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A ARTE E O ENSINO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Fátima Maria Neves1
Rosimara Albuquerque Mello2
Universidade Estadual de Maringá - PR
Palavras chaves: História da Educação e leitura de imagem; Pedro Américo; memória
nacional.
[...] A verdade é que a arte não envelhece porque o ser humano
que a contempla é sempre novo, ou terá um olhar outro e estará
realizando uma infinidade de leituras porque infinita é a
capacidade do homem de 1perceber, sentir, pensar, imaginar,
emocionar-se e construir significações diante das formas
artísticas (MARTINS, 1998, p.61).
A proposta deste artigo é estabelecer um diálogo entre uma obra artística, a tela
Independência ou Morte – (1888), de autoria de Pedro Américo, com o contexto histórico em
que foi produzida, destacando a subjetividade e estilo do artista. Propomos, dessa maneira,
um “zoom” na História do Brasil por meio da arte e da representação do “olhar” de Pedro
Américo. Para tanto, no que tange aos aspectos teórico-metodológicos, o estudo amparou-se
em especialistas que tem a arte e a educação como eixo temático, tais como: Mello Junior
(1983), Martins (1998), Barbosa (2010), Ferraz & Fusari (2001), Proença (2007), e Gombrich
(1999). Ainda, respaldou-se em Historiadores de ofício como Guimarães (1988), Bloch
(2001), Burke (2004) e Le Goff (2008) e em historiadores da educação como Gasparello
(2004) pesquisadora da História da Educação.
Quando nos remetemos à leitura de imagens, produzimos e direcionamos o olhar aos
detalhes minuciosos, a observar e perceber pela visão as particularidades das formas, das
cores e dos símbolos que nos margeiam, que fazem parte das nossas experiências e vivências.
Segundo Martins (1998, p.57) “Cada um de nós, combinamos percepção, imaginação,
repertório cultural e histórico, lê o mundo e o representa à sua maneira, sob o seu ponto de
vista utilizando formas, cores, sons, movimentos, ritmo, cenário [...]”.
Ao reforçar essa ideia, Pillar (2011, p. 8) ressalta que “ao ler, estamos entrelaçando
informações do objeto, suas características formais, cromáticas, topológicas e informações do
leitor, seu conhecimento acerca objeto, suas inferências, sua imaginação”.
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Destacamos, portanto, que não negamos o domínio da imagem cotidianamente e seu
valor como recurso e instrumento de formação cultural, social e produtora de conhecimentos.
Não olvidamos buscar a relação com a periodização em que foi produzida com tempo ao qual
se analisa e o discurso que ambas propõem. Isso porque a leitura imagética se constitui em
um recurso didático de grande significado, porque nos permite analisar por meio dos códigos
expressivos, próprios da linguagem visual, um contexto favorável ao pensamento, sentimento
e vivencia de uma época.
Conforme Kehrwald (2004, p 25) “[...] a subjetividade contida na arte proporciona
uma infinidade de leituras e interpretações que dependem das informações do leitor, das suas
experiências anteriores, das suas vivências, lembranças, imaginação, enfim, do seu repertório
de saberes”.
A imagem é uma representação de um tempo-espaço determinado e o leitor se reporta
a ela, que é passado, por meio do presente e de sua cultura e questionamentos que o envolve.
Para Bloch (2001) o passado é uma construção do presente. Reportamo-nos ao passado para
compreendermos o presente; fazemos uma representação hoje do ontem. Buscamos o passado
a partir de dúvidas e anseios encontrados no hoje, e na tentativa de explicar o presente que
retornamos aos fragmentos do passado.
Os elementos que relacionam passado e presente são essenciais para a operação
histórica. Nesse sentido, Le Goff (2003), também destaca que “[...] o presente não pode se
limitar a um instante, a um ponto, a definição da estrutura do presente, seja ou não consciente,
é um problema primordial da operação histórica (p. 207)”. Dessa maneira, o passado é uma
preocupação do presente, quando nos propomos a criar uma representação dos fragmentos que
aconteceram em uma época muito longínqua ou a aquela que foi produzida há poucos e
alguns minutos. Nesta perspectiva, o agora será a pouco passado e o que ficará marcado são
as memórias individuais ou coletivas.
O regresso ao passado sempre resulta em novas ideias e em novos questionamentos,
que investigamos com o auxilio de sinais, pistas, vestígios ou objetos como fotografias, telas,
documentos históricos que o tempo nos deixa como herança.
Ao considerar os pressupostos teórico-metodológicos apresentados e a proposta inicial
desta comunicação, problematizamos: Qual, ou quais motivos levaram Pedro Américo a criar
uma representação de um episódio que ocorreu 66 anos antes, da sua produção? Qual o
interesse atribuído à pintura pelo seu mecenas? Como e por que essa obra se tornou referencia
e foi agregada ao imaginário e memória coletiva do povo brasileiro? Partindo destes
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questionamentos, poderemos explorar as possibilidades de leitura e apropriação dos textos
envolvidos pela Arte, História e Historia da Educação.
Nosso roteiro, de exposição, percorrerá o contexto histórico, a biografia do pintor e as
características da pintura acadêmica no Brasil, bem como a analogia entre elas.
Contexto histórico-cultural e a tela “Independência ou Morte”
No Brasil, durante o século XIX, as elites dirigentes buscaram criar e sustentar uma
identidade nacionalista. Especialistas, historiadores deste período de “descolonização”
destacam que a tarefa, a empreitada não era e não foi nada fácil, uma vez que o “povo” ou a
“população brasileira” tinha como sentimento de pertencimento o regionalismo e não o
nacionalismo, ou o sentimento de nação. Por isso, os habitantes sentiam-se próximos da sua
província e da sua jurisdição e não do território nacional brasileiro. A construção do
sentimento de pertencimento a “nação brasileira” foi longo, extrapolando os limites temporais
do século XIX. Esse processo de formação cívica se deu juntamente com a afirmação política
do Estado Imperial que lidava com as revoltas locais e via o risco de uma fragmentação da
nação. A complexidade de uma formação do nacionalismo brasileiro se prolongava para além
dos espaços geográficos.
Para desenvolver, na população em geral, sentimentos nacionalistas, patrióticos, as
instituições políticas, religiosas e culturais-educacionais foram acionadas. Somaram forças
para criar e manter a unificação do território brasileiro. A elite intelectual tinha em sua frente
de batalha o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB, e o [...] próprio imperador
que procurou dar ao país um desenvolvimento cultural mais sólido, incentivando as letras, as
ciências e as artes. (Proença, 2007, p. 222)
Para Gaparello (2004, p. 115), os
[...] intelectuais congregados no IHGB, no momento em que o Estado
brasileiro precisava definir-se como nação, assumiu a tarefa que se fazia
necessária. “Sob a imediata proteção de Sua Majestade” o Instituto lançou-se
ao importante trabalho que, além de cultural e científico, foi marcadamente
político e ideológico, de cunho patriótico e nacionalista.
Destacamos que o Instituto Histórico e Geographico Brasileiro, o IHGB foi
inaugurado, em 1838, durante a Regência de Araújo Lima (1837-1840), com objetivos de
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criar, de construir uma identidade nacional pensada e divulgada pelas elites ilustradas
brasileira (NEVES, 2007).
Desse modo, por meio do Instituto, foram criados os primeiros compêndios de História
do Brasil, destinados ao ensino secundário, com a função de escrever uma história do país e
criar uma memória nacional. Nota-se que a instrução pública também é um instrumento de
difusão desses ideais. Como pontua Veríssimo (1985), “[...] para despertar o sentimento da
Pátria, do mesmo passo combater o espírito separatista e, acima do princípio federativo, por
uma unidade moral na Nação – impõe-se-nos como o mais urgente dever a criação da
educação nacional” (p.49).
No plano artístico e literário, houve também um grande incentivo principalmente
financeiro de D. Pedro II que praticava o mecenato, com o intuito de desenvolver uma
autonomia, definir a identidade do país e promover a unidade territorial e cultural. Biscarde e
Rocha (2006, p.01), destacam que:
para o jovem monarca, a unificação territorial do império podia ser insuflada
pela unicidade cultural, já que a carência de uma identidade verdadeiramente
nacional poderia resultar, a médio ou longo prazo, em agente de divisão
interna ou de enfraquecimento das instituições do governo; o que repercutiu
na sociedade de se adotar uma produção artística de temática autóctone, que
realçasse as potencialidades naturais do país, o índio como habitante genuíno
e elementos da brasilidade e os temas históricos nacionais.
Nesse conjunto, a arte desempenha um papel importante, a nosso ver, fundamental, de
divulgadora, ideológica, dos fatos “heróicos”, visando a “civilização” da população por meio
da criação de “fatos” históricos. A imagem oferece algo a mais que as outras fontes não
alcançam, age com persuasão ou obriga o observador a fazer interpretações direcionadas,
[...] estimulando-os a identificar-se ou com o herói ou com a vítima, por
exemplo, ou alternativamente (como foi argumentado no caso de algumas
pinturas históricas do século 19), colocando o espectador na posição de
testemunha ocular do acontecimento representado (BURKE, 2004,p.225).
Portanto, a pintura histórica representa nesse período oitocentista a função de civilizar
o brasileiro infundindo valores morais e sociais, ordem e patriotismo, sentimentos estes tão
almejados por uma elite dirigente, para uma nação em formação. Desse modo, para reforçar a
importância da pintura histórica, foram instituídos espaços para produção de símbolos
nacionais, como as Academias de Arte.
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No Brasil, Academia Imperial de Belas Artes - AIBA, fundada em 1829, como
destaca Proença (2007), não foi à única Academia a ser criada nos países da América
colonizada por Portugueses e Espanhóis. Podemos destacar a Academia da cidade do México
em 1785, a da Venezuela em 1830, e a do Paraguai em 1885. Todas elas com o mesmo
princípio de estimular as produções de obras históricas, projetando um modelo de cultura nos
novos Estados (países).
Segundo Barbosa (2010), a Academia Imperial de Belas Artes como instituição de
ensino superior tinha como importância prioritária, ainda, no Brasil República, a formação de
uma elite que governasse o país e dirigisse o pensamento educacional e cultural.
Os artistas submetidos às regras de criação artística das academias produziam, em sua
maioria, as obras históricas. Em nosso objeto de discussão, termos, portanto, a tela
“Independência ou Morte”, também nominada por “Grito do Ipiranga”, criada por Pedro
Américo entre 1886 a 1888.
Conhecendo a obra e seu produtor, o artista: Pedro Américo.
Figura 1
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Dialogar com os elementos que compõe o sujeito é fundamental, a nosso ver, para
compreendermos a sua trajetória e subjetividade como autor. Assim, abordaremos a vida de
Pedro Américo de Figueiredo e Melo, buscando pontuar as singularidades que permearam sua
existência.
Pedro Américo nasceu em 29 de abril de 1843, na singela cidade paraibana de Areia e
morreu no dia 7 de outubro de 1905, em Florença, Itália. Desde menino, revelava-se um
exímio artista, suas habilidades em desenho e pintura eram conhecidas e apreciadas pelos
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moradores da cidade. Ainda com nove anos de idade, foi convidado, com a permissão dos
pais, para ser desenhista auxiliar na expedição cientifica que o francês Louis Jacques Brunet4
efetuava para o Museu Nacional. Após quase dois anos na expedição pelo nordeste do país
com Brunet, foi indicado pelo cientista para estudar no Colégio Pedro II. Em 1854, com onze
anos foi para o Rio de Janeiro, onde iniciou um brilhante percurso artístico e ganha o mundo
pelo trabalho, ousadia e determinação.
Durante uma visita imperial ao Colégio Pedro II, Américo não perdeu a oportunidade
e desenhou o Imperador lendo um livro. Encantado com o promissor artista, D. Pedro II
prometeu uma vaga na Academia Imperial de Belas Artes (AIBA).
No período em que estudou na Academia, participou de muitos concursos e foi
apelidado pelos seus colegas de “papa medalhas”. Em 1858, aos 15 anos de idade, com uma
bolsa de estudo concedida pelo Imperador, foi para Europa aperfeiçoar seus conhecimentos,
como relata Donatto Mello Junior (1983):
São suas próprias palavras: “Agora que tenho os conhecimentos que para a
Pintura poderia receber da dita Academia, para prosseguir na minha carreira
indispensável é uma vigem à Europa, e como a Academia não pode facultar
os meios necessários para esta viagem, por ter ela preenchido o número de
seus pensionistas, venho confiado na extrema bondade de Vossa Majestade
Imperial solicitar a graça de me mandar particularmente acabar meus estudos
na Europa, impondo-me qualquer condição que será por mim bem aceita”
(p.16-18).
Com uma carta de recomendação assinada por Manoel de Araújo Porto-Alegre, diretor
da AIBA, direcionada a Vítor Meireles outro importantíssimo artista da época, Pedro Américo
com dezesseis anos, chega a Europa com muita disposição e habilidade. Recebe uma
formação no estilo da pintura acadêmica, ligada ao Neoclassicismo. Nesta época, fixa moradia
em Paris, mais se aventura por outros países europeus. Além de desenho e pintura estuda
também filosofia e ciências sociais na Universidade de Sorbonne, foi discípulo de Ingres
(1780-1867), um dos maiores nomes do neoclassicismo francês, domina muito bem a língua
francesa, revela-se um escritor e polemista aos seus dezenove anos.
Quando retorna ao Brasil, em 1865, com o término da bolsa imperial é nomeado
mediante concurso público e decretado por D. Pedro II a assumir a cadeira de professor de
desenho figurativo na AIBA. Não permaneceu por muito tempo no Brasil, deslocando-se
diversas vezes para Europa, porque seu espírito impetuoso e sua vontade persistente de
retomar seus estudos na Europa lhe renderam vários afastamentos do cargo entre os anos de
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1865 a 1890. Alegava que o clima do Rio de Janeiro não fazia bem a sua saúde frágil e o
clima da Academia não fazia bem para seu brio (MELLO JUNIOR, 1983).
Pedro Américo viveu modestamente, como todo o seu tempo era dedicado à pesquisa,
ilustração, estampas, caricaturas, retratos e desenhos em geral, não lhe sobrava ocasião para
atividades mais lucrativas. Segundo Mello Junior (1983, p.28), “Chegou mesmo ao cúmulo de
vender suas medalhas, em face de carência de recursos, ocorrendo nesta ocasião o fato de ser
levado à polícia pela possível compradora desconfiada de sua honestidade, onde provou
serem suas as medalhas”.
De Paris, seguiu para Bruxelas onde conseguiu terminar seu doutoramento em ciências
naturais pela Universidade de Bruxelas, em 21 de julho de 1868. De volta ao Brasil,
conseguiu transferir sua cadeira de Pintura figurativa para de História da Arte. Entre os anos
de 1870 e 1873, desenvolveu muitos trabalhos artístico e literário no Rio de Janeiro, inclusive
como substituto de Vitor Meireles na Pintura Histórica. Nesse período, pintou a tela Batalha
de Campo Grande medindo 5,30 x 3,32 m (1872), e pelo grandioso e reconhecido resultado de
sua obra, recebe do Governo Imperial o grau de Comendador da ordem Rosa, juntamente com
seu colega Vitor Meireles. Nesse ano, foram convidados pelo Ministro do Império João
Correia de Oliveira, para pintar temas relacionados com a história militar do país. Américo
executou em Florença a pintura Batalha do Avaí (1874-77), referente à Guerra o Paraguai,
dentre outras de temas históricos. Em 1886, residindo ainda em Florença começa a pintar a
tela Independência ou Morte, e a termina em 1888.
Nota-se que Pedro Américo foi famoso desde sua idade mais tenra, e com os
conhecimentos adquiridos organizou muitos projetos que incluíam desde jornais, caricaturas,
ilustrações, literatura da época até as pinturas históricas da abolição da escravatura, episódios
de guerras e memórias da independência. Apesar de seguir as regras da pintura acadêmica,
sempre se mostrou ter ideias liberais, que o permitiu continuar produzindo obras para o Brasil,
após a Proclamação da República em 1889, como Tiradentes esquartejado5 (1893) e Paz e
Concórdia6 (1902). Além disso, foi eleito deputado da Paraíba, exercendo muitas
contribuições para o país.
Com a saúde muito debilitada Pedro Américo, que se encontrava nessa data em
Florença, acamado, sofria de beribéri, doença causada por ausência de vitamina B1 no
organismo, originando dores musculares e dificuldade respiratória. Desta maneira termina sua
vida vindo a falecer aos 62 anos de idades, em 7 de outubro de 1905. Seu corpo foi sepultado
em Areia sua cidade natal.
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Homem de personalidade audaciosa e temperamento inquieto, senhor de seu talento,
apaixonado pela arte e pela ciência, era dominado pelo ímpeto da execução e requinte das
formas e efeitos minuciosamente analisado, procurava sempre ampliar seus conhecimentos e
interesses, dominando a qualidade do desenho figurativo. Hoje, grande parte de suas telas
foram inseridas e fazem parte da memória coletiva do povo brasileiro, cumprindo a função a
qual foi determinada e representada pelo tempo histórico.
As características da pintura Acadêmica no Brasil
A arte acadêmica no Brasil seguiu os padrões estéticos neoclássicos introduzidos pela
Missão Artística Francesa e consagrados na Academia Imperial de Belas Artes. O conceito de
pintura da época baseava-se em padrões de beleza idealizada. Acreditava-se que a beleza não
poderia ser encontrada na natureza. Portanto, o artista não deveria copiá-la e sim recriá-la
seguindo a imitação da beleza ideal clássica. Segundo Proença (2007), os padrões aplicados
pela pintura acadêmica, na busca da perfeição criadora, resultavam principalmente da
antiguidade clássica grega e renascentista.
Conforme Proença (2007, p. 228), os artistas “[...] influenciados por essa concepção de
arte como imitação dos modelos clássicos, passaram a seguir rígidos princípios para o
desenho, para o uso das cores e para a escolha dos temas que de preferência, deveriam ser
assuntos mitológicos, religiosos e históricos”.
Segundo Ferras e Fusari (2009), a pintura produzida no século XIX seguia os padrões
e princípios de beleza da Academia de Belas Artes, com heranças trazidas da Europa. Possuía
laços com o poder, político da época e a temática, era direcionada aos retratos, paisagens,
natureza morta, nu, gêneros da corte, temas bíblicos e com destaque especial nos fatos da
história do Brasil.
Essas temáticas eram desenvolvidas por meio da pesquisa e aplicação de linhas
precisas, o uso da perspectiva, a exploração do claro e escuro e a constante busca pela
perfeição da luz, das cores e das texturas dos elementos. Essas características podem ser
observadas na pintura de Pedro Américo, destacada pelo presente estudo. A tela,
Independência ou Morte – (1888), é a obra mais divulgada do artista. Trata-se de um painel
retangular com dimensões de 7,60 m de comprimento, por 4,15 m de altura, localizado no
Museu de Arte de São Paulo7.
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Figura 2
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Ao analisar a tela, começando por suas extensões, é perceptível que trata-se de uma
obra grandiosa, exercendo no observador certa imponência, visto que foi criada com o intuito
de representar o episódio heroico de D. Pedro I. O artista desfrutando do seu auge no desenho
e pintura, “[...] conforme os princípios do idealismo clássico e acadêmico, acentuando certa
tendência natural para o realismo então em voga, [...]” (MELLO JUNIOR, 1983, p. 34),
consegue criar uma cena que constituiu o imaginário coletivo do povo brasileiro.
Segundo Ostrower (1989), os artistas idealistas adotam frequentemente como
orientação espacial para produção da composição, eixos centrais, geralmente distribuídos em
sentido circular. A estrutura e disposição das partes da pintura trazem consigo seu sentido
expressivo, variando entre o estático e o dinâmico, buscando um equilíbrio da superfície. A
cor é aplicada de maneira generalizada, preservando assim a clareza da composição, bem
como a disposição do espaço.
Observem novamente o quadro e olhem, primeiramente, a composição como um todo
e em seguida percebam para qual direção tomou seu olhar. Certamente, o ponto de fuga da
pintura irá direcionar seus olhos para a figura principal, D. Pedro I, localizada no centro, em
segundo plano, com sua espada elevada. Juntamente com o monarca, seus acompanhantes e a
Guarda de Honra, devidamente trajada com uniforme de gala, montada em belos e garbosos
cavalos, acenando com chapéus e lenços nas mãos.
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Notem que a tela esta disposta em dois semicírculos, que compõe o centro da obra. O
primeiro compõe a narrativa mencionada e o segundo, localizado na parte direita da tela, é
caracterizado pelo movimento da milícia, sugerindo a impressão de manifestação e agitação.
A representação dos cavalos em movimento, expressa a dramaticidade da cena, como se os
cavaleiros da comitiva viessem de encontro com D. Pedro I e seus séquitos, para exaltação da
coragem e da grandeza do líder, enfatizando sua bravura, ao romper os laços do Brasil com
Portugal.
Posicionado na parte esquerda da tela, um camponês guiando seu carro de boi,
observa a cena, expressando “[...] fortemente na obra através do desnível (real e simbólico)
entre o caipira e o príncipe, [...] (OLIVEIRA e MATTOS, 1999, p. 68)” a grandeza de D.
Pedro e a passividade do povo brasileiro. Mattos (1999, p. 2) pontua que
a composição deixa vislumbrar uma estrutura piramidal de poder, na qual a
noção de soberania encontra-se associada à preservação de uma elite política
e intelectual, sintetizada na figura do monarca, e apoiada por um exército
poderoso. Nesta estrutura o “povo brasileiro”, representado pelo caipira, não
tem nenhum papel ativo a desempenhar depositando de bom grado seu
destino nas mãos do soberano.
Não podemos negar que, Pedro Américo, impetrou por meio de pincel e tinta, a
representação de um momento privilegiado da história do Brasil, que exalta a ação heróica de
um líder. Contudo, ao analisarmos a tela juntamente com o contexto histórico em que foi
criada e a biografia do autor, poderemos encontrar a intenção da elite política e intelectual, em
busca da criação e sustentação de uma identidade nacionalista.
No período da produção da tela, entre os anos de 1886 a 1888, o pintor residia em
Florença, Itália. Durante esse tempo, Pedro Américo em carta (1888, apud OLIVERIRA e
MATTOS, 1999), ressalta ter viajado a São Paula duas vezes procurando pistas e vestígios
que o auxiliasse de alguma maneira em seu trabalho. Visitou a Biblioteca Nacional, o Instituto
de História e a colina do Ipiranga.
A preocupação de Pedro Américo era representar a cena histórica de modo a
impressionar o espectador, por se tratar de um tema relevante, para auxiliar na composição de
imagens heróicas, no imaginário social brasileiro. O artista (1888, apud OLIVEIRA e
MATOS, 1999, p. 19) pontua que, “[...] se o historiador afasta dos seus quadros todos os
incidentes perturbadores da clareza das suas lições e da magnitude dos seus fins, com muito
mais razão o faz o artista, que procede dominado pela ideia da impressão estética que deverá
produzir no espectador a sua obra”.
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Desse modo, vale pontuar que, o relato do acontecimento se faz diferente da pintura.
Entre as divergências representadas, podemos destacar elementos como, o cavalo pomposo
montado por D. Pedro I, não passava de uma égua baia. O príncipe na tarde de 7 de setembro,
sofria de um incomodo gástrico e não se encontrava junto ao seu séquito e os trajes tanto do
monarca como da sua guarda era demasiado modesto, entre outros detalhes que Pedro
Américo, considerava “[...] indigna da história, contrária a intenção moral da pintura, e por
consequência não merecedora da contemplação dos pósteros” (1888, apud OLIVEIRA e
MATOS, 1999, p. 20).
Atendendo a encomenda de D. Pedro II, a tela foi criada com o objetivo de enaltecer e
divulgar o fato heroico na figura de D. Pedro I, formando assim a memória coletiva da
Independência e a representação emblemática do momento solene.
Conforme Neves (2012), parece ser de consenso entre estudiosos da Independência
Brasileira que ela foi muito mais motivada por decisões (precipitadas) das Cortes
Constituintes Portuguesas do que propriamente iniciativas de brasileiros. Também, de forma
genérica, no imaginário dos brasileiros, a cena que se tem sobre a Independência do Brasil é a
foi divulgada a partir da imensa tela de 7,60m x 4,15m, pintada por Pedro Américo (1843-
1905), em 1888, intitulada “Independência ou Morte” e, popularmente conhecida como “O
grito do Ipiranga”9, apresentada ao imperador d. Pedro II na Academia Real de Balas Artes de
Florença (GOMES, 2010, P. 107), que se encontra no Museu Paulista ou Museu do Ipiranga,
em São Paulo/BR.
Ao contribuir com a consolidação da imagem, tal cena foi retratada fielmente no filme
“Independência ou Morte” 10
, de 108 min, dirigido por Carlos Coimbra, produzido pela
Cinedistri, produtora de Oswaldo Massaini, estrelado por Tarcísio Meira (D.Pedro I), Glória
Menezes (Marquesa de Santos), Dionísio Azevedo (José Bonifácio), Kate Hansen (Imperatriz
Dona Maria Leopoldina), Manoel da Nóbrega (D.João VI), Heloísa Helena (Dona Carlota
Joaquina), Anselmo Duarte (Gonçalves Ledo), Jairo Arco e Flecha (Tenente Canto e Melo),
Maria Cláudia (D. Amélia de Leuchtemberg) e Emiliano Queiroz (Chalaça). Tela e filme não
deixam os “olhos” dos espectadores e apreciadores da arte perceber que D. Pedro tinha 23
anos. No filme, Tarcísio Meira quando o interpreta tem 37! Nessa época, 1972, no Governo
de Emílio Garrastazu Médici, os anos de chumbo da Ditadura Militar, o filme foi recorde de
público: 2.975.476 espectadores segundo dados da EMBRAFILME11
.
Tela e filme retratam um cenário e um D. Pedro que não guardam proximidade com
dados coligidos em outras fontes. Moraes (1982, p. 433. TOMO 2,) relata que “sendo
duvidosos alguns episódios da nossa história política, pelas diferentes versões, entendi dirigir-
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me aos contemporâneos, que ainda existiam, da fundação do império, para colher deles
notícias verídicas do que se passou, e de que tinham sido eles testemunhas presenciais”. Com
esse objetivo escreve ao Sr. Manuel Marcondes de Oliveira Melo, Barão de
Pindamonhangaba, acompanhante do Príncipe Regente, naquela circunstância. Esta carta
tinha dez itens para serem esclarecidos. Eram eles: a)sobre a hora do brado/grito; b) cartas e
ofícios de quem havia instigado; c) a quem o Príncipe se dirigiu quando acabou de ler a Carta;
d) quais os motivos que levaram D. Pedro a São Paulo; e) quem foram os causadores das
perturbações na província; f) quem eram os membros do governo provisório que perturbavam
os negócios públicos; g) quem acompanhava o preso Martim Francisco ao Rio de Janeiro; h)
quantos dia o Príncipe se demorou em São Paulo; I) quais trajes e em que cavalgava D. Pedro;
J) o que houve em São Paulo, após o retorno do Ipiranga. Marcondes responde, afirmando:
Creio ter satisfeito o quanto em mim coube o pedido que V. S.ª faz-me, resta-
me o pesar de ter a mão do tempo riscado de minha memória muitos outros
fatos e circunstâncias que porventura ladeassem o ato de nossa independência,
porque quarenta anos se tem passado, e seria preciso grande fertilidade de
reminiscência para não esquecer todas as minuciosidades que se deram por
essa ocasião (MORAES, 1982, TOMO 2, p. 433/435).
Importante que se registre que as informações foram dadas quarenta anos após
o episódio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Adotar como fonte as imagens é abranger a riqueza do diálogo entre a representação
escrita e a representação iconográfica, como também, mencionar problemas para a construção
de novas leituras da história, visto que não existem verdades acabadas e sim maneira
diferentes de interpretar e reconstruir um acontecimento do passado. Essas representações
“[...] não são apenas criações do espírito, mas produtos da mentalidade de certa época, de
certas categorias sociais e de determinados grupos (NUNES E CARVALHO, p. 32)”.
Buscamos, portanto, fazer uma discussão de um dos fatores que
proporcionaram a formação de uma identidade nacional e sentimento de pertencimento a
Nação, engendrado pela elite ilustrada brasileira. No que diz respeito ao procedimento
metodológico, é possível perceber que o regresso ao passado pode resultar novas ideias e
novos questionamentos, quando o investigamos com o auxílio de vestígio como objetos,
fotografias, telas, documentos históricos deixados como herança. Nesse sentido, para nós, o
processo dialógico entre acadêmicos do Curso de Pedagogia, com a tela de Pedro Américo se
revela um recurso pedagógico valioso para o campo disciplinar da História da Educação no
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Brasil. Haja vista, a possibilidade de realizar a leitura de imagens explorando as
potencialidades do ver, juntamente com a contextualização do conhecimento em Arte e
História da Educação, ampliando possibilidades investigativas.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ana Mae Tavares de Bastos. A Imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Editora
Perspectiva, 2010.
BARBOSA, Ana Mae. A arte educação no Brasil: das origens ao modernismo. São Paulo:
Perspectiva, 2010.
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BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício de historiador. Prefácio, Jacques Le Goff;
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BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem; tradução Vera Maria Xavier dos
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1 Docente do Departamento de Fundamentos da Educação –História e Historiografia da Educação- Universidade
Estadual de Maringá- UEM- Paraná- Brasil. [email protected] 2 Aluna do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Maringá- Paraná-
Brasil. [email protected]. 3 Auto-retrato, óleo s/ tela, 1893; 1,25 X 0,86, Pinacoteca do Estado de São Paulo Fonte:
http://educacao.uol.com.br/biografias/pedro-americo.jhtm 4 Naturalista francês Louis Jacques Brunet ( foi contratado pelo presidente da Província da Paraíba, Sá e
Albuquerque, para pesquisar as potencialidades da região. Pesquisou, durante vinte anos, na região recolhendo
diversas ocorrências de fósseis, deu as primeiras informações sobre os sedimentos triássicos do Rio do Peixe,
pesquisou minérios, flora, fauna e inscrições rupestres. Entretanto, não chegou a organizar um relatório de suas
pesquisas. Disponível em : http://www.brejo.com/colunistas/wmview.php?ArtID=502, acesso em
01/02/2013. 5 http://www.conexaoaluno.rj.gov.br/especiais-20c.asp
6 http://masp.art.br/masp2010/acervo_detalheobra.php?id=359
7 O Museu Paulista foi inaugurado em 7 de setembro de 1895 como museu de História Natural e como marco
representativo da Independência do Brasil. Fazendo parte do conjunto arquitetônico do Parque da
Independência. Disponível em: http://www.mp.usp.br/o-museu/historia-do-museu-paulista, acesso em
02/04/2013. 8 Independência ou Morte – (1888), Pedro Américo. dimensões: 7,60m X 4, 15m. Museu Paulista,
USP, São Paulo. Fonte:
http://www.arte.seed.pr.gov.br/modules/galeria/detalhe.php?foto=166&evento=1, Acesso em:
07/02/2013 9 http://www.flickr.com/photos/ireneroiko/4965854209/.
10 http://www.youtube.com/watch?v=mheime48ibA.
11 Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes Sociedade Anônima) foi uma estatal brasileira, criada,
por meio do Decreto Lei Nº 862, em 12/09/1969, com objetivos de produzir e distribuir filmes
brasileiros. Em 1990, no Governo de Fernando Collor de Mello, foi extinta.