameaçadas por projectos revolucionários e tentação totalitária

nesses anos conturbados que se seguiram à revolução de vinte e cinco de Abril

de 1974.

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Relativamente ao método utilizado para a elaboração do presente

trabalho, baseamo-nos na análise de conteúdo de jornais como o Diário de

Notícias e o Jornal de Notícias, revistas científicas, bem como de obras

relativas à integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia, ou

seja, baseamo-nos na análise qualitativa destas fontes supra citadas.

Quanto ao período de análise restringimo-nos aos anos de 1977 e 1985,

uma vez que é quando se dá a solicitação do pedido de adesão de Portugal à

CEE e quando se dá a formalização do pedido, respectivamente.

No que concerne a estrutura do trabalho, este obedece a uma

organização previamente definida pela docente da cadeira.

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As Comunidades Europeias

Segundo Alice Monteiro Cunha, a Segunda Guerra Mundial representa

(…) o catalisador de uma nova forma de estar dos Estados, que se sentiram

pressionados a encontrarem formas mais eficazes e permanentes de gestão de

assuntos comuns1.

A Europa, principal campo de batalha nas duas Grandes Guerras,

estava devastada pela brutalidade dos combates. É neste contexto que a

necessidade de cooperação interestadual adquire os primeiros contornos.

A seguir à guerra, o continente é dividido em Leste e Oeste pela famosa

“cortina de ferro” e assiste-se ao início da Guerra Fria entre os Estados Unidos

da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Por sua vez, as

Nações da Europa Ocidental criam o Conselho da Europa em 1949 – a mais

antiga instituição europeia em funcionamento –, dando um primeiro passo para

uma organização mais profunda entre Estados europeus. As principais Nações

do continente, sobretudo a França e a República Federal da Alemanha (RFA),

apercebem-se que juntos seriam capazes de atingir melhores resultados do

que isoladamente2. É esta a base de pensamento que conduz à assinatura da

Declaração Schuman, em 1950, pondo um ponto final na rivalidade secular

entre franceses e germânicos – o individualismo dá lugar à cooperação (neste

caso, económica).

A Declaração não tardou em atrair outros os Países vizinhos e, em 1951,

RFA, França, Itália, Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos, assinam o Tratado

que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço criando assim, como o

nome do tratado indica, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA).

A CECA não tardou em ser um êxito. Assim, os seis Países fundadores

alargam a sua cooperação a outros sectores económicos e assinam o Tratado

de Roma (1957), que cria a Comunidade Económica Europeia (CEE), também

1 Cunha, Alice Monteiro Pita Brito da, À Descoberta da Europa: A Adesão de Portugal

às Comunidades Europeias, IDI – MNE, 2007, p. 30

2 Cunha, ibidem, p. 30

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designada de Mercado Comum, cujo objectivo é a livre circulação das pessoas,

das mercadorias e dos serviços entre os Estados-Membros.

A 1 de Janeiro de 1973 dá-se o primeiro alargamento das Comunidades

a outros Países europeus. Reino Unido, Irlanda e Dinamarca embarcam no

barco que eram a CEE, a CECA e a Comunidade Europeia da Energia Atómica

(CEEA, mais conhecida como Euratom).

É neste contexto que surge a candidatura de Portugal, um País saído de

uma drástica mudança de regime. Depois de cerca de quarenta anos sob o

controlo de um regime totalitário chefiado por António de Oliveira Salazar e, na

fase final, por Marcello Caetano, os governos na recém-nascida Democracia

olham para a Europa como forma de consolidar o sistema que a Revolução de

Abril fez despertar. Como afirma Alice Monteiro da Cunha, Portugal é um

Estado que procura de si próprio, de um fio condutor que regule a sua acção,

tanto em casa como fora dela3.

Vamos então analisar o estado das coisas em Portugal e o

desenvolvimento das relações internacionais, que começaram bem antes da

queda do salazarismo.

3 Cunha, ibidem, p. 64

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Portugal – Relações Internacionais pré-25 de Abril

I. Plano Marshall

Podemos considerar as relações de Portugal com o exterior quase

puramente atlânticas. A posição geográfica do País foi um factor condicionante

do posicionamento político de Portugal em relação à Europa, o que leva a uma

orientação virada para o Oceano, para África e para as colónias. Portugal vê-se

ainda como «bastardo europeu», no sentido de querer ser filho de obras

próprias, concretizando a sua existência com o seu esforço4. É esta a posição

defendida pelo regime de Salazar até à sua queda, opondo-se a qualquer

integração para além da mera cooperação com acordos económicos.

O território nacional saiu ileso da destruição que varria a Europa,

resultante da Segunda Guerra Mundial, graças à posição neutral adoptada pelo

Estado Novo. Então, em 1947, é anunciado o famoso Plano Marshall5.

A primeira atitude assumida pelo governo português em termos de

reacção e resposta à proposta americana traduziu-se na manifestação de que

o espírito de solidariedade moral e material que animava o governo português

e salientar a circunstância de esta disponibilidade se integrar no pensamento e

na prática que já vinham anteriormente orientando a actuação do governo

português na intenção de contribuir para a ajuda à reconstrução económica da

4 Seabra, Maria João, Vizinhança Inconstante: Portugal e Espanha na Europa, Cadernos

do Lumiar, n.º 5, IEEI, Lisboa, 1995:

Albuquerque, ibidem, p.305

5 Programa norte-americano destinado a recuperar as economias dos países do ocidente e

sul da Europa, profundamente abaladas com a Segunda Guerra Mundial. O objectivo dos

Estados Unidos da América era criar condições às nações europeias para o estabelecimento

da democracia (travando assim o avanço para ocidente da influência soviética) e tornar

dependentes dos EUA as economias da Europa. Para coordenar a implementação do

programa foi criada a Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE). Plano

Marshall, Infopédia, Porto Editora, 2003-2011

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História Contemporânea de Portugal

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Europa6. Contudo, segundo Maria Fernanda Rollo, essa disponibilidade e

prontidão serão vítimas da evidente relutância e falta de empenho por parte

dos responsáveis políticos portugueses em proporcionarem os meios

indispensáveis à boa prossecução dos trabalhos7.

Apesar desta falta de empenho mencionada, a verdade é que Portugal

foi beneficiário desta ajuda norte-americana. Mas isto não era, de longe, uma

integração. O Estado Novo chamava-lhe de cooperação. Como já foi referido,

neste regime, o desenvolvimento pela própria força nacional e o distanciamento

de possíveis integrações nestas organizações, recusando sempre a cedência

de quaisquer direitos de soberania, eram as normas em vigor. Álvaro Garrido

analisou a posição de Rollo, referindo-a e dizendo que os movimentos de

cooperação económica resultantes da participação de Portugal no European

Recovery Program (ERP) (designação formal do Plano Marshall) foram apenas

isso mesmo – cooperação para fins económicos, expressa na adesão OECE,

em 1948, e à União Europeia de Pagamentos, em 1950. Nunca uma efectiva

integração8.

A participação no Plano Marshall deu Portugal a experienciar as

instituições de cooperação económica europeia. Mas isso não demoveu o

Presidente do Conselho de Ministros da sua ideologia.

6 Rollo, Maria Fernanda, Portugal e o Plano Marshall: história de uma adesão a

contragosto, Análise Social, vol. XXIX, revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade

de Lisboa, 1994, p. 843

7 Rollo, ibidem, p. 844

8 Garrido, Álvaro, Para que serviu o Plano Marshall?, recensão da obra de Maria Fernanda

Rollo, Portugal e a Reconstrução Económica do Pós-Guerra. O Plano Marshall e a Economia

Portuguesa dos Anos 50, Lisboa, Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros,

Col. «Biblioteca Diplomática», 2007, 730 páginas. Recensão publicada na edição n.º 21 de

Relações Internacionais, do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), Março de

2009, p. 200

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II. EFTA

Os anos sessenta podem considerar-se, no entanto, como o ponto para

de partida para uma nova etapa em relação à Europa, caracterizada por um

menor isolamento e por uma maior abertura aos movimentos de cooperação

europeia, entenda-se de ordem económica9.

Portugal participou na Convenção de Estocolmo onde, juntamente com

Reino Unido, Áustria, Dinamarca, Suécia, Suíça e Noruega, aprovou o

anteprojecto para a criação da Associação Europeia de Livre Comércio – mais

conhecida pela sigla inglesa, EFTA10.

Qual a razão da participação portuguesa? Que ganhava o País com esta

«integração»?

Nicolau Andresen-Leitão refere que Salazar estava bem ciente da

vulnerabilidade de Portugal no mundo e, particularmente, no palco europeu. A

acrescentar a isto havia um desagrado por parte do governo português em que

a Nação lusa fosse considerada um membro de segunda classe da OCDE. A

adesão a uma organização como a EFTA traria prestígio ao País. Para

finalizar, escreve que, a nível económico o desenvolvimento só poderia ser

garantido pela participação nos desenvolvimentos dentro da Europa11. A

adesão trouxe isto mesmo: ao tornar-se parte desta organização, Portugal

9 Cunha, Alice Monteiro Pita Brito da, À Descoberta da Europa: A Adesão de Portugal às

Comunidades Europeias, IDI – MNE, 2007, p. 54

10 European Free Trade Association; Organização europeia fundada em 1960 pelo Reino

Unido, Portugal, Áustria, Dinamarca, Noruega, Suécia e Suíça, países que não tinham aderido

à CEE. Estes estados decidiram juntar-se para defender os seus interesses económicos

através da criação de uma área de comércio livre. Nesta organização, os produtos importados

de Estados-Membros não estavam sujeitos ao pagamento de impostos aduaneiros, de modo a

fomentar as trocas internacionais no espaço desses países. EFTA, Infopédia, Porto Editora,

2003-2011

11 Andresen-Leitão, Nicolau, O convidado inesperado: Portugal e a criação da EFTA, 1956-

1960, Análise Social, Vol. XXXIX, revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de

Lisboa, 2004, pp. 307-308

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deixa de estar afastado dos movimentos de integração europeia12, a nível

económico, já que o chefe português apenas acordou acerca de aspectos

exclusivamente económicos.

Alice Cunha cita uma frase de José Mattoso na sua obra quando diz que

a adesão à EFTA representa o fim da autarcia e o início de um processo de

abertura que viria a ser longo (…), mas inexorável13. Ou seja, foram as próprias

decisões tomadas nesta época que contribuíram para a abertura de Portugal,

ainda sob regime ditatorial, para com a Europa, que culminará, como

analisaremos mais adiante, com a adesão às Comunidades Europeias, em

1986.

III. Primeiros acordos com as Comunidades

Na década de 60, dez anos passados sobre a assinatura do Tratado que

instituiu a CECA, o Reino Unido, a Irlanda e a Dinamarca formulam o seu

pedido de adesão ao Mercado Comum, até então constituído somente pelos

Seis Membros fundadores. Esta decisão leva Portugal a abrir as negociações a

18 de Maio de 1962, sob o receio de um regresso de um isolamento perante a

Europa.

Apesar da França ter vetado este pedido, anos mais tarde os britânicos

voltam a reincidir nas Comunidades com uma segunda requisição, que deu os

frutos em 1973 com a entrada oficial dos três países. Ora, a República

Portuguesa, perante a realidade de uma entrada próxima dos seus mais

antigos aliados e parceiros comerciais nas CE, são obrigados a encetar

relações mais fortes com a organização.

12

Cunha, Alice Monteiro Pita Brito da, À Descoberta da Europa: A Adesão de Portugal às

Comunidades Europeias, IDI – MNE, 2007, pp. 55-56

13 Mattoso, José, Salazar e a Construção Europeia, obra de Rollo, Maria Fernanda,

Edições Cosmos, Lisboa, 1998, p. 465. Citação por Cunha, Alice Monteiro Pita Brito da, À

Descoberta da Europa: A Adesão de Portugal às Comunidades Europeias, IDI – MNE, 2007, p.

56

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11

No período entre o segundo pedido inglês e a integração propriamente dita,

Marcello Caetano sucedia a Salazar na governação de Portugal. José Tavares

Castilho afirma que, quanto à relação para com a Europa, o ideário marcelista

não se afasta do pragmatismo que fora definido pelo seu predecessor14. Isto

significa preferência pelas relações atlânticas e a manutenção do Império

Português; as relações para com a Europa só através de acordos e

associações a nível económico, nunca se pretendendo qualquer integração ou

perda de poderes soberanos perante outras Nações. Também não se deve

esquecer que, mesmo que Portugal pretendesse uma adesão no futuro, esta

seria impedida pela chamada cláusula democrática. Assim, as negociações

que começam a realizadas com a CEE visam apenas uma associação

comercial entre o Estado português e o Mercado Comum e conduzem à

assinatura do Acordo de Comércio Livre Portugal-CEE e do Acordo Portugal-

CECA, em 1972.

Resumindo, as relações entre Portugal e as Comunidades Europeias

não começam com a Revolução dos Cravos. Estas nasceram no seio do

Estado Novo e durante esse regime cresceram, abriram um sistema

ideologicamente autárcico e isolado à realidade de uma Europa unida que, com

o passar dos anos, pressionava, ainda que indirectamente, Portugal a encetar

negociações para não se apagar do mapa das decisões europeias. Marshall,

OCDE, EFTA e os acordos bilaterais com a CEE e a CECA foram as

plataformas base com que a República Portuguesa se adaptou à Europa e deu

às Comunidades a oportunidade de conhecer o País. A Revolução levará à

Democracia e a Democracia levará à adesão.

14

Castilho, José Manuel Tavares, A ideia de Europa no Marcelismo (1968-1974),

Assembleia da República, Lisboa, 2000, p.125

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Portugal: da Revolução à estabilidade

Com o «golpe de estado» de 25 de Abril de 1974 a oficialidade

intermédia portuguesa inaugurou uma transição para a democracia, que

registou o comprometimento das Forças Armadas na esfera política. (Veiga, Ivo

Lima Veiga, 2002)15

A 25 de Abril de 1974 dá-se em Portugal o acontecimento que mudou o

rumo de uma Nação. Esta data adicionou palavras como «igualdade» e

«liberdade» no léxico de todos os portugueses. Com a chamada Revolução

dos Cravos, cai o Estado Novo e abre-se caminho para a implantação de uma

Terceira República Portuguesa que entra oficialmente em vigor com a

aprovação da Constituição da República Portuguesa de 197616.

Contudo, a período que se seguiu ao 25 de Abril foi tudo menos pacífico.

Entre 74 e 75, aquilo que era o Império Português, uma estrutura de vários

séculos, desapareceu do mapa. Moçambique, Angola, Cabo Verde, São Tomé

e Príncipe e Guiné-Bissau – todos estes territórios adquiriram a sua

independência, apesar do destino que lhes estava traçado não ser o da paz,

mas sim o das guerras civis fratricidas (sobretudo o povo angolano, o principal

joguete das duas superpotências em conflito, EUA e URSS).

O clima de instabilidade no Ultramar conduz a um regresso em massa

de portugueses à Pátria. Os «retornados» vieram agravar a situação

económica e social vivida em Portugal, uma vez que aumentou o desemprego,

facto que provocou alguma instabilidade política.

15

Veiga, Ivo Lima, O Boletim do MFA e o processo revolucionário português (Setembro

1974 – Agosto 1975), revista Arquivos de Memória 12/13: Portugal 1974-1976 Processo

Revolucionário Em Curso, coordenação de Sónia Vespeira de Almeida e Dulce Freire,

Universidade Nova de Lisboa, 2002

16 Para consulta da Constituição Portuguesa de 1976 visitar o seguinte endereço do

Parlamento Português:

http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx

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História Contemporânea de Portugal

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Quando os problemas sociais aumentam, a tendência de uma viragem

do povo à Esquerda é também maior. O Partido Comunista Português (PCP)

vai ganhando mais força no seio da sociedade portuguesa ao ponto de levar o

general António Spínola a demitir-se e a trazer Costa Gomes ao poder,

mantendo-se Vasco Gonçalves como Primeiro-ministro, ambos inclinados para

a Esquerda. Em 75, o MFA, sob a liderança de Otelo Saraiva de Carvalho,

assume um papel preponderante no Governo. Esta «troika» inicia um conjunto

de medidas, o famoso Processo Revolucionário Em Curso, mais conhecido

pela sigla PREC.

Com o PREC dá-se início a uma reforma económica e social em

Portugal, em moldes de um certo radicalismo de esquerda: nacionalização de

indústrias pesadas e instituições bancárias e – o mais importante –

expropriação e redistribuição de terrenos agrícolas, a Reforma Agrária.

Em Setembro, por pressão do exército, Vasco Gonçalves foi afastado e

para o seu lugar foi apontado o almirante José Pinheiro de Azevedo como novo

primeiro-ministro do país, o que restabeleceu uma certa acalmia. Nas eleições

parlamentares de Abril de 1976, os socialistas alcançaram a maioria dos

lugares, e o seu líder carismático, Mário Soares, foi eleito primeiro-ministro. Em

Julho de 1976, Ramalho Eanes foi, por sua vez, eleito presidente da República

Portuguesa.17

17

Para mais informações gerais acerca do período pós-25 de Abril até à implantação da

Democracia com a Constituição de 76 visitar o seguinte artigo: Verão Quente de 1975,

Infopédia, Porto Editora, 2003-2011 – http://www.infopedia.pt/$verao-quente-de-1975

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

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«Corrida» portuguesa às Comunidades Europeias

O I Governo Constitucional incluiu uma «opção europeia» no Programa

que apresentou, em Agosto de 1976, à Assembleia da República. Esta

«opção» implicava a apresentação de um pedido de adesão de Portugal às

Comunidades Europeias. (Castro, Francisco Niny de, 2010)18

A decisão em enveredar a política externa portuguesa em direcção à

Europa não foi automática nem tomada de ânimo leve. Resultou de uma

escolha entre outras igualmente possíveis. Alice Monteiro Cunha fala em

quatro vias que estavam na mira dos dirigentes portugueses: (1) a «solução

jugoslava»; (2) o alinhamento com os Países de expressão portuguesa e do

Terceiro Mundo; (3) relacionamento com os EUA e (4) a «opção europeia».19

Todas acarretavam prós e contras.

A «solução jugoslava», uma política económica autocentrada é, como o

próprio nome indica, uma adaptação do sistema jugoslavo. Portugal combinaria

uma espécie de isolacionismo que envolveria a assistência das CE. No

entanto, este isolacionismo traria custos muito elevados a médio prazo.

A segunda opção passaria pelas relações com o Atlântico e a formação

de uma Comunidade que envolvesse o Brasil e os PALOP e, se assim se

desse, os Países do Terceiro Mundo que, na altura, não tinham a conotação

depreciativa de hoje20. Esta opção acabou igualmente por ser desconsiderada

devido ao facto destes Países serem economicamente mais atrasados que

Portugal, não podendo fornecer a ajuda pretendida pela República.

Um relacionamento com os Estados Unidos foi considerado mas

igualmente posto de parte. Os norte-americanos tinham uma economia quase

18

Castro, Francisco Niny de, O Pedido de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias

– Aspectos Político-Diplomáticos, 1ª edição – Junho de 2010, Princípia, p.11

19 Cunha, Alice Monteiro Pita Brito da, À Descoberta da Europa: A Adesão de Portugal às

Comunidades Europeias, IDI – MNE, 2007, pp. 64-67

20 Cunha, ibidem, p. 66

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

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auto-suficiente e recheada por um alto proteccionismo, o que não era favorável

ao aumento das exportações nacionais lusas.

Por fim, a «opção europeia». A opinião dividia-se acerca de como se

deveria abordar uma ligação à Europa – associação ou adesão? Havia

apoiantes de uma e outra possibilidade. A adesão era considerada pelos

sectores da esquerda e direita tradicionais como um perigo (…) para a

liberdade de acção externa21.

No final, a escolhida foi a Europa, na condição de adesão como Estado-

Membro de pleno direito ao abrigo do Tratado de Roma. Mário Soares, líder do

I Governo Constitucional, oficializa esta posição ao declarar, a 22 de Julho de

1976, que o Governo agora empossado entende dever fazer uma opção

europeia (…). Por isso pensa requerer a sua imediata admissão no Conselho

da Europa22 e a sua adesão à CEE, com a abertura de negociações para a

integração no Mercado Comum23.

As negociações pré-aceitação da candidatura portuguesa dividiram-se

em duas fases: uma primeira encabeçada pelo ministro dos Negócios

Estrangeiros, Medeiros Ferreira, a que se segue a acção do Primeiro-ministro

Mário Soares, em visitas às capitais dos Estados-Membros das Comunidades,

que tem como consequência uma maior abertura das relações com os Países

mais resguardados quanto a uma adesão portuguesa e culmina com a

formalização do pedido, a 28 de Março de 1977. Ao longo de todo o período

entre 1076 e 1985, a diplomacia portuguesa vai lutar para conseguir satisfazer

os seus objectivos.

21

Cunha, ibidem, p. 67

22 Organização europeia constituída por representantes de 46 estados do continente

europeu. São países que têm valores em comum, como a democracia política representativa, a

economia de mercado e a ideia de progresso social. Foi estabelecido a 5 de Maio de 1949 por

10 países fundadores, a que Portugal se viria a juntar mais tarde, em 1976. A sua sede fica em

Estrasburgo. Conselho da Europa, Infopédia, Porto Editora, 2003-2011 23

Citado por Azevedo, J. Cândido, Portugal Europa Face ao Mercado Comum, Bertrand,

Lisboa, 1978, p.87

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

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Mas, que tinha Portugal a jogar a seu favor? Para um País pequeno, não

muito influente, com uma economia relativamente fraca, esta Nação foi

inteligente na hora de pôr em prova os seus argumentos.

Recém-nascida de uma revolução que se dera dois anos antes, a

democracia portuguesa não estava ainda perfeitamente consolidada. Com um

País num estado económico e social bastante frágil, o receio do regresso de

um regime de Direita ou a imposição de um de Esquerda era uma realidade

que os dirigentes portugueses pretendiam aniquilar o mais rapidamente

possível. A CEE era, sem dúvida, um dos meios mais eficazes para acabar, ou

pelo menos imobilizar, com a ameaça fascista e/ou comunista em Portugal.

Entendemos então que o argumento de que sem a CEE a democracia

pode não sobreviver e cair aos pés de regimes ditatoriais, sobretudo de

Esquerda. Francisco Niny de Castro afirma que o PCP já ia defendendo o

desenvolvimento de relações com os países do «campo socialista»24. Ora, a

CEE, constituída por Países democráticos capitalistas, que vêm no comunismo

uma ameaça ao seu bem-estar, não podia rejeitar o pedido português tendo em

conta que iria ser imensamente perigoso para o bloco Ocidental que Portugal

se tornasse na Cuba da Europa, podendo ser um foco infeccioso para Espanha

e, consequentemente, para o resto do continente. Os EUA também não o iriam

permitir pois, em tempo de Guerra Fria, Portugal era aliado dos norte-

americanos, que faziam uso da Base das Lajes, nos Açores. Não se deve

esquecer ainda que o País era membro da NATO e uma queda para o

comunismo punha em risco toda a organização. Assim, a adesão de Portugal

poderia ser entendida como um interesse do Ocidente, no contexto da Guerra-

Fria25.

Segundo Medeiros Ferreira – ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, a

integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia não iria ser

perturbada, uma vez que as tentativas de destabilização em curso não iriam

24

Castro, Francisco Niny de, O Pedido de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias

– Aspectos Político-Diplomáticos, 1ª edição – Junho de 2010, Princípia, p.17

25 Castro, ibidem, p.29

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

17

vingar porque o Estado Democrático Português apresentava uma imagem

forte, estável e prestigiada26.

Assim, Medeiros referiu que um dos resultados deste périplo europeu foi

a consagração da independência do nosso país, bem como do prestígio do

Estado Português e dos seus governantes27.

Siqueira Freire referiu, também, que a integração portuguesa na Europa

democrática era sem dúvida, um factor determinante para a consolidação da

democracia portuguesa28. Isto significa que dada a grande compreensão mútua

existente nas relações entre Portugal e a CEE, decerto que seriam encontradas

as soluções mais adequadas para as tarefas que, a partir da adesão de

Portugal à CEE, teriam de se dedicar em comum.

Segundo Rui Machete – Vice-Primeiro-Ministro, a integração de Portugal

na CEE constitui o maior desafio que se põe ao povo português após o 25 de

Abril e é mesmo uma dos maiores da sua história29.

Na opinião do Ministro da Cultura – Coimbra Martins, o desafio que nos

é posto, em cultura, é o de assumirmos com os nossos parceiros, a definição,

preservação e desenvolvimento da identidade cultural europeia, enquanto

salvaguardamos a personalidade que nos é própria sem o menor complexo. Só

permanecendo portugueses, cuidando, divulgando e enriquecendo o nosso

património, daremos à europa a plena contribuição cultural que se espera de

nós. Decerto, a concretização da adesão não se fará sem dificuldades30.

