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Maria Olívia Medeiros Mindêlo “A arte não exclui. Só inclui”: a relação do público com a arte contemporânea na 29ª Bienal de São Paulo Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Sociologia (área de concentração em Sociologia da arte, dentro da linha de pesquisa Cultura política, identidade coletiva e representações sociais), da Universidade Federal de Pernambuco, como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de mestre. Orientador: Paulo Marcondes Soares Recife 2011

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Maria Olívia Medeiros Mindêlo

“A arte não exclui. Só inclui”: a relação do público com a arte contemporânea na 29ª Bienal de São Paulo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia (área de concentração em Sociologia da arte, dentro da linha de pesquisa Cultura política, identidade coletiva e representações sociais), da Universidade Federal de Pernambuco, como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de mestre.

Orientador: Paulo Marcondes Soares

Recife 2011

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Catalogação na fonte

Bibliotecária Maria do Carmo de Paiva, CRB4-1291

M663a Mindêlo, Maria Olívia Medeiros. “A arte n~o exclui. Só inclui”: a relação do público com a arte

contemporânea na 29ª Bienal de São Paulo / Maria Olívia Medeiros Mindêlo. – Recife: O autor, 2011.

155 f. : il. ; 30 cm. A autora é conhecida por: Olívia Mindêlo. Orientador: Prof. Dr. Paulo Marcondes Soares. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco, CFCH.

Programa de Pós-Graduação em Sociologia, 2011. Inclui bibliografia, apêndices e anexos. 1. Sociologia. 2. Arte e sociedade. 3. Arte contemporânea – Séc. XXI. 4.

Bienal de São Paulo. I. Soares, Paulo Marcondes (Orientador). II. Titulo.

301 CDD (22.ed.) UFPE (CFCH2011-91)

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A mainha e painho, que me botaram no mundo e me doaram um pouco dos seus olhos para que eu pudesse enxergá-lo melhor. E aos demais que me educaram, me despertando ao terreno do sensível e ao fascínio pela arte. A Liberdade, um amor pra se prender. A tia Vera e Igor, que foram embora antes que eu pudesse mostrá-los estas palavras.

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AGRADECIMENTOS Ao querido Paulo Marcondes, pela orientação e desorientação. Aos companheiros e atenciosos: Alzira (mãe), Orlando (pai), Thiago Liberdade e família, Rosângela, Carla. Às amigas e aos amigos-irmãos sempre presentes, de perto ou de longe. E aos parentes também. Ao aconchego paulistano de Monquinha, Mozicão e Tio Chico. A Isa Trigo, Sílvia Matos e Rafael Molina pela guarida baiana. Aos que pararam na rampa do Pavilhão da Bienal para me emprestar os olhos, os ouvidos e a voz. E aos demais que se dispuseram a contribuir com esta pesquisa. À Fundação Bienal, pela atenção e pelo interesse. Um agradecimento especial a Moacir dos Anjos, Stela Barbieri, Guga Queiroz, Ana Maria Maia e Luciana Soares. Aos que compartilharam o interesse pela arte: Adriana Dória Matos, Alexandre Belém, Alexandre Severo, Ana Luisa Lima, Armando Menicacci, Beth da Matta, Bitu Cassundé, Bruno Vilela, Cayo Honorato, Cristina Freire, Clarissa Diniz, Cristiana Tejo, Conrado Falbo, Diana Moura Barbosa, Eduardo César Maia (Dudu), Gaspar Andrade, Flávia de Gusmão, Georgia Quintas, Gleyce Kelly Heitor, Jonathas de Andrade, Liana Gesteira, Lourival Cuquinha, Marcelo Pereira, Maria do Carmo Nino, Mariana Oliveira, Martin Grossmann, Natália Barros, Paulo Bruscky, Roberta Ramos, Rodrigo Braga e tantos outros. Aos professores e amigos do 12º andar. Um agradecimento especial a Eliane da Fonte, Eliane Veras, Jonatas Ferreira, Jorge Ventura, Maria Eduarda Rocha, Remo Mutzenberg, Silke Weber, Heraldo Souto Maior (por me perguntar para que serve estudar a arte), Zé Carlos, Vinícius Douglas Nascimento (presteza e gentileza), Ana Rodrigues, André Maranhão, André Pereira, Clarissa Galvão, Gilberto Netto (Giba), Leila Massière, Lena Carvalho, Louise Claudino, Raíza Cavalcanti, Rayane Andrade, Ricardino Teixeira, Sheila Borges, Isabella Medeiros, Talita Paes e Mariana Trajano. Ao CNPQ e ao PPGS pela oportunidade do mestrado e pelo apoio à pesquisa. E a todos que ajudaram direta ou indiretamente a fazer com que este trabalho pudesse acontecer.

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Museo del Prado, Espanha, 1995 (elliott erwitt) Fonte: http://www.elliotterwitt.com/lang/en/index.html

O ‘olho’ é um produto da história reproduzido pela educação. (Pierre Bourdieu, 2008)

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RESUMO

Há diferentes possibilidades para se investigar a fruição da arte. Apresentando-se como resultado de uma pesquisa de mestrado, este trabalho se propõe a analisar empiricamente a relação do público com a arte contemporânea sob o viés sociológico, procurando compreender os fatores que tendem a influenciar nessa relação. Nesse sentido, entende público como uma coletividade configurada em um dado contexto social, estando sujeita às hierarquias e às disputas que regem a lógica de funcionamento do campo artístico, bem como aos processos desiguais de formação do olhar. Compreende arte contemporânea como o termo que se impõe nas artes visuais, a partir do século XX, na condição de paradigma antagônico ao modelo de arte consagrado pela modernidade. E entende ainda relação como o diálogo mediado pela noção de gosto, aqui tomada como uma questão social. Sem deixar de considerar outras contribuições, o estudo lança mão do legado de Pierre Bourdieu como sua principal referência teórico-metodológica, valendo-se de conceitos-chave do autor (habitus, capital cultural, gosto e campo). Eles orientaram a pesquisa de campo com visitantes espontâneos da 29ª Bienal de São Paulo – realizada entre 25 de setembro e 12 de dezembro de 2010 –, assim como a análise dos dados quantitativos e qualitativos que norteia o presente trabalho. As informações foram coletadas por meio da aplicação de questionários (método survey) e de registros feitos através da técnica da observação. O estudo tornou possível a percepção de que a despeito do discurso da arte contemporânea, capaz de defender o livre acesso às obras para além da ideia de deleite, distanciamento e contemplação estética, o gosto continua sendo um intermédio válido para se pensar não apenas os significados atribuídos à arte, mas ainda os mecanismos de exclusão também atrelados à relação com essa produção contemporânea. PALAVRAS-CHAVE: arte contemporânea, público, gosto, julgamento, capital cultural.

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ABSTRACT

There are different possibilities to approach the subject of art enjoyment. Presenting itself as a master research, this work proposes to analyze empirically the relationship between audience and contemporary art from the sociological perspective, trying to comprehend the social influences in this relationship. On that way, this study understands the idea of ‘audience’ as a collectivity situated in a specific context, dependent on the logic of functioning of art field, that involves a system of disputes and hierarchies, as well as dependent on the unequal processes of construction of the look to art. The concept of ‘contemporary art’ is here related to a word that appears in 20th century as a new visual art paradigm that put itself as opposite to the traditional ideia of art, built along the modernity. Concerning the idea of ‘relationship’, this work understands this concept as a dialogue mediated by the notion of taste, thinking in a social way. Considering other authors, this study adopt Pierre Bourdieu’s sociological contribution as the main theoretical and methodological reference of this work, supported by his important concepts of habitus, cultural capital, taste and field. They guided the empiric research with the spontaneous visitors of 29ª Bienal de São Paulo, released from 25th September to 12th December in 2010, and also guided the analysis of quantitative and qualitative data. The information has been collected by questionnaires (survey method) and observation of art enjoyment. This study became possible the perception that despite of contemporary art speech, able to support the free access to the art works beyond the idea of delight, distance and aesthetic contemplation, the notion of taste continues to be a valid as an element to think not only the meanings of art, but also the social mechanisms of exclusion linked to the relationship with contemporary art production. KEY WORDS: contemporary art, audience, taste, judgment, cultural capital.

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

FIGURA 1 – Público diante da série de desenhos Inimigos, de Gil Vicente | 128

FIGURA 2 – Visitante dentro da instalação A origem do terceiro mundo, de Henrique Oliveira | 132

FIGURA 3 – Instalação Bandeira branca, de Nuno Ramos | 135

FIGURA 4 – Visitantes passando pela instalação Simultâneo, fragmentado, descontínuo,

de Carlos Bunga | 138

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 – Nível de escolaridade dos visitantes | 86

GRÁFICO 2 – Nível de escolaridade (recodificada) | 86

GRÁFICO 3 – Profissão dos visitantes | 89

GRÁFICO 4 – Relação do público com a arte contemporânea | 96

GRÁFICO 5 – Artistas plásticos favoritos agrupados | 106

GRÁFICO 6 – Suportes dos trabalhos que o público GOSTOU (recodificada) | 123

GRÁFICO 7 – Suportes dos trabalhos que o público NÃO GOSTOU (recodificada) | 123

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO | 11

1. ARTE COMO UMA QUESTÃO DE GOSTO: para uma análise sociológica do público no campo artístico | 18

1.1. Arte, gosto e julgamento | 21

1.1.1. Habitus, capital cultural e gosto | 25

1.1.2. Olhar estético x olhar ingênuo | 33

1.2. A noção de campo e a emergência de um campo artístico | 39

1.2.1. O campo artístico | 42

1.3. Bourdieu no contexto brasileiro contemporâneo | 44

2. A “ANTIARTE” FRENTE A ARTE: a construção-desconstrução do discurso da arte contemporânea no campo | 47 2.1. Visões em disputa | 50 2.1.1. Da mimese ao abstracionismo (o paradigma essencialista moderno) | 54

2.1.2. O modernismo e as vanguardas históricas (transição de paradigmas) | 60

2.2. O discurso da arte contemporânea | 63

2.2.1. A ideia de “antiarte” (o paradigma antiessencialista contempor}neo) | 67

2.3. Campo, público e arte contemporânea | 71

3. ANALISANDO A RELAÇÃO DO PÚBLICO COM A ARTE CONTEMPORÂNEA NA 29ª BIENAL DE SÃO PAULO | 73

3.1. Procedimentos metodológicos | 74

3.1.1. Coleta de dados | 77

3.1.2. Considerações metodológicas da análise dos dados | 80

3.2. A Bienal de São Paulo | 81

3.3. Análise dos dados | 85

3.3.1. A relação com a arte contemporânea mediada pelo gosto | 93

4. POLÍTICOS, POLÊMICAS E URUBUS: gosto e julgamento frente às obras da bienal | 119

4.1. Perfil geral das escolhas | 121

4.2. Inimigos e A origem do terceiro mundo | 127

4.3. Bandeira branca e Simultâneo, fragmentado, descontínuo | 134

CONSIDERAÇÕES FINAIS | 143

REFERÊNCIAS | 152

APÊNDICES | 157

Apêndice 1 – Questionário | p. 158

Apêndice 2– Tratamentos estatísticos dos dados (1) | p. 165

Apêndice 3 – Tratamentos estatísticos dos dados (2) | p. 178

Apêndice 4 – Tratamentos estatísticos dos dados (3) | p. 195

Apêndice 5 – Fotografias de trabalhos citados pelo público | p. 221

ANEXOS | 229

Anexo 1– Tabela de referência para correlações estatísticas | p. 230 Anexo 2 – Planta do Parque do Ibirapuera | p. 231 Anexo 3 – Plantas do Pavilhão Ciccillo Matarazzo | p. 232 Anexo 4 – Anúncio da 29ª Bienal de São Paulo | p. 235 Anexo 5 – Gráfico do público das bienais (Folha de São Paulo) | p. 236

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INTRODUÇÃO

Este trabalho nasceu de uma inquietação que me tirou várias vezes da tela do

computador, em meio ao ofício diário de repórter, para tentar argumentar com meus chefes e

colegas de redaç~o que “aquilo” que viam na foto a ser publicada no jornal era arte. Preocupada

com a legitimação dos artistas e, claro, com a minha credibilidade profissional, meu esforço era

dizer que gostassem ou não, concordassem ou não, aquela obra já havia sido chancelada pelo

circuito como tal. Para ser mais específica: como arte contemporânea. Referia-me a vídeos,

instalações, objetos, fotografias, performances, intervenções e uma vasta gama de expressões

artísticas presentes nas exposições e em outros eventos que pautavam o caderno de cultura do

Jornal do Commercio (PE), onde dei meu suor por cerca de cinco anos. Geralmente, eram

trabalhos de artes visuais que já chegavam até nós sob a égide da arte contemporânea, um

conceito que, como verei adiante, costuma ser resumido pelo senso comum à ideia de “arte

atual”, embora não seja bem isso, o que parece confundir muita gente.

Escutei inúmeras vezes nas visitas a exposições e na própria redaç~o frases como “L|

vem Olívia com as esquisitices dela”; “Esse monte de botões é arte?”; ou ainda “Até meu filho faz

igual a isso!”, ditas em tom de ironia e depreciaç~o por algumas pessoas que se deparavam com

obras do tipo. Particularmente, as mais conceituais e experimentais, marcadas pela distinção em

relação aos suportes tradicionalmente artísticos (pintura, desenho, escultura). Quem convive

com a arte contemporânea certamente já se viu diante de reações assim; elas se tornaram até

piada entre os mais “entendidos”. H| quem fale sobre um “medo” ou uma “incompreensão

crescente” (COCCHIARALE, 2006, p. 11); h| quem atente para um público desnorteado diante da

enxurrada de experiências e possibilidades oferecidas pela arte contemporânea (CAUQUELIN,

2005); e há ainda quem dedique textos ou uma publicação inteira para tentar explicar essa

história1. Quase sempre sob o ponto de vista do especialista. Quase sempre sob uma perspectiva

carregada de conclusões precipitadas, justificadas por uma vivência empírica pouco cautelosa

com o olhar alheio. Não há muitas pesquisas que se arrisquem no público em si, tomando de

empréstimo o olhar e os anseios dos espectadores, em suas várias facetas.

Como jornalista de cultura, atuando em um determinado campo artístico

(particularmente do Recife), me via no meio de uma espécie de fogo cruzado e, por isso, quase

no dever de defender “minha ossada”. Em outras palavras, estando na funç~o de repórter de

artes visuais, me via na tarefa de ajudar a legitimar o que institucionalmente já havia sido

legitimado. Tinha um pedaço de papel a conquistar todos os dias, uma crença na arte para ser

argumentada. Mesmo que me empenhando no esforço crítico, talvez tenha incorrido, ao longo

1 Em 2009, o Itaú Cultural, através da revista Continuum, engrossou o caldo sobre o assunto, na edição 19 (Isto é arte?), quase inteiramente voltada a debater a questão da arte contemporânea e do público, também sob a perspectiva do olhar especializado – no caso, curadores, críticos e jornalistas da área.

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desse período, em um erro comum entre os que lidam profissionalmente com essa produção

artística: achar que o “problema” do ruído público-obra – se é que é possível colocar nesses

termos – não era do artista, do curador ou da instituição. Era dos que ainda não compreendiam

que existia uma lógica de arte diferente hoje e, por essa razão, seria preciso orientá-los para que

entendessem e aceitassem a arte contemporânea como tal. Doce ilusão.

Fernando Cocchiarale (2006, p. 14-15) é sintomático, em sua posição de crítico e

curador, ao afirmar que: “Hoje em dia a formaç~o de público tornou-se uma preocupação

essencial. O público passou a ser visto como algo a ser permanentemente formado”.

Preocupaç~o para quem? No geral, o olhar especializado tende a agir como se soubesse o que “é

melhor” para os outros, ou seja, para o público em potencial da arte. É como se tivesse uma

missão urgente de captar quem ainda n~o foi “captado” e esta fosse uma tarefa reservada

principalmente a especialistas e, por conseguinte, a educadores. Ainda que me inclinasse a

concordar com isso, me incomodava a justificativa de que o público precisava ser

“permanentemente formado”. Por que deveria? Que público era esse? N~o seria preciso antes

procurar entender, de fato, as razões pelas quais uma parcela das pessoas tinha uma atitude de

negação e estranhamento em relação à arte contemporânea? Por que elas deveriam gostar

dessas obras? E se não gostavam, quais seriam os motivos? O que percebia é que eram reações

legítimas (e s~o); existiam (e existem); estavam l| (e ainda est~o). N~o eram obra do “acaso”.

Não dava para ignorar. Estava certa de que deveria haver um motivo “por tr|s” desses juízos de

valor com os quais esbarrava em meu trabalho. Era preciso respeitá-los e procurar entendê-los.

Já interessada no comportamento do público de arte, comecei a despertar uma

curiosidade – muito mais do que querer julgar opiniões alheias ou ter a intenç~o de “catequiz|-

las” – de compreender o porquê de ser frequente, sobretudo entre olhares não especializados,

uma postura de rejeição à dita arte contemporânea. Se as instituições, os artistas e os curadores

reiteravam sua legitimidade o tempo inteiro, colhendo os louros de seus trabalhos, então o que

estava acontecendo na “outra” ponta, com o público? O que motivaria algumas pessoas a tecer

comentários negativos frente a expressões do tipo? O que poderia influenciar essas reações? As

obras ou o olhar do espectador? Ou ambos? Estaria a arte certa? Haveria alguma certeza? A

distância entre público e arte pode não ser novidade, mas quais as razões para isso e o interesse

em reforçar tal discurso? Sentia ser necessário ir além dos “achismos”.

Ao descobrir os percursos da sociologia da arte, percebi que poderia encontrar

referencial teórico e metodológico capaz de me colocar diante de um problema de pesquisa,

transformando algumas dessas questões, não todas, em perguntas e pressupostos investigativos.

Mais ainda: a sociologia poderia me apontar um caminho pelo qual pudesse encontrar algumas

possíveis respostas a essas inquietações, sob uma perspectiva mais criteriosa e menos “pronta” a

respeito do assunto. A indagação sobre quais os motivos de haver uma rejeição em relação à arte

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contemporânea, principalmente a determinadas obras, se mostrou adiante muito mais uma

suposição baseada numa vivência do que propriamente um ponto de partida investigativo, nos

padrões recomendados pela pesquisa social. Sendo assim, a minha quest~o inicial “Por que as

pessoas tendem a rejeitar a arte contempor}nea como arte?” passou a figurar como uma

afirmação provável; uma das hipóteses deste trabalho.

Não dispunha de dados concretos que pudessem comprovar uma atitude generalizada de

resistência ou incompreensão à arte contemporânea, com os quais pudesse trabalhar

cientificamente. Existiam, sim, algumas pesquisas importantes, além de contribuições teóricas,

institucionais e jornalísticas que acabavam tocando nessa questão ou explorando-a mais de

perto, conforme expus há pouco. No entanto, os enfoques eram outros e as análises, menos

voltadas a aprofundar a questão do gosto e do julgamento por parte do espectador. Sentia que

havia muito mais argumentos de defesa à arte contemporânea do que tentativas para

compreender o público a partir dele mesmo – e não do que se supõe que pense e seja. Muitas

dessas contribuições me ajudaram a traçar afirmações hipotéticas sobre a tal rejeição à arte.

A partir desses aportes e dos já citados indícios observados no meu cotidiano como

jornalista, senti uma necessidade de escutar o público, de ver a arte pelos olhos de quem a vê –

ou de quem “n~o consegue” vê-la. Queria investigar mais sobre as opiniões que escutava e sobre

as que não escutava; queria averiguar a existência das expressões de atordoamento, de

incompreensão, de indiferença e de desgosto que, segundo acreditam teóricos e especialistas da

arte contemporânea, marcam o comportamento da audiência diante dela. Mais ainda: tinha

curiosidade em saber o que socialmente interferia nessas reações.

Além disso, me intrigou ainda o fato de que quase todos os estudos voltados à recepção

da arte atentavam para a falta de pesquisas com o público. No Brasil ou em outros países, há

ainda carência de iniciativas empenhadas em estudá-lo, especialmente na arte. Quando existem,

são pouco divulgadas ou de difícil acesso. Como lembra Néstor García Canclini (1997), o que

acontece no caso da América Latina, por exemplo, é que trabalhos do tipo costumam esbarrar

muitas vezes numa escassez de pesquisa sobre consumo cultural. Essa constatação se aplica

bastante ao caso da arte contemporânea no Brasil, contexto a que esta investigação se voltou.

Tanto nas instituições culturais quanto na academia, não é muito fácil encontrar contribuições

que investiguem a experiência artística. E quando há pesquisas com público de museus e

exposições, segundo enfatiza Cristina Freire (1993, p. 132), no geral são iniciativas realizadas

“sem qualquer rigor metodológico ou intenç~o de abrangência”, ou seja, s~o sondagens

superficiais de satisfação que não costumam ir muito além do que oferece um livro de visitas.

Inquietaç~o “semelhante” passou pela Europa em meados do século XX. A ausência de

teorias nessa área foi um dos argumentos que motivou e legitimou Hans Robert Jauss (1979) na

criação, no final da década de 1960, na Alemanha, de uma corrente de pensamento bastante

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influente nessa área de estudo até hoje: a estética da recepção. Seu empenho foi procurar

teorizar sobre a literatura não sob o ponto de vista exclusivo do autor e do texto, como já era

tradição, mas da interpretação da produção literária pelo leitor. Mais ou menos na mesma época,

Pierre Bourdieu e Alain Darbel (2007) desenvolviam, na França, a pesquisa sociológica que

culminou no livro O amor pela arte: os museus de arte da Europa e seu público. O trabalho é tido

ainda hoje como uma das principais referências para os que investigam as condições sociais da

produção artística, particularmente a partir de seu público. Este e outros legados de Bourdieu,

desenvolvidos através de pesquisas empíricas, trouxeram não apenas contribuições ao campo de

estudo da arte, mas também à sociologia contemporânea, no que concerne às chamadas

abordagens de síntese e à tese acerca dos mecanismos sociais de dominação cultural e simbólica.

Guardada as respectivas diferenças, tanto os aportes dos sociólogos quanto os da estética

da recepção surtiram efeito semelhante no processo de construção de conhecimento da arte, a

partir dos anos 1960: desviar do enfoque quase único na obra e no artista – já tradicionalmente

de domínio dos estetas e historiadores da arte – para lançar mão de uma perspectiva mais social.

A mudança de ponto de vista acabou por relativizar os significados da arte, indo além de uma

abordagem puramente “internalista” (ZOLBERG, 2006, p. 34), detentora de um discurso

hegemônico capaz de conferir aos bens artísticos uma essência única e universal.

Nessa conjuntura, o público, até então menosprezado perante a genialidade artística,

passou a emergir como um elemento importante na compreensão dos processos de legitimação

da arte e no entendimento da construção de seus discursos, de seus significados. Foi sob esse

viés que o público se inseriu no presente trabalho como objeto de estudo: uma pista relevante de

como uma obra opera seu diálogo quando sai da dimensão individual e alcança um sentido –

concedido pelos seus pares. De como o público pode, dentro de seus limites, se configurar uma

das instâncias de legitimação da arte, tal qual atentam Clarissa Diniz (2008) e Cristina Freire

(1990). De como o processo de fruição pode se mostrar ainda revelador para o entendimento de

expressões de gosto e julgamento, nem tão subjetivas assim quanto propaga o senso comum.

Há diferentes formas de se investigar a relação do público com a arte. Pelas teorias da

comunicação (recepção), pelo viés dos estudos culturais, pela perspectiva fenomenológica e

comportamental, pela abordagem da psicologia social ou da arte educação, pelo ponto de vista

teórico da hermenêutica e por aí vai. Neste trabalho, me propus a fazer um estudo do público a

partir da perspectiva sociológica da arte. A pesquisa não deixa de ser de recepção, porque se

voltou à apreensão de uma produção artística por determinada audiência, mas não se trata de

um estudo de recepção, nos moldes das teorias da literatura ou da comunicação. Prefiro me

referir ao trabalho como uma pesquisa social sobre gosto e julgamento na arte. Seu principal

objetivo, portanto, foi analisar empiricamente a relação do público com a arte contemporânea,

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considerando os fatores socioculturais que poderiam influenciar nas manifestações diante de

obras e da própria ideia de arte contemporânea.

O propósito geral foi acompanhado de alguns específicos, como: observar e descrever o

comportamento dos visitantes numa exposição de arte contemporânea, a partir de reações,

opiniões e gestos emitidos espontaneamente; levantar dados estatísticos sobre a fruição das

obras pelo público, com enfoque nos juízos de valor proferidos e nas variáveis correlacionadas a

estes; descobrir qual a distribuição dos visitantes que tendiam a rejeitar/estranhar a arte

contemporânea e dos que tendiam a assimilá-la; identificar o ideal de arte predominante no

público e em que medida seria formador de opinião; e obter informações sobre gosto e capital

cultural de maneira mais ampla, observando como poderiam interferir em seus julgamentos.

Para desenvolver a dissertação, o percurso de Pierre Bourdieu se mostrou o mais

adequado, tendo em vista suas contribuições significativas para pensar a questão do gosto na

arte. Por isso, adotei o autor como o principal norte teórico-metodológico do trabalho; como as

“lentes” através das quais procuro olhar para a relaç~o do público com a arte contempor}nea.

Sem deixar de considerar outros autores, meu esforço foi dialogar com o legado de Bourdieu no

contexto brasileiro atual, mostrando que ele continua válido – mesmo longe da realidade

francesa, que no mais também herdamos nos arranjos institucionais da arte, ou perto do

território aparentemente dessacralizado e acessível da produção visual contemporânea.

Dito isso, esta pesquisa foi realizada no intuito de procurar se abrir às diferenças de

opinião e comportamento dentro do mesmo público investigado, levando em conta não apenas

os que não gostaram ou não aceitaram a arte contemporânea como arte, mas ainda aqueles que a

apreciaram ou mesmo os que a ela se mostraram indiferentes. Valendo-se do método

quantitativo (survey) combinado ao qualitativo (observação), procurei interpretar os dados para

além de uma abordagem meramente descritiva. O esforço foi procurar ensaiar possíveis

explicações para as respostas dadas pelo público que compôs o universo pesquisado: os

visitantes espontâneos da 29ª Bienal de São Paulo, realizada de 25 de setembro a 12 de

dezembro de 2010, no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque do Ibirapuera, na capital paulista.

Acontecendo no período planejado para esta pesquisa de campo, a magaexposição se

mostrou não só oportuna para definir o recorte metodológico deste trabalho, como um contexto

coerente para realizar o percurso investigativo a que me propunha. A opção pelo evento se deu,

portanto, por diferentes razões, mas principalmente pelo fato de a Bienal de São Paulo ser uma

mostra consagrada de arte contempor}nea voltada ao “grande público”. Consolidada no meio

artístico como “uma das maiores” e “mais importantes” exposições de artes visuais da América

Latina e do mundo, a bienal é um desses raros momentos em que a produção contemporânea

nacional e internacional recebe o olhar de centenas de milhares de visitantes. No caso da 29ª

edição, cerca de 530 mil visitas foram contabilizadas no total, confirmando a sua vocação como

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“evento de massa”. Aqui, mais do que em qualquer situaç~o onde as artes visuais são expostas, o

público é um fator a ser considerado. É uma dimensão que pauta as ambições da Fundação

Bienal, responsável pelo evento, e funciona como um termômetro para sua credibilidade.

Independente dos números ou das promessas do evento, a Bienal de São Paulo me

interessava, sobretudo, pela diversidade de público que possivelmente atrairia, bem como pela

variedade de obras escolhidas. Em nenhuma outra cidade do Brasil estaria em cartaz, no período

do trabalho, uma exposição de arte contemporânea que concentrasse a pluralidade de

linguagens e a quantidade de visitantes que uma bienal desse porte comporta. Por fim, a escolha

se mostrou tão proveitosa quanto difícil, diante da dimensão e das particularidades do evento.

A pesquisa se desenhou a partir de uma amostra não probabilística no universo do

público espontâneo da bienal. Os dados foram coletados através da aplicação de questionários,

elaborados com questões abertas e fechadas (ver apêndice 1). A técnica da observação também

foi utilizada, a fim de complementar os dados quantitativos e as respostas abertas. Senti que

seria importante vivenciar a fruição das obras junto aos visitantes para registrar um

comportamento mais espontâneo e compará-lo com as demais informações coletadas. O critério

de observação se deu a partir dos três trabalhos que os mais visitantes mais citaram nas listas do

que gostaram e do que não gostaram, conforme mostrarei adiante.

Vale ressaltar que esta não foi uma pesquisa sobre a Bienal de São Paulo, mas na Bienal

de São Paulo, ainda que considerar as particularidades do evento e da edição em que foi

realizado o trabalho tenha sido parte indissociável desta dissertação. Nesse sentido, apesar de

traçar um percurso investigativo distinto do de Cristina Freire (1990) em sua pesquisa de

mestrado2, me identifico com a forma como ela encarou o evento: “um lugar ou cen|rio ou

contexto que se faz significativamente presente ora como figura, ora como fundo no percurso

desta investigaç~o” (idem, p. 6). A despeito da fama como um evento de massa acessível, a bienal

como contexto aqui estudado ainda parece resguardar resquícios dos templos de consagração da

arte. O estudo do seu público se mostrou sintomático quanto a isso.

A fim de organizar as descobertas proporcionadas pela investigação e apresentar a

análise dos dados coletados, estruturei esta dissertação em quatro capítulos. No primeiro,

intitulado Arte como uma questão de gosto, exploro os principais conceitos da fundamentação

teórica do estudo, tendo em vista uma análise sociológica do público no campo artístico. Para

tanto, procuro sintetizar as noções de gosto, habitus, capital cultural e campo em Pierre

Bourdieu, mostrando que o olhar dirigido à arte tem como base um processo de formação

desigual na sociedade. E que as manifestações de gosto e julgamento do público estão

2 Intitulada Olhar passageiro: percepção e arte contemporânea na Bienal de São Paulo, a dissertação foi realizada a partir de uma pesquisa com o público da 19ª edição do evento. O trabalho foi inspirado, em parte, na tese do seu orientador, João Augusto Frayze-Pereira (1987), também feita a partir do público da mostra (16ª edição, em 1981).

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permeadas por uma crença no caráter sagrado dos bens artísticos, sendo a “verdade” ou o

paradigma que se fez dominante a partir de lutas históricas pela autonomia do campo da arte.

No segundo capítulo (A ‘Antiarte’ frente a Arte), dou continuidade à abordagem teórica

do objeto de estudo, procurando problematizar o conceito de arte contemporânea no âmbito de

um campo marcado pelo domínio do paradigma moderno essencialista. A ideia é mostrar a

construção de um discurso vanguardista antagônico à visão consagrada, capaz de apontar em

direção a um outro paradigma: o contemporâneo “antiessencialista”, responsável por promover,

no século XX, um dissenso no campo das artes plásticas/visuais. Dessa forma, procuro explorar o

que está em jogo nos dois paradigmas, além de situar o olhar do público nesse fogo cruzado.

No terceiro e no quarto capítulo, mergulho propriamente na análise da pesquisa com os

visitantes espontâneos da 29ª Bienal de São Paulo, pontuando ainda os procedimentos

metodológicos utilizados e fazendo uma contextualização do perfil do evento no campo artístico.

Nesse processo, procuro evidenciar os ganhos e as limitações de ter trabalhado com o método

quantitativo, visto aqui como uma escolha coerente ao objetivo da pesquisa. Apesar de algumas

limitações, acredito que as distribuições e os testes de correlação tenham apontado tendências

importantes na relação do público com a arte contemporânea, mesmo diante de hipóteses

negadas e de entraves para lidar com tais pressupostos. Além disso, o tratamento dos dados

também ajudou a perceber o perfil sociocultural do público da grande mostra, com vocação para

atrair uma “massa privilegiada” ao pavilh~o, mesmo com entrada franca. É o que exponho ao

longo dos dois capítulos, em particular no terceiro, onde apresento as características gerais dos

visitantes, a partir de aspectos como nível de escolaridade, idade, renda e profissão.

A análise da relação público versus arte contemporânea foi dividida em duas partes. Na

primeira (cap. 3), exploro a questão do gosto frente à acepção geral de arte contemporânea. Na

segunda (cap. 4), me atenho a manifestações de gosto e julgamento frente a obras específicas da

mostra pesquisada, considerando as que os visitantes disseram gostar e não gostar, bem como

seus suportes. Nesse momento, aproveito para tecer interpretações a respeito das informações

registradas na observação do público diante desses trabalhos. Em ambos os casos, procuro não

apenas descrever tais situações, mas analisar as condições sociais que estão na base dessas

questões, assumindo também o caráter experimental e exploratório deste trabalho.

A despeito das limitações, espero poder contribuir para o debate e o entendimento sobre

essa relação nada simples entre arte e público, encarando este último como uma dimensão

sujeita às tensões do campo artístico e aos mecanismos de exclusão social inerentes à formação

do olhar. Esclareço desde já que não tenho nenhuma intenção de reforçar qualquer caráter

elitista da arte e, sim, de evidenciá-lo, a fim de que possamos olhar criticamente para falsas

promessas ou afirmações ilusórias, como a deste anúncio da 29ª Bienal de São Paulo: “A arte n~o

exclui, só inclui” (ver anexo 4).

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1. ARTE COMO UMA QUESTÃO DE GOSTO: PARA UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICA DO PÚBLICO NO CAMPO ARTÍSTICO

Existe uma premissa no meio social de que gosto é uma questão pessoal. Assim como

nossas opiniões, é difundido como algo idiossincrático. No terreno da fruição da arte, a crença na

subjetividade do gosto e do julgamento (geralmente decorrente do gostar ou não gostar) parece

se mostrar ainda mais evidente. No que concerne aos juízos de valor em relação às obras, por

exemplo, parte do senso comum demonstra um certo apego à ideia de uma visão subjetiva,

principalmente quando a arte assume o discurso de que é o espectador o “complemento” maior

dos seus significados. As interpretações do olhar, por sua vez, se justificam pela quase infinitude

de possibilidades, e gostar ou não de algo é um problema de cada um.

De forma geral, as práticas culturais, e sociais como um todo, tendem a ser cercadas por

máximas assim, perpetuadas e cultivadas por séculos entre os indivíduos. O campo artístico, em

particular, configura-se como um espaço repleto de verdades legitimadas em seu interior e

reproduzidas socialmente para além de seus limites. Mitos como o da obra de arte sublime,

universal e transcendental ao tempo ou do artista como encarnação do gênio, com talento nato e

vocaç~o para a “eternidade”, vêm sustentando um ideal de arte responsável por conferir ao

trabalho artístico, sobretudo o de caráter canônico, um status de prestígio.

A sociologia – ou uma boa parte dos sociólogos da arte3 – entra em cena a partir do

século XX para colocar essas crenças em perspectiva, sob o argumento crítico de que os

processos da arte não são tão diferentes dos demais mecanismos instituídos pela vida social.

Guardadas suas peculiaridades, a obra, como bem simbólico, deve ser vista não apenas como um

produto do meio, mas como algo que está submetido às suas regras, podendo contribuir para

negá-las ou reforçá-las. Na visão da sociologia, os sentidos atribuídos a uma obra não emanam

dela, nem da subjetividade somente. São, antes, resultado de uma construção sócio-histórica,

capaz de formar um consenso legítimo, inclusive de valoração a-histórica e essencialista da arte.

Surgindo em um contexto no qual as certezas da arte passavam a ser contestadas pelos

próprios artistas, a sociologia se volta ao estudo do fenômeno artístico para desconstruir seu

caráter sagrado, evidenciando o quão relativos são esses consensos elaborados e reproduzidos

ao longo da história. Mais ainda: para mostrar que esses acordos, disseminados como verdades

únicas e universais, obedecem a estratégias de legitimação social, responsáveis por validar

aparatos conceituais do que seja ou não arte – aliás, acessíveis a poucos. Nesse sentido, os

sociólogos da arte debatem, de forma direta ou indireta, com os especialistas da arte, ou seja,

3 Pensar a sociologia da arte não significa tomá-la como um pensamento homogêneo. No entanto, a despeito das diferenças teóricas nesse campo, existe pelo menos um consenso entre os autores de considerar o objeto de arte não apenas per si, mas a partir das questões sociais que o engendram, definindo-o como tal, e de como a obra pode revelar aspectos da sociedade a partir dessa perspectiva.

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com aqueles que se consagraram ao longo dos últimos séculos como autoridades no assunto, em

particular os estetas, incluindo aí uma parte dos historiados e críticos da arte.

Para Vera Zolberg (2006), o pensamento sociológico se opõe ao desses profissionais, cuja

posição se mantinha (ou se mantém) hegemônica no estudo da arte. Isso se traduz em uma

disputa tanto em termos intelectuais quanto institucionais, já que nem sempre o conteúdo

abordado diverge entre as áreas. Ao procurar se legitimar como campo de conhecimento, a

sociologia da arte se pautou por uma crítica ao que a autora chama de “perspectiva ‘internalista’”

(idem, p. 34), geralmente focada na análise das qualidades inerentes à obra, a exemplo de seus

atributos formais, estilísticos ou estéticos. Esse viés, dominante na arte, associa-se ao ponto de

vista dos “humanistas”, como define Zolberg (idem, ibdem), cujo legado foi justamente

estabelecer e reproduzir paradigmas do campo artístico – a ideia do artista como um ser dotado

de genialidade; da obra como grande e única (obra-prima, canônica), cercada de aura e mistério;

da arte como belas artes, sendo “desinteressada” e um fim em si mesma, destituída de função; do

olhar como estético e “puro”, capaz de atribuir grandeza a um objeto artístico.

Para boa parte dos estetas, pensar tudo isso sob uma perspectiva social parece ser tão

desnecessário quanto pouco vantajoso ao que defende. Os sociólogos, ao contrário, reclamam

uma abordagem “externalista” (idem, p. 38), argumentando que nem o artista nem a obra podem

ser vistos como entidades isoladas do mundo. Contrariando o interesse dos humanistas em

conferir uma essência à arte, o discurso sociológico chega para sustentar que tanto o criador

quanto a criatura, e mesmo os juízos tecidos em torno deles, dependem e fazem parte de uma

rede de suporte, fomentadora, difusora e legitimadora da produção artística. Se uma parte da

corrente estética prefere desobrigar-se dessa questão, a sociologia empenha-se em evidenciá-la,

enfatizando que “a despeito da imagem convencional do criador solit|rio, certos artistas e

escritores fizeram obras com ajuda de editores, mentores, colegas; ou refizeram a mesma obra

muitas vezes, a fim de tirar proveito de sua venda a uma clientela mais ampla” (idem, ibdem).

Sob esse viés, o artista e seu trabalho não devem ser vistos como únicos, mas, sim, como

uma das partes dessa teia de atividades coletivas a qual Howard Becker (1984) nomeou de

mundos da arte4 e Pierre Bourdieu (1996), de campo artístico. Embora haja diferenças entre

ambos os conceitos, são autores que tecem suas defesas na mesma direção, isto é, antagônica à

corrente estética. Grosso modo, e de uma forma distinta, teóricos da sociologia parecem estar, ao

longo da história, de “m~os dadas” a artistas como Marcel Duchamp, na tarefa de dessacralizar a

ideia de arte concebida pelos humanistas, desconstruindo sua aura quase religiosa que, se hoje é

vista em termos bem relativos, foi por séculos a sua verdade maior.

4 Tradução nossa. Conceito criado a partir da designaç~o de “mundo da arte”, concebida por Arthur Danto (2007). A abordagem de Becker (1984) tende a ver o circuito artístico a partir da relação cooperativa entre os indivíduos, ao passo que Bourdieu trabalha mais esse contexto sob a perspectiva da competição entre grupos, cuja posição no campo depende do habitus e da posse de capitais, sobretudo simbólico.

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Na abordagem sociológica, o público, até então negligenciado pelos estetas, passa a

receber atenção como tema de pesquisa, na tentativa de suprir uma lacuna da perspectiva

“internalista”. Lacuna esta talvez justificada n~o só pela tradiç~o no foco de an|lise da obra e do

autor, mas talvez ainda pelo fato de a opinião das plateias, sobretudo leigas, geralmente receber

um certo descrédito dos profissionais de arte (ZOLBERG, 2006, p. 45). Talvez tenha havido ou

haja um certo desinteresse pautado por outros interesses do que é prioridade no campo. O que

não deixa de ser, aliás, um paradoxo, pelo menos a priori, já que a presença do público se mostra

indispensável à validação do trabalho dos artistas e especialistas. Verei adiante que não se trata

somente de uma contradição, mas da própria lógica de funcionamento do campo artístico que,

sob o domínio dos especialistas, tende a se interessar pelas audiências mais em termos

quantitativos do que qualitativos.

Dito isso, meu esforço em introduzir até aqui essas diferenças de perspectiva do

conhecimento da arte foi para deixar clara a escolha deste trabalho pelo viés sociológico, de

onde extraio o principal referencial teórico e metodológico da dissertação; o alicerce que utilizo

para analisar os dados da pesquisa com o público espontâneo da 29ª Bienal de São Paulo. Pelas

razões postas, esse aparato mostrou-se o mais coerente ao objetivo de investigar a relação dos

visitantes com as obras da grande exposição, a partir da perspectiva de formação de gosto e

julgamento. Tal justificativa se estende à escolha, em particular, pelo percurso de Pierre

Bourdieu, para quem a arte é tanto resultante de um processo sócio-histórico, capaz de legitimar

o seu valor e a sua autonomia relativa, quanto parte das estratégias de distinção social e

dominação simbólica.

À luz de sociólogos como Bourdieu, compreendo o público não como uma constante ou

uma generalização vaga, mas como um construto social heterogêneo, situado em um dado

contexto no tempo e no espaço, tanto quanto as obras com os quais dialoga para além da simples

obtenção de prazer estético. É este o conceito de público com o qual pretendo trabalhar aqui,

considerando ainda suas opiniões e preferências como resultado de um aprendizado social em

diferentes graus, sujeito às tensões e à lógica de funcionamento do campo artístico.

Sem me centrar tanto na questão da distinção social atribuída à arte pelo autor francês,

minha intenção é utilizar suas categorias de análise para mostrar que gosto e julgamento são

incorporados em nossa personalidade por meio de um processo de socialização. Que

enxergamos e avaliamos de acordo com aquilo que nos foi ensinado a ver e valorizar, ou seja,

segundo crenças que nos foram repassadas, sendo parte de interesses não apenas nossos. No

caso da arte, elas podem ainda estar bem próximas da citada visão de mundo humanista. Não

por acaso, boa parte do esforço deste trabalho se sustenta na suposição ou na observação de

que, como coloca Vera Zolberg (2006, p. 41, parênteses nossos), “a maioria das pessoas educadas

no Ocidente acabou aceitando essa idéia (da perspectiva ‘internalista’ e essencialista da arte) t~o

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incondicionalmente que devemos dela nos lembrar, para não admiti-la como pacífica e ‘natural’”.

Este é, aliás, o empenho de Bourdieu, ao procurar trazer à tona as condições sociais que

legitimaram o valor dos bens artísticos e a percepção sobre eles, geralmente obscurecidas pela

história.

Para tanto, divido este capítulo em três seções principais. Na primeira, procuro fazer um

apanhado da teoria social de Bourdieu, focando nos conceitos de habitus, capital cultural e gosto,

que aqui entendo como instrumentos necessários ao entendimento da relação entre público e

arte, em diferentes níveis. Feito isso, traço as definições de olhar estético e olhar ingênuo, postos

como distintivos na fruição da arte, ou seja, como demarcadores de gostos e julgamentos. Na

segunda parte do capítulo, abordo a noção de campo em Bourdieu, e em particular de campo

artístico, a fim de mostrar como se dão os mecanismos de legitimação da arte e de seu valor. Na

terceira e última, tento problematizar, de forma breve, as principais críticas direcionadas à

perspectiva bourdieuziana, considerando a validade do seu legado para pensar o contexto

brasileiro atual, em particular no território da arte contemporânea.

1.1. Arte, gosto e julgamento

“O ‘olho’ é um produto da história reproduzido pela educaç~o”. A afirmaç~o de Bourdieu

(2008, p. 10) resume, de forma contundente, a perspectiva que baliza suas principais

contribuições a respeito do estudo do público de arte e da formação de gosto cultural. Tal visão,

norteadora de trabalhos importantes como O amor pela arte (2007) e A distinção (2008),

desconstrói a ideia de que o olhar direcionado à produção artística nasce como um dom divino,

sendo para ele, ao contrário, resultado de um aprendizado específico.

Sob esse viés, nem o juízo de valor nem o gosto atrelado à fruição de uma obra de arte

podem ser vistos em sua dimensão subjetiva simplesmente, mesmo que para Bourdieu (2008, p.

17) exista uma rara semelhança, nesse caso, “entre a sociologia e a psican|lise social”. Se

fôssemos partir somente da premissa da singularidade e subjetividade da percepção cultural,

como poderiam ser explicadas algumas regularidades sociais atribuídas ao gosto e ao

julgamento? Como se explicaria o fato de a frequência nos museus ser proporcional ao nível de

instrução dos indivíduos? Como se entenderia que o olhar estético legitimado pela arte não é

sen~o “um modo de ser, quase exclusivo, das classes cultas” (BOURDIEU; DARBEL, 2007, p. 37)?

Foram exatamente questões como essas, atestadas em pesquisas empíricas com o público de

museus europeus, que levaram o sociólogo francês a acreditar que valores, crenças, opiniões e

preferências não são, no campo da arte nem em nenhum outro, uma vocação natural dos agentes

ou uma sensibilidade nata. São, antes, uma construção sócio-história, reproduzida e naturalizada

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socialmente através de instituições com os quais os indivíduos têm contato ao longo da vida, e

geralmente por meio das quais o seu olhar para a arte é formado.

Por isso, a prática de adentrar na sociologia de Bourdieu deveria ser sempre

acompanhada de um alerta prévio de que se há ainda qualquer ilusão a respeito da arte, é

melhor se preparar, porque elas certamente cairão por terra. Isso não nos impede de contestá-

lo, ou melhor, de questionar suas pesquisas ou suas próprias interpretações, mas essa é uma

tarefa no mínimo espinhosa, haja vista a consistência de sua imaginação sociológica e a

seriedade com que se dedicou cientificamente a questões ligadas à arte. Cético, para ele os bens

culturais, como são os objetos artísticos, pertencem a sistemas simbólicos que cumprem papel

de reproduzir mecanismos dissimulados de distinção e dominação social5. A obra é, sim,

intrínseca ao estudo da arte, mas não pode ser vista isoladamente, apenas em seus recursos

formais. Se as esculturas gregas continuam até hoje causando fascínio e sendo reconhecidas

como grande arte, como já atentaram Marx e Engels (1986), é preciso procurar entender, pelo

menos na perspectiva de Bourdieu, quais as razões para tal encanto se perpetuar,

particularmente na sociedade ocidental, em que os valores da cultura helenística ainda se fazem

presentes, de alguma maneira, em nossas crenças.

Segundo aponta Nildo Viana (2007, p. 22), na visão do autor de O capital, a explicação

para essa admiração trans-histórica pela arte grega se justificaria pela seguinte analogia: como

um adulto é capaz de admirar as habilidades de uma criança, o homem moderno estaria apto a

reconhecer as qualidades da humanidade em sua “fase infantil”, ou seja, na época antiga. Por

carecermos de maiores contribuições de Marx e Engels (1986) aos estudos da arte, e mesmo por

se tratarem de análises muitas vezes inconclusas nessa seara, mais importante aqui é voltar à

atenção dada por Bourdieu ao processo de formação do gosto, ainda que a questão dos autores

seja válida para pensar sobre isso.

Na vis~o bourdieuziana, é preciso atentar antes para a quest~o de que “a obra de arte

considerada enquanto bem simbólico não existe como tal a não ser para quem detenha os meios

de apropriar-se dela, ou seja, de decifrá-la” (BOURDIEU; DARBEL, 2007, p. 71). O conceito de

arte, em si, depende dessa definição, na qual se subentende ser o olhar do esteta, com seu

domínio, o que faz a arte ter sentido e valor, decorrentes das estratégias de luta pela legitimação

do seu status em sociedade. Como instância de apreciação e legitimação do objeto artístico, o

público e seu olhar precisam ser estudados sob esse viés. O que significa afirmar que a sua

capacidade de julgar a arte, ou mesmo de gostar dela e reconhecê-la como tal, não se coloca

como uma prática homogênea e igualitária. Depende do “grau de competência artística” (idem,

5 Desvendar esses mecanismos talvez tenha sido o maior projeto sociológico a que se dedicou Pierre Bourdieu. Nesse sentido, o estudo da arte se configura como uma parte importante desse esforço.

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ibdem) adquirido por esse público de maneira desigual e de que forma foi assimilado, tornando-

se a medida de seu referencial.

Essas diferenças de habilidade do olhar (onde reside a inclinação para um gostar

legítimo) se traduz no que o autor chama de “disposiç~o estética” (BOURDIEU, 1994, p. 87),

resultado de um processo longo de socialização ou inculcação cultural, vinculado a contextos ou

posições sociais distintos. Se o olhar do público é algo a ser formado, como se propaga até hoje

nas instituições de arte, esse “treinamento” n~o cabe somente aos arte educadores de uma

exposição, por exemplo. Para Bourdieu (2007; 2008), trata-se de um legado absorvido em anos

de formação, mesmo que esta educação não seja propriamente artística, mas “apenas” escolar.

Como se verá logo mais, tal competência adquirida ({s vezes de forma “t|cita”), vinculada

geralmente ao costume de visitar exposições de arte regularmente, relaciona-se aos conceitos de

habitus, capital cultural e gosto, bem como às noções de campo e posição social. Assim que

abordar essas definições, volto com maior atenção à questão da disposição estética propriamente

dita, em sintonia com a ideia de juízo estético desinteressado (olhar estético) teorizada por

Immanuel Kant (2009), e disseminada por uma boa leva de estetas e historiadores da arte.

Antes disso, trago aqui uma questão sociológica atrelada a este trabalho: o estudo do

público, a partir da análise de gosto e julgamento, deve levar em consideração apenas as

estruturas sociais a que os visitantes de uma bienal estão submetidos? Em que medida a

compreensão das preferências e opiniões a respeito das obras deve admitir a dimensão pessoal,

ou seja, a dita subjetividade dos agentes envolvidos nessa prática?

Adotando Bourdieu como principal referencial deste trabalho, não posso deixar de situá-

lo como um cientista social cuja preocupação com a construção da própria teoria passou pela

tentativa de superar a clássica (para ele falsa) dicotomia da sociologia entre teóricos de

tendência “objetivista” e os de inclinaç~o “subjetivista”. Em outras palavras, sendo autor situado

na “corrente da síntese” (DOMINGUES, 2004, p. 61), Bourdieu (2004) defendeu que a divisão

entre a abordagem focada somente na agência em detrimento da estrutura (a subjetivista, do

individualismo metodológico), de um lado, e a perspectiva que relaciona os agentes e suas

práticas a meros epifenômenos da estrutura (a objetivista, do estruturalismo), do outro, é

arbitrária, artificial e substancialista – tanto quanto olhar a arte apenas pelo viés da obra. São

oposições que “têm um fundamento social, mas nenhum fundamento científico” (idem, p. 49).

Por isso, definiu seu próprio trabalho como “estruturalismo construtivista” ou

“construtivismo estruturalista”, termos que, na sua vis~o, tentam dar conta dessa síntese teórica.

Como no estruturalismo, o autor acredita que no mundo social existam “estruturas objetivas,

independente da consciência e da vontade dos agentes, os quais são capazes de orientar ou

coagir suas pr|ticas e representações” (idem, p. 149). E como no construtivismo, defende que h|

uma gênese social tanto nas representações simbólicas (constitutivas dos esquemas de

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percepção) quanto nas estruturas. Os agentes, por sua vez, não são o mero “espelho” destas,

programados para obedecer a regras, mas parte da própria construção e mesmo reprodução de

seu funcionamento, alternando suas práticas segundo um conjunto de disposições diferentes.

Muitas críticas dirigidas a Bourdieu no sentido de que sua teoria tende a cair no

“reprodutivismo” social, dando pouca margem { mudança provocada pelos agentes, talvez se

expliquem por sua postura cética, ao defender que a sociedade tende mais a perpetuar certos

mecanismos de seu funcionamento, como regras e princípios, do que a querer transformá-los. De

uma forma ou de outra, foi sob a perspectiva crítica de construção do pensamento sociológico

que se deu o esforço deste autor. A relação indivíduo-estrutura é para ele dialética e a análise

das práticas sociais, foco de suas pesquisas, deve levar em conta uma tentativa de síntese desse

aparente antagonismo.

Adepto da epistemologia (para ele, uma epistemologia rigorosa libertaria a imaginação

científica) e crítico dos dogmas científicos, Bourdieu é na sociologia um autor conhecido por

fundamentar sua teoria a partir da contribuição dos três principais fundadores do pensamento

sociológico – Marx, Weber e Durkheim – e de outros autores, como Lévi-Strauss, um dos papas

da corrente estruturalista. Além de recorrer aos teóricos como suporte, sua postura foi procurar

compensar as lacunas deixadas por eles, sobretudo quando adotam uma perspectiva unilateral.

Sendo o próprio ponto de vista estruturalista guiado pelo objetivismo que ele procurou superar,

Bourdieu reclama também o papel do agente. Nesse sentido, o conceito de habitus se figura

como crucial nessa busca, conforme mostrarei a seguir.

Para Bourdieu (2004, p. 157), “a sociologia deve incluir uma sociologia da percepção do

mundo social, isto é, uma sociologia da construção das visões de mundo, que também

contribuem para a construç~o desse mundo”. A afirmação corrobora a perspectiva de que a

realidade não existe per si, como verdade dada, mas é produto da construção sócio-histórica de

seus agentes, situados em determinada conjuntura social. Este trabalho se identifica com essa

visão, na medida em que o público da arte, visto sob o viés do gosto e do julgamento, é uma

instância de representação da realidade. Por isso, precisa ser analisado a partir das “condições

em que s~o produzidos os consumidores desses bens (simbólicos) e seu gosto” (BOURDIEU,

2008, p. 9, parênteses nossos), a fim de “descrever, por um lado, as diferentes maneiras de

apropriação de alguns desses bens considerados, em determinado momento, obras de arte e, por

outro, as condições sociais do modo de apropriaç~o, reputado como legítimo” (idem, ibdem).

É no intuito de tornar essa tarefa possível que procuro discorrer, a partir de agora, sobre

os conceitos de habitus, capital cultural e gosto, desenvolvidos a partir das pesquisas empíricas

do autor.

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1.1.1. Habitus, capital cultural e gosto

A noção de habitus, em Pierre Bourdieu, subscreve-se como um dos pontos centrais de

sua teoria, fornecendo um caminho para o entendimento das condições sociais geradoras dos

diferentes modos de apreciação dos bens culturais, como no caso da obra de arte, e das práticas

a eles vinculadas. Se para o autor a construção do pensamento sociológico deve trazer, em seu

bojo, uma tentativa de superação da falsa dicotomia instaurada pelos sociólogos entre

perspectiva subjetivista e objetivista, como foi dito, eis o conceito que se propõe a articular uma

síntese da relação indíviduo-sociedade/sociedade-indivíduo, sem tomar partido declarado de

uma das abordagens. É como se, para ele, o habitus funcionasse como uma espécie de ponto de

equilíbrio, onde agente e estrutura desempenham papéis interdependentes na dinâmica social6.

Sendo um pensador do conhecimento “praxiológico” ou da teoria da prática, Bourdieu

est| preocupado em entender “a objetividade das pr|ticas subjetivas” (ORTIZ, 1994, p. 18). Em

outros termos, e à semelhança de Weber (1994), seu esforço é compreender o que rege a

regularidade das práticas sociais (termo dado por ele às ações sociais), para além da ideia de

normas coercitivas e fato social em Durkheim (2002), ou para além da noção de

“intersubjetividade”7 em Weber (1994). Bourdieu (1994, p. 47) define que:

[...] o conhecimento que podemos chamar de praxiológico tem como objeto não somente o sistema das relações objetivas que o modo de conhecimento objetivista constrói, mas também as relações dialéticas entre essas estruturas e as disposições estruturadas nas quais elas se atualizam e que tendem a reproduzi-las, isto é, o duplo processo de interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade [...]

Essas “disposições estruturadas” est~o ligadas { própria noç~o de habitus e à ideia de

que ordem social não se refere somente à capacidade dos indivíduos de se curvarem diante de

códigos explícitos, mas, antes, à predisposição em se guiarem por princípios orientadores de

suas práticas. Segundo o autor, os indivíduos tendem a agir menos mecanicamente por

obediência a regras explícitas do que por princípios gerados e incorporados nesses esquemas

sociais, como um dever ou uma motivação. Por isso, cita Weber para reforçar o argumento de

que “os agentes sociais obedecem { regra quando o interesse em obedecer a ela suplanta o

interesse em desobedecer a ela” (WEBER apud BOURDIEU, 2004, p. 98). De outra forma, nossas

práticas seriam mais ou menos determinadas, quando, na realidade, ocorrem segundo um grau

6 O conceito de habitus, como explica Bourdieu em Coisas ditas (2004), foi utilizado desde a Grécia, por Aristóteles, e mesmo depois por autores como Hegel, Husserl e Weber. No entanto, enfatiza ele que, em sua teoria, a ideia de habitus foi totalmente reformulada. 7 Weber é um pensador do qual a teoria bourdieuziana é bastante tributária. Na verdade, o posicionamento de Bourdieu se volta principalmente contra a perspectiva fenomenológica existencialista, encarada por ele como um modismo da academia francesa de sua época, diante do qual, como cientista social, deveria se colocar criticamente. Esta crítica, por sua vez, repousou principalmente sobre a tendência da teoria fenomenológica de encarar o sujeito como uma categoria universal, de “ego transcendental”, acima das estruturas sociais.

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de probabilidade, que aumenta quanto maior for a vigência das ações (WEBER, 1994, p. 19), a

regularidade das práticas.

A tentativa de Bourdieu é, de certa forma, complementar a contribuição weberiana nesse

sentido, tratando os próprios esquemas práticos das ações como produtos e produtores desse

interesse pela obediência à regra. Isso torna determinadas práticas mais ou menos prioritárias8

– a depender da motivação de determinada classe ou posição social. Os esquemas, por sua vez, se

naturalizam por meio de pr|ticas quase inconscientes, cuja base é uma “intencionalidade sem

intenç~o” (BOURDIEU, 2004, p. 24). “O habitus como sentido do jogo é jogo social incorporado,

transformado em natureza” (idem, p. 82). Esse sentido (ou senso prático) compõe o sistema de

princípios práticos, incorporados pelo indivíduo ao longo da vida. Esse sistema herdado é o

próprio habitus, resultante de um acúmulo do processo educacional (familiar, escolar etc.),

sendo, portanto, o princípio gerador das pr|ticas sociais, “fundamento objetivo de condutas

regulares” (idem, p. 98), sejam elas manifestações de gostos, julgamentos, classificações, formas

de percepção etc., ligadas a essa formação. O autor resume o conceito de habitus como:

[...] sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturador das práticas e das representações que podem ser objetivamente “reguladas” e “regulares” sem ser produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas ao seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los, e coletivamente orquestradas, sem ser produto da ação organizadora de um regente. (BOURDIEU, 1994, p. 60-61).

Em outras palavras, sendo portador de determinado habitus, o agente nem é um ser

totalizante e livre, tampouco mero produto da estrutura. Ele está submetido a regularidades

sociais, no entanto estas mesmas dependem dele para se perpetuar e/ou se transformar. Como

natureza socialmente construída, o habitus de um indivíduo é também parte dessa construção.

No jogo das práticas sociais, o agente tem, portanto, a possibilidade de improvisar sua

movimentaç~o e suas estratégias de movimentaç~o no “tabuleiro”, ou seja, dispõe do livre-

arbítrio. No entanto, essa “liberdade” de agir segundo suas convicções, t~o profetizada pela

cultura moderna da democracia, está limitada, até mesmo nas ditas sociedades livres, às

próprias condições sociais de escolha impostas a esse indivíduo, sob dada situação social. O

mundo das pr|ticas, diz ele, “só pode conceder uma liberdade condicional” (idem, p. 62).

O que é crucial observar, sob essa perspectiva, é que os que são privados de

determinadas escolhas, ou modos de agir, na maior parte das vezes nem se dão conta dessa

carência, porque “a falta de pr|tica é acompanhada pela ausência do sentimento dessa privaç~o”

8 Vestir paletó e falar outro idioma não são leis, por exemplo, mas obrigações absorvidas como normas e obedecidas segundo um interesse social por tais práticas. O mesmo pode ser dito em relação à prática de visitar museus, analisada por Bourdieu e Darbel (2007) como uma necessidade cultural herdada e aprendida como tal.

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(BOURDIEU; DARBEL 2007, p. 69). Para Bourdieu, essa é uma estratégia tácita, própria do jogo

social de distinção e dominação. Este, tais quais as diferenças, está presente, como afirma no

filme A sociologia é um esporte de combate9, em quase todas as formas de organização social do

mundo, com raras exceções para comunidades arcaicas onde quase não existe hierarquia entre

os indivíduos.

Sem adentrar tanto na questão da distinção, na qual o habitus desempenha importante

papel de mediador, mais importante aqui é trazer esse conceito como algo que está no alicerce

das nossas crenças, dos nossos valores, dos nossos costumes. Sendo sistema de disposições

duráveis adquiridas a partir de determinada posição social, através da educação e da

experiência, o habitus situa-se na base de nosso olhar sobre o mundo e conduz nossas práticas,

especialmente as de natureza cultural. Orienta-nos, por exemplo, a preferir um tipo de música ou

a seguir uma profissão. A associar um sotaque a uma classe social. A reconhecer determinado

quadro como obra-prima e a julgar um outro objeto como não sendo arte. Está, pois, na base da

educação e dos processos de inculcação cultural.

É importante ressaltar que o habitus não é somente orientador das práticas como da

representação das práticas, lembrando que elas mesmas só passam a existir ao nosso olhar por

meio dos sistemas simbólicos. Para Bourdieu (2004), portanto, não existe realidade por si, mas

por meio da interpretação, da representação e da construção de sentido a partir da percepção.

Respondendo pelo “polo da aç~o, e em grande parte pela memória social” (DOMINGUES,

2004, p. 59), o habitus é, portanto, incorporado pelo indivíduo “por meio de um conjunto de

esquemas implantados desde a primeira educação familiar, e constantemente repostos e

reatualizados ao longo da trajetória social restante, que demarcam limites à consciência possível

de ser mobilizada pelos grupos e/ou classes” (MICELI, 2007, p. XLII). Esses esquemas

incorporados no habitus são formados por dispositivos informacionais, cujo grau qualitativo e

quantitativo, a depender de uma posição social, gera distinção.

É nesse sentido que um outro conceito se torna preponderante no desenvolvimento da

teoria de Bourdieu e na fundamentação teórica deste trabalho: o de capital cultural, cuja

definição se refere a um capital informacional, de natureza simbólica, adquirido com o tempo e

de forma desigual, funcionando como distintivo. O capital cultural está presente no habitus e

podemos reconhecê-lo entre os que sabem julgar uma obra de arte pelas suas propriedades

estéticas, por exemplo, ou entre os que falam o português “correto”, segundo as normas

gramaticais. Est| ainda entre os que apreciam a música erudita ou sabem “se portar” numa

mesa, segundo padrões de etiqueta10. O capital cultural está, em suma, na base das

9 LA SOCIOLOGIE est un sport de combat. Direção de Pierre de Carles. França: C.P. Productions, V.F. Films Productions, 2001. 1 DVD (139 minutos). 10 Poderíamos até cogitar a possibilidade de existir um outro tipo de capital cultural, não só ligado à cultura erudita tradicional. Por ora, no entanto, deixo essa questão de lado, porque além de não ser o foco deste capítulo, destoa das

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desigualdades sociais, que para Bourdieu se expressam antes nas dimensões simbólicas do que

nas materiais, mesmo que ambas estejam relacionadas. É nas atividades tidas como

desinteressadas ou gratuitas, como é o caso da arte, que as diferenças se expressam com mais

intensidade, porque s~o naturalizadas e “dissimuladas”.

O capital cultural desempenha um papel segregador entre os que podem ou não podem

ter acesso de fato aos conteúdos dos bens culturais. Quando Bourdieu e Darbel (2007, p. 69)

afirmam que “nossa sociedade oferece a todos a possibilidade pura de tirar proveito das obras

expostas nos museus, ocorre que somente alguns têm a possibilidade real de concretizá-la”,

referem-se a uma impossibilidade dada pela carência de capital cultural, correspondente à

determinada posição/classe social, que uma vez desprovida de determinado nível de instrução,

tende a se “desinteressar” por pr|ticas culturais, como ir a um museu de arte, por exemplo,

mesmo que a entrada seja gratuita. E se por acaso um visitante das classes menos favorecidas

venha a entrar nesse local, a possibilidade de apreciar a coleção exposta é ainda mais rara –

geralmente sente-se desnorteado ou acha simplesmente tudo muito bonito. Foi o que mostrou a

pesquisa desses autores com o público de museus europeus.

O fato de Bourdieu tomar emprestado o conceito econômico de capital, de tradição

marxista, para definir os processos não igualitários da sociedade, por meio dos sistemas

simbólicos, não se dá por acaso. Para o autor, economia e política não podem ser dimensões

separadas da cultura, também responsável por intermediar posses e acúmulo de capital, bem

como formas severas de dominação. Enquanto Marx deu uma atenção maior ao viés econômico e

político dos modos de produção capitalista, Bourdieu tomou as questões culturais como

centrais11, principalmente no que diz respeito ao consumo de bens simbólicos, no qual o gosto,

relacionado à posse de capital cultural e a uma classe social, opera uma “maneira de ser” própria

das estratégias de discernimento. Na visão do autor (2008, p. 75),

qualquer herança material é, propriamente falando, e simultaneamente, uma herança cultural; além disso, os bens de família têm como função não só certificar fisicamente a antiguidade e a continuidade da linhagem e, por conseguinte, consagrar sua identidade social, indissociável da permanência no tempo, mas também contribuir praticamente para sua reprodução moral, ou seja, para a transmissão de valores, virtudes e competências que servem de fundamento à filiação legítima das dinastias burguesas [...].

Mesmo que as classes burguesas tenham mudado de “figura” nos últimos séculos,

apresentando-se de maneiras distintas da antiga burguesia europeia, seu modo de ser,

dominante e legítimo, continua a ser até hoje uma espécie de bússola para a sociedade, por meio

preocupações centrais de Bourdieu, para quem esse capital cultural é fundamental para entender uma forma dominante de ver o mundo, ainda presente de alguma maneira. De uma forma ou de outra, o capital cultural está na raiz dos processos de distinção e dominação simbólica. 11 Isso não quer dizer que Marx tenha negligenciado o papel da cultura. Basta lembrar seus conceitos de superestrutura, ideologia e alienação. Sendo Bourdieu leitor da obra marxista, não deixa de considerá-la, mas se propõe a ir além, dando uma importância mais crucial à dimensão simbólica nos processos de dominação.

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da qual orienta seu gosto e estilo de vida – ainda que muitas vezes uma parte vá a uma direção

contrária. Sendo assim, esse tipo específico de capital, o cultural, fornece significados reais de

poder ou de possibilidade de agência. Não está atrelado necessariamente a um elevado capital

econômico, haja vista o esforço dos “novos ricos” em n~o denunciar suas origens ou, ao

contr|rio, de certos artistas e “intermedi|rios culturais” (jornalistas, críticos, professores etc.)

em obter maior capital econômico, cuja posse tende a ser inversa ao capital cultural que

possuem. No entanto, é na combinação dos dois capitais que se instaura a plenitude de uma

dominação social e isso ocorre principalmente em países onde o sistema educacional é mais

antigo e eficiente, segundo o autor.

Isso porque o capital cultural, sendo parte do habitus, é resultado da educação, fornecida

prioritariamente pelas instituições familiares e escolares, às que a sociedade, sabemos, tem

acesso desigual – a depender da sua própria origem familiar, o que situa o capital cultural em um

círculo vicioso de privilegiados. Nas palavras de Bourdieu (2008, p. 27), “este capital é o produto

garantido dos efeitos acumulados da transmissão cultural assegurada pela família e da

transmissão cultural assegurada pela escola (cuja eficácia depende da importância do capital

cultural diretamente herdado da família)”. Quanto maior for o nível de instruç~o transmitido por

ambas as instituições, com peso maior para o que se herda via parentesco, maior a probabilidade

de se “nascerem” homens cultos, de gostos cultos, cujas pr|ticas culturais s~o um misto de

devoç~o e “obrigaç~o” social. Essa quest~o parece redundante, mas necess|ria de ser enfatizada,

haja vista a ideia absorvida pelo senso comum de gosto como d|diva, como “algo que n~o se

discute”, porque uns simplesmente têm enquanto outros n~o têm. Para Bourdieu, é exatamente

o contr|rio. Ninguém nasce com “bom gosto”.

Como a questão da distinção não se mostra exatamente o foco deste trabalho, mas um

aspecto intrínseco a ele, considero importante observar que os conceitos de habitus e capital

cultural são fundamentais para entender a formação de um olhar no qual reside uma visão de

mundo, reproduzida desde o “berço” e reforçada por outras inst}ncias da cultura. Conforme

mencionei anteriormente, é no habitus, por meio do acúmulo de determinado capital cultural,

que moram valores específicos, como a capacidade de “amarmos a arte”12. Um amor que na

perspectiva do autor jamais pode ser incondicional, porque depende das condições sociais dadas

pela posse ou não do capital cultural herdado da família e da escola, que mantêm um “pacto

velado” de manutenç~o e devoç~o da tradiç~o cultural e de suas instituições13.

A disposiç~o para apreciar bens artísticos, a chamada “disposiç~o culta” (BOURDIEU E

DARBEL, 2007, p. 68), à qual a disposição estética está atrelada, é própria da maneira de ser do

12 Para Bourdieu (2008), os autodidatas, de origens sociais diferentes dos cultos e, que por alguma razão, passaram a apreciar a arte, têm pertencimento desigual nesse mundo, tanto na prática de apreciação das obras quanto no julgamento depreciativos que fazem os instruídos a respeito de sua percepção. 13 Vale lembrar que uma educação nunca se dá de forma homogênea e pessoas com igual nível de escolaridade podem ter graus de capital cultural distintos.

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homem culto e é produto da história, reproduzida pelas instituições de transmissão cultural.

Traz consigo códigos instituídos que definem um modo de apreciação correto da arte, presente

nos que possuem essa habilidade. A própria legitimação artística depende desses mecanismos

eruditos de percepção, resultantes de uma maneira legítima de valoração artística sedimentada

na modernidade. Fornecendo normas, segundo técnicas, escolas e estilos de obras únicas feitas

por grandes artistas, a estética e a história da arte foram disciplinas responsáveis por instaurar e

reproduzir um dado valor de arte (de produção e percepção), absorvido pelo capital cultural das

classes cultas e difundido depois no imaginário social.

Sobre a disposição estética, pautada na ideia do “olhar puro”, a partir da qual se

estabelece uma “competência artística” (BOURDIEU; DARBEL, p. 73) dentro de um dado

arbitrário cultural, Bourdieu se detém com afinco. Procurando aprofundar mais a sua questão,

também me dedico, nas páginas adiante, aos aspectos centrais dessa forma consagrada de leitura

legítima da obra de arte em contraponto ao “olhar ingênuo”. Minha suposiç~o é de que a

percepção legítima segue como uma noção presente até hoje no público e nos seus julgamentos,

mesmo que por vezes se mostre difusa ou deficitária (o que reforça a ideia que ainda assim é

uma referência, um ideal), mesclando-se { forma mais “ingênua” de ver a arte. Antes, no entanto,

meu propósito é trazer o conceito de gosto, atrelado ao de habitus e capital cultural, no qual se

instala também, dependendo da classe social, essa competência para se apropriar dos bens

artísticos.

Em sua tipificação geral, sujeita a subdivisões, Bourdieu (2008, p. 21) lista a existência de

“três universos de gostos correspondentes, em geral, a níveis escolares e a classes sociais”,

classificados a partir de suas pesquisas empíricas. De valores sociais desiguais, são eles: o

legítimo – mais presente nas classes dominantes, ricas em capital cultural e escolar; o médio –

mais freqüente nas classes médias, embora oscile – e o popular, fortemente incorporado pelas

classes populares, mas também por algumas frações da “alta sociedade”, sendo, portanto, tanto

mais forte quanto menor for o nível de instrução14. De acordo com seus dados, a preferência por

obras de arte legítimas, da alta cultura, relaciona-se ao gosto culto, legítimo e dominante,

proporcional ao nível cultural e educacional de quem o possui, com alto grau de relação no

diplomado. Neste caso, o capital escolar é capaz de dotá-lo, através de uma imposição de valores

e de uma “exigência t|cita” (idem, p. 29), de uma disposição estética, de um desprendimento do

olhar que o faz valorizar, “eternizar” a arte como tal. J| o gosto médio associa-se ao gosto pelas

“obras menores das artes maiores” e pelas “obras maiores das artes menores” (BOURDIEU, 14 Vale lembrar que o gosto, como as demais práticas sociais derivadas do habitus, é sentido do jogo incorporado e naturalizado – não se manifesta de forma consciente quando nesse estágio se encontra. Para Bourdieu, as preferências, como valores, vão sendo absorvidas na própria lógica da pr|tica (que é se “despir” de um excesso de lógica), dada por determinada situaç~o social, de modo que o gosto pessoal é uma “ilus~o” cuja diversidade de possibilidades (de gostar de vários artistas, obras etc.) está na verdade limitada a uma condição social. Ou seja, não são infinitas as possibilidades nem variam ao livre sabor da subjetividade, podendo, mesmo assim, ter diferentes combinações manifestas.

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2008, p. 21)15. Por fim, o gosto popular está representado em sua pesquisa pela preferência por

“obras de música chamada ‘ligeira’ ou de música erudita desvalorizada pela divulgaç~o” (idem,

ibdem)16. De uma forma geral, o gosto se apresenta como resultado de diferentes graus de

aprendizado.

Como registra Grant McCracken, no livro Cultura & consumo (2003), outros autores se

debruçaram sobre a questão dos bens como marcadores de status, dos hábitos de consumo da

burguesia em oposição às classes menos abastadas. A partir disso, e a meu ver, a originalidade

de Bourdieu parece consistir na elaboração de uma teoria social bem fundamentada, capaz de

explicar, pela lógica da distinção e da dominação, determinadas propensões de gosto. E mais:

fazendo a lógica do consumo da arte ser similar à dos bens comuns, como relógios, casacos e

demais artigos da moda, também demarcadores de classe social. A questão é que, para ele, as

práticas vinculadas ao gosto pelas artes, sobretudo às menos acessíveis à maioria, são ainda

mais excludentes e particulares, porque não dependem, como já foi dito, apenas da posse do

capital econômico, tampouco dos apelos da publicidade. Está à mercê, mais uma vez, de um

ensinamento estético, de uma habilidade aprendida e incorporada pelo habitus. “O exibicionismo

ingênuo do ‘consumo ostensivo’, que procura a distinç~o na exibiç~o prim|ria de um luxo mal

dominado, nada é ao lado da capacidade única do olhar puro”, diz Bourdieu (2008, p. 34).

Vera Zolberg (2006) assinala que o próprio Bourdieu e estudiosos do consumo cultural

haviam se inspirado em trabalhos como o do jornalista norte-americano Russel Lynes (1982

apud ZOLBERG, 2006, p. 222), que “enquadrou as artes em categorias sociais que rotulou de

‘intelectual’, ‘mediana’ e ‘inculta’” (idem, ibdem), descrevendo com detalhes os gostos de cada

categoria. No entanto, mesmo trazendo aspectos relevantes para entender uma parte da lógica

operada pelos gostos culturais, como a do efeito trickle-down, que faz as preferências populares

absorverem os bens renegados pelas classes mais abastadas (a tal bússola), Lynes não oferece,

na visão da autora (2006, p. 225), uma abordagem substancial, tal qual a fizeram sociólogos

como Herbert Gans e Bourdieu. Para a autora, é este último que vai ainda mais longe,

construindo um pensamento crítico que inclui a importância do aprendizado e do habitus, a

despeito de também apresentar lacunas na própria análise da arte.

15 Bourdieu lista um conjunto de peças de música e pintura citado pelos seus pesquisados, mas por serem exemplos pouco familiares à realidade brasileira, optei por omiti-los. Essa relaç~o entre “obras maiores” e “obras menores” tem a ver com a hierarquia imposta pelo próprio gosto culto, que prioriza a raridade de seus “tesouros artísticos”, pouco acessados pela maioria porque pouco difundidos – seja pela tradição escolar, seja por outros meios menos seletos. Algumas obras do pintor impressionista Renoir, por exemplo, estão na lista do gosto médio. 16 O chamado efeito trickle down, aprofundado por Simmel (1904 apud McCracken, 2003, p. 24) e utilizado por vários teóricos do consumo, explica essa propens~o de “queda” do gosto das classes cultas para as classes populares. Um exemplo disso é o fato de a música erudita desvalorizada pela divulgação cair no gosto popular francês, enquanto a classe dominante arruma outros novos itens para incluir em seu apreciado “bom gosto”. Bourdieu trata disso sob uma perspectiva um pouco diferente, quando menciona as estratégias, quase sempre mal sucedidas, das classes populares de “parecer” com as classes cultas.

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Independente disso, é importante observar a complexidade com a qual Bourdieu analisa

o gosto para além de simples tipificações e exemplos ilustrativos isolados. Compreendendo as

preferências sociais, e as atitudes decorrentes dela, a partir da noção de habitus, o sociólogo

evidencia o car|ter “combinado” do gosto e de sua formaç~o, que possibilita os indivíduos

estarem inseridos em estilos de vida. Esse me parece um aspecto bastante importante de sua

teoria, reforçando ainda mais o gosto como uma questão social. Isso significa, por exemplo, que

pessoas com alto nível de capital cultural, propensas a gostar de artes legítimas e mais raras,

tenham tendência a apreciar não só a visita a um museu, como também ao teatro e ao concerto, a

depender de seu nível de instrução, como indica a pesquisa de Bourdieu e Darbel (2007, p. 102).

Segundo apontam os dados coletados com o público de museus de arte da Europa,

tudo parece indicar que os conhecimentos e os gostos tendem a se constituir em constelações (estritamente associadas ao nível de instrução), de modo que a estrutura típica das preferências e saberes em pintura apresenta todas as condições de ser associada à estrutura do mesmo tipo de conhecimentos e gostos em música ou, até mesmo, em jazz ou em cinema17. (idem, ibdem).

Dito isso, não é estranho ou coincidência perceber que admiradores da arte

contemporânea tendam também a apreciar a dança contemporânea, fator observado na

comparação das frequências dos que costumam assistir a performances e espetáculos de maior

experimentação formal com os que costumam apreciar as artes visuais. Uma relação, aliás, que

pude constatar nesta minha pesquisa com os visitantes da 29ª Bienal de São Paulo e é uma das

questões sobre a qual tratarei no terceiro capítulo.

Mesmo não tendo sido o foco de sua análise, cabe aqui mencionar o quão reveladora se

mostra a constatação de Bourdieu e Darbel (idem), quando tratam do gosto por obras de

“vanguarda” (idem, p. 109), dos “períodos de ruptura” ou, mais ainda, dos “períodos de ruptura

continuada” (idem, p. 77), como o que encontramos atualmente, na vis~o dos autores. Para eles,

o universo do gosto legítimo, que tende a apreciar obras legítimas ou clássicas, pode até coincidir

com as escolhas do gosto médio, quando se trata de artistas cuja obra tenha sido mais difundida

pela tradição escolar e até por outros meios (TV, cinema etc.). No entanto, é principalmente

desse universo culto de onde também se pode sair uma predileç~o por uma “cultura autêntica”

(idem, p. 93), privilégio de poucos homens cultos. Não por acaso, a pesquisa de O amor pela arte

apontou o seguinte: quanto mais alta se apresentava a hierarquia social dos visitantes dos

museus, ou seja, quanto mais elevado o grau de seu capital cultural, maior a porcentagem dos

que afirmavam apreciar artistas mais desconhecidos (novos) – as chamadas “citações originais”,

não restritas a pintores renomados, como Van Gogh, Picasso ou Renoir. Em suas palavras, “os

17 Depende também do tipo de pintura, filme ou música, que “falam” a diferentes gostos e públicos.

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visitantes mais cultos, residentes nas grandes cidades, são os únicos a citar pintores modernos

que têm menos possibilidades de encontrar lugar no ensino” (BOURDIEU; DARBEL, p. 93).

Para Bourdieu e Darbel (idem), isso se traduz no fato de que, mesmo havendo entre os

cultos um apego pelos valores tradicionais, a tendência é de só poder haver neles mesmos, ainda

que numa parcela menor, a possibilidade de se libertar do ensino escolar e da cultura canônica

que obtiveram – condiç~o dada mais ainda pela educaç~o familiar, pelo “mundo de origem”. De

acordo com os autores (idem, ibdem), “[...] a plena posse da cultura escolar é a condiç~o da

superação da cultura da Escola em direção à cultura livre – ou seja, libertada de suas origens

escolares – considerada pela classe burguesa e sua Escola como o valor dos valores”. Essa é uma

constatação bastante importante para este trabalho e que retomarei mais adiante, quando

trouxer propriamente a análise dos dados.

Faz-se necessário assinalar ainda que a concepção de gosto em Bourdieu está vinculada

aos esquemas sociais classificatórios, capazes de organizar os modos de percepção do mundo,

geralmente a partir de oposições dualistas, como masculino/feminino, feio/bonito, forte/fraco,

ruim/bom etc., que são perspectivas a partir de um ponto – uma posição social. Se o habitus está

associado à determinada classe, o gosto, como elemento classificador e passível de ser

classificado, só pode funcionar para reforçar mais ainda essa relação. As escolhas que fazemos

através do gosto nos classificam, nos “separam”, nos distinguem no mundo social, contribuindo

para reafirmar nossa classe. E é por meio dele também que refutamos gostos alheios distintos

aos nossos, por esses mesmos esquemas classificatórios. “[...] enquanto agentes socializados,

somos capazes de perceber a relação entre as práticas ou representações e as posições no

espaço social (como quando adivinhamos a posição social de uma pessoa pela sua maneira de

falar)” (BOURDIEU, 2004, p. 159). Daí, resultam julgamentos classificatórios como “Gostar de

arte é para quem entende”, “Confundir objeto artístico com utilit|rio é coisa de ignorante”,

“Gostar de golfe é coisa de burguês” e por aí vai.

De uma forma ou de outra, todos esses julgamentos ou classificações são manifestações

que encontram fundamentos sociais. A própria noção de opinião ou gosto pessoal se mostra,

para Bourdieu (2008, p. 388), uma “pretens~o pequeno-burguesa”, ou seja, est| vinculada ao

habitus dos mais instruídos. E se nas práticas os gostos tentam ser escamoteados por algumas

classes, acabam por se evidenciar nas próprias relações, nas quais os julgamentos nada mais são

do que a expressão de uma cisão cultural, empenhada pela distribuição desigual de capital

cultural, entre os distintos pontos de vista incorporados no habitus e, por conseguinte, no gosto.

1.1.2. Olhar estético x olhar ingênuo

A m|xima do senso comum de que “Arte é para quem entende” carrega consigo uma

imposição tácita, dada por um processo histórico, de que a produção artística reclama aos seus

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espectadores uma compreensão própria e legítima – suficiente em si mesma e acima da

comunicação travada com os objetos cotidianos ou ordinários. Pressupõe ainda uma divisão

entre “quem entende” e “quem n~o entende”, oposição capaz de gerar não apenas um

constrangimento, mas de estabelecer duas direções distintas e hierarquizadas de olhar e

julgamento sobre os objetos artísticos.

Ao procurar tipificar o universo do gosto cultural em três categorias, Bourdieu (2008)

estava na verdade preocupado em ver como se operam as diferenças entre os dois polos mais

distantes: o gosto legítimo, ou culto e “puro”, e o gosto popular, a que se atribuem também tarjas

pejorativas como “gosto b|rbaro” (idem, p. 34)18. Esses universos não seriam apenas abstrações

conceituais, se expressam como antagonismos “reais”, geralmente advindos dos esquemas de

classificação dualistas e manifestos nas próprias práticas sociais, por meio do julgamento

classificatório.

De uma forma geral, o olhar culto ou estético, relacionado a uma disposição estética, seria

o filtro por meio do qual o gosto legítimo reconheceria a obra legítima e seu valor, legitimando,

assim, seu próprio olhar – ou seu modo de percepção sobre a arte – como ideal e superior. Ao

passo que o olhar ingênuo19, desprovido dos mecanismos cultos, seria uma espécie de leitura em

“primeiro grau”, o recurso das classes menos favorecidas para lidar com as obras – caso

cheguem até elas. Não dispondo das mesmas categorias dos que foram educados para um gosto

culto, acabam lidando, no caso das artes pl|sticas ou visuais, com uma espécie de “cegueira

cultural” (BOURDIEU; DARBEL, 2007, p. 81).

Com essa afirmação, os autores não querem dizer que o olhar ingênuo não seja possível.

A partir do momento em que uma parcela maior da sociedade passa a lidar com a produção

artística, ainda que precariamente (em uma visita “acidental” a um museu ou por meio da

televisão, por exemplo), mais o julgamento das massas sobre obras de arte surge como algo a se

levar em conta. No entanto, pelas regras do campo artístico, como desenvolve Bourdieu, esse

juízo possui uma validação social inferior e, portanto, passível de desdém pelos mais instruídos.

Daí a afirmaç~o “Arte é para quem entende” muitas vezes vinda de quem “n~o entende”. Para o

autor, o que ocorre é que o “acesso” das classes populares aos bens artísticos evidencia ainda

mais uma distinção, necessária ao funcionamento do campo e à própria consolidação do gosto

legítimo e do olhar culto/estético.

18 As classificações “puro” e “b|rbaro” s~o formas excludentes definidas por Kant em A crítica da faculdade de julgar (2009). Escrito no século XVIII, o livro se transformou em uma espécie de “cartilha” filosófica do gosto culto, referência para o juízo de valor estético, abordado em oposição ao bárbaro e como algo da subjetividade. Em boa parte, é a partir da desconstrução dos conceitos essencialistas kantianos que Bourdieu constrói sua crítica social do julgamento em A distinção (2008). 19 Ingênuo aqui está usado no sentido de ausência de um conhecimento estabelecido pelo campo artístico para reconhecer a obra de arte como tal.

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Dito isso, que diferenças marcam, então, ambos os olhares, pensando em termos de

processos comunicacionais constituídos sócio-historicamente? O olhar estético propriamente

dito, que respalda na arte uma intenção estética, está vinculado à tradição da arte clássica,

coincidindo com a própria ideia de “arte classificada”, como aquela que j| se estabeleceu no

“patrimônio histórico” (MOULIN, 2007, p. 13). Relaciona-se também à ideia de belas artes, das

obras primas e dos grandes gênios, geralmente pintores, coincidindo com o próprio surgimento

da estética como disciplina do campo filosófico, e mais ainda, como explica Bourdieu (1996),

com o processo de autonomização do campo artístico, de onde emergiu a ideia de “estética pura”,

da “arte pela arte”, quest~o sobre a qual me debruço na próxima seção deste capítulo.

O olhar estético configura-se, portanto, como uma competência adquirida para

contemplar aspectos formais da obra, distinguindo-a, por esse meio, dos objetos funcionais.

Nessa perspectiva, a arte não tem um fim, é um fim em si mesma. Até a modernidade, e em

particular até o renascimento, não havia diferença entre arte e artesanato; entre bens artísticos e

bens utilit|rios e decorativos. Como lembra Francastel (1998, p. 33), “a obra é fixa, mas a vis~o

est| em movimento”, o que significa que a visão faz a própria concepção de arte. Sendo assim, a

designação de valores artísticos, historicamente falando, foi realizada a partir de uma ótica

capaz de sustentar a ideia de Arte (com “a” maiúsculo) como única, canônica e sagrada por

excelência, em oposição a obras menores, mais relacionadas a funções cotidianas, como objetos

reproduzidos artesanalmente. N~o por acaso, “o modo de percepç~o estética na ‘forma pura’ [...]

corresponde a determinado estado do modo de produç~o artística” (BOURDIEU, 2008, p. 33),

sendo produção e percepção da arte dimensões interdependentes.

Para Bourdieu e Darbel (2007), a competência artística legítima (do olhar estético)

define-se pela aquisição de instrumentos de leitura da obra, referentes a um esquema

classificatório elaborado a partir de códigos propriamente artísticos. O grau da competência,

sujeito a variação, é tanto mais forte quanto maior for o capital cultural do observador e seu

nível de instrução, como revelam os dados da pesquisa realizada com visitantes de museus

europeus. Trata-se de uma aptidão para lidar com elementos formais da arte (técnicas, escolas e

estilos a que pertence uma obra ou um conjunto de obras), por isso mais presente em

especialistas, assim como no público iniciado (geralmente em menor grau). Se estamos lidando

com uma pintura figurativa, por exemplo, a preocupaç~o do esteta se volta { “maneira de tratar”

(idem, p. 72) determinadas figuras (renascentista, à la Cézanne etc.) e não ao fato de que são

figuras simplesmente (um nuvem, uma mulher, uma maçã etc.).

O olhar estético associa-se { ideia de um juízo de gosto “alheio a todo interesse” (KANT,

2009, p. 48), a toda função e significação primeira, e se define por um prazer desinteressado, o

prazer “puramente” estético. Esse prazer nada tem a ver com o hedonista, para Kant (idem)

definido como o “agrad|vel”, referente aos sentidos, típico do “gosto b|rbaro”. A contemplaç~o

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estética tem a ver com um distanciamento capaz de perceber o “belo” (KANT, 2009, p. 49), ou

seja, o aspecto virtuoso de um trabalho artístico. É uma percepção que se coloca acima do olhar

comum e, por isso, é considerada um “dom” divino, superior a tudo referente ao humano, no

sentido cotidiano ou animal – dimensão geralmente oposta da noção de cultura. Trata-se do

prazer contemplativo, { altura do artista “genial”.

Desconstruindo essa percepção sacralizadora, Bourdieu e Darbel (2007, p. 105)

enfatizam que a “maneira correta” de se apropriar dos bens artísticos é resultado, como foi

colocado anteriormente, de um longo processo de familiarizaç~o, “através das aprendizagens

imperceptíveis e inconscientes de uma primeira educaç~o, ao mesmo tempo, difusa e total”.

Mesmo que a escola não reserve em seu currículo disciplinas de formação propriamente

artística ou ainda estimule diretamente pr|ticas culturais, existe uma “agenda oculta” no sistema

de ensino capaz de “inspirar uma certa familiaridade – constitutiva do sentimento de pertencer

ao mundo culto – com o universo da arte” (idem, p. 100). Esta se completa e se reforça na

universidade, sendo ainda mais forte se for acrescida à herança cultural familiar. Talvez a

instituição escolar esteja mais empenhada em formar apreciadores da arte, homens de cultura,

do que artistas, já que a influência da escola nesse aspecto não é tão direta, se consideramos a

carência da formação artística nas ementas, mesmo em um país como a França, como

observaram os autores (idem).

Seja qual for a grade curricular, tudo leva a crer que é necessário tempo, iniciado desde

muito cedo na vida, para que sejam introjetados no habitus os sentidos do jogo, ou seja, as regras

da apreciação artística, base da disposição estética, do olhar estético. Nesse sentido, na visão de

Bourdieu não adianta os museus de arte colocarem guias (monitores, arte educadores) para

orientar os visitantes não iniciados, especialmente os adultos. Assim como acreditar em

campanhas de divulgação para atrair mais público, geralmente aquele que já iria aos museus, tal

estratégia equivale “{s pessoas que imaginam que, para serem bem compreendidas por um

estrangeiro, basta falar mais alto.” (BOURDIEU, 1969 apud CATANI, 2007). Na vis~o do autor,

isso não substituiria a formação escolar, sendo, portanto, uma estratégia compensatória,

superficial e pouco duradoura, quando não constrangedora para os visitantes privados de uma

verdadeira educação.

Muitas vezes envergonhados de expor uma falta de conhecimento a respeito da arte, os

menos instruídos acabam recorrendo, quando passam a ter “acesso” aos objetos, a uma outra

maneira de olhar o objeto artístico. Na vis~o de Bourdieu e Darbel (2007, p. 82), “aqueles para

quem as obras de cultura erudita falam uma língua estrangeira estão condenados a importar, em

seu exercício de percepção e apreciação da obra de arte, categorias e valores extrínsecos, ou seja,

[...] que organizam sua percepç~o cotidiana e orientam seus juízos pr|ticos”. Essa perspectiva,

própria do olhar ingênuo, pode resultar em manifestações de incompreensão, frustração,

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indiferença ou até de reverência gratuita, a depender da obra. Atitudes essas muitas vezes

decorrentes de um desejo de participação decepcionado, transformado em julgamentos de

defesa, em geral negativos ou mesmo depreciativos (“Isso n~o é arte”; “Isso é feio”).

O olhar ingênuo mostra-se oposto ao dos estetas, sendo uma revelaç~o do “gosto

b|rbaro”. É assim que os especialistas da arte tendem a vê-lo. Geralmente, os olhares menos

instruídos recorrem {quilo que rejeita o olhar “puro” de Kant, para quem “o gosto continuar|

sendo sempre bárbaro enquanto para o prazer sejam necessários os ingredientes do estímulo e

da emoção, e mais ainda se forem elevados { medida de seu aplauso” (KANT, 2009, p. 67, grifo

nosso). Eis uma ruptura estabelecida entre o erudito e o popular. Talvez isso justifique o fato de

o romantismo, uma vez ancorado no discurso das emoções, e sendo difusor de um prazer

hedonista20, ter sido o primeiro movimento artístico na modernidade a ganhar de fato as massas,

no século XIX, não obstante sua contribuição no reforço à imagem do artista gênio e da arte

sublime, como também fizeram os estetas.

De acordo com Bourdieu (2008), o que existe entre os menos instruídos, entre as classes

desprovidas de uma competência artística, é uma necessidade de encontrar um sentido real e

literal, um conteúdo, uma intenção expressa análoga às significações comuns já conhecidas pela

maioria. Há uma expectativa de as obras ou as imagens desempenharem uma função (idem, p.

43), capaz de despertar os sentidos primeiros – papel negado pelo olhar estético. Destituídas do

código propriamente artístico, as classes menos cultas recorrem ao “código da vida cotidiana”

(BOURDIEU; DARBEL, 2007, p. 72), que não relaciona as formas artísticas a outras formas e

tendências estéticas, mas a sinais e indícios da vida comum (“Olha a mulher”). Caso tenham

obtido alguma noção artística na escola (em aulas de história da literatura e das artes plásticas,

por exemplo), por menor que tenha sido, podem até recorrer a algum aparato “formalista”, que

se mescla a essa tendência do olhar ingênuo como tentativa de dar conta de uma leitura da

forma e do conteúdo (mais importante nesse ponto de vista). No entanto, essa leitura não vai

além de noções vagas estereotipadas e, ainda assim, requer um nível de instrução maior.

No geral, o gosto popular se volta a representações “funcionalistas”. Exemplo disso

aparece quando Bourdieu (2008) se refere { leitura de fotografias pelas classes populares: “o

julgamento será tanto mais favorável quanto maior for a adequação expressiva do significante

ao significado” (idem, p. 44). Nesse caso, o “julgamento nunca autonomiza a imagem do objeto

em relaç~o ao objeto da imagem (idem, ibdem). A figura contém a “expectativa do título ou da

legenda que, ao declarar a intenção significante, permite julgar se a realização consegue ser a

significaç~o ou ilustraç~o adequadas desse título ou legenda” (idem, ibdem).

20 Ideia defendida por Colin Campbell no livro A ética romântica e o espírito do consumismo moderno (2001), por meio do conceito de hedonismo autônomo e imaginativo.

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Vale ressaltar que o olhar ingênuo se revela nas preferências do público diante de uma

exposição ou uma coleção de museu. Essas escolhas tendem a ser, no geral, por obras menos

rebuscadas e experimentais, como os objetos utilitários (móveis, porcelanas, cerâmicas etc.) e as

representações mais realistas, segundo apontou a pesquisa de Bourdieu e Darbel (2007). Não

significa que essa forma de ver a arte desconsidere uma reverência ao virtuosismo legitimado

pelo olhar estético, sobretudo no que tange a pintores célebres. Afinal, trata-se de uma

referência dominante, cujo status é rubricado pelo campo artístico e de sua relação com as

instituições escolar e familiar. Tanto que essa atitude de reverência (“É tudo muito lindo!” –

idem, p. 83), mesmo vinda dos incultos, pode estar implícita também no olhar ingênuo,

dependendo do contexto e dos bens simbólicos aos quais se dirija, sendo mais presente em

relação aos bens antigos, de valor consolidado.

A capacidade de apreensão de uma obra de arte, de acordo com determinada sociedade

de uma dada época, assemelha-se, grosso modo, à lógica da chave adequada à fechadura

correspondente. Nas palavras de Bourdieu e Darbel (idem, p. 76), “depende da diferença entre o

código exigido objetivamente pela obra considerada e o código como instituição historicamente

constituída”, ou seja, o código de percepç~o, a competência individual para ter controle (ou n~o)

sobre determinada linguagem de cada produção, cuja exigência de apreciação varia em

complexidade e requinte, em diferentes períodos. “Ao ser superado em sutileza e em

complexidade pelo código da obra, o código do espectador já não consegue controlar uma

mensagem que lhe parece desprovida de qualquer utilidade”, explicam os autores (idem, p. 77).

Tal afirmativa leva a crer que qualquer reação negativa do público em direção a uma

obra n~o se justifica de outra maneira sen~o por um ruído comunicacional; uma “defasagem”

entre códigos de produção e de leitura (idem, ibdem). Uma situação menos provável, para eles,

de acontecer na relaç~o do público com objetos de períodos cl|ssicos, mais “familiares” até

mesmo aos olhares mais ingênuos, capazes de apreender esses bens à sua maneira. Uma

constatação que nos dirige novamente para a relação entre público e arte contemporânea, em

especial a mais voltada à experimentação formal, que para Bourdieu e Darbel (idem) exige

códigos de percepç~o ainda mais “sofisticados”, referentes a um aprendizado mais raro e culto. A

pergunta é: que códigos s~o esses? Os mesmos do olhar da “estética pura”? A que público se

dirige? Por ora, deixo essas questões em suspenso, pois as retomarei ao longo de toda a

dissertação, como parte do problema de pesquisa a que pretendo responder.

Antes, nunca é demais chamar atenção para o fato de que, ao tratar da oposição olhar

estético versus olhar ingênuo, entre os quais é possível perceber um “olhar intermedi|rio”, n~o

há aqui qualquer tentativa de reforçar uma segregação já existente. Há, sim, um propósito de

mostrar, sob uma perspectiva sociológica crítica, como se dá a construção desses olhares, e seus

códigos referentes, além do seu processo de legitimação no campo artístico. Tanto o estético

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quanto o ingênuo não são resultado da graça, de um lado, ou do infortúnio, do outro. Os modos

de percepção são para Bourdieu um produto da história, a partir da lógica de funcionamento do

campo artístico, aspecto a qual me detenho mais de perto a partir de agora.

1.2. A noção de campo e a emergência de um campo artístico

Assim como o conceito de habitus, a noção de campo também se mostra estrutural na

teoria de Pierre Bourdieu. Ambas as definições são complementares e a separação que faço

neste capítulo tem um intuito meramente didático. O que me proponho aqui é, ao procurar

apresentar uma síntese da lógica de funcionamento dos campos, explicar como se organiza o

campo da arte e como se estruturam as diferenças dos olhares dirigidos à produção artística.

Através disso, fazer com que os mecanismos de validação do olhar estético, no qual, já sabemos,

o habitus e o capital cultural adquirido desempenham um papel fundamental, venham à luz.

A teoria do campo revela como se dão, para Bourdieu, os processos de estratificação

social, as estratégias produtoras das diferenças. Através da ideia de campo, pode-se

compreender melhor as condições sociais de legitimação da arte, por exemplo. Isso porque,

configurando-se como um espaço relativamente autônomo em relação a outros meios sociais, o

campo possui uma lógica própria, baseada na disputa pelo poder e no seu reconhecimento. É o

território das hierarquias institucionalizadas, da relação entre dominantes e dominados. As

práticas sociais que engendram o seu jogo são, portanto, bastante relevantes para o seu

funcionamento. Elas se voltam a interesses próprios de um campo.

Para entender melhor esse conceito, é preciso mencionar a visão weberiana de sociedade

moderna, na qual, como disse anteriormente, Bourdieu também se baseou. A ideia de campo

deve ser vista a partir da dinâmica capitalista da racionalização, referida por Max Weber ao

tratar do fenômeno da burocratização e, particularmente, da divisão social do trabalho. A noção

de campo refere-se a um “processo de especializaç~o crescente” (MICELI, 2007, p. XXII), capaz de

produzir olhares especializados e, por isso, distintos. Como observou Miceli (idem, p. XLIV), “os

diversos campos regionais de produção simbólica derivam sua autonomia relativa do trabalho

específico realizado por grupos de agentes especialmente treinados”. É essa especializaç~o,

associada a uma posse de capital escolar, que torna o campo um meio de domínio de

conhecimentos específicos, regido por normas próprias.

Mas, afinal, o que seria campo? Na definição de Bourdieu, os campos são esferas

autônomas e institucionalizadas, a exemplo do universitário, do artístico, do político, do

econômico, do religioso, da saúde etc. Como resultado de um processo de especialização do

trabalho, funcionam a partir de interesses particulares, que também se submetem a uma “lei

geral”. Por isso, s~o relativamente autônomos, podendo depender de lógicas externas a ele.

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Mesmo voltados a atenções específicas, todos os campos passam por processos

semelhantes, movidos pela disputa de poder, que se mostra também uma disputa por status na

sociedade. Os campos configuram-se, portanto, como espaços resultantes de um processo de

autonomização, decorrente de lutas por uma autonomia em relação a outras esferas sociais. Uma

vez constituídos esses espaços, as batalhas são mantidas em seu interior como estratégias de

legitimação e perpetuação de sua autonomia (sempre relativa) e credibilidade.

Internamente, cada campo é movido por disputas por poder e prestígio social, dadas por

condições sociais desiguais. Tal domínio, simbólico antes de ser material, está relacionado à

capacidade de se impor verdades absolutas, estabelecendo pontos de vista dominantes e

legítimos. Essas pelejas se dão de acordo com a posição social, que separa dominantes de

dominados. Essas posições, por sua vez, se distinguem segundo a posse de capital,

“simultaneamente o instrumento e o alvo das lutas de concorrência” (BOURDIEU, 2004, p. 170).

Os capitais são, portanto, formas de poder dentro do espaço social. Sendo estes constitutivos do

habitus, um elemento determinante de distinção, pode-se afirmar que a posição social no campo

é também determinada pelo habitus dos agentes/grupos, e vice-versa. Eles se munem do

acúmulo de capitais específicos, como no caso da arte, eminentemente cultural.

Comparando as posições dentro e fora do campo, Bourdieu traz uma visão particular em

relação à noção de classe social. Para ele não é apenas o capital econômico que determina a

posse dos modos e meios de produção materiais, tampouco uma posição de dominação no

espaço social. Segundo a concepção bourdieuziana,

os agentes estão distribuídos no espaço social global, na primeira dimensão de acordo com o volume global de capital que eles possuem sob diferentes espécies, e, na segunda dimensão, de acordo com a estrutura de seu capital, isto é, de acordo com o peso relativo das diferentes espécies de capital, econômico e cultural, no volume total de seu capital. (BOURDIEU, 2004, p. 154).

Esse peso relativo se refere à atuação em cada campo. Sendo a realidade uma dimensão

simbólica por excelência, a posse de capital simbólico é determinante, porque é o recurso por

meio do qual outros capitais se manifestam e são reconhecidos. Esse capital definidor da posição

de poder, que se expressa sempre de forma simbólica, é um “capital de reconhecimento ou

consagração, institucionalizada ou não, que os diferentes agentes conseguiram acumular no

decorrer das lutas anteriores, ao preço de um trabalho e de estratégias específicas” (idem, p.

170). Para o autor, não tem a ver necessariamente com notoriedade, mas com o poder de impor

um reconhecimento, o poder de impor verdades legítimas, o que se faz bastante evidente no

mundo onde as ideias e os valores imperam, como é caso da arte, da literatura ou da religião.

Nessas esferas, o que está em jogo é, portanto, um tipo particular de poder e prestígio.

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Para se ter uma noção melhor da lógica que opera um campo, vejamos rapidamente o

exemplo do campo religioso, modelo pelo qual, através da teoria da religião de Weber, Bourdieu

desenvolveu sua teoria do campo. Inserida nos processos de racionalização, a religião, ou o

trabalho religioso, opera distinções entre os que detêm o discurso dominante dos sistemas

simbólicos da crença religiosa e os que o seguem. Mas há ainda posições intermediárias,

dispostas a colocar o poder dominante em xeque e, dessa forma, tentar usurpá-lo. Os agentes

desse trabalho religioso s~o definidos por Weber como categorias ou “tipos ideais” (WEBER,

1994, p. 12), quais sejam: a classe dos sacerdotes, representada por grupos de funcionários

profissionais “capazes de exercer influência sobre os deuses, com todos os interesses materiais e

ideais daí resultantes” (MICELI, 2007, p. LV); o grupo dos profetas, “cujos interesses n~o s~o

atendidos pela religi~o dominante institucionalizada” (idem, p. LV-LVI); e a “massa” dos leigos,

alvo último das práticas voltadas à sistematização de uma ética religiosa. Há ainda outros

agentes, mas esse é o tripé central pelo qual se realizam as lutas no interior do campo.

Em suma, os sacerdotes são o corpo dos especialistas do saber tradicional dominante, a

voz do poder instituído, a “personificaç~o” da ordem divina. Eles lutam para manter sua posiç~o

dominante21. Já os profetas “veiculam ‘novos’ discursos em oposiç~o { doutrina estabelecida do

corpo dos sacerdotes” (idem, p. LVI). Representam n~o só inst}ncia “contracultural”, oposta ao

que está legitimado, mas sistematizam os interesses de grupos sociais contestadores da tradição

dominante, sendo intermediários deles, com vistas a uma tomada de posição22. Os leigos, por sua

vez, sendo ocupantes de diferentes posições na estrutura social, “confundem-se com os grupos

e/ou as classes sociais onde são recrutados e de cuja situação material e simbólica derivam seus

interesses, valores, disposições, constituindo, dessa maneira, o fiel da balança no campo

religioso”, como bem define Miceli (idem, ibdem). Isso n~o quer dizer que sejam conscientes do

jogo. Podem tomar partido de posições, correlatas às suas, mas daí ter ciência dessa tomada

coloca-se como uma outra questão.

É bom lembrar que, na visão de Bourdieu, o processo de dominação de uma verdade

dominante, resultante de lutas, n~o é possível sem um processo de “alienaç~o” (palavra menos

usada por ele). Em outros termos, a existência de um arbitrário cultural se fundamenta em

mecanismos que mascaram tanto o seu caráter arbitrário, socialmente construído, como o

aspecto dominador (e condicional) de sua existência. Para o autor, essa é uma questão que se

evidencia tanto no culto a Deus quanto na devoção à arte. E, sob a perspectiva sociológica, tudo

21 Como diria Weber (1994), a posição dominante configura-se como aquela que tem “a probabilidade de encontrar obediência para ordens específicas (ou todas) dentro de um determinado grupo de pessoas” (idem, p. 139), ou seja, que tende a exercer a “dominaç~o”. 22 Mesmo simbolizando a mudança, os profetas, para Bourdieu, costumam agir para mudar um discurso dominante e não a estrutura de dominação do campo, que a partir de sua tomada de posição tende a continuar hierárquica e voltada à imposição de uma (nova) ordem legítima. Eis um dos motivos por que Bourdieu é cético em relação à mudança social. Para o autor, os atores do campo agem para reproduzir mecanismos de dominação. A mudança maior, aliás, não poderia, segundo ele, vir de um só campo.

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isso só se torna possível existir a partir de um processo histórico de institucionalização do

campo, cujo grau de autonomia relativa deriva de “seu peso e efic|cia na tarefa de dominaç~o

bem como das determinações singulares que provoca a existência de agentes treinados e

ordenados segundo uma hierarquia interna de posições capaz de dar conta de suas disposições,

pr|ticas e discursos” (MICELI, 2007, p. LIII).

Estabelecendo uma ponte com a construção do campo religioso, Bourdieu (2007, p. 101)

enfatiza que:

da mesma forma [que a racionalização da religião], o processo conducente à constituição da arte enquanto tal é correlato à transformação da relação que os artistas mantêm com os não-artistas e, por esta via, com os demais artistas, resultando na constituição de um campo artístico relativamente autônomo e na elaboração concomitante de uma nova definição da função do artista de sua arte.

Vejamos agora, então, a lógica de funcionamento específica do campo artístico, a partir

do seu processo de autonomização por um grupo de agentes determinantes.

1.2.1. O campo artístico

Assim como os demais campos da sociedade, o campo da arte é resultado de lutas

históricas em prol de sua autonomia institucional, responsável por legitimar, no nível simbólico,

o status de determinados artistas e obras na história da arte. Segundo analisa Bourdieu, em As

regras da arte (1996), essa distinção se tornou possível através da construção de uma visão

essencialista, que concedeu à arte, graças a um corpo de agentes (artistas, intelectuais, filósofos,

estetas, historiadores etc.) situados no tempo, uma posição de prestígio, a partir da emergência

do discurso da “estética pura” para o “olhar puro” (estético), também produto desse processo.

O conceito de objeto artístico como algo que se situa acima dos humanos, transcende

qualquer período histórico e é fruto da criação de um artista cujo destino, cedo ou tarde, é a

glória “eterna” s~o alguns dos aspectos que engendram a construç~o desse campo. Um espaço

que sedimentou o valor da arte como o que emana uma essência única e demanda uma análise

distanciada dessa essência. Se a nós soa familiar, mesmo em graus distintos, a ideia de arte como

uma dimensão universal, atemporal, sublime, criada para a contemplação, reflexo da experiência

subjetiva do artista sobre o mundo, capaz de primar pela forma (ou pelo belo) em detrimento da

função, é porque essa é uma perspectiva que se fez dominante, a partir das lutas do campo por

sua legitimação, difundindo-se no pensamento ocidental como uma verdadeira crença.

Como já mencionei anteriormente, na abordagem sociológica o valor da arte não existe

per si. Ele nos foi ensinado por meio de um processo longo de aprendizagem, cuja visão

hegemônica teve um peso maior, consagrando-se e perpetuando-se por séculos para além do

campo artístico. Aliás, a relação que trava com os campos escolar e familiar, conforme apontei

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neste capítulo, foi fundamental na reprodução dessa crença. Sendo assim, o fato de a apreensão

da arte depender da aquisição de um conhecimento específico, incorporado pelo habitus e

manifestos sob a forma de uma competência artística, deve diretamente ao processo de

autonomização do campo artístico, capaz de dar à arte um prestígio social. Desse contexto, se

legitimaram as categorias de criação e percepção da arte. Por isso mesmo, para entender os

diferentes sistemas classificatórios, gostos e julgamentos manifestos a partir dos habitus

diferentes do público, é necessário compreender a lógica de funcionamento do campo, onde

quem tem a “voz da verdade” pertence a posições dominantes, detentoras dos discursos

instituídos e, portanto, mais influentes.

Procurar desvendar os mecanismos sociais de validação da arte significa nadar contra a

maré do essencialismo, que sobreviveu muito bem ao encobrir – em detrimento de uma

preocupação com a abordagem internalista da obra – “as condições sociais da produç~o (ou

invenção) e da reprodução (ou inculcação) das disposições e dos esquemas classificatórios que

encontramos aplicados na percepção artística” (BOURDIEU, 1996, p. 326). A tarefa sociológica se

coloca, portanto, na direção de apontar essas condições, derivadas de interesses específicos, que

se concretizaram não apenas por meio de um discurso dominante, mas através de um processo

de profissionalização da arte, dos artistas e de seu mercado, conforme mostra o autor (idem) na

sua análise da gênese do campo literário.

Para mostrar o processo de formação desse campo, o autor se debruça sobre a análise

histórica do seu embrião: a França da segunda metade do século XIX, de onde emergiu um grupo

de intelectuais empenhados em legitimar justamente a ideia da “estética pura”, ou da “arte pela

arte”. Uma concepç~o que j| vinha se consolidando, vale lembrar, desde Kant, em fins do século

XVIII. Transitando entre a burguesia (salões) e o operariado (bares), os escritores dessa época

pregavam uma literatura formal; que não fosse nem como a arte burguesa e oficial de então –

para eles, comercial e conformista – nem como a arte social e engajada dos “intelectuais

proletaróides” (idem, p. 78). Articulando uma posiç~o ambivalente, artistas renomados como

Gustave Flaubert fizeram emergir uma campanha bem-sucedida pró-estética pura, segundo

observa Bourdieu (idem, p. 97-98):

[...] o desprendimento esteta, que, como se verá, constitui o verdadeiro princípio da revolução simbólica que operam, condu-los [SIC] a romperem com o conformismo moral da arte burguesa sem caírem nessa outra forma de complacência ética ilustrada pelos defensores da “arte social” e pelos próprios “realistas” quando, por exemplo, exaltam a “virtude superior dos oprimidos”.

Como sabemos, o valor literário e artístico de forma geral, centrado na forma e no olhar

do esteta, deve muito a essa batalha, de onde emergiu não apenas a importância da arte e do

artista, do “mestre como um fetiche” (idem, p. 330), mas também as inst}ncias legitimadoras de

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produção e difusão, responsáveis por fazer moer a máquina da economia dos bens culturais,

“capazes de impor uma medida específica do valor do artista e dos seus produtos” (BOURDIEU,

1996, p. 330).

Não significa afirmar que o campo artístico tenha se tornado autônomo somente a partir

desse grupo de escritores, muito menos que a visão essencialista da arte tenha nascido desse

processo específico. Conforme alerta Bourdieu (idem), o foco analítico no campo literário francês

não nos desautoriza a pensar a respeito da formação do campo da arte como um todo, incluindo

o das artes plásticas. Para o autor, trata-se de “um exemplo ideal-típico” (idem, p. 323), que traz

em seu bojo “variantes da an|lise kantiana” (idem, ibdem), presente também nos demais

campos. Esse pensamento estético remonta sua gênese ainda, conforme lembra o autor (2007),

ao renascimento, à Florença do século XV, em seu movimento de valorização da assinatura do

artista e do seu virtuosismo clássico, ideal de perfeição no mundo das belas artes e da arte como

um todo. No entanto, é apenas nos 1800, período da consolidação e profissionalização dos

mercados de bens simbólicos europeus, que esse ideário se legitima e se difunde. Daí a

importância de analisar a emergência do campo literário.

De acordo com Bourdieu (idem), o grau de autonomia relativa de um campo mostra-se

tanto mais forte quanto mais complexas e desenvolvidas forem suas instâncias de legitimação e

difusão, capazes de impor os códigos, os signos e as sanções de validação de uma visão

hegemônica. E para funcionar, faz-se necessário que haja também uma perspectiva contra-

hegemônica, baseada em discursos antagônicos aspirantes à legitimação, segundo interesses de

outros grupos. É preciso haver ainda leigos ou amadores, de diferentes posições sociais, capazes

de completar o movimento de validação de um pensamento. Se pensarmos no campo das artes

visuais atualmente, elencaríamos principalmente um corpo de especialistas (marchands,

curadores, críticos, estudiosos etc.), defensores de discursos diferentes (em prol da arte

classificada ou da arte contemporânea), além de um público, que se divide não apenas segundo a

obra, mas de acordo com sua “capacidade” de dialogar com essas obras (entre iniciados e n~o

iniciados). Procedo agora com a conclusão desta fundamentação teórico-metodológica, no

sentido de tentar problematizar alguns dos pontos da sociologia de Bourdieu.

1.3. Bourdieu no contexto brasileiro contemporâneo

Muitas das críticas dirigidas ao pensamento de Pierre Bourdieu costumam especular

sobre a validade de sua teoria para além do contexto francês que a gerou, marcado pela

excelência de uma cultura erudita. O sociólogo argentino Néstor García Canclini (1997) é um dos

autores que apontam essa questão, ao abordar as condições sociais de um território distinto do

europeu, no qual foca seus estudos: a América Latina, contexto também do presente trabalho.

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Para ele, há no território latino-americano particularidades, como um sistema educacional

deficiente, museus precários e pouco sólidos, a tradição rendendo-se ao espaço da cultura de

massa, assim como a cultura popular se transformando em função de uma realidade que é

híbrida por excelência. Um espaço, do qual Brasil é um bom exemplo, onde as fronteiras entre a

cultura erudita e popular são menos marcadas socialmente – talvez mais aparentemente.

Segundo Canclini (1997), suas pesquisas com o público de arte no México, nos anos

1980, até apontaram uma tendência semelhante à mostrada pela pesquisa de Bourdieu e Darbel

(2007) com os visitantes de museus europeus, ao comprovarem que a frequência nas

instituições de arte tem forte correlação com o nível de instrução do público. No caso mexicano,

61% dos respondentes possuíam ensino superior ou estavam cursando universidade. No

entanto, pondera Canclini (1997, p. 146), “mesmo a maioria com formaç~o universit|ria n~o

estava habituada a diferenciar o formal do funcional, o belo do útil”. Esse me parece ser um

raciocínio correto, com o qual compartilho neste trabalho, realizado em um país, onde, conforme

detectou pesquisa do IBGE23 (2007), 93,4% da população nunca frequentaram nenhuma

exposição de arte e 92% jamais foram a um museu.

No entanto, os próprios Bourdieu e Darbel (2007) já haviam tratado de questões

semelhantes, quando compararam a frequência das práticas culturais com as opiniões emitidas

por visitantes de diferentes países europeus, capazes de distinguir o público da França e da

Holanda em relação ao da Grécia e da Polônia. Essa precariedade latino-americana a que se

refere Canclini (1997) se explica, no que tange à questão da educação, pela existência do que os

autores franceses chamam de “capital cultural nacional” (BOURDIEU; DARBEL, 2007, p. 66), que

pode ser avaliado “pelo grau de desenvolvimento do sistema de ensino (e pela antigüidade desse

desenvolvimento), assim como pela importância do capital artístico que, por sua vez, depende da

antigüidade e da vitalidade das tradições artísticas” (idem, ibdem). Portanto, o fato de não haver

nem instituições nem um público devidamente formados em um país como o Brasil não impede

que possamos interpretar os dados a partir de uma outra condição social, que, aliás, também

herda, em graus diferentes, uma visão dominante sobre a arte, que assim mesmo opera, ainda

que precariamente, sob a lógica de funcionamento de um campo. Não considerar essas

diferenças seria até contraditório com a visão de Bourdieu, cuja teoria não deixa, sim, de ter

validade em outros territórios, como o nosso, t~o influenciado pelos valores do mundo “dele”, o

Velho Mundo.

Outra crítica recorrente ao seu trabalho diz respeito à sua negligência com o papel

desempenhado pela indústria cultural e pelos meios de comunicação de massa no consumo

cultural e na formação de gosto, como fizeram Adorno e Horkheimer (2002), por exemplo. Sobre

23 Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic) 2006, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 5.564 cidades.

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isso, é interessante observar que se é verdade que a arte deve ser vista no contexto atual de

ampla oferta dos produtos de entretenimento, também o é que a cultura de massa se apropria da

lógica da arte quando lhe convém. Mas se a especialidade dessa indústria é se relacionar a um

gosto médio, que ela mais se apropria e difunde do que propriamente produz, esse mesmo não

pode ser visto como uma massa homogênea. E mais uma vez o próprio Bourdieu (2007, p. 136),

sem descartar a relação travada entre os campos da produção erudita e da indústria cultural,

parece apontar um caminho: “a arte média em sua forma típico-ideal destina-se a um público

muitas vezes qualificado de médio [...] e mesmo quando não se dirige especificamente a uma

categoria determinada de não produtores está em condições de atingir um público socialmente

heterogêneo”, ou seja, de habitus e níveis de capital cultural diferentes.

No caso específico da arte, a crítica de Peter Bürger, mencionada pelo próprio Bourdieu

(2004), parece ser pertinente, quando afirma que o autor francês reduz o campo artístico a um

campo de poder. Não teria o aspecto formal da arte em si um caráter transgressor? Não teria o

seu valor para além da distinção? O próprio Bourdieu já deu sinais positivos, a questão é que isso

só é possível para poucos. Por ora, o que me parece merecer aqui uma atenção maior, já que ele

se voltou a outras preocupações, é entender qual o modo (se há) de percepção legítimo da arte

contemporânea, dado que seu discurso se opõe justamente à tradição do olhar estético. Estaria

essa nova forma de percepção legitimada ou em vias de consolidação? Existiria mesmo a

intenção de se instaurar um parâmetro estético? A defesa de múltiplas interpretações não seria

apenas uma manifestação de uma disputa por legitimação no campo?

Não há como ignorar os dados levantados pelo próprio Bourdieu (2008) quando afirma

que a experimentaç~o formal “moderna” cria também seus mecanismos de exclusão e erudição,

exigindo um nível ainda maior de instrução do espectador para apreciá-la. No próximo capítulo,

procuro, então, problematizar o conceito de arte contemporânea e de sua apreensão, a partir da

ideia de antiarte, ou seja, antagônica ao que se estabeleceu no processo de autonomização do

campo artístico como visão dominante – da “estética pura” para o “olhar puro”.

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2. A “ANTIARTE” FRENTE A ARTE A CONSTRUÇÃO-DESCONSTRUÇÃO DO DISCURSO DA ARTE CONTEMPORÂNEA NO CAMPO

“Estou contra a palavra ‘anti’, porque é mais ou menos como o ateu em comparação com o crente. E um ateu é um homem tão religioso como é o crente e um antiartista é tão

artista como outro artista.” Marcel Duchamp24

No capítulo anterior, procurei argumentar a validade da teoria de Pierre Bourdieu para

entender como se estruturam os mecanismos de consolidação de uma visão dominante acerca

da arte. A partir da lógica de funcionamento do campo, e particularmente do processo de

autonomização do campo artístico, o autor evidencia como se opera a construção de um olhar

legítimo sobre as obras, capaz de reconhecer e reforçar um paradigma de arte. Além disso, sua

reflexão contribui para perceber os processos de reprodução desse ideal, em especial o

essencialista, que se dá através das instâncias legitimadoras e difusoras do campo, bem como da

sua relação com outras instituições sociais. A escola e a família, como se sabe a partir de

Bourdieu, contribuíram para consolidar um dado valor cultural de arte, reforçando uma corrente

de pensamento em torno da produção artística tradicional.

Dito isso, se um sistema normativo se sedimentou nesse território, como pensar agora na

emergência de um novo paradigma da arte, cujo discurso se volta justamente contra ou

impróprio {s leis da “estética pura” e da visão essencialista, estabelecidas na formação e na

autonomia desse campo? Ao longo das próximas páginas, sigo na trilha de Bourdieu, a fim de

mostrar que a teoria do campo se apresenta também como o recurso coerente para entender os

mecanismos de afirmação da chamada arte contemporânea, e em que medida seus discursos

legitimadores fundamentam ou n~o um “olhar legítimo” sobre sua produç~o, compreendida aqui

dentro do termo “artes visuais” – que na prática, aliás, extrapola a própria ideia de visual. Será

que há de fato uma tentativa de instaurar um modo de percepção próprio por parte de

especialistas contemporâneos? De uma forma ou de outra, os atores e os grupos interessados

nessa produção parecem se articulam o tempo inteiro para validar um discurso e legitimar a

própria arte “decorrente” dele, mesmo que sob uma lógica pretensamente distinta e oposta da

que marcou o paradigma essencialista, sob o regime dos imperativos estéticos e estilísticos. As

próprias certezas do campo artístico até então.

Mas, afinal, qual seria o discurso da arte contemporânea e de que maneira poderia, uma

vez incorporado ao habitus, dirigir o nosso olhar, os nossos julgamentos, as nossas preferências?

É justamente nessa direção que vai este capítulo, cuja busca não pode se empenhar

simplesmente em responder a essas perguntas, mas em debater a dificuldade e o sentido de uma

resposta, já que se trata de uma área marcada pela defesa da multiplicidade dos sentidos de arte

24 Citação tirada do livro Arte é o que você e eu chamamos arte (2002), de Frederico Morais, a partir da entrevista Marcel Duchamp speaks, concedida à BBC de Londres, em 1959.

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abarcados, pela proclamaç~o de uma “falta de unidade estilística” ou de uma ausência de

“direcionamento narrativo”, como pontua Arthur Danto (2006, p. 15). Na percepç~o do autor e

de teóricos contemporâneos, a exemplo de Raymonde Moulin (2007), trata-se de uma outra

forma de definir a arte, balizada pela própria indefinição e imprecis~o, sendo “o lugar da

incerteza m|xima” (idem, p. 9). Para Danto (2006, p. XVI), o “momento contempor}neo da arte”

ou “pós-histórico”, conceito que darei maior atenç~o mais na frente, é pontuado por um

“profundo pluralismo e total toler}ncia”, onde “nada est| excluído” (idem, ibdem).

Sem aprofundar muito, procuro também problematizar neste capítulo quais os limites

dessa “imposiç~o” de n~o limites, j| que o conceito de arte aqui trabalhado pressupõe o

estabelecimento de convenções sociais no campo. Mesmo que o critério seja o “n~o critério”, isso

também evidencia problemas de legitimação do que seja arte. Antes, contudo, de trazer essas

questões, imbricadas na própria concepção de arte contemporânea, alerto que minha pretensão

não é nem enquadrá-la na condição de um gênero estético, estabelecido como um conjunto de

continuidade das correntes vanguardistas; e tampouco como um “guarda-chuva” generoso, onde

qualquer tipo de obra produzida nos dias atuais pode receber abrigo.

A despeito das confusões do senso comum, muitas vezes propagadas por parte dos

próprios historiadores, teóricos e críticos de arte – o que é bastante plausível se considerarmos

as próprias indefinições desse momento –, tem se firmado um consenso entre autores da arte

contemporânea (CAUQUELIN, 2005; DANTO, 2006; DUARTE, 2008; HEINICH, 2008; MILLET,

1997; e MOULIN, 2007) de que ela não pode ser concebida a partir da literalidade do termo

“contempor}neo” nem em conson}ncia com a express~o “moderna”. Se fosse sinônimo do que se

faz na atualidade, aniquilaríamos o estabelecimento de um discurso particular e admitiríamos

uma miscel}nea de consensos artísticos convivendo em um tipo de “saco de gatos” sem disputas

nem hierarquias. Mas não é assim que funciona. A convivência mostra-se desigual e o “pode

tudo” contempor}neo sabe bem se posicionar em tempo de n~o admitir toda a produç~o

artística do presente, mesmo sob o “|libi” da pluralidade, capaz de acomodar em seu terreno, se

necessário, algumas concessões (obras não propriamente da arte contemporânea).

Por se inserir em um campo consagrado por um ideal de arte, o moderno, a arte

contemporânea vincula-se a grupos cujos interesses têm sido lutar na direção contrária pela sua

legitimação, ou seja, por uma tomada de posição no campo artístico onde uma visão oposta a

dela ainda parece ser ainda dominante. Por isso, mais adequado aqui é tomar o seu conceito

como um paradigma artístico, portanto excludente (apesar da celebração inclusiva), que se firma

a partir de uma lógica totalmente nova de arte. Lógica essa que fez Arthur Danto (2006) e Hans

Belting (2006) atentarem para um “fim da arte” ou, mais precisamente, para o fim de uma

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história da Arte, tal qual se concebia até o modernismo25, sob a égide do paradigma essencialista,

cujo ápice se deu a partir da radicalização de uma estética pura. Isso não implica, portanto,

considerar a arte contemporânea como mais um capítulo sequencial do desenvolvimento

histórico da “arte moderna”, mas justamente um rompimento do seu car|ter narrativo

estilístico. Para Danto (2006), essa é a chave para entender o novo momento da arte. Para este

trabalho, a forma como se engendra um novo discurso artístico, aliás, cheio de audácia e

ambição perante o status da aura e da grandeza criativa.

Embora Raymonde Moulin (2007, p. 25) afirme que a partir dos anos 1980, quando

termo arte contempor}nea começou a se estabelecer, “as competições no }mago do campo

artístico não tinham mais, então, a claridade de dois campos – os antigos e os modernos”, n~o

podemos pensar a emergência da arte contemporânea sem considerar a oposição ao paradigma

essencialista moderno. Seja ela consciente ou não entre seus agentes (artistas e especialistas).

Tudo isso faz Danto (2006), ao filosofar e teorizar a respeito da “nova arte”, reiterar seu esforço

em “traçar uma distinç~o bastante precisa entre ‘moderno’ e ‘contempor}neo’” (idem, p. 13), a

fim de evitar confusões.

Considerando essa cisão, não seria possível conceber tal antagonismo como parte de

uma lógica moderna de sucessão de estilos concorrentes, vinculados a um mesmo sistema de

pensamento (clássico x barroco; romântico x realista; figurativo x abstrato etc.). E nem mesmo

como a oposição firmada entre modernos e antigos, ou vanguardistas e acadêmicos, a partir do

modernismo. A arte contemporânea é uma ruptura a um ideal de arte, a uma cadeia historicista,

não às obras de arte do passado propriamente. Propõe-se a ser uma visão antiessencialista de

arte ou “impura”, como j| falou o famoso crítico Clement Greenberg26. Sua postura antagônica

em relação ao paradigma moderno essencialista27, que engendrou a própria ideia de arte no

campo, forjando sua autonomia relativa, é a primeira condição para entender as mudanças tanto

no discurso quanto na prática de uma produção que começou a se firmar nos anos 1960.

Portanto, ambos os paradigmas serão aqui explorados.

Se na prática essas disputas não aparentam ser tão evidentes quanto antes, segundo

mostra Moulin (2007), não quer dizer que as oposições deixaram de existir. Em um livro

ensaístico, em um texto curatorial ou mesmo difusas na fala de uma parte do público, elas

tornam a aparecer sempre que for preciso afirmar um determinado status de arte.

25 Como verei, a experimentação formal do modernismo e das vanguardas é tanto reforço do ideal essencialista, principalmente na pintura, quanto a preparação do terreno para a arte contemporânea. 26 Thierry de Duve (1998) e Arthur Danto (2006) enfatizam essa visão de Greenberg, tido como o porta-voz da narrativa moderna, em sua apologia ao formalismo na arte, sobretudo na pintura modernista. 27 Não se resume ao termo modernista, como mostrarei mais na frente.

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2.1. Visões em disputa

No artigo Para acabar com a discussão sobre a arte contemporânea, Nathalie Heinich

(2008) chama atenção para o fato de que a noção de paradigma é excludente e intolerante. Na

visão de Pierre Bourdieu, isso ocorre porque dentro de um campo, a verdade dominante se

impõe como legítima e seus agentes lutam para mantê-la (e se manter) nessa posição. Se Heinich

(idem) coloca que “pode haver coexistência de paradigmas heterogêneos somente em momentos

de crise, nos quais pelo menos dois paradigmas entram em concorrência” (idem, p. 182),

Bourdieu explica que isso acontece no período em que as lutas pela tomada de posição (pela

derrubada de uma verdade dominante) se tornam mais evidentes, embora nunca cessem.

Na verdade, a noção de paradigma em Heinich (idem) está baseada em Thomas Kuhn

(1994), que a sociologia já tratou de rever sob uma perspectiva bastante crítica. Ao sistematizar

sua visão, o autor (idem) apóia-se nas ciências naturais para construir a ideia de um consenso

paradigmático, resultante de uma acomodação pós-período de “crise” suscitado por uma nova

descoberta na comunidade científica. Acontece que isso parece ser pouco aplicável para o

entendimento dos processos sociais. Sob uma perspectiva “pós-positivista”, Jeffrey Alexander

(1999, p. 36) defende que “as condições das ciências sociais tornam altamente improv|vel o

consenso sobre a natureza exata do conhecimento empírico – para não falar do consenso sobre

leis explicativas”. Para Alexander (idem) ou para Bourdieu (1994; 2004), de uma forma geral, o

que move a sociologia ou mesmo as relações sociais é a existência de um dissenso permanente,

independente de haver um ponto de vista hegemônico.

O caso da arte contemporânea parece se aplicar a uma lógica de disputa no campo,

sobretudo a partir do momento em que seus agentes tomam consciência de que tudo pode ser

uma obra arte. Ocorre que, na percepção de Nathalie Heinich (2008), trata-se agora de “uma

situação de crise de paradigmas complicada pelo fato de que os paradigmas em questão não são

dois, mas três” (idem, p. 183). Ela se refere a três maneiras de conceber a arte hoje em dia: arte

clássica, arte moderna e arte contemporânea. Apesar de entender essa divisão, acredito que

sejam desdobramentos da oposição maior entre os paradigmas essencialista – com gênese na

tradição clássica renascentista e ápice no modernismo –, e antiessencialista, referente à arte

contemporânea. E não se trata de uma crise, mas da convivência de visões em disputa.

De toda forma, a observação de Heinich (idem) ajuda a entender a convivência desigual

entre pontos de vista dicotômicos, que para ela deveriam ser postos de forma harmoniosa, como

simples gêneros, o que parece ser uma utopia sob a perspectiva bourdieuziana de campo. Ao que

parece, os defensores de ambos paradigmas continuam empenhados em suas lutas, seja sob o

argumento da preservação de uma sólida história da arte, de um lado; seja pela inserção, cada

vez maior, em um circuito expositivo e mercadológico internacional, do outro. Sim, a arte

contemporânea, apesar de se colocar além da história, almeja um lugar ao sol, dá sinais de que

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quer reconhecimento, de que reclama para si um status de arte – talvez de outro tipo, mas arte.

Não exatamente o prestígio popular (embora às vezes necessário), mas o consagrado pelo gosto

culto, do alto padr~o cultural “libertador”. Ainda que defendam, em algum momento, uma

“antierudiç~o”, curadores, artistas, galeristas, teóricos e críticos lutam o tempo inteiro para

mostrar que “antiarte” também é arte, muitas vezes “culpando” o desentendimento do público,

ou justificando a sua falta de conhecimento. Como disse Duchamp (1959 apud MORAIS, 2002),

na epígrafe deste capítulo, “um antiartista é t~o artista como outro artista”.

Considerando que uma visão dominante, como reinou durante muito tempo a

essencialista, se impõe a partir do campo como uma verdadeira crença, segundo argumenta

Bourdieu (1996), poderia cogitar que a arte contemporânea, vista sob a perspectiva atual,

também trabalha para angariar seus devotos. E sendo assim, penso ser pertinente fazer aqui

uma breve analogia da oposição essencialista versus antiessencialista na arte com a disputa

ideal-típica do campo religioso, mencionada no capítulo anterior, protagonizada pela luta entre

sacerdotes e profetas. Servindo de parâmetro para Bourdieu pensar a própria formação do

campo artístico, a partir de Weber, as disputas entre essas categorias religiosas ajudam a

entender o que está em jogo na lógica de funcionamento dos espaços que se tornaram

autônomos a partir de competências específicas ou “puras”. Obviamente que no caso da arte, a

rivalidade entre os discursos se reveste de questões específicas, do terreno estético e criativo,

mas o alvo das lutas parece similar: manter ou obter uma posição dominante no campo, capaz de

impor uma verdade legítima – seja ela travestida pela singularidade ou pela multiplicidade. Eis a

“lei” comum a todos os campos.

Para Bourdieu (2004, p. 173), “[...] através da imposiç~o de uma definiç~o da pr|tica

legítima, é a regra do jogo mais favorável a seus trunfos que acaba se impondo a todos (e

sobretudo, pelo menos no limite, aos consumidores), são as suas realizações que se tornam a

medida de todas as realizações”. Por isso, n~o é t~o difícil entender o motivo pelo qual a

articulação dos profetas e sacerdotes com os leigos, outra categoria religiosa, mostra-se

preponderante na busca e na afirmação de poder dentro do campo.

Dito isso, vejamos então a comparação das disputas entre os atores no campo da arte e

no da religião. Retomando rapidamente, os sacerdotes representam o corpo de profissionais

defensores da tradição dominante, são a voz do poder instituído, a posição dominante no campo,

ao passo que os profetas representam os interesses de grupos sociais contestadores da tradição

dominante, com vistas a uma tomada de posição ou poder. Como foi dito anteriormente, mesmo

agindo em prol da mudança, os profetas, para Bourdieu, pretendem transformar o discurso

dominante, mas n~o a estrutura de dominaç~o do campo. Sendo assim, n~o penso ser “forçado”

afirmar que os especialistas da visão essencialista na arte, perpetuada por séculos, estão para os

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sacerdotes, assim como os defensores da arte contemporânea, para os profetas. E isso não tem a

ver, reitero, com a oposição entre modernistas e clássicos, no fim abarcados pelo mesmo ideal.

Para manter ou conquistar uma posição de prestígio, os sacerdotes e profetas estão

dispostos a lutar. Não é à toa que ainda são comuns os ataques à arte contemporânea por

defensores do paradigma moderno, e vice-versa. E isso vale menos para o público do que para

especialistas, a quem é concedido o poder e a incumbência da homologação (MOULIN, 2007, p.

26). Exemplo disso é o discurso enfurecido do escritor e crítico de arte Affonso Romano de

Sant’Anna (2003), que n~o se legitimou exatamente como esteta das artes pl|sticas, mas n~o

deixa de ser alguém dotado de um habitus culto. Seus julgamentos às obras contemporâneas

passam por adjetivos como “cloaca artística” (idem, p. 39) ou “o enigma vazio” (idem, p. 19). Do

outro lado, já vimos curadores afirmar que a pintura está morta, à luz de Duchamp.

Como afirmou Sergio Miceli (2007), os leigos, que poderíamos comparar ao grande

público de arte (amador, não especializado), oscilam como uma espécie de balança do campo,

confundindo-se de forma quase inconsciente com os interesses dicotômicos. Mas isso também

depende da sua posição no campo, determinada pelo habitus e pela posse de capital cultural.

Vale lembrar que com graus de instrução desiguais, os amadores da arte nem sempre são

inseridos nesse jogo, sobretudo quando se mostram desprovidos do próprio sentido do jogo, que

se naturaliza entre os participantes dotados de pelo menos algum entendimento sobre arte –

seja qual for o paradigma em questão. Daí por que analisar o olhar do público não seja uma

tarefa simples, tal qual separar times de interesses distintos. Há diferenças a serem postas.

Faz-se necessário entender também que as oposições entre os discursos da arte nem

sempre são fáceis de serem identificadas nas práticas artísticas e mesmo críticas e curatoriais.

Isso se levarmos em conta sobretudo o momento atual da arte contemporânea, de “ruptura

continuada”, para usar a express~o de Pierre Bourdieu e Alain Darbel (2007, p. 77), ou de

profundo pluralismo, tal qual atentou Arthur Danto (2006). Segundo Anne Cauquelin (2005), o

fato de artistas como Marcel Duchamp e Andy Warhol terem sido agentes importantes no

estabelecimento do paradigma antiessencialista, mudando o entendimento do que seja uma obra

de arte, não significa dizer que a arte contemporânea segue à risca as suas concepções artísticas.

Para a autora (2005, p. 127), “o que encontramos atualmente no domínio da arte seria muito

mais uma mistura de diversos elementos; os valores da arte moderna e os da arte que nós

chamamos de contempor}nea, sem estarem em conflito aberto, est~o lado a lado”.

No entanto, ainda que exposições, galerias e bienais contemporâneas incluam de fato, na

prática, uma variedade complexa de trabalhos artísticos (objetos e não objetos), que podem

admitir, de alguma forma, o referencial estético moderno, não quer dizer que a arte

contemporânea não introduza seu próprio jogo e se alimente dele. Defende-se sob a marca do

sem fronteiras, mas é justamente quando vai na trilha das heranças mais radicais deixadas por

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nomes como Duchamp e Warhol, além de outros, que parece justamente se diferenciar,

provocando as reações mais antagônicas. Na vis~o de Nathalie Heinich (2008, p. 186), “a arte

contemporânea se fundamenta essencialmente na experimentação em todas as suas formas de

ruptura com o que a precede”28. Além disso, argumenta a autora (idem, p. 187), “essa

transgressão sente sua maior rejeição quando altera parâmetros fundamentais da arte moderna,

que são a subjetividade da expressão, como no minimalismo ou na arte conceitual, e sua

autenticidade, como nas instalações e nas performances [...]”.

Mesmo concordando em parte com esse argumento, que traz luz para o entendimento da

arte contemporânea, sinto ser preciso ir além dessa definição. Não posso deixar de considerar a

complexidade de se definir um paradigma que ainda se mostra impreciso e aparentemente

desinteressado nas certezas, sobretudo no seu discurso. Talvez estejamos vivendo em um

período de crise contínua e, desse modo, de convivência de mundos da arte “paralelos”, com seus

próprios funcionamentos cooperativos, para usar o conceito de Howard Becker (1984). Nathalie

Heinich (2008) parece ter raz~o quando afirma que, nesse sistema plural, “a ilegitimidade de uns

se torna a legitimidade de outros” (idem, p. 182). Mas isso parece só reforçar que mesmo com

seus próprios mecanismos de validação, os paradigmas não estão em lua de mel.

Na verdade, a história não é estanque em suas fases e os valores do paradigma

essencialista moderno, expressos na criação artística ou nos julgamentos, seguem vivos e

protegidos pelo peso da história da arte de que falou Belting (2006) e Danto (2006). E é

importante lembrar que essa convivência múltipla não existe sem que haja uma hierarquia.

Mesmo que uma legitimaç~o “relativa” se dê nos diferentes “mundos artísticos”, como ressaltou

Becker (1977) e pontuou Heinich (2008), torna-se preciso considerar o “peso” dos diferentes

paradigmas dentro do campo artístico e fora dele (no mercado, na escola ou na família). Ao que

parece, a vis~o forjada pela “era da arte” (DANTO, 2006, p. 5) parece ainda seguir dominante,

ainda que seja possível vislumbrar o seu “fim”, sob a perspectiva de uma outra lógica de arte.

Sendo assim, pretendo mapear, a partir daqui, o que configura de forma mais

significativa cada um dos discursos paradigmáticos postos nesse campo, marcados por

distinções. Sintetizo-os nos termos essencialista moderno e antiessencialista contemporâneo.

Embora possa haver algumas semelhanças entre eles, apresentam-se como polos contrários,

influenciando maneiras distintas de apreciação e legitimação da produção artística. No entanto,

alerto que não são como gêneros artísticos antagônicos, para serem aplicados a obras

correspondentes, segundo métodos da história da arte ou da estética. Paradigmas vão além.

Pretendo ainda abordar o período modernista, das vanguardas históricas, como um

momento de transição, sendo tanto o reforço do paradigma essencialista moderno, a partir da

28 Isso n~o quer dizer que admitir uma “essência” para a arte contempor}nea seja uma tarefa f|cil ou possível, já que seu discurso se constrói justamente por um paradigma antiessencialista.

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evolução da pintura figurativa à abstrata, quanto o dilaceramento de suas próprias certezas,

dando vazão ao experimentalismo formal e artístico. É justamente nesse ponto que a arte

contemporânea pode ser pensada em outros termos de arte.

2.1.1. Da mimese ao abstracionismo (o paradigma essencialista moderno)

Devo dizer que lidar com o termo “moderno” inspira cautela. Autores que se debruçaram

sobre o assunto, como David Harvey (2001) e Krishan Kumar (1997), ou até mesmo teóricos da

arte, como Anne Cauquelin (2005), já atentaram para essa questão. De fato, há muitos aspectos

para se abordar a respeito de uma era como a modernidade, cuja definição passa

necessariamente por ambiguidades e adjetivos absorvidos pelo senso comum (“moderno”,

“atual”, “novo” etc.). E se formos nos ater {s delimitações históricas, mesmo assim vamos

encontrar teóricos hesitando em determinar seus limites até os dias atuais. Estaria o projeto

moderno inacabado? Ou ultrapassado?

Sem entrar nessa discussão, aqui menos relevante, chamo atenção para o fato de que

atribuir { arte a ideia de “moderno” também n~o se mostra uma tarefa simples, especialmente se

o propósito for ir além das datas que marcam o conceito de arte moderna como movimento

estético iniciado na segunda metade do século XIX. É preciso, portanto, como aconselha

Cauquelin (idem, p. 23), “definir seu uso no domínio do exercício onde se pretende utiliz|-lo,

caso se queira manter um propósito coerente”. Assim pretendo fazer aqui. Para a autora (idem,

p. 28), a arte moderna se define como o momento do “regime de consumo” linear, ligado { lógica

da sociedade industrial, e seu projeto estético se volta { ideia do “novo” como um valor maior.

Cauquelin (idem) relaciona a arte moderna ao conjunto de movimentos e artistas que começam

a atuar a partir da segunda metade do século XIX (por volta de 1860), adentrando até meados do

século XX, quando a arte contemporânea começou a emergir. Em outras palavras o que também

conhecemos por modernismo ou vanguardas históricas.

Estão de acordo com essa designação diferentes autores, como o próprio Arthur Danto

(2006), com a diferença de que ele aponta o modernismo como o momento – situado mais ou

menos entre 1880 e 1965 (idem, p. 72) – em que o conceito de arte moderna é estabelecido a

partir da criaç~o de uma estética pura, de uma arte pela arte. “Com o modernismo, as próprias

condições de representação tornaram-se centrais, de modo que a arte de certa forma se tornou o

seu próprio assunto” (idem, p. 9). O raciocínio de Danto (2006) coincide com o de Pierre

Bourdieu (1996), quando este relaciona o processo de autonomia do campo artístico à invenção,

no século XIX, de uma arte “pura” dirigida a um olhar “puro” (estético). Mesmo que não se refira

ao modernismo das artes plásticas, mas à literatura, Bourdieu está empenhado em evidenciar a

consolidação de um ideal essencialista que fez a arte, em suas diferentes manifestações, se

legitimar como um campo e, portanto, uma área de conhecimento independente, com sua

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“essência”, sua especificidade. O enfoque na estética cumpre essa funç~o. É nesse sentido que

trato aqui desse paradigma, embora o entenda como um modelo que venha sendo construído

antes mesmo do modernismo. De alguma maneira, assim também compreende Danto (idem),

quando trata do desenvolvimento de esquemas narrativos a partir da criação, na modernidade,

de uma “era da arte”, termo que toma emprestado de Hans Belting (1994 apud DANTO, 2006).

Considerando isso, e como alertou o próprio Bourdieu (2007), é preciso atentar para o

embrião desse paradigma: o renascimento e a tradição clássica. Por isso, quando Nathalie

Heinich (2008) separa a arte clássica da moderna está, no fundo, promovendo uma cisão

internalista, estilística, ou expondo contradições de uma mesma visão sacralizadora e

autonomizadora da arte. O paradigma essencialista, ou seja, o estabelecimento de um discurso

próprio do campo artístico na modernidade, se constrói através da evolução de um polo a outro

(clássico-moderno), principalmente por meio do desenvolvimento da pintura. Em outras

palavras, o amadurecimento desse paradigma vai desde a consagração de uma arte figurativa e

realista (mimética) até as expressões mais abstratas do modernismo, capazes de coroar no

campo um discurso pró-estética pura, mesmo que inconscientemente ou intuitivamente29. Sem

considerar o desenvolvimento de uma técnica pictórica nos moldes acadêmicos, fica quase

impossível compreender a livre expressão dos artistas em direção ao impressionismo, ao

cubismo ou, mais tarde, ao expressionismo abstrato, responsáveis por levar a arte à sua

plenitude formal. Faz parte do movimento de construção desse ideal.

Além do trabalho dos atores do campo aliado ao processo de profissionalização do

mercado de arte, como verei a seguir, tudo isso só foi possível graças ao estabelecimento secular

de fundamentos filosóficos e a uma forma particular de contar a história, que Belting (2006) e

Danto (2006) atribuem originalmente a Giorgio Vasari, a partir de suas biografias de artistas,

por volta de 1550. Segundo os autores, com Vasari se inicia um esquema narrativo capaz de

construir uma história da arte tal qual a concebemos hoje – ou tal qual concebem aqueles com

maior nível de instrução, remetendo a Bourdieu e Darbel (2007). Essa narrativa se desenvolveu

a partir da preocupação em listar obras e artistas, enquadrando-os segundo o desenvolvimento e

o declínio de estilos. Obviamente que com o processo de enaltecimento da figura do artista, parte

crucial do paradigma moderno, foram os cânones quem ficaram para a história, salvaguardados

pelo peso de criações geniais, as obras-primas. Mesmo que simpatizemos com essa genialidade,

mostrá-la como atribuição socialmente construída se mostra um dever intelectual de qualquer

historiador, filósofo ou sociólogo nos dias de hoje. E é só dessa forma que se pode perceber até

onde vai a ruptura da arte contemporânea.

29 Como lembra Danto (2006), Pablo Picasso estava preocupado com os horrores da guerra e Juan Miró não defendia uma arte abstrata. Mas isso não impede que tenham contribuído com a formalização da pintura.

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De uma maneira geral, o paradigma essencialista moderno está atrelado ao pensamento

humanista, de que fala Vera Zolberg (2006), cuja tendência se volta a enxergar o objeto de

conhecimento, no caso a arte, sob uma ótica filosófica substancialista ou essencialista, baseada

em pressupostos quase transcendentais. Como mostra Thierry de Duve (1998), a noção de juízo

de gosto (estético e puro) em Kant, atrelado à faculdade de julgar o belo e o sublime, se coloca

como um conceito, no entanto esse conceito não é para Kant determinável segundo as leis do

entendimento matemático, não pode ser posto à prova, possui um grau de indeterminação. E se

a faculdade de julgamento estético, e portanto o próprio fenômeno estético, é algo que se

compartilha, tendo validade para além do subjetivo, é porque está relacionada ao que ele chama

de “substrato suprassensível da humanidade” (KANT, 2009, p. 190), cuja verdade não pode ser

confirmada, mas deve ser aceita como universal. Está além do inteligível e se pode ser partilhado

socialmente, é porque está presente em todos os homens e mulheres. Obviamente, é justamente

aí que Bourdieu (2008) vai construir sua crítica sociológica do gosto.

Sabemos que o pensamento kantiano, mesmo não tendo tratado diretamente de um

objeto artístico, foi tomado como lei estética, sem carecer de provas e posta como verdade

universal. Muito do que se construiu ao longo da modernidade em termos de Arte se pautou por

essa visão. É verdade que existem diferentes interpretações para seu legado, mas o ideal de

pureza, da arte como uma validade em si mesma, sem nenhuma utilidade ou função, foi levado a

cabo no paradigma moderno. Mais ainda a partir do momento em que a “forma” passou a ser

uma preocupaç~o maior do que o “conteúdo”, tornando-se o enfoque da visão internalista da

obra, disseminada pelos humanistas30. E isso resvalou na própria prática artística, o que faz de

Kant um pensador atrelado à história da pintura, mesmo que não tenha diretamente se referido

a ela ou a qualquer outra forma de arte. É nesse sentido, segundo pontua Danto (2006), que o

crítico Clement Greenberg vai se colocar como o principal narrador da arte moderna, o porta-

voz “empírico” de Kant (o que é um pouco contraditório), teorizando sobre a pureza da forma,

posta na pintura que vinha sendo produzida principalmente pelos modernistas.

Antes de enveredar pelo pensamento de Greenberg, onde a pureza atinge seu máximo

grau, gostaria de colocar o quanto o papel da academia nesse processo foi preponderante,

especialmente se consideramos que o paradigma essencialista está vinculado a um sistema

filosófico de pensamento. O valor atribuído à arte, a partir da modernidade, coincide com a

inserção das artes nas universidades, que se desenvolveram na Europa com maior força a partir

da era moderna. Como sabemos, é o seu processo de especialização, de produção de um

conhecimento particular, que proporciona a uma área maior autonomia – sempre vista por

30 A relação entre forma e conteúdo deve ser vista de maneira dialética na arte – uma dimensão não anula a outra. No sentido aqui abordado, refere-se ao enfoque dado pelo artista, mesmo inconscientemente.

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Bourdieu como relativa. E é isso que também ajuda a inaugurar a própria “era da arte”, referida

por Belting (1994 apud DANTO, 2006), onde floresce o próprio paradigma essencialista.

Como também aponta Vera Zolberg (2006), o trabalho de artes e ofícios, mesmo

existente nas sociedades mais arcaicas, não era tido como uma disciplina aos quais os estudiosos

deveriam se ater, tampouco como algo de tamanha grandeza. Não existia arte, como

conhecemos, porque ela não possuía um status simbólico de arte. Com exceção da Grécia

clássica, cuja contribuição artística e filosófica serviu, em boa medida, de parâmetro para a

sedimentação do paradigma essencialista moderno, durante muitos séculos da história a

produç~o artística, em geral, “n~o se distinguia do artesanato, nem os artistas dos artes~os”

(idem, p. 39). Guiadas pela inclusão da música no currículo da universidade medieval europeia e

pela indiferença dada ao ofício na Idade Média, as artes pl|sticas careciam de “um fundamento

teórico ou filosófico” e buscavam um prestígio angariado cada vez mais pelos músicos, como

explica a autora (idem).

Nesse sentido, os movimentos artísticos e intelectuais posteriores ao período medievo,

como o renascimento italiano, o classicismo e depois o iluminismo, cujos ideais espalharam-se

por todo o pensamento ocidental, apresentam-se na história como embriões do processo que

diferenciou as belas artes de outras formas de criações manuais. Foi assim que alguns artistas,

junto a teóricos humanistas, trouxeram à tona fundamentos filosóficos da antiguidade grega.

Sabemos que o resgate e a reinterpretação das ideias de Platão e Aristóteles, por exemplo,

integram tanto a elaboração de preceitos estéticos quanto de fundamentos racionais capazes de

forjar uma ética moderna. Mesmo não elaborando uma teoria estética propriamente dita, como

lembra Raymond Bayer (1993), os filósofos gregos construíram um pensamento que passou pelo

desenvolvimento de ideias relativas ao universo da criação e a da arte. Ideias acerca do belo, que

mesmo sendo um referencial relativo e extremamente filosófico, serviu, de alguma maneira,

como parâmetro para a criação de uma escola artística, na qual, aliás, a noção de beleza como

virtude sempre foi uma perseguição. Sem aprofundar o legado de cada um deles, foram autores

que serviram à sistematização do pensamento e dos valores hoje tidos como clássicos.

O paradigma essencialista moderno de arte não pode ser pensado sem essa vinculação à

tradição clássica, mesmo que tenha absorvido outras questões ao longo da história moderna e

rompido, em alguns momentos, com determinados ideais estéticos. O espaço acadêmico

conquistado pelas belas artes passa pela instituição de fundamentos artísticos, influenciados

pela filosofia grega e melhor sistematizados a partir da renascença, período no qual foi

sintetizada uma tradição pictórica de referência, que se aprimorou ao longo de séculos. A relação

com a natureza, a partir do ideal de perfeição e simetria, é um dos pontos-chave do

desenvolvimento da imagem mimética. E isso passou não apenas pela pintura de paisagem,

gênero tradicional das belas artes, mas sobretudo da figura humana (mitológica ou mundana).

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Muitos pintores fizeram escola ao tentar imitar as formas da natureza, por meio da

evolução de técnicas de composição focadas na perspectiva, na tridimensionalidade, na

proporç~o e no estudo de cores. A busca pela cópia “fiel” da realidade foi um ideal perseguido

por séculos por muitos pintores e escultores. Mesmo aprimorando a forma para conferir ao

quadro uma maior ilusão de realidade, não havia ainda um apego a ela, nos moldes

experimentais do modernismo, porque aí a forma é tida como um meio, não um fim.

Contudo, não podemos pensar o paradigma essencialista moderno sem entender a força

da arte figurativa e mimética, tendência de tradição acadêmica que nos impede muitas vezes de

pensar a arte separada da vida banal que enxergamos todos os dias. O fato de o “olhar ingênuo”

utilizar códigos do cotidiano como referência do que vê nas manifestações artísticas não se dá

por acaso. Tem também sua raiz nessa perseguiç~o “fotogr|fica” da pintura, que pensou poder

extrair a forma do conteúdo. E mesmo o olhar estético ou puro tendo se desenvolvido para

apreciar somente as formas, e não os significados a que remetem, como explorei no capítulo

anterior, não quer dizer que a maneira de se fazer arte, as suas técnicas, não tenha passado pela

relação com a realidade. Foi justamente nos caminhos para interpretá-la que se desenvolveram

não só as artes plásticas, mas outras linguagens. Devo afirmar, portanto, que a busca formalista,

mesmo não assumida radicalmente pela tradição clássica, é parte intrínseca do modelo

essencialista. Por meio da evolução desse virtuosismo, a arte atinge sua grandeza, seu prestígio.

Sem a valorização da técnica desde o renascimento, a produção artística não poderia

materializar uma essência, uma aura, uma intencionalidade. Passando a se situar no topo da

hierarquia das artes plásticas, a pintura cumpriu um papel histórico e cabal nesse sentindo, e

também a escultura, embora menos celebrada nessa história. O não quer dizer que o paradigma

essencialista tenha se expressado apenas na representação figurativa da realidade, segundo

regras acadêmicas clássicas de equilíbrio e simetria, nem mesmo apenas na pintura. Um

paradigma, já afirmei, é uma noção ampla e compreende diferentes expressões estéticas. No

caso, todas elas de m~os dadas na tarefa de tornar a arte “sagrada”, cercada de mistérios.

Nesse sentido, além da tradição clássica, há um movimento cultural (ou contracultural)

cujos ideais, balizados por teorias filosóficas alemães, também foram incorporados ao

paradigma essencialista: o romantismo. Muito mais do que um movimento literário, é

considerado a primeira expressão artística e cultural genuinamente moderna, por nascer junto

ao processo de industrialização europeu, contrapondo-se em termos ideológicos e estéticos ao

modelo racional iluminista; ao legado clássico da ordem e da contenção. Contudo, se no discurso

os românticos procuraram romper com os ideais clássicos, tidos por eles como próprios de uma

estética absolutista, do olhar educado e distante, na prática tornaram a arte ainda mais etérea31.

31 Surgindo entre os séculos XVIII e XIX na Alemanha, o romantismo representa a afirmação alemã na Europa. Sistematiza uma reação ao modelo dominante, marcado pelo poderio europeu do absolutismo francês, ou seja, pelo

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A questão é que enquanto na tradição clássica a busca pelo belo se dá a partir de uma

relação com referenciais extrapictóricos da realidade, no romantismo a dimensão interior– o

terreno da subjetividade, dos sentimentos, das emoções, da intuição e da imaginação humanas–

se transforma no substrato da criação artística. É nesse sentido que o artista, e principalmente a

imagem do artista, entra em evidência. Ele se torna alguém capaz de expressar o mistério da

arte, de promover uma ligação com o divino, de ser portador de uma intencionalidade estética,

habitada em seu interior como dom da natureza. Esse é um ponto relevante na compreensão do

modelo essencialista, que se da matriz clássica incorporou, entre outras coisas, as técnicas mais

formais do fazer artístico, do romantismo herdou a noção de autenticidade, reconhecida como a

dimensão libertadora da arte e veículo de sua própria pureza. De certo, o renascimento já havia

instaurado o início da separação entre artesãos e artistas por meio da instituição da autoria

como signo de distinção. No entanto, na prática a assinatura artística não perseguia uma

autenticidade livre nem subjetiva, estava subordinada à busca racional pela realidade exterior.

Segundo aponta Gerd Bornheim (2005), ao tratar do pensamento filosófico de Friedrich

Schlegel, para ele o “iniciador do movimento rom}ntico” (idem, p. 92), o artista adquire nesse

momento um destaque único na hierarquia social. O criador representa para Schlegel, de acordo

com Bornheim (idem), uma síntese superior entre “o ideal e o real, a raz~o e o instinto” (idem, p.

93). Sem pretender simplificar a teoria filosófica desenvolvida por Schlegel, o que há de

substancial nessa valoração à figura do artista é entender sua relação com uma dimensão

superior, bastante presente no romantismo. Sendo influenciado por Goethe, expoente da

literatura romântica, Schlegel acredita que, se o artista tem tal poder, “é porque sua intuiç~o

pode atingir o fundo último da natureza, a idéia divina que existe nela” (idem, p. 92). Ele e sua

obra viram, portanto, uma mediaç~o fundamental. “Por isso, o artista, o poeta, torna-se uma

espécie de sacerdote para os homens, pois é ele quem melhor consegue comunicar o finito com o

infinito. O artista genial é quem melhor realiza o absoluto que traz em si e melhor comunica-o

aos outros” (idem, ibdem). Daí se sustenta a ideia de sublime (traduzido nas buscas do artista

pelo infinito, pelo gradioso), em contraponto ao de belo indiferente.

Unindo as contribuições dos ideais clássicos e românticos à história da arte, teríamos

como saldo o próprio “espírito” da arte essencialista, de grandes artistas gênios dotados de

imenso talento – para o real ou para o “irreal”. O paradigma moderno de arte é ele mesmo

marcado pela convivência sempre ambígua entre a fé na razão clássica e a crença na emoção

romântica, que se apresenta propriamente como uma marca da visão de mundo moderna

ocidental. No entanto, no terreno da arte, essa dualidade encontra suas próprias regras, em um

sistema de pensamento estético. A arte tende a caminhar na modernidade em direção a uma

modelo da tradição clássica, impregnado na cultura, na arte, na política, na economia, na filosofia etc. Isso não quer dizer que alguns ideais clássicos também não estejam na base do romantismo. Seus filósofos têm forte influência, como pontua Bornheim (2005).

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autenticidade e a uma estética pura, à medida que se consagra como um valor em si mesma, um

mundo à parte, com suas próprias leis e seus poderes. Eis o paradigma essencialista moderno,

tão familiar quanto difuso no nosso imaginário até hoje.

A ideia da arte pela arte, capaz de criar um campo relativamente autônomo, não se

construiu da noite para o dia, é verdade. Os paradigmas evoluem, como lembra Nathalie Heinich

(2008, p. 182-183). No entanto, quanto mais a era da arte se instaura e avança em direção ao

século XIX; quanto mais as fundamentações teóricas alimentam seu sistema normativo e o

campo se profissionaliza para consagrá-lo, mais dominante e enraizado se torna esse paradigma,

reproduzindo-se para além do campo artístico.

Mesmo entre os vanguardistas modernos, cujo discurso se direcionou contra a rigidez

desse modelo, o pensamento essencialista se faz presente e encontra seu auge na pintura. Se

considerarmos a herança desse período, presente em museus, coleções, galeria ou circulando em

leilões de alto nível, teremos “Um Picasso”, “Um Van Gogh”, “Um Monet”, conhecidos pelo estilo

indelével e singular. Segundo Cauquelin (2005, p. 36), a “liberaç~o” artística proclamada pelos

modernistas, e em parte pelos rom}nticos, “n~o significa a renúncia aos valores seguros do

sucesso oficial” e, por sua vez, o “‘Contra a Academia’ é uma palavra de ordem que resulta mais

da constatação da impotência do sistema (acadêmico) em gerir o domínio da arte e dos artistas

do que de uma recusa dos valores atestados e defendidos por esse sistema.” (idem, ibdem). Isso

significa que a pintura, depois da herança secular da arte figurativa, ainda iria viver de fato seus

dias de glória, a partir do período de auge e transição do modernismo.

2.1.2. O modernismo e as vanguardas históricas (transição de paradigmas)

Conforme mostrei acima, a arte moderna, como paradigma, não se inicia nas últimas

décadas do século XIX, mas encontra nesse período o ápice do seu projeto, sendo o apogeu da

“era da arte” (BELTING, 1994 apud DANTO, 2006). Paradoxalmente, é também onde se localiza a

semente do seu “desmoronamento”. Só das vanguardas pode nascer a ideia de “antiarte”,

fundamental para entender a produção contemporânea. Eis o que defende Peter Bürger (2008),

ao sistematizar a ideia de vanguardas históricas, chamando atenção particularmente para as

manifestações artísticas do dadaísmo e do surrealismo (em seu primeiro momento) como

semeadoras da ideia de antiarte ou de uma arte “n~o org}nica”, para utilizar a express~o do

autor (idem, p. 118), e portanto não simbólica.

Como movimento estético e cultural, o modernismo vai do final dos 1800 até meados dos

1900, associando-se a um momento de transição entre os paradigmas essencialista moderno e

antiessencialista contemporâneo. Antes, contudo, o modernismo se figura como o período em

que a história da arte, concebida por um esquema narrativo desenvolvimentista, faz sua festa.

Todos os “ismos” artísticos se tornam manifestos da autenticidade e liberdade do artista,

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marcando uma sucessão de novos e variados estilos, que da Europa logo viram referência

mundo afora, incluindo o Brasil. Desde o impressionismo, o fauvismo, o expressionismo, o

cubismo, o surrealismo, o futurismo e o dadísmo, florescidos em Paris, até outros movimentos

que fizeram a Nova York da metade do século XX se transformar na capital da arte moderna,

conforme mostra Jed Perl em seu extenso livro New art city (2008). Dessa leva, há o

minimalismo, o expressionismo abstrato, a pop art, a op art até as radicalizações da arte

conceitual, da land art e da performance, fontes para a diluição de fronteiras estilísticas, que vem

a balizar depois o projeto contempor}neo propriamente dito. Mesmo n~o se “enquadrando” no

primeiro momento modernista europeu, a arte norte-americana moderna vai no rastro do seu

experimentalismo, tornando-se também importante referência.

De uma forma geral, o modernismo se mostra também como o movimento cultural de

negação e afirmação do projeto moderno, rendendo-se tanto à sedução do novo, do progresso,

do efêmero e do fugidio, quanto se apegando à crença no imutável e no eterno. Essa

ambigüidade, também entrincheirada pelo duo razão-emoção, é sintetizada por Charles

Baudelaire, em O pintor da vida moderna (1996). Para ele, o espírito moderno se traduz na figura

errante do “flâneur” (idem, p. 21), transferida em parte à imagem do próprio artista, vagando

pela cidade à caça da multidão que anuncia um tempo novo. Muitos dos adjetivos atribuídos à

modernidade derivam de Baudelaire. Mas não é nesse sentido que aqui me atenho com maior

atenção, apesar de isso estar intrínseco.

Detenho-me antes ao modernismo, em sua contribuição ao paradigma essencialista,

como a celebração da criatividade artística que levou a pintura em direção ao abstracionismo,

seu destino inevitável. Nesse caso, a apreensão da vida moderna, no estilo baudelairiano, por

meio de diferentes pinceladas, foi também o caminho até o formalismo puro. Se sob o ponto de

vista estético a arte modernista se apresenta como signo da negação à arte clássica, mimética e

acadêmica – à semelhança do que, em menor grau, aconteceu no romantismo –, Baudelaire

(idem) j| se adianta nesse aspecto, ao proclamar o seu pintor ideal, um certo “C.G.”, anônimo e

herói das multidões urbanas. Seu artista se figura como a antítese do “imitador” das figuras

cartesianas da vida real (o clássico). Sua busca é pela realidade, mas uma outra, que capta pelas

impressões pessoais, pela sagacidade e pela memória (idem, p. 32). Não podemos afirmar, a

partir daí, que Baudelaire instituiu a arte da “impress~o”, como espécie de m~e do

impressionismo, mas sua ode à pintura moderna passa justamente pelo que alavanca os gestos

pictóricos e as composições modernistas: a libertação das amarras miméticas.

Autores como Bernard Denvir (1983) creditam o advento da fotografia, em sua função

primeira de documentação da realidade, como a responsável por tornar possível essa nova fase

da pintura na história da arte. Obviamente a imagem fotográfica nunca seria igual à pictórica,

mesmo a figurativa, mas cumpriria semelhante função realista, fazendo a pintura morrer para o

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“mundo” e nascer para si mesma. Muitos pintores seguiram realizando seus retratos, paisagens e

outros motivos tradicionais, como até hoje fazem, mas aqueles que se aventuraram nas

possibilidades dos pincéis e das tintas foram o que inauguraram um capítulo ímpar na história

da arte moderna, dando à pintura um status ainda maior, ainda que inicialmente negado. Quem

seguiu nessa direção foi favorecido pelo desenvolvimento de novos materiais artísticos,

conforme assinala Denvir (1983, p. 11), capaz de aumentar a variedade de pigmentos e, por

conseguinte, dos recursos para experimentos formais. Esse momento coincide com o próprio

crescimento do mercado de arte, em meados do XIX. Aos poucos, tudo parece entrar em sintonia.

Sendo o primeiro movimento de fato beneficiado pelo aparecimento da fotografia, o

impressionismo se impõe como o marco inicial do modernismo, na visão do próprio Denvir

(idem) e de autores como Arthur Danto (2006), guiado pela teorização elaborada pelo crítico

Clement Greenberg. É bom frisar que a representação da realidade continuou existindo entre os

pintores impressionistas e parte dos modernistas como um todo. Mas sob outros moldes. Aliás,

novos temas pictóricos, mais próximos do cotidiano, surgiram. No entanto, o desenvolvimento

das maneiras como os pintores passaram a explorar esses motivos do real (não mais sob a ânsia

da mimese), fez a pintura se voltar para si, tornando-se seu próprio tema. Com isso, a própria

forma de olharmos para as telas mudou, assim como também para o mundo, quando ele se fez

referente nas telas, de alguma maneira. Ainda que os artistas não tivessem tudo isso em mente

de maneira consciente, na medida em que buscavam experimentar novas técnicas, mais a

pintura se tornava autorreferente ou autoconsciente, figurando-se, sobretudo no

abstracionismo, como “mais um fim do que um meio” (idem, p. 85). E é assim que o artista passa

a se tornar ironicamente mais dependente da própria técnica, o que não se configura um

sinônimo de aprisionamento, mas justamente a condição de sua “libertaç~o” criativa.

Ao contrário da arte figurativa clássica, a pintura, agora bidimensional por excelência,

passou a fazer o espectador olhar na tela e não através do quadro, na mimese visto como uma

espécie de janela para o mundo exterior. É nessa direç~o que se desenvolve o “olho puro”, de que

fala Bourdieu (2008), quando se refere ao olhar estético, treinado para observar os aspectos

internos da obra. Greenberg é o baluarte desse olhar formalista, contemplativo em sua

“essência”. Ele desenvolveu seu pensamento em torno da busca pela pintura pura. Em outras

palavras, pelo que caracterizaria o elemento peculiar dessa linguagem, quando extraídos

“resíduos” pertencentes a outras artes. Por exemplo, os padrões escultóricos de

tridimensionalidade e perspectiva da arte mimética. Eles deveriam ser substituídos pela

dimensão materialista da pintura, em suas atribuições físicas (forma, pigmento, superfície). A

pureza significa, portanto, “autodefiniç~o” (DANTO, 2006, p. 77) implícita na própria imagem

pictórica. Isso subentende a existência de uma impureza, ou seja, de tudo que contamine a sua

essência, sua autoafirmação. Essa busca se torna quase uma obsessão de Greenberg, conhecido

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por seu dogmatismo formal, capaz de influenciar e validar, nos Estados Unidos pós-Segunda

Guerra, uma forte corrente pictórica abstrata norte-americana, o chamado expressionismo

abstrato, composto por artistas como Mark Rothko, Willem de Kooning e Jackson Pollock.

Danto (2006) traduz essa pureza da pintura na ideia de pincelada (gesto), o que justifica

o fato de o impressionismo ser considerado um marco. Pela primeira vez na história, suas telas

vãos tornam a pintura mais bidimensional e deixam à mostra o movimento do pincel,

denunciando, mesmo sem intenção consciente, como aquela imagem foi feita. Ou seja, revelando

um “truque” que a tradiç~o mimética tem por dever escamotear, mas a modernista de

evidenciar. A pintura se encontra com ela mesma e talvez nenhuma outra linguagem artística

tenha levado tão adiante o aspecto autorreferente, característico das manifestações modernas.

Não no sentido da metalinguagem, também presente a partir da modernidade, mas na própria

perseguição da pureza, passando a rubrica de autonomia (relativa) da arte, capaz de justificar a

existência de um mundo particular ao seu redor.

O discurso essencialista moderno se torna poderoso, amparado e difundido, mas começa

a sentir seus próprios limites, quando a arte, já um fim em si mesma, não sabe mais o que é.

2. 2. O discurso da arte contemporânea

Não existe um marco exato para o surgimento do paradigma antiessencialista

contemporâneo, assim como também não há no caso do moderno. Diferente do discurso em

torno do gênero artístico, os paradigmas são erguidos em um dado momento histórico e

amadurecem até se sedimentar. Trata-se de um trabalho de anos, construído coletivamente.

Dentro do campo, é resultado de lutas, que não necessariamente irão torná-lo uma visão

dominante, dentro ou fora dele. No entanto, é preciso situar o paradigma da arte contemporânea

historicamente, sob o risco de se cometer o mesmo erro das pretensões atemporais da visão

essencialista, posta como universal, transcendente e resistente às particularidades do tempo.

Verdade seja dita: por mais que os teóricos e críticos da arte contemporânea advoguem

em prol da descoberta de uma maneira totalmente diferente de conceber a arte desde a “era da

arte”, n~o podemos arquitet|-la como um momento isolado e jamais visto antes na história. Está

relacionada à autonomia do campo artístico e à própria busca essencialista da arte, que para

Danto (2006) encontra sua dissonância a partir do momento em que não pode se referir mais ao

experimentalismo formal estético associado a um objeto artístico, apenas. Em outras palavras,

quando a crítica estética não se aplica mais às obras e nem as obras, indo além da ideia física e

visual, ao esquema narrativo da história da arte até então. Essa consciência é o que leva o autor

(idem) a pensar no fim da arte, daquela definida nos termos do paradigma essencialista.

Na visão do autor (idem, p. 86, parênteses nossos),

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O modernismo (e todo o referencial moderno de arte) chegou ao fim quando o dilema, reconhecido por Greenberg, entre obras de arte e meros objetos reais não mais pudesse ser articulado em termos visuais, e quando se tornou imperativo abandonar uma estética materialista (formalista) em favor de uma estética do significado.

A “estética do significado”, { qual n~o me detenho por ora, tem a ver com a insuficiência

dos elementos internalistas e visuais da obra para conceber determinado conjunto de objetos e

“n~o-objetos” artísticos, ficando a cargo de outros signos (a própria palavra, por exemplo), o

entendimento de arte, para além dela mesma. A arte contemporânea se ergue nessa contradição

e constrói seu discurso em oposição ao paradigma moderno. Por isso, faz-se necessário explorar

um pouco a passagem do termo arte moderna para arte contemporânea, hoje já assimilada pelo

campo (por especialistas e parte do público) como uma lógica distinta da moderna. Isso não

quer dizer que os artistas e os defensores do discurso contemporâneo se posicionem contra o

passado, visto na condição de obsoleto diante das promessas modernas do novo. Isso seria uma

atitude modernista, que a arte contemporânea respeita (até certo ponto), mas não quer ser. A

oposição não se mostra ao passado como entidade histórica ultrapassada, mas a um

determinado curso da história da arte, capaz de defini-la como tal. E se for o caso, conforme

mesmo atenta Danto (2006), os artistas contemporâneos se apropriam desse passado, dando-lhe

o uso que bem desejar.

Além disso, falar dessa dicotomia não implica em decretar o desaparecimento do

paradigma essencialista na sociedade. Este persiste, mas passa a ser posto pelo discurso

contempor}neo como um código “anacrônico” para um dado conjunto de obras, cuja tendência

tem sido ocupar cada vez mais a pauta de instituições e iniciativas de artes visuais. “É em parte o

sentimento de não pertencer a uma grande narrativa, registrando-se em nossa consciência em

algum lugar entre o mal-estar e o regozijo, que marca a sensibilidade histórica do presente”

(idem, p. 6). No olhar do autor, isso seria o ponto de partida para “definir a diferença marcante

entre arte moderna e arte contempor}nea” (idem, ibdem), ambas entendidas aqui não como

gêneros, mas dentro da ideia de paradigmas antagônicos. Vale lembrar que a arte

contemporânea admite diferentes tendências, inclusive bem próximas das grandes narrativas

modernas e, portanto, passíveis de um olhar estético. Desse modo, a visão de Danto (idem) se

tornaria um pouco catastrófica. No entanto, estamos aqui tratando de um paradigma que se

impõe por suas diferenças, não pelas semelhanças com o modelo anterior. É a isso que o autor se

refere e nesse sentido seu pensamento mostra-se coerente.

Quanto aos limites históricos, que marcam a passagem para um “novo” paradigma

artístico, é preciso atentar para as datas e as contribuições artísticas e críticas de um

determinado período, que coincide com meados do século XX, marcando para Danto (idem) o

fim do modernismo. Raymonde Moulin (2007) e Catherine Millet (1997) alertam para o fato de

que existe um consenso entre os especialistas (“historiadores contemporaneistas, críticos de

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arte e conservadores” – MOULIN, 2007, p. 25) em situar o surgimento da arte contemporânea

“no decênio 1960-1969” (MILLET, 1997, p. 15). Danto (2006) também situa o fim do

modernismo por volta de 1965, com o aparecimento da pop art. Isso coincide com a ebulição

artística de Nova York, quando passou a ser o centro da arte moderna, sobretudo no pós-guerra.

A questão é que nessa época ainda não se falava em arte contemporânea propriamente

dita. Acredita Danto (idem, p. 12) que por muito tempo “a ‘arte contempor}nea’ teria sido

apenas a arte moderna que está sendo feita agora”, o que revela a tarefa desafiadora de

especialistas que quiseram diferenciar a nova produção artística dos séculos anteriores. Não é à

toa que mesmo hoje, quando o termo arte contemporânea já virou rótulo, é comum ver pessoas

ainda confundirem o moderno e o contemporâneo, reduzindo-os ao adjetivo “atual”. Mas no

campo artístico, os limites têm sido estabelecidos tanto no primeiro quanto no segundo caso. Ser

sinônimo de “recente” n~o parece ter sido suficiente para designar os dois paradigmas.

Segundo o autor (2006), a arte contempor}nea “passou a significar uma arte produzida

dentro de certa estrutura de produç~o jamais antes vista em toda a história da arte” (idem, p.

12). Há de se refletir a respeito disso, pois o campo continua funcionando, sob uma estrutura de

produção semelhante. Mesmo assim, a constatação um tanto apocalíptica de Danto, exposta na

própria ideia de “fim da arte” ou fim da história, est| relacionada ao que levou muitos a

acreditarem que o termo apropriado para definir o novo momento artístico seria pós-moderno

ou, mais especificamente, “pós-modernismo” (JAMESON, 2007). Este último remeteria ao

conjunto de discursos apoiados no argumento de que quase todas as certezas da modernidade

haviam ruído junto às grandes guerras, e assim um mundo totalmente diferente se manifestaria

a partir dos anos 1950.

Apesar de Fredric Jameson (idem) tratar do conceito sob a perspectiva também da arte,

assinalando-a como o “reino da heterogeneidade estilística e discursiva sem norma” (idem, p.

44), coroado por esse período, o conceito de pós-modernismo para ele vai mais longe. Isso

dificulta uma arena como a arte, sobretudo as artes plásticas, que aprendeu bem o dever de

demarcar seu território, e parece querer se manter nisso, ou seja, na lógica de um campo que já

se tornou autônomo. Alguns hão de discordar, mas esse talvez tenha sido um dos motivos pelo

qual o termo “arte pós-moderna” n~o tenha vingado nessa seara, apresentando-se como um

capítulo de transição, hoje visto de forma tão datada quanto as vanguardas do modernismo. Para

Danto (2006), o pós-modernismo na arte ficou na história como um conjunto de manifestações

de uma época, não servindo como um conceito mais amplo, tal qual a arte contemporânea foi em

sua uma condição paradigmática. Ainda assim, o autor prefere chamá-la de “arte pós-histórica”

(idem, p. 15), a fim de evitar m|s interpretações acerca do termo “contempor}neo”.

Afora isso, os especialistas contemporâneos da arte não simpatizam lá muito com essa

ideia de Jameson (2007) de tratar tudo o que veio na “enchente” sem tamanho de obras de arte

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com certo descrédito. O autor (2007) questiona se essa crise artística não seria um disfarce ou

uma ruptura superficial, sem grandes novidades. Tal descrença estaria associada ao que ele

chama de “pastiche” (idem, p. 44), o símbolo de um mundo dos simulacros, da “canibalizaç~o

aleatória de todos os estilos do passado” (idem, p. 45), capaz de esvaziar o poder criativo da arte,

disfarçado sob o apelo do espetáculo plural. Não é preciso ir muito longe para saber que isso não

deve ter agradado nem um pouco os agentes do campo artístico. E assim o conceito de pós-

moderno n~o vingou nesse terreno, que a despeito de todas as “convulsões”, ainda d|

demonstrações de querer para si o status privilegiado de arte, conquistado pelos modernos.

Por isso, penso ser necessário e adequado considerar essa defesa por uma autonomia,

típica do campo, também para a arte contemporânea, visto que o poder institucional não tem

cessado. Pelo contrário, tem dado sinais de que se torna cada dia mais forte e amplo na tarefa de

legitimação e difusão de um novo paradigma de arte – mesmo que na pr|tica “tropece” e nem

seja exatamente tudo aquilo que prometa em seu discurso. Não importa, se considerarmos que

possui todos os recursos para fazê-lo. Por isso, sustento que a noção de campo em Bourdieu

continua de pé para validar, em um contexto de disputa, o discurso da arte contemporânea.

Temos a prova disso quando Catherine Millet (1997) afirma que o termo “arte

contempor}nea” passou a ser designado nos anos 1980, porque os então conservadores das

novas instituições culturais estavam lidando com o problema de demarcar de fronteiras.

Precisavam separar a multiplicidade artística pela qual estavam responsáveis das certezas

modernas. Foi o movimento do próprio campo procurando estratégias para validar suas ações,

suas “profecias” contra-hegemônicas. Caso contrário, não resistiria. Por isso, há de se estimular o

olhar crítico em relação às promessas ilimitadas da arte contemporânea, que antes são

juramentos dentro de uma condição social limite. Mesmo assim, na prática artistas, curadores,

críticos, galeristas e um conjunto de iniciativas (feiras, exposições, bienais etc.) lutam para fazer

jus à sua pluralidade criativa. Está no discurso do paradigma contemporâneo. Foi justamente

essa variedade de expressões que levou os atores do campo artístico a advogar em prol de um

novo rótulo, quando sentiram que havia uma “ausência de direç~o” (DANTO, 2006, p. 16), e as

designações de moderno ou pós-moderno já não pareciam suficientes.

No entanto, se a arte contemporânea associa-se a uma pluralidade criativa, isso se deve

também ao período, entre os anos 1960 e 1970, em que a produç~o artística “assumiu formas e

nomes diferentes: Conceitual, Arte Povera, Anti-forma, Land, Ambiental, Body, Performance e

Política” (ARCHER, 2001, p. 61), associados também { própria ideia de pós-modernismo. Foi

quando os limites da arte se expandiram, a liberdade artística se tornou um valor inconteste

(não necessariamente autoral) e as categorias estéticas se afrouxaram, levando a fronteira entre

a arte e a vida se diluírem, pelo menos aparentemente. Esses são aspectos marcantes na arte

contemporânea, o que leva a construção de um discurso antiessencialista.

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No Brasil, como registra Maria de Fátima Morethy Couto (2004), esse momento chega

justamente com os mesmos anos 1960, tendo o artista Hélio Oiticica e os críticos Ferreira Gullar

e Mário Pedrosa como porta-vozes de uma nova identidade artística, engajada, libertária e

experimental, contra as amarras institucionais e formalistas da arte moderna. Poderíamos

afirmar, portanto, que o nascimento da arte contemporânea brasileira se dá a partir desse

movimento neovanguardista. Obviamente, assumindo também influências de Marcel Duchamp,

da pop art e das contribuições artísticas que emergiram particularmente de Nova York,

expandindo-se para os demais centros urbanos do mundo, como o Rio de Janeiro e São Paulo.

Por isso, estão de acordo diferentes autores (CAUQUELIN, 2005; DANTO, 2006; DUARTE,

2008; FREIRE, 2006) e críticos, com algumas restrições, de que para entender o paradigma

contemporâneo da arte, é necessário considerar as heranças de Duchamp e seu readymade, de

Andy Warhol e sua pop art, além de tendências artísticas, como a arte conceitual, a performance

e a body art, de alguma forma frutos da projeção que as atitudes antiessencialistas de Duchamp e

Warhol tiveram para a arte – não antes sem um apoio crítico e institucional.

2.2.1. A ideia de “antiarte” (o paradigma antiessencialista contemporâneo)

Em entrevista concedida à Revista Continente (set. 2010), a filósofa Anne Cauquelin

afirmou que a estética está meio perdida no terreno da arte contemporânea, pois não há mais

leis, como as de Kant, para o campo se sustentar. E por isso ela diz que “os estetas passaram a se

debruçar sobre as obras para entender como funcionam” (idem, p. 8). Isso significa que existe

alguma engrenagem por trás desses trabalhos da arte contemporânea. Mas seria possível

afirmar que há um modo de percepção instituído? Sob a forma de “lei”, nos moldes da estética, é

certo que não, pois é justamente aí que o paradigma busca se afirmar, na sua condição

antiessencialista. Mesmo assim, os discursos legitimados pelo mundo da arte contemporânea

servem de pistas para entender justamente como as obras ou as “antiobras” funcionam e, dessa

forma, talvez passamos a olhá-las “adequadamente”.

O sociólogo Paulo Marcondes Soares (2005) vai de alguma maneira nessa direção

quando procura mostrar a coerência entre o discurso e a prática artística de Hélio Oiticica, cujo

trabalho, no seu entendimento, “n~o pode ser apreendido exclusivamente em termos pl|sticos,

mas, sobretudo, em termos de um processo que se manifesta no nível estético-político-ético”

(idem, p. 22). O discurso de Oiticica manifestava um desejo de tirar a arte da vinculação formal

da pintura abstrata. Isso significava libertá-la dos limites estéticos de toda história da arte

moderna, que ainda reinavam no mundo e no Brasil, marcado na época pelo movimento

concreto, do qual o próprio Oiticica havia feito parte. Seu projeto agora era defender uma

vanguarda nacional diferente da Semana de 1922, celebrando a ideia de objeto artístico não

como um fim, mas como um meio, principalmente de novo acesso à realidade e de participação

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social. “O que h| de realmente pioneiro na nossa vanguarda é essa nova ‘fundaç~o do objeto’,

advinda da descrença nos valores esteticistas do quadro de cavalete e da escultura, para a

procura de uma arte ambiental (que para mim se identifica, por fim, com o conceito de antiarte)”

(OITICICA, 1979 apud SOARES, 2008, p. 116).

Pelas palavras de Oiticica, fica evidente que a ideia de “antiarte”, na Europa ou na

América, se impõe, de fato, como uma oposição ao ideal de arte fundado nos valores tradicionais

do paradigma essencialista moderno. É a antivisão da arte guiada pela ortodoxia estética, pela

existência de um objeto com propriedades essenciais, criado para a contemplação. Não é por

acaso que Duchamp decretou a morte da pintura32, o que deve ser entendido de forma bem

distinta da mesma “sentença” pronunciada por Paul Delaroche no século XIX, segundo relata

Arthur Danto (2006, p. 84), quando se viu diante do invento da fotografia. No caso de Duchamp,

tratou-se mais de um desejo do que um temor, decorrente do seu ceticismo e da sua ironia

perante o reino pictórico, do qual fez parte, mas acabou rompendo em direção ao que passou a

chamar de “n~o-arte”. A “antiarte”, a arte “impura” ou a “n~o-arte”, como ele mesmo afirmou,

também é (e quer ser) arte, desde que não seja, de preferência, pintura, escultura, desenho ou

qualquer coisa a que se possa atribuir um juízo estético, nos moldes puramente formais.

E o que pretende ser a arte contemporânea, senão justamente isso? Mesmo

contemplando a produção pictórica33, o que lhe marca é uma forte herança duchampiana, que

entre outras coisas, levou à arte em direção a uma tendência marcante, denominada pela crítica

de arte norte-americana Lucy Lipard de desmaterialização da obra de arte, geralmente atrelada

à corrente da arte conceitual (FREIRE, 2006, p. 9), bastante influenciada por Duchamp.

Autores como Janis Mink (1995) e Anne Cauquelin (2005) assinalam a importância de

Duchamp na construção do paradigma contemporâneo. Para Mink (1996), trata-se

possivelmente da maior influência artística no século XX, sobretudo na sua inclinação para

examinar criticamente as condições nas quais a arte é produzida. Uma tendência, aliás, que faz

Cauquelin (2005, p. 88) apontá-lo como um “embreante”34 fundamental no entendimento da

cisão entre os modelos moderno e contemporâneo de arte, correspondentes, respectivamente,

{s diferenças entre “regime de consumo” linear e “regime da comunicaç~o” circular. Sem

adentrar por ora nessas definições da autora (idem), importante aqui é mostrar como o legado

de Duchamp reverbera em aspectos centrais do paradigma antiessencialista, quais sejam: a

32 Frederico Morais (2002) relata essa “sentença” duchampiana: “Este (Duchamp), mal chegara ao aeroporto de Nova York, em 1915, grita para seu amigo e colecionador Walter Arensberg: ‘A pintura acabou. Quem faz melhor a hélice’?” (idem, p. 16, parênteses nossos). 33 Segundo relata Michael Archer (2001, p. 155), a pintura, aliás, passou por uma retomada nos anos 1980, quando a produção artística enfrentava uma crise no mercado. Seja como protagonista ou não, ela sempre se fez presente, mesmo antes da “era da arte”, onde encontrou seu valor absoluto, até hoje celebrado. 34 Para definir embreante, Anne Cauquelin (2005) se refere à linguística, relacionando mensagem e enunciador da mensagem formando um jogo duplo. No sentido em que trabalha, refere-se especificamente aos artistas Marcel Duchamp e Andy Warhol cumprindo a função de revelar indícios e enunciados do movimento de ruptura entre os modelos da arte contemporânea e da arte moderna.

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separação entre arte e estética (conteúdo formal para ser contemplado); a ideia de arte como

algo que se designa como tal (diz-se pela palavra do artista, mas na verdade pelo consenso do

meio no qual se insere); a noção de que qualquer coisa pode ser arte, desde que assim seja

nomeado; e a não necessidade da habilidade manual do artista, tão cara à história da arte. Nesse

contexto, a assinatura do autor começa a ceder espaço também para a do espectador, que passa

a ser visto como parte da obra – essa é uma das bandeiras da arte contemporânea.35

Todos esses pontos estão principalmente relacionados a uma única expressão:

readymade (na traduç~o literal algo como “feito-pronto”), conceito atribuído por Duchamp para

designar os objetos prontos e fabricados que passaram a ser nomeados por ele como arte ou

“antiarte”. A ideia de readymade sintetiza a atitude transgressora e antiessencialista do artista

francês. O primeiro deles foi literalmente a Roda de bicicleta, de 1913. Inicialmente, como havia

de se prever, os readymades foram recusados pelo campo que já havia legitimado Duchamp

como pintor. Contudo, anos mais tarde os especialistas haveriam de reconhecê-los como obras

de arte, o que é irônico. O mais famoso desses objetos foi A fonte, de 1917 – o conhecido urinol

invertido, assinado sob o enigmático pseudônimo de R. Mutt. O incômodo de Clement Greenberg,

preso em suas certezas formais, era crescente em relaç~o ao “colega” francês.

No entanto, mesmo os readymades tendo recebido o carimbo de obra de arte (o que se

explica pela lógica do campo), não seria apropriado tomá-los sob a perspectiva da ambição da

“obra acabada, como dimens~o simbólica de uma representaç~o totalizante” (SOARES, 2005, p.

21). É verdade que no início houve quem os admirassem por suas propriedades, como ironizou

certa vez Duchamp36, tanto quanto quem os rejeitasse em sua validade artística. Levados a sério

ou não, contudo, os readymades devem ser vistos como objetos dessacralisadores da arte, como

signos da “antiarte”, do ceticismo e da indiferença em relaç~o a um sistema. Para Peter Bürger

(2008, p. 120), “a provocaç~o de Duchamp se dirige contra a instituiç~o social da arte como tal;

na medida em que a obra de arte pertence a essa instituição, esse ataque vale igualmente para

ela”. Mas os readymades, vale lembrar, são coisas comuns elevadas à condição de arte. Eis um

novo paradigma em cena. Pois se até então a produção artística se diferia justamente dos objetos

industriais e banais pelo seu raro virtuosismo plástico, pela técnica associada à habilidade

manual do artista, o que fazer agora diante de algo que não tinha exatamente nenhuma diferença

em relação ao que foi feito por processos industriais?

Uma nova relação entre arte e realidade – ou arte e vida, como alguns preferem – estava

posta. Nem pela mimese, nem pela abstraç~o. Mas livre “figuraç~o”. A representaç~o estaria 35 A emergência do fruidor da obra ou da participação do espectador é uma das promessas do discurso da arte contemporânea sobre a qual pretendo debater nos capítulos seguintes, a partir da análise desta pesquisa. Isso especialmente no que concerne à existência de dissonâncias na relação entre arte contemporânea e espectador/público. 36 “Joguei o urinol na cara deles como um desafio e agora eles o admiram como um objeto de arte por sua beleza”. Frase repetida em livros que se referem (“bem” ou “mal”) aos readymades de Duchamp, como é o caso de Desconstruir Duchamp: arte na hora da revis~o, de Affonso Romano de Sant’Anna (2003).

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“morta” e a diluiç~o entre o mundo mítico da arte e o mundo dos reles mortais, anunciada. Por

mais que um outro signo artístico tenha se erguido com os readymades, o maior cinismo da

atitude de Duchamp foi ter dado ao objeto artístico a “vontade” de ser o real em si, sem nenhum

mecanismo ilusório ou formal. Acontece que esse desejo não poderia nunca ser ingênuo nem

utópico, mas cético e crítico, ao trazer implicitamente ao readymade a pergunta “Isso é arte?”

(também vista sob o viés afirmativo), o que implica necessariamente evidenciar a engrenagem

social que diferencia os objetos comuns dos artísticos. A diferença não está na essência ou no

dom, tampouco na mera vontade ou inspiração do artista. Está no consenso que os legitima; no

caso, a estética. Sendo assim, ele evidencia, de alguma forma, as estratégias do campo, o que faz

autores como Nathalie Heinich (2008) verem um certo caráter sociológico nessa arte.

“A singularidade de Duchamp [...] é ter posto a nu um funcionamento, ter esvaziado do

artista e da obra seu conteúdo intencional, emocional” (CAUQUELIN, 2005, p. 100). A questão

dos readymades não está, portanto, nos objetos em si, mas na ideia e na atitude. Pouco importa

se são rodas de bicicletas, urinóis, copos ou imagens apropriadas. Importa mesmo é o fato de, no

contexto da arte, assumirem uma conotação distinta, ao mesmo tempo em que desnudam, por

ironia, o sentido que os faz existir como tais. Autores como Arthur Danto (2006) e Paulo Sergio

Duarte (2008) creditam não a Duchamp, mas à pop art, nos Estados Unidos, o mérito de ter ido

mais longe na tarefa de dessacralizar a arte e dar-lhe um rumo diferente, mais transfigurado e

subversivo. Para Danto (2006), havia uma questão filosófica implícita na pop, que fazia sê-la não

um, mas o movimento artístico “mais crucial do século” (idem, p. 138).

Considerando que Duchamp era cerca de 30 anos mais velho que Andy Warhol e que

havia se mudado para Nova York ainda nos anos 40, ou seja, duas décadas antes de Roy

Lichtenstein apresentar O beijo, não poderíamos falar em uma influência duchampiana nesse

movimento? O artista pernambucano Paulo Bruscky (1996), assumidamente herdeiro de

Duchamp, registra que sim, referindo-se ao francês como “uma espécie de profeta de todas as

vanguardas” (idem, p. 16). Para Danto (2006) e Duarte (2008), contudo, n~o é bem assim. “[...] o

neodadaísmo da cena pop só tem a ver com Duchamp na superfície, ao incorporar coisas comuns

e banais e deslocá-las para uma situação de arte. Agora (na pop art) não são apenas coisas que

estão na galeria [...]; são, sobretudo, mercadorias com seus logos e marcas registradas”

(DUARTE, 2008, p. 46, parênteses nossos). Exemplos disso são as caixas de sabão em pó Brillo

Box e as latas de Sopa Campbell’s, expostas por Warhol, a partir de meados dos anos 1960.

Ao denominar arte emblemas da vida comum, não estaria o artista repetindo a atitude

duchampiana? Em parte sim, ambos os objetos de Warhol são readymades. E, não por acaso,

também se colocam frente ao domínio da pintura, no caso do expressionismo abstrato,

dominante na cena artística norte-americana da época. A diferença é que seus trabalhos não

tocam em um ponto específico da arte, no que concerne ao esvaziamento da estética pura, mas

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em sua apropriação a um sistema de consumo, ainda mais imperante nos EUA. Para Danto

(2006, p. 143), a “a imensa popularidade da pop reside no fato que ela transfigurou coisas ou

tipos de coisas que significavam muito para as pessoas, alçando-as à condição de temas de arte

elevada”. Para o autor (idem), “Duchamp n~o estava celebrando o comum. Ele estava, talvez,

depreciando a estética e testando os limites da arte”. Anne Cauquelin (2005) parece situar com

mais precisão, sem tomar partido da influência pop, a diferença que marca os “embreantes”

Duchamp e Warhol:

se Duchamp havia concedido ao local a incumbência de anunciar a mensagem ‘Isso é arte’, renunciando assim { habilidade e { estética do gosto, afastando-se por assim dizer da cena e se preservando, Warhol, ao colocar em prática seu conhecimento das redes (dentro e fora do campo da arte), abandona esse último refúgio e essa última marca da arte, que é o local da exposição, para se estabelecer no espaço inteiro das comunicações. (idem, p. 110, parênteses nossos)

Tanto quanto Duchamp, Warhol também critica a rede em que se insere como artista, no

caso, para além do campo artístico, valendo-se não apenas das estratégias antiestéticas, mas da

apropriação da vida comum celebrada pelo consumo. E tão irônico quando os readymades serem

tomados como obras-primas s~o suas latas de Campbell’s se tornarem objeto de adoraç~o da

sociedade que não está interessada em saber o que seja arte, mas em esperar os próximos

lançamentos da indústria. A amplitude da pop art talvez seja, de fato, maior que a de Duchamp,

cujos trabalhos não foram parar em canecas e aventais vendidos como suvenirs novaiorquinos.

No entanto, para a construção de um paradigma dentro do campo da arte, no qual ambos foram

legitimados, não há hierarquia, pois ambas as influências corroboraram para a construção de um

discurso antiessencialista, tendo igualmente influenciado a tentativa de pluralidade artística que

marca até hoje a arte contemporânea, em que (quase) tudo poder ser considerado arte.

2.3. Campo, público e arte contemporânea

Niilista, utópico ou crítico, o discurso da arte contemporânea vem desde as vanguardas

se nutrindo de afirmativas e promessas em torno da arte, que passou a ser defendida como um

território da heterogeneidade, da participação e da liberdade por excelência. Nada do

distanciamento provocado pelos museus sagrados, guardadores de tesouros. A ordem é

interagir. Nada de pensar a obra apenas em seus atributos estéticos formais. Não há limites

visuais que a definam e o trabalho é muito mais o processo. Assim proclamam os críticos,

curadores e artistas. Se tiver interesse em se aproximar da produção contemporânea, não

precisa se preocupar em entendê-la, porque “entender significa reduzir a obra { esfera do

inteligível” (COCCHIARALE, 2006, p. 14). É preciso estar aberto { sensibilidade, { dimens~o

relacional da arte, para citar Nicolas Bourriaud (2009), e à possibilidade das interpretações

extrínsecas { obra. Fique { vontade, aqui tudo pode. Eis o “jogo” da arte contempor}nea.

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O curador Fernando Cocchiarale (2006, p. 15) afirma que a arte não é hoje um campo

especializado como foi na modernidade e por isso mesmo o poder dos especialistas perdeu

espaço. Já o crítico e filósofo Arthur Danto (2006) acredita que é só uma questão de tempo para

a esfera institucional tomar seu rumo, à luz da abertura promovida pela arte. De uma forma ou

de outra, isso significaria pensar a sociedade sem a existência de campos especializados, ou seja,

sem a divisão social do trabalho racionalizado sobre a qual se debruçou Max Weber (1994). No

entanto, é certo que, pelo menos no âmbito institucional, produtor de experts e saberes

autônomos, o modelo de sociedade moderna parece ter resistido bem à onda de crises culturais,

políticas e econômicas, anunciada a partir de meados do século XX. Jornalistas continuam

consultando especialistas em suas reportagens e parte do público segue em busca de

informações para tentar “entender” o que mostram as bienais de arte. Se o campo n~o é mais

especializado, o que dizer da quantidade cada vez maior de publicações sobre arte

contemporânea e de curadores escrevendo sobre seus projetos? Estão ainda dizendo que algo

mudou ou argumentando que existe um novo paradigma de arte a ser defendido no campo?

Mesmo sendo parte intrínseca do fazer artístico contemporâneo desde o readymade de

Duchamp, a pergunta “Isso é arte?” aparece, volta e meia, como um motivo para os especialistas

reforçarem que, sim, aquilo que expõem é arte. A questão se tornou, de certa forma, um calo nos

pés dos que buscam legitimá-la. E as publicações especializadas quase sempre reforçam que

perguntar se “algo” é arte evidencia o quanto público ainda desconhece o que seja arte

contemporânea e não por acaso, defende-se tanto a necessidade da formação do público pelas

instituições culturais. Se “educar” os espectadores é preciso, ent~o parece n~o estarmos em um

território tão livre assim, sobretudo quando for necessário recorrer ao carimbo da arte. Por isso,

é preciso chamar Pierre Bourdieu de volta para mostrar que nem mesmo na arte contemporânea

se aprende o sentido do jogo pela simples incursão nos museus, nas bienais e nas galerias.

O mercado da arte, de Raymonde Moulin (2007), já é uma demonstração suficiente de

como a lógica do campo continua operando na arte contemporânea, com seus agentes e espaços

de consagração empenhados em fazer valer um paradigma distinto do moderno. Não se defende

mais o olhar estético e fala-se em uma crise da crítica. No entanto, há quem afirme honestamente

ser necessário substituir a competência estética moderna por uma outra (FREIRE, 2006, p. 7), o

que demandaria um longo processo. Tudo leva a crer que a arte continua sendo uma questão de

gosto e julgamento, assim como uma esfera que reclama uma forma própria de apreciação. Essa

percepç~o pode n~o ser nem a “ingênua” nem a “culta”, mas totalmente imprecisa e para

qualquer habitus também não parece ser. São essas questões que exploro a partir do próximo

capítulo, quando irei analisar os dados da pesquisa com o público da 29ª Bienal da São Paulo.

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3. ANALISANDO A RELAÇÃO DO PÚBLICO COM A ARTE CONTEMPORÂNEA NA 29ª BIENAL DE SÃO PAULO

À luz da teoria sociológica de Pierre Bourdieu, a relação do público com a arte

contemporânea deve ser compreendida através das tensões entre a lógica de funcionamento do

campo artístico, na qual se insere, e a formação do olhar a partir e para além desse campo. Se as

lutas em prol do paradigma moderno de arte foram capazes, até aqui, de legitimar e disseminar

uma visão dominante, baseada no gosto culto e no olhar estético como suas referências maiores,

agora a questão se torna um pouco mais complexa com o paradigma contemporâneo se impondo

dentro do campo como um discurso “contra-hegemônico”. Um discurso que, ao que parece,

ainda está em processo de construção e legitimação.

Uma vez inserido nesse espaço de articulações e conflitos simbólicos, o público deve ser

visto na condição de uma categoria heterogênea. Suas preferências e atitudes podem coincidir

ou não com as visões em disputa, sendo antes marcadas pela distribuição desigual de capital

cultural nesse território, o que também implica em uma desigualdade de capital escolar – ou de

nível de escolaridade. Em outras palavras, suas manifestações expressam uma diferença de

habitus e, portanto, de posição social nesse campo. Por isso, penso que, sejam quais forem os

resultados aqui apresentados, a relação do público com a arte contemporânea deve ser

observada em sua assimetria, pois há disparidades na formação do gosto e do olhar frente à arte,

um “jogo” que exige um mínimo de entendimento de seus participantes.

As distinções entre os visitantes de uma mostra como a Bienal de São Paulo, por

exemplo, se expressam, de forma geral, pela separaç~o no campo entre “público leigo” e “público

especializado”, aqui tomados pelas categorias de não iniciados (grande público) e iniciados

(especialistas e não especialistas conhecedores de arte). Mais na frente, procurarei pontuar

melhor as diferenças entre ambas, a partir da análise dos dados. Por enquanto, digo ser certo

que, sob a perspectiva deste trabalho, elas têm relação tanto com a formação do habitus, capaz

de influenciar no gosto, no julgamento e nas práticas culturais decorrentes dele, quanto com a

própria lógica de funcionamento do campo artístico. O que está em jogo, como ponto-chave, é o

conhecimento sobre arte, gerador de distinções.

Através de pesquisa com o público de museus de arte europeus, nos anos 1960, Pierre

Bourdieu e Alain Darbel (2007) demonstraram o quanto nível de escolaridade se revela uma

variável determinante na relação com os equipamentos culturais e seus bens

artísticos/simbólicos. Não apenas na frequência quantitativa dos visitantes das instituições

museológicas, mas ainda na capacidade que estes têm de acessar ou não as obras de suas

coleções, segundo um padrão legítimo do olhar. Será que tendência semelhante pode ser

observada em relação ao público de uma mostra de arte contemporânea como a Bienal de São

Paulo, marcada, para Cristina Freire (1990), por um modo de percepção distinto do dos museus?

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Eis o que pretendo, entre outras coisas, mostrar neste capítulo, cujo foco é a análise

empírica dos dados coletados durante a pesquisa de campo na 29ª Bienal de São Paulo, realizada

entre setembro e dezembro de 2010, na capital paulista. Para tanto, dividi suas páginas em três

blocos principais: o primeiro apresenta os procedimentos metodológicos utilizados em campo, e

as limitações encontradas nesse percurso; o segundo, uma breve contextualização da Bienal de

São Paulo, aqui tida como pano de fundo e não objeto principal de investigação; e o terceiro, a

análise dos dados quantitativos, a partir de testes estatísticos de correlação com variáveis que

poderiam estar influenciando, ou não, na relação do público com a arte contemporânea, mediada

aqui pelas manifestações de gosto e julgamento.

3.1. Procedimentos metodológicos

A pesquisa para esta dissertação foi realizada por meio do método survey em amostra

não probabilística, combinado à técnica da observação. Considerando que todo procedimento

metodológico implica ganhos e limitações, ambas as opções se mostraram os caminhos mais

coerentes e viáveis ao propósito do presente trabalho. Enquanto o primeiro método possibilitou

o acesso a informações de uma parcela mais ampla e diversificada do público pesquisado,

através da aplicação de questionários, o segundo funcionou como complementar, ao me

aproximar dos comportamentos espontâneos dos visitantes da 29ª Bienal de São Paulo diante de

algumas de suas obras expostas.

Embora a utilização do método qualitativo (observação) tenha se mostrado importante

ao objeto da investigação, o método quantitativo (survey) se impôs como o principal percurso

para alcançar o propósito da pesquisa. Neste caso, foi o que tornou possível, posteriormente, o

cruzamento dos dados37, ou seja, a tentativa de uma apreciação não apenas descritiva das

informações coletadas, apresentando-se um caminho pertinente ao problema de pesquisa. Além

disso, a análise dos dados coletados por meio do questionário foi o ponto de partida para

realizar a própria observação, em campo, da relação do público com algumas obras específicas38.

Neste capítulo, debruço-me sobre as informações quantitativas relacionadas às questões de

gosto no contexto da arte contemporânea. Deixo, assim, para o próximo o exame das

preferências, dos julgamentos e dos comportamentos observados na relação espectador-obra.

A escolha pelo método survey se pautou pela necessidade de acessar uma determinada

amostra do público da Bienal de São Paulo, a fim de perceber variâncias dentro de uma mesma

população pesquisada. A investigação de Bourdieu e Darbel (2007) com visitantes de museus de

37 Por meio de testes estatísticos de correlação, com o auxílio do software SPSS (Statistical Package for Social Sciences), utilizado no tratamento dos dados quantitativos deste trabalho. 38 Para fazer a observação do comportamento do público diante de determinadas obras, utilizei um caderno de anotações e uma câmera de vídeo e fotografia. Parte desse material está apresentado no capítulo 4 e nos apêndices.

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arte europeus, mencionada anteriormente, já havia demonstrado a adequação do método a um

objeto de pesquisa semelhante, por meio do qual foi possível encontrar descobertas importantes

na relação do público com a arte, sendo até hoje uma referência fundamental na área.

Obviamente, que esse caso demandou uma combinação sofisticada de instrumentos

investigativos, durante quase dois anos de idas a campo, em diferentes países da Europa.

Contudo, penso que a questão maior não está no método e, sim, na utilização e na interpretação

dos dados. De uma forma ou de outra, a aplicação de um questionário ou a realização de uma

enquete, como sugere a etimologia da palavra inglesa survey39, adéqua-se bem a pesquisas sobre

gosto, atitude e opinião, sejam elas sondagens de caráter meramente descritivo ou análises mais

profundas, como foi o caso das realizadas pelos pesquisadores franceses. Foi nesse sentido que

procurei utilizar aqui o método quantitativo.

Para tanto, o trabalho lançou mão de uma amostra não probabilística, definida a partir

do universo de visitantes espontâneos da 29ª Bienal de São Paulo. Parti da premissa feita por

Earl Babbie (2003) de que apesar de os métodos de amostragem probabilísticos predominarem

entre as pesquisas sociais como os mais confiáveis, há situações em que seriam dispendiosos

demais ou mesmo a representatividade exata, desnecessária (idem, p. 152-153). Foi um pouco o

caso deste trabalho. Mesmo tendo ciência de que o rigor demandado pelas pesquisas estatísticas

seria importante para afirmar as relações observadas, obedecer ao cálculo de uma amostra

probabilística para população infinita (acima de 100 mil elementos) demandaria que eu

aplicasse sozinha, durante o período da exposição (pouco mais de dois meses), cerca de 400

questionários.

Por um lado, esta seria a opção mais adequada, considerando que o público da bienal de

2010 foi contabilizado em cerca de 530 mil visitas40, tendo sido quase a metade dessa

quantidade composta por visitantes espontâneos, foco deste trabalho41. Por outro, também seria

a opção mais dispendiosa para uma pesquisa de mestrado, o que me levou a aplicar 100

questionários, recorte amostral mínimo, segundo consenso de pesquisadores, para trabalhar os

tratamentos estatísticos. A demanda pela formulação de algumas questões abertas também me 39 Pela definição do Longman Dictionary of Contemporary English (2000, p. 1.455, tradução nossa), survey significa “uma série de perguntas que você faz a um grande número de pessoas a fim de descobrir suas opiniões e seu comportamento”. 40 O número do público espontâneo é de visitas registradas na catraca e não de visitantes. Cada um deles pode ter ido mais de uma vez ao Pavilhão da Bienal, o que costuma ser comum, diante do tamanho da exposição. Além da catraca, a contagem por meio das visitas agendadas e guiadas também foi utilizada na 29ª edição. Estas últimas somaram, segundo dados da Fundação Bienal, 287.261 visitas, ou seja, mais da metade do público total do evento em 2010. Desse montante, 10.793 foram de visitas espontâneas atendidas pelo Educativo. Isso quer dizer que a suposta “populaç~o m~e” desta pesquisa seria de 253.532 indivíduos, a soma do público espontâneo da 29ª edição. Mas como esse foi um número de visitas e não de visitantes, fica difícil mensurar a quantidade real de elementos. 41

Como o público da Bienal de São Paulo costuma ser flutuante a cada edição, isso também me impossibilitou de prever uma população exata. A edição anterior à pesquisada (de 2008), por exemplo, contou com menos de 100 mil visitas espontâneas – valor que seria de referência para calcular a amostra em uma população infinita. Diante desse “fracasso” de público, a estimativa da Fundação Bienal para a edição de 2010 era receber cerca de 1 milhão de visitas no total, sendo prevista cerca da metade dessa fatia de visitação de escolas e grupos agendados. Muitas destas visitas, porém, foram canceladas devido a problemas com transporte (CYPRIANO, nov. 2010, p. E4).

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levou à escolha por esse número de entrevistados, assim como a necessidade de observar o

comportamento do público de perto – tanto na coleta dos dados via questionário, quanto por

meio da técnica da observação. Infelizmente, não tive tempo hábil para fazer tudo isso sozinha e

ainda dar conta de uma amostra com quase 400 elementos (da coleta ao tratamento dos dados).

É certo que essa escolha acabou limitando meu poder de análise, mas não acredito que tenha

invalidado a pesquisa. Se esta não pôde contar com o rigor matemático requerido por sua

natureza quantitativa, também não deixou de apontar tendências reveladoras, que, aliás,

indicaram a mesma direção observada por Bourdieu e Darbel (2007) com os visitantes dos

museus de arte da Europa. Para realizar as análises, portanto, tomei como base as referências de

tal pesquisa, sem perder de vista as peculiaridades da relação com a arte contemporânea, meu

foco analítico.

Composta por cem elementos, a amostra ficou definida da seguinte forma: visitantes

espontâneos da 29ª Bienal de São Paulo que fossem brasileiros do sexo feminino e masculino, e

tivessem idade mínima de 16 anos. Além disso, os respondentes deveriam ter concluído a visita

pela exposição da bienal, independente do tempo despendido no percurso. Por razões de recorte

metodológico, ficaram excluídos da amostra grupos de escola e excursão, além de funcionários e

prestadores de serviço da Fundação Bienal (arte educadores, seguranças, faxineiros, vendedores

da livraria, curadores, artistas etc.), bem como estrangeiros visitantes da exposição. Acredito que

nesses casos, fugiria do enfoque de pesquisa.

Os estudantes menores de 16 anos, geralmente levados pelos colégios, por exemplo,

costumam estar em processo de formação do habitus e do gosto pela arte. Não que adolescentes

mais novos fossem necessariamente desprovidos de capital cultural e da apreciação por bens

artísticos, condições supostamente garantidas entre os visitantes mais velhos. No entanto, a

probabilidade de pessoas acima dessa faixa etária já ter passado por seus anos de escola e

educação familiar, capazes de sedimentar uma inculcação cultural e um dado valor de arte, seria

maior do que o contrário. Foi considerando isso, portanto, que me orientei por essa escolha. Já

os estrangeiros vinham de contextos distintos do Brasil, com seu “capital cultural nacional”

(BOURDIEU; DARBEL, 2007, p. 66) diferente de outros países onde o sistema de ensino é mais

antigo e eficiente. A população amostral foi mais bem definida a partir das primeiras idas a

campo, assim como o questionário, modificado após pré-teste com sete visitantes.

Cheguei à Bienal de São Paulo numa manhã de sábado do dia 25 de setembro de 2010,

data oficial de abertura ao público da 29ª edição do evento, que funcionou de domingo a

domingo, pela manhã, tarde e noite, até 12 de dezembro do mesmo ano. Quatro dias antes, o

Pavilhão da Bienal (Pavilhão Ciccillo Matarazzo) havia aberto as portas para um vernissage

restrito a convidados. Decidi chegar com o público geral, porque era com ele que iria seguir

meus passos todos os dias em que ali estive realizando a pesquisa. No total, foram mais de 20

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idas ao local até o dia 24 de outubro, quando concluí o trabalho de campo. Ao longo desse mês,

trilhei o seguinte percurso: passei a primeira semana em período exploratório, sondando o

terreno e realizando o pré-teste; nas semanas restantes, apliquei os 100 questionários com os

visitantes previstos na amostra; e, por último, observei o público diante das três obras que os

entrevistados citaram como as que mais gostaram e as três que menos gostaram – uma decisão

feita a partir da vivência em campo.

Nesse período, também visitei várias vezes a exposição, antes e durante a aplicação dos

questionários, percorrendo os quatro pavimentos (térreo mais três andares) do pavilhão quase

diariamente. No local, estavam sendo expostos cerca de 850 trabalhos, de 159 artistas

brasileiros e estrangeiros42, volume que me impeliu a voltar várias vezes à mostra, após

entrevistar o público. Como se pode ver no questionário (apêndice 1), as questões 20, 23 e 28

solicitavam aos entrevistados que citassem ou descrevessem obras específicas que gostaram e

não gostaram. Isso fez com que eu precisasse conhecer mais de perto os trabalhos com os quais

os visitantes estavam interagindo, pois era difícil me lembrar de todos. Nesse momento, passei a

ver a exposição com os olhos do público, um processo tão interessante quanto necessário para

melhor compreender suas preferências e suas opiniões, despertadas pelas obras. Mas não

precisei ver em detalhes todos os trabalhos expostos, porque a própria visão dos visitantes foi

seletiva e as escolhas, repetitivas, diminuindo, por assim dizer, a própria dimensão da bienal.

3.1.1. Coleta dos dados

Para aplicar os questionários, procurei contemplar os três turnos (manhã, tarde, noite) e

os sete dias da semana (de segunda a domingo) em que a exposição abriu à visitação, durante o

período em que lá estive. A fim de tornar a amostra mais heterogênea possível e compensar a

dificuldade em obter aleatoriedade, busquei alternar a abordagem aos respondentes por idade e

sexo, respeitando o fluxo dos visitantes e a sua disponibilidade em responder o questionário. No

geral, como já havia percebido Cristina Freire (1990), o público espontâneo da Bienal de São

Paulo se mostrou bastante solícito em participar da pesquisa, salvo algumas exceções.

Foi na rampa de entrada e saída do pavilhão, no lado interno da mostra, que me

posicionei para abordá-lo. Preferi o lado de dentro, porque tinha à disposição o contexto das

obras, próximo e fresco, e também porque do lado de fora já havia as pesquisadoras do Instituto

Dados e Fatos, contratado para realizar uma sondagem de satisfação com os visitantes da 29ª

edição. Percebi ainda que na área externa, onde algumas vezes tive de aplicar o questionário,

após o horário de fechamento da mostra, muita gente já deixava o lugar com muito mais pressa.

Na rampa, os respondentes se mostraram mais predispostos a opinar sobre o que haviam visto.

42 Dados da Fundação Bienal (jan. 2011), divulgados no site www.29bienal.org.br.

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Para interceptar os visitantes, costumava chegar com um sorriso e a seguinte pergunta:

“Com licença, j| visitou a bienal?”. Em seguida, me apresentava e explicava que se tratava de uma

pesquisa de mestrado sobre a relação do público com a arte contemporânea, indagando se

toparia participar. As repostas se revezavam entre “Sim, tudo bem”; “Vai demorar muito?”; ou

“Estou sem tempo, meu Zona Azul est| vencendo”, mais frequente nas mudanças de turno. Como

mencionei antes, poucas pessoas se indispuseram em colaborar com o trabalho e quando

negavam, eu tentava insistir, apresentando a carta de autorização da Fundação Bienal ou

explicando que a entrevista demorava de 10 a 15 minutos. Este último argumento foi uma

estratégia que encontrei, aliás, para travar uma relação de confiança com os respondentes. De

certa forma, deu certo. Quem não tinha esse tempo dizia que não podia mesmo e quem tinha

relaxava mais, mesmo por vezes reclamando da extensão do questionário (com 59 questões).

Apesar de ter elaborado um questionário autoaplicável, preferi realizar as entrevistas

face a face, com a exceção das raras vezes em que alguns entrevistados pediram para responder

sozinhos às questões. Senti que ao travar uma relação mais próxima com o pesquisado,

facilitaria tanto o processo de coleta quanto de análise dos dados. Dessa forma, pude, então,

sentir o rumo que o trabalho estava tomando, ao ter contato com a entonação e os gestos das

falas dos respondentes. Tal opção também evitou uma quantidade grande de respostas em

branco (os missings), como costuma acontecer, assim como tornou possível questionar mais os

entrevistados, sempre que necessário.

Após a primeira semana de trabalho, percebi que havia uma diferença visível entre os

visitantes da semana e do fim de semana, assim como dos turnos (dia x noite) – observações

compartilhadas, aliás, com uma das arte educadoras da mostra com a qual conversei. Nos finais

de semana, os comportamentos pareciam ser mais próximos da lógica do entretenimento e os

julgamentos, menos afeitos à arte contemporânea. Essa aparente distinção me fez dividir a

aplicaç~o dos question|rios “meio a meio” – metade da amostra ficou entre segunda e sexta, e o

restante, nos sábados e domingos. Essa foi outra tentativa de tornar a população pesquisada

mais diversificada, a fim de que pudesse observar as diferenças entre as categorias das variáveis.

Coincidentemente, uma divisão semelhante se manifestou, sem que eu fizesse cálculo algum, em

relação ao sexo dos respondentes, que procurei variar por meio de uma abordagem espontânea

e acidental – 51% do público eram de homens e 49%, de mulheres.

a) O questionário

Tendo como referência os questionários utilizados nas pesquisas de Bourdieu e Darbel

(2007) na Europa e de Bourdieu (2008) na França, o conjunto de questões elaboradas para o

presente trabalho foi construído com vistas a buscar diferentes respostas ao objetivo proposto.

A intenção foi relacionar as características gerais do entrevistado (idade, sexo, residência,

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escolaridade, renda etc.), a sua experiência com a arte contemporânea na visita à 29ª Bienal de

São Paulo e os seus hábitos culturais para além do contato com as artes visuais. Para tanto, dividi

o question|rio em três partes, na seguinte ordem: “Dados pessoais”, “Sobre a visita” e “Pr|ticas

culturais”, compondo um total de 59 perguntas fechadas e abertas (apêndice 1).

Ainda no pré-teste, percebi que a primeira seção do questionário não poderia

intermediar o contato inicial com o entrevistado, por conter perguntas mais pessoais,

relacionadas a variáveis como idade, escolaridade, profissão e renda. Senti que o visitante

abordado demonstrava ficar um pouco intimidado em responder as perguntas seguintes, depois

de ter revelado sua renda, por exemplo. Por isso, deixei as nove perguntas da primeira parte

para o final da conversa. A entrevista ficou tendo, então, como ponto de partida a segunda parte

do questionário, cujo início levava o entrevistado diretamente para seu grau de satisfação em

relação à bienal e, na sequência, ao que era de extrema relevância para o trabalho: o contato com

as obras expostas. Tal escolha me aproximou mais rapidamente das pessoas abordadas, assim

como da fruição vivenciada por elas no contexto da bienal.

Contendo questões que estimulavam o respondente a citar ou descrever um trabalho

específico que havia gostado e outro que não havia gostado, a segunda seção do questionário

condensou perguntas importantes, revelando preferências e ideais de arte do público

pesquisado. Prevendo que o entrevistado pudesse se esquecer dos trabalhos vistos, acrescentei

duas obras expostas {s perguntas, a fim de “forçar” a fruiç~o e a opini~o. Mas isso pouco

aconteceu, principalmente nos casos em que expressavam aprovação por algum trabalho. De

todo jeito, as obras escolhidas inicialmente para estimular esse diálogo foram: a série de

desenhos Inimigos, de Gil Vicente (PE), e a instalação Bandeira branca, de Nuno Ramos (SP).

Enquanto a primeira representaria uma linguagem artística mais tradicional, pertencente à

tendência figurativa abarcada pelo paradigma moderno, a segunda seria uma manifestação

própria da arte contemporânea, com a hibridização de suportes (objeto escultórico, som e

animais vivos – os urubus). Coincidentemente ou não, o público entrevistado chegou a citá-las

antes mesmo de eu chegar a essas questões. Na verdade, ambas foram as mais emblemáticas e

polêmicas da 29ª edição da bienal, como eu suspeitava. Isso facilitou meu trabalho, pois grande

parte dos entrevistados já tinha visto essas obras, situadas estrategicamente no pavilhão.

A partir do 39º entrevistado, vi-me obrigada a substituir, no questionário, o trabalho de

Nuno Ramos pela instalação Simultâneo, fragmentado, descontínuo, do português Carlos Bunga,

localizada justamente na rampa onde me posicionei para abordar os visitantes. Isso porque o

Ibama, órgão de defesa do meio ambiente, ordenou, em outubro de 2010, a retirada dos três

urubus de Bandeira branca, o que acabou comprometendo a relação do público com o trabalho.

A solução funcionou e assim segui do 39º ao 100º entrevistado com uma segunda versão do

questionário.

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3.1.2. Considerações metodológicas da análise dos dados

A fim de mensurar o gosto relacionado à arte contemporânea, centrei a análise inicial dos

dados na acepç~o mais geral do termo “arte contempor}nea”, foco deste capítulo, deixando para

o próximo o exame da relação com as obras específicas, por meio das escolhas e dos julgamentos

proferidos pelo público. Para tanto, considerei, em um primeiro momento, a análise das

respostas { pergunta “Como é a sua relaç~o com a arte contempor}nea? Tende a gostar? Por

quê?”, que norteou, em parte, o problema de pesquisa. Por figurar no questionário como uma

questão aberta, foi necessário agrupá-la, para fins de análise estatística, em categorias fechadas,

tornando-a uma variável ordinal.

A primeira hipótese do trabalho43 foi testada a partir dessa questão, que se revelou dúbia

e pouco segura para que eu pudesse continuar o cruzamento das informações, conforme

mostrarei mais na frente. Por essa raz~o, passei a utilizar a quest~o sobre “artistas pl|sticos

favoritos”, que, por ser aberta, também foi agrupada em categorias, com nível de mensuração

nominal. Em todo caso, ambas as perguntas foram escolhidas como ponto de referência para

avaliar os fatores condicionantes da relação público-arte contemporânea (geral), através do

cruzamento de dados que poderiam a vir influenciar nessa interação.

As vari|veis escolhidas para testar possíveis correlações com tal gosto foram: “nível de

escolaridade”, “frequência com que acompanha arte contempor}nea”, “profiss~o”, “frequência de

contato com artes plásticas na inf}ncia e adolescência”, “influência da família”, “influência da

escola”, “frequência com que assiste TV”, além de vari|veis referentes a pr|ticas culturais que

poderiam estar ou n~o atreladas ao gosto por arte contempor}nea, como “frequência com que

vai a espet|culos de dança”, “tipo de dança que vê mais”, “contato com artes visuais”, “contato

com cinema” (filmes), “contato com música” e “contato com literatura”. Por alternarem o nível de

mensuração entre ordinal e nominal, realizei os testes estatísticos Gamma e V de Cramer, a fim

de averiguar se havia ou não correlação entre essas variáveis e o gosto aqui tratado.

Como costuma ser comum a pesquisas em que o tamanho da amostra é reduzida, muitos

dos resultados desses tratamentos chegaram até a apresentar uma correlação, mas o valor da

significância não atendeu, na maioria dos casos, ao nível de confiança de 95%, o mínimo

considerado para se fazer afirmações estatísticas com segurança. Tendo em vista tal questão, e

as próprias condições desta pesquisa de mestrado, optei por reduzir o nível de confiança para

90%, admitindo o caráter mais exploratório e experimental do trabalho. Apesar da

impossibilidade de algumas afirmações estatísticas, seguindo o rigor do método, não significa

dizer, como disse anteriormente, que as correlações não apontaram, por meio das diferenças de

percentuais entre alguns grupos analisados, tendências sintomáticas e reveladoras para 43

A frequência dos visitantes que tendem a estranhar/rejeitar a arte contemporânea é maior do que a dos que tendem a reconhecê-la/aceitá-la.

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entender a relação aqui estudada. Foi, portanto, com elas que procurei aprofundar a análise dos

dados, considerando caso a caso.

Vale ressaltar que após a ida a campo, percebi que as várias hipóteses elaboradas na fase

do projeto atrapalharam mais o processo de análise do que ajudaram. Por esse motivo, muitas

das correlações testadas foram feitas sem necessariamente uma preocupação de comprovar tais

pressupostos metodológicos. Outras hipóteses, porém, foram fundamentais para a pesquisa. Boa

parte de seus testes será mais bem explorada no próximo capítulo.

3.2. A Bienal de São Paulo

Sob o ponto de vista do funcionamento do campo artístico, e da sua relação com outras

instâncias sociais (mercado, escola, família etc.), as bienais de arte cumprem no mundo uma

função estratégica de legitimação e divulgação da arte contemporânea, com alcance massivo. Se

os salões de arte do século XIX, em Paris, exerceram um papel de extrema importância no

estabelecimento de um status artístico moderno, ampliando o contato do grande público com as

obras de arte, nos séculos XX e XXI são as bienais quem melhor desempenham essa tarefa em

relação ao paradigma contemporâneo. Com a diferença de que eventos desse porte têm hoje

uma dimens~o internacional, reforçando o car|ter de rede que marca o atual “mundo” artístico,

como reforçam as autoras Raymonde Moulin (2007) e Anne Cauquelin (2005).

Ao explorar a influência do valor simbólico da obra de arte, definido pelo campo, no

mercado artístico, Moulin (2007) acredita que ainda são os museus (no caso de arte

contempor}nea) “a inst}ncia de maior validaç~o da arte” (idem, p. 30). Diretores, críticos,

conservadores e curadores, em consonância com galeristas, colecionadores e marchands, estão

segundo ela empenhados em definir determinados valores artísticos e ideais de arte, bastante

influenciadores dos preços instáveis do mercado. Isso só demonstra o papel legitimador dos

especialistas do campo, cujo esforço é sempre definir o que seja ou não arte, chegando a uma

espécie de consenso que se torna um veredicto, apesar dos pontos de vista contrários.

Embora não tenham a mesma força sacralizadora e legitimadora dos museus, as bienais

não caminham na sua direção contrária. Na verdade, funcionam, em larga escala (por número de

público, obras e artistas reunidos), como verdadeiros reforços de comuns “acordos” artísticos,

atuando como “grandes momentos de sociabilidade artística e lugares privilegiados de trocas de

informaç~o” (idem, ibdem). Ainda para a Moulin, as bienais se configuram como espaços de

elevação da reputação dos artistas, perante a crítica e o público, contribuindo dessa maneira

para a “estandardizaç~o das escolhas dos colecionadores e dos diretores de museu” (idem,

ibdem). Isso significa dizer que ainda que a dinâmica das bienais seja distinta da dos grandes

museus, segundo reforçam autores como Cristina Freire (1990), elas não se eximem da tarefa de

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consagrar um dado valor de arte, digno da lógica das instâncias legitimadoras da produção

artística. É sob essa perspectiva que abordo a Bienal de São Paulo, entendendo-a como um

terreno fértil para analisar a relação do público com a arte contemporânea, crucial para manter

o seu contínuo funcionamento e prestígio no campo artístico.

São diferentes os sentidos atribuídos à Bienal de São Paulo, cuja realização desde 1951,

na capital paulista, vem fazendo dela uma grife internacional. Mesmo com uma história de altos

e baixos, permeada por crises e polêmicas de toda ordem, conforme relatam Francisco Alambert

e Polyana Canhête (2004), sua vocação para se regenerar tem sido evidente ao longo desse

tempo. Isso graças à articulação dos atores do campo com os próprios agentes de suporte à arte

(os patrocinadores e as leis de incentivo à cultura).

Contexto do presente trabalho, a 29ª edição foi um desses exemplos de como se articula

o conjunto de aparatos necessários para reerguer a grande mostra e a própria Fundação Bienal,

responsável por sua realização, sempre que for necessário (e possível). Aliás, a palavra que

batizou a ediç~o de 2010 foi “retomada”, capaz de sintetizar a promessa de recuperaç~o da

imagem e do prestígio da fundação (CYPRIANO, set. 2010, p. 2), abalados após quase uma década

de crises na administração, nos cofres e nas curadorias do evento. Desempenhando geralmente

uma função cooperativa, jornais, televisões, rádios, sites e outros meios de comunicação

cuidaram bem de espalhar aos quatro ventos que se tratava da “bienal da retomada”. E uma vez

informados pela assessoria de comunicação da Fundação Bienal, conseguiram transmitir ao

público o espírito regenerador que marcou a 29ª edição.

Ancorada no projeto dos curadores Agnaldo Farias (MG/SP) e Moacir dos Anjos (PE), a

bienal de 2010 foi, portanto, desenvolvida com o propósito de reafirmar a importância nacional

e internacional do mega evento e da instituição que lhe dá suporte. Para isso, sustentou-se como

uma resposta à 28ª edição, de 2008, rotulada como a “Bienal do Vazio” – signo do ápice do

problema administrativo e financeiro que a fundação vinha enfrentando desde os fins dos anos

1990. Tal edição, curada por Ivo Mesquita, gerou polêmicas não apenas por ter deixado o

segundo andar do pavilhão sem nenhuma obra exposta, mas pela forma como a instituição lidou

com a invasão dos pichadores ao pavimento vazio, mostrando-se conivente com a prisão de uma

das garotas envolvidas no ato. Independente das razões institucionais, a postura da fundação

trouxe sérios problemas políticos para a bienal, gerando uma repercussão negativa do evento

perante a opinião pública, ecoada, por sua vez, através da imprensa e da comunidade artística.

As consequências da mostra Em vivo contato (bienal de 2008) passaram desde um rombo

financeiro até a mudança da presidência, tornando possível a realização de uma 29ª edição à

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altura das ambições de uma bienal de arte como a de São Paulo44 – considerada, no campo

artístico, uma das mais antigas e prestigiadas no mundo.

Diante disso, o discurso curatorial de Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias se pautou pela

defesa do potencial transformador da arte, vista como uma dimens~o insepar|vel da política. “É

o amálgama dessas duas dimensões (arte e política) que assegura, simultaneamente, o lugar

único da arte na organização simbólica da vida e sua capacidade de esclarecer e de refazer as

formas em que o mundo se estrutura”, escreveram os curadores (DOS ANJOS; FARIAS, 2010, p.

19, parênteses nossos). Um sinal de que a 29ª Bienal de São Paulo se posicionou duplamente:

primeiro, em seu compromisso de recuperar a força institucional da fundação e, segundo, em sua

tarefa de seguir legitimando a arte contemporânea, refazendo-se, assim, como elo marcante da

rede artística mundial. Para tanto, contou com um aporte financeiro de R$ 30 milhões

(orçamento estimado do evento), quase três vezes o valor da edição anterior.

Intitulada Há sempre um copo de mar para um homem navegar, a bienal de 2010 evitou

grandes riscos, procurando restituir as bases que fez o evento se firmar na sua história como

“um acontecimento único na cultura brasileira (e com poucos equivalentes no resto do mundo)”

(ALAMBERT; CANHÊTE, 2004, p. 13). Mesmo sendo pensada com algumas inovações45, a “bienal

da retomada” n~o poderia ter tido melhor apelido, justamente por ter sido pensada para

restabelecer o posto de mega mostra, inspirada na Bienal de Veneza e nas grandes exposições

universais do começo do século XX (FREIRE, 1990, p. 77). Essa marca distintiva vem tornando a

Bienal de S~o Paulo um evento de massa marcado pela “espetacularizaç~o”, como enfatizam

alguns autores (ALAMBERT E CANHÊTE, 2004; FREIRE, 1990; OLIVEIRA, 2006/2007)46. Aliás,

talvez seja o único momento, no Brasil, em que a arte contemporânea receba um público bem

maior do que seus habituais museus, exposições e eventos no País. Uma quantidade de visitantes

“proporcional” ao extenso e diverso número de obras, que os passantes n~o conseguem absorver

em uma só visita.

Desde os anos 1980, essa tem sido a principal característica da Bienal de São Paulo, cujos

projetos de apelo ao grande público vêm se alternando, no geral, para ser espécie de vitrine da

pluralidade contemporânea, expressa em um infinidade de vídeos, instalações, instalações

interativas (que demandam a participação do público), performances, objetos, esculturas,

pinturas, fotografias, desenhos e o que mais couber dentro do “caldeir~o” da arte

44 A própria participação dos pichadores na 29ª edição foi uma espécie de mea-culpa da Fundação Bienal. 45 Valendo-se do conceito de articulação com o espaço/território, os curadores procuraram criar soluções “cênicas” ao longo do percurso expositivo no pavilh~o. A montagem “labiríntica” e a opç~o pelos chamados “terreiros” foram tentativas de inovação pensadas para reforçar o caráter participativo da arte contemporânea e seu potencial político. Sendo núcleos organizadores, os terreiros funcionaram como locais de convívio, reflexão e descanso do público. 46 Apesar de relatarem o burburinho que a Bienal de São Paulo provocou desde a sua primeira edição, Francisco Alambert e Polyana Canhête (2004) definem o momento de espetacularização e massificação da bienal dentro do que compreendem como a “A era dos curadores (da XVI à XXIV bienal)” (idem, p. 15). O período, que vem desde os anos 1980 e parece se estender até os dias atuais, é marcado pela ascensão da figura do curador, pelo apelo ao grande público e pela relação do evento com as grandes empresas, os banqueiros e a mídia.

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contemporânea. Essa pluralidade se define, sim, pelas fronteiras curatoriais, mas está sujeita a

concessões sempre que for necessário e houver interesse da instituição em atrair uma ampla

quantidade de visitantes. O apelo à diversidade, à popularidade e muitas vezes à polêmica deve

ser entendido não apenas como um aspecto comum às grandes manifestações culturais para a

arte contemporânea, mas como uma estratégia para atrair o maior número possível de pessoas e

gostos – igualmente “plurais”.

Segundo lembra Maria de Fátima Morethy Couto (2004), essa marca da Bienal de São

Paulo foi fortemente impulsionada pela construção de um ideal artístico brasileiro nos anos

1960. Ideal esse claramente ancorado em figuras-chave da “vanguarda participacionista”

(SOARES, 2005), como o artista Hélio Oiticica e o crítico de arte Mário Pedrosa, um dos grandes

defensores da abertura da bienal para as “massas”. Nesse sentido, Couto (2004) considera a IX

Bienal de São Paulo, ocorrida em 1967, como um marco na disseminação dessas ideias e na

divulgaç~o, no Brasil, de um novo paradigma artístico, capaz de romper “com a noç~o de

‘dist}ncia psíquica’, noç~o essa que marcara a época moderna” (idem, p. 218). É nesse momento

que a bienal começa a demandar a participação do espectador em seu projeto, priorizando

objetos e instalações, que traziam nas entrelinhas uma oposição à contemplação passiva

demanda pelas pinturas e esculturas modernas. Estas últimas, por sua vez, não deixaram de

integrar a exposição, sobretudo nas famosas salas históricas/especiais, que ao abrigarem obras

de artistas consagrados da arte moderna (Paul Klee, Pablo Picasso, Van Gogh etc.) alavancaram,

por um bom tempo, o sucesso de público da Bienal de São Paulo. Hoje, no entanto, são cada vez

mais raras. Foi por meio das grandes instalações “interativas” que a bienal se firmou como uma

espécie de baluarte da arte “democratizadora” e antimoderna, na verdade da própria arte

contemporânea, profetizada por um discurso de acessibilidade a todos que perdura até hoje.

Na visão de Maria Bonomi (2001-2001 apud ALAMBERT e CANHÊTE, 2004, p. 44), o

apelo da bienal ao grande público faz parte do projeto ambicioso de seus realizadores de

transformá-la em uma “grife” distinta de outras mostras. Por isso, desde muito cedo o esforço foi

em fazer do evento um acontecimento à altura do boom desenvolvimentista industrial por que

passava o Brasil, sobretudo São Paulo, em meados do século XX. A proposta era dialogar com a

cena internacional e tirar o país do isolamento, ao mesmo tempo em que se proclamava certo

discurso nacionalista. A bienal cumpriu esse papel, mas para se firmar como uma marca no

cen|rio artístico mundial, precisou recorrer a alguns princípios estratégicos: “um princípio

voltado ao coletivo, à maior quantidade de público, de artistas, de participantes; (outro a)

apostar tudo no conceito de ‘novidade’ e polêmica [...]; e (ainda) centrar-se igualmente na idéia

da multiplicidade e diversidade da arte contempor}nea” (idem, ibdem, parênteses nossos).

Na sua tarefa de retomada, a 29ª Bienal de São Paulo procurou cumprir bem esses e

outros requisitos que fazem da exposição um megaevento de artes visuais há quase 60 anos.

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3.3. Análise dos dados

As análises sobre a Bienal de São Paulo, principalmente no que tange a sua vocação para

o grande público, costumam tratá-la como um fenômeno profano e dessacralizador da arte, onde

impera a lógica do espetáculo, do entretenimento, do consumo e do olhar passageiro (FREIRE,

1990). Os dados do presente trabalho, contudo, apontam que é necessário analisá-la também em

seu aspecto “sacralizador” e segregador, próprio das iniciativas que carregam o status de arte.

Como afirmei acima, a dinâmica particular da bienal não a exime de ser uma instância de

consagração de um dado paradigma artístico (o da arte contemporânea), que, aliás, conta com

seus fiéis escudeiros atuando dentro da lógica do campo artístico no qual o evento se insere.

Ao analisar o perfil do público pesquisado na 29ª edição do evento, pode-se perceber, de

saída, que expressa características semelhantes às detectadas por Pierre Bourdieu e Alain

Darbel (2007) na pesquisa com visitantes de museus europeus. As marcas personificadas por

esses “templos” sagrados da arte, com os quais a Bienal de S~o Paulo procurou romper em seu

discurso e em sua história, escondem-se por entre instalações, objetos, vídeos e colunas

arquitetônicas aparentemente despretensiosas da bienal. O caráter profano, massivo e

participativo proclamado pela mega exposição, em oposição ao paradigma moderno, parece não

tirar a sua característica de ser um evento de arte, com todas as glórias e os “percalços” de assim

ser. Uma vez expostas na bienal, mesmo no formato de uma espécie de “feira de arte” (FREIRE,

1990, p. 65), as obras adquirem um status que fora da instituição não teriam. Ainda que algumas

pessoas discordem, elas possuem por isso mesmo uma validação extremamente consagradora.

Isso significa dizer que, seguindo o raciocínio de Bourdieu e Darbel (2007), a arte

contemporânea exposta na Bienal de São Paulo não parece ser tão próxima e acessível a todos

como se prega. Refiro-me ao público espontâneo, foco deste trabalho, geralmente motivado por

uma “necessidade cultural” (idem, p. 69), associada aos mais instruídos. Mesmo com entrada

franca e milhares de visitantes, o evento não se mostra, de antemão, tão aberto assim quanto se

imagina e se difunde – ou quanto desejaram os vanguardistas brasileiros dos anos 1960. Grosso

modo, quantidade aqui implica “qualidade”. Vejamos, pois, como os números referentes aos

visitantes da 29ª edição são elucidativos nesse sentido.

Ao considerar o nível de escolaridade dos respondentes, é bastante sintomático que

tenha encontrado 86% do público pesquisado no nível superior ou acima dele47. Tendência,

aliás, também registrada por Néstor Canclini (1997) entre os visitantes de museus mexicanos e

por Bourdieu e Darbel (2007) nos museus europeus48, onde grande parte do acervo é composta -

47 Como se sabe, pode acontecer de os pesquisados aumentarem intencionalmente seu grau de escolaridade. Mas ainda que fornecessem uma informação falsa, esse já seria uma indicativo de que, no meio artístico, tal característica é uma valor que importa muito. No entanto, nesse caso senti uma sinceridade do público entrevistado. 48 No Brasil, uma pesquisa realizada por Cristina Freire com o público do Museu de Arte Contemporânea da USP também revelou que grande parte dos visitantes de suas duas unidades (Cidade Universitária e Ibirapuera) estava situada no nível superior (FREIRE, 1993, p. 139).

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por obras sacralizadas pela chamada “era da arte”, a que se refere Hans Belting (1994 apud

DANTO, 2006). Desse montante (ver gráficos abaixo), a maior parte (55%) estava cursando

alguma faculdade ou havia concluído uma graduação. Apenas uma pessoa respondeu ter ensino

fundamental incompleto (menor nível de escolaridade registrado pela pesquisa) e uma pós-

doutorado (maior nível registrado). Cerca de 30% dos entrevistados eram pós-graduados ou

pós-graduandos, estando mais da metade desse percentual no nível da especialização (lato

senso). Os que cursavam ou haviam concluído ensino médio, por sua vez, somaram 13% – sendo

a maior parte jovens com até 20 anos, faixa etária aproximada na qual geralmente se conclui a

etapa básica escolar no Brasil. Na 29ª Bienal de São Paulo, portanto, o público também se

mostrou majoritariamente universitário ou graduado, seguindo uma tendência das visitas às

exposições de arte no mundo ocidental.

1%

2%

1%

5%

5%

14%

3%27%

28%

6%7%

1%

Gráfico 1 | Nível de escolaridade dos visitantes

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Segundo observaram os pesquisadores franceses (2007), o nível de escolaridade se

apresenta como um forte indicador de acesso à arte, influenciando desde a motivação de ida a

uma mostra até a real possibilidade de gostarmos do que tem nela, ou mesmo de “deciframos” as

obras que vemos. Na verdade, trata-se de um dado fundamental para identificar o capital

cultural presente no habitus de alguns privilegiados; o mesmo capaz de despertar nosso apreço

pelos bens artísticos. E, como se sabe, não basta apenas pertencer a classes superiores, é preciso

ter instrução (principalmente da escola ou da família).

Mesmo não sendo o diploma o único meio de mensurar a posse desse capital, nele reside

o aspecto de ser a prática cultural, sobretudo de frequência a exposições de arte, bastante

atrelada à educação escolar que culmina no ensino universitário. E quanto mais próximos

estivermos da universidade, maior a chance de permanecermos mais tempo nela e de nos

aproximarmos da arte. Verei mais adiante em que medida o nível de escolaridade influencia nos

gostos e julgamentos referentes à arte contemporânea.

A idade dos respondentes (apêndice 2, tabela 4) também se configurou um dado

revelador, quando comparado à tendência das visitas aos museus de arte. De forma semelhante

a esses espaços, mais da metade do público pesquisado na 29ª Bienal de São Paulo era composto

por jovens adultos49. Dos entrevistados, 54% possuíam entre 16 e 32 anos, sendo 27% com

idade até 25 anos e o restante, até 32. Vale ressaltar que, mesmo sob a escolha arbitrária de

entrevistar maiores de 16 anos, não interceptei nenhum visitante mais novo que estivesse

espontaneamente na bienal – os menores de 16 anos geralmente estavam com suas escolas, o

que correspondia a uma parcela do público não considerada por esta pesquisa, conforme

justifiquei anteriormente.

Seguindo os grupos mais jovens, estava a parcela dos adultos mais velhos, alternando

entre as faixas etárias de 33 a 45 anos e de 46 a 75 anos (maior idade registrada), com igual

distribuição (23%) para cada um desses dois intervalos. Ocorre que no último grupo, havia

majoritariamente pessoas com idade entre 46 e 57 anos (quase 80% dos 23% que representam

essa faixa etária). Isso significa dizer que a população idosa foi infimamente representada na

exposição. Poderia especular se o tamanho da bienal, ocupando um prédio de 36 mil m² de área,

onde há centenas de obras para se olhar, não seria motivo para desencorajar os mais velhos, ou

mesmo a própria arte contemporânea em sua vocação experimental. No entanto, esse não é um

dado exclusivo do público da Bienal de São Paulo, mas comum ao dos próprios museus e das

exposições de arte em geral. Mesmo a frequência aos mais consagrados espaços museológicos

europeus tende a ser bem menor na medida em que a idade avança em direção aos 60 anos.

49 A idade também foi uma variável recodificada. Para facilitar a análise, reduzi seu nível de mensuração de escalar para ordinal, agrupando-a em faixas etárias hierarquizadas – do grupo mais velho para o mais novo.

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Para Bourdieu e Darbel (2007), essa relação também tem a ver com o nível de instrução,

pois “o efeito da aç~o escolar é tanto mais duradouro quanto mais elevado é o nível escolar

atingido” (idem, p. 39). N~o por acaso, 39,1% dos entrevistados situados na faixa etária mais

elevada (46 a 65 anos) possuíam pós-graduação ou eram pós-graduandos (apêndice 2, tabela 5),

em contraponto a 4,3% desse grupo que possuíam até ensino médio. No grupo dos 33 aos 45

anos, diferença semelhante foi verificada (52,2% contra 8,7%). De toda forma, a parcela

numerosa de jovens adultos no evento parece também ter relação com o nível de instrução (a

partir da graduação) identificado na maior parte do público, como foi mencionado acima.

Outra variável considerada no perfil do público aqui pesquisado foi profissão. Para

coletar a informação, deixei a questão (nº 4) em aberto, pedindo ao entrevistado para especificar

se o seu trabalho tinha relação ou não com a arte, caso afirmasse ser um professor, por exemplo.

Posteriormente, para fins de análise, optei por recodificar a variável nas seguintes categorias

nominais, definidas a partir da distribuição dos dados (apêndice 2, tabela 7): “profiss~o ligada {

arte”, “profiss~o indiretamente ligada { arte” e “profiss~o n~o ligada { arte”50.

A escolha por essa classificação passou pela necessidade de mensurar, no contexto da

bienal, as diferenças de gosto e julgamento entre os que exercem profissões ligadas à arte e

aqueles cujo ofício não tinha ligação com a área. Isso não quer dizer que esses últimos não

pudessem ter algum conhecimento em arte. Ainda assim, parti do entendimento que os

profissionais da arte (incluindo especialistas ou estudiosos, detentores da “verdade”) gozam de

uma posição privilegiada no campo, seja exercendo sua função de profissional ou o “simples”

papel de público. S~o eles os mais “autorizados” a falar sobre arte, porque “entendem”. Isso

resulta de uma combinação da formação com a profissão, tendo o próprio nível de escolaridade

também uma influência relevante na escolha desta última51. Ao considerar que o conhecimento é

a principal forma de poder no campo artístico, meu intuito foi testar essas distinções na relação

com a arte contemporânea, como verei mais adiante.

Após analisar as respostas, incluí na primeira categoria arte educadores, artistas

plásticos/visuais, professores de história da arte, demais artistas (músico, bailarino, escritor

etc.), jornalistas culturais, produtores culturais, cenógrafos, estudantes da área e até um chef de

cozinha, pois para Bourdieu (2008) a gastronomia refinada está associada ao gosto culto tanto

quanto a arte. Aliás, muitos especialistas hoje a classificam sob tal status – o próprio profissional

entrevistado, também enólogo, considerou-se com formação artística. Já na segunda categoria,

inseri arquitetos, designers, jornalistas, publicitários, fotógrafos (fotojornalistas), sociólogos,

50 As profissões também incluíram estudantes, que corresponderam a cerca de 30% do público geral. 51 Seguindo a visão de Bourdieu e Darbel (2007), trabalhar com arte tende a ser uma escolha possível graças a um processo de inculcação cultural, ou seja, de formação do capital cultural capaz de levar a decisões como ser professor de arte, arte educador, curador, crítico etc. A influência da escola e da família seria igualmente importante tanto para a escolha profissional quanto para a prática amadora relacionada à arte. Mesmo assim, o interesse das classes superiores parece ser mais em formar apreciadores de arte do que artistas.

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além de estudantes de arquitetura, comunicação (design, rádio e TV, jornalismo, publicidade

etc.) e de ciências humanas (história, psicologia, ciências sociais etc.), cujo aprendizado em arte

tangencia suas formações, de forma superficial ou não. Na terceira, por sua vez, considerei o

último grupo, composto por advogados, administradores, analistas de sistema, professores da

área de exatas, engenheiros, servidores públicos etc. A divisão apresentou a seguinte

distribuição entre as categorias:

No geral, como é de se prever, a assiduidade de arte educadores, professores e demais

especialistas do campo artístico em exposições e museus de arte costuma ser recorrente. Foi o

que demonstrou a pesquisa de Bourdieu e Darbel (2007), bem como esta realizada na 29ª Bienal

de São Paulo. Os percentuais do gráfico acima mostram que os visitantes com profissões ligadas

à arte não somaram a maioria (21%) do público espontâneo, é verdade. Mesmo assim,

representaram uma parcela relevante, se considerarmos que muitos desses profissionais

costumam estar mais presentes nos grupos de visita guiada ou mesmo a trabalho no evento do

que entre os visitantes espontâneos. Além disso, a bienal tem, a priori, um perfil mais “aberto” ao

“grande público”, ou seja, a pessoas que geralmente n~o v~o tanto a exposições de arte quanto os

profissionais da área, por exemplo. Deve-se considerar que 47% dos visitantes entrevistados

tinham profissões da área de conhecimentos humanos, ligados direta ou indiretamente à arte.

Lembro-me do quanto me chamou atenção a presença dos artistas, arte educadores e

estudantes de arte entre os entrevistados. Geralmente acompanhados de algum amigo ou

parente, esses profissionais eram indicados a responder o question|rio. “Entrevista ela, que

entende de arte”, aconselhavam os “acompanhantes” que eram interceptados por mim para

participar da pesquisa. Esse tipo de comportamento se revelou um sintoma de que, mesmo na

bienal, “entender” de arte parece se configurar um valor – como se sabe, forjado pelo campo

artístico. Se tal visão demonstra já estar impregnada no imaginário coletivo, é porque se

21%

26%

53%

Gráfico 3 | Profissão dos visitantes

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reproduziu a ideia de que a opinião a respeito da arte deve ser dada por “quem entende”, ou seja,

por quem est| autorizado para tal. Mesmo que eu explicasse que n~o precisava “entender” de

arte para responder o questionário, as pessoas se sentiam pouco à vontade, ao lado do

amigo/parente da área, para afirmar se gostavam ou não de determinada obra, ou se o que viam

poderia ou n~o poderia ser considerado “arte” para elas. Constrangimentos como esses devem

ser vistos senão como um efeito da distinção típica engendrada pelo campo artístico, a partir de

seu processo sócio-histórico de “autonomizaç~o”, capaz de requerer da fruiç~o um

conhecimento específico – o da estética, separando “conhecedores” de “n~o conhecedores”.

Embora a arte contemporânea se coloque à parte dessa exigência, não está dissociada do campo

que legitimou um status privilegiado para arte, nem da demanda por um determinado saber.

Já com relação à renda familiar mensal dos visitantes52, a coleta dos dados foi

inicialmente feita a partir de 12 faixas de renda, medidas por quantidades de salário mínimo –

na época (entre setembro e novembro de 2010), o equivalente a R$ 510. No questionário, esses

intervalos iam de “R$ 0 a R$ 510” até “Acima de R$ 10.200”. A distribuiç~o dos dados (apêndice

2, tabela 9) mostra que quase todas as categorias não passaram de uma representação de 15%,

com exceção da última e mais elevada, composta por quase 24% dos entrevistados. Para facilitar

a análise, e por não ser necessário haver rigor na estratificação de renda para a questão que aqui

analiso, optei por recodificar a variável, reagrupando-a em menos categorias. Para tanto, tomei

como base a referência do IBGE (2010 apud COELHO) para classe social (segundo renda)53 – que

não é, de forma alguma, relacionada ao conceito de Bourdieu54. Apenas para fins práticos

considerei tal divisão, definida hierarquicamente, segundo o nível de mensuração ordinal.

Após recodificar a variável, os valores da renda familiar dos visitantes foram

reagrupados em quatro novas categorias, da mais alta à mais baixa (ver apêndice 2): a primeira

compreendeu os respondentes cuja renda familiar mensal era superior a R$ 8.160; a segunda,

aqueles situados na faixa entre R$ 3.060 e R$ 8.159; a terceira, entre R$ 1.020 e R$ 3.059; e

quarta, o grupo com renda familiar mensal mais baixa, na faixa de R$ 510 a R$ 1.019. Feito isso, a

distribuição dos dados se apresentou da seguinte maneira (apêndice 2, tabela 10): as duas

categorias mais altas somaram 70,7% dos entrevistados. Os que afirmaram ter uma renda

familiar equivalente à terceira (e penúltima) faixa representaram 26,1% dos entrevistados, ao

passo que apenas 3,3% dos visitantes da pesquisa estavam compreendidos na renda mais baixa

52 Também coletei dados da renda individual mensal do visitante, mas percebi que não era tão necessário, pois mais importante seria considerar o maior valor, mesmo que a renda familiar fosse igual à individual. 53 Pelo IBGE (2010 apud COELHO), a “classe A” corresponde aos indivíduos com renda familiar acima de R$ 15.300; a “classe B” compreende os que recebem mensalmente de R$ 7.650 até R$ 15.299; a “classe C”, de R$ 3.060 até R$ 7.649; a “classe D”, de R$ 1.020 até R$ 3.059; e a “classe E”, até R$ 1.019. O reagrupamento da variável teve que abarcar valores aproximados a esses. Para isso, juntei as classes A e B em uma só. 54 Sabemos que o conceito de classe social de Bourdieu não tem a ver somente com a posse de bens econômicos ou de renda, geralmente o referencial das pesquisas de mercado e dos censos. Como afirmei, a utilização da referência do IBGE foi apenas um ponto de apoio para recodificar a variável em menos categorias.

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mensurada. Vale ressaltar que ninguém afirmou ter renda familiar abaixo de R$ 510. No total,

houve oito casos de missing (respostas em branco), representados por pessoas que afirmaram

não saber o valor da renda familiar ou preferir não responder a questão – o que geralmente

acontece nas pesquisas sociais.

Pelos dados apresentados, percebe-se uma tendência da Bienal de São Paulo em atrair

um público espontâneo bastante elitizado55. No caso da 29ª edição, a entrada gratuita não

pareceu fazer, portanto, diferença para a maioria. A possibilidade de girar a catraca do pavilhão

não teve a ver, portanto, com dinheiro no bolso, no sentido direto, mas com as condições

proporcionadas por determinada situação social de quem até ali pode chegar. Não é à toa que

apenas uma pessoa respondeu estar visitando a bienal porque a entrada era franca (apêndice 2).

Seguindo a lógica de Bourdieu e Darbel (2007), a renda deve ser vista como um fator

importante, mas não pode ser analisada como uma garantia de apreço à arte, ao menos que se

tenha também um bom nível de instrução, elemento crucial do capital cultural. Como se sabe,

quem possui um alto capital econômico não dispõe necessariamente de um elevado capital

cultural, e é este último que influencia e diferencia o gosto pela arte. Comparando os dados

apresentados no gráfico 2, referente ao nível de escolaridade, é possível perceber que, no

público pesquisado, houve uma combinação de renda com grau de escolaridade em níveis altos

para a realidade brasileira. O teste estatístico (apêndice 2) indicou uma correlação moderada

entre as variáveis renda familiar e nível de escolaridade. No entanto, essas diferenças foram

mais evidentes entre os grupos da mais alta e da mais baixa escala de renda. Dos pertencentes à

quarta categoria de renda, 0% estava no nível da pós-graduação e 0% tinha até o ensino médio,

ao passo que 6,1% estavam no nível superior, o que provavelmente levou esse grupo até o

evento. Na parcela mais abastada do público, 50% estavam situados no grau mais alto da

escolaridade, contra 34,7%, que eram graduandos ou graduados (0% estava na categoria do

ensino médio). É verdade que a renda tende a aumentar com o nível de escolaridade, mas essa

não é a questão deste trabalho – e nem sempre isso acontece no Brasil. A questão é que, no

território da arte, se há renda alta há provavelmente (ou necessariamente) um alto grau de

instrução, pois caso contrário não se veria ricos visitando exposições de arte. Não é à toa que os

indivíduos de classe média e “média-baixa” também foram vistos circulando por “vontade

própria” na bienal.

Sem dúvida, há de se considerar que a tendência da combinação da alta renda com o alto

nível de escolaridade no perfil do público pesquisado na 29ª edição da bienal se mostrou um

dado surpreendente. Foi capaz de sinalizar o caráter excludente da mega mostra, sob o seu

discurso da acessibilidade. No entanto, mais relevante é perceber, seguindo as observações de

55 O fato de cerca da metade do público pesquisado ter sido composto por moradores de São Paulo (capital) pode ter contribuído para o perfil elitizado. Mas os visitantes vindos de outras cidades também tinham condição privilegiada.

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Bourdieu e Darbel (2007), que na ida à bienal o que tem mais peso é o nível de escolaridade. Isso

não quer dizer que não houve diferenças de gosto e julgamento no que tange a relação com a

arte contemporânea. É o que investigarei logo mais.

Essas observações tendem a se confirmar quando se analisa as principais motivações

dos visitantes de ida ao evento – pergunta feita sem que eu mostrasse possibilidades de

resposta. Em uma mostra de arte, geralmente são poucas as pessoas que entram por acaso ou

apenas para acompanhar alguém. Também são poucos os que vão pela gratuidade da entrada ou

porque simplesmente “viram na TV”. Como demonstraram Bourdieu e Darbel (idem), as razões

de ida a um museu ou a uma exposição de arte não se constroem da noite para o dia, pela

“vontade repentina”. Tampouco o gosto legítimo, o verdadeiro “amor” pela arte. Ora, mas a

Bienal de São Paulo, e portanto seu público, não deve ser vista distintamente da lógica de

funcionamento dos espaços sagrados da arte moderna?

Os dados desta pesquisa apontam que boa parte dos visitantes da 29ª edição não esteve

no pavilh~o apenas a “passeio” ou por “obra do acaso” (apêndice 2, tabela 13), mas por ter

alguma relação com a arte. Entre os entrevistados, 40% afirmaram terem ido à bienal

espontaneamente por razões ligadas ao gosto pela apreciação artística ou mesmo à convivência

habitual com ela (por estudo, trabalho etc.), também atrelada ao gosto. Em outras palavras, que

ali estavam pelo fato de já serem público habitués da bienal e de exposições de arte. Já os que

afirmaram ter entrado na bienal por acaso (porque estava no parque e decidiu entrar no

pavilhão), ou porque estavam acompanhando algum amigo/parente ou ainda porque a entrada

era gratuita somaram 17% dos visitantes, confirmando que apenas uma parcela menor do

público foi levado até o evento por razões não ligadas diretamente ao gosto pela arte.

Outras razões, cuja ligação direta ao gosto pela arte foi difícil mensurar diretamente,

também foram mencionadas. Para 6% dos respondentes, a ida à mega exposição coincidiu com a

oportunidade de estar de passagem por São Paulo, ao passo que 17% afirmaram estar ali porque

nunca tinham visitado a bienal antes. Ocorre que 46% do público entrevistado (apêndice 2,

tabela 14) disseram estar visitando o evento pela primeira vez, o que não significa

necessariamente que estavam “debutando” em uma exposiç~o de arte. Pelo contr|rio, desses

46% que estreavam como visitante da Bienal de São Paulo, 73,9% disseram já ter ido antes a

uma mostra de arte, ou seja, que já tinham alguma familiarização com a arte. Apenas 8,7%

afirmaram que a bienal era a primeira exposição de suas vidas e 17,4%, a primeira mostra de

arte contemporânea. Sendo assim, uma boa parte dos visitantes que não citaram motivos

expressamente ligados ao gosto pela arte tinha alguma relação com ela.

No geral, a maioria do público revelou ter ficado satisfeito com a 29ª edição, sendo que

45% disseram ter gostado muito e 33%, apenas ter gostado. Dezoito por cento disseram ter

gostado mais ou menos, 3% confessaram não ter gostado e 1%, detestado. Senti que nessa

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questão os respondentes se curvavam um pouco diante da força institucional da bienal e do

discurso que construiu em torno da retomada, por intermédio da imprensa, junto à opinião

pública. Muitos respondentes disseram ter gostado muito “em relaç~o { última ediç~o”,

conhecida como “bienal do vazio”, o capítulo da história que a fundaç~o quer apagar.

Por fim, se é verdade que o caráter massivo da Bienal de São Paulo, sempre divulgada em

quase todos os grandes veículos de comunicação, é capaz de atrair muito mais pessoas do que as

que costumam ir a exposições ao longo do ano, também o é que o público que chega até as portas

do pavilhão não parece o mesmo dos que enchem os eventos massivos não ligados às artes

visuais. Como se viu, a grande quantidade dos visitantes também pressupôs uma “qualidade”,

que por meio do grau de instrução é capaz de distingui-los dos consumidores do “universo

popular” social, o que também n~o quer dizer que houve a presença de uma maioria culta capaz

de acessar e apreciar todos os trabalhos expostos no pavilhão.

3.3.1. A relação com a arte contemporânea mediada pelo gosto

Se por um lado alguns aspectos do público da 29ª Bienal de São Paulo revelaram uma

aproximação do evento com práticas consagradas da arte, por outro há características

particulares a essa mega exposição que a diferencia das mais tradicionais. Existe na bienal um

outro paradigma artístico em jogo: o da arte contemporânea. Isso parece dividir a relação dos

visitantes com as obras da mostra, no que diz respeito às suas opiniões e às suas preferências.

Foi principalmente esse pressuposto que me levou a escolher o evento como contexto

investigativo e é em torno dessa questão que a minha análise se detém de agora em diante.

Nas pesquisas realizadas por Pierre Bourdieu (2007; 2008) com a população europeia –

principalmente francesa –, a questão do gosto foi tratada de forma objetiva. Tanto

conceitualmente – pois na sua teoria esta é uma noção com fundamentos sociais mensuráveis –

quanto metodologicamente. Nos questionários, os diferentes níveis de gosto costumavam ser

mensurados por ele através da citação a determinadas obras e/ou artistas, bem como por meio

da relação com um dado conjunto de condições sociais (nível de escolaridade, renda, práticas

culturais etc.). A fim de ser coerente ao autor aqui adotado como principal norte teórico-

metodológico, também procurei seguir essa forma de trabalho. Com a diferença de que, além de

explorar o gosto de maneira objetiva, a partir de citações concretas e da relação com algumas

variáveis, decidi sondar como se manifestava na relação geral com a arte contemporânea, cujo

paradigma ainda parece, não sabemos ao certo, estar em um processo de construção e

assimilação – não só no campo da arte, mas em outros campos para onde ela resvala.

Para cumprir o objetivo deste trabalho, procurei não só mensurar as manifestações de

gosto e julgamento dirigidas às obras expostas na 29ª Bienal de São Paulo, mas também à

própria ideia de arte contempor}nea (em sua acepç~o “geral”, como uma dada produç~o

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artística visual). Por ora, a análise se volta a este último enfoque, a partir do exame das respostas

à pergunta que balizou o problema de pesquisa. A questão foi dirigida aos entrevistados da

seguinte maneira: “Como é a sua relaç~o com a arte contempor}nea? Tende a gostar? Por quê?”.

No questionário (questão 45), foi posta em aberto, pois meu interesse era captar as

manifestações gerais e espontâneas do público a respeito do gosto pela arte contemporânea.

Como as respostas apontaram algumas tendências de grau de satisfação, resolvi agrupá-

las em categorias ordinais, com vistas a tornar viável a análise estatística. Se tal opção me levou a

“sacrificar” algumas informações, também possibilitou o cruzamento de dados e a confirmação

do viés social do gosto cultural para esses casos, evidenciado pela repetição de pontos de vista e

de justificativas para eles. Mesmo assim, não deixei de analisar as respostas abertas.

Se esta pesquisa fosse voltada a observar a relação do público com as obras respaldadas

pelo paradigma moderno de arte, por exemplo, talvez tivesse encontrado expressões de gosto

mais claras e afirmativas. No caso da arte contemporânea, contudo, essa manifestação do

“gostar” se revelou, no contexto da bienal, um pouco confusa e hesitante. Pelo menos no que se

refere ao termo arte contemporânea, que ainda parece gerar muitas incompreensões por parte

do público. Por isso, as respostas à pergunta mencionada acima são sintomáticas para

compreender como o próprio sentido construído por esse paradigma artístico tem se revelado

através das reações dos espectadores da arte. Como mostrou a pesquisa, essas manifestações de

gosto tendem, na verdade, a se tornar menos obscuras na medida em que os visitantes são

incitados a se expressar sobre determinadas obras e/ou artistas.

Em sua pesquisa de mestrado com os visitantes da 19ª Bienal de São Paulo, em 1987,

Cristina Freire (1990, p. 167) afirmou que n~o é que o público “n~o goste da ‘arte nova’, ocorre

que [...] n~o entende”. De fato, h| um bom número de pessoas circulando pela bienal com

preocupação de entender a arte contemporânea, muitas vezes expressando esse desejo quando

algo lhes escapa o sentido. No entanto, será que se trata meramente de uma falta de

conhecimento, ou seria esse conhecimento, por si só, “mal resolvido”, com discurso amplo

demais? Sobre essa questão voltarei mais na frente, pois não se trata da preocupação central

deste trabalho. Seja como for, o problema é que o gosto pela arte, retomando Bourdieu (2008),

depende de um conhecimento, de um processo de “inculcaç~o” cultural pelo qual uns passaram e

outros não. Gostar não pode ser visto jamais como separado do entendimento, fruto de um

processo de socialização e acúmulo ao longo da vida. Se considerarmos a atualidade do ponto de

vista de Freire (1990), temos que também levar em conta que não se pode gostar daquilo que

não se entende56. Não no jogo da arte. Como foi visto, é verdade que a arte contemporânea não

56 Entender não significa aqui traduzir racionalmente a intenção de um artista e de seu trabalho – o “entendimento” na arte não passa necessariamente por isso. Na verdade, n~o entender nem implica necessariamente “n~o gostar” de arte contemporânea. Implica, sim, ser excluído de um jogo, de uma troca e de um verdadeiro gostar, legitimado pelo campo para esse paradigma. Alguns especialistas contemporâneos podem até afirmar que não é preciso entender de arte

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se propõe a ter as mesmas exigências do olhar estético, próprias do paradigma moderno.

Contudo, também é que sua apreciação requer algum esforço do intelecto ou uma compreensão

mínima do sentido do jogo; caso contrário, qual seria o propósito de existir o discurso do

curador, com forte poder de validação no campo?

Vejamos a complexidade dessas questões a partir das informações coletadas.

Inicialmente, o pressuposto que me incentivou a fazer essa pesquisa foi o fato de o público em

geral demonstrar não gostar da arte contemporânea. Isso me fez elaborar a seguinte hipótese: a

frequência dos visitantes da bienal que tendem a estranhar/rejeitar a arte contemporânea é

maior do que a dos que tendem a reconhecê-la e aceitá-la como arte. Essa hipótese poderia ser

testada – e não confirmada – através da simples conferência da distribuição dos dados relativa

às respostas para a pergunta mencionada acima. Contudo, creio ser necessário analisar essa

questão com cuidado, complementando suas respostas, posteriormente, com as de outras

perguntas, sobretudo aquelas relacionadas com as reações do público a determinadas obras,

sobretudo instalações – expressões típicas da contemporaneidade artística.

O agrupamento dessa questão em categorias foi realizado através de uma análise

minuciosa de cada ponto de vista dos 100 entrevistados para a questão. Nesse processo,

procurei identificar as diferentes escalas do gostar, desde as expressões “gosto muito/amo” até

“n~o gosto”, analisando ainda as razões de cada resposta. Acontece que o “eu gosto” muitas vezes

foi acompanhado de hesitações e de certo constrangimento em afirmar “eu n~o gosto”, quando

n~o demonstrava uma simples obrigaç~o de reverência ao que é “novo” ou “atual”.

Por isso, acredito ter sido mesmo necessário deixar a pergunta em aberto. Os

entrevistados revelaram comportamentos e opiniões que não seriam captados se eu tivesse

dado a eles as escalas definidas para esse gosto. Tanto que, a partir disso, senti a necessidade de

inserir duas categorias que talvez não fossem colocadas no question|rio: a do “gosto com

restrições” e a do “sou indiferente/indefinido”. Na primeira, inseri respostas que começavam

com um “eu gosto” e continuavam ou terminavam com “desde que tenha...”, ou algo semelhante.

Elas equivaleram a um “depende” ou a um “gosto mais ou menos”. Na segunda, agrupei

manifestações nas quais o gosto ainda não se fazia evidente ou havia uma indiferença declarada.

Tanto uma quanto a outra apresentaram problemas de relação com a arte contemporânea, como

verei logo mais. Não necessariamente uma rejeição, mas certa dificuldade em entendê-la e em

aceitá-la como arte, segundo os “padrões” contempor}neos.

Foi curioso observar a frequência das palavras “entendo” e “entender” nas respostas a

essa pergunta. Elas apareceram 13 vezes no total, a maioria expressando a falta de um

entendimento e, quase sempre, a dificuldade de um gostar pleno, sem restrições. Um sinal de

para apreciá-la, mas isso seria um tanto falso, pois eles mesmos estão a toda hora, por meio de seus discursos, fazendo com que seja compreendida em seus mais amplos sentidos.

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que a compreensão ainda se coloca como uma necessidade do público da arte. Houve casos em

que o entrevistado afirmou “N~o gosto, n~o entendo” (professor prim|rio, 48), o que parece

coerente segundo o conceito de gosto aqui abraçado. Mas também houve uma situação em que o

respondente disse “Gosto, mas n~o entendo” (engenheiro, 39), o que n~o pareceu ter sido apenas

uma contradição ou um sintoma da hesitação diante da arte contemporânea, mas de certa

intimidação perante o contexto institucional da bienal e mesmo da pesquisa.

Senti que para muitos visitantes assumir o “n~o gostar” era como dar um atestado de

falta de conhecimento ou de conservadorismo diante do inusitado que marca o discurso da arte

contempor}nea. Esse conflito se expressou, em grande medida, na categoria “Gosto com

restrições” e mesmo na do “Gosto” e “Gosto muito”. Percebi que afirmar “Eu n~o gosto de arte

contempor}nea” era como excluir determinadas obras que poderia vir a gostar, mas

principalmente assumir a oposição a valores importantes da modernidade, como o da novidade,

do diferente e da mudança, implícitos historicamente na própria realização da bienal, tal qual

ressaltam Francisco Alambert e Polyana Canhête (2004), e ainda Cristina Freire (1990). Por isso,

respostas do tipo “Sim, gosto muito, porque sempre tem novidade” (cabeleireiro, 40) ou “Tendo

a gostar, é inovadora, cheia de mudanças, é atualizada” (estudante de direito, 21) foram

frequentes, evidenciando a confus~o que o termo “contempor}neo” suscita para a arte, mesmo

entre os instruídos. Ocorre que ao se constituir um paradigma distinto do moderno, a arte

contemporânea procurou romper com suas marcas. Em seu discurso, não quer parecer com

vanguardas modernistas, mas parece ser assim que parte do público ainda a enxerga.

O gráfico abaixo mostra que 39,4% afirmaram gostar de arte contemporânea, enquanto

14,1% confessaram não gostar – o mesmo percentual observado entre aqueles que disseram

gostar muito ou amar. J| os que demonstraram “gostar com restrições” somaram 20,2% dos

entrevistados, ao passo que os indiferentes/indefinidos, 12,1%.

57

57 Gráfico de variável agrupada após análise de respostas em aberto à pergunta: “Como é a sua relaç~o com a arte contempor}nea? Tende a gostar? Por quê?”. Houve um caso de missing (1%), de quem não respondeu a questão.

14,1%

39,4%

20,2%

14,1%

12,1%

Gráfico 4 | Relação do público com a arte contemporânea

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O fato de mais da metade do público ter afirmado gostar ou gostar muito de arte

contemporânea não significa necessariamente que essa parcela seja sua apreciadora legítima ou

que aprecie, de forma indiscriminada, a diversidade de obras defendida por esse paradigma;

tampouco que estejam abertos à experimentação artística típica da arte contemporânea. É

verdade que a opinião pode variar de obra para obra, mas a ideia de gosto, como condição

norteadora dos pontos de vista, se configura aqui como algo mais amplo e enraizado, porque

está associado à formação do habitus (BOURDIEU, 2008; 1994). Na arte, a expressão do gosto se

coloca como defesa a determinado paradigma, mesmo que de maneira “inconsciente”. Acontece

que as razões apontadas para tal gostar revelaram o qu~o relativo se mostra esse “amor”

declarado às artes visuais contemporâneas, sobretudo se comparado às preferências por artistas

e obras, como verei adiante. Isso pode se explicar justamente, porque aqui o gosto atrelado ao

termo “arte contempor}nea” se mostrou bastante hesitante, ao contr|rio do gosto atribuído a

exemplos concretos. Como eu disse antes, muitos visitantes revelaram não dominar esse

“gostar”, associando a arte contempor}nea, por exemplo, { ideia de “atualidade”, { qual eles n~o

“deveriam” se opor.

Para compreender melhor essa questão, acredito ser importante analisar os porquês

mencionados ao gosto pela arte contempor}nea, de forma geral. As categorias “gosto muito” e

“gosto” apresentaram justificativas semelhantes. Nessas respostas, como afirmei antes, uma

parcela dos entrevistados disse gostar/gostar muito, porque ela representa o “novo” e o “atual”.

No entanto, como defende o crítico de arte e curador Nicolas Bourriaud (2009, p. 15), “o novo

n~o é mais um critério”. N~o para o discurso da arte contempor}nea. Além disso, sabemos que

existe um consenso reforçado entre seus teóricos (CAUQUELIN, 2005; DANTO, 2006; DUARTE,

2008; HEINICH, 2008; MILLET, 1997; e MOULIN, 2007) de que ela não pode ser concebida a

partir da literalidade do termo “contempor}neo” nem da express~o “moderno”. Mesmo assim,

Bourriaud (2009) acredita que continuamos (parte da sociedade) a aplicar ao projeto

contemporâneo de arte fundamentos próprios do julgamento estético. Não apenas noções da

prática internalista de análise da obra, mas referências como essas, atribuídas à ideia de novo,

própria da modernidade. Para os entrevistados, o atual também foi associado à noção de que ela

“representa”, “retrata” e “mostra” a realidade atual, o que não é bem o que seu discurso defende.

Tudo isso só tende a reforçar mais uma vez o quanto o termo “arte contempor}nea”, cuja

assimilação costuma ser ampla, ainda suscita mal entendidos mesmo entre aqueles que afirmam

gostar/gostar muito dela, como foi o caso desta pesquisa. Aproximadamente um quarto desta

parcela de respondentes considerou a arte contemporânea como expressão do novo e do atual.

No entanto, há de se considerar que outra parte dos entrevistados compreendidos nessas duas

categorias demonstrou ter algum domínio do seu gostar, ou seja, do discurso da arte

contemporânea absorvido por meio do gosto. Foi o caso dos que deram respostas como: “Tendo

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a gostar mesmo que não entenda ou sinta algo. A arte contemporânea dessacraliza e eu adoro a

dessacralizaç~o. O que eu mais gosto é que te faz sentir outras formas de entendimento”

(estudante de design, 27); ou “Gosto sim, porque foge do padr~o estabelecido. As pessoas podem

criar com diferentes linguagens, materiais...” (arquiteto, 61); ou ainda “Amo arte contempor}nea,

não gosto da antiga. Gosto dessa interação com o público, de se envolver com a obra, é o que me

chama mais atenç~o nela” (arte educadora, 25).

Pode-se ver, portanto, que justificativas como as citadas acima carregam aspectos

próprios do paradigma contemporâneo, em seu discurso dessacralizador, plural,

anticonvencional e interativo (“participativo” ou “relacional”). Algumas pessoas afirmaram até

gostar “principalmente das instalações” (auxiliar de oftalmologia, 28), enquanto outras disseram

gostar de arte contempor}nea simplesmente porque é “diferente”, “provocativa”, “criativa” e

“curiosa”58. Algumas justificativas foram vagas, como “Gosto, s~o formas de express~o”

(estudante do ensino médio, 16), e outras confusas “Gosto, porque passo a descobrir coisas

inusitadas, por sair do convencional. Mas não sei se muita coisa que está exposta como arte

contempor}nea é arte. N~o sei definir direito. Diria que é o contempor}neo” (publicit|rio, 57).

Na terceira categoria, “Gosto com restrições”, inseri a parcela do público que respondeu

gostar de arte contempor}nea com alguns “poréns”, detectados por conjunções e expressões

como “mas só quando”, “mas tem que”, “desde que”, “depende”, “gosto com ressalvas”, “mais ou

menos” etc. Algumas dessas restrições denunciaram um desejo quase nost|lgico dos

entrevistados de fazer a arte contempor}nea ser igual { “moderna” ou à “cl|ssica”, do paradigma

essencialista. Ou seja, “gosto” da arte contempor}nea, desde que se pareça com a “antiga” e os

mesmo critérios de outrora possam ser aplicados. São exemplos disso as seguintes afirmações:

“Depende. Tem coisas que sim, outras que não. Tem coisa que acho banal, que não é arte. Gosto

de escultura, de desenho, de arte. Tem muita coisa que n~o é arte. Instalaç~o eu n~o gosto” (arte

educadora, 54); ou “Só quando é artístico eu gosto. Quando tem habilidade e intenç~o que traz

senso estético e sentimento à tona. Parece que a estética não existe mais. A arte se intelectualiza

e esquece a estética, o belo. Por quê? O que é isso?” (professora de física e escultora amadora,

55). Poderia ter inserido os dois casos na categoria “N~o gosto”, mas como isso não foi expresso,

não considerei dessa forma. Só que assumir não gostar de instalação, independente de qual

trabalho seja, e querer a estética de volta são posições quase incompatíveis com o gostar de arte

contemporânea. Por isso, vejo tais restrições como uma certa falta de “coragem” dessas pessoas

de assumirem suas preferências. E houve outros casos semelhantes, alguns buscando um sentido

58 O ser “diferente”, ali|s, n~o deve ser visto necessariamente como um sinal de domínio desse paradigma por parte

do público, mas também como uma pista de um discurso no campo, típico da modernidade, que apela ao “exótico” quando existe interesse em atrair olhares curiosos. A bienal, com sua vocaç~o para as “massas”, parece reforçar o gosto pelo “diferente”.

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racional e direto (literal) para a arte contemporânea ou uma possibilidade de emoção, no

sentido romântico da experiência artística.

As respostas relacionadas ao “Gosto com restrições”, contudo, n~o revelaram apenas um

“saudosismo” em relaç~o { arte “do passado”. Demonstraram ainda uma vontade de que a arte

contemporânea devesse gerar reflexão, ser propositiva e trazer um olhar diferenciado do

cotidiano, através de uma ideia profunda. O discurso da arte contemporânea pode até não estar

preocupado com o “conteúdo” ou a “intenç~o” das obras, no sentido expresso. Alguns trabalhos

nem sequer têm interesse em expressar algo, mas em simplesmente ser (tendência ironicamente

purista). Ocorre que o potencial transformador e crítico da arte também está no discurso do

paradigma contemporâneo, haja vista a postura dos curadores da 29ª Bienal de São Paulo de

querer evidenciar a relação entre arte e política. Portanto, tais restrições apontadas são

coerentes a esse discurso. Por outro lado, não seriam também uma forma de o público desejar

aplicar os códigos do cotidiano, como no “olhar ingênuo”, { arte contempor}nea? Em algumas

respostas, isso pareceu evidente, mas em outras não. Por isso, vejo essa categoria relacionada a

um gostar muito “em cima do muro”, quando n~o uma forma implícita de dizer “n~o gosto”. É

provável que isso não tenha a ver somente com um dado olhar ou opinião, mas com o próprio

discurso da arte contemporânea, talvez ainda um tanto difuso e obscuro, de uma forma geral.

O grupo dos que admitiram não gostar da arte contemporânea sem pudores – ou pelo

menos por outras palavras deixaram tal posição clara – pareceu apresentar justificativas

relacionadas a uma das hipóteses deste trabalho. Já mencionada de maneira afirmativa por

autoras como Anne Cauquelin (2005) e Cristina Freire (2006), tal hipótese refere-se ao

pressuposto de que quanto mais enraizada estiver a crença no paradigma essencialista da arte,

maior o estranhamento e a rejeição à arte contemporânea. Isso porque os paradigmas são

excludentes e os pontos de vistas extremos refletiriam de forma mais clara a oposição entre o

“moderno” e o “contempor}neo”. Analisando de perto os motivos expressos pelos entrevistados,

metade dos respondentes desse grupo confessou não gostar de arte contemporânea, porque

preferia a arte “moderna” ou “antiga”. “Tendo a n~o gostar. Gosto mais da arte até o século XIX,

que está exposta no Museu do Louvre, no Prado. Talvez por ignorância, não consigo

compreender muito bem. N~o me toca. É muito polifônica, difícil”, disse um professor de idioma,

de 29 anos. J| uma médica, 27, afirmou n~o gostar, porque prefere mais os “trabalhos que têm

aproximaç~o com o suporte tradicional” (escultura, desenho, pintura, gravura, fotografia).

Não por acaso, ao analisar a tabela de cruzamento entre as frequências da relação com a

arte contemporânea e das escolhas hipotéticas por exposições que os visitantes prefeririam ir,

caso tivessem que decidir (apêndice 2, tabela 18), vemos que quem afirmou não gostar de arte

contemporânea se concentrou na primeira metade da tabela (do ponto de vista horizontal). Em

outras palavras, na preferência por mostras de mestres do renascimento italiano e de artistas

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modernistas (Pablo Picasso, impressionistas, modernistas brasileiros). Nenhum desses

respondentes mencionou a Documenta de Kassel, uma das exposições mais representativas da

arte contemporânea no mundo, ou mesmo uma mostra de jovens artistas contemporâneos

pouco conhecidos, confirmando o gosto pelas artes do “reinado” da estética. Do conjunto de

respostas sobre a relaç~o com a arte contempor}nea, a categoria do “N~o gosto”, mesmo

reduzida, pareceu agrupar as afirmações mais coerentes e sinceras. Ao assumir uma preferência

pela arte moderna, “antiga” ou cl|ssica, esse grupo demonstrou, inclusive, ter uma noç~o do

sentido do jogo no campo artístico, entendendo, ainda que “inconscientemente”, o contraponto

da arte contemporânea nesse espaço.

Além do expresso apego { arte do paradigma moderno, o “n~o gostar” foi justificado

também por uma falta de compreensão em relação à arte contemporânea, como já foi dito, ou

por um desejo de entendê-la pelos códigos da realidade cotidiana – próprio do “olhar ingênuo”,

oposto ao olhar legítimo na arte, incluindo na arte contemporânea. São exemplos disso as

seguintes respostas: “N~o gosto, n~o entendo” (professor de prim|rio, 48); “N~o gosto, prefiro

algo mais concreto, objetivo. N~o consigo entender muito arte contempor}nea” (mestrando em

economia, 22); ou “N~o gosto, algumas coisas s~o muito abstratas, n~o consigo entender a

mensagem do artista” (estudante de medicina, 21). O n~o compreender a arte contempor}nea,

porém, levou muito deles a reafirmar o gosto pela arte consagrada, aparentemente um terreno

“mais seguro” e sedimentado em suas crenças.

Já na parcela representada pelos 12,1% do público pesquisado, se concentraram os

visitantes que se mostraram expressamente indiferentes à arte contemporânea ou cuja relação

com ela se apresentou indefinida em termos de gosto. Um exemplo desta manifestaç~o: “De

algumas obras eu gosto, outras acho muita loucura. Mas arte contemporânea também é arte, não

tenho preconceito só porque não é velho” (analista de sistemas, 29).

Após analisar essas respostas, parto agora para averiguar que fatores sociais

condicionam as relações do público com a arte contemporânea, por intermédio das expressões

de gosto. Para fazê-lo, explorarei algumas hipóteses, testando estatisticamente a possível

correlaç~o entre a vari|vel até aqui explorada (“relaç~o com a arte contempor}nea agrupada”) e

outras mensuradas pela pesquisa, como nível de escolaridade, frequência a exposições, renda,

idade etc. Conforme será visto, essas associações reforçaram o caráter ambíguo das respostas

sobre a relação com a arte contemporânea, em seu sentido geral. Por esse motivo, não fui tão

adiante com ela, substituindo-a por outra questão (a 47), através da qual as respostas dos

entrevistados revelaram mais claramente seus gostos dirigidos à arte: a relacionada aos artistas

plásticos favoritos dos visitantes. Foi quando pude analisar melhor os fatores que tendem a

influenciar no gosto (ou “não gosto”) pela arte contemporânea. Vejamos primeiro as associações

com a vari|vel “relaç~o com a arte contempor}nea agrupada”, vista até aqui.

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a) Relação com a arte contemporânea x nível de escolaridade

Levando em conta os resultados da pesquisa de Bourdieu e Darbel (2007) com o público

dos museus de arte da Europa, bem como a influência do capital escolar no conceito de gosto em

Bourdieu (2008), parti do pressuposto de que a relação com a arte contemporânea poderia ter

correlação com o nível de escolaridade. Minha hipótese era de que quanto menor fosse o grau de

instrução e menos frequente o hábito de acompanhar a produção de arte contemporânea, menor

o apreço pela arte contemporânea por parte do público da 29ª Bienal de São Paulo.

Após realizar o teste entre as vari|veis “relaç~o com a arte contemporânea” (agrupada) e

“nível de escolaridade” (recodificada), verifiquei que não houve correlação estatisticamente

significativa entre elas (apêndice 3). Pela tabela de percentuais gerada por esse cruzamento

(apêndice 3, tabela 2), o gosto pela arte contemporânea não demonstrou aumentar ou diminuir

proporcionalmente ao nível de escolaridade. Não existiram, por exemplo, diferenças visíveis de

percentual entre os graus de instrução (pós-graduação, graduação e até o ensino médio)

daqueles que afirmaram gostar de arte contemporânea. Na tabela, 45,2% dos respondentes com

pós-graduação afirmaram gostar de arte contemporânea, ao passo que 42,9% dos que tinham

até ensino médio responderam o mesmo.

Já entre os visitantes que disseram gostar muito de arte contemporânea, as diferenças se

deram curiosamente no sentido inverso, pois o percentual maior desse grupo estava situado

entre aqueles com menor nível de escolaridade. A categoria do “N~o gosto”, por sua vez,

concentrou boa parte dos respondentes nos dois níveis de escolaridade mais altos, ajudando a

confirmar o resultado do teste, pois quem não gosta de arte contemporânea, nesse caso, não

necessariamente tem menor grau de instrução.

Justamente por causa da distribuição desses números, acredito ser preciso analisar o

resultado desse teste estatístico com cuidado, pois parece evidenciar as limitações da variável

“relaç~o com a arte contempor}nea”, mencionadas anteriormente. Como foi dito, uma boa parte

das pessoas que afirmaram gostar ou gostar muito da arte contemporânea se mostrou hesitante,

confundindo muitas vezes arte contempor}nea com arte “atual” e até arte “moderna”, o que n~o

condiz com o comportamento de quem verdadeiramente gosta, ou seja, domina aquilo que

aprecia, sobretudo na arte. Além disso, senti que muitos entrevistados responderam “por

responder”, porque n~o gostar de arte contempor}nea, ou mesmo da bienal, poderia “pegar” mal

para eles. As respostas muito animadas e ditas prontamente na ponta da língua foram

demonstrações de que tinham algum dever em afirmar que gostavam da arte contemporânea.

Talvez pela impulsividade do contexto eufórico do evento, cheio de pessoas e obras pra se ver.

No entanto, é preciso dizer: essas manifestações não soaram contundentes e verdadeiras, como

mostrarei logo mais. E talvez seja por isso que o nível de escolaridade não tenha feito a menor

diferença no teste estatístico.

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Os próprios Bourdieu e Darbel (2007) já haviam atentado para esse tipo de reação

“festiva” no território da arte, apresentando uma an|lise que parece semelhante à observada no

público pesquisado durante a 29ª Bienal de S~o Paulo: “N~o ser| significativo que, convidados a

dar sua opinião sobre as obras e sua apresentação, os visitantes menos cultos manifestem uma

aprovação total e maciça que se limita a exprimir, sob uma outra forma, uma confusão à medida

de sua reverência?” (idem, p. 83). Algumas respostas comentadas anteriormente para a pergunta

sobre a relação com a arte contemporânea vão nessa direção, embora não se refiram, nesse caso,

às obras expostas, mas à arte contemporânea como todo. Mesmo que se referissem, como

mostrarei no próximo capítulo, muitos provavelmente teriam dificuldade em expressar o não

gostar. Não foi à toa, por exemplo, que 35% dos entrevistados afirmaram não ter um trabalho

específico que não tivessem gostado na bienal, o que não aconteceu de forma alguma quando

foram estimulados a manifestar a preferência por alguma obra. Isso leva a crer que o gostar, no

contexto da arte, n~o só é um “dever”, mas principalmente uma forma de pertencer a esse

mundo. Daí porque gostar de arte contemporânea e da bienal pareceu muitas vezes menos uma

verdade do que um desejo, exposto por meio de justificativas vagas e confusas a esse gostar.

Por essas razões, não considero confiáveis nem satisfatórias, para aprofundar a análise

aqui adotada, as respostas à citada pergunta para validar, através de suas categorias de gosto, os

testes estatísticos. Por mais sintomáticas que se revelem a este estudo, não são suficientes para

mensurar um gostar legítimo da arte contemporânea. O próprio fato de não ter havido

diferenças com relação ao nível de escolaridade já parece ser um sinal para se desconfiar, pois as

pesquisas já mostraram que é determinante na construção do gosto pela arte. O mais provável é

que o gosto pela arte contemporânea seja de fato um privilégio dos ainda mais cultos, conforme

apontaram os autores franceses (2007) quando se referiram à arte mais experimental. Contudo,

para chegar a isso, sinto ser necessário explorar outras variáveis. Antes, porém, sigo com o teste

da mesma hipótese mencionada na página anterior, na qual afirmei poder haver no gosto pela

arte contemporânea tanto uma influência do nível de escolaridade quanto do hábito de

acompanhar essa produção artística. Ou seja, quanto maior a frequência dessa prática maior

seria a escala desse gostar59.

O resultado do teste (apêndice 3) para as vari|veis “relaç~o com a arte contempor}nea” e

“frequência com que acompanha a arte contempor}nea” mostrou que existiu uma correlaç~o

baixa e estatisticamente significativa entre elas. Em outras palavras, que existe uma tendência

muito pequena de a convivência com a arte contemporânea, por meio de sites, livros, mostras e

outros meios, influenciar no gosto pela arte contemporânea, manifesto através das respostas

59 No questionário, acompanhar não significou somente ir a exposições de arte contemporânea, mas também ter a prática desse contato por meio da internet, de revistas, de livros etc. Não justificaria, portanto, que mesmo quem morasse em uma cidade com poucas mostras de arte contemporânea e tivesse dificuldade em viajar para acompanhar sua produção, não tivesse contato com ela através de outros meios.

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descritas. Analisando os percentuais desse cruzamento (apêndice 3, tabela 6), é possível

averiguar que existem algumas diferenças entre as frequências com que se acompanha a

produção artística contemporânea. No entanto, elas são mais evidentes entre os que afirmaram

não gostar de arte contemporânea ou ser indiferente/indefinido a ela60. Desse grupo, apenas

7,7% responderam acompanhar sempre (diariamente ou quase diariamente) a arte

contemporânea, ao passo que 24,3%, raramente ou nunca (até quatro vezes por ano ou nunca na

vida). Isso demonstra que a “falta” da pr|tica cultural tende a estar coerente à “falta” do gostar.

Analisando a coluna da categoria “Gosto” nessa mesma tabela, nota-se que essas

diferenças se mostraram menos evidentes, pois é semelhante o percentual dos que sempre

costumam ter contato com a produção contemporânea e dos que nunca costumam ter. Na

verdade, 30,8% dos que responderam sempre acompanhar a arte contemporânea e 47,8% dos

que afirmaram acompanhar de vez em quando (de algumas vezes por semana até uma vez por

mês) estão entre os que gostam de arte contemporânea, mas como explicar que 37,8% dos que

raramente ou nunca acompanham também gostam? Não seria para esse percentual ser bem

menor? Por isso, talvez, a correlação tenha dado baixa. Contudo, creio ser necessário analisar

outras questões.

Na visão de Pierre Bourdieu, o gosto não se constrói pela prática cultural, e sim o

contrário. Daí porque até a própria formulação dessa hipótese poderia levar a uma associação

sintomática do efeito de um gosto, que por certo estaria condicionado por outros fatores sociais.

Na verdade, a prática cultural é para o autor decorrente de um gosto formado e incorporado

pelo habitus, principalmente o costume de acompanhar uma produção artística. Seja indo a um

museu, a uma exposição ou simplesmente pesquisando informações na internet. Se a correlação

entre as variáveis acima foi comprovada de alguma maneira, mesmo em um nível baixo, isso se

deveu à existência de uma coerência mínima entre gosto e prática. No entanto, como se viu,

essas diferenças foram muito mais evidentes para o “n~o gostar” ou para a

“indiferença/indefiniç~o” do que para o “gostar”.

Reiterando o que afirmei antes, o gostar manifesto através das respostas sobre a relação

com a arte contemporânea se mostrou dúbio. Talvez por isso os percentuais dos que sempre e

dos que nunca acompanham as artes visuais contemporâneas tenham sido semelhantes no

grupo dos que disseram gostar de arte contemporânea. Isso reforça que uma parcela desses

entrevistados mal sabia do que estava falando, pois demonstrou ter pouca familiaridade e

convivência com o assunto, ou ao menos com a prática que justificasse esse gostar.

Poderíamos especular que é possível gostar mesmo sem ter contato com aquilo que

gostamos. Mas aí não seria quase afirmar que um amor a distância possui tantas chances de

60 Lembrando que são as categorias associadas a respostas do não gostar as que soaram mais sinceras à pergunta sobre a relação com arte contemporânea, daí porque, talvez, a coerência.

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sobreviver quanto aquele cultivado na presença assídua? Na arte, ama-se o que se conhece e

aquilo com o que geralmente se convive. Quando analisam as motivações de ida ao museu de

arte pela simples “obra do acaso” ou por um turismo casual, Bourdieu e Darbel (2007) afirmam

que, nessas situações, o amor pela arte costuma ser superficial e pouco duradouro, porque não

tem bases nem raízes (como tem o gosto absorvido pelo habitus). O mesmo não pode ter

ocorrido com aqueles que estavam sem “grandes” motivos na 29ª Bienal de S~o Paulo e

afirmaram gostar de arte contemporânea, pela força do contexto ou pela importância da

resposta? Seja como for, ambas as correlações testadas acima reforçaram o quão hesitante

demonstra ser a quest~o do gosto quando relacionado ao termo “arte contempor}nea”, cujos

sentidos assimilados ainda parecem ser muito gerais ou muito vagos.

No entanto, ao analisar a relação do público com a arte contemporânea por meio da

citação a nomes de artistas plásticos favoritos e/ou a obras específicas preferidas, senti que

as expressões de gosto e de julgamento foram mais claras e verdadeiras. De fato, quando

Bourdieu (2008) classifica o gosto legítimo (culto), médio e popular na arte, o faz com base na

menção a obras de arte ou a estilos. Por ora, me detenho na citação a artistas visuais favoritos

(preferências artísticas) como forma de mensurar o gosto pela arte contemporânea de uma

maneira distinta da realizada até agora. Os nomes foram mencionados espontaneamente público

através de uma questão aberta na qual eu pedia ao entrevistado para dizer até três exemplos

que não deveriam faltar na lista dos seus artistas plásticos mais queridos, fossem eles do

passado ou do presente; famosos ou desconhecidos. Por deixá-los à vontade, penso que essa

questão se mostrou reveladora, pois exprimiu um gosto sem grandes filtros ou máscaras61.

Aquilo que os visitantes consideravam de qualidade só poderia ser aquilo que eles conheciam;

caso contr|rio, os exemplos nem existiriam. É mais difícil “disfarçar” o gosto quando temos que

mencionar nomes que apreciamos, porque exige de nós um mínimo de bagagem. Nesse caso,

poucos entrevistados se mostraram hesitantes ou confusos. Na verdade, os que não tinham

preferência ou n~o sabiam citar algum artista foram sinceros, respondendo “N~o conheço

nenhum”, “N~o tenho preferência” etc. Se eu tivesse dado uma lista de nomes, talvez as pessoas

que não tivessem opção marcassem por marcar62.

Após uma análise dos artistas mencionados pelo público como seus favoritos, percebi

que havia grupos de nomes recorrentes com características semelhantes nas respostas, o que

tornou possível o agrupamento da variável em categorias. Durante a aplicação dos

61 Por estarem mais próximos de nomes da arte contemporânea, muitos visitantes poderiam ter citado artistas que estavam expondo da bienal, mas a maioria demonstrou não saber quem eram os autores dos trabalhos que tinham acabado de ver. Tanto que descreviam suas preferências, em vez de dizer “Gostei do trabalho de fulano”, por exemplo. 62 Antes dessa pergunta (nº 47), o questionário trazia uma questão hipotética (nº 46) sobre a exposição que o respondente iria se tivesse que escolher. Em algumas opções, mencionei artistas canônicos, como os renascentistas (Da Vinci, Michelangelo etc.), os impressionistas (Monet, Renoir etc.) e Picasso. Mesmo assim, as pessoas não citaram simplesmente esses nomes, demonstrando ter conhecimento daquilo que citavam.

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questionários, tinha observado que a frequência de visitantes que diziam o nome de artistas

consagrados era alta. Principalmente exemplos como Pablo Picasso, Vincent Van Gogh e Claude

Monet, muitas vezes lembrados conjuntamente pelo entrevistado. Essas recorrências também

revelaram o caráter social do gosto, mesmo quando expresso espontaneamente, permitindo

tornar a análise mais precisa. Observando as respostas do público, identifiquei a existência de

cinco categorias, que me levaram a dividir a vari|vel da seguinte maneira: “Artistas

consagrados”, “Artistas contempor}neos”, “Artistas ‘pop’”, “Artistas outsiders/desconhecidos” e

“N~o sei/n~o tenho preferência”.

No primeiro grupo, inseri menções a artistas consagrados pela arte moderna e clássica,

ou seja, que foram canonizados pela história da arte, fazendo jus ao paradigma essencialista por

meio de suas obras-primas. Geralmente composta pelos “pintores célebres” europeus, essa

categoria foi agrupada segundo a recorrência de citações a artistas como Picasso (citado 16

vezes), Monet (citado 15 vezes), Van Gogh (mencionado 12 vezes), Salvador Dali (11 vezes),

Leonardo Da Vinci (5 vezes) e outros do mesmo “naipe”. Ao todo, 51% dos entrevistados

listaram exemplos assim como seus favoritos (ver gráfico 5, a seguir).

De acordo com Bourdieu e Darbel (2007), boa parte do público dos museus europeus

também citou, nos anos 1960, artistas consagrados em suas preferências pictóricas. Para os

autores (idem, p. 91), trata-se do “primeiro grau de competência propriamente estética”, que se

eleva com o capital escolar e cultural, aumentando na medida em que público é capaz de citar

não só artistas de referência, mas também as escolas (renascimento, impressionismo, barroco

etc.) e as características das obras (perspectiva, pincelada, chiaroscuro etc.). Para os

pesquisadores franceses (idem), contudo, citações como as relacionadas acima (de pintores

célebres) são principalmente reflexo de uma tradição escolar, a partir da qual geralmente se

aprende a importância do cânone. Esse aprendizado enraizado em livros de história e

enciclopédias é responsável por gerar uma aproximação inicial com a arte, mesmo que mínima.

Por isso também que os autores consideraram o nível de instrução um fator importante na

relação com a arte, apesar de não ser o único, pois, como se sabe, a família tem para Bourdieu

um papel ainda mais importante nessa iniciação. Seja como for, tanto a instituição escolar

quanto a familiar vem atuando em conjunto na tarefa de perpetuar determinados valores

tradicionais da arte, por meio dos quais o olhar estético e o paradigma moderno se

sedimentaram como referências, personificada pelos seus grandes artistas.

Por isso, é curioso que no “reino” da arte contempor}nea, como se configura a 29ª Bienal

de São Paulo, mais da metade do público tenha afirmado preferir artistas consagrados, cujas

obras, aliás, há muito tempo não são vistas no evento do pavilhão. Antes, as chamadas salas

especiais ou históricas, com telas de Picasso, Van Gogh e outros cânones, costumavam atender a

essa parcela dos visitantes aficionados pela pintura. Nas últimas edições, contudo, a afirmação

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do paradigma contemporâneo parece ter se tornado uma prioridade – ou uma “agenda oculta” –

das curadorias, o que coincide com a saída das salas especiais.

E o que dizer da outra metade dos entrevistados da 29ª edição que não citaram pintores

ou escultores célebres? Seria a mesma maioria que afirmou antes gostar muito ou gostar de arte

contemporânea? A resposta está logo abaixo, no gráfico 5: é não. Apenas 14% dos visitantes

citaram entre seus favoritos exemplos próprios da arte contemporânea, como Marcelo Silveira,

Alex Flemming, Rosângela Rennó, Cildo Meireles, Hélio Oiticica, Ernesto Neto etc.

É verdade que se pode gostar tanto de artistas modernos quanto de contemporâneos.

Contudo, as predileções pelos primeiros falaram mais alto. Além disso, foram raras as respostas

ecléticas, que mesclasse ambas as categorias. As escolhas tenderam a ser mais excludentes, ora

prevalecendo o gosto por artistas consagrados, ora por artistas contemporâneos. Por isso, não

foi tão complicado agrupá-las. A partir dos três nomes (às vezes um ou dois) citados por cada

entrevistado, analisava a tendência que prevalecia nesse gosto. Se o entrevistado citasse dois

pintores consagrados e um artista contemporâneo, optava por inserir a resposta na primeira

categoria, sobretudo porque esse artista contempor}neo geralmente era um pintor (ex.: “Tarsila

do Amaral, Segall e Gil Vicente”; ou “Monet e Romero Brito”), o que sinalizava uma predileç~o

pela arte mais tradicional. Mas se a resposta fosse “Klimt, Ros}ngela Rennó e Marcelo Silveira”,

incluía na segunda categoria, de menções a artistas contemporâneos, pois o consagrado (Klimt)

estava sozinho na lista e o entrevistado demonstrava ter um conhecimento específico também.

Na verdade, a menção a um artista contemporâneo teve, nesse processo de análise e

agrupamento, sempre um peso maior, por configurar como uma citação mais rara.

Além dessas duas categorias principais de preferência, identifiquei outras três: a de

“artistas ‘pop’”, de sucesso popular e comercial, representando 10% das citações; a de “artistas

51%14%

10%

6%

19%

Gráfico 5 | Artistas plásticos favoritos agrupados

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‘outsiders’/desconhecidos”63, somando apenas 6% das preferências; e a categoria dos que não

souberam dizer um nome de um artista favorito ou afirmaram não ter preferência – o

equivalente a 19% do público pesquisado. Na categoria dos artistas que chamo aqui de “pop”

(não necessariamente da pop art), foram citados nomes como Romero Brito, Vik Muniz,

Osgêmeos e os próprios Andy Warhol e Roy Lichtenstein, que às vezes estavam inseridos na

categoria de consagrados ou mesmo de contemporâneos, dependendo da característica de cada

resposta. Alguém poderia dizer que Vik Muniz e Romero Brito, ou mesmo grafiteiros famosos

como Osgêmeos, são artistas contemporâneos. Sim, de fato s~o artistas do “nosso tempo”, mas,

como se sabe, não é essa a definição de artista contemporâneo, como pertencente à arte

contemporânea. Por isso, entre os atores e as instituições que zelam pela legitimação do

paradigma contemporâneo antiessencialista, não é de se estranhar que artistas de sucesso

popular e comercial sejam nomes pouco afeitos na lista dos curadores, por já terem seu lugar

garantido na cultura de massa e nos grandes redutos de consumo ao qual à arte se mistura desde

que seu status superior n~o seja “manchado”. Quando aparecem em alguma bienal ou exposiç~o,

geralmente estão ali como elemento de espetáculo, no geral para atrair o grande público, como

uma “isca” ou uma concessão64.

Pelos dados observados no gráfico acima, vê-se, portanto, que a arte contemporânea não

foi uma preferência, nem o gosto predominante entre a maioria do público pesquisado na bienal,

mas, sim, a arte consagrada, com forte vinculação ao capital cultural herdado da escola, como

diria Bourdieu e Darbel (2007). Não foi por acaso que isso se deu, pois já afirmei antes que 86%

dos visitantes tinham graduação ou estavam acima desse nível. Ou seja, tinham algum

conhecimento em arte, provavelmente bastante atrelado ao paradigma moderno, cuja crença

ainda parece ser cultivada pelas instituições de ensino. Por essa e outras razões apontadas, o

perfil do público da 29ª Bienal de São Paulo demonstrou ser, portanto, semelhante ao de

grandes museus e instituições de arte, independente de o modo de percepção reclamado pelas

obras e pelo evento ser distinto ou passageiro, como observou Cristina Freire (1990).

É importante observar que os entrevistados que não citaram artistas foram aqueles que,

como haveria de afirmar Pierre Bourdieu, tinham menor grau de instrução. Em outras palavras,

eram aqueles privados da posse de capital cultural, capaz de garantir o conhecimento artístico,

mesmo que mínimo e, assim, algum gosto pela arte. Ao relacionar as vari|veis “nível de

escolaridade” e “artistas pl|sticos favoritos agrupados” (apêndice 3), essa constatação tende a se

confirmar. Os visitantes que não citaram artistas (19%) pertenciam às classes menos cultas,

tendência também apontada pela pesquisa de Bourdieu e Darbel (2007). Analisando a tabela

63 Nomes n~o legitimados pelas “forças maiores” do campo artístico, situando-se em redutos “marginais” da arte. S~o conhecidos e reconhecidos por uma minoria que os admira. 64 Por não terem apresentado representatividade, optei por desconsiderar nesta pesquisa a análise das citações a artistas “pop” e outsiders, focando nas categorias dos artistas consagrados, contemporâneos e das não citações.

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gerada pelo cruzamento (apêndice 3, tabela 8), vê-se que nenhum dos respondentes (0%) do

nível da pós-graduação deixou de citar um artista, ao passo que 35,7% dos que tinham até

ensino médio deixaram. Mesmo que o teste tenha apontado uma correlação estatisticamente

baixa, ao nível de 90%, entre as variáveis, houve uma diferença perceptível entre os níveis de

escolaridade para esse grupo65.

Da forma inversa, essa disparidade também foi vista no caso dos que citaram artistas

contemporâneos. Entre esses, nenhum dos que tinham até ensino médio citou nomes como

Rosângela Rennó, Cildo Meireles ou Tunga, ao passo que 22,6% dos que estavam no nível da

pós-graduação citaram. Esses dados tendem a mostrar que a apreciação pela arte

contemporânea associa-se a um grau de instrução elevado. Essas citações raras revelaram ser

privilégio de poucos cultos e, portanto, o gosto pela arte contemporânea também. As citações a

artistas contemporâneos aumentaram na medida em que subiu o nível de escolaridade,

situando-se também entre os que tinham graduação (12,7% desses).

Acontece que grande parte dos pós-graduandos ou pós-graduados (54,8%) mencionou

artistas consagrados, ao passo que 50% dos que tinham até ensino médio também os citou entre

os seus favoritos. Isso porque, como se sabe, os cânones estão fortemente associados a uma

tradição escolar ligada à arte, à qual quase todos os visitantes estavam vinculados de alguma

maneira, por menor que fosse esse vínculo. Por isso, não é de se estranhar que os que citaram

artistas consagrados estavam distribuídos de forma uniforme segundo o nível de escolaridade66.

Afinal, ninguém que foi à 29ª Bienal de São Paulo, não na amostra pesquisada, era desprovido de

estudo. Aliás, só 14% desse público tinham até ensino médio. O restante estava acima disso.

Quase todos, portanto, tinham noção do valor de Picasso ou Van Gogh.

Para gostar de arte contemporânea, a pesquisa revelou que o nível de escolaridade tende

a influenciar nessa relação. Contudo, faz-se necessário perceber o grau de instrução escolar que

não pode ser visto como a única garantia, pois muitos outros entrevistados que estavam no nível

da pós-graduação ou da graduação citaram artistas consagrados como seus preferidos. Isso

demonstra que há um rompimento dentro de um mesmo gosto pela arte, provavelmente porque

existe uma desvinculação da arte contemporânea com a tradição escolar, à qual, como se sabe, o

paradigma moderno está bastante atrelado. Seja como for, parece ser adequado afirmar que

mesmo as citações mais raras (aqui representadas pelos artistas contemporâneos) também

tendem a ser um efeito da instrução recebida, conforme vão afirmar, na fala a seguir, Bourdieu e

Darbel (2007, p. 93):

65 O teste para “nível de escolaridade” x “frequência com que acompanha a arte contempor}nea” (apêndice 3, teste 16) também apresentou resultado semelhante, com percentuais que indicaram essas diferenças. Nesse caso, contudo, as disparidades foram mais sutis, porque os entrevistados não tiveram que demonstrar conhecimento. 66 Talvez por isso também a correlação entre as variáveis tenha dado baixa.

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[...] a liberdade de se libertar das restrições escolares pertence apenas àqueles que assimilaram suficientemente a cultura escolar para interiorizar a atitude autonomizada em relação a essa cultura, ensinada por uma Escola tão profundamente impregnada pelos valores das classes dominantes que ela retoma, por sua conta, a desvalorização mundana das práticas escolares. A oposição escolar entre a cultura canônica, estereotipada e, como diria Max Weber, “rotinizada”, por um lado, e, por outro, a cultura autêntica, libertada dos discursos escolares, só tem sentido para uma ínfima minoria de homens cultos, porque a plena posse da cultura escolar é a condição da superação da cultura da Escola em direção à cultura livre [...] considerada pela classe burguesa e sua Escola como o valor dos valores.

A partir disso, poderíamos dizer que a apreciação à arte contemporânea parece

pertencer ao “gosto legítimo” ou culto (BOURDIEU, 2008, p. 21), pois “cresce com o nível escolar

para alcançar a frequência mais elevada nas frações da classe dominante mais rica em capital

escolar” (idem, ibdem). Contudo, é justamente a partir desse capital escolar que se pode romper

com ele, configurando-se o gosto pela arte contempor}nea uma espécie de “gosto do gosto

culto”, pois a maioria que se situa no gosto culto ou “legítimo” (idem, ibdem) ainda parece

preferir trafegar pelos caminhos da grande arte, com seus séculos de história.

Se considerarmos que o paradigma contemporâneo é justamente aquele que procurou

romper em seu discurso com o essencialista, em “direç~o a uma cultura livre” (BOURDIEU;

DARBEL, 2007, p. 93), veremos que faz sentido ela ainda não estar vinculada ao universo

escolar, pois para isso precisaria se tornar uma visão dominante no campo artístico,

extrapolando as suas fronteiras e atingindo um status privilegiado em outras instâncias sociais.

Por enquanto, parece ainda fazer parte do gosto de poucos inseridos em seu mundo e de uma

validaç~o em processo de construç~o e “expans~o”. Uma minoria que improvisa seu próprio

olhar em direção às obras (ou às ideias), tentando se valer do sentido de um jogo cujos códigos

ainda demonstram ser um tanto imprecisos ou reservados a grupos seletos de entendidos.

b) O gosto pela arte contemporânea e a relação com outras variáveis

Para analisar melhor a relação entre o público e a arte contemporânea a partir da noção

de gosto, acredito ser necessário complementar as observações feitas até agora com o

cruzamento de outras variáveis. O nível de escolaridade demonstrou ser um ponto importante,

porém avaliar outros fatores atribuídos a essa relação parece apropriado. Para isso, optei por

continuar utilizando como base a variável referente aos artistas plásticos favoritos

(preferências artísticas). A questão associada à escolha hipotética pela exposição que o visitante

preferiria ir também se mostrou, através de sua distribuição, reveladora quanto ao gosto pela

arte contemporânea em contraposição ao gosto pela arte consagrada. Contudo, pelos motivos

apontados anteriormente, sigo em busca das correlações com as preferências artísticas, em que

a apreciaç~o pela arte contempor}nea se insere de forma mais “espont}nea”.

Se a relação com o nível de escolaridade já havia apontado que o gosto pela arte tem

raízes na formação do habitus dos visitantes, tal qual tinham observado Bourdieu e Darbel

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(2007), a associação com outra questão diretamente relacionada ao capital cultural dos

entrevistados foi ainda mais sintomática. Ao cruzar os dados das citações a artistas plásticos

favoritos com a frequência na qual os visitantes costumavam ter contato com as artes

plásticas na infância e na adolescência (apêndice 3), encontrei diferenças notáveis no grupo

dos que mencionaram artistas contemporâneos. Entre os visitantes que afirmaram ter sempre

ou quase sempre contato com as artes plásticas no principal período de formação de suas vidas,

21,2% citaram a arte contemporânea, ao passo que entre os que disseram ter sido nula a relação

com as artes plásticas nesse momento, nenhum (0%) mencionou um artista contemporâneo. Na

coluna dessa categoria (apêndice 3, tabela 13), os percentuais caíram na medida em que a

frequência desse hábito decresceu. Já no grupo dos que não citaram qualquer artista plástico de

sua preferência, o movimento se mostrou inverso: apenas 3% dos que afirmaram ter sempre ou

quase sempre contato com a arte na infância e adolescência deixaram de mencionar nomes,

enquanto 61,5% daqueles que nunca tiveram relação na infância ou adolescência o fizeram.

Considerando que o resultado do teste estatístico apontou uma associação

estatisticamente significativa entre essas variáveis, no grau moderado de correlação, é possível

confirmar a tendência do que Bourdieu e Darbel (2007) já haviam constatado: o amor pela arte

não é incondicional nem fruto da graça ou da subjetividade simplesmente. É antes resultado de

um processo de socialização por que passa alguns indivíduos, ou seja, somente aqueles que

herdaram da escola e da família a real possibilidade de acessar os bens artísticos; de gostar da

arte; e de poder citar seus artistas favoritos. Assim como apontou a pesquisa dos franceses

(idem), este estudo com o público da bienal também tende a revelar, portanto, que o gosto pela

arte, mesmo pela arte contemporânea, está atrelado à posse de capital cultural, demonstrando,

mesmo no contexto de um evento “massivo” realizado em um País como o Brasil, o quanto a

teoria sociológica de Pierre Bourdieu segue válida e atual para o caso da arte.

No grupo dos que citaram artistas consagrados, as diferenças também foram

perceptíveis. Seguindo a tendência da teoria sociológica aqui adotada, os visitantes que

mencionaram nomes como o de Picasso, Monet, Van Gogh ou Dali como seus preferidos se

concentraram (60,6%) entre os que afirmaram ter tido contato intenso com as artes plásticas na

infância e na adolescência. Em contraponto, 30,8% dos que disseram ter sido nula essa relação

precoce mencionaram artistas consagrados – provavelmente porque eram nomes presentes em

seu aprendizado escolar, mas eles nem se lembravam tanto disso, ou porque eram artistas cujos

nomes se popularizaram bastante além do campo artístico.

Importante notar que no público pesquisado, mais da metade (58%) afirmou que

costumava ter sempre, quase sempre ou de vez em quando esse contato, em oposição aos 29%

dos que declararam ter sido rara essa frequência e aos 13% que confessaram ter sido totalmente

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nula essa aproximação com as artes plásticas quando eram crianças ou adolescentes67. Isso

demonstra mais uma vez que grande parte do público pesquisado na 29ª Bienal era de iniciados,

mesmo que minimamente. Não significa dizer que tenha sido uma maioria culta e especializada.

Houve muitas diferenças mesmo entre os entrevistados que disseram ser familiarizados com a

arte desde cedo em suas vidas, constatadas pelas disparidades entre suas preferências artísticas,

sobretudo em relação aos artistas contemporâneos. De uma forma ou de outra, esses dados

confirmaram mais uma vez o perfil privilegiado dos visitantes do evento. E não foi coincidência

que a soma dos percentuais daqueles que revelaram ter existido alguma aproximação com as

artes plásticas na infância ou adolescência (87%), mesmo que rara, tenha dado quase igual à

distribuição do nível de escolaridade dos visitantes situados a partir do nível superior (86%).

Outro ponto associado à questão da frequência com que os visitantes costumavam ter

contato com as artes plásticas nas primeiras fases da vida também dialoga com as constatações

feitas até agora. Após questioná-los sobre essa assiduidade, perguntava “Por influência de

quem/do quê?” (quest~o 50), caso n~o respondesse “nunca”. Nesse momento, pedia ao

entrevistado para escolher até duas opções disponíveis ou ainda uma outra, se lá não houvesse a

sua. Entre as alternativas do question|rio, coloquei: “família”; “escola”; “amigo/conhecido”;

“livros e outras mídias (TV, internet etc.)”; “lugar onde morava”; “todas as opções e mais”; e

“outra opç~o”. Poucos visitantes acrescentaram suas próprias alternativas, quase sempre

relacionadas com as listadas acima. Somente 5,6% dos respondentes declararam não ter tido

influência no gosto pela arte, pois o contato na infância e na adolescência tinha ocorrido por uma

“curiosidade pessoal”. Sob a perspectiva teórica aqui adotada, a curiosidade n~o é fruto da

imaginação acidental, ao menos que haja condições sociais prévias para que ela exista. O

interesse só pode ser despertado através de um processo de educação, ainda que indireto. Por

isso, mesmo entre esses respondentes, havia uma influência, por menos perceptível que fosse.

Grande parte das respostas do público apontou para a mesma direção de Bourdieu,

confirmando que o processo de familiarização com a arte está associado à transmissão do capital

cultural por duas instituições sociais principais: a família e a escola. Entre os entrevistados,

55,2% afirmaram ter tido influência de seus parentes, enquanto 53,5%, da escola. Vale ressaltar

que 19% do público pesquisado atribuíram essa aproximação com a arte a ambas as influências,

de forma conjunta (família + escola). Sabe-se que para Bourdieu (2008), a transferência do

capital cultural encontra sua plenitude se houver justamente a combinação da ação escolar com

a ação familiar, o que faz com que o gosto pela arte se torne ainda mais restrito, principalmente

no caso das artes plásticas. Na verdade, para o autor (idem, p. 27), a eficácia depende mais ainda

“da import}ncia do capital cultural diretamente herdado da família”. A origem familiar gera,

67 No caso do público adolescente pesquisado, perguntava dessa relação na infância.

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portanto, muito mais distinção e também disparidades entre as preferências culturais e a

capacidade do público de acessar determinadas obras.

Essas observações são ainda mais atestadas se levarmos em conta que apenas 5,8% do

público entrevistado disseram ter tido influência do lugar onde morava; 8,1%, de um amigo ou

conhecido; e 19%, de livros e outras mídias. Como a “curiosidade pessoal”, a cidade onde

residíamos na infância e na adolescência e os meios de comunicação a que tivemos acesso só

poderiam exercer influência se estivessem associados a uma educação prévia. Caso contrário,

boa parte da população entraria em um museu por vontade própria, por exemplo, só porque fica

perto de suas casas, ou porque “passou na TV”. Contudo, sabemos que n~o é bem isso que

acontece. Não com grande parte dos amantes da arte. Sendo assim, muitas dessas razões não

demonstram ser mais do que um efeito do capital cultural herdado da família e da escola – e por

isso mesmo é coerente que não tenham sido as categorias mais representativas desta pesquisa.

Ao testar a correlação entre a influência da família e da escola e as preferências

artísticas, obtive resultados que confirmam a importância do capital cultural (apêndice 3). É

verdade que o cruzamento entre as variáveis “influência da família” e “artistas pl|sticos

favoritos” n~o foi estatisticamente significativo para o nível de confiança de 90%. Se tivesse sido,

o valor de V de Cramer apontaria uma correlação baixa entre as variáveis. Mesmo não podendo

considerar esse resultado, sinto ser preciso analisá-lo com cuidado. Primeiro, porque a tabela do

teste (apêndice 3, tabela 15) revela diferenças entre os percentuais, como o fato de 20,8% dos

que afirmaram ter sido influenciados pela família estarem entre os que citaram artistas

contemporâneos, contra 10,3% dos que não reconheceram essa herança terem mencionado

nomes desse grupo. Ao mesmo tempo, e mais uma vez em uma relação inversa, somente 6,3%

dos que afirmaram ter tido influência familiar não mencionaram nenhum artista favorito, ao

passo que 20,5% dos que não tiveram essa educação familiar deixaram de fazê-lo. São

tendências a serem consideradas, sobretudo porque outras influências mencionadas pelo

público também são efeito dessa herança. Já no caso do teste com a influência escola, a

correlação apresentou significância estatística para o nível de 99% de confiança, em uma

intensidade moderada. No grupo dos que citaram artistas contemporâneos, contudo, a influência

da escola foi menor do que da família. Talvez isso se justifique pelo que já tratei antes: o gosto

pela arte contemporânea está relacionado a uma emancipação em relação à tradição escolar e

por isso a herança familiar tenda a ter maior peso. Ao mesmo tempo, tal busca por uma

“autonomia” de gosto, relacionada { arte contemporânea, tende a ser mais presente quanto

maior for o nível de escolaridade também. Seja como for, o gosto pela arte contemporânea

demonstra estar atrelado a um capital cultural, no qual os conhecimentos legado da família e da

escola revelam ser preponderantes.

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Outra variável que relacionei às preferências artísticas foi a profissão dos visitantes.

Antes de realizar este trabalho, um dos anseios que me deixava inquieta na relação do público

com a arte contemporânea era observar que mesmo os que exerciam profissões ligadas, direta

ou indiretamente, à arte demonstravam ter resistência à arte contemporânea, ou mesmo a

aceitá-la como tal. Com exceção dos atores (artistas, curadores, arte educadores, críticos etc.)

envolvidos na legitimação desse paradigma no campo, escutava de professores, designers e

mesmo de jornalistas com os quais eu convivia expressões de repúdio a instalações,

performances e projetos artísticos mais experimentais, típicos da contemporaneidade artística.

Por isso, sondei aqui em que medida a profissão tem relação com a preferência ou não por essas

manifestações artísticas, ou melhor dizendo, nesse caso pelos artistas desse mundo. No próximo

capítulo, poderei responder melhor essa questão, quando for tratar da relação com algumas

obras específicas, sobretudo instalações. O meu pressuposto é de que essa associação não existe

ou não é relevante, pois mesmo profissionais da arte também tendem a rejeitá-la.

No teste da correlaç~o entre “profiss~o” e “artistas pl|sticos favoritos” (apêndice 3), o

resultado não apresentou significância estatística, para o nível de confiança de 90%. Ao analisar

a tabela desse cruzamento (apêndice 3, tabela 13), percebe-se que a coluna de preferências a

artistas contemporâneos aponta uma diferença de percentual entre profissões ligadas à arte e as

não ligadas à arte. Enquanto 28,6% da parcela de artistas, arte educadores, professores de

história da arte e outros profissionais da área mencionaram nomes da arte contemporânea entre

seus favoritos, apenas 7,5% dos engenheiros, advogados, analistas de sistemas e outros

profissionais o fizeram. No caso dos profissionais ligados indiretamente à arte (designers,

jornalistas, sociólogos etc.), esse percentual foi de 15,4%. Ou seja, os valores tenderam a

decrescer na medida em que a atividade profissional se distanciou da arte. Com isso, não é

possível afirmar que os profissionais da arte preferem artistas contemporâneos a consagrados,

ou vice-versa. Se observarmos a distribuição dos dados, na verdade veremos que há, sim, muito

mais profissionais da arte concentrados na preferência pelos nomes consagrados do que pelos

contemporâneos. Ocorre que não há grandes diferenças de percentual na coluna das citações a

artistas consagrados, ou seja, entre a natureza qualitativa das profissões para esse caso. Tanto a

maior parte dos profissionais da arte quanto a maioria dos profissionais de áreas distintas

demonstraram suas preferências pelos artistas consagrados, o que parece evidenciar,

indiretamente, o peso da influência do aprendizado escolar.

Tudo leva a crer que o gosto cultural não pode ser justificado pela atividade profissional

especificamente, pois esta relação demonstra ser um efeito do próprio grau de instrução68. Não

só para quem aprecia arte, mas ainda para quem escolhe ser artista ou estudioso da área. Se é

verdade que quem exerce profissões ligadas à arte tem mais chances de ter contato com a arte

68 O teste entre nível de escolaridade e preferências artísticas apontou tendência semelhante (apêndice 3, teste 1c).

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contemporânea e, portanto, de apreciá-la, também é que os mesmos profissionais sinalizam uma

aproximação ainda maior com a arte consagrada. Eis o peso dos conhecimentos que estão em

jogo no campo artístico. Afora isso, quem não tem profissão ligada à arte pode ter preferências

semelhantes se comparado a quem tem. Tanto que ao analisar a relação da profissão com a

frequência a museus de arte na Europa, Bourdieu e Darbel (2007, p. 41) afirmaram que “[...]a

profissão não exerce influência específica, na medida em que a relação que a une à visita assídua

a museus não passa de uma outra expressão da relação entre nível de instrução e tal frequência”.

Verei adiante como os próprios profissionais da arte dividem suas preferências por obras no

território da arte contemporânea.

Pelas tendências apontadas aqui, fica evidente que os profissionais da arte são

privilegiados em capital cultural, assim como todos os visitantes que citaram artistas

contemporâneos entre suas preferências, independente de trabalharem na área ou não. Ao que

parece, este é um gosto associado aos mais cultos e instruídos. Sendo assim, estaria também

relacionado à apreciação por outras formas de arte que demandam privilégio semelhante? O

conceito de gosto em Bourdieu (2008) considera que as práticas culturais funcionam em

conjunto e estão associadas a determinados estilos de vida, sistemas que agrupam essas práticas

e classificam grupos sociais (idem, p. 163). O costume de ir ao museu, por exemplo, tem a

probabilidade, pelas condições sociais em que acontece, de estar relacionado à ida ao teatro e ao

concerto do que a pr|ticas menos “nobres”, como a ida ao cinema69. Bourdieu e Darbel (2007, p.

102) já tinham observado que

os conhecimentos e os gostos tendem a se constituir em constelações (estritamente associadas ao nível de instrução), de modo que a estrutura típica das preferências e saberes em pintura apresenta todas as condições de ser associada à estrutura do mesmo tipo de conhecimentos e gostos em música ou, até mesmo, em jazz ou em cinema70.

Ao analisar a relação das preferências artísticas (artes plásticas) com outras artes,

procurei testar como essas associações funcionam em relação ao gosto pela arte contemporânea.

Para tanto, além das citações a artistas favoritos, utilizei também a vari|vel “frequência com que

acompanha arte contempor}nea” (recodificada)71, já mencionada anteriormente. Com exceção

da dança, que no questionário teve questões só para ela, as práticas testadas (literatura, cinema

69 Não no caso dos “filmes de arte”, pois aí se configura uma pr|tica distintiva da “alta cultura” tanto quanto ir a um museu de arte. 70 Para os autores franceses (2007), tudo isso depende do tipo de pintura, de filme ou de música, pois as diferenças de “estilos” s~o capazes de falar a diferentes gostos e públicos. Daí as distinções entre “gosto legítimo” ou culto, “médio” e “popular” ou “b|rbaro” (BOURDIEU, 2008). 71 Não utilizei esta variável em todos os tratamentos estatísticos anteriores, porque vi nas preferências artísticas uma variável mais confiável para analisar o gosto pela arte contemporânea, tanto para observá-lo em relação às outras categorias de gosto quanto aos fatores sociais a que poderia estar atrelado. Neste caso, exploro também a variável “frequência com que acompanha arte contempor}nea”, porque estou lidando com a assiduidade de pr|ticas culturais.

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e música)72 se configuraram como desdobramentos da vari|vel “frequência com que tem contato

com arte atualmente” (de forma geral). Para esta quest~o (nº 52), a maioria (73%) respondeu

“diariamente ou quase diariamente”, demonstrando uma certa “super valorizaç~o” das próprias

práticas, pois os hábitos referentes à arte foram confundidos com aqueles atrelados à lógica do

entretenimento. Seja como for, a frequência referente às práticas artísticas mencionadas acima

tem como base esses dados fornecidos pelo público pesquisado (apêndice 2, tabela 26). Os

cruzamentos desses contatos com as variáveis referentes à relação com a arte contemporânea

deram pistas sobre como se comporta o gosto pelas expressões visuais da contemporaneidade.

Tais associações parecem ajudar a reforçar o seu car|ter “nobre” e raro.

Já havia observado, durante a coleta dos dados, que os mais afeitos à arte contemporânea

(artes visuais) costumavam também demonstrar um gosto pela dança. Foi por esse motivo que

testei primeiramente essa associação, considerando ainda que, entre as práticas artísticas, as

artes plásticas e a dança não são costumam ser as mais queridas pelo gosto popular, se

compararmos a cinema e a música.

Para verificar tal associaç~o, cruzei inicialmente “artistas pl|sticos favoritos” com as

vari|veis “frequência com que vai a espet|culos de dança” e “tipo de dança que vê mais”

(apêndice 3). Ambos os testes não apontaram uma correlação estatisticamente significativa para

o nível de confiança de 90% entre as variáveis. Caso tivesse havido, os valores dos coeficientes

trabalhados revelariam uma correlação baixa nos dois casos. A associação não foi

estatisticamente confirmada, talvez pelos seguintes motivos: 1) por causa do tamanho da

amostra desta pesquisa; e 2) porque a preferência pela arte contemporânea, nessa variável,

esteja imersa em outras preferências – ou falta de preferências. Se formos observar a tabela do

primeiro teste referente à dança (apêndice 3, tabela 23), veremos que no grupo dos que citaram

artistas contemporâneos entre seus favoritos, há diferenças estatísticas73 proporcionais ao

hábito de ver dança. Por exemplo, entre os amantes da arte contemporânea, 31,3% afirmaram ir

sempre ou quase sempre a espetáculos de dança, ao passo que 14,8% afirmaram ir de vez em

quando e 4,2%, nunca.

Os dados tendem, portanto, a apontar que houve uma relação entre os gostos pelas artes

visuais e pela dança. E isso parece ser ainda mais evidente no apreço pela arte contemporânea,

pois apesar de quem gosta de arte consagrada ir também a espetáculos de dança, há nesse grupo

um número considerável (37,5%) que nunca saiu de casa para ver um bailarino em cena. Um

percentual, aliás, igual ao daqueles que não citaram artista algum. Aliás, 63,6% dos que citaram

72 Deixei teatro de fora, pois representou apenas 13,4% das práticas do público pesquisado. Música e cinema (ver filmes) foram os mais citados, com 53,6% cada, muitas vezes de forma duplamente associada. É que nessa questão eu pedia ao entrevistado para dizer até duas linguagens artísticas com as quais mais tinha contato, caso tivesse por costume ter contato com a arte atualmente (ver questões 53 e 54 do questionário, apêndice 1). 73 Como também ocorreu nos testes com “nível de escolaridade”, “frequência de contato com artes pl|sticas na infância e adolescência”, “influência da família” e “profiss~o”, por exemplo.

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nomes consagrados disseram ir raramente a encenações de dança. Mais uma vez, ao comparar as

colunas de artistas contemporâneos e de ausência de preferências, verifiquei uma mesma

tendência em sentidos inversos. Na primeira, na medida em que a frequência em dança

decresceu, também caiu a citação a nomes da arte contemporânea. Já no caso dos que não

mencionaram artistas de preferência, os percentuais cresceram em sentido inverso à frequência

em dança. Sabe-se que os que não têm preferência artística são os mais desprovidos da posse de

capital escolar e cultural.

Dito isso, assim como o gosto pela arte contemporânea tende a estar associado aos mais

instruídos, a dança também demonstra ser um gosto de poucos, sobretudo a contemporânea.

Ambos os gostos não parecem ter lá uma vocação muito popular, não. Aliás, é justamente a

combinação dessas duas preferências (arte e dança contemporânea) a mais provável de ser

encontrada num dado estilo de vida culto, o que não implica afirmar que todo homem instruído

gosta dessas duas expressões artísticas ao mesmo tempo. Ainda assim, a probabilidade de

encontrar essas práticas entre os mais cultos é bem maior do que entre as classes populares.

Essa associação se mostra mais clara na tabela do segundo teste (apêndice 3, tabela 25), entre as

vari|veis “tipo de dança que vê mais” e “artistas pl|sticos favoritos”. Dos que citaram artistas

contemporâneos, 5,3% disseram assistir com maior frequência a espetáculos de balé (clássico

ou moderno), enquanto 25% afirmaram ver com maior assiduidade montagens de dança

contemporânea e performance. Aliás, os balés foram uma preferência bastante evidente entre os

visitantes que mencionaram artistas consagrados74 (63,2% desse grupo). Não foi por acaso.

Assim como a arte contemporânea busca romper com o paradigma essencialista da arte, o

mesmo demonstra fazer a dança contemporânea, testando os limites do corpo e da própria

noção de dança, bastante atrelada à história dos balés. Ambas as expressões não parecem se

encontrar apenas no gosto a que se dirigem, mas também na experimentação artística que

acompanha seus discursos. A própria ideia de performance parece sintetizar bem essa relação,

estando presente em ambas as linguagens artísticas.

Se os testes realizados acima não apresentaram uma correlação estatisticamente

significativa entre os gostos pela arte contemporânea e pela dança – apesar de haver uma

correlação baixa observada pelas diferenças de percentuais nas citadas tabelas –, um outro

tratamento estatístico confirmou com a existência dessa associação existe. O Gamma para testar

a correlaç~o entre as vari|veis “frequência com que vai a espet|culos de dança” e “frequência

com que acompanha arte contempor}nea” apontou que existiu uma correlaç~o moderada entre

as práticas, estatisticamente significativa para o nível de confiança de 99% (apêndice 3). Ao

analisar a tabela desse cruzamento (apêndice 3, tabela 28), observa-se que as frequências estão

“alinhadas”. Em outras palavras, 68,8% dos que v~o com alta regularidade a espetáculos de

74 A dança contemporânea também foi mencionada, mas não tanto quanto os demais tipos de dança.

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dança são aqueles que afirmaram acompanhar sempre ou quase sempre a produção artística

contemporânea. Já 45,8% dos que nunca foram a um espetáculo de dança na vida são aqueles

que raramente ou nunca acompanham a arte contemporânea. O percentual tende a diminuir

quando a relaç~o é inversa, ou seja, as frequências tendem a se “combinar”. Significa dizer que

quem gosta de arte contemporânea tende a gostar também de dança, principalmente

contemporânea, como foi mostrado.

A pr|tica da leitura, mediada aqui pela vari|vel “contato com literatura”75, não

apresentou uma associação com o gosto pela arte contemporânea, tal qual a verificada no caso

da dança. No cruzamento com as preferências artísticas, o resultado do teste (apêndice 3)

apontou uma correlação moderada e estatisticamente significativa para o nível de confiança de

95%. Contudo, as diferenças no grupo dos que citaram artistas contemporâneos não se

mostraram visíveis (15% tinham contato com literatura e 12,3% não tinham)76. O resultado do

teste de correlaç~o entre as vari|veis “contato com literatura” e “frequência com que acompanha

arte contempor}nea” (apêndice 3) comprovou melhor essas observações, a despeito da ausência

de significância estatística. Seja como for, a associação entre as práticas culturais tende a não ser

relevante; pelo menos no contexto desta pesquisa77.

Já o teste de correlação entre as vari|veis “contato com cinema” e “frequência com que

acompanha arte contempor}nea” (apêndice 3) revelou uma correlação substancial e

estatisticamente significativa entre as práticas. Contudo, ao ler a tabela do cruzamento (apêndice

3, tabela 34), verifica-se que essa associação se dá no sentido inverso da observada no teste

entre “contato com artes pl|sticas/artes visuais” e “frequência com que acompanha arte

contempor}nea” (apêndice 3). De forma geral, os dados demonstram que quanto mais frequente

é a prática ligada ao cinema (ver filmes, de forma geral), menos assídua é a prática de

acompanhar a arte contemporânea. Ao passo que, no segundo caso, quanto mais frequente é a

prática ligada às artes plásticas, mais assíduo é o contato com a arte contemporânea78.

Observando a tabela de relação com cinema, vê-se que 55,8% dos que costumam ver filmes

nunca ou quase nunca acompanha a produção de arte contemporânea, enquanto 40% dos que

não costumam ter o hábito associado ao cinema são aqueles que acompanham diariamente ou

quase diariamente as manifestações visuais contemporâneas.

75 Representada por 41,2% do público pesquisado na bienal. 76 As diferenças mais evidentes foram verificadas no grupo dos que não citaram artista algum, com grande parte concentrada entre os que não tinham contato com literatura. Nesse caso, trata-se de um efeito do nível de instrução mais baixo, confirmado na ausência do gosto pela literatura. 77 Talvez porque a literatura a que se referiu o público tenha sido a menos erudita. Senti que para muitos entrevistados o gosto pela leitura foi relacionado a livros de forma geral – literários, técnicos, científicos etc. 78 Do público pesquisado, 32% disseram ter contato frequente com as artes plásticas/visuais. A relação forte (apêndice 3) entre as frequências do contato com artes plásticas e com arte contemporânea se dá pelos motivos “óbvios”. Mas é bom lembrar que o entendimento de arte contemporânea para muitas pessoas se confundiu com o de arte atual.

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Como mais da metade do público disse preferir assistir filmes hollywoodianos (questão

57), geralmente atribuídos ao “gosto médio” e “popular” (BOURDIEU, 2008, p. 21), supõe-se que

o perfil desse hábito cultural faça jus à lógica das práticas massivas, típicas da indústria cultural,

para usar o conceito de Theodor Adorno e Max Horkheimer (2002). Considerando que os

percentuais do teste estatístico acima apontaram uma “dissociaç~o” entre as pr|ticas ligadas a

cinema e a arte contemporânea, é possível concluir que também há um distanciamento entre

esta última e o gosto médio ou popular. Em outras palavras, os dados tendem a confirmar mais

uma vez a pouca vocação da arte contemporânea para ultrapassar as barreiras do gosto culto,

reservado a poucos instruídos. Aliás, Bourdieu e Darbel (2007, p. 103) já tinham observado que

“a freqüência das salas de cinema, muito mais intensa do que outras pr|ticas culturais [...], n~o

est|, de modo algum, associada { freqüência dos museus”. Isso só tende a validar as tendências

apontadas até aqui, pois a prática de ver filmes (ou ir ao cinema) não demonstrou estar

associada ao costume de se visitar exposições de arte, seja num museu ou numa bienal79.

O resultado do teste entre as vari|veis “frequência com que assiste a TV” e “artistas

pl|sticos favoritos” (apêndice 3) também apontou tendências semelhantes – não obstante a falta

da significância estatística constatada. De forma menos expressiva, o mesmo ocorreu na relação

entre “frequência com acompanha arte contempor}nea” e “música” (apêndice 3).

Os dados levam a crer, portanto, que a lógica massiva regente do consumo de bens

musicais e audiovisuais no Brasil, como já demonstraram os estudos de Sergio Miceli (2005), se

opõe ao caráter erudito do gosto por artes como a dança e as artes plásticas, restritas ao alcance

de poucos. Isso vale ainda mais para as manifestações visuais contemporâneas, cuja tendência é

atingir um número ainda mais reduzido de apreciadores em potencial. O contexto da Bienal de

São Paulo parece ressaltar esse aspecto, na medida em que o perfil do seu público é revelado e a

assimetria dos gostos dentro do mesmo universo de visitantes, evidenciada.

No próximo capítulo, procuro explorar melhor essas questões, desta vez analisando a

relação do público com a arte contemporânea por intermédio das obras expostas na grande

mostra. A intenção é complementar a análise feita até agora, com ênfase não só no gosto, maior

também nos julgamentos dirigidos aos trabalhos. Fazendo assim, espero mostrar com mais

acuidade como essas diferenças se manifestam e quais os fatores sociais que tendem a sustentá-

las, buscando perceber até onde vai a arte contemporânea.

79

Não significa dizer que quem aprecia a arte contemporânea necessariamente não possa gostar de ver filmes da indústria cinematográfica. Contudo, esta não costuma ser a prática cultural mais frequente dos gostos mais exigentes, cujo hábito de visitar museus e exposições, além de ir ao teatro – ou mesmo ver “filmes de arte” – parece ser mais importante. Além disso, se a elite cultural tem muito mais chances de se dar ao “luxo” de ver o filme que quiser, as classes carentes de capital cultural não têm o mesmo privilégio no que diz respeito à ida a exposições de arte. Mesmo com entrada gratuita, elas dificilmente chegam até mesmo à porta de entrada.

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4. POLÍTICOS, POLÊMICAS E URUBUS GOSTO E JULGAMENTO FRENTE ÀS OBRAS DA BIENAL

“Você vai a uma bienal internacional de arte e encontra um pouco de tudo, mas de tudo mesmo [...] Tem desde aquilo que você consegue identificar como

pinturas, fotos, vídeos, esculturas, até espaços preenchidos com coisas que você é chamado a penetrar [...]”

Paulo Sergio Duarte80

No segundo semestre de 2010, quem adentrasse no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no

Parque do Ibirapuera, poderia sentir que afirmações como esta não são de todo um exagero. Do

primeiro ao último pavimento do espaço, a 29ª Bienal São Paulo fez jus à pluralidade que a torna

um evento “massivo”, inspirado nas grandes exposições universais – como já observaram

Cristina Freire (1990) e Mariana Souza de Oliveira (2006/2007). Se a arte contemporânea se

propõe a ser uma profusão de estilos (ARCHER, 2005, p.IX), bienais como esta se configuram o

momento mais oportuno para reforçar tal discurso – com a ressalva de que n~o h| “de tudo”

nessa mostra, mas trabalhos que ajudam a defender um dado paradigma artístico.

Com cerca de 850 obras expostas, a edição de 2010 celebrou, sim, a multiplicidade

artística contemporânea. No entanto, o fato de ter existido uma diversidade de expressões, como

pintura, escultura, gravura, instalação, fotografia etc., não significa que inexistiu ou inexista na

mostra um projeto de legitimação e difusão da arte contemporânea. Mesmo na variedade, há

tendências visuais que vêm perpassando a realização das edições da Bienal de São Paulo,

principalmente a partir do momento em que a figura do curador se tornou preponderante no

evento, nos anos 1980 (ALAMBERT; CANHÊTE, 2004). A extensa quantidade de instalações e

vídeos, como a que se viu na 29ª edição, é uma demonstração de qual paradigma está em jogo na

grande mostra. As pinturas, as esculturas ou os desenhos também se fazem, mas não como

maioria – e geralmente é assim que acontece com a produção artística contemporânea. Vale

lembrar que as linguagens tradicionais perpassam toda a história da arte, mas a instalação é uma

manifestação típica da contemporaneidade81. Sua “participaç~o massiva” numa bienal, assim

como dos vídeos e das videoinstalações, não se dá por acaso. Está dentro de uma proposta.

A variedade de obras e suportes tão difundida também tem a ver com a própria

característica multifacetada desses trabalhos contemporâneos, configurando-se ainda um dos

“princípios estratégicos”, tal qual observou Maria Bonomi (2001-2001 apud ALAMBERT e

80 DUARTE (2008, p. 13). 81 Cristina Freire (1990, p. 13) enfatiza que a instalação “pertence { mais recente História da Arte”. O termo geralmente associa-se a suportes artísticos que podem ou não dialogar com a linguagem escultórica, por meio de técnicas tridimensionais, admitindo também a ausência de formas visuais. As instalações remontam às experimentações de correntes artísticas conceituais e ambientais (land art), tendo suas “bases” também no readymade de Duchamp.

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CANHÊTE, 2004, p. 44)82, capaz de legitimar a Bienal de São Paulo como uma das mais

importantes megaexposições do circuito artístico mundial. Isso estaria atrelado também ao seu

objetivo de atrair uma grande quantidade de visitantes, apostando na interação com as obras

(instalações interativas, no geral) e no apelo a “novidades” e polêmicas, geralmente atribuídas a

trabalhos artísticos que repercutem na imprensa e, por conseguinte, na opinião pública e nos

seus respectivos gostos. Na 29ª ediç~o, tais “estratégias” entraram em cena – e como não haveria

de ser, considerando que esta chegou sob o carimbo de “bienal da retomada”?

Alambert e Canhête (idem) relatam que nunca houve uma Bienal de São Paulo sem

controvérsias – “as polêmicas e as crises n~o poderiam faltar” (idem, p. 194). Na ediç~o aqui

pesquisada, cumpriram esse “papel” as obras dos artistas Gil Vicente (PE), Nuno Ramos (SP) e,

em menor grau, Roberto Jacoby (Argentina), cujo trabalho com imagens dos então

presidenciáveis José Serra e Dilma Rousseff foi coberto depois de a Justiça Eleitoral ter

identificado um teor político em prol da candidata do PT83 (MARTÍ, set. 2010, p. E1). As maiores

polêmicas, contudo, recaíram mesmo sobre os desenhos de Gil Vicente e a instalação de Nuno

Ramos, que, aliás, já teve outro trabalho interditado na 22ª edição do evento, em 199484. Isso

convergiu com algumas escolhas do público, como verei logo mais, me levando a analisar a

relação dos visitantes com ambas.

No caso de 2010, o artista paulistano foi acusado, por militantes de defesa aos animais,

de maltratar urubus selvagens, alegando que sofreriam ao permanecerem presos na sua obra da

bienal – ali|s, considerada “n~o arte” para muitos dos seus “detratores”. Intitulada Bandeira

branca, a instalação foi montada no vão central do prédio, ocupando todos os andares do

pavilhão como uma espécie de grande cativeiro. Nela, três urubus vivos circulavam por entre

bases escultóricas em grandes dimensões, enquanto caixas de som tocavam as músicas Bandeira

branca, Carcará e Boi da cara preta. As acusações foram inúmeras e no primeiro dia de abertura

do evento ao público j| houve pichadores protestando contra o trabalho (“Libertem os

urubus!”). Apesar de Nuno Ramos ter obtido autorizaç~o legal do Ibama para expor tais aves,

que, como ele mesmo reiterou na Folha de São Paulo (out. 2010, Ilustríssima, p. 4), eram animais

nascidos em cativeiro, a pressão pública conseguiu com que o Ibama revogasse a licença e

retirasse os urubus do pavilhão. Já Gil Vicente sofreu pressões da Ordem dos Advogados do

Brasil (OAB), por estar fazendo uma “apologia ao terrorismo” (MARTÍ, set. 2010, p. E1) com a

série de desenhos Inimigos, na qual “ele mesmo” (em autorretratos) aponta armas para

82 Para Maria Bonomi ((2001-2001 apud ALAMBERT e CANHÊTE, 2004, p. 44), princípios como a grande quantidade de artistas, visitantes e obras, assim como o apelo a novidades e polêmicas, foram estratégicos na tarefa de fazer a Bienal de São Paulo se tornar uma grife internacional. 83 A 29ª Bienal de São Paulo foi realizada na época da campanha presidencial no Brasil e a obra foi censurada, porque “segundo a Procuradoria Regional Eleitoral, é proibido fazer campanha em prédios públicos e em eventos que recebem dinheiro do governo, caso da Bienal de S~o Paulo” (MARTÍ, set. 2010, p. E1). 84 Alambert e Canhête (2004, p. 193) contam que a própria Fundação Bienal fechou a instalação do artista, alegando motivos de segurança ao público.

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personalidades políticas, como o ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush, a rainha da

Inglaterra Elizabeth II e até o papa Bento XVI. Tanto o trabalho do artista pernambucano quanto

o de Nuno Ramos já haviam sido expostos antes da Bienal de São Paulo – em 2005, no Recife, e

2008, em Brasília, respectivamente –, mas só na megaexposição se tornaram motivo de alarde.

Prevendo que ambas as obras Inimigos ou Bandeira branca iriam chamar a atenção do

público da bienal, de alguma forma, resolvi incluí-las no questionário antes mesmo de ir a

campo, com o objetivo de provocar manifestações de gosto e julgamento. Minha intenção não era

trabalhar com as possíveis controvérsias de ordem política ou ecológica suscitadas pelos

trabalhos, mas analisar preferências e opiniões referentes a duas linguagens distintas de arte –

uma mais tradicional (o desenho) e outra (a instalação) típica da arte contemporânea, em seu

car|ter conceitual, experimental e “antiessencialista”. As polêmicas acabaram coincidindo com

as escolhas, mas não foram o motivo da análise – aliás, um certo atrapalho. Como os urubus

foram retirados do pavilhão, acabei trocando o trabalho de Ramos por outro de característica

“semelhante”: a instalaç~o Simultâneo, fragmentado, descontínuo, do português Carlos Bunga,

localizada na rampa onde me posicionei para abordar os visitantes e distante dos “holofotes”.

O curioso é que antes mesmo de perguntá-los sobre esses trabalhos, eles eram

mencionados espontaneamente na lista do que o público mais tinha gostado e/ou menos tinha

gostado. Na verdade, como verei adiante, enquanto as instalações tenderam a desagradar os

visitantes, os desenhos de Gil Vicente surtiram efeito contrário, mesmo sob polêmicas. Os

burburinhos em torno de Inimigos e Bandeira branca, replicados aos montes na internet e nos

grandes veículos de comunicação, foram suficientes para interferir nas escolhas e nas opiniões,

que muitas vezes reproduziram a mera controvérsia do senso comum. Contudo, a tendência de

gosto do grande público foi se voltar menos aos suportes contemporâneos, como vídeos,

instalações, videoinstalações e performances, e mais às obras feitas a partir de técnicas

tradicionais, ou que requeriam o corpo do visitante em sua dimensão relacional. E isso

independeu de serem obras de menor ou maior apelo midiático, conforme mostrarei a seguir.

4.1. Perfil geral das escolhas

De uma forma geral, 83% dos entrevistados por esta pesquisa disseram ter gostado

muito ou simplesmente gostado das obras expostas na 29ª Bienal de São Paulo (ver apêndice 4).

Mas na hora de escolherem suas favoritas, ou revelarem as que menos gostaram, a força do grau

de satisfação se reduziu a alguns exemplos artísticos. Dos 850 trabalhos expostos na 29ª Bienal

de São Paulo, 41 foram citados entre os que o público mais gostou, ao passo que 36, entre os que

os visitantes menos gostaram – com a ressalva de que os entrevistados tiveram maior

dificuldade em mencionar aquilo que lhes desagradou do que contrário. Essas escolhas

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recorrentes diante do universo plural da exposição parecem ter reforçado o caráter social do

gosto no contexto do evento, evidenciando uma visita seletiva, segundo os interesses do público

– em parte influenciados pela própria montagem da mostra, que privilegiou algumas obras em

detrimento de outras85. A despeito disso, há de se considerar a inclinação prévia dos visitantes

em gostar de alguns trabalhos e não de outros – e o mesmo vale para as interferências da mídia.

Além do mais, as escolhas do público revelaram a tendência da bienal em falar mais a um

gosto pouco afeito à arte contemporânea em seu caráter antiessencialista, experimental e

conceitual – ainda que esta seja uma das marcas da mostra na condição de representante de um

paradigma. As preferências sinalizaram um gosto frequente por obras figurativas e por trabalhos

interativos/participativos – referidos por Paulo Sergio Duarte (2008, p. 13), na abertura deste

capítulo, como “coisas que você é chamado a penetrar”. Geralmente em grandes dimensões, s~o

instalações que demandam a participação dos visitantes e costumam garantir o sucesso de

público das bienais de artes visuais, fazendo autores como Freire (1990) e Oliveira (2006/2007)

identificarem na megaexposição de São Paulo um apelo ao entretenimento e ao espetáculo.

Mesmo não sendo maioria na seleção curatorial do evento, essas obras costumam causar

“frisson” no público. N~o por acaso, sua presença na história da Bienal de S~o Paulo coincide

com o momento em que o seu projeto expositivo desejou se abrir {s “massas” e { participaç~o

dos visitantes, nos anos 1960 (COUTO, 2004).

Ao classificar as preferências por suporte (instalação, vídeo, fotografia, pintura, gravura,

desenho, objeto/escultura etc.), pude perceber que 30,3% do público pesquisado escolheram

como suas favoritas obras desse tipo, incluindo os terreiros86, ao passo que 36,4%, trabalhos

artísticos feitos em suporte tradicional (pintura, gravura, escultura e desenho). Ou seja, mais da

metade das escolhas favor|veis (ver gr|fico 6, a seguir) se dividiu entre o território “seguro” da

arte de inclinação mais convencional – onde estavam os desenhos, as pinturas, as gravuras, as

esculturas e as fotografias da grande mostra – e a experiência imediata das obras interativas.

Ao mencionar essas distribuições, não quero dizer que artistas que utilizam suportes

tradicionais não possam lançar mão de uma abordagem artística tipicamente contemporânea.

Alguns especialistas até poderiam argumentar que a arte contemporânea, sendo espaço plural

por excelência, independe do suporte, pois tanto uma pintura quanto uma escultura podem ser

classificadas como arte contemporânea, mesmo lançando mão de uma técnica mais tradicional. É

verdade. Mas também é preciso lembrar que existe um dado arbitrário no campo artístico que

85 Para conferir a localização dos trabalhos, ver plantas do Pavilhão Ciccillo Matarazzo nos anexos deste trabalho. 86 Espaços de “respiro” para o público ao longo do percurso da mostra, pensados pela curadoria e criados por artistas convidados. Uma parcela dos visitantes os tomou como obras. Praticamente todos os terreiros citados eram instalações “interativas”, como Longe daqui, aqui mesmo, de Marilá Dardot e Fabio Morais. O terreiro funcionou como uma espécie de labirinto literário, no qual o público era chamado a abrir portas estampadas com capas de clássicos da literatura. Dos terreiros, foi o mais citado entre as preferências e as não preferências, dividindo o gosto dos visitantes.

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permite legitimar trabalhos tipicamente da arte moderna como contemporâneos87. Trata-se,

então, de uma questão de consenso, segundo o interesse dos protagonistas do campo, abarcar

nesse mundo determinadas pinturas e não outras, por exemplo. Além disso, não é através das

técnicas convencionais que a arte contemporânea vem buscando se afirmar. Na verdade, os

suportes das preferências e não preferências apontam tendências artísticas de paradigmas

distintos. As propostas não se separam das técnicas, dependem delas. É nesse sentido que

considero aqui a classificação das preferências por suportes.

88

Se o gráfico acima aponta que os trabalhos desenvolvidos com linguagens típicas da arte

contemporânea (instalação, videoinstalação, objeto, vídeo, performance etc.) tendem a agradar a

uma parcela menor do público, em comparação aos feitos por meio dos suportes mencionados

anteriormente, o gr|fico a seguir parece reforçar mais ainda essa tendência, do “lado inverso”:

87 A fotografia talvez seja o suporte mais “problemático” nessa classificação, sobretudo quando extrapola a sua dimensão documental e entra no terreno das experimentações contemporâneas. Mesmo assim, não foi o caso da maioria dos trabalhos fotogr|ficos citados pelo público e por isso foram enquadrados como “suportes convencionais”. 88 Variável recofidicada após análise das categorias (ver apêndice 4). Em “Suportes da arte contempor}nea”, foram incluídos vídeos, projeções, instalações, objetos, videoinstalações, performances e vários suportes reunidos (espaços, salas com diferentes linguagens). Em “Suportes interativos da arte contempor}nea”, agrupei instalações interativas e os terreiros. J| em “Suportes tradicionais da arte moderna”, escultura/objetos escultóricos, pintura, desenho, gravura, técnica mista e fotografia (incluindo a em 3D, de Carlos Vergara). No gráfico 6, houve missing de 1%. E no 7, de 35%.

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Se observarmos a lista dos 36 trabalhos que os entrevistados declararam não ter gostado

(apêndice 4, tabela 3), veremos que poucos tinham suportes tradicionais. E basta analisar o

gráfico 7 (acima) para perceber que quase 70% dos percentuais válidos foram representados

por aqueles que disseram não ter gostado de trabalhos feitos por meio de linguagens próprias da

arte contemporânea. Mesmo sendo maioria na Bienal de São Paulo, por exemplo, os vídeos e as

instalações, que no geral costumam exigir mais tempo e atenção dos espectadores, foram os

trabalhos que menos agradaram os visitantes da bienal. Na sua pesquisa com o público da 19ª

edição do evento, Cristina Freire (1990, p. 42) j| havia observado a recorrência de “apreciações

negativas por parte do público ao referir-se a instalações”. Verei mais na frente coment|rios

semelhantes com relação a algumas dessas obras expostas na 29ª edição, seguindo a tendência

dos dados estatísticos aqui apresentados.

Vale ressaltar que 35% dos visitantes deixaram de citar um trabalho específico que não

haviam gostado, enquanto só um entrevistado se absteve de mencionar uma obra favorita. No

primeiro caso, alguns entrevistados justificaram ter se esquecido daquilo que não tinha

interessado a eles; outros demonstraram n~o se sentir “autorizados” para criticar negativamente

um trabalho; e um parcela disse simplesmente não ter havido nada que lhes tivesse

desagradado. Mas quando eu perguntava das obras especificamente (o caso de Bandeira branca,

por exemplo), esses incômodos viam à tona, de alguma forma. Seja como for, o gostar pareceu

ter muito mais valor para o público do que o contrário. E não foi à toa que houve uma tendência

de “super avaliaç~o” dos graus de satisfaç~o com relaç~o a determinadas obras e { própria arte

contemporânea, de forma geral – conforme mostrei no capítulo 3. Muitas vezes, os visitantes se

sentiram no “dever” de dizer que gostavam, e isso aconteceu frente a algumas obras também.

Na verdade, é muito sintomático notar que o não gostar foi mais assumido por aqueles

com um maior nível de escolaridade. Como se a “reprovaç~o” {s obras fosse um direito dos mais

instruídos, cujo gosto pela arte atingiu, supostamente, um grau de formação maior. Ao analisar a

tabela do teste de correlaç~o entre as vari|veis “trabalho que não gostou em especial” e “nível de

escolaridade”, percebe-se que o percentual de entrevistados que não citou nenhum trabalho

específico que tenha desagradado tendeu a aumentar na medida em que o grau de instrução

diminuiu. Ou seja, 50% dos 35 entrevistados que disseram não ter tido nada que não gostaram

na Bienal de São Paulo possuíam até ensino médio, enquanto 34,5% eram graduandos ou

graduados, e 29%, pós-graduandos ou pós-graduados. Não por acaso, ao analisar a tabela desse

cruzamento, quase todos os percentuais dos trabalhos citados alternaram entre os níveis de pós-

graduação e graduação, sendo de 0% para a maioria dos que tinham até ensino médio89. Não

89

Por se tratar de uma variável ordinal e outra nominal, o teste utilizado foi Gamma, que apresentou uma correlação baixa e estatisticamente significativa entre as vari|veis “nível de escolaridade” e “trabalho que não gostou em especial”, para o nível de confiança de 99%. Os valores do coeficiente Gamma e da significância foram de 0,283 e 0,007, respectivamente. Como a tabela do cruzamento foi muito comprida, optei por não colocar o teste no apêndice 4.

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parece que essa parcela dos visitantes tenha deixado de mencionar trabalhos que desgostassem

somente pelo motivo de “esquecimento”, pois a grande maioria se lembrou das obras favoritas,

mesmo não sabendo dizer o título do trabalho e/ou o nome do autor90.

Tal constatação me impele a refutar a hipótese de que o menor grau de escolaridade teria

influência sobre os julgamentos negativos em relação às obras, ou ao não gostar de

determinados trabalhos de arte contemporânea. Os menos cultos pouco demonstram sua

insatisfação. Parecem constrangidos em declarar uma reprovação e a impressão é de que

tendem a disfarçar o pouco conhecimento enfatizando justamente o gostar, enquanto os mais

instruídos se sentem à vontade e seguros para criticar os trabalhos. Tacitamente, o campo da

arte faz suas exigências e as manifestações do público revelam essas “segregações” veladas. Por

isso, acredito que o não gostar declarado tenha mais relação com a posse de algum

conhecimento do que com a falta dele. Bourdieu e Darbel (2007) não deram tanta atenção à

questão do não gostar, pois o gosto já parecia, por si, apontar muitos caminhos. Porém,

pensando com os mesmos autores e com os dados desta pesquisa, penso ser reveladora a

tendência mencionada acima com relação ao não gostar. Aliás, a discussão parece ficar mais

complexa quando os julgamentos de desaprovação entram em cena.

De uma forma ou de outra, o gosto – expresso tanto nas preferências espontâneas a

determinadas obras quanto nas afirmações gerais – se revelou mais uma vez uma forma de

pertencimento do público ao “jogo” do campo artístico. E se uma parte dos visitantes exaltou o

seu gostar foi porque “captou”, de alguma maneira, que tal postura era importante nesse espaço

social. Além disso, o gosto também se mostrou uma maneira de o público “legitimar”

determinadas obras como arte. Tanto que 93% dos respondentes consideraram suas obras

favoritas “arte”, contra os 47,7% dos visitantes que reconheceram tal status nos trabalhos que

declararam não gostar (ver apêndice 4). Se só 6% dos entrevistados afirmaram que suas

preferências não eram arte (1% teve dúvida), 50,8% dos visitantes negaram aos trabalhos que

não gostaram, mesmo no contexto institucional consagrador da Bienal de São Paulo, o valor de

arte. Se o gostar levou a uma legitimação quase unânime das obras, o não gostar dividiu os

respondentes quanto a essa validação.

Em outras palavras, o gosto pela arte tende a ser uma forma de expressar a aprovação do

status artístico das obras, enquanto o “desgosto”, o contrário. O gostar parece se configurar,

portanto, uma forma importante de os visitantes reforçarem a legitimação de determinados

trabalhos, além de ser o condicionante de suas práticas e de seus juízos de valor nesse meio. Ao

manifestar essa concordância, o público parece se sentir inserido em um processo no qual, pela

visão de Bourdieu, o gosto é a expressão de um dado conhecimento. Mesmo entre os visitantes

90 A maioria das citações nos dois casos foi feita por meio de descrição das obras e do local onde estavam situadas, o que me fez voltar à exposição algumas vezes. Poucos souberam mencionar o título do trabalho e/ou do autor.

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com menos capital cultural, essa noção se revela presente e não é à toa que a maioria se sentiu

mais confortável em assumir o que gosta do que o oposto.

Ao afirmar, portanto, que a maior parcela dos visitantes da 29ª Bienal de São Paulo

preferiu obras cujos suportes artísticos eram convencionais ou interativos, quero dizer também

que foram os trabalhos com essas características que o público tendeu a aceitar mais como arte.

Suas preferências se mostraram, em boa medida, suas referências artísticas. A série de desenhos

Inimigos , por exemplo, foi considerada arte por 97,2% dos entrevistados, enquanto a instalação

de papelão Simultâneo, fragmentado, descontínuo, por 71,7%, e a instalação Bandeira branca,

com os urubus, por 58,8% do público pesquisado91. E tais percentuais seguiram um “fluxo”

semelhante em relaç~o ao gosto ou ao “desgosto” das obras. Isso não quer dizer que o público

tenha considerado arte apenas desenhos, esculturas, pinturas ou instalações que demandem a

sua participação direta, mas existiu uma tendência a aceitar melhor um dado referencial de arte.

Quanto aos trabalhos, não foi sintomático, pois, que 35,4% dos respondentes tenham

eleito, de forma espontânea, justamente como suas obras favoritas a série Inimigos e a instalação

interativa A origem do terceiro mundo, de Henrique Oliveira (SP)? Mesmo sob a chancela da arte

contemporânea, a primeira se apresenta como uma digna representante da arte figurativa

moderna, enquanto a segunda, um típico exemplar da arte contempor}nea “participativa”, de

apelo ao entretenimento – não obstante as questões políticas imbricadas no trabalho. Do outro

lado, também não parece ser revelador que 11% tenham colocado na lista do que não gostaram

as instalações Simultâneo, fragmentado, descontínuo e Bandeira branca, de caráter mais

conceitual e experimental?

O fato de algumas dessas obras terem gerado polêmica pode até ter influenciado nas

escolhas e nas opiniões, mas o gosto não depende dos veículos de comunicação – mais fácil

acontecer o contrário. Como se sabe, as preferências culturais atreladas ao gosto são para

Bourdieu resultado de um aprendizado ao longo da vida, o que implica dizer que jornais, sites e

TVs só influenciam quando se dirigem a determinadas tendências de gosto, geralmente de

inclinação média e popular. Por isso que as escolhas do público da 29ª Bienal de São Paulo se

colocam aqui como indicativos importantes. O gosto culto, por exemplo, não se renderia

facilmente a esses chamados midiáticos – ou não somente. Além disso, a seleção de trabalhos

como Inimigos e Bandeira Branca não deveria ser vista, de certa forma, como uma estratégia da

curadoria para gerar burburinho e atrair um público maior ao evento? Não é à toa que trabalhos

assim têm no evento localização e espaço privilegiados (ver anexos).

91 Para conferir imagens de algumas dessas obras, ver apêndice 5.

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Ao longo deste capítulo, pretendo olhar mais de perto como as questões de gosto e

julgamento se manifestam em relação a algumas das obras citadas92, em especial Inimigos, A

origem do terceiro mundo, Bandeira branca e Simultâneo, fragmentado, descontínuo. Gostaria de

reforçar que a escolha por esses trabalhos não foi meramente arbitrária ou movida pelas citadas

polêmicas (para o caso de Gil Vicente e Nuno Ramos), mas fundamentada no olhar do público,

que me conduziu na pesquisa de campo e na análise. Para tanto, pretendo relacionar graus de

satisfação e juízos de valor com os prováveis fatores sociais que os engendram,

complementando a análise estatística com os dados registrados por meio da técnica da

observação93. Ao fazer isso, o objetivo é traçar aqui um perfil do público (que gostou ou não)

desses trabalhos, procurando ver o que tende a levar os visitantes, na sua relação com a arte

contemporânea exposta na Bienal de São Paulo, a eleger certas obras e refutar outras.

4.2. Inimigos e A origem do terceiro mundo

Já afirmei há pouco que a série de desenhos Inimigos, de Gil Vicente, esteve entre os

trabalhos mais “amados” pelo público da 29ª Bienal de S~o Paulo. Ao lado da instalaç~o A origem

do terceiro mundo, de Henrique Oliveira, foi a obra mais citada na lista do que os visitantes

gostaram em especial (ver apêndice 4, tabela 1). Espontaneamente, 18% dos entrevistados

mencionaram o trabalho do pernambucano entre os favoritos. Além disso, o restante do público,

que escolheu outros exemplos da mostra, também deu sinais de aprovação em relação a ele. As

respostas para a questão 39, direcionada especificamente a Inimigos, reforçaram o alto grau de

satisfação que os desenhos suscitaram mesmo entre os visitantes que não os listaram, de forma

espontânea, como sendo o trabalho preferido.

No público pesquisado, 82,6% disseram ter gostado muito ou simplesmente gostado do

conjunto de autorretratos do artista ameaçando celebridades políticas. O restante se dividiu

entre o “Gostei mais ou menos” (7%), o “N~o gostei” (4,7%), o “Detestei” (3,5%) e o “Indiferente”

(2,3%). Do total de respondentes, 13% confessaram não ter visto o trabalho e apenas uma

entrevistada disse não saber o quanto gostava da obra – estes somaram 14% de missings para

esta questão (ver apêndice 4, tabela 8).

Ao observar por quase duas horas o comportamento do público diante da série – num

agitado domingo e numa terça-feira mais calma –, pude perceber de perto a vocação do trabalho

92 A noção de obra aqui se refere a um “dispositivo” artístico visual capaz de intermediar a relação do público com a arte contemporânea, ou seja, de despertar manifestações de gosto e julgamento no contexto artístico. 93 Para observar o comportamento do público diante das obras, escolhi como critério de observação os três trabalhos que os visitantes disseram mais ter gostado (Inimigos, A origem do terceiro mundo e Circle of animals) e os três que disseram menos ter gostado (Simultâneo, fragmentado, descontínuo, Longe daqui, aqui mesmo e Da inutilidade da utilidade da política da arte – antes de finalizar a coleta de dados). Embora tivesse nesta lista, Bandeira branca não foi observada porque os urubus já haviam sido retirados da obra. Para aprofundar a análise, foco aqui nos trabalhos que pude mensurar o grau de satisfação. A observação foi feita por meio de anotações, foto e vídeo.

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para chamar atenção dos visitantes. Das 850 obras expostas na 29ª Bienal de São Paulo, os dez

desenhos do artista provavelmente foram os menos “solit|rios” em todo o tempo no qual a

exposição esteve aberta aos visitantes. Um segurança contratado pela Fundação Bienal para

vigiar a fruição do público me contou que enquanto ali esteve não pararam de chegar crianças,

adultos e adolescentes querendo ver o trabalho de Gil Vicente e tirar foto no local. Aliás, como foi

permitido o uso de câmera no evento (sem flash), notei que muitas fruições, também de outras

obras, foram intermediadas pela fotografia94. Eu mesma flagrei jovens não só fotografando os

desenhos como pousando diante dos quadros, muitas vezes simulando a mesma cena retratada.

Figura 1 – Público diante da série de desenhos Inimigos, de Gil Vicente95

Se a experiência artística fugidia e não contemplativa é considerada uma “marca” da

contemporaneidade vista na Bienal de São Paulo, como já percebeu Cristina Freire (1990), a

fruição de Inimigos se mostrou um exemplo disso. No geral, os visitantes passavam pelos

desenhos rapidamente e paravam para fotografá-los, esboçando reações de surpresa e

aprovação. Muitos apontavam diretamente para as obras e soltavam frases que alternavam entre

“legendas” da imagem (“Olha o Lula!”, a mais escutada) e coment|rios curtos – ora positivos

(“Muito legal esse trabalho”; “Muito bem feito”), ora negativos (“Ele só quis chamar atenç~o e

conseguiu”; “Que é uma apologia a violência é”).

94 Cerca de 50% dos entrevistados disseram ter fotografado trabalhos na bienal. 95 As fotos deste capítulo foram tiradas por mim durante o processo de observação da relação do público com as obras.

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Ao analisar o comportamento do público de museus de arte na Europa, Pierre Bourdieu e

Alain Darbel (2007) chegaram à conclusão de que o tempo diante das obras não se trata de uma

particularidade da arte contemporânea nem de uma bienal, mas do nível de instrução do

visitante. Quanto mais alto, maior o período de contemplação. Além disso, os mais cultos tendem

a ser vistos nesses espaços sozinhos, no máximo em dupla. Enquanto os mais desprovidos de

capital cultural, em grupos de amigos e família – quase sempre mais inquietos –, entre os quais

geralmente compartilham reações e tiram dúvidas. Ao observar o público de Inimigos, percebi a

presença de ambos os casos, com maior recorrência do último. No local, a fruição era quase

nunca silenciosa, com pouquíssimos olhares atentos amparados pela mão no queixo – posição

recorrente entre os mais cultos. A experiência era festiva, com uma euforia proporcional ao

entusiasmo de ver um artista quase “matando” os seus “inimigos públicos”.

Isso teria a ver com a experiência passageira de que fala Freire (1990) ou com a análise

feita pelos franceses (2007)? Ao testar a correlação entre o grau de satisfação dos visitantes

diante de Inimigos e o nível de escolaridade dos entrevistados (apêndice 4), percebe-se que o

grau de instrução não influenciou na preferência por essa obra. Tanto o nível mais baixo de

escolaridade quanto o mais alto demonstraram apreço pelo trabalho, que pareceu sintetizar um

sentimento da “maioria”. Caso fosse resumir em uma palavra o sentimento dos visitantes em

relaç~o a esse trabalho esta seria “identificaç~o”; ali|s, proferida por muitos entrevistados.

De fato, para gostar de uma arte figurativa, realista e direta como a de Gil Vicente, não é

preciso saber muito mais do que o mínimo sobre arte e sobre o mundo – e me parece que o nível

geral de escolaridade do público pesquisado se mostrou suficiente para isso. Aliás, muitos

identificaram no trabalho um aspecto meramente documental, por vezes confundido com uma

fotografia – “Aquelas fotos s~o demais, d| vontade de realizar sua arte” (técnico em telefonia, 59

anos). Diana Moura Barbosa (dez. 2005, p. C1), crítica de artes visuais do Jornal do Commercio, já

havia atentado para o apelo realista da série, na ocasião em que foi apresentada pela primeira

vez ao público, na Galeria Mariana Moura, no Recife: “[...] é impossível olhar os seus quadros e

pensar que eles s~o “apenas” desenhos perfeitos [...] A técnica, aqui, só importa porque está a

serviço da idéia do artista, é um meio. Ela interessa porque se torna quase transparente”.

Ao tratar da “evoluç~o” do paradigma artístico moderno desde a pintura figurativa à

abstrata (da estética pura), Arthur Danto (2006) ressalta esse car|ter “transparente” da arte

mimética, buscado pelos pintores que tinham por ofício serem fiéis à realidade. O quadro era

uma espécie de janela para o mundo e pouco importava quantas ou como eram as pinceladas

que o pintor havia dado; o que contava mesmo era a “precis~o” da cena retratada. Gil Vicente

não segue a cartilha de uma tradição pictórica, mas Inimigos se encaixa bem, mesmo com um

apelo sarc|stico e uma verve “quase criminosa”, nas tendências artísticas realistas modernas.

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Parece curioso, portanto, que em um evento que se proponha a difundir o paradigma

contemporâneo de arte, oposto ao discurso moderno, grande parte do público tenha se

“curvado” justamente ao apelo da mimese, uma tradiç~o secular na arte. A quest~o n~o é só do

público, ali|s. A própria arte contempor}nea chancela também, em sua “ode” { pluralidade,

trabalhos como o de Gil Vicente, ele próprio um artista contemporâneo consagrado no Brasil –

ou “integrado” para usar o conceito explorado por Howard Becker (1977). Mas entre os

trabalhos expostos na Bienal de São Paulo, a série Inimigos foi uma exceção, por assim dizer. Não

havia tantos desenhos, esculturas ou pinturas figurativas na mostra. Por isso, o gosto quase

unânime do público por Inimigos se mostrou sintomático. Foi uma escolha. Não pelo simples

efeito da polêmica gerada pela mídia ou pela localização privilegiada na mostra (em frente à

rampa de chegada ao último pavimento do pavilhão). Isso pode ter contribuído para a obra ter

sido vista por mais pessoas e para disseminar um “senso comum”. Contudo, gostar do trabalho

parece ter tido a ver mais com o apelo direto de uma forma artística familiar, capaz de

comunicar sem “arrodeios” o desejo de quase todos os presentes96.

Se a curadoria da Bienal de São Paulo queria evidenciar a relação entre arte e política, os

desenhos de Gil Vicente colaram bem como uma síntese dessa noção para o grande público –

ainda que na perspectiva do discurso curatorial tal associação tenha significado ir muito além da

literalidade do termo política. Pouco importa. “Estavam” l|, diante dos visitantes, Bush, FHC,

Eduardo Campos, Jarbas Vasconcelos, a rainha Elizabeth e outros poderosos (ou “ex-poderosos”)

com uma arma na cabeça. Estava, de quebra, Lula, com uma faca no pescoço, ajudando a botar

mais caldo no tempero das controvérsias. Em sua técnica realista, os desenhos feitos com carvão

sobre papel não demandaram do público códigos estéticos, tampouco conceituais. Eram o que

eram. Não criaram nenhum empecilho na relação público-obra. Ninguém disse não ter entendido

os autorretratos. Quem não gostou teve outros motivos – ou achou que a série era “óbvia”,

“clichê” (talvez no caso dos mais cultos); ou acreditou que incitava a violência. O “olhar ingênuo”

não precisou se constranger diante de Inimigos. Em vez de recorrer a uma competência artística,

bastava o espectador buscar uma relaç~o de significado direto com o “código da vida cotidiana”

(BOURDIEU; DARBEL, p. 72). N~o “erraria”. Isso pode ter facilitado a boa receptividade da obra.

Alguns entrevistados elogiaram o desenho em si – “É um trabalho bem feito, bem

desenhado, tem um trabalho manual” (fotojornalista, 42); ou “Admiro a técnica e a forma como

botou para fora a revolta que temos de muitos políticos. Na arte pode, porque é livre” (estudante

de artes visuais, 26). Mas também foram recorrentes julgamentos que procuraram traduzir o

significado real das imagens, alternando-se, portanto, entre o “olhar ingênuo” e a tentativa de

aplicar aos desenhos um olhar propriamente estético. Opiniões como estas, por exemplo:

96 Como se verá mais na frente, Bandeira branca também gerou polêmicas e foi alardeada pela imprensa, mas nem por isso agradou a maioria dos visitantes.

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“Impetuosa, corajosa. É a figuraç~o da vontade que a gente tem” (servidora pública, 32);

“Expressa bem um sentimento da populaç~o com os políticos” (empres|rio de hotelaria, 50); ou

ainda “Criativo e radical, com conteúdo político forte. Realmente um trabalho artístico para a

bienal” (advogado, 75). Observa-se que somente a estudante de artes visuais ensaiou uma visão

mais estética do objeto artístico em questão, ao passo que os demais fizeram uma associação

direta entre os desenhos e a realidade, reverenciando a coragem do artista (apêndice 4).

Independente do nível de instrução dos visitantes, houve em Inimigos uma aproximação

direta com o público. Todos se viram aptos a interagir com as imagens e por isso a identificação

recorrente. Ao relacionar o capital cultural dos visitantes (frequência de contato com artes

plásticas na infância e adolescência) com o grau de satisfação em relação a esses desenhos, mais

uma vez o nível de instrução não se mostrou uma condição de gosto, no sentido excludente. Na

verdade, ao observar a coluna dos que afirmaram ter gostado muito da obra (apêndice 4, tabela

12), o maior percentual (66,7%) esteve concentrado entre os que disseram nunca ter tido

contato com as artes plásticas no principal período de formação de suas vidas – contra os 42,9%

dos que sempre ou quase sempre tiveram essa aproximação. O cruzamento estatístico mostrou

que a correlação entre as variáveis foi baixa, contudo, as poucas diferenças apontaram

justamente uma tendência inversa às obras que requerem um maior conhecimento dos

espectadores. Nesse caso, mesmo entre os que não tinham elevado capital cultural, o grau de

satisfação pelo trabalho se mostrou bastante elevado, ao passo que a maioria pouco ou nada

satisfeita com a obra se concentrou entre os iniciados, que tiveram contato com as artes

plásticas nas primeiras fases da vida com frequência recorrente.

Como a noç~o de gosto “médio” e “popular” em Bourdieu (2008) est| atrelada { posse de

capital escolar e cultural, as tendências acima parecem apontar que a obra de Gil Vicente está

mais relacionada a essas categorias do que a de “gosto legítimo”. Mesmo tendo agradado a

pessoas com alto nível de instrução, deve-se observar que foram justamente dos mais cultos que

vieram comentários mais criteriosos em relação a Inimigos – o que também pode ter a ver com o

que afirmei antes sobre o não gostar na arte. Por outro lado, há de se considerar que Gil Vicente

é um artista consagrado pelo campo artístico, bastante respeitado no Brasil. Trata-se de alguém

que consegue agradar tanto aos amantes da pintura quanto aos da arte contemporânea, em suas

diferentes “facetas”97. Poderíamos especular, de outro lado, que a maioria disse gostar do

trabalho porque era de alguém como Gil Vicente, mas o grande público não demonstrou ter esse

discernimento. No geral, o que contou foi o apelo realístico da obra e o virtuosismo do desenho

como um meio e não um fim. Os julgamentos revelaram isso, assim como as reações.

97 Talvez tenha sido por isso que o resultado do teste de correlação (apêndice 4, teste 2.c) entre as variáveis “Grau de satisfação Inimigos” e “Frequência com que acompanha a arte contemporânea” n~o tenha sido significativo.

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As opiniões e os comportamentos levam a crer que existiu uma tendência de olhar pouco

culto nessa relação. Por explorar a linguagem do desenho, o trabalho poderia ter suscitado

apreciações estéticas. Além das reverências ao virtuosismo do artista, isso não aconteceu nem

mesmo entre os mais instruídos. Aliás, estes tenderam a ser mais críticos com a obra, no sentido

artístico e não moral (a acusação de apelo à violência). O gosto por Inimigos não mostrou ter,

portanto, relação com um elevado capital cultural – na verdade, o que se viu acima foi uma

tendência inversa, mesmo que baixa. A recorrência de comportamentos acalorados em relação à

obra reforçou ainda mais o seu apelo popular. Se Gil Vicente saísse candidato, era bem capaz de

ganhar muitos “eleitores”, haja vista o entusiasmo que gerou no público98. No geral, o público

admirou bastante o “bom humor” político e direto do trabalho, divertindo-se facilmente com isso

– com exceção da OAB e de alguns visitantes, que viram nos desenhos uma ameaça.

Perfil semelhante teve o público de A origem do terceiro mundo99, citado por 17% dos

entrevistados como sua obra favorita na bienal. Aqui, no entanto, a questão política se mostrou

mais sutil ao grande público. O que pareceu mais evidente para os visitantes foi a emoção

suscitada pela aventura de se estar numa estrutura cavernosa feita com compensado de

madeira. A proposta da instalação foi não só provocar a participação, mas também travar um

diálogo com o espaço arquitetônico do pavilhão.

Figura 2 – Visitante dentro da instalação A origem do terceiro mundo, de Henrique Oliveira

98 Teve gente que foi ao pavilhão só para a obra de Gil Vicente, o que reforça sua vocação para o grande público. 99 Por não ter medido o grau de satisfação especificamente em relação à obra de Henrique Oliveira, que figurou apenas na lista dos trabalhos favoritos do público, os cruzamentos estatísticos para testar a correlação deste gosto com outras variáveis não se tornaram viáveis. Tentarei explorar melhor a partir da escolha por suportes, no final deste capítulo.

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Durante o percurso interno da obra, as reações eram no geral de surpresa e curiosidade

diante da experiência e da estrutura do trabalho: “Nossa, caramba, que legal!”; “Nossa, que legal,

que doideira, o que é isso?”; e “Que lindo, que criativo, que legal!”. Foram coment|rios assim que

mais ouvi durante a observação. O próprio trajeto da obra obrigava o visitante a se abaixar e a se

espremer por entre paredes frágeis e estreitas, como se a obra fosse uma caverna natural ou

uma espécie de atração de um parque. Tanto na entrada quanto na saída havia profissionais do

Corpo de Bombeiros para orientar o público e socorrer quem tivesse alguma crise claustrofóbica

ou mesmo pânico. E isso, segundo eles revelaram, aconteceu algumas vezes.

Quando Hélio Oiticica construiu seu discurso e sua obra em prol de uma arte mais

participativa e menos contemplativa, nos anos 1960, defendia projetos como esse de Henrique

Oliveira. Acreditava em objetos artísticos que oferecessem ao público a possibilidade de

experimentar novas sensações e vivências da realidade – e isso acabou se tornando em um ideal

libertário dentro do paradigma contemporâneo. Por sinal, uma instalação de Oiticica (Ninhos)

com propósito semelhante100 foi montada na mesma bienal de 2010. De fato, tanto a obra dele

quanto a de Oliveira configuram-se exemplos típicos da arte contemporânea. No entanto, até que

ponto s~o experiências “transformadoras” e “emancipadoras” para o público? Será que também

não haveria diferença de apreciação, nesses casos, entre os que têm familiaridade com a

linguagem artística contemporânea e aqueles que não têm? Parece que sim, mas os testes não

apontaram diferenças expressivas quanto a isso.

A priori, também não demandam conhecimento prévio em arte e por isso mesmo se

mostram mais “acessíveis” ao grande público. Entretanto, desconfio de que muitos dos trabalhos

aparentemente mais acessíveis tendam a proporcionar apenas uma diversão superficial e

passageira para o grande público, em vez de realmente despertá-lo para uma participação ativa

e libertadora, tal qual idealizou Oiticica e os demais artistas vanguardistas de sua geração. É só

observar as reações do público. Dentro do perfil dos visitantes espontâneos da Bienal de São

Paulo, as instalações relacionais costumam, no geral, agradar a pessoas de diferentes idades e

níveis de instrução. No caso de A origem do terceiro mundo, houve uma tendência para atingir

um público mais velho e com maior nível de escolaridade, mas as diferenças se mostraram

irrisórias entre os grupos de idade e graus de instrução. A observação dos comportamentos

corroborou isso.

Dessa forma, as relações do público com Inimigos e A origem do terceiro mundo sugerem

que tanto Cristina Freire (1990) como Bourdieu e Darbel (2007) têm razão quanto à ideia de

experiência artística pouco contemplativa. Acontece que em ambos os casos isso vai depender

da obra em questão, capaz de se mostrar mais acessível ou não a um grupo maior de pessoas, e

100 Originalmente concebida em 1970, a instalação Ninhos foi reconstruída para a 29ª Bienal de São Paulo. Trata-se de uma estrutura penetrável, feita com materiais simples, repleta de camas com luzes coloridas para o público interagir.

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de demandar ou não uma apreciação passageira. A fruição fugidia não pode ser vista como uma

marca simplesmente da arte contemporânea, pois isso vai estar sujeito também às diferenças

dentro de um mesmo público. Assim como o pouco tempo gasto na contemplação da obra não

pode ser uma condição da experiência artística dos mais instruídos, haja vista que há trabalhos

na arte contemporânea aos quais mesmo os mais cultos não dedicam tanta atenção. Seja como

for, não há como descartar a noção de que as obras despertam gostos e julgamentos desiguais

para grupos distintos quanto à posse de capital cultural.

4.3. Bandeira branca e Simultâneo, fragmentado, descontínuo

Se é possível perceber que Inimigos e A origem do terceiro mundo figuraram entre as

obras favoritas mais citadas pelo público da 29ª Bienal de São Paulo, o mesmo não pode ser dito

em relação às instalações Bandeira branca, de Nuno Ramos, e Simultâneo, fragmentado,

descontínuo, de Carlos Bunga. Não que estas foram as mais refutadas pelo público, mas não

houve na lista dos trabalhos que os entrevistados menos gostaram duas obras capazes de

absorver espontaneamente a vontade dos visitantes como aconteceu com as duas preferidas. O

que ocorreu foi que as instalações de Bunga e Ramos estiveram entre os cinco trabalhos que os

entrevistados mais mencionaram como não tendo gostado (ver apêndice 4, tabela 3) – todos,

aliás, instalações. Além disso, ambas também não apareceram na lista das preferências,

sinalizando uma menor inclinação para atingir o gosto do grande público, que na verdade

oscilou quanto aos graus de satisfação e aos julgamentos em cada caso.

Tanto Bandeira branca como Simultâneo, fragmentado, descontínuo foram incluídas no

grupo dos trabalhos feitos com suportes próprios da arte contemporânea que quase 70% dos

entrevistados declararam não gostar de forma espontânea, conforme havia pontuado. No que diz

respeito às manifestações de gosto e julgamento não espontâneas (induzidas por mim) para

cada obra (ver apêndice 1, questão 33 a 37), foi possível observar a diferença de opinião e

comportamento entre ambas. O trabalho do paulistano recebeu mais julgamentos negativos,

muitos dos quais expressamente influenciados pelas polêmicas e pelos ataques atrelados à

presença dos urubus vivos na instalação. Já a obra do português, que simulava as colunas de

concreto do pavilhão, passou despercebida por grande parte dos entrevistados. Mas enquanto

no primeiro caso o grau de satisfação tendeu a declinar, no segundo, ocorreu o contrário.

Dos 38 visitantes questionados sobre Bandeira branca, antes de as aves serem retiradas

da bienal, 38,9% disseram não ter gostado do trabalho, enquanto 8,3% detestaram e 25% se

mostraram indiferentes (ver apêndice 4, tabela 16). O restante (27,8%) afirmou ter gostado ou

gostado muito da instalação. Para o grupo que reagiu negativamente à obra, os julgamentos

foram permeados de classificações como “simbólica demais”, “escura”, “esquisita”, “nebulosa”,

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“tétrica”, “estressante para os urubus”, “sem nexo”, “de mau gosto”, “desnecess|ria”,

“ecologicamente incorreta”, “apelativa” e “sem sentido”. Quem se revelou indiferente {

instalaç~o disse n~o ter achado “nada” a respeito do trabalho ou que era “sem utilidade”,

“imperceptível” ou sem impacto. Para o grupo que reagiu positivamente, as expressões de

aprovaç~o foram “interessante”, “diferente”, “criativa”, “audaciosa”, “inteligente” e “ecológica”.

Muitas opiniões dissonantes relacionaram a obra mais à causa ambiental do que a

questões propriamente artísticas, quando não demonstravam uma aflição por querer atribuir

um sentido “racional” a Bandeira branca. Foi o caso destes depoimentos: “N~o gostei de ver os

urubus presos. N~o entendi qual o sentido da obra. O que quis mostrar” (servidora pública, 29

anos); “Se tivessem representado os urubus seria melhor. Chamaria mais atenção. Mas o animal

de verdade é nebuloso” (artista pl|stica e arte educadora, 54); “Deixar o bicho onde passa muita

gente n~o precisa. Por que o artista n~o ficou l|?” (administrador, 36); ou ainda “Estou sendo

influenciado pela mídia, mas a bienal n~o é um lugar propício aos animais” (publicit|rio, 31).

Figura 3 – Instalação Bandeira branca, de Nuno Ramos

Como se pode perceber, os protestos públicos para a retirada das aves do evento

repercutiram diretamente nas opiniões negativas de uma parcela dos visitantes, tanto em

relação ao julgamento à obra quanto aos graus de satisfação atribuídos a ela. Mas também houve

um estranhamento referente à presença de animais vivos no contexto da arte – em um zoológico

ou viveiro talvez os visitantes não tivessem reagido da mesma forma. Não é de hoje, aliás, que

artistas contemporâneos que utilizam animais (vivos ou mortos) em suas poéticas viram alvo de

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protestos. Nomes como Rodrigo Braga (AM/PE) e Eduardo Kac (RJ) são exemplos disso101. No

geral, o senso comum tende a n~o reconhecer que a arte possa se valer da “realidade” em si (a

ideia de readymade), em vez de “imit|-la” (a noç~o da mimese). Menos ainda quando esses

“objetos” s~o de carne e osso e n~o de porcelana, como o La Fontaine de Duchamp.

A análise dos julgamentos do público leva a crer, portanto, que as causas desse não

gostar pareceram ter relação não com a simples causa ecológica, mas com um dado referencial

de paradigma artístico, expresso em um desejo de representação que não está em pauta na arte

contemporânea. Não quando ela assume o seu projeto mais conceitual, antiessencialista e

experimental – caso de Bandeira branca. A obra pode ter desagrado também aos mais “abertos”

a expressões artísticas contemporâneas, contudo os que se mostraram expressamente

contrários ao trabalho revelaram um apego à visão consagrada de arte em seu grau menos

“rebuscado” (ou essencialista). O teste de correlaç~o entre o grau de satisfação de Bandeira

branca e as preferências artísticas não confirmou isso (apêndice 4), mas as opiniões dos

entrevistados apontam essa tendência, como se pôde perceber.

Outra tendência de juízo de valor na parcela dos descontentes com a obra recaiu sobre o

argumento de que ela havia perdido força após deflagrarem as polêmicas que culminaram não

apenas na saída dos urubus, mas também na censura ao volume do som que acompanhava o

trabalho. Vale lembrar que a obra de Gil Vicente também suscitou controvérsias de ordem moral,

como aconteceu com a de Nuno Ramos. Porém, enquanto o público tendeu a defender os

desenhos, inclinou-se a atacar a instalação. Não poderia ser considerado Bandeira branca

também uma forma de protesto político? Houve gente que reconheceu na obra esse aspecto – “É

a carniça? A política? Acho criativo, força a pensar” (empres|rio de hotelaria, 50 anos) ou

“Forma de protesto com relaç~o { política (estudante de artes visuais, 26) –, mas esse grupo não

foi maioria, como mencionei anteriormente.

Já havia comentado antes que o não gostar tende a ser assumido mais por aqueles com

maior nível de instrução. No caso de Bandeira branca, todo o percentual dos que declararam não

ter gostado da obra de forma espontânea (5%) se concentrou entre graduandos e graduados. Ao

procurar relacionar o grau de satisfação da obra com o nível de escolaridade dos respondentes,

não encontrei correlação estatisticamente significativa entre as variáveis. No entanto, a tabela do

cruzamento (apêndice 4, tabela 19) apontou uma tendência semelhante: no grupo que assumiu

não ter gostado do trabalho ou detestado, ninguém estava situado até o nível superior de ensino,

só acima dele. Entre os que gostaram do trabalho ou se mostraram indiferentes a ele, isso não

aconteceu. O teste com a vari|vel relativa ao capital cultural (“frequência com que tinha contato

com artes pl|sticas na inf}ncia e adolescência” – ver apêndice 4) também revelou propensão

101 Kac fez experimentação científica com um coelho em GFP Bunny (2000), enquanto Braga se metamorfoseou em um cão rottweiler, valendo-se de pedaços do animal “eutanasiado” e de manipulaç~o digital na série fotográfica Fantasia de compensação (2004).

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análoga, embora pelas mesmas razões do outro não seja possível fazer essa afirmação segundo o

rigor da estatística. Isso não quer dizer que deva ignorar os percentuais das tabelas, que

parecem seguir uma tendência, por mais sutil que seja.

No caso do teste de correlação entre o grau de satisfação de Bandeira branca e a

frequência com que assiste a TV (apêndice 4), os números foram mais expressivos, mesmo sem

significância estatística. Se tivesse havido, o valor do coeficiente Gamma apontaria uma

associação moderada entre as variáveis. Em outras palavras, levaria a corroborar a hipótese de

que o “grau de insatisfaç~o” em relaç~o { arte contempor}nea – para instalações, por exemplo –

tende a aumentar na medida em que assiduidade da prática de ver televisão cresce. Na tabela do

teste (apêndice 4, tabela 27), observa-se que 44,4% dos respondentes que confessaram não ter

gostado da obra assistiam sempre ou quase a TV (entre cerca de duas horas a mais de quatro

horas por dia), enquanto 25% tinham essa prática com rara frequência. Isso leva a crer que não

é só o grau de instrução que pareceu interferir nesse não gostar, mas também a relação com a

cultura de massa. Tais afirmações, contudo, encontram limitações de ordem quantitativa e para

melhor compreender o caráter dessa rejeição talvez seja necessário dar maior atenção aos

julgamentos dispensados à obra. Por fim, acredito que as polêmicas em torno de Bandeira

branca prejudicaram a análise da relação público-obra, inclusive porque me levou a reduzir mais

ainda o número de elementos da amostra que poderiam opinar sobre a instalação, quando os

urubus foram retirados da bienal para voltar ao cativeiro de origem (RAMOS, out. 2010, p. 4).

Vendo-me no meio do percurso da pesquisa de campo e diante da impossibilidade de

continuar com a obra de Nuno Ramos no questionário, fui impelida a tomar uma decisão. Foi

nesse momento que Simultâneo, fragmentado, descontínuo entrou em cena. Aliás, já estava ao

meu lado na rampa do pavilhão, o que me ajudou na escolha, pois percebi que facilitaria a tarefa

de induzir o público à fruição da instalação. Ironicamente, mesmo localizada em um ponto

estratégico – por onde obrigatoriamente os visitantes passavam na saída e na entrada da grande

mostra –, muitos visitantes nem a perceberam. Quando perguntava o que sentiam diante do

trabalho (apêndice 1, quest~o 33), v|rios entrevistados se surpreendiam: “N~o tinha nem

percebido. Acho que é uma forma de interferir na estrutura do local, de confundir. O papelão

ajuda”, disse uma das entrevistadas (arte educadora, 25 anos). Decerto, sendo a instalação do

artista português um site specific102, existia em sua criação um diálogo proposital com o espaço

arquitetônico do pavilh~o e, portanto, um “jogo” com o próprio olhar do público sobre ele.

Durante a observação dedicada ao trabalho, já havia percebido que aquela era uma obra

mais de passagem e menos de contemplação – ou que demandasse maior atenção. Notei que

quase todos visitantes seguiam direto rampa acima ou rampa abaixo sem nem sequer atentar

102 Trabalho de arte contemporânea desenvolvido para um local específico. Geralmente são intervenções ou instalações, como é o caso desta.

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para as vigas feitas com papelão, tinta branca fosca e fita adesiva. Alguns olhavam de relance ou

tocavam na obra para se certificar de que não era concreto, dando umas batidinhas com a mão

no material. As atitudes alternavam entre a surpresa, a desconfiança e a indiferença. Pelos dados

estatísticos, os graus de satisfação dos entrevistados foram mais ou menos coerentes com esses

comportamentos: cerca de 50% disseram ter gostado do trabalho, mesmo sem tê-lo notado, e

31,7% confessaram ser indiferentes à obra. Um sinal de que as instalações não necessariamente

desagradaram o público, pois neste caso o percentual dos insatisfeitos com o trabalho foi de

11,7% (apêndice 4, tabela 31). Aqui, foi a indiferença que pareceu se opor ao gostar.

Figura 4 – Visitantes passando pela instalação Simultâneo, fragmentado, descontínuo, de Carlos Bunga

Considerando, porém, a rejeição da maior parte dos entrevistados a instalações, poderia

especular que muito do gostar relativo a Simultâneo... tenha se configurado mais um dever ou

uma “defesa” diante de um possível constrangimento – como aquele externado na relação com a

arte contemporânea, em sua concepção geral. Mas talvez seja precipitado cogitar isso. Pelos

julgamentos dos que gostaram da obra, as “super avaliações” de gosto nem sempre se

mostraram evidentes. O olhar diante da obra apresentou algumas tendências e as opiniões se

revelaram tão seguras quanto hesitantes. Houve quem simplesmente tenha gostado da

instalação pela surpresa de saber que se tratava de um trabalho artístico, sem para isso fazer

uma observação mais profunda ou acurada – “Fiquei olhando curiosa. É um trabalho?” (agende

de viagens, 26 anos) ou “Foi preciso dizer para eu poder reparar. O que mexe com material

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assim eu gosto” (estudante de jornalismo, 21). Houve ainda quem tenha se admirado com o

material, fazendo uma leitura “ingênua” ou n~o estética/artística do trabalho; ou seja, valendo-se

do “código da vida cotidiana” (BOURDIEU; DARBEL, 2007, p; 72): “É criativa, parece parede de

verdade” (auxiliar oftalmológica, 28); “Surpreendeu ao ver que é papel~o” (respons|vel

administrativo, 26); “Interessante o uso do papel~o, mostra que é forte. Eu trabalho com

logística, ent~o...” (analista de sistemas, 29); ou ainda “Uma parede, um muro, bom” (gr|fico, 55).

Ambos os casos não evidenciaram um gosto culto, com bases em um conhecimento

específico, tal qual o legitimado pelo campo artístico103. Contudo, também houve quem tenha

procurado desenvolver um pouco melhor a análise sobre o trabalho, ensaiando um olhar mais

crítico (de aprovação) – “É intrigante. Essa coisa da arquitetura, de n~o saber se é pilastra, se faz

parte” (jornalista, 36); “Interessante, político, questiona a arquitetura do lugar” (professor de

língua portuguesa, 39); “Interessante, bonito, comovente. O material e a simplicidade, a relaç~o

com o espaço” (artista pl|stico, 24) ou “Acho legal, é uma intervenç~o. N~o me toca muito, mas

acho bacana que exista” (médico, 42). Diante dessas opiniões, acredito que a manifestação de

gosto em relação a Simultâneo... tenha tido um perfil diverso quanto aos julgamentos, às

profissões, às idades e mesmo ao grau de escolaridade, como verei a seguir. A questão é que tal

variedade tende a mostrar uma certa incoerência desse gostar. Aliás, houve tanto opiniões

sinceras quanto super valorizadas, pois algumas afirmações e atitudes revelaram mais um sinal

de reverência do que de um gosto atribuído { arte. Como esta: “Super interessante, que

criatividade! Pensava que era papel~o, que inteligência!” (técnico em telefonia, 59).

Tendo em vista tais julgamentos, externados por quem disse ter gostado ou gostado

muito da instalação, parto agora para analisar as correlações estatísticas referentes à obra. O

teste entre “grau de satisfação de Simultâneo...” e “nível de escolaridade” (apêndice 4) não

apontou uma associação entre as variáveis. Tanto que a tabela do cruzamento revelou uma

distribuição relativamente homogênea, sem grandes disparidades entre o nível do gostar e o

grau do “saber”. O percentual de quem afirmou ter gostado ou gostado muito da obra foi

praticamente igual para as três categorias de nível de escolaridade observada nos visitantes da

bienal. Talvez porque nesses casos deliberados – que dependiam de uma fruiç~o “induzida “ – o

gostar tenha se mostrado oscilante, alternando entre as justificativas sinceras e as “super

avaliadas” (incluindo aí reações de reverência ou de aprovaç~o mesmo diante do

desentendimento confesso). Por isso, sinto que em uma pesquisa como esta, que procura se

voltar { an|lise do gosto na arte, o peso das respostas espont}neas se mostra “maior” do que das

induzidas, nas quais demandei do respondente uma opinião relativa à arte contemporânea ou a

103 Os especialistas parecem ainda não ter chegado a um “consenso” acerca do olhar legítimo em torno da arte contemporânea – e o interesse quanto a isso permanece ainda uma “incógnita”. Tanto que se tornou “lugar comum” falar em uma crise da crítica (LUCAS, 2010). O que se sabe é que esse olhar legítimo vai na contramão do olhar estético, mas n~o quer dizer que admita o “ingênuo”, pois tal apreciaç~o demanda um conhecimento sobre arte. Voltarei depois à questão.

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alguma obra específica, como Simultâneo... Citar algo que se gosta parece ser muito mais

revelador do que falar se gosta de algo. E isso ocorreu também com Inimigos e Bandeira branca,

com a diferença de que nesta última o coro dos descontentes se mostrou bem mais expressivo.

Exatamente por perceber que a análise do gosto se torna mais complexa quando o

público se vê diante do “dever” de expressar seu grau de satisfaç~o a respeito de determinada

coisa, sinto ser necessário olhar ainda com mais cautela para a relação dos visitantes com tais

obras. Se por um lado os julgamentos apresentaram uma tendência de “sobre valorizaç~o” do

gosto (mais comum entre os menos instruídos), por outro quem disse ter gostado do trabalho do

artista português, por exemplo, esteve também atrelado a um grau de satisfação que apresentou

diferenças quanto ao capital cultural e a determinadas práticas. Em outras palavras, que esse

gostar n~o foi apenas da “boca para fora”, porque em parte também mostrou uma coerência com

a noção de gosto em Bourdieu, para quem os mais cultos tendem a ser os verdadeiros amantes

da arte. É verdade que não houve correlação com o nível de escolaridade, mas nas associações

com as vari|veis “frequência com que tinha contato com artes pl|sticas na inf}ncia e

adolescência” e “frequência com que acompanha a arte contempor}nea”, essas disparidades se

fizeram mais evidentes, o que indica algum sinal de influência do processo de formação do

habitus em tal gosto (aqui “induzido”) associado { obra.

O cruzamento entre as variáveis grau de satisfação de Simultâneo... e frequência de

contato com artes plásticas na infância e adolescência apresentou uma correlação baixa (e

estatisticamente significativa) entre as variáveis. Pela leitura da tabela desse cruzamento

(apêndice 4, tabela 40), percebe-se, por exemplo, que no grupo dos que afirmaram ter gostado

ou gostado muito do trabalho, o percentual foi tanto maior quanto mais assídua se mostrou essa

aproximação com a arte desde cedo na vida. Na parcela dos entrevistados que demonstraram

apreço pela instalação, 61,1% mantinham contato com as artes plásticas na infância e

adolescência com muita regularidade, enquanto em 22,2% deles esse contato era inexistente.

Talvez este último percentual tenha correspondido àqueles cujo gostar foi justificado em

julgamentos de menor convicç~o ou maior “super valorizaç~o”. Mas isso é mais uma suposiç~o

diante dos dados.

O teste entre o grau de satisfação da obra e a frequência com que os visitantes

acompanham a arte contemporânea (no então período da pesquisa) também apontou tendência

semelhante ao realizado acima, com a diferença de que não apresentou uma correlação

estatisticamente significativa para o nível de confiança de 90% (apêndice 4, teste 6.b). Se tivesse

apresentado, o teste indicaria também uma correlação baixa. Observando a tabela do

cruzamento, é possível identificar diferenças com relação a essa prática no grupo dos que

disseram gostar do trabalho. Do mesmo modo que a posse de capital cultural se revelou uma

influência no caso anterior, aqui o contato com a arte contemporânea também pareceu

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relacionado de alguma maneira a esse gosto. Quanto maior essa assiduidade se apresentou,

maior foi o percentual de pessoas que disseram gostar da instalação104 – 60% para os que

declararam acompanhar sempre a arte contemporânea (por exposições, sites, livros, artistas

etc.) e 44% para os que afirmaram manter raramente ou nunca essa prática.

Como as diferenças não foram tão marcantes em ambos os testes, deduz-se que o que há

aqui são tendências atribuídas a tal gostar, o que significa dizer que não se pode desconsiderar

também que os menos familiarizados às artes visuais se inclinaram de alguma maneira à

apreciação da obra do artista português. O que ocorreu é que nesse caso o percentual foi menor.

Além disso, a familiaridade com as artes plásticas desde a infância e adolescência não impediu

que boa parte tenha ficado na superfície da análise das obras, conforme revelaram os

julgamentos. No geral, o olhar do público em direção a Simultâneo... não se assemelhou à

apreciação de especialistas, mesmo entre os profissionais de arte.

Além disso, considero importante lembrar que o capital cultural é para Bourdieu o

condicionante da prática e do gosto. Por isso, para observar o perfil acima descrito, a frequência

de contato com as artes plásticas na infância e adolescência deve ser vista, a priori, como uma

variável de maior relevância. Não por acaso, o processo de inculcação nas primeiras fases da

vida apontou na pesquisa uma influência na própria frequência com que os visitantes

acompanham a arte contemporânea (ver apêndice 4). Mais uma vez, a posse de capital cultural

se mostrou um fator social no gosto pela arte contemporânea – com a ressalva de que nesse caso

ela foi em parte entendida como a arte feita atualmente. Mesmo assim, isso não diverge com a

ideia de gosto cultural aqui adotada. De uma forma ou de outra, essas constatações me levam a

crer que o gostar atribuído { instalaç~o de papel~o também n~o foi de todo “super avaliado” pelo

público, pois houve uma tendência dos mais familiarizados com as artes visuais a reconhecer o

seu valor. Isso não aconteceu com Inimigos e Bandeira branca, por exemplo, em que as

diferenças entre os graus de saber não se mostraram uma condição do nível de satisfação – nem

mesmo como tendência, conforme foi o caso de Simultâneo....

Além disso, basta voltarmos às tabelas dos referidos testes (de Simultâneo...) para

percebermos que um movimento inverso tende a reforçar tal análise. Se o percentual de

entrevistados que afirmou gostar do trabalho aumentou na medida em que cresceu as

mencionadas frequências relativas ao contato com as artes visuais, o percentual de visitantes

que se mostrou indiferente à obra se elevou ao passo que essa assiduidade diminuiu. Tanto que

66,7% dos visitantes que nunca tiveram contato com as artes plásticas na infância e

adolescência, por exemplo, não acharam nada da obra, enquanto 22,2% dos que sempre ou

quase sempre costumavam ter essa aproximação no período de aprendizado foram indiferentes.

104

Em detrimento da troca com Bandeira branca, ao todo 60 pessoas foram chamadas a opinar sobre Simultâneo, fragmentado, descontínuo, que passou imune aos alardes em torno da 29ª Bienal de São Paulo.

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Ou seja, a indiferença se mostrou nesse caso – pensando a partir do referencial teórico aqui

adotado – o oposto do gosto, e n~o o “n~o gostar”. Fazendo uma analogia com as preferências

artísticas, exploradas no capítulo anterior, a indiferença a essa instalação equivaleu, de alguma

maneira, ao grupo daqueles que deixaram de mencionar lá um artista plástico favorito. Em

outros termos, os visitantes que tinham menor grau de instrução ou de aprendizado artístico. Na

verdade, para a maioria dos indiferentes à obra de Carlos Bunga, a instalação passaria mesmo

invisível; ausente das listas espontâneas do que viriam a preferir e/ou considerar como arte. O

que os indiferentes acharam da obra? “Nada, parede?”, respondeu um estudante do ensino

médio, de 16 anos. “Nada”, disseram um professor de língua estrangeira e uma também

estudante de ensino médio, de 45 e 17 anos, respectivamente. “N~o entendo, n~o tenho opini~o”,

confessou também uma aluna da graduação de medicina, de 21 anos. Tanto pelos julgamentos

quanto pelos fatores socioculturais relacionados a essa indiferença, percebe-se que o deixar de

gostar se revelou mesmo distinto do não gostar, e a relação com Simultâneo... pareceu evidenciar

isso. Mas como o mesmo não ocorreu com Bandeira branca, a questão da indiferença não pode

ser vista como uma “regra”, mas como um sintoma a ser levado em consideração.

Os que declararam não gostar de Simultâneo..., por sua vez, não apresentaram diferenças

quanto às frequências mencionadas nem quanto ao nível de escolaridade. Mas a tendência foi

encontrá-los presentes novamente entre os mais instruídos e socializados com o conhecimento

em arte. Para essa parcela do público da bienal (11,7% dos entrevistados), a instalação foi

classificada como feia, sem sentido e sem valor artístico. “Horrível. Desse jeito, qualquer coisa

vira arte. N~o pode ser isso”, contestou uma professora de língua estrangeira, de 29 anos. “Essa

desgraça? N~o vale nada!”, criticou um advogado, de 49 anos105. Nesse caso, o conhecimento

baseado na arte consagrada se revelou mais uma vez, mesmo que mínimo, uma questão presente

nos julgamentos negativos. Como se um dado valor aprendido a respeito da arte estivesse sendo

ferido pela instalação, digna representante da arte contemporânea. Referenciais de beleza, de

sentimento e de intencionalidade artística que os visitantes descontentes não conseguiam

aplicar na fruição de um trabalho como esse: um site specific feito com materiais precários, mal

acabados e nem de longe considerados no processo de criação daqueles que, durante muito

tempo e com o auxílio de muitos tubos de tinta, ajudaram a manter de pé, no mais alto pedestal,

um dado paradigma de arte, com “A” maiúsculo.

105 Os testes de correlaç~o com a vari|vel “profiss~o” n~o apresentaram signific}ncia estatística em nenhuma das relações com as obras aqui exploradas. Apenas uma leve tendência de os profissionais com atividades menos próximas da arte se mostrarem menos afeitos à instalação de Bunga, por exemplo. Mas já atentaram Bourdieu e Darbel (2007) que a profissão não costuma ser, em si, uma influência específica desse gosto.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O surgimento de um novo discurso no interior do campo artístico visual, no século XX,

contribuiu não apenas para abalar a noção de Arte, apontando em direção a um outro

paradigma. Além de depositar uma desconfiança no conceito de objeto artístico, contestando a

validade do pensamento estético e essencialista, o novo ideal também ajudou a mostrar que

como área de conhecimento, a arte pode e deve ser vista a partir de diferentes perspectivas.

Penso que quanto mais diversos forem os pontos de vista a respeito desse campo, maior será a

capacidade de analisarmos os sentidos atribuídos à produção artística, em suas dimensões

distintas e interligadas. A visão sociológica da arte ganhou espaço em meio às tentativas de

expandir sua compreens~o para além da apreciaç~o “internalista” das obras. Desde ent~o, o

esforço dos sociólogos tem sido evidenciar que tanto o artista quanto o seu trabalho estão

atrelados a um dado meio social, capaz de fazê-los existir como tal. Da mesma forma, o público.

Sem desconsiderar os demais pontos de vista a respeito da arte, acredito ter sido essa a

perspectiva mais adequada para atingir o objetivo proposto por este trabalho. Em outros

termos, para analisar empiricamente a relação do público com a arte contemporânea, a partir

das manifestações de gosto e julgamento, vistas como atreladas a determinadas condições

sociais. A sociologia foi, portanto, o viés que tornou possível as contribuições deste trabalho, no

sentido de evidenciar que o gosto na arte não é uma mera questão pessoal ou subjetiva. Por isso,

não só pode como deve ser discutido, pensado e analisado, principalmente no caso da arte

contemporânea, um terreno ainda minado por suposições e pré-julgamentos a respeito das

reações do público. Sendo assim, acredito ter cumprido o meu propósito de começar a

compreender essa dimensão a partir dela mesma, observando mais de perto os

comportamentos, os juízos de valor e as preferências dos visitantes de uma exposição como a

Bienal de São Paulo – um universo tão propício quanto arriscado para uma pesquisa.

Mesmo diante das limitações metodológicas, creio que o tratamento estatístico dos

dados, combinado à observação e à apreciação de questões abertas, contribuiu sobremaneira

para eu poder acessar e interpretar uma riqueza de informações, capazes de desvelar tendências

importantes. Contribuiu para eu me despir de preconceitos, refletindo com mais cuidado sobre o

público, a partir do exame dos fatores que tornavam uns “cegos” e outros “lúcidos” diante de

determinadas obras e da própria arte contemporânea. Espero que a pesquisa também quebre

verdades naturalizadas a respeito de como se comportam os espectadores diante da produção

artística. E que motive outros pesquisadores a cair em campo e aprender a ver a arte com os

olhos do público, entendendo e admitindo que as diferenças existem e esse mundo infelizmente

não está aberto a todos. Eis a lógica de funcionamento do campo artístico; eis a regra social que

rege a arte. Espero ainda ter preenchido um pedacinho de uma lacuna, pois este é um tema ainda

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pouco estudado. O viés do gosto, como se sabe, é só um caminho possível, mas muito importante,

pois se trata de uma expressão de pertencimento e acesso aos bens artísticos.

H| quem diga que sob o título de “pós-histórica” (DANTO, 2006, p. 15), a arte

contemporânea tenha deixado para trás a cultura do gosto refinado, atribuída à modernidade,

com a qual rompeu e sobre a qual Pierre Bourdieu se debruçou. O poder da estética pode ter

arrefecido, mas o da arte segue de pé. Na França, no Brasil ou em Moçambique. E enquanto esta

tiver reinando, continuará sendo uma questão de gosto, ainda que seja outra a questão em jogo.

Foi o que também mostrou este trabalho. A despeito das análises mais avassaladoras sobre a

arte contemporânea, continua sendo ela protegida por aparatos institucionais muito

semelhantes aos que fizeram a arte conquistar um status privilegiado nos últimos séculos.

Conforme relatei neste estudo, os atores envolvidos nas vanguardas e depois na legitimação da

arte contemporânea procuraram romper com o conceito de objeto artístico celebrado pelo

paradigma moderno. Contudo, não prescindiram da instituição arte, pois sem ela jamais

poderiam fazer valer a própria noç~o de “antiarte”, validada pelas ideias de artistas como Marcel

Duchamp, Andy Warhol, Joseph Kosuth e todo o resto empenhado na dessacralizaç~o da “grande

arte” – em particular da pintura e da estética pura.

A ideia de essência foi virada ao avesso, muitas vezes em posturas anti-institucionais por

excelência, que buscaram a todo custo quebrar com o status artístico da era “artesanal”, ou

“manual”, e o distanciamento promovido pelos templos de consagração. Foram inúmeros os

esforços para aproximar a arte da vida, do cotidiano e dos “reles” mortais. E podem ter sacudido

o Rio de Janeiro, o Brasil e o mundo os parangolés e os objetos relacionais de Hélio Oiticica. Por

fim, a arte contemporânea, institucionalizada e carimbada nos anos 1980 como tal, conseguiu

ser muito bem protegida por seus fiéis escudeiros – leiam-se: especialistas e instituições. A

Fundação Bienal de São Paulo é uma peça fundamental nisso tudo, não está à margem. Sai crise,

entra crise e a força da entidade se regenera. O valor institucional segue forte na arte.

Enquanto a noção de campo continuar de pé, enquanto a defesa por uma autonomia na

arte (mesmo que relativa) estiver em pauta, curadores, críticos e artistas permanecerão em

posição social privilegiada, na mais alta hierarquia cultural. Isso significa que terão influência

para definir, defender e disseminar verdades acerca da arte, que serão reproduzidas desde o

arte educador até os apreciadores mais cultos do público. Inserida nessa forma de organização

social, a produção artística também seguirá tendo status privilegiado na sociedade, ainda que

muitos não conheçam nem reconheçam esse valor – como no caso do paradigma

contemporâneo. E sob essa configuração, o capital cultural se mostrará quase sempre uma forma

de separar aqueles que podem ter real acesso à arte daqueles que não podem – ou podem

apenas de um modo “aquém” daquilo que os especialistas pregam em suas apreciações críticas.

Com a arte contemporânea não tem sido diferente. Na verdade, suas expressões mais fidedignas

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a um projeto conceitual e experimental, ou seja, dignas de um paradigma distinto do moderno,

são exatamente as restritas a um gosto ainda mais culto. Eis uma das principais tendências

apontadas aqui.

A inclinação ao caráter pouco popular da arte contemporânea, sobretudo em sua feição

mais antiessencialista, pode ser percebido, por exemplo, através da “rejeiç~o” de quase 70% do

público da bienal – quando este assumiu o seu “n~o gostar” – a obras feitas com suportes típicos

da contemporaneidade, sobretudo instalações. De outro lado, se levarmos em conta o gosto, a

maior representatividade das preferências recaiu sobre suportes tradicionais, geralmente de

narrativa realista, e sobre artistas consagrados pela tradição escolar (Da Vinci, Picasso, Monet,

Van Gogh etc.). Tudo isso soa irônico, para não dizer amargo, quando voltamos no tempo e sem

querer nos contaminamos pelos ideais dos vanguardistas que se desejaram quebrar o

distanciamento promovido pela Arte, através dos seus “quadros de cavalete” (OITICICA, 1979

apud SOARES, 2008, p. 116). Sob o discurso democratizante, acabou tornando suas “subversões”

e experimentos um privilégio de poucos, capazes de dispensar um esforço intelectual na

participação desse jogo crítico. Como disseram Francisco Alambert e Polyana Canhête (2004, p.

193), “após anos que a arte saiu das telas e conquistou a proximidade do público, [...] a

linguagem nova [...] das instalações, contraditoriamente, acabou por refazer o ‘n~o me toques’

que a arte contemporânea tanto lutou para conseguir”.

Pelo menos os trabalhos interativos, que demandam uma experiência mais ativa do

público, conseguem ser aqueles que promovem, ao lado de “exceções” como a série Inimigos, de

Gil Vicente, uma maior proximidade dos visitantes com a arte contemporânea – mesmo que

passageira ou superficial. Mas até que ponto proporcionam uma relação legitimada e desejada

pelos que fazem a arte existir? Não pretendo responder aqui. Se as bienais insistem em tê-las

como destaque em seus projetos curatoriais é porque de alguma forma também são estratégicas

para atrair o gosto “médio” e “popular”, ou seja, uma maior quantidade de visitantes que não tem

por hábito visitar exposições de arte contemporânea ao longo do ano. Mas que também não são

totalmente desprovidos de capital cultural.

Esta pesquisa com os visitantes espontâneos da 29ª Bienal de São Paulo mostrou que há

no seu perfil resquícios do funcionamento da máquina sacralizadora (e segregadora) da arte. A

despeito da fama da grande mostra como evento de massa, do seu apelo ao espetáculo e do seu

caráter tipicamente contemporâneo, existem na megaexposição marcas indeléveis de um

processo sócio-histórico que colocou a arte como privilégio de uma minoria. Ou seria por acaso

que 86% do público pesquisado estava no nível superior ou acima dele? Aliás, a mesma

tendência verificada em museus, esses templos de sacralização da arte vistos por Cristina Freire

(1990) como antítese de bienais como a de São Paulo. No evento do Pavilhão Ciccillo Matarazzo,

pode não haver uma maioria de obras desenvolvidas para o deleite contemplativo do olhar

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estético, como costuma ser o padrão das instituições museológicas tradicionais de arte. Do

mesmo jeito, pode existir a presença de olhares apressados em dar conta de uma imensa

quantidade de obras, comportando-se como se estivessem em uma grande feira. Mas esses

olhares também estão nos museus, assim como o olhar contemplativo, na bienal. Em outras

palavras, há um dado típico da arte desde seus tempos de aura que faz com que a Bienal de São

Paulo não seja tão distante dos templos sagrados da arte: a possibilidade de acesso ao evento e

às obras, que reverbera em gostos desiguais, assim como em atitudes distintas.

Entre as iniciativas da arte contemporânea, o público da bienal é uma exceção em termos

quantitativos, mas uma regra em termos qualitativos, pois obedece ao perfil “esperado” para

uma exposição de arte. Nesse caso, grande parte dos visitantes só vai espontaneamente à mostra

se tem uma predisposição, um aprendizado prévio, um “dever” cultural mínimo cultivado em seu

habitus para tal. É isso o que parece “motivar” a maioria que chega ao pavilhão por iniciativa

própria, ou seja, pela oportunidade proporcionada por uma condição social de ultrapassar as

barreiras invisíveis sustentadas pela arte. As mesmas que fazem com que a frequência a museus

seja ínfima no Brasil ou aumente na medida em que o nível de instrução da sociedade se eleve,

segundo comprovaram Pierre Bourdieu e Alain Darbel (2007). A entrada da bienal é franca

(desde 2004), mas seria ingenuidade acreditar que isso é suficiente. Nem mesmo com os apelos

de uma bienal. Os que se rendem a esses chamados geralmente são os que já teriam chances de

nela estar. Sob esta ótica, soa até irônico, para não dizer demagogo, o slogan da 29ª edição:

“Bienalize-se. A arte n~o exclui. Só inclui” (ver anexos). Isso não é verdade, convenhamos.

No público pesquisado, houve uma presença expressiva não apenas de nível de

escolaridade elevado, mas também de alta renda (não necessariamente um fator preponderante

nas práticas culturais), apontando uma tendência da Bienal de São Paulo em atrair uma elite

cultural brasileira – sendo cerca da metade residente na capital paulista. Isso independente dos

esforços do educativo em proporcionar a presença maciça de alunos de escolas públicas e

particulares. Refiro-me, mais uma vez, à visitação espontânea, permeada por jovens adultos e

adultos veteranos |vidos por arte, ou ao menos “curiosos”. A “massa” que circulou pela bienal

não foi o povo de que falava M|rio Pedrosa (1986 apud COUTO, 2004), foi uma “massa

privilegiada”, ainda que os visitantes parecessem {s vezes perambular distraídos pelas obras,

como se estivessem num parque (FREIRE, 1990). Esse “povo” figura como minoria em

exposições de arte. Com todos os seus aparatos de sustentação e proteção à arte – de curadores

a seguranças vigiando o devido distanciamento a determinadas obras –, o evento se mostra o

lugar onde a arte se faz um “privilégio” para poucos “agraciados” com um dado conhecimento,

cujo acesso se dá de forma assimétrica na sociedade.

No que diz respeito à relação do público com a arte contemporânea, objeto de estudo

deste trabalho, a disparidade desse alcance se revelou ainda mais evidente, com exceção das

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vezes em que outras manifestações de gosto tangenciaram a arte contemporânea.

Principalmente nos momentos em que a ela fez as “pazes” com a arte moderna (em especial

figurativa) ou apostou na “interatividade”, atingindo uma maior parte do público. Ou ainda

quando o gostar foi “super avaliado” pelos visitantes. No contexto da 29ª Bienal de S~o Paulo, o

gosto associado propriamente à arte contemporânea se revelou um privilégio das classes (bem)

mais cultas. Isso significa dizer que houve diferenças socioculturais mesmo em um público

privilegiado como o da Bienal de São Paulo. Como se viu, os testes estatísticos apontaram uma

influência importante do capital cultural nesse gostar, afunilando mais as possibilidades de

preferências e da própria fruição.

Isso ajuda a ver como na arte o gosto está associado a um conhecimento partilhado de

forma assimétrica. Embora nas preferências individuais possam existir diferentes

“combinações” ou possibilidades de gosto, capazes de evidenciar uma dada subjetividade, elas se

mostram limitadas, porém, por fatores sociais. Especialmente aqueles referentes ao acesso à

educação. Ou seria coincidência que grande parte do público pesquisado tenha preferido

Inimigos, de Gil Vicente? Não existe acaso aqui, mas condições que favorecem propensões a um

determinado gostar. Pensando com Bourdieu (2008), sabe-se que o capital escolar é um

elemento crucial do capital cultural, embora n~o o único. Est| na escola o dever “t|cito” de

perpetuar valores de um arbitrário cultural. Contudo, pelo que se viu nesta pesquisa, não

demonstrou ser o único elemento das preferências, pois mesmo entrevistados situados em

patamares semelhantes de escolaridade não manifestaram seu gosto pela arte contemporânea,

voltando-se { crença na “arte classificada” (MOULIN, 2007), também perpetuada pela tradição

escolar. Existiu uma tendência de “apego aos valores seguros” (BOURDIEU e DARBEL, 2007, p.

96), uma inclinaç~o ao “conformismo” (idem, ibdem), que para os autores (idem) se mostra

tanto maior quanto mais baixa é a posição dos indivíduos na hierarquia social e cultural.

Como o público da bienal atraiu uma elite cultural, o gosto pela arte consagrada tendeu a

representar o gosto “médio”, por assim dizer, mesmo estando associado a um conhecimento

adquirido. Já o gosto pela arte contemporânea mostrou-se raro, tendendo a representar o gosto

culto ou “legítimo” da exposiç~o, ou seja, a “elite da elite” cultural que ali esteve. Para Bourdieu e

Darbel (idem, ibdem, parênteses nossos), “os visitantes mais cultos manifestam, muitas vezes, o

sentimento de participar de uma cultura livre, fazendo incidir suas escolhas (também) nos mais

inovadores dos criadores contempor}neos”. Os artistas contempor}neos podem n~o ser os mais

“inovadores”, mas s~o tomados pelos mais cultos como signo de rompimento com uma tradição

escolar j| “manjada” pela maioria instruída. Só que até para ver assim é preciso ter um

conhecimento da visão consagrada.

A propensão à prática de assistir a espetáculos de dança (sobretudo de dança

contemporânea) e a predisposição inversa à prática de ver filmes (no geral, da indústria

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cultural) associadas a esse perfil privilegiado também foram tendências que reforçaram, nesta

pesquisa, a vocação pouco popular da arte contemporânea. O perfil do seu gosto, inserido na

redoma “protecionista” secular das artes plásticas, pareceu corresponder ao habitus das

posições sociais dominantes culturalmente. Mesmo que tal predisposição vá além de um olhar

estético tradicional.

Elaborada para este estudo, a hipótese de que a frequência dos visitantes que tendem a

estranhar/rejeitar a arte contemporânea seria maior do que a dos que tendem a reconhecê-

la/aceitá-la como tal não deve ser de toda aceita aqui. O que parece ser necessário considerar é

que a frequência dos que deixaram de demonstrar apreço por expressões genuinamente

contemporâneas (artistas, obras, suportes) foi maior do que a dos que realmente afirmaram e

comprovaram esse gostar. A ausência de um gosto mostrou-se mais expressiva, assim como

distinta de um n~o gostar, pois a “rejeiç~o” assumida foi também não apenas menor quanto uma

propensão dos mais instruídos – sendo parte, de certa forma, de um dado gostar. Mas a hipótese

de que obras de suportes menos tradicionais e linguagens mais conceituais suscitariam maior

estranhamento e rejeição do que as de suporte mais convencionais foi confirmada no contexto

da pesquisa, haja vista as informações partilhadas no capítulo 4.

A questão é que foi mais difícil identificar os fatores socioculturais a que estariam

atreladas as inclinações das escolhas gerais a partir do suporte. Se no caso dos testes estatísticos

referentes aos artistas plásticos favoritos e às práticas culturais voltadas à arte contemporânea

foi possível comprovar a influência do capital cultural na formação de um gosto culto, o mesmo

não ocorreu com os relacionados às preferências por suporte artístico, pois não apontaram

diferenças estatísticas significantes. Mesmo assim, acredito que a análise da relação com as

obras apontou tendências já verificadas anteriormente. A observação e a apreciação dos

julgamentos ajudaram a perceber as nuances entre o gostar, o não gostar e o deixar de ter um

gostar, jamais previstas pelas hipóteses. E essas diferenças evidenciaram o quanto a relação de

gosto na arte não é uma questão simples, sobretudo quando o público tende a dizer que gosta

por uma quest~o de “dever”, evitando externar o não gostar, porque se sente constrangido, não

autorizado ou na “incompetência para julgar”, como percebeu Freire (1990) na mesma bienal.

Uma das minhas maiores preocupações bem antes de iniciar esta pesquisa era saber por

que mesmo os escolarizados tendiam a rejeitar a arte contemporânea, quando críticos,

curadores, artistas, arte educadores e outros profissionais da área a legitimavam como tal. Tal

inquietação, também um pressuposto, me levou a formular várias hipóteses voltadas a explicar

esse aparente não gostar, considerando particularmente a relação com as obras que reforçavam

um paradigma contemporâneo (como Bandeira branca e Simultâneo, fragmentado, descontínuo).

Tendo em mente as descobertas de Bourdieu, não obstante sua maior dedicação à questão do

gosto e n~o { do “desgosto”, minha suposiç~o era de que o n~o gostar estaria atrelado a

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condições como: menores níveis de escolaridade, pouca frequência de contato com a arte

contemporânea, forte crença em uma visão essencialista da arte, prática assídua de consumo de

bens da cultura de massa e suportes artísticos tipicamente contemporâneos.

De fato, as linguagens artísticas (contemporâneas, contemporâneas interativas e

modernas tradicionais) dividiram as preferências do público. Entretanto, o não gostar – seja

dirigido a cada obra analisada ou expresso nos suportes dos trabalhos refutados – não esteve,

pelos cruzamentos estatísticos, associado às questões relacionadas acima, com exceção da visão

essencialista, observada na análise dos julgamentos. As opiniões contrárias a instalações como

Bandeira branca e Simultâneo... demonstraram um apego a um paradigma moderno de arte, mas

ainda a uma necessidade de sentido (realista, “funcionalista”) para as obras, própria do “olhar

ingênuo”. Com exceç~o de alguns julgamentos, o n~o gostar foi quase a express~o de um desejo

por arte figurativa frustrado ou um saudosismo estético. Onde estariam a beleza e a

expressividade perdidas? Segundo Peter Bürger (2008, p. 158), a fruiç~o da “obra vanguardista”

não reclama os mesmos critérios do contato com as obras de arte “org}nicas” ou simbólicas – e

digo que tampouco pelos códigos diretos do cotidiano, reverberando em uma “denegaç~o de

sentido como choque” (idem, ibdem). De fato, essa parece ser uma reaç~o comum diante de

instalações, intervenções e vídeos da arte contemporânea, principalmente por aqueles que

tiveram um aprendizado pelas vias da tradição artística – por menor que tenha sido.

Sem a preocupação de uma demonstração empírica, Anne Cauquelin (2005) e Cristina

Freire (2006) já tinham se referido à presença de um dado paradigma ou competência como

empecilhos para se enxergar a arte contemporânea, ou ao menos aceitá-la. A visão da arte

moderna, em seu sentido amplo, estaria “solidamente enraizada e forma(ria) uma tela, uma

m|scara através da qual tentamos apreender em v~o a contemporaneidade” (CAUQUELIN, 2005,

p. 18, parênteses nossos). De certa forma me baseei nessas observações para formular a

suposiç~o aqui trabalhada. Ali|s, j| se tornou um “consenso” entre especialistas da arte

contemporânea que a crença no paradigma moderno atrapalha sua apreciação. E nada mais

coerente, se considerarmos que estamos falando de visões em disputa, de rompimentos no

interior do campo e de movimentos pela legitimação de um paradigma artístico que almeja a

hegemonia na contramaré.

Nesta pesquisa, acredito que a observação de Freire (2006) e Cauquelin (2005) foi

constatada nos julgamentos de uma parcela dos visitantes que assumiu sua desaprovação –

acompanhada muitas vezes pela negação do status artístico das obras que não gostaram. O

desagrado foi para uma parte considerável dos descontentes uma forma de dizer que o que viam

não era arte. E muitas vezes o que viam eram justamente instalações. Contudo, como observei o

caso de algumas obras e a própria express~o do “desgosto” se revelou menos frequente, sinto

que este trabalho possa abrir caminho para que outras pesquisas busquem identificar em maior

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profundidade as razões desse não gostar relacionado à arte contemporânea – considerando de

antemão o esforço que é captá-lo em contextos expositivos como o da bienal. É importante

atentar para a questão da indiferença, que tendeu a estar muito mais relacionada aos menos

providos de capital cultural do que o não gostar, colocando-se, portanto, como o oposto do gosto,

no sentido bourdieuziano.

Bourdieu e Darbel (2007, p. 77) identificam nos “períodos de ruptura” e, mais ainda, nos

de “ruptura continuada” uma maior defasagem entre o olhar do público (com seus códigos

estabelecidos) e o código exigido pela “nova” obra. Para os autores (idem, ibdem), a

“transformaç~o dos instrumentos de produç~o artística” precedem a mudança “dos

instrumentos de percepç~o artística”, sendo esse processo de transição necessariamente lento,

uma vez que implica em “desenraizar”, nos potenciais apreciadores da arte, um conhecimento

difuso acerca da arte, e substituí-lo por um outro processo de “inculcaç~o” cultural. Sinto que

isso pode até vir a ser o caso da arte contemporânea, mas sabemos que esse processo de

“desenraizaç~o” de um dado valor artístico depende de muitos fatores, atrelados ao próprio

movimento do campo, bem como aos mecanismos desiguais de transmissão de uma dada visão.

Isso não impede que um novo paradigma seja assimilado por poucos; aliás, isso está na coluna

vertebral da história moderna da arte. Vale ressaltar que a esse processo de aprendizado de uma

dada visão sobre a arte foram os mais privilegiados que tiveram acesso, ficando os demais

privados do “verdadeiro” amor pela arte.

Afora isso, visões antigas, sedimentadas no habitus, permanecem por um bom tempo em

nossas memórias, mesmo de forma quase inconsciente. Significa dizer que a chegada de um novo

paradigma não necessariamente anula o outro; não na percepção da arte. As crenças se

perpetuam, seja na ciência, na política, na religião, na arte ou em qualquer forma de

conhecimento, e entram choque com as que chegam. A questão é que pela lógica de

funcionamento dos campos, haverá sempre disputas para que um ponto de vista se faça

dominante e se espalhe na história para além do seu espaço de origem. Foi assim com o

paradigma moderno essencialista, capaz de se firmar como uma tradição perpetuada não só pela

instituição artística, mas também pela escolar, familiar e pelo próprio mercado, onde a arte

contemporânea também encontrou seu nicho (não sem a força de seus especialistas). Talvez

uma pesquisa sobre a sua “penetraç~o” nas instituições de ensino e nos livros que envolvam a

iniciação da arte seja interessante, pois ao que parece ainda é bastante tímida nessa área.

Como fica, então, a arte contemporânea nesse processo? Será que os discursos pela

democratização de acesso à arte, tão cultivado por artistas vanguardistas, foram suficientes para

torná-la acessível a todos? Será que basta apenas sentir e não entender, como já especulou

Fernando Cocchiarale (2006)? Bem, não foi o que mostrou esta pesquisa. E mesmo para “sentir”

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parece ser necessário conhecer (ter uma predisposição que “justifique” uma emoção), ainda que

o entendimento n~o passe por uma leitura “racional” das obras.

O mundo das artes visuais contemporâneas tem dado todos os sinais que ainda quer para

si um status excepcional de arte, independente se as manifestações prezem mais pelo processo e

pela ideia do que pelo valor “total” de um objeto. Ou seria à toa o esforço dos curadores da 29ª

Bienal de São Paulo em evidenciar o poder transformador da arte, buscando ressaltar o seu

casamento com a política? A arte contemporânea quer um lugar ao sol e isso implica em

exclusões no “jogo”. Os especialistas não perderam o poder. Os mediadores se juntam para

reforçar sua visão. A imprensa assina embaixo (na maioria das vezes). Dentro do campo, existem

inúmeros aparatos para legitimá-la. Os espaços de consagração seguem vivos.

Não se pode culpar o público por suas reações de rejeição e desinteresse. A formação do

olhar é fruto de um longo processo educacional inacessível a todos. A arte educação não é feita

só por mediadores no momento de uma exposição. E o mais complicado e perigoso nisso tudo é

que ainda se defende uma ausência de critérios. Este trabalho também me levou diversas vezes a

questioná-los, a perguntar se não seria necessário investigar mais sobre esses parâmetros da

crítica e da curadoria, mesmo que exista uma defesa pela ausência de códigos pré-estabelecidos.

Os códigos são necessários e são transmitidos, porque não seria com a arte contemporânea?

Enquanto em torno dela for exaltado o discurso de uma pluralidade aparentemente

democrática – que serve tanto para chancelar quanto para confundir o público acerca dos seus

significados –, mais reservada estará a arte contemporânea ao domínio da “cultura livre”

(BOURDIEU; DARBEL, 2007, p. 109). Em outras palavras, daqueles poucos que podem

reconhecê-la como tal. Além disso, vai continuar tendo que se explicar, como, aliás, já é de praxe

desde o movimento pela arte de caráter conceitual. É provável ainda que enquanto não assumir

seus processos de exclus~o e tirar a carapuça do “aqui pode tudo”; enquanto n~o revelar que,

sim, quer se consagrar na história como um “modelo”, dificilmente se tornar| uma vis~o

dominante, com possibilidades de romper as fronteiras da arte e lançar suas raízes por entre as

retinas de um número mais amplo de apreciadores.

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APÊNDICES

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Apêndice 1

QUESTIONÁRIO

PESQUISA DE MESTRADO Gosto cultural e julgamento: um estudo da relação entre público e arte contemporânea no contexto

da 29ª Bienal de São Paulo MARIA OLÍVIA MEDEIROS MINDÊLO - 2010

Email:_____________________________________________________________ Dia da visita Turno

. Dados pessoais

1. Sexo: Masculino( ) Feminino( ) 2. Idade: _______ 3. Onde reside (cidade/país):_____________________________________________________________ 4. Profissão (específica):___________________________________________________________________ 5. Escolaridade

a. Pós-Doutorado completo ( ) incompleto ( ) b. Doutorado completo ( ) incompleto ( ) c. Mestrado completo ( ) incompleto ( ) d. Especialização completo ( ) incompleto ( ) e. Graduação (superior) completo ( ) incompleto ( ) f. Médio completo ( ) incompleto( ) g. Fundamental completo ( ) incompleto ( ) h. Sem escolaridade ( )

6. Tem alguma formação ligada direta ou indiretamente à arte?

a. Sim. Qual(is)?_________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________________ b. Não

7. Quantos idiomas você fala? Só português( ) Dois( ) Três( ) Quatro ou mais( )

8. Renda mensal individual (Indicar a faixa aproximada em R$)

|_______|_______|_______|_______|_______|________|_______|________|________|_______|_________|_______ 0 510 1.020 1.530 2.040 2.550 3.060 4.080 4.590 5.100 8.160 + 10.200

9. Renda mensal familiar (Indicar a faixa aproximada em R$) Obs. Colocar a mesma renda individual aqui se a familiar não for renda complementar. |_______|_______|_______|_______|_______|________|_______|________|________|_______|_________|_______ 0 510 1.020 1.530 2.040 2.550 3.060 4.080 4.590 5.100 8.160 + 10.200

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. Sobre a visita 10. É a primeira vez na vida que vem à Bienal de São Paulo? Sim( ) Não( ) (Pule para a questão 12 se marcou “N~o”. Se marcou “Sim”, responda a próxima e pule para a 13) 11. É a primeira vez que vem a uma exposição de arte? Sim( ) Não( ) De arte contemporânea, sim( ) NA( ) 12. Quantas vezes você já visitou a bienal? Duas( ) Três( ) Quatro( ) Cinco( ) Mais de cinco( ) Não sei( ) NA( ) 13. Quanto tempo passou na exposição este ano (somando todas as vindas)? Até 1 hora( ) Entre 1 e 3h( ) Entre 3 e 6h( ) Mais de 6h( ) Não sei( ) 14. Pretende voltar este ano? Sim( ) Não( ) Talvez/Não sei( ) (Pule para a questão 16 se tiver respondido “Sim” ou “Talvez”)

15. Se respondeu “Não”, por quê? (Marque a opção que mais pesa para você)

a. Não gostei do evento o suficiente para querer voltar b. Não gostei da exposição em si c. Não gosto desse tipo de arte d. Uma vez é suficiente para ver e. Não tenho tempo, não vou poder f. É muito cansativa g. Não vou estar mais em São Paulo h. Outro (especifique):______________________________________________________________________________

16. Qual o motivo principal de sua vinda à bienal? (Marque a opção que mais pesa)

a. Costumo vir à bienal b. Costumo freqüentar exposições de arte em geral c. Trabalho com arte d. Gosto de arte, de uma forma geral e. Nunca vim à bienal e queria conhecer f. Fiquei curioso para ver o tema da mostra e os trabalhos deste ano g. Vi um anúncio e fiquei curioso para vir h. Um amigo/parente/alguém próximo me indicou i. Vim acompanhar amigos/parentes/alguém próximo j. Estou de passagem em São Paulo e aproveitei para vir k. Estava no Parque do Ibirapuera e vi que estava tendo a bienal l. Outro motivo (especifique):

______________________________________________________________________ 17. O quanto você gostou da bienal este ano? Gostei muito( ) Gostei( ) Gostei mais ou menos( ) Não gostei( ) Detestei( ) Indiferente( ) Não sei( ) 18. O que mais agradou no evento? (Marque a opção que mais pesa para você)

a. Os trabalhos________________________(preencher linha se tiver um formato específico) b. A quantidade de trabalhos c. A apresentação e disposição dos trabalhos (a montagem) d. A seleção de artistas e. A programação paralela (performances, debates, exibições etc.) f. Nada g. Outra opção (especifique): _______________________________________________________________________

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19. O que mais incomodou no evento? (Marque a opção que mais pesa para você)

a. Os trabalhos______________________(preencher linha se tiver um formato específico) b. A quantidade de trabalhos c. A apresentação e disposição dos trabalhos (a montagem) d. A programação paralela (performances, debates, exibições etc.) e. O pavilhão da bienal f. O público g. Nada h. Outra opção (especifique): ______________________________________________________________________

20. Fotografou algum trabalho?

a. Sim. O quê (cite o primeiro que vier à mente)?_________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________ b. Não

21. De uma forma geral, o quanto gostou dos trabalhos? Gostei muito( ) Gostei( ) Gostei mais ou menos( ) Não gostei( ) Detestei( ) Indiferente( ) Não sei( )

22. Se respondeu “Não gostei” ou “Detestei”, por quê? _______________________________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________________________ 23. GOSTOU de algum trabalho em especial?

a. Sim (cite o primeiro que vier à mente)__________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________ b. Não, não teve nenhum específico (Se responder “N~o”, pule para a quest~o 28)

24. Se emocionou ou sentiu algo diante do trabalho (citado)? Sim( ) Não( ) Mais ou menos( ) Não sei( ) 25. O que achou do trabalho (citado na questão anterior)? _______________________________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________________________ 26. Na SUA opinião, é arte (o trabalho citado)? Sim( ) Não( ) Tenho dúvidas( ) Não sei( ) 27. Se respondeu “Não”, por quê? ______________________________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________________________

28. Teve algum trabalho que realmente NÃO gostou, em particular?

a. Sim (cite o primeiro que vier à mente):__________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________________ b. Não, não teve nenhum específico (Se responder “N~o”, pule para a quest~o 32)

29. Se emocionou ou sentiu algo diante do trabalho (citado)? Sim( ) Não( ) Mais ou menos( ) Não sei( )

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30. O que achou do trabalho (citado na questão anterior)? _______________________________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________________________ 31. Na SUA opinião, é arte (o trabalho citado)? Sim( ) Não( ) Tenho dúvidas( ) Não sei( ) 32. Se respondeu “Não”, por quê? ______________________________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________________________

33. O que sentiu diante da instalação Bandeira branca, de Nuno Ramos (Ou Simultâneo...)?

a. Perturbação/angústia b. Estranhamento c. Pena d. Surpresa e. Curiosidade f. Nada/Indiferença g. Não sei definir h. Outro sentimento (especifique): _________________________________________________________________ i. Não vi o trabalho

34. O quanto gostou do trabalho? Gostei muito( ) Gostei( ) Gostei mais ou menos( ) Não gostei( ) Detestei( ) Indiferente( ) Não sei( ) 35. O que achou? (Se possível, defina em poucas palavras. Pule se citou a obra nas q. 23 ou 28) _______________________________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________________________

36. Na SUA opinião, é arte? (Pule se citou a obra nas questões 23 ou 28) Sim( ) Não( ) Tenho dúvidas( ) Não sei( )

37. Se respondeu “Não”, por quê? (Pule se citou a obra nas questões 23 ou 28) ______________________________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________________________

38. O que sentiu diante da série de desenhos Inimigos, de Gil Vicente (dos políticos com

armas na cabeça)? a. Perturbação/angústia b. Raiva/Agressividade c. Sentimento de justiça d. Felicidade e. Esperança f. Identificação g. Nada/Indiferença h. Não sei definir i. Outro sentimento (especifique): _________________________________________________________________ j. Não vi o trabalho

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39. O quanto gostou do trabalho? Gostei muito( ) Gostei( ) Gostei mais ou menos( ) Não gostei( ) Detestei( ) Indiferente( ) Não sei( ) 40. O que achou? (Se possível, defina em poucas palavras. Pule se citou a obra nas q. 23 ou 28) _______________________________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________________________ 41. Na SUA opinião, é arte? (Pule se citou a obra nas questões 23 ou 28) Sim( ) Não( ) Tenho dúvidas( ) Não sei( )

42. Se respondeu “Não”, por quê? (Pule se citou a obra nas questões 23 ou 28) ______________________________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________________________ . Práticas culturais 43. Com que frequência costuma visitar exposições de arte, em geral?

a. Uma ou mais vezes por semana b. Duas a quatro vezes por mês c. Uma vez por mês d. Três a quatro vezes por ano e. Uma ou duas vezes por ano f. Nunca

44. Com que frequência acompanha a produção de arte contemporânea (artes visuais)?

a. Diariamente ou quase diariamente (internet, livros, exposições, programas de TV etc.) b. Uma ou mais vezes por semana c. Duas a três vezes por mês d. Uma vez por mês e. Três a quatro vezes por ano f. Uma ou duas vezes por ano g. Nunca

45. Como é a sua relação com a arte contemporânea? Tende a gostar? Por quê? ______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________________________

46. Se tivesse que escolher hoje só uma dessas opções de exposição, para qual iria?

a. Exposição dos grandes mestres do renascimento italiano (Da Vinci, Michelangelo etc.) b. Exposição dos pintores impressionistas (Manet, Monet, Renoir etc.) c. Exposição retrospectiva de Pablo Picasso d. Mostra de artistas do modernismo brasileiro (Tarsila do Amaral, Vicente do Rêgo

Monteiro etc.) e. Exposição retrospectiva de Andy Warhol f. Mostra de jovens artistas contemporâneos pouco conhecidos numa galeria g. Documenta de Kassel h. Não saberia escolher, pois não conheço nada disso i. Não saberia escolher, pois não tenho preferência, iria para qualquer uma dessas acima j. Nenhuma

47. Quais os seus artistas plásticos favoritos? (Cite ATÉ 3 principais) _______________________________________________________________________________________________________________

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48. Para você, arte de qualidade é: (Marque ATÉ 2 opções principais) a. Uma obra que tenha conteúdo b. Uma obra que tenha beleza c. Uma obra que me toque emocionalmente d. Uma obra que me leve ao transcendental e. Um trabalho que me faça ver a realidade sob uma outra perspectiva f. Um trabalho que gere reflexão g. Um trabalho capaz de produzir algum tipo de comunicação, independente da beleza h. Um processo, uma ideia, uma experiência, não necessariamente uma obra i. Outro (especifique):_______________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________

49. Arte de qualidade tem que ser feita de preferência como:

a. Pintura, escultura ou desenho b. Fotografia c. Vídeo d. Instalação e. Não importa o meio, a ideia que vai dizer f. Outro meio

(especifique):______________________________________________________________________________________ 50. Com que frequência costumava ter contato com as artes plásticas na infância ou

adolescência? (Se for adolescente, pensar na infância. Pule para a q. 52 se marcar “Nunca”) Sempre( ) Quase sempre( ) De vez em quando( ) Raramente( ) Nunca( ) 51. Por influência de quem/do quê? (Marque ATÉ 2 opções principais)

a. Da família b. Da escola c. De um amigo ou conhecido d. Da TV, da internet ou outra mídia e. Do lugar onde morava f. Todas as opções acima e mais g. Outra opção

(especifique):________________________________________________________________________

52. Com que frequência tem contato com arte atualmente (filmes, músicas, livros, espetáculos, obras de arte etc.), de forma geral? a. Diariamente ou quase diariamente b. Uma ou mais vezes por semana c. Duas a três vezes por mês d. Uma vez por mês e. Três a quatro vezes por ano f. Uma ou duas vezes por ano g. Nunca

53. Com que linguagem mais tem contato na arte: (Pule esta se respondeu “Nunca” na questão 52. Marque ATÉ 2 opções)

a. Artes plásticas/visuais b. Dança c. Teatro d. Filme e. Música f. Literatura

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g. Todas as opções h. Outra (especifique):_______________________________________________________________________________

54. Costuma ir a espetáculos de dança? (Pule para a questão 50 se respondeu “Nunca”) Sempre( ) Quase sempre( ) De vez em quando( ) Raramente( ) Nunca( ) 55. Que tipo de dança costuma ver mais?

a. Balé clássico b. Balé moderno c. Musicais d. Dança contemporânea e performances e. Dança de salão f. Danças representativas de culturas e países (tango, flamenco, judaica etc.) g. Outra (especifique):_______________________________________________________________________________ h. Varia, não tenho preferência

56. Que tipo de música costuma ouvir mais? _______________________________________________________________________________________________________________ 57. A que tipo(s) de filme costuma assistir mais? _______________________________________________________________________________________________________________

58. Com que freqüência você assiste, em média, a TV (a programação):

a. Mais de 4 horas por dia b. De 2 a 4 horas por dia c. Até 2 horas por dia d. Entre uma e quatro vezes por semana e. Duas a três vezes no mês f. Uma vez no mês g. Raramente no ano h. Nunca

59. Com que freqüência o fator dinheiro limita os seus hábitos culturais? Sempre( ) Quase sempre( ) De vez em quando( ) Raramente( ) Nunca( )

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Apêndice 2 TRATAMENTOS ESTATÍSTICOS DOS DADOS (1)106 Referentes ao Capítulo 3 1- Recodificação da variável “nível de escolaridade” A vari|vel “nível de escolaridade” foi recodificada, para facilitar a análise estatística. Sendo assim, a recodificação reduziu de 12 para 3 as categorias desta variável, ficando a frequência distribuída entre “Pós-graduaç~o”, “Graduaç~o” e “Até o ensino médio”.

Tabela 1 – Nível de escolaridade dos visitantes

Frequency Percent

Valid Percent

Cumulative Percent

Valid Pós-doutorado completo 1 1,0 1,0 1,0

Doutorado completo 2 2,0 2,0 3,0

Doutorado incompleto 1 1,0 1,0 4,0

Mestrado completo 5 5,0 5,0 9,0

Mestrado incompleto 5 5,0 5,0 14,0

Especialização completa lato senso 14 14,0 14,0 28,0

Especialização incompleta lato senso

3 3,0 3,0 31,0

Graduação completa 27 27,0 27,0 58,0

Graduação incompleta 28 28,0 28,0 86,0

Ensino médio completo 6 6,0 6,0 92,0

Ensino médio incompleto 7 7,0 7,0 99,0

Ensino fundamental incompleto 1 1,0 1,0 100,0

Total 100 100,0 100,0 Tabela 2 – Nível de escolaridade recodificada

Frequency Percent Valid

Percent Cumulative

Percent

Valid Pós-graduação

31 31,0 31,0 31,0

Graduação 55 55,0 55,0 86,0

Até o ensino médio

14 14,0 14,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

2 - Recodificação da variável “idade” A fim de definir as faixas etárias do público pesquisado de forma hierarquizada, recodifiquei a vari|vel “idade” em quatro categorias (46 a 75; 33 a 45; 26 a 32; e 16 a 25), reduzindo o nível de mensuração de escalar para ordinal. Não houve casos de missing (questão não respondida). Assim como a vari|vel “nível de escolaridade”, esta também foi recodificada a partir de uma análise da distribuição original dos dados.

106 Realizado através do software SPSS. Inclui tabelas complementares utilizadas na análise.

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Tabela 3 – Idade dos visitantes

Frequency Percent Valid Percent

Cumulative Percent

Valid 16 4 4,0 4,0 4,0

17 3 3,0 3,0 7,0

18 1 1,0 1,0 8,0

19 1 1,0 1,0 9,0

20 2 2,0 2,0 11,0

21 4 4,0 4,0 15,0

22 2 2,0 2,0 17,0

23 4 4,0 4,0 21,0

24 5 5,0 5,0 26,0

25 1 1,0 1,0 27,0

26 4 4,0 4,0 31,0

27 3 3,0 3,0 34,0

28 6 6,0 6,0 40,0

29 8 8,0 8,0 48,0

30 1 1,0 1,0 49,0

31 2 2,0 2,0 51,0

32 3 3,0 3,0 54,0

33 2 2,0 2,0 56,0

34 2 2,0 2,0 58,0

35 1 1,0 1,0 59,0

36 3 3,0 3,0 62,0

37 2 2,0 2,0 64,0

39 6 6,0 6,0 70,0

40 1 1,0 1,0 71,0

41 1 1,0 1,0 72,0

42 4 4,0 4,0 76,0

45 1 1,0 1,0 77,0

47 1 1,0 1,0 78,0

48 1 1,0 1,0 79,0

49 2 2,0 2,0 81,0

50 2 2,0 2,0 83,0

51 1 1,0 1,0 84,0

53 2 2,0 2,0 86,0

54 2 2,0 2,0 88,0

55 4 4,0 4,0 92,0

57 3 3,0 3,0 95,0

59 1 1,0 1,0 96,0

61 1 1,0 1,0 97,0

63 1 1,0 1,0 98,0

64 1 1,0 1,0 99,0

75 1 1,0 1,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

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Tabela 4 – Idade dos visitantes recodificada

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid 46 a 75 anos 23 23,0 23,0 23,0

33 a 45 anos 23 23,0 23,0 46,0

26 a 32 anos 27 27,0 27,0 73,0

16 a 25 anos 27 27,0 27,0 100,0

Total 100 100,0 100,0 3 – Idade x Nível de escolaridade107

Para cruzar essas variáveis, ambas ordinais, realizei no SPSS o teste Gamma, que gerou as seguintes tabelas:

Tabela 5 – Idade recodificada de novo * Nível de escolaridade recodificada Crosstabulation

Nível de escolaridade recodificada

Total Pós-

graduação Graduaçã

o Até ensino

médio

Idade recodificada de novo

46 a 75 anos

Count 9 13 1 23

% within Idade recodificada de novo

39,1% 56,5% 4,3% 100,0%

33 a 45 anos

Count 12 9 2 23

% within Idade recodificada de novo

52,2% 39,1% 8,7% 100,0%

26 a 32 anos

Count 6 18 3 27

% within Idade recodificada de novo

22,2% 66,7% 11,1% 100,0%

16 a 25 anos

Count 4 15 8 27

% within Idade recodificada de novo

14,8% 55,6% 29,6% 100,0%

Total Count 31 55 14 100

% within Idade recodificada de novo

31,0% 55,0% 14,0% 100,0%

Tabela 6 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,412 ,113 3,409 ,001

N of Valid Cases 100 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

A intenção não foi medir a correlação entre as variáveis, mas mostrar, a partir do

cruzamento, que os mais velhos presentes na exposição eram aqueles com maior nível de escolaridade. Mesmo assim, pelos valores de Gamma (0,412) e da significância (0,001; p<0,01), a correlaç~o entre as vari|veis “idade” e “nível de escolaridade” se mostra moderada e estatisticamente significativa ao nível de confiança de 99%.

107

A tabela de referência com os graus de correlação está nos anexos deste trabalho.

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4 - Recodificação da variável “profissão” Para fins de análise, a variável profissão foi transformada em uma nova variável, dividida agora em três categorias: “Profiss~o ligada { arte”, “Profissão indiretamente ligada { arte” e “Profissão n~o ligada { arte”.

Tabela 7 – Profissão do visitante*

Frequency Percent Valid Percent

Cumulative Percent

Valid Administrador 3 3,0 3,0 3,0

Advogado 3 3,0 3,0 6,0

Advogado e escritor 1 1,0 1,0 7,0

Agente de viagens 1 1,0 1,0 8,0

Analista de sistemas 2 2,0 2,0 10,0

Arquiteto 2 2,0 2,0 12,0

Arte educador 5 5,0 5,0 17,0

Artista plástico 3 3,0 3,0 20,0

Artista plástico e arte educador

1 1,0 1,0 21,0

Assistente social 2 2,0 2,0 23,0

Auxiliar administrativo e músico

1 1,0 1,0 24,0

Auxiliar oftalmológico 1 1,0 1,0 25,0

Bacharel em direito aposentada

1 1,0 1,0 26,0

Bailarino 1 1,0 1,0 27,0

Bar atendent e vendedora 1 1,0 1,0 28,0

Cabeleireiro 1 1,0 1,0 29,0

Cenógrafo 1 1,0 1,0 30,0

Chefe de cozinha 1 1,0 1,0 31,0

Corretor de imóveis 1 1,0 1,0 32,0

Delegado aposentado 1 1,0 1,0 33,0

Designer 1 1,0 1,0 34,0

Designer e artista plástico 1 1,0 1,0 35,0

Empresário de hotelaria 1 1,0 1,0 36,0

Engenheiro 3 3,0 3,0 39,0

Engenheiro de sistemas (em exposições)

1 1,0 1,0 40,0

Escriturário 1 1,0 1,0 41,0

Estilista e empresário 1 1,0 1,0 42,0

Estudante (ensino profissionalizante)

1 1,0 1,0 43,0

Estudante de administração 3 3,0 3,0 46,0

Estudante de arquitetura 1 1,0 1,0 47,0

Estudante de artes visuais 1 1,0 1,0 48,0

Estudante de ciências sociais 1 1,0 1,0 49,0

Estudante de cinema 1 1,0 1,0 50,0

Estudante de design 1 1,0 1,0 51,0

Estudante de direito 1 1,0 1,0 52,0

Estudante de estatística 1 1,0 1,0 53,0

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Estudante de jornalismo 2 2,0 2,0 55,0

Estudante de medicina 1 1,0 1,0 56,0

Estudante de pré-vestibular 1 1,0 1,0 57,0

Estudante de propaganda e marketing

1 1,0 1,0 58,0

Estudante de psicologia 1 1,0 1,0 59,0

Estudante de química 1 1,0 1,0 60,0

Estudante de rádio e TV 1 1,0 1,0 61,0

Estudante de secretariado 1 1,0 1,0 62,0

Estudante do ensino médio 6 6,0 6,0 68,0

Fotógrafo 1 1,0 1,0 69,0

Fotojornalista 2 2,0 2,0 71,0

Gráfico 1 1,0 1,0 72,0

Jornalista 1 1,0 1,0 73,0

Jornalista de cultura 1 1,0 1,0 74,0

Médico 4 4,0 4,0 78,0

Mestrando em economia 1 1,0 1,0 79,0

Pastor 1 1,0 1,0 80,0

Produtor cultural 1 1,0 1,0 81,0

Professor de física 1 1,0 1,0 82,0

Professor de geografia 1 1,0 1,0 83,0

Professor de história da arte 1 1,0 1,0 84,0

Professor de história e funcionário de museu

1 1,0 1,0 85,0

Professor de idioma 3 3,0 3,0 88,0

Professor de primário 2 2,0 2,0 90,0

Professor em educação e negócios

1 1,0 1,0 91,0

Publicitário 2 2,0 2,0 93,0

Responsável administrativo 1 1,0 1,0 94,0

Segurança 1 1,0 1,0 95,0

Servidor público 2 2,0 2,0 97,0

Sociólogo 2 2,0 2,0 99,0

Técnico em telefonia 1 1,0 1,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

*As profissões ligadas à arte estão em verde; as ligadas indiretamente, em azul; e as não ligadas, em vermelho.

Tabela 8 – Profissão recodificada

Frequency Percent Valid Percent

Cumulative Percent

Valid Profissão ligada à arte 21 21,0 21,0 21,0

Profissão ligada indiretamente à arte

26 26,0 26,0 46,0

Profissão não ligada à arte 53 53,0 53,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

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5 - Recodificação da variável “renda familiar” Por abranger muitos intervalos, decidi recodificar esta variável, separando-a em quatro novas categorias, que foram reagrupadas segundo a divisão de classe social do IBGE (A/B, C, D, E). Pela nova divisão, a variável apresentou as seguintes categorias ordinais: A/B (de R$ 8.160 em diante); C (R$ 3.060 a R$ 8160); D (R$ 1.020 a R$ 3.060); E (até R$ 1.020). Tabela 9 – Renda mensal familiar

Frequency Percent Valid Percent

Cumulative Percent

Valid R$ 510 a R$ 1.019 3 3,0 3,3 3,3

R$ 1.020 a R$ 1.529 7 7,0 7,6 10,9

R$ 1.530 a R$ 2.039 4 4,0 4,3 15,2

R$ 2.040 a R$ 2.549 11 11,0 12,0 27,2

R$ 2.550 a R$ 3.059 2 2,0 2,2 29,3

R$ 3.060 a R$ 4.079 10 10,0 10,9 40,2

R$ 4.080 a R$ 4.589 11 11,0 12,0 52,2

R$ 4.590 a R$ 5.099 5 5,0 5,4 57,6

R$ 5.100 a R$ 8.159 7 7,0 7,6 65,2

R$ 8.160 a R$ 10.199 10 10,0 10,9 76,1

Acima de R$ 10.200 22 22,0 23,9 100,0

Total 92 92,0 100,0

Missing 97 6 6,0

98 2 2,0

Total 8 8,0

Total 100 100,0

Tabela 10 – Renda recodificada

Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent

Valid Acima de R$ 8.160 32 32,0 34,8 34,8

De R$ 3.060 a R$ 8.159 33 33,0 35,9 70,7

De R$ 1.020 a R$ 3.059 24 24,0 26,1 96,7

De R$ 510 a 1.019 3 3,0 3,3 100,0

Total 92 92,0 100,0

Missing System 8 8,0

Total 100 100,0

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6 - Nível de escolaridade x Renda familiar108 A fim de averiguar a correlação entre as variáveis, usei o teste Gamma, tendo em vista que reduzi o nível de mensuração de ambas as variáveis para ordinal. Com o teste, obtive no SPSS as seguintes tabelas:

Tabela 12 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,444 ,112 3,635 ,000

N of Valid Cases 92 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Os valores de Gamma (0,444) e da significância (0,0005; p<0,01) apontam que houve

uma correlação (positiva moderada) estatisticamente significativa, ao nível de confiança de 99%, entre as variáveis. Mais detalhes da análise no corpo da dissertação (capítulo 3).

108 Variáveis recodificadas.

Tabela 11 – Nível de escolaridade recodificada * Renda recodificada 2 Crosstabulation

Renda recodificada 2

Total Acima de R$

8.160 De R$ 3.060 a

R$ 8.160 De R$ 1.020 a

R$ 3.060 De R$ 510 a

1.020

Nível de escolaridade recodificada

Pós-graduação Count 15 10 5 0 30

% within Nível de escolaridade recodificada

50,0% 33,3% 16,7% ,0% 100,0%

Graduação Count 17 17 12 3 49

% within Nível de escolaridade recodificada

34,7% 34,7% 24,5% 6,1% 100,0%

Até ensino médio

Count 0 6 7 0 13

% within Nível de escolaridade recodificada

,0% 46,2% 53,8% ,0% 100,0%

Total Count 32 33 24 3 92

% within Nível de escolaridade recodificada

34,8% 35,9% 26,1% 3,3% 100,0%

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7 - Motivo de visita à bienal de 2010 (tabela de frequências) Tabela 13 – Motivo de visita à bienal de 2010

Frequency Percent Valid Percent

Cumulative Percent

Valid Costumo vir à bienal 11 11,0 11,0 11,0

Costumo frequentar exposições de arte

6 6,0 6,0 17,0

Trabalho com arte 12 12,0 12,0 29,0

Nunca tinha vindo e queria conhecer

17 17,0 17,0 46,0

Fiquei curioso para ver o tema da mostra e os trabalhos

9 9,0 9,0 55,0

Vi um anúncio e fiquei curioso 1 1,0 1,0 56,0

Amigo, parente e/ou próximo me indicou

2 2,0 2,0 58,0

Vim para acompanhar amigo, parente e/ou próximo

11 11,0 11,0 69,0

Estou de passagem em São Paulo e aproveitei pra vir

6 6,0 6,0 75,0

Estava no Parque Ibirapuera e descobri que tava tendo

6 6,0 6,0 81,0

Vim para ver obras polêmicas 1 1,0 1,0 82,0

Gosto de arte 10 10,0 10,0 92,0

Por ser um evento desse porte que reúne vários tipos de arte

1 1,0 1,0 93,0

Porque é de graça 1 1,0 1,0 94,0

Vim fazer um trabalho 2 2,0 2,0 96,0

Ver trabalhos do Gil Vicente 2 2,0 2,0 98,0

Para dar risada 1 1,0 1,0 99,0

Estudo arte 1 1,0 1,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

*As motivações marcadas de verde são aquelas relativas ao público habitual de arte, ligada ao gosto pela arte. Em vermelho, as motivações não relacionadas ao apreço pela arte.

8 - Primeira vez na Bienal de São Paulo Primeira vez numa exposição de arte (tabelas de frequências)

Tabela 14 – Primeira vez na Bienal de São Paulo

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid Sim 46 46,0 46,0 46,0

Não 54 54,0 54,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

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173

Tabela 15 – Primeira vez numa exposição de arte

Frequency Percent Valid Percent

Cumulative Percent

Valid Sim 4 4,0 8,7 8,7

Não 34 34,0 73,9 82,6

De arte contemporânea sim 8 8,0 17,4 100,0

Total 46 46,0 100,0

Missing109 99 54 54,0

Total 100 100,0

9 - Grau de satisfação em relação à bienal de 2010 (tabela de frequências)

Tabela 16 – Grau de satisfação em relação à bienal de 2010

Frequency Percent Valid Percent

Cumulative Percent

Valid Gostei muito 45 45,0 45,0 45,0

Gostei 33 33,0 33,0 78,0

Gostei mais ou menos 18 18,0 18,0 96,0

Não gostei 3 3,0 3,0 99,0

Detestei 1 1,0 1,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

10 - Relação com arte contemporânea x Uma exposição que iria se tivesse que escolher Considerando que se trata do cruzamento entre uma variável ordinal e nominal, respectivamente, resolvi realizar o teste Gamma, a fim de observar a correlação entre as variáveis. O interesse maior, contudo, foi em analisar as diferenças entre valores percentuais da tabela desse cruzamento verificado em cada grupo de preferências. Pelos números da tabela abaixo (tabela 17), a significância de 0,158 (p > 0,10) e o valor de Gamma de 0,136 indicam que não houve uma correlação estatisticamente significativa, nem ao nível de 90%, entre as variáveis “relaç~o com arte contempor}nea” e “uma exposiç~o que iria se tivesse que escolher”. Contudo, minha intenç~o era comparar as diferenças percentuais entre as preferências. Mais detalhes no corpo da dissertação, onde faço a análise dos dados.

Tabela 18 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma -,136 ,096 -1,411 ,158

N of Valid Cases 99 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

(continua na página a seguir)

109 O missing aqui corresponde a “N~o se aplica”. Os 56% representam a parcela que já tinha ido à Bienal de São Paulo.

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Tabela 17 – Uma exposição que iria se tivesse que escolher * Relação com a arte contemporânea agrupada Crosstabulation

Relação com a arte contemporânea agrupada

Total Gosto muito Gosto

Gosto com restrições/

mais ou menos

Não gosto

Sou indiferente/Indefinido

Uma exposição que iria se tivesse que escolher

Grandes mestres do renascimento italiano

Count 1 8 4 6 2 21

% within Uma exposição que iria se tivesse que escolher

4,8% 38,1% 19,0% 28,6% 9,5% 100,0%

Pintores impressionistas

Count 3 4 1 3 1 12

% within Uma exposição que iria se tivesse que escolher

25,0% 33,3% 8,3% 25,0% 8,3% 100,0%

Retrospectiva de Pablo Picasso

Count 2 9 2 1 4 18

% within Uma exposição que iria se tivesse que escolher

11,1% 50,0% 11,1% 5,6% 22,2% 100,0%

Artistas do modernismo brasileiro

Count 1 2 3 3 3 12

% within Uma exposição que iria se tivesse que escolher

8,3% 16,7% 25,0% 25,0% 25,0% 100,0%

Retrospectiva de Andy Warhol

Count 2 8 4 0 0 14

% within Uma exposição que iria se tivesse que escolher

14,3% 57,1% 28,6% ,0% ,0% 100,0%

Jovens artistas contemporâneos pouco conhecidos

Count 4 6 4 0 0 14

% within Uma exposição que iria se tivesse que escolher

28,6% 42,9% 28,6% ,0% ,0% 100,0%

Documenta de Kassel Count 1 2 2 0 0 5

% within Uma exposição que iria se tivesse que escolher

20,0% 40,0% 40,0% ,0% ,0% 100,0%

Não saberia escolher, pois não conheço nada disso

Count 0 0 0 0 1 1

% within Uma exposição que iria se tivesse que escolher

,0% ,0% ,0% ,0% 100,0% 100,0%

Não saberia escolher, pois não tenho preferência

Count 0 0 0 0 1 1

% within Uma exposição que iria se tivesse que escolher

,0% ,0% ,0% ,0% 100,0% 100,0%

Nenhuma Count 0 0 0 1 0 1

% within Uma exposição que iria se tivesse que escolher

,0% ,0% ,0% 100,0% ,0% 100,0%

Total Count 14 39 20 14 12 99

% within Uma exposição que iria se tivesse que escolher

14,1% 39,4% 20,2% 14,1% 12,1% 100,0%

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11 - Recodificação da variável “frequência com que assiste a TV” Por reunir muitas categorias, resolvi recodificar essa variável, pois não faria sentido para a pesquisa perceber a diferença entre tantas ordenações. Em vez de mensurar essa frequência por quantidade de horas ou vezes no mês ou no ano com que o visitante assistia a TV, como fiz no question|rio, optei por utilizar na an|lise as categorias “Sempre/Quase sempre”, “De vez em quando” e “Raramente/Nunca”, após verificar a distribuiç~o dos dados original. O nível de mensuração ordinal foi mantido. Para fazer o reagrupamento, as duas primeiras categorias originais, como se vê na tabela 19 (abaixo), se transformaram em “Sempre/Quase sempre”, a terceira e a quarta, em“De vez em quando” e as quatro últimas (menores níveis dessa frequência), em “Raramente/Nunca”.

Tabela 19 – Com que freqüência assiste a televisão

Frequency Percent Valid Percent

Cumulative Percent

Valid Mais de 4 horas/dia 8 8,0 8,0 8,0

2 a 4 horas/dia 17 17,0 17,0 25,0

Até 2 horas/dia 37 37,0 37,0 62,0

Entre 1 e 4 vezes por semana 28 28,0 28,0 90,0

2 a 3 vezes no mês 2 2,0 2,0 92,0

1 vez no mês 2 2,0 2,0 94,0

Raramente no ano 4 4,0 4,0 98,0

Nunca 2 2,0 2,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

Tabela 20 – Frequência com que assiste a TV recodificada

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid Sempre ou quase sempre 25 25,0 25,0 25,0

De vez em quando 65 65,0 65,0 90,0

Raramente/Nunca 10 10,0 10,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

12 - Recodificação da variável “frequência com que vai a espetáculos de dança” Para melhorar a distribuição das categorias, resolvi recodificar a variável, mantendo o seu nível de mensuraç~o ordinal. A partir da recodificaç~o, juntei as vari|veis “Sempre” e “Quase sempre” em uma só. Divis~o semelhante foi feita na vari|vel “frequência com que tinha contato com artes pl|sticas na inf}ncia e adolescência”. As tabelas da distribuiç~o original e da distribuiç~o da variável recodificada no SPSS encontram-se na página a seguir. A partir desse reagrupamento, a variável relativa à freqüência em dança passou a ter quatro categorias: “Sempre ou quase sempre”, “De vez em quando”, “Raramente” e “Nunca” (que aqui tem uma funç~o importante, pois apresenta o percentual de quem nunca teve contato com a dança).

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Tabela 21 – Frequência com que vai a espetáculos de dança

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid Sempre 3 3,0 3,0 3,0

Quase sempre 13 13,0 13,0 16,0

De vez em quando 27 27,0 27,0 43,0

Raramente 33 33,0 33,0 76,0

Nunca 24 24,0 24,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

Tabela 22 – Frequência com que vai a espetáculos de dança recodificada

Frequency Percent Valid Percent

Cumulative

Percent

Valid Sempre ou quase sempre 16 16,0 16,0 16,0

De vez em quando 27 27,0 27,0 43,0

Raramente 33 33,0 33,0 76,0

Nunca 24 24,0 24,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

13 - Recodificação da variável “tipo de dança que vê mais” Para melhorar a distribuição das categorias, recodifiquei a variável, mantendo o seu nível de mensuração nominal. Para tanto, observei as semelhanças entre as categorias da dança, procurando diferenciar os paradigmas artísticos moderno e contemporâneo. A divisão ficou ent~o da seguinte forma: “Balés (cl|ssico e moderno)”, “Dança contempor}nea e performance”, “Outras danças (sal~o, dos povos etc.)” e “Sem preferência”. Os missings se referem ao “n~o se aplica”, representado por aqueles que disseram nunca assistir a espet|culos de dança. Tabela 23 – Que tipo de dança vê mais

Frequency Percent Valid Percent

Cumulative Percent

Valid Balé clássico 9 9,0 11,8 11,8

Balé moderno 2 2,0 2,6 14,5

Musicais 8 8,0 10,5 25,0

Dança contemporânea e performances

43 43,0 56,6 81,6

Dança de salão 3 3,0 3,9 85,5

Danças representativas de culturas e países

8 8,0 10,5 96,1

Varia, não tenho preferência 3 3,0 3,9 100,0

Total 76 76,0 100,0

Missing 99 24 24,0

Total 100 100,0

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Tabela 24 – Tipo de dança que vê mais recodificada

Frequency Percent Valid Percent

Cumulative Percent

Valid Balés (clássico e moderno) 19 19,0 25,0 25,0

Dança contemporânea e performance

43 43,0 56,6 81,6

Outras danças 11 11,0 14,5 96,1

Sem preferência declarada 3 3,0 3,9 100,0

Total 76 76,0 100,0

Missing System 24 24,0

Total 100 100,0

14 - Frequência de contato com artes plásticas na infância e adolescência (tabela de frequências)

Tabela 25 – Frequência de contato com artes plásticas na infância e adolescência recodificada

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid Sempre ou quase sempre 33 33,0 33,0 33,0

De vez em quando 25 25,0 25,0 58,0

Raramente 29 29,0 29,0 87,0

Nunca 13 13,0 13,0 100,0

Total 100 100,0 100,0 15 - Frequência de contato com arte de forma geral atualmente (tabela de frequências)

Tabela 26 – Frequência do contato com arte de forma geral atualmente

Frequency Percent Valid Percent Cumulative

Percent

Valid Diariamente ou quase diariamente

73 73,0 73,0 73,0

Uma ou mais vezes por semana

16 16,0 16,0 89,0

2 a 3 vezes por mês 6 6,0 6,0 95,0

1 vez por mês 4 4,0 4,0 99,0

3 ou 4 vezes por ano 1 1,0 1,0 100,0

Total 100 100,0 100,0 16 - Frequências dos contatos por linguagem (tabela de frequências) Tabela 27 – Frequência do contato com arte de forma geral atualmente

Percentual Artes plásticas/artes visuais 32% Cinema 53,6% Música 53,6% Teatro 13,4% Literatura 41,2%

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Apêndice 3

TRATAMENTOS ESTATÍSTICOS DOS DADOS (2) 110 Referentes ao capítulo 3

Teste da hipótese 2 (reelaborada)

1 - Quanto menor o nível de escolaridade e menos frequente for o hábito de acompanhar a

produção de arte contemporânea (juízos), menor o apreço pela arte contemporânea.111

Para testar esta hipótese, optei por realizar dois testes de correlação entre a variável

“relaç~o com a arte contempor}nea (agrupada)” e as vari|veis “nível de escolaridade

(recodificada)” e “frequência com que acompanha a arte contempor}nea”. Sendo todas essas

variáveis ordinais, optei por realizar o teste de correlação Gamma, considerando a variável

“relaç~o com a arte contempor}nea (agrupada)” como dependente.

1.a – Nível de escolaridade x Relação com a arte contemporânea

O primeiro teste Gamma forneceu as seguintes tabelas (tabela das porcentagens na página a

seguir):

Tabela 1 – Case Processing Summary

Cases

Valid Missing Total

N Percent N Percent N Percent

Nível de escolaridade recodificada * Relação com a arte contemporânea agrupada 99 99,0% 1 1,0% 100 100,0%

Tabela 3 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,000 ,133 ,000 1,000

N of Valid Cases 99 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

O valor de Gamma (0,0005) indica que não houve nenhuma correlação e o valor da

significância (1,0; p>0,10) aponta que não houve uma correlação estatisticamente

significativa, ao nível de confiança de 90%, entre as vari|veis “relação com a arte

contempor}nea” e “nível de escolaridade” (a an|lise dos percentuais desse cruzamento est|

no corpo da dissertação, capítulo 3). Pelo resultado do teste, aceita-se, portanto, a hipótese

nula, concluindo-se que não há correlação entre as variáveis analisadas. Mais detalhes da

interpretação do teste no corpo da dissertação.

110 Cruzamento de dados realizado através do SPSS. Inclui tabelas complementares utilizadas na análise e no teste das hipóteses. A tabela de referência para os intervalos dos graus de correlação está no anexo 1. 111 Essa hipótese também será testada a partir da relação com algumas obras expostas na Bienal de São Paulo, analisada no capítulo 4.

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1.b – Frequência com que acompanha a arte contemporânea (recodificada) x Relação

com a arte contemporânea (agrupada)

Por apresentar algumas categorias semelhantes entre si, optei por recodificar a variável

“frequência com que acompanha a arte contempor}nea”, reagrupando-a em três novas

categorias (“Sempre”, “De vez em quando” e “Raramente/nunca”). Para realizar essa

operação, analisei a distribuição dos dados, como mostra a tabela a seguir:

Tabela 4 – Frequência com que acompanha arte contemporânea

Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent

Valid Diariamente ou quase diariamente 26 26,0 26,0 26,0

Uma ou mais vezes por semana 14 14,0 14,0 40,0

2 a 3 vezes por mês 8 8,0 8,0 48,0

1 vez por mês 14 14,0 14,0 62,0

3 ou 4 vezes por ano 11 11,0 11,0 73,0

1 ou 2 vezes por ano 18 18,0 18,0 91,0

Nunca 9 9,0 9,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

Uma vez analisada, recodifiquei a variável no SPSS e obtive a seguinte distribuição:

Tabela 2 – Nível de escolaridade recodificada * Relação com a arte contemporânea agrupada Crosstabulation

Relação com a arte contemporânea agrupada

Total Gosto muito Gosto

Gosto com restrições/

mais ou menos Não gosto

Sou indiferente/I

ndefinido

Nível de escolaridade recodificada

Pós-graduação Count 3 14 8 4 2 31

% within Nível de escolaridade recodificada

9,7% 45,2% 25,8% 12,9% 6,5% 100,0%

Graduação Count 8 19 11 9 7 54

% within Nível de escolaridade recodificada

14,8% 35,2% 20,4% 16,7% 13,0% 100,0%

Até ensino médio

Count 3 6 1 1 3 14

% within Nível de escolaridade recodificada

21,4% 42,9% 7,1% 7,1% 21,4% 100,0%

Total Count 14 39 20 14 12 99

% within Nível de escolaridade recodificada

14,1% 39,4% 20,2% 14,1% 12,1% 100,0%

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180

Tabela 5 – Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada

Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent

Valid Sempre 26 26,0 26,0 26,0

De vez em quando 36 36,0 36,0 62,0

Raramente/ Nunca

38 38,0 38,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

Após recodificar a variável acima, realizei o teste Gamma (ordinal x ordinal) para averiguar a

correlaç~o entre “freqüência com que acompanha a arte contempor}nea” e “relaç~o com a

arte contempor}nea”, obtendo as seguintes tabelas no SPSS:

Tabela 6 - Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada * Relação com a arte contemporânea agrupada Crosstabulation

Tabela 7 - Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,269 ,119 2,219 ,026

N of Valid Cases 99 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Pelos dados expressos na tabela acima, o valor de Gamma (0,269) indica que houve

uma correlação baixa, ao passo que o valor da significância (0,026; p<0,05) aponta que houve

Relação com a arte contemporânea agrupada

Total Gosto muito Gosto

Gosto com restrições/mais ou menos Não gosto

Sou indiferente/I

ndefinido

Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada

Sempre Count 5 8 9 2 2 26

% within Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada

19,2% 30,8% 34,6% 7,7% 7,7% 100,0%

De vez em quando

Count 7 17 8 3 1 36

% within Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada

19,4% 47,2% 22,2% 8,3% 2,8% 100,0%

Nunca/ Raramente

Count 2 14 3 9 9 37

% within Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada

5,4% 37,8% 8,1% 24,3% 24,3% 100,0%

Total Count 14 39 20 14 12 99

% within Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada

14,1% 39,4% 20,2% 14,1% 12,1% 100,0%

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181

uma correlação estatisticamente significativa, ao nível de confiança de 90% e 95%, entre as

vari|veis “relaç~o com a arte contempor}nea” e “freqüência com que acompanha a arte

contempor}nea” (a an|lise dos percentuais desse cruzamento est| no corpo da dissertaç~o,

capítulo 3). Pelo resultado do teste, aceita-se, portanto, a hipótese de trabalho (ou rejeita-se

a hipótese nula), concluindo-se que há uma correlação baixa estatisticamente significativa

entre as variáveis analisadas. Mais detalhes da interpretação do teste no corpo da

dissertação.

Outros cruzamentos não previstos pelas hipóteses 1.c - Nível de escolaridade x Artistas plásticos favoritos (preferências artísticas)

Por se tratar de uma variável ordinal e outra nominal, o teste utilizado foi o Gamma, que

gerou as seguintes tabelas:

Tabela 8 – Nível de escolaridade recodificada * Artistas plásticos favoritos agrupados Crosstabulation

Artistas plásticos favoritos agrupados

Total Artistas

consagrados Artistas

contemporâneos Artistas

"pop" Artistas

outsiders

Não sei / Não tenho

preferência

Nível de escolaridade recodificada

Pós-Graduação

Count 17 7 4 3 0 31

% within Nível de escolaridade recodificada

54,8% 22,6% 12,9% 9,7% ,0% 100,0%

Graduação Count 27 7 5 2 14 55

% within Nível de escolaridade recodificada

49,1% 12,7% 9,1% 3,6% 25,5% 100,0%

Até o ensino médio

Count 7 0 1 1 5 14

% within Nível de escolaridade recodificada

50,0% ,0% 7,1% 7,1% 35,7% 100,0%

Total Count 51 14 10 6 19 100

% within Nível de escolaridade recodificada

51,0% 14,0% 10,0% 6,0% 19,0% 100,0%

Tabela 9 - Symmetric Measures

Value Asymp. Std.

Errora Approx. Tb Approx.

Sig.

Ordinal by Ordinal

Gamma ,224 ,132 1,663 ,096

N of Valid Cases 100 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Pelos dados expressos na tabela acima, o valor de Gamma (0,224) indica que houve

uma correlação positiva baixa, ao passo que o valor da significância (0,096; p<0,10) aponta que existiu uma correlação estatisticamente significativa, ao nível de confiança de 90%, entre as vari|veis “nível de escolaridade” e “artistas favoritos”. Pelo resultado do teste, conclui-se que houve uma correlação estatisticamente significativa entre as variáveis analisadas, em um grau de correlação baixa. Maiores detalhes da análise no corpo da dissertação. 2 - Profissão x Artistas plásticos favoritos (preferências artísticas)

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182

Para cruzar essas variáveis, ambas nominais, realizei no SPSS o teste V de Cramer, que gerou

as seguintes tabelas:

Tabela 10 – Profissão recodificada * Artistas plásticos favoritos agrupados Crosstabulation

Artistas plásticos favoritos agrupados

Total Artistas

consagrados Artistas

contemporâneos Artistas

"pop" Artistas

outsiders

Não sei / Não tenho preferênci

a

Profissão recodificada

Profissão ligada à arte

Count 12 6 1 1 1 21

% within Profissão recodificada

57,1% 28,6% 4,8% 4,8% 4,8% 100,0%

Profissão ligada indiretamente à arte

Count 13 4 4 2 3 26

% within Profissão recodificada

50,0% 15,4% 15,4% 7,7% 11,5% 100,0%

Profissão não ligada à arte

Count 26 4 5 3 15 53

% within Profissão recodificada

49,1% 7,5% 9,4% 5,7% 28,3% 100,0%

Total Count 51 14 10 6 19 100

% within Profissão recodificada

51,0% 14,0% 10,0% 6,0% 19,0% 100,0%

Tabela 11 – Chi-Square Tests

Value df Asymp. Sig. (2-sided)

Pearson Chi-Square 11,948a 8 ,154

Likelihood Ratio 12,322 8 ,137

Linear-by-Linear Association 4,575 1 ,032

N of Valid Cases 100 a. 9 cells (60,0%) have expected count less than 5. The minimum expected count is 1,26.

Tabela 12 – Symmetric Measures

Value Approx. Sig.

Nominal by Nominal Phi ,346 ,154

Cramer's V ,244 ,154

N of Valid Cases 100

Pelos dados expressos na tabela 11, o valor do Qui-quadrado (Chi-square), maior que

0,10 (referência aqui adotada para o nível de confiança de 90%), indica que não houve uma

relação de dependência entre as variáveis e, portanto, que não existiu uma correlação

estatisticamente significativa entre “profissão” e “preferências artísticas”. Se esse valor

estivesse dentro dos padrões de segurança, notaríamos que o coeficiente V de Cramer

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183

(0,244) apontaria uma correlação baixa entre essas variáveis, que pode ser observada pelas

diferenças entre os percentuais de cada grupo da tabela 13. Mais detalhes da análise do teste

no corpo da dissertação.

3 - Frequência de contato com artes plásticas na infância e adolescência112 x Artistas plásticos favoritos (preferências artísticas) Para melhor definir as categorias da primeira variável, resolvi recodificá-la, agrupando as categorias “Sempre” e “Quase sempre” em uma só (o processo da recodificação está no apêndice 4). Para testar a correlaç~o com a vari|vel “artistas plásticos favoritos” (nominal), utilizei o teste Gamma, que gerou as seguintes tabelas: Tabela 13 – Frequência de contato com artes plásticas na infância e adolescência recodificada

* Artistas plásticos favoritos agrupados Crosstabulation

Artistas plásticos favoritos agrupados

Total

Artistas consagra

dos

Artistas contempo

râneos Artistas

"pop" Artistas

outsiders

Não sei / Não

tenho preferênc

ia

Frequência de contato com artes plasticas na infancia e adolescencia recodificada

Sempre ou quase sempre

Count 20 7 3 2 1 33

% within Frequência de contato com artes plásticas na infância e adolescência recodificada

60,6% 21,2% 9,1% 6,1% 3,0% 100,0%

De vez em quando

Count 16 5 1 2 1 25

% within idem 64,0% 20,0% 4,0% 8,0% 4,0% 100,0%

Raramente Count 11 2 5 2 9 29

% within idem 37,9% 6,9% 17,2% 6,9% 31,0% 100,0%

Nunca Count 4 0 1 0 8 13

% within idem 30,8% ,0% 7,7% ,0% 61,5% 100,0%

Total Count 51 14 10 6 19 100

% within idem 51,0% 14,0% 10,0% 6,0% 19,0% 100,0%

Tabela 14 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,433 ,108 3,668 ,000

N of Valid Cases 100 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

112

Variável recodificada.

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184

Os valores do coeficiente Gamma (0,433) e da significância (0,0005; p<0,01) indicam que houve uma associação moderada entre as variáveis testadas acima. Isso significa dizer que existiu uma correlação estatisticamente significativa, para o nível de confiança de 99% (não apenas de 90%), entre as variáveis “frequência de contato com artes pl|sticas na inf}ncia e adolescência” x “artistas plásticos favoritos”. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, no capítulo 3. 4 - Influência da família x Artistas plásticos favoritos (preferências artísticas) Por se tratar de uma variável nominal dicotômica e outra nominal, realizei o teste V de Cramer, utilizando o tratamento estatístico qui-quadrado para averiguar a significância estatística. O cruzamento entre as variáveis gerou as seguintes tabelas:

Tabela 15 – Influência da família * Artistas plásticos favoritos agrupados Crosstabulation

Artistas plásticos favoritos agrupados

Total

Artistas consagra

dos

Artistas contemporâne

os Artistas

"pop" Artistas

outsiders

Não sei / Não tenho preferênci

a

Influência da família

Sim Count 26 10 5 4 3 48

% within Influência da família

54,2% 20,8% 10,4% 8,3% 6,3% 100,0%

Não Count 21 4 4 2 8 39

% within Influência da família

53,8% 10,3% 10,3% 5,1% 20,5% 100,0%

Total Count 47 14 9 6 11 87

% within Influência da família

54,0% 16,1% 10,3% 6,9% 12,6% 100,0%

Tabela 16 – Chi-Square Tests

Value df Asymp. Sig. (2-sided)

Pearson Chi-Square 5,279a 4 ,260

Likelihood Ratio 5,406 4 ,248

Linear-by-Linear Association 1,385 1 ,239

N of Valid Cases 87 a. 5 cells (50,0%) have expected count less than 5. The minimum expected count is 2,69.

Tabela 17 – Symmetric Measures

Value Approx. Sig.

Nominal by Nominal Phi ,246 ,260

Cramer's V ,246 ,260

N of Valid Cases 87

Pelos dados expressos na tabela 16, o valor do Qui-quadrado (Chi-square), maior que

0,10 (para o nível de confiança de 90%), indica que não houve uma relação de dependência

entre as variáveis e, portanto, que não houve uma correlação estatisticamente significativa

entre “influência da família” e “preferências artísticas”. Se esse valor estivesse dentro dos

padrões de segurança, notaríamos que o valor do V de Cramer (0,246) apontaria uma

correlação baixa entre essas variáveis, que pode ser observada pelas diferenças entre os

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185

percentuais de cada grupo da tabela 15. Mais detalhes da análise do teste no corpo da

dissertação, capítulo 3.

5 - Influência da escola x Artistas plásticos favoritos (preferências artísticas) Por se tratar de uma variável nominal dicotômica e outra nominal, realizei o teste V de Cramer, utilizando o Qui-quadrado para averiguar a significância estatística. O cruzamento entre as variáveis gerou, no SSPP, as seguintes tabelas: Tabela 18 – Influência da escola * Artistas plásticos favoritos agrupados Crosstabulation

Artistas plásticos favoritos agrupados

Total Artistas

consagrados

Artistas contemporâ

neos Artistas

"pop" Artistas

outsiders

Não sei / Não tenho

preferência

Influência da escola

Sim Count 23 4 9 2 8 46

% within Influência da escola

50,0% 8,7% 19,6% 4,3% 17,4% 100,0%

Não Count 23 10 0 4 3 40

% within Influência da escola

57,5% 25,0% ,0% 10,0% 7,5% 100,0%

Total Count 46 14 9 6 11 86

% within Influência da escola

53,5% 16,3% 10,5% 7,0% 12,8% 100,0%

Tabela 19 – Chi-Square Tests

Value df Asymp. Sig. (2-

sided)

Pearson Chi-Square 14,161a 4 ,007

Likelihood Ratio 17,752 4 ,001

Linear-by-Linear Association 2,118 1 ,146

N of Valid Cases 86 a. 4 cells (40,0%) have expected count less than 5. The minimum expected count is 2,79.

Tabela 20 – Symmetric Measures

Value Approx. Sig.

Nominal by Nominal Phi ,406 ,007

Cramer's V ,406 ,007

N of Valid Cases 86

Pelos dados expressos na tabela 19, o valor do Qui-quadrado (Chi-square), menor que

0,01 (para o nível de confiança de 99%), indica que houve uma relação de dependência entre

as variáveis e, portanto, que existiu uma correlação estatisticamente significativa entre

“influência da escola” e “preferências artísticas”. O valor do V de Cramer (0,406) aponta uma

correlação moderada entre essas variáveis, que pode ser observada pelos percentuais de

cada grupo da tabela 18. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, capítulo 3.

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6 - Frequência com que assiste a TV113 x Artistas plásticos favoritos (preferências artísticas) Por se tratar de uma variável ordinal e outra de caráter nominal, realizei o teste Gamma, que gerou, no SSPP, as seguintes tabelas:

Tabela 22 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma -,195 ,159 -1,207 ,227

N of Valid Cases 100

a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Os valores do coeficiente Gamma (0,195) e da significância (0,227; p>0,10) indicam que

não houve uma correlação estatisticamente significativa, ao nível de confiança de 90%, entre as variáveis testadas acima. Se o valor da significância estivesse dentro dos padrões confiáveis para uma afirmação estatística, haveria, pelo valor de Gamma, uma associação baixa entre as variáveis. Mais detalhes da análise deste teste no corpo da dissertação, capítulo 3.

7 - Frequência com que vai a espetáculos de dança114 x Artistas plásticos favoritos (preferências artísticas) Por se tratar de uma variável ordinal e outra de caráter nominal, realizei o teste Gamma, que gerou, no SSPP, as seguintes tabelas:

113

Variável recodificada (detalhes no apêndice 4 deste trabalho). 114

Variável recodificada (detalhes no apêndice 4 deste trabalho).

Tabela 21 – Frequência com que assiste a TV recodificada * Artistas plásticos favoritos agrupados Crosstabulation

Artistas plásticos favoritos agrupados

Total

Artistas consagrado

s

Artistas contempor

âneos Artistas

"pop" Artistas

outsiders

Não sei / Não tenho

preferência

Frequência com que assiste a TV recodificada

Sempre ou quase sempre

Count 10 2 2 1 10 25

% within Frequência com que assiste a TV recodificada

40,0% 8,0% 8,0% 4,0% 40,0% 100,0%

De vez em quando Count 37 10 8 3 7 65

% within idem 56,9% 15,4% 12,3% 4,6% 10,8% 100,0%

Raramente/Nunca Count 4 2 0 2 2 10

% within idem 40,0% 20,0% ,0% 20,0% 20,0% 100,0%

Total Count 51 14 10 6 19 100

% within idem 51,0% 14,0% 10,0% 6,0% 19,0% 100,0%

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187

Tabela 24 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,117 ,120 ,972 ,331

N of Valid Cases 100 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Os valores do coeficiente Gamma (0,117) e da significância (0,331; p>0,10) indicam que não houve uma correlação estatisticamente significativa, ao nível de confiança de 90%, entre as variáveis testadas acima. Se o valor da significância estivesse dentro dos padrões confiáveis para uma afirmação estatística, haveria, pelo valor de Gamma, uma associação baixa entre as variáveis. Mais detalhes da análise deste teste no corpo da dissertação, capítulo 3.

8 - Tipo de dança que vê mais115 x Artistas favoritos (preferências artísticas) Por se tratar de variáveis nominais, o teste escolhido foi V de Cramer, utilizando o Qui-

quadrado para averiguar a significância estatística. O teste gerou estas tabelas:

115 Variável recodificada (detalhes no apêndice 4 deste trabalho).

Tabela 23 – Frequência com que vai a espetáculos de dança recodificada * Artistas plásticos favoritos agrupados Crosstabulation

Artistas plásticos favoritos agrupados

Total

Artistas consagrad

os

Artistas contempor

âneos Artistas

"pop" Artistas

outsiders

Não sei / Não tenho preferênci

a

Frequência com que vai a espetáculos de dança recodificada

Sempre ou quase sempre

Count 6 5 2 1 2 16

% within Frequência com que vai a espetáculos de dança recodificada

37,5% 31,3% 12,5% 6,3% 12,5% 100,0%

De vez em quando Count 15 4 2 3 3 27

% within idem 55,6% 14,8% 7,4% 11,1% 11,1% 100,0%

Raramente Count 21 4 2 1 5 33

% within idem 63,6% 12,1% 6,1% 3,0% 15,2% 100,0%

Nunca Count 9 1 4 1 9 24

% within idem 37,5% 4,2% 16,7% 4,2% 37,5% 100,0%

Total Count 51 14 10 6 19 100

% within idem 51,0% 14,0% 10,0% 6,0% 19,0% 100,0%

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188

Tabela 25 – Tipo de dança que vê mais recodificada * Artistas plásticos favoritos agrupados Crosstabulation

Artistas plásticos favoritos agrupados

Total

Artistas consagrad

os

Artistas contempo

râneos Artistas

"pop" Artistas

outsiders

Não sei / Não tenho preferênci

a

Tipo de dança que vê mais recodificada

Balés (clássico e moderno)

Count 12 1 1 2 3 19

% within Tipo de dança que vê mais recodificada

63,2% 5,3% 5,3% 10,5% 15,8% 100,0%

Dança contemporânea e performance

Count 18 11 5 3 6 43

% within idem 41,9% 25,6% 11,6% 7,0% 14,0% 100,0%

Outras danças Count 10 0 0 0 1 11

% within idem 90,9% ,0% ,0% ,0% 9,1% 100,0%

Sem preferência declarada

Count 2 1 0 0 0 3

% within idem 66,7% 33,3% ,0% ,0% ,0% 100,0%

Total Count 42 13 6 5 10 76

% within idem 55,3% 17,1% 7,9% 6,6% 13,2% 100,0%

Tabela 26 – Chi-Square Tests

Value df Asymp. Sig. (2-sided)

Pearson Chi-Square 13,985a 12 ,302

Likelihood Ratio 18,095 12 ,113

Linear-by-Linear Association 1,884 1 ,170

N of Valid Cases 76 a. 15 cells (75,0%) have expected count less than 5. The minimum expected count is ,20.

Tabela 27 – Symmetric Measures

Value Approx. Sig.

Nominal by Nominal Phi ,429 ,302

Cramer's V ,248 ,302

N of Valid Cases 76

De acordo com os dados da tabela 26, o valor do Qui-quadrado (Chi-square), maior

que 0,10 (para o nível de confiança de 90%), indica que não houve uma relação de

dependência estatística entre as variáveis analisadas. Se houvesse, o valor do V de Cramer

(0,248) apontaria uma correlaç~o baixa entre as vari|veis “tipo de dança que vê mais”

(recodificada) e “preferências artísticas”, que pode ser observada pelos percentuais de cada

grupo da tabela 25 (acima). O resultado do teste foi de que não houve uma correlação

estatisticamente significativa entre as variáveis. Mais detalhes dessa análise no corpo da

dissertação, capítulo 3.

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189

9 - Frequência com que vai a espetáculos de dança x Frequência com que acompanha arte contemporânea116 Por se tratar duas variáveis ordinais, realizei o teste Gamma, que gerou, no SSPP, as seguintes tabelas:

Tabela 28 – Frequência com que vai a espetáculos de dança recodificada * Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada Crosstabulation

Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada

Total

Sempre ou quase sempre

De vez em quando

Raramente/Nunca

Frequência com que vai a espetáculos de dança recodificada

Sempre ou quase sempre

Count 11 3 2 16

% within Frequência com que vai a espetáculos de dança recodificada

68,8% 18,8% 12,5% 100,0%

De vez em quando Count 5 13 9 27

% within idem 18,5% 48,1% 33,3% 100,0%

Raramente Count 4 13 16 33

% within idem 12,1% 39,4% 48,5% 100,0%

Nunca Count 6 7 11 24

% within idem 25,0% 29,2% 45,8% 100,0%

Total Count 26 36 38 100

% within idem 26,0% 36,0% 38,0% 100,0%

Tabela 29 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,337 ,124 2,622 ,009

N of Valid Cases 100

a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Os valores do coeficiente Gamma (0,337) e da significância (0,009; p<0,01) indicam que

houve uma correlação estatisticamente significativa, ao nível de confiança de 99%, entre as variáveis testadas acima. Pelo valor de Gamma, o grau dessa associação se mostrou moderado. Mais detalhes da análise no corpo da dissertação, capítulo 3.

10 - Nível de escolaridade x Frequência com que acompanha arte contemporânea117 Por se tratar duas variáveis ordinais, realizei o teste Gamma, que gerou, no SSPP, as seguintes tabelas:

116 Variáveis recodificadas. 117 Variáveis recodificadas.

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190

Tabela 30 – Nível de escolaridade recodificada * Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada Crosstabulation

Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada

Total Sempre De vez em

quando Raramente/

Nunca

Nível de escolaridade recodificada

Pós-graduação Count 9 16 6 31

% within Nível de escolaridade recodificada

29,0% 51,6% 19,4% 100,0%

Graduação Count 15 15 25 55

% within Nível de escolaridade recodificada

27,3% 27,3% 45,5% 100,0%

Até ensino médio

Count 2 5 7 14

% within Nível de escolaridade recodificada

14,3% 35,7% 50,0% 100,0%

Total Count 26 36 38 100

% within Nível de escolaridade recodificada

26,0% 36,0% 38,0% 100,0%

Tabela 31 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std.

Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,288 ,125 2,255 ,024

N of Valid Cases 100 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Os valores do coeficiente Gamma (0,288) e da significância (0,024; p<0,10 e p<0,05)

indicam que houve uma correlação estatisticamente significativa, ao nível de confiança de 90%, entre as variáveis testadas acima. Pelo valor de Gamma no intervalo entre 0,10 e 0,29, o grau dessa associação se mostrou baixo. Mais detalhes da análise deste teste no corpo da dissertação, capítulo 3. 11 - Contato com artes plásticas/visuais x Frequência com que acompanha arte contemporânea Por se tratar de uma variável nominal dicotômica e outra ordinal, optei por realizar no SPSS o

teste Gamma, que gerou as seguintes tabelas:

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Tabela 32 Contato - Artes plásticas/visuais * Frequência com que acompanha arte contemporânea recodificada Crosstabulation

Frequência com que acompanha arte contemporânea recodificada

Total Sempre De vez em

quando Raramente/

Nunca

Contato - Artes plásticas/visuais

Sim Count 18 10 3 31

% within Contato - Artes plásticas/visuais

58,1% 32,3% 9,7% 100,0%

Não Count 7 25 34 66

% within Contato - Artes plásticas/visuais

10,6% 37,9% 51,5% 100,0%

Total Count 25 35 37 97

% within Contato - Artes plásticas/visuais

25,8% 36,1% 38,1% 100,0%

Tabela 33 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,788 ,085 5,927 ,000

N of Valid Cases 97 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Os valores do coeficiente Gamma (0,788) e da significância (0,0005; p<0,01) indicam que houve uma correlação estatisticamente significativa, ao nível de confiança de 99%, entre as variáveis testadas acima. Pelo valor de Gamma, o grau dessa associação se mostrou forte. Mais detalhes da análise no corpo da dissertação, capítulo 3.

12 - Contato com cinema x Frequência com que acompanha arte contemporânea Por se tratar de uma variável nominal dicotômica e outra ordinal, optei por realizar no SPSS o

teste Gamma, que gerou as seguintes tabelas:

Tabela 34 – Contato - Cinema * Frequência com que acompanha arte contemporânea recodificada Crosstabulation

Frequência com que acompanha arte contemporânea recodificada

Total Sempre De vez em

quando Raramente/Nunca

Contato - Cinema Sim Count 7 16 29 52

% within Contato - Cinema 13,5% 30,8% 55,8% 100,0%

Não Count 18 19 8 45

% within Contato - Cinema 40,0% 42,2% 17,8% 100,0%

Total Count 25 35 37 97

% within Contato - Cinema 25,8% 36,1% 38,1% 100,0%

Tabela 35 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma -,622 ,113 -4,608 ,000

N of Valid Cases 97 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

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Os valores do coeficiente Gamma (0,622) e da significância (0,0005; p<0,01) indicam que houve uma correlação estatisticamente significativa, ao nível de confiança de 99%, entre as variáveis testadas acima. Pelo valor de Gamma, o grau dessa associação se mostrou substancial. Mais detalhes da análise no corpo da dissertação, capítulo 3.

13 - Contato com música x Frequência com que acompanha arte contemporânea Por se tratar de uma variável nominal dicotômica e outra ordinal, optei por realizar no SPSS

o teste Gamma, que gerou as seguintes tabelas:

Tabela 36 – Contato - Música * Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada Crosstabulation

Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada

Total Sempre De vez em quando Raramente/Nunca

Contato - Música Sim Count 9 21 22 52

% within Contato - Música 17,3% 40,4% 42,3% 100,0%

Não Count 16 14 15 45

% within Contato - Música 35,6% 31,1% 33,3% 100,0%

Total Count 25 35 37 97

% within Contato - Música 25,8% 36,1% 38,1% 100,0%

Tabela 37 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma -,267 ,158 -1,640 ,101

N of Valid Cases 97

a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Os valores do coeficiente Gamma (0,267) e da significância (0,101; p>0,10) indicam que

não houve uma correlação estatisticamente significativa, ao nível de confiança de 90%, entre as variáveis testadas acima. Se arredondássemos o valor da significância para 0,10, o valor de Gamma apontaria um grau de associação baixo. Mais detalhes da análise no corpo da dissertação, capítulo 3.

14 - Contato com literatura x Artistas plásticos favoritos (preferências artísticas) Por se tratar de variáveis nominais, sendo a primeira dicotômica, o teste escolhido foi V de

Cramer, utilizando o qui-quadrado para averiguar a significância estatística. O tratamento

estatístico gerou as seguintes tabelas:

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Tabela 38 – Contato - Literatura * Artistas plásticos favoritos agrupados Crosstabulation

Artistas plásticos favoritos agrupados

Total

Artistas consagrado

s

Artistas contempor

âneos Artistas

"pop" Artistas

outsiders

Não sei / Não tenho

preferência

Contato – Literatura

Sim Count 26 6 5 1 2 40

% within Contato - Literatura

65,0% 15,0% 12,5% 2,5% 5,0% 100,0%

Não Count 24 7 5 5 16 57

% within Contato - Literatura

42,1% 12,3% 8,8% 8,8% 28,1% 100,0%

Total Count 50 13 10 6 18 97

% within Contato - Literatura

51,5% 13,4% 10,3% 6,2% 18,6% 100,0%

Tabela 39 – Chi-Square Tests

Value df Asymp. Sig. (2-sided)

Pearson Chi-Square 11,073a 4 ,026

Likelihood Ratio 12,469 4 ,014

Linear-by-Linear Association 9,615 1 ,002

N of Valid Cases 97 a. 3 cells (30,0%) have expected count less than 5. The minimum expected count is 2,47.

Tabela 40 – Symmetric Measures

Value Approx. Sig.

Nominal by Nominal Phi ,338 ,026

Cramer's V ,338 ,026

N of Valid Cases 97

O valor do Qui-quadrado (Chi-square), menor que 0,05 (para o nível de confiança de

95%), indica uma relação de dependência estatística entre as variáveis analisadas. O valor do

V de Cramer (0,338), por sua vez, aponta que houve uma correlaç~o moderada entre “contato

com literatura” e “preferências artísticas”. O resultado do teste foi, portanto, de que houve

uma correlação estatisticamente significativa entre as variáveis. Mais detalhes da

interpretação do teste no corpo da dissertação, capítulo 3.

15 - Contato com literatura x Frequência com que acompanha arte contemporânea Por se tratar de uma variável nominal dicotômica e outra ordinal, optei por realizar no SPSS

o teste Gamma, que gerou as seguintes tabelas:

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Tabela 42 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,102 ,163 ,621 ,534

N of Valid Cases 97

a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Os valores do coeficiente Gamma (0,102) e da significância (0,534; p>0,10) indicam que

não houve uma correlação estatisticamente significativa, ao nível de confiança de 90%, entre as variáveis testadas acima. Mais detalhes da análise no corpo da dissertação, capítulo 3.

Tabela 41 – Contato Literatura * Frequência com que acompanha arte contemporânea recodificada Crosstabulation

Frequência com que acompanha arte contemporânea recodificada

Total Sempre De vez em

quando Raramente/Nunca

Contato – Literatura Sim Count 9 19 12 40

% within Contato - Literatura

22,5% 47,5% 30,0% 100,0%

Não Count 16 16 25 57

% within Contato - Literatura

28,1% 28,1% 43,9% 100,0%

Total Count 25 35 37 97

% within Contato - Literatura

25,8% 36,1% 38,1% 100,0%

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Apêndice 4 TRATAMENTOS ESTATÍSTICOS DOS DADOS (3) 118 Referentes ao capítulo 4

Tabelas de frequência Tabela 1 – Trabalho que gostou em especial

Frequency Percent Valid Percent

Cumulative Percent

Valid Inimigos 18 18,0 18,0 18,0

A origem do terceiro mundo 17 17,0 17,0 35,0

Longe daqui, aqui mesmo 5 5,0 5,0 40,0

A lapse of memory* 1 1,0 1,0 41,0

Luz natural* 2 2,0 2,0 43,0

The new classic of mountains and seas (1 e 2)*

1 1,0 1,0 44,0

Abajur* 1 1,0 1,0 45,0

Para no morir de hambre en el arte*

1 1,0 1,0 46,0

Pretty much every film...* 1 1,0 1,0 47,0

Paisagem 1 1,0 1,0 48,0

Menos valia* 1 1,0 1,0 49,0

Arroz e feijão* 2 2,0 2,0 51,0

Piano surdo* 2 2,0 2,0 53,0

O jardim* 3 3,0 3,0 56,0

Circle of animals 7 7,0 7,0 63,0

350 points towards infinity* 3 3,0 3,0 66,0

Escapement* 1 1,0 1,0 67,0

Multidão 1 1,0 1,0 68,0

WB 1 1,0 1,0 69,0

História do futuro (Nômade)* 1 1,0 1,0 70,0

Time divisa* 1 1,0 1,0 71,0

Las aventuras de Guille e Belinda...

2 2,0 2,0 73,0

Suíte safada 1 1,0 1,0 74,0

Memograma* 1 1,0 1,0 75,0

Ninhos 4 4,0 4,0 79,0

Nada levarei quando morrer...* 2 2,0 2,0 81,0

Lembrança e esquecimento 2 2,0 2,0 83,0

Monotipia (sem título) 1 1,0 1,0 84,0

Sobre este mesmo mundo* 1 1,0 1,0 85,0

The ballad of sexual dependency*

1 1,0 1,0 86,0

Static* 1 1,0 1,0 87,0

Efrain Almeida* 1 1,0 1,0 88,0

Sunrise* 1 1,0 1,0 89,0

Heptagon and optagon... 1 1,0 1,0 90,0

118 Inclui tabelas e cruzamento de dados realizado através do SPSS. A tabela de referência para os intervalos dos graus de correlação está no anexo 1.

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196

Os mestres e as criaturas novas*

1 1,0 1,0 91,0

Pixação SP (vídeo)* 2 2,0 2,0 93,0

Matéria noturna 1 1,0 1,0 94,0

Campos de cor 2 2,0 2,0 96,0

Performance (sem título)* 1 1,0 1,0 97,0

Nenhum específico 1 1,0 1,0 98,0

Faces and phases 1 1,0 1,0 99,0

Buraco negro* 1 1,0 1,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

*Trabalhos criados por meio de linguagens típicas da arte contemporânea (exceto as “interativas”).

Tabela 2 – Suporte do trabalho que GOSTOU em especial

Frequency Percent Valid Percent

Cumulative Percent

Valid Instalação* 17 17,0 17,2 17,2

Instalação interativa* 23 23,0 23,2 40,4

Vídeo/Filme/Projeção de imagens*

12 12,0 12,1 52,5

Escultura/Objeto 8 8,0 8,1 60,6

Pintura 1 1,0 1,0 61,6

Desenho 19 19,0 19,2 80,8

Gravura 1 1,0 1,0 81,8

Técnica mista 2 2,0 2,0 83,8

Fotografia 4 4,0 4,0 87,9

Fotografia em 3D 1 1,0 1,0 88,9

Performance* 1 1,0 1,0 89,9

Vários suportes reunidos* 2 2,0 2,0 91,9

Videoinstalação* 1 1,0 1,0 92,9

Terreiro* 7 7,0 7,1 100,0

Total 99 99,0 100,0

Missing 99 1 1,0

Total 100 100,0

*Linguagens típicas das artes visuais contemporâneas. A instalação interativa tem maior apelo popular dentro da arte contemporânea.

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Tabela 3 – Trabalho que NÃO GOSTOU em especial

Frequency Percent Valid Percent

Cumulative Percent

Valid Inimigos 1 1,0 1,0 1,0

Bandeira branca* 5 5,0 5,0 6,0

Longe daqui, aqui mesmo 6 6,0 6,0 12,0

Teignmouth electron* 2 2,0 2,0 14,0

Da inutilidade da utilidade da política da arte*

3 3,0 3,0 17,0

Cri du coeur* 1 1,0 1,0 18,0

Simultâneo, fragmentado, descontínuo*

6 6,0 6,0 24,0

RMB City* 2 2,0 2,0 26,0

Pretty much every film...* 2 2,0 2,0 28,0

Situação...orhhhh...* 1 1,0 1,0 29,0

Menos valia* 1 1,0 1,0 30,0

El alma nunca piensa sin imagen (escrivaninha repercussão)*

1 1,0 1,0 31,0

Piano surdo* 2 2,0 2,0 33,0

El Dorado* 4 4,0 4,0 37,0

Circle of animals 4 4,0 4,0 41,0

350 points towards infinity* 2 2,0 2,0 43,0

Escapement* 1 1,0 1,0 44,0

História do futuro (Módulo-cubo)*

1 1,0 1,0 45,0

Imagen de Caracas* 2 2,0 2,0 47,0

Inferninho 1 1,0 1,0 48,0

Pixação SP (desenhos) 1 1,0 1,0 49,0

Pixação SP (fotos) 1 1,0 1,0 50,0

Dissonant* 1 1,0 1,0 51,0

O sol me ensinou que a história não é tudo*

1 1,0 1,0 52,0

Untitled (papéis) 1 1,0 1,0 53,0

Beggars* 2 2,0 2,0 55,0

Adoração - Altar a Roberto Carlos*

1 1,0 1,0 56,0

Javavoa* 1 1,0 1,0 57,0

Plateia* 1 1,0 1,0 58,0

A pele do invisível* 1 1,0 1,0 59,0

Strassenfest* 1 1,0 1,0 60,0

Black of death for São Paulo* 1 1,0 1,0 61,0

Matéria noturna 1 1,0 1,0 62,0

Heptagon and optagon... 1 1,0 1,0 63,0

Pequeno Príncipe gigante 1 1,0 1,0 64,0

Nenhum específico 35 35,0 35,0 99,0

Eu sou a rua 1 1,0 1,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

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198

*Trabalhos criados por meio de linguagens típicas da arte contempor}nea (n~o “interativas”).

Tabela 4 – Suporte do trabalho que NÃO gostou em especial

Frequency Percent Valid Percent

Cumulative Percent

Valid Instalação* 28 28,0 43,1 43,1

Instalação interativa* 2 2,0 3,1 46,2

Vídeo/Filme/Projeção de imagens*

5 5,0 7,7 53,8

Escultura/Objeto 5 5,0 7,7 61,5

Pintura 1 1,0 1,5 63,1

Desenho 3 3,0 4,6 67,7

Técnica mista 1 1,0 1,5 69,2

Fotografia 2 2,0 3,1 72,3

Vários suportes reunidos* 5 5,0 7,7 80,0

Videoinstalação* 5 5,0 7,7 87,7

Terreiro* 8 8,0 12,3 100,0

Total 65 65,0 100,0

Missing 99 35 35,0

Total 100 100,0

*Linguagens típicas da arte contemporânea. A instalação interativa tem maior apelo popular dentro da arte contemporânea.

Tabela 5 – Grau de satisfação geral em relação às obras

Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent

Valid Gostei muito 33 33,0 33,0 33,0

Gostei 50 50,0 50,0 83,0

Gostei mais ou menos 14 14,0 14,0 97,0

Não gostei 2 2,0 2,0 99,0

Detestei 1 1,0 1,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

Tabela 6 – Se considera arte o trabalho que GOSTOU

Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent

Valid Sim 93 93,0 93,0 93,0

Não 6 6,0 6,0 99,0

Tenho dúvidas 1 1,0 1,0 100,0

Total 100 100,0 100,0

Tabela 7 – Se considera arte o trabalho que NÃO GOSTOU

Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent

Valid Sim 31 31,0 47,7 47,7

Não 33 33,0 50,8 98,5

Tenho dúvidas 1 1,0 1,5 100,0

Total 65 65,0 100,0 Missing* 99 35 35,0 Total 100 100,0 *Corresponde aos entrevistados que não citaram um trabalho que não gostaram.

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Inimigos (tabelas e testes)

Tabela 8 – Grau de satisfação com relação a Inimigos

Frequency Percent Valid Percent

Cumulative Percent

Valid Gostei muito 43 43,0 50,0 50,0

Gostei 28 28,0 32,6 82,6

Gostei mais ou menos 6 6,0 7,0 89,5

Não gostei 4 4,0 4,7 94,2

Detestei 3 3,0 3,5 97,7

Indiferente 2 2,0 2,3 100,0

Total 86 86,0 100,0

Missing 97 1 1,0

99* 13 13,0

Total 14 14,0

Total 100 100,0

*Corresponde aos entrevistados que não viram o trabalho.

1 – Julgamentos a Inimigos (dados brutos)

1- Muito interessante. Expressa a realidade, as pessoas vivem se matando.* 2- Criativo e radical, com conteúdo político forte. Realmente um trabalho artístico para a

bienal.* 3- Estimula a violência. Não acredito em arte como crítica, mas como formadora de

contexto. 4- É literal e didática, mas necessária. Uma violência explícita e necessária. 5- Impetuosa, corajosa. É a figuração da vontade que a gente tem. Não achei violenta,

demonstra indignação, não violência. 6- Bem desenhado. Foi corajoso ele botar a cara dele. Fez o que grande parte da população

queria fazer. Mas também estimula a violência. 7- Representa bem uma época. 8- Ótima. 9- Provocativa. Aquilo tem intencionalidade. 10- Apesar de óbvio, é incrível, porque ele exterioriza a vontade que muitos possuem.

Simplesmente visceral, extremamente contemporânea, muito provocativa e corajosa. Adorei, me identifiquei com ela. Pra mim ela expressa vontades ocultas que muitos de nós temos, mas não expressamos, talvez por medo de sermos rechaçados pela mediocridade do pensamento cotidiano.*

11- Um manifesto da representação da impotência e do desejo da potência de mudar o cenário político.

12- 99 (não viu) 13- Ousadia é sempre bom, tem limite, porém. 14- 99 (não viu) 15- Simples e direto, sem misticismo, nada exotérico. 16- Não vejo nada demais, é uma obra comum, mas muita gente gostou. É hilário, no sentido

figurativo. 17- Clichê. 18- Muito interessante. 19- Expressa bem um sentimento da população com os políticos.

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20- Admiro a técnica e a forma como botou para fora a revolta que temos de muitos políticos. Na arte pode, porque é livre.

21- Fiquei impressionado com o traço do artista. Como consegue fazer o trabalho. É da hora. 22- Interessante, manifesto pessoal dele. Tecnicamente bom e agressivo. Tem seu valor. 23- Me deu um poder de participar, um sonho poderoso. 24- Gostei pelos desenhos, pela técnica, não recrimino.* 25- Gostei da ideia, é interessante. Um protesto maior que uma citação ou um

pronunciamento. Retratou o que muita gente queria fazer. Mas não é a solução correta. 26- Retrata sentimento de uma boa parcela da humanidade. 27- Interessante e desafiadora. 28- Pode ser óbvio, mas bota em xeque. É gostoso pela identificação com o público. Todo

mundo quer aquilo. É um protesto óbvio, mas interessante. 29- Muito bom, impactante. 30- Maravilhoso. Deveria acontecer tudo que está lá. Me diverti. 31- Acho que o trabalho foi exposto em um momento oportuno e mostra uma vontade de um

grande grupo. 32- Impactante, conveniente e tecnicamente interessante.* 33- É forte e afeta, mas não incita crime nem coisa nenhuma. Mas mostra estado de ânimo. É

radical demais. 34- Em algum momento da vida, a pessoa tem vontade de vingança. Faz parte da natureza.

Inimigos projeta isso para os comandantes das nações. 35- Não sei. 36- Gostei, é bem feito, ele teve a coragem de se expressar. 37- Fiquei surpreso, é engraçado. 38- É legal o cara pensar na ideia dele, como artista e justiceiro. 39- Muito bonito, tem uma proposta de revolucionar. 40- Gostei das imagens e do desenho. Concordo, mas é a visão dele. 41- Gostei, reflete o desejo de muitos com relação aos opressores. 42- Tentaram ser polêmicos e não ficou nada bom. Nem o desenho. 43- Impactante, verdadeira, expressiva.* 44- Fiquei impressionada como conseguiu retratar uma vontade pela arte.* 45- Tem “oba oba” por ser político, mas nada excepcional em criatividade. 46- 99 (não viu) 47- É bom, mas me incomoda trabalhar com morte. Talvez seja necessário. 48- Bem feito, apesar de pouca proposta. 49- Bom, interessante. 50- 98 (não respondeu) 51- Bem feito, hiperrealista, o que não significa que queira matar. O sistema é que é uma

grande merda. 52- Mostra vontade que a gente tem, principalmente com alguém como Bush, que matou

muita gente. É um trabalho bem feito, bem desenhado, tem um trabalho manual. 53- Soube expressar sentimento de multidões, é bem feito, elaborado. 54- Mostra o momento político do país.* 55- Incentiva a violência, devia ser botado num local separado. Não pode ser incentivado.

Devia ter crivo, ser arte proibida. 56- Aquelas fotos são demais, dá vontade de realizar sua arte. 57- Escolha comum, todo mundo queria ter feito aquilo. Não teve novidade ali. Batido. 58- Incrível, achei maravilhoso.* 59- 99 (não viu) 60- 99 (não viu) 61- Gostei do visual, do desenho em si. A força do desenho, é bonito. 62- 99 (não viu) 63- 99 (não viu) 64- 99 (não viu)

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65- 99 (não viu) 66- Agrega valor. 67- Fiquei intrigado se era uma crítica positiva ou negativa, se influenciou negativamente. O

que seria da sociedade sem os líderes? Gerou questionamento sobre os líderes. Acho que precisa.

68- Interessante, uma forma de protesto. 69- Cumpriu a função de mexer com as pessoas. Reparei que todo mundo tirava foto. Além

disso, tem desenho e técnica para passar o que quer passar.* 70- 99 (não viu) 71- Fiquei surpreso com o tamanho grande do trabalho. Legal a técnica que ele usou. A ideia

é legal também. Forte, fiquei impressionado com a violência.* 72- Corajoso, tem que ser valente. 73- Instigante. 74- O artista se relaciona com o poder de forma generalizada. Alguns são inimigos e outros

não considero, como Lula e Eduardo Campos. Os inimigos são relativos. 75- Gostei pela força política do trabalho, mostrando a falta de solução dos

políticos/autoridades.* 76- Ele realizou artisticamente o desejo que muitos têm de exterminar algumas daquelas

pessoas. No meu caso, Bush e o Papa principalmente. Não concordei muito com o assassinato de Lula, se não me engano, o único que ele mata usando uma faca, não revólver. Mas enfim, cada um com suas opiniões políticas.*

77- Legal, criativo, o artista está fazendo algo para o País. 78- Ele tem um desenho maravilhoso, isso é inegável. Mas o público tá distante do artista.

Então ele pode tudo? Tem que pensar, questionar. Existe uma responsabilidade com o que faz uma bienal.

79- Forte, interessante.* 80- Pensou diferente, não foi panfletário. Cosmopolita. Se contrapôs ao poder. Foi uma

sacada, um feeling, mas oportunista. Tão falando dele.* 81- Interessante, polêmico, com um ponto de vista forte, que atrai opiniões diferentes.* 82- Primeiro, o desenho é bom. É arte porque não vai colocar inimigo. Gostei do desenho. 83- Sinto vontade de ser o artista, é realidade. 84- Interessante o cara executando as autoridades. Não sei, mas acho que todo mundo tinha

vontade de fazer aquilo. Tinha visto na TV.* 85- Dá vontade de fazer o mesmo. 86- 99 (não viu) 87- 99 (não viu) 88- Muito legal, grafite, e interessante o que ele quis passar. 89- 99 (não viu) 90- Provocativo e engraçado, de certa forma. 91- Banal, fácil de fazer para chamar atenção. 92- Interessante pelo desenho em si, pelo trabalho que deu. 93- Polêmico. 94- Interessante, apesar de ser polêmico e querer chocar. 95- Interessante, os desenhos são legais, mas muito agressivos. 96- Legal, sei lá. Gostei, saiu no jornal. Ele tá fazendo uma coisa que não pode fazer. É

divertido. 97- Crítica pesada. Existem outras formas singelas e profundas de se criticar algo. 98- Surpreendeu, foi ousado.* 99- Chocante, gostei da estética, tem um desenho bonito. Ver ele matando é forte, corajoso. 100-É uma forma de expressar o que todo mundo queria fazer.

*Opiniões de quem escolheu espontaneamente a obra como sua favorita.

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2 – Testes de correlação para Inimigos Para realizar os testes de correlaç~o com a vari|vel “grau de satisfaç~o de Inimigos”, optei por recodificá-la, a fim de melhorar a representatividade das últimas categorias. Para tanto, mantive as categorias “Gostei muito” e “Gostei”, agrupando as demais em uma só categoria que resumisse a pouca ou a nenhuma satisfaç~o em relaç~o { obra. Esta última ficou intitulada como “Gostei pouco/N~o gostei”, incluindo “Indiferente”. Em todos os cruzamentos, coloquei a variável como dependente. A recodificação foi feita após observação de alguns cruzamentos e gerou a seguinte tabela de frequência: Tabela 9 – Grau de satisfação de Inimigos recodificada

Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent

Valid Gostei muito 43 43,0 50,0 50,0

Gostei 28 28,0 32,6 82,6

Gostei pouco/não gostei 15 15,0 17,4 100,0

Total 86 86,0 100,0 Missing System 14 14,0 Total 100 100,0

2.a. Grau de satisfação de Inimigos x Nível de escolaridade Por se tratar de duas variáveis ordinais, o teste utilizado foi o Gamma, que gerou as seguintes

tabelas:

Tabela 11 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,049 ,166 ,296 ,767

N of Valid Cases 86 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Tabela 10 – Nível de escolaridade recodificada * Grau de satisfação de Inimigos recodificada Crosstabulation

Grau de satisfação de Inimigos recodificada

Total Gostei muito Gostei Gostei pouco a

Não gostei

Nível de escolaridade recodificada

Pós-graduação Count 15 7 6 28

% within Nível de escolaridade recodificada

53,6% 25,0% 21,4% 100,0%

Graduação Count 23 16 7 46

% within Nível de escolaridade recodificada

50,0% 34,8% 15,2% 100,0%

Até ensino médio Count 5 5 2 12

% within Nível de escolaridade recodificada

41,7% 41,7% 16,7% 100,0%

Total Count 43 28 15 86

% within Nível de escolaridade recodificada

50,0% 32,6% 17,4% 100,0%

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203

Os valores do coeficiente Gamma (0,049 – correlação desprezível) e da significância (0,767; p<0,10) indicam que não houve uma correlação estatisticamente significativa entre as variáveis testadas, para o nível de confiança de 90%. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, no capítulo 4. 2.b. Grau de satisfação de Inimigos x Frequência de contato com artes plásticas na infância e adolescência Por se tratar de duas variáveis ordinais, o teste utilizado foi o Gamma, que gerou as seguintes tabelas:

Tabela 13 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma -,239 ,139 -1,700 ,089

N of Valid Cases 86 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Os valores do coeficiente Gamma (0,239) e da significância (0,089; p<0,10) indicam que

houve uma correlação baixa e estatisticamente significativa entre as variáveis testadas, para o nível de confiança de 90%. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, no capítulo 4.

Tabela 12 – Frequência de contato com artes plásticas na infância e adolescência recodificada * Grau de satisfação de Inimigos recodificada Crosstabulation

Grau de satisfação de Inimigos recodificada

Total Gostei muito Gostei Gostei pouco a

Não gostei

Frequência de contato com artes plásticas na infância e adolescência recodificada

Sempre ou quase sempre Count 12 8 8 28

% within Frequência de contato com artes plásticas na infância e adolescência recodificada

42,9% 28,6% 28,6% 100,0%

De vez em quando Count 11 6 5 22

% within idem 50,0% 27,3% 22,7% 100,0%

Raramente Count 12 12 0 24

% within idem 50,0% 50,0% ,0% 100,0%

Nunca Count 8 2 2 12

% within idem 66,7% 16,7% 16,7% 100,0%

Total Count 43 28 15 86

% within idem 50,0% 32,6% 17,4% 100,0%

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2.c. Grau de satisfação de Inimigos x Frequência com que acompanha arte contemporânea Por se tratar de duas variáveis ordinais, o teste utilizado foi o Gamma, que gerou estas tabelas:

Tabela 14 – Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada * Grau de satisfação de Inimigos recodificada Crosstabulation

Grau de satisfação de Inimigos recodificada

Total Gostei muito Gostei Gostei pouco a Não gostei

Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada

Sempre Count 9 8 6 23

% within Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada

39,1% 34,8% 26,1% 100,0%

De vez em quando

Count 20 8 4 32

% within idem 62,5% 25,0% 12,5% 100,0%

Raramente/ Nunca

Count 14 12 5 31

% within idem 45,2% 38,7% 16,1% 100,0%

Total Count 43 28 15 86

% within idem 50,0% 32,6% 17,4% 100,0%

Tabela 15 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma -,065 ,152 -,425 ,671

N of Valid Cases 86 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Os valores do coeficiente Gamma (0,065) e da significância (0,671; p<0,10) indicam que

não houve uma correlação estatisticamente significativa entre as variáveis testadas, para o nível de confiança de 90%. Mesmo que houvesse significância, a correlação seria desprezível. Mais análise no corpo da dissertação, no capítulo 4.

Bandeira branca (tabelas e testes)

Tabela 16 – Grau de satisfação de Bandeira branca

Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent

Valid Gostei muito 2 2,0 5,6 5,6

Gostei