26

Diário de Notícias, 14 de Março de 1977, p.6

27 Diário de Notícias, ibidem

28 Diário de Notícias, 29 de Março de 1977, p. 3

29 Diário de Notícias, 12 de Junho de 1985, p. 6-7

30 Diário de Notícias, ibidem

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

18

I. Posições político-partidárias

Segundo Marina Magalhães Lobo, dos partidos que surgiram durante a

transição para a democracia, nenhum deles tinha laços mais fortes com os

países, partidos e instituições europeias do que o Partido Socialista31 (PS).

O PS tinha uma posição pouco consistente em relação à Europa. O

próprio Mário Soares defendia uma aproximação com cautela às Comunidades,

para evitar que Portugal se torne num satélite das CE32. Tal posição altera-se

aquando a cimeira socialista do Porto, no início de 1976. Agora, a política

externa portuguesa deveria ter o objectivo de romper com o isolamento

internacional de Portugal e caminhar rumo às Comunidades, onde o País se

deve inserir.

Contrariamente à opinião dos socialistas estava a do Partido Comunista

Português (PCP). Este defendia uma política externa baseada na diversificação

das relações externas, no princípio da igualdade, no respeito pela soberania

nacional, pelos interesses mútuos e na não ingerência nas questões internas,

concordando com acordos celebrados entre Portugal e as Comunidades

Europeias, desde que excluindo a integração política e económica33.

Os comunistas mantiveram, e ainda mantêm esta oposição face à EU.

Com a entrada de Portugal para a Comunidade Económica Europeia, criou-se

o caminho para facilitar os ataques a Revolução 25 de Abril: Reforma Agrária,

Nacionalizações e direitos dos trabalhadores, diz Ilda Figueiredo, deputada

pelo PCP no Parlamento Europeu34, que acrescenta que a adesão pretendia

retroceder as conquistas da Revolução e favorecer os grupos económicos e

31

Lobo, Marina Costa e Magalhães, Pedro, Da Terceira Vaga à Terceira Via: a Europa e os

Socialistas Portugueses (1974-1999), Política Internacional, nº23, Lisboa, 2001, p. 56

32 Cunha, Alice Monteiro Pita Brito da, À Descoberta da Europa: A Adesão de Portugal às

Comunidades Europeias, IDI – MNE, 2007, p. 70

33 Cunha, ibidem, p. 72

34 Figueiredo, Ilda, deputada no Parlamento Europeu, entrevista dada aos autores deste

trabalho, Março 2011 (disponível integralmente no anexo, pp. 18-20)

Page 19: A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

19

financeiros35 e por essa razão, quando foi necessário votar, em 1985, o PCP

votou contra a entrada de País nas CE.

Todavia, anteriormente à votação contra à entrada de Portugal na CEE,

o Partido Comunista realizou, em 1980, uma importante conferência, na cidade

do Porto, cujo tema era a adesão portuguesa, onde foi analisada a situação de

Portugal e a sua respectiva adesão às Comunidades. Aqui, discutiu-se o facto

de se ter propagandeado até à exaustão a ideia de que a CEE iria propiciar

uma divisão do trabalho entre os países membros, o que lhes iria permitir um

desenvolvimento constante e sem sobressalto.

Contudo, o PCP afirmou nessa mesma conferência que as

consequências da integração seriam desastrosas para a nossa agricultura,

para a nossa indústria, para o nosso comércio36. Foi nesta linha que os

comunistas julgaram contrária aos interesses do nosso país a integração de

Portugal numa CEE em degradação, roída pela guerra interna e com um

desemprego, uma miséria e exploração crescentes37.

Sinteticamente, o PCP afirmou ser contrário à integração de Portugal na

CEE por razões de desenvolvimento económico de independência nacional, na

medida em que a entrada de Portugal na CEE contraria o mais rápido

desenvolvimento económico e contraria igualmente a independência nacional,

estando por essa razão as duas questões intimamente ligadas.

Para o Partido Comunista a integração de Portugal na CEE iria criar

dificuldades suplementares nas suas relações comerciais com Angola e

Moçambique (…). Portugal integrando-se na CEE prejudicava-se de imediato,

pois não poderia ter com aqueles países relações preferenciais de cooperação

económica nos domínios da importação, da exportação e acordos de

compensação38.

35

Figueiredo, Ilda, ibidem 36

Não ao Mercado Comum – Conferência do PCP, Edições Avante, Porto, 31 de Maio de

1980

37 ibidem

38 ibidem

Page 20: A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

20

Em conclusão, o PCP continuava a ser da opinião de que o

desenvolvimento da economia portuguesa deveria assentar não no

afunilamento das suas relações, mas sim na diversificação das suas relações

económicas externas, e aprofundar dessa forma os acordos com os países

africanos, árabes e outros. Deveria assentar no respeito e dinamização das

diversas funções económicas existentes, na planificação da economia, tendo

como base principal o sector nacionalizado, no apoio à Reforma Agrária em

crédito e técnica, no apoio aos camponeses, ao sector cooperativo e à iniciativa

privada não monopolista e no aproveitamento dos recursos e energias internas.

Tudo isto num grande esforço nacional.

Em relação ao Partido Popular Democrático (PPD), Sá Carneiro, que já

antes do 25 de Abril, enquanto deputado da Ala Liberal na Assembleia

Nacional, havia compreendido que os principais interesses nacionais se

situavam não em África, mas na Europa, antevia que o fundamental interesse

de Portugal é ser europeu, no quadro da CEE.

No centro da posição favorável do PPD ao projecto europeu encontram-

se três razões fundamentais: a dignificação das Comunidades portuguesas no

estrangeiro, sobretudo nos países dos então Nove; a obtenção de fundos para

a modernização da economia nacional; e a consolidação da democracia e dos

direitos humanos.

O Centro Democrático Social (CDS) defende, por sua vez, em 1975 as

negociações com as CE, e a progressiva integração de Portugal, por as

Comunidades constituírem um espaço com os valores, onde imperava a

liberdade económica e o respeito pelos direitos humanos, apontando a adesão

portuguesa como uma condição indispensável no quadro da construção de

uma Europa unida39.

39

Cunha, Alice Monteiro Pita Brito da, À Descoberta da Europa: A Adesão de Portugal às

Comunidades Europeias, IDI – MNE, 2007, p. 72

Page 21: A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

21

Assim, com a integração de Portugal na CEE verificar-se-iam em

Portugal consequências regionais de maior importância, que iriam requerer

medidas de política adequadas40.

II. Posições dos «Nove»

A 20 de Setembro de 1976, Medeiros Ferreira anuncia oficialmente a

intenção portuguesa de formalizar uma candidatura a Estado-Membro. Desde

logo que os Estados-Membros das Comunidades manifestaram as suas

posições.

RFA e Reino Unido tiveram as posições mais flexíveis e apoiaram a

candidatura Portuguesa.

Apesar das desvantagens que um alargamento a Sul traria para os

alemães, o avanço da democracia na Europa do Sul interessava à RFA porque

isso era um passo em frente no seu objectivo de que a RDA se tornasse um

Estado democrático, permitindo aos seus cidadãos fazer uso do direito à

autodeterminação e, com isso, a probabilidade a reunificação alemã seria

maior41.

Por sua vez, os britânicos eram o Estado que menos tinha a perder com

o alargamento embora pese uma leve suspeita de ver num futuro alargamento

uma oportunidade de diluição das Comunidades Europeias42, isto é, pretendia

descentralizar o poder das mesmas, que se encontrava no centro da Europa.

40

Porto, Manuel Carlos Lopes, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de

Coimbra, A adesão à CEE: Implicações para a política de desenvolvimento regional em

Portugal – separata do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: Estudos

em Homenagens aos Profs. Manuel Paulo Merêa e Guilherme Braga da Cruz, 1983, Gráfica de

Coimbra

41 Castro, Francisco Niny de, O Pedido de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias

– Aspectos Político-Diplomáticos, 1ª edição – Junho de 2010, Princípia, p.17

42 Cunha, Alice Monteiro Pita Brito da, À Descoberta da Europa: A Adesão de Portugal às

Comunidades Europeias, IDI – MNE, 2007, p. 84

Page 22: A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

22

Dinamarca, Irlanda e Itália tinham todas uma posição intermédia face ao

pedido português. As duas primeiras Nações encontravam-se numa

expectativa cautelosa, onde só concordariam com a adesão em resultado da

satisfação de certos requisitos, sobretudo a revisão dos processos de decisão

e a reforma dos fundos comunitários43. Já a Itália, tal como a França – esta

última menos aberta à adesão portuguesa –, estava bastante reticente quanto

aos problemas económicos que o alargamento traria, sobretudo se a Portugal

se juntasse uma candidatura de Espanha, que era o Estado a que estes dois

países demonstravam maiores preocupações.

Os países do BENELUX – Bélgica, Países Baixos (Holanda) e

Luxemburgo – defendem que as Comunidades devem primeiro reforçar os

seus próprios mecanismos de decisão e a sua coesão interna, defendendo um

estatuto intermédio entre a associação e a plena adesão: uma espécie de pré-

adesão, uma fórmula original44.

Para Portugal não interessava nenhuma solução que não fosse a pela

adesão nos termos do Tratado de Roma.

III. Grécia e Espanha

Certamente não terá passado despercebido em Lisboa o pedido de

adesão da Grécia à CEE apresentado a 12 de Junho de 197545.

Portugal tinha a expectativa de que os gregos pudessem aderir às

Comunidades no início dos anos 80 e, assim, poderem negociar a entrada de

Portugal para a mesma altura.

Por sua vez, Espanha, outro Estado recém-saído de um regime

autoritário, pensava também numa opção europeia como o sol da sua política

externa.

43

Cunha, Alice Monteiro Pita Brito da, ibidem

44 Castro, Francisco Niny de, O Pedido de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias

– Aspectos Político-Diplomáticos, 1ª edição – Junho de 2010, Princípia, p. 48

45 Castro, ibidem, p. 18

Page 23: A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

23

Portanto, isto resulta na Grécia a querer afastar-se o mais possível de

uma junção com o pedido português, e Portugal a tentar fugir de um possível

atrelado ao pedido espanhol. E por que motivo Portugal quereria afastar-se de

Espanha?

A nação espanhola estava num estado económico pior que o do nosso

País, logo, Portugal receava que se Espanha juntasse a candidatura à sua, as

medidas tomadas para Portugal teriam que ser feitas tendo em conta o País

vizinho, o que não era definitivamente o que os dirigentes portugueses

pretendiam.

IV. Problemas internos das Comunidades

Apesar dos sucessos dos anos sessenta, na década seguinte as

Comunidades vão sofrer com a crise económica mundial. Recessão, problemas

energéticos, crescente desemprego, inflação galopante e crescente tensão

internacional. Todos estes factores conjugados contribuíram para a erosão da

segurança económica e política que as CE desfrutaram nos anos cinquenta e

sessenta46. Enfrentavam ainda a necessidade de um a reforma institucional

interna.

Portugal, não tendo conseguido a adesão no período de tempo que

pretendia (por volta da mesma que a Grécia) vai, simultaneamente com

Espanha, negociar com as CE neste clima de instabilidade interna. Nesse

aspecto, o alargamento fornecia a ocasião ideal para uma revisão das políticas

e dos objectivos comunitários47.

46

Cunha, Alice Monteiro Pita Brito da, À Descoberta da Europa: A Adesão de Portugal às

Comunidades Europeias, IDI – MNE, 2007, p. 98

47 Cunha, ibidem, p.99

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

24

V. O período negocial

Após as visitas do Primeiro-ministro às capitais Europeias, os dirigentes

portugueses estavam optimistas em que as negociações se iriam concluir num

período máximo de três anos (a tempo da entrada da Grécia). Contudo, do lado

Comunitário, a adesão de Portugal não foi levada como uma prioridade e o

período negocial estendeu-se por quase dez anos.

Nos inícios dos anos 80 entra em vigor o Protocolo Complementar ao

Acordo Comerciais de 72, assinados por Medeiros Ferreira em 1976. Este

Protocolo traz medidas de protecção à indústria portuguesa e facilita o acesso

de certos produtos nacionais (como azeite, sardinha, etc.) aos mercados

comunitários.48

Em 81 dá-se uma paragem do processo negocial em resultado dos

sufrágios (um presidencial e cinco legislativos) em alguns dos Estados

Membros. François Mitterrand, aquando a obtenção da maioria absoluta

chegou a pedir um inventário técnico dos problemas que adviriam com o

alargamento Ibérico. 49

O inventário leva a que se considerem três orientações gerais para se

lidar com o alargamento: (1) clarificação dos termos de adesão do lado das

Comunidades; (2) adopção integral do acervo50 comunitário; (3) simultaneidade

das adesões portuguesa e espanhola, apesar dos diferentes avanços das

negociações e com as diferenças dos problemas.

48

Cunha, ibidem, p.110

49 Em anexo caricatura de Vasco representativa da lentidão das negociações, p. 6

50 Em algumas obras é possível encontrar-se a expressão «acquis» comunitário. Acervo

comunitário é então tradução da expressão francesa «acquis communautaire», que inclui os

direitos e as obrigações partilhados pelos países da União Europeia (então CEE), a legislação

e os Tratados Europeus, as Declarações e as Resoluções, os acordos internacionais sobre

matérias comunitárias, bem como a Jurisprudência do Tribunal de Justiça.

Extraído do glossário do site do projecto Preparar o futuro da união Europeia, p.1 –

para ler na íntegra visitar a este site: http://www.prepararfuturo-ue.eu/glossario.pdf

Page 25: A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

25

Este inventário ajudou a desbloquear as negociações, que continuaram

a um ritmo lento até Junho de 1983. Nesta data, com o Conselho Europeu de

Estugarda, as negociações sofreram um aceleramento. Já em 1984 se

estabelecia a data para a finalização das negociações para 30 de Setembro

desse mesmo ano. Contudo, as Comunidades não corresponderam ao esforço

português em trabalhar para respeitar a data. Mas 84 não terminou com o

incumprimento da data estabelecida.

A 20 de Outubro desse ano, assina-se um documento que reafirma a

irreversibilidade da integração portuguesa nas CE, o Constat d’Accord. Já não

havia volta a dar, perante a assinatura deste documento sabia-se que o futuro

de Portugal era com as Comunidades, como Estado-Membro.

Então, 1985 será o ano da consolidação dos grandes eixos da nossa

política externa51, onde se trataram questões como a liberdade de circulação

de trabalhadores, políticas para a Agricultura e as Pescas, número de

deputados portugueses no Parlamento Europeu e a contribuição nacional para

o orçamento comunitário.

Assim, as negociações podem ser divididas em várias fases:

A Assembleia da República fala em três: 1) 1978-1982 como sendo a

fase inicial das negociações, dominada pela instabilidade política nacional e

pelo pouco avanço das negociações; 2) 1982-198, fase de impasse,

relacionada sobretudo com as dificuldades e hesitações dos «Nove/Dez»; 3)

fase final em 1985, com a conclusão das questões mais problemáticas.52

Vítor Martins descrimina quatro: 1) pedido de adesão; 2) pausa negocial,

imposta pela França preocupada com o impacto agrícola da agricultura

espanhola; 3) assinatura do Constat d’Acord; 4) ronda final, em Março e Abril

51

Gama, Jaime, Política Externa Portuguesa 1983-1985, MNE, Lisboa, 1985, p. 163

52 AAVV, Adesão de Portugal às Comunidades Europeias – História e Documentos, ibidem,

pp. 203, 249 e 293

Page 26: A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

26

de 85, período onde se atingiu o auge das negociações (verdadeiras

maratonas negociais).53

Por fim, Alice Monteiro Cunha salienta por sua vez três fases: 1) de1977

a 1982, com o pedido de adesão e início formal do processo; 2) de 1982 a

1984, com o encerramento de um primeiro capítulo, este período será um pára-

arranca nas negociações; 3) de 1984 a 1985, a partir do Constat d’Acord até

à assinatura dos Tratados de Adesão.54

53

Martins, Vítor, ibidem, pp. 49-54

54 Cunha, Alice Monteiro Pita Brito da, À Descoberta da Europa: A Adesão de Portugal às

Comunidades Europeias, IDI – MNE, 2007, p. 123

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

27

Assinatura do(s) Tratado(s) de Adesão

I. Europeus a favor do alargamento (sondagem nos países da

comunidade)

Cerca de 61% da população da CEE manifestou-se favorável à entrada

de Portugal e Espanha na CEE, de acordo com os resultados de uma

sondagem.

O inquérito decorreu em 14 de Março e 22 de Abril nos dez países da

Comunidade e abrangem uma amostra de nove mil e novecentas pessoas. Em

média, cerca de duas em cada dez pessoas interrogadas manifestaram-se

contra a adesão e idêntica percentagem não exprimiu opinião.

Relativamente a Portugal, 61% dos interrogados manifestou-se a favor

da sua integração na CEE e 16% contra, verificando-se uma percentagem de

3% que se absteve.

Os países que se revelaram mais favoráveis à adesão de Portugal à

CEE foram a Itália (77% a favor, 20% contra), a Bélgica (63% a favor, 11%

contra), a Holanda (67% a favor e 13% contra) e a Alemanha Federal (65% a

favor e 16% contra).

As respostas menos favoráveis à integração de Portugal na Comunidade

verificaram-se por parte da Dinamarca (21% contra e 40% a favor) e da França

(27% contra e 5% a favor).

Na Grã-Bretanha, 54% dos entrevista dos manifestaram-se favoráveis à

integração de Portugal e 13% contrários, na Irlanda aquelas percentagens

foram de 51% e 11%, respectivamente, enquanto na Grécia 41% dos

interrogados eram a favor da integração de Portugal e 14% contrários”.5556

55

Jornal de Notícias, 13 de Junho de 1985, p.4

56 Disponível em anexo estão gráficos com As Sondagens de Opinião sobre a CEE, pp. 7-8

Page 28: A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

28

II. Assinatura do Tratado

Terá sido o compromisso assumido com os países da EFTA e a forte

ligação ao Reino Unido que levaram, forçaram mesmo, Portugal a apresentar o

pedido de abertura das negociações à CEE.57

A assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à Comunidade Europeia

significa, antes de mais, a adesão ao que pode, a justo título, ser definido como

a mais importante realização política do pós-guerra, e não só do continente

europeu.58

A adesão de Portugal às Comunidades Europeias a 1 de Janeiro de

1986 constitui o culminar de um processo de aproximações sucessivas,

iniciado no início dos anos sessenta, mas que ganhou maior força e emprenho

depois do 25 de Abril.59

Contudo, nem todas as opiniões são favoráveis à adesão. O PCP

criticava o facto do governo português não ter conhecimento dos termos do

Tratado nas vésperas da sua assinatura. O partido acentuou que os deputados

desconheciam por completo os termos em que tais documentos se

encontravam redigidos, além de não disporem de quaisquer elementos sobre o

exacto conteúdo e os resultados da fase final das negociações levadas a efeito

pelo Governo. Quem sabe o que vai ser assinado?60 – questiona Ilda

Figueiredo, antes de salientar existirem seguros indícios de que os anunciados

problemas técnicos de última hora tinham significado profundas alterações em

aspectos fundamentais dos acordos, tornando-os ainda muito mais gravosos

para Portugal. Na opinião desta deputada, foram particularmente preocupantes

certas notícias relativas às cedências em toda a linha, nos últimos momentos,

relatadas pela Imprensa e que subvertem todo o sentido do período de

57

Cunha, Alice Monteiro Pita Brito da, À Descoberta da Europa: A Adesão de Portugal às

Comunidades Europeias, 2007,p.58

58 Jornal de Notícias, 13 de Junho de 1983, p. 4

59 Cunha, Alice Monteiro Pita Brito da, À Descoberta da Europa: A Adesão de Portugal às

Comunidades Europeias, 2007, p. 33

60 Jornal de Notícias, 12 de Junho de 1985, p. 6

Page 29: A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

29

transição que era apontado como fundamental para preservar o país do

impacto da adesão.

A União Geral de Trabalhadores (UGT) considera que a adesão de

Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE) é o maior desafio que aos

portugueses se põe neste século. Considera ainda que a integração vem

também fornecer um quadro e conceder sentido à afirmação de Portugal ao

contexto mundial, após a situação nova criada pela descolonização.61

Para o dirigente nacional da Confederação Geral de Trabalhadores

Portugueses (CGTP), Kalidás Barreto, este vem reforçar a opinião de Jacques

Chezelle relativamente aos riscos provenientes da entrada de Portugal na CEE,

quando afirma que as consequências económicas e sociais que advirão

inevitavelmente da entrada no espaço comunitário trarão falências de

pequenas e médias empresas e desemprego, pois o facto de Portugal não ter

estruturas industriais e agrícolas compatíveis irá conduzir o país a uma maior

dependência económica62.

Aquando da adesão de Portugal à CEE, o arcebispo de Braga, D. Eurico

Nogueira, chamou a atenção para o perigo de sermos considerados o parente

pobre, detentor de um insignificante quintal, onde se vem procurar mão-de-obra

barata para trabalhos indesejáveis, além de implantar indústrias incómodas que

outros rejeitam.63

A adesão de Portugal e de Espanha à CEE constitui a conclusão do

projecto de redefinição dos equilíbrios entre o Norte e o Sul da Europa, afirmou

Lorenzo Natali, vice-presidente da Comissão Europeia, encarregado da

condução das negociações com os dois países ibéricos. Acrescenta que a

assinatura do tratado não é, assim, um acto de pura forma: é a marca de uma

vontade política precisa que os doze serão doravante chamados a traduzir em

acções coerentes e cada vez mais voltadas para a prossecução de objectivos

61

Jornal de Notícias, 12 de Junho de 1985, p.5

62 Diário de Notícias, 12 de Junho de 1985, pg.6 e 7

63 Arcebispo de Braga põe em causa a adesão ao Mercado Comum, Diário de Notícias, 10

de Junho de 1985

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

30

comuns. Com a entrada de Espanha e de Portugal, a composição da

Comunidade é de molde a não mais consentir espaços ou pretextos para

projecções descentradas.64

A adesão de Portugal à CEE em 1985 proporciona, de imediato,

vantagens assinaláveis. Chegam apoios de ordem técnica e, sobretudo, um

largo afluxo de capitais, no âmbito do FEDER (Fundo para o Desenvolvimento

Regional) e, posteriormente, do Fundo de Coesão, destinados a aproximar o

País dos níveis de desenvolvimento dos outros parceiros da comunidade.65

Portugal assume, deste modo, a política de adesão às comunidades

Europeias como uma opção coerente e responsável, e não como uma

inevitabilidade histórica, ou um imperativo económico, ou ainda a busca de um

garante da consolidação do seu regime democrático.

A adesão à CEE significava a vontade expressa de rasgar novos

horizontes de esperança para as novas gerações de portugueses66, diz o

Ministro da Educação, na medida em que, através dessa adesão,

pressuponha-se e imponha-se um ritmo mais acelerado de desenvolvimento,

mas também nos planos económico, social, cultural e mesmo político. Mais que

um estímulo e um desafio, a adesão à CEE tem que ser o arranque de um

novo ciclo na vida de Portugal e dos Portugueses. De todos.67

Para Lemos Ferreira – chefe do Estado-Maior-General das Forças

Armadas –, a inserção no Mercado Comum tinha de ser entendida pelos

Portugueses como um enorme desafio a vencer em todas as circunstâncias, o

que iria requerer muito trabalho, muitos sacríficos, muita persistência e muito

apego à nossa identidade. Por outro lado, a adesão à CEE também não

deveria ser encarada como a única solução nacional, pois seria um erro grave

64

Jornal de Notícias, 12 de Junho de 1985, p. 3

65 Jornal de Notícias, 12 de Junho de 1985, p. 5

66 Diário de Notícias, 12 de Junho de 1985, discurso de João de Deus Pinho, Ministro da

Educação, p. 6-7

67 Diário de Notícias, ibidem

Page 31: A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

31

esquecermos a nossa atlanticidade e a comunidade que somos espalhada por

vários continentes68.

Segundo o presidente da República, Ramalho Eanes, Portugal será

democrático pela vontade e pelo esforço dos portugueses, e será justamente a

consonância do projecto nacional que os tornará capazes de se integrarem, no

momento, nas comunidades.

São conhecidas de todos as circunstâncias políticas, económicas e

sociais que, em finais dos anos setenta, fundamentaram o pedido português de

adesão às Comunidades Europeias. Apenas em 1978 havia sido formulado

esse pedido porque só dois anos antes, como o regime modificado, aprovada a

Constituição, encerrado o ciclo do Império, Portugal, democrático e livre, se

achava então em condições de retomar, sem inibições e condicionamentos, o

lugar a que tinha jus na Europa e no Mundo.

O presidente da República afirma ao Jornal de Notícias69 que, não tinha

dúvidas de que a adesão propiciaria benefícios e criaria dificuldades, quer à

Europa, quer a Portugal, mas que os portugueses estavam certos de que o

saldo seria, para ambas as partes, positivo, e que as Comunidades saberiam

cumprir o que lhes coubesse, nesse período de adaptação de Portugal à nova

dinâmica económica com que teria de se enfrentar e, mais do que isso, teria de

fazer sua.

A adesão de Portugal reforça a coerência da afirmação da unidade

europeia e põe ao dispor das comunidades capacidades específicas, apesar de

tudo consideráveis.

Os portugueses estavam conscientes de que a adesão lhes traria

factores de incerteza e de risco, que lhes competia enfrentar com imaginação,

transformando-os em oportunidades de mudanças positivas.

A adesão dos países ibéricos às Comunidades Europeias seria

certamente um acto mais de importância histórica, no já longo processo da

68

Diário de Notícias, 12 de Junho de 1985, pg.6 e 7

69 Jornal de Notícias, 13 de Junho de 1985, p. 4

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

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Espanha, Portugal alarga a representatividade das Comunidades aos estados

do Sul da Europa e a tudo quanto representam como antiquíssimas fontes de

civilização, bem como a situação específica das suas populações e ao estado

presente dos seus aparelhos económicos, políticos e sociais.

Aceitam, pois, essa adesão como um novo passo positivo da afirmação

europeia, que teria necessariamente que aprender a vencer as suas divisões,

as suas questões menores, os seus conflitos regionais, em nome da sua

génese e em razão dos seus objectivos. Só assim estaria a Europa em

condições de, investindo na inteligência, no progresso, na fraternidade, criar a

sua verdadeira unidade e a sua possível e indispensável dimensão

sociocultural, económica e geoestratégica e assumir, assim, num mundo

crescentemente multipolar, o papel de primeiro plano que justamente lhe cabia.

Ramos Eanes afirma com convicção que Portugal tudo faria para que o

seu acesso às Comunidades se traduzisse numa contribuição e, num estímulo

positivo para a dinâmica de um tal projecto europeu.70

Jacques Delors, Presidente da Comissão Europeia, afirma que que

depois de quase cinquenta anos de isolamento relativo, Portugal, que soube

reencontrar a Liberdade e a Democracia, junta-se a nós para construir uma

liberdade mais forte e mais solidária. Acrescenta ainda que reconhece melhor

do que ninguém o extraordinário esforço empreendido por Portugal para sanear

a sua economia e modernizar as suas estruturas. Foi por essa razão que

defendeu que o espírito de solidariedade para com Portugal inspirasse as

modalidades da sua entrada na Comunidade.71

Para Mário Soares, a adesão de Portugal representou uma opção

fundamental por um futuro de progresso e modernidade. Mas não se pense

que seja uma opção de facilidade. Exige muito dos Portugueses, embora lhes

abra, simultaneamente, largas perspectivas de desenvolvimento.72

70

Jornal de Notícias, ibidem

71 Jornal de Notícias, ibidem, p. 5

72 Diário de Notícias, 13 de Junho de 1985, p. 2

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

33

Tal como referiu Soares, a Europa das Comunidades, para nós não

será, tão só, um mercado comum de bens e serviços. Vemo-la como um

espaço de liberdade, de respeito pelos direitos do homem e do humanismo,

mas também como uma identidade política autónoma e coesa.73

Portugal, contudo, não vai só receber com a integração europeia. Vai

também dar muito de si. Vai contribuir com a sua velha cultura e o génio do seu

povo para a construção europeia, de forma a conseguir uma acção de

liderança moderada na cena internacional em favor da paz.74

Desta forma, a integração na CEE deverá ser o motor necessário para

acelerar as transformações nos sectores produtivos nacionais que sempre

teriam de se fazer – com a adesão ou sem ela – para modernizar a economia

do País.75

Os portugueses poderiam assegurar o máximo de liberdade de

negociação através da suspensão da adesão, de uma retirada, ou retardando

constantemente a concretização do comércio livre, bem como a aceitação da

política aduaneira e da política agrícola comuns. Devido à reduzida dimensão

de Portugal e à sobrecarga que resultaria para a Comunidade, as reacções que

dela adviriam seriam muito limitadas. Não se deve, ainda, ignorar que tal

procedimento pouco contribuiria para garantir um compromisso activo da CEE

no sentido aqui preferido. Poderia, pelo contrário, provocar um certo

desinteresse pelos problemas portugueses, senão mesmo uma crise política

muito aguda.

Em contrapartida, um recuo formal da Comunidade, ou a ameaça

declarada de recuo, seria uma via muito mais radical e um pouco mais

arriscada para alcançar os objectivos dos interesses portugueses. Parece

sobretudo mais vantajoso que se convençam em simultâneo países membros

73

Diário de Notícias, 13 de Junho de 1985, p. 2

74 Jornal de Notícias, 13 de Junho de 1985, p. 3

75 Miranda, Pedro Pires de, Diário de Notícias, 11 de Agosto de 1980

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

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da CEE da crise provocada pelo conflito sociopolítico resultante de um

compromisso insuficiente por parte da Comunidade.76

III. Pontos fortes da adesão de Portugal à CEE

A adesão de Portugal à CEE aumenta a coincidência entre a Europa

geográfica e a Europa político-institucional, ao mesmo tempo confirma, uma

vez mais, que a adesão à Comunidade Europeia é o corolário da reconquista

dos valores próprios a uma democracia pluralista. Representa, assim, uma

garantia, já que no âmbito da integração europeia nunca existiu, nem poderia

existir um retrocesso de liberdade.

O povo português contribuirá assim para a consolidação de uma Europa

que na própria especificidade dos países que a constituem encontrará a

justificação do projecto político que se baseia no pôr em comum, e

consequente valorização dos recursos, não só materiais, de que dispõe.

Portugal, sendo o Estado mais subdesenvolvido da comunidade

europeia é o que mais poderá beneficiar dos fundos financeiros especiais

postos à sua disposição pela CEE para modernizar a sua agricultura, as

Pescas, a Indústria, o Comércio e construir as infra-estruturas que permitam

melhorar as condições de vida dos portugueses.77

A Europa cresce e, mais ainda, completa-se, graças ao alargamento e à

procura de um maior e mais sólido equilíbrio entre os seus componentes.

A adesão de Portugal, como de outros países que o precederam, só

poderia tirar benefícios concretos da sua entrada num mercado tão vasto como

o comunitário e da sua participação nos mecanismos propostos pela

76

Problemas relacionados com a adesão de Portugal à C.E.E. – Estratégias e Conceitos,

F.E.S./I.E.D., 1ª Edição – Fevereiro de 1981 – Adaptação do texto original do seminário da

Fundação Friedrich Ebert a 2 e 3 de Junho de 1980

77 Cepa, A. Guerreiro, Portugal e a adesão à CEE: Entrevista ao Presidente da Câmara

Municipal de Caminha, Caminha, 1985

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

35

Comunidade Europeia para um desenvolvimento equilibrado e uniforme de

todas as suas regiões e de todos os seus habitantes.

Giulio Andreotti, Ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, considera

que os trabalhadores e trabalhadoras portugueses que vivem fora das

fronteiras do seu próprio país, e que tanto têm contribuído para reforçar os

laços culturais e económicos de Portugal com outros países europeus,

poderão, de hoje em diante, beneficiar das garantias e vantagens a que lhes dá

direito o facto de pertencerem à Comunidade. No momento em que, ao fim de

um longo processo de negociações, Portugal se torna membro da

«Comunidade dos Doze», pode, sem dúvida, dizer-se que as salvaguardas

democráticas foram constituídas pelos portugueses com as suas próprias

mãos. Constatamos, na verdade, que o Estado democrático português estava

firme e que a sua contribuição para a família democrática europeia era certa.

O que a Comunidade Europeia, por sua vez, pôde trazer a Portugal foi

uma dimensão política e económica em que o país conseguir encontrar o lugar

que lhe era devido pela sua história, cultura e tradições.

Segundo o Primeiro-ministro, Mário Soares, a entrada de Portugal na

CEE contribuiria para a criação de um novo dinamismo de cooperação da

Europa Comunitária com a África e com a América Latina. Com a entrada

simultânea de Portugal e Espanha na CEE abria-se também uma nova fase de

cooperação bilateral alargada, baseada no respeito mútuo, na igualdade, na

solidariedade de interesses e na reciprocidade de vantagens. “Essa é a

vontade política dos dois estados, que a entrada simultânea na comunidade

europeia vem não só realçar como mesmo facilitar”, acrescenta Soares.

Nesta sequência, os laços históricos, culturais e económicos de Portugal

com a Espanha, América Latina, com a África e também com a Ásia

representam um contributo importante para a acção em que a comunidade

estava empenhada, com o fim de criar, sobretudo nas áreas de maiores

tensões internacionais, as premissas de novos equilíbrios e novas aberturas da

paz.

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

36

Portugal retira do apelo às suas tradições e à sua experiência,

amadurecida ao longo da sua história, mais de um motivo para aderir ao

projecto europeu: projecto que sem a contribuição deste país não poderia

cumprir plenamente o objectivo para que foi concebido – a unidade dos povos

e das nações deste continente.78

IV. Benefícios vs. Prejuízos da adesão de Portugal às CE

A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia terá

profundas repercussões em termos de consumo. O País adquiriu, é certo,

alguma experiência em matéria de comércio livre através da EFTA e com a

própria CEE. No entanto o mercado português está ainda muito protegido por

entraves à importação.

Com a adesão, a protecção da indústria será diminuída e o comércio

com os outros países da CEE, Espanha, e os da EFTA – ficará fortemente

liberalizado.79

Consumidor irá ter o IVA

Habituados desde há alguns anos a elevadas taxas de inflação, quase

sempre acima dos 20%, o consumidor português não vai certamente notar o

acréscimo de 2% nos preços que deve resultar da introdução do Imposto sobre

o Valor Acrescentado (IVA) em Portugal, a partir de Julho de 1985. Este

imposto, que substituirá o imposto sobre as transacções e algumas outras

taxas, poderia só ser aplicado em Portugal três anos após a adesão, de acordo

com a derrogação temporária estabelecida pela Comunidade. Contudo, o

Governo português, no intuito de forçar uma rápida adaptação e modernização

do sistema fiscal nacional, decidiu pôr em prática o IVA já em 1985, no próprio

ano de adesão.

78

Jornal de Notícias, 13 de Junho de 1985, p. 4

79 Carvalho, Eduardo, CEE: efeitos da adesão nos termos de consumo, Diário de Notícias,

10 de Junho de 1985, p. 25

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

37

Em compensação, o consumidor português vai passar a ter à sua

disposição uma vasta gama de produtos europeus de todo o género, desde

bolachas, chocolates, queijo, manteiga, carne (possivelmente a preços mais

baratos, devido aos subsídios comunitários que receberá) e peixe, até às linhas

de moda francesas e italianas e numerosos aparelhos eléctricos e electrónicos

provenientes dos outros onze estados membros da CEE.

Com esta adesão Portugal também beneficiou de uma descida dos

preços nos automóveis importados, embora a liberalização das importações

neste campo obedecesse a um período de transição que terminaria em 31 de

Dezembro de 1987.

Turista com “passaporte europeu”

Os portugueses passaram a ser cidadãos europeus em igualdade de

direitos na comunidade a “doze”. O “passaporte europeu”, que dentro de uns

anos entraria em vigor, possibilitaria a qualquer cidadão nacional viajar por toda

a CEE sem dificuldades.

Uma das vantagens da adesão é que seria possível, com a eventual

instalação em Portugal dos grandes operadores turísticos europeus, viajar para

mais destinos e, sobretudo, a preços mais acessíveis. Contudo, só em 1989 as

agências de viagens comunitárias se poderiam instalar no país.

Os preços turísticos internos, contudo, aumentariam com a integração de

Portugal na Europa comunitária, como resultado do acréscimo nos preços dos

bens alimentares e da incidência que o IVA teria sobre a indústria hoteleira.

Emigrantes: deixar de ser cidadão de segunda-feira

A adesão proporcionaria aos emigrantes portugueses nos países da

Comunidade uma melhoria dos seus direitos sociais, apesar de a livre

circulação de trabalhadores nacionais ficar condicionada por um período de

sete anos, que poderia ir até dez no caso do Luxemburgo.

Os trabalhadores portugueses já instalados, à data de adesão, nos

outros países da Comunidade gozariam de igualdade de tratamento

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

38

relativamente no que se refere aos seus familiares consigo instalados

regularmente.

No caso de desemprego, os trabalhadores portugueses já instalados nos

países da CEE teriam o direito ao mesmo seguro que os desempregados

desse país, sendo os abonos de família pagos igualmente com base no país de

residência.

Pescadores: o direito às 12 milhas

Os pescadores portugueses iriam dispor, a partir da adesão, com

carácter de exclusividade, das águas nacionais até às doze milhas, enquanto,

para além deste limite, o acesso por parte da frota de outros estados membros

estaria subordinado, até 31 de Dezembro de 1995, a um regime de controlo,

que seria gerido pelas autoridades comunitárias.

A captura de crustáceos ficou também reservada à frota nacional.

Reconverter a agricultura

Este período de transição deveria permitir a modernização das

explorações agrícolas nacionais, bem como o seu redimensionamento,

particularmente no Norte do país, onde predominava o minifúndio.

Para os viticultores, nem todo o vinho poderia ser exportado para a CEE

e, acima de um certo limite de produção, verificar-se-ia a destilação obrigatória,

a baixo preço, dos excedentes.

Os produtores de gado suíno e bovino poderiam vir a sofrer as

consequências da carne exportada pela CEE, ser substituída e colocada em

Portugal a preços claramente mais baixos porque sobre ela impediriam direitos

niveladores.

Os criadores de suínos não poderiam exportar carne destes animais para a

Europa, devido à existência de peste suína em Portugal.

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

39

Apenas produtos enlatados de origem nacional poderiam ser escoados nos

mercados europeus.

Abertura nos mercados para os industriais

O acordo comercial preferencial assinado em 1972 entre Portugal e a

CEE fez desaparecer a maior parte dos obstáculos ao comércio entre as suas

partes. Nesta área, os industriais portugueses passavam a ter eventuais

vantagens na abertura do mercado espanhol, embora com períodos de

derrogação temporários, para alguns produtos, entre os quais os têxteis, cujas

exportações para a CEE seriam igualmente condicionadas por três anos após a

adesão.

A CEE oferecia, entretanto, a possibilidade do avanço tecnológico das

empresas mediante o aproveitamento dos trabalhos desenvolvidos no Centro

Europeu de Investigação, através do envio de técnicos e da troca de

informações.

Por outro lado, o acesso aos fundos comunitários poderia contribuir para

o desenvolvimento de diversas indústrias em Portugal, mediante a

possibilidade das empresas procederem a projectos de investigação

subsidiados pela Comunidade.80

80

Jornal de Notícias, 12 de Junho de 1985, p. 4

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

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Conclusão

Desenganem-se aqueles que pensam que a adesão da República

Portuguesa às Comunidades Europeias foi fácil. Durante quase dez anos,

Portugal travou duras negociações para pertencer ao espaço europeu.

A luta foi desigual, este pequeno País, com um regime ainda instável,

recém-estabelecido e de mãos dadas com uma economia retrógrada, baseada

sobretudo na agricultura, com uma indústria pouco desenvolvida e uma

capacidade baixa de exportações. É uma espécie de cenário «David contra

Golias» - Portugal contra os gigantes da Europa e seus interesses.

Durante a elaboração deste trabalho foi possível percepcionar o quão

grande era o individualismo dentro das Comunidades nos anos 70 e 80 do

século passado. Países como a França, que colocavam em primeiro lugar os

seus interesses económicos ao invés de trabalhar em conjunto com os

restantes Estados-Membros para encontrarem a solução que trouxesse mais

benefícios e minimizasse as consequências para as Comunidades, sobretudo

para a CEE. Mesmo os países que mais apoiaram a candidatura portuguesa,

como a RFA e o Reino Unido, tinham interesses políticos subjacentes, como a

futura unificação alemã, no caso da RFA, e a descentralização do poder das

Comunidades, como pretendiam os britânicos. Era tudo um grande jogo de

interesses, que Portugal conseguiu aproveitar.

A boa capacidade dos diplomatas portugueses permitiu afastar um

estatuto de pré-adesão por tempo indeterminado e, apesar de demorar muito

mais que os três anos originalmente expectados, Portugal conseguiu a sua

adesão como Estado-Membro de pleno direito nas três Comunidades: CEE,

CECA e Euratom.

A adesão não trouxe consenso entre os dirigentes e líderes de opinião

dos partidos e organizações governamentais, sindicais, económicas, religiosas

e sociais. E, mesmo sendo verdade que entrar nas Comunidades trouxe

problemas à Nação, também é verdade que trouxe muitos benefícios para o

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

41

desenvolvimento. Cada um deve estudá-los, criando uma perspectiva sobre

ambos.

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

História Contemporânea de Portugal

42

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Entrevista:

Figueiredo, Ilda, deputada no Parlamento Europeu, entrevista dada aos autores

deste trabalho, Março 2011 (disponível integralmente no anexo, pp. 18-20)

Jornais:

Diário de Notícias

14 de Março de 1977

29 de Março de 1977

11 de Agosto de 1980

10 de Junho de 1985

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A adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias

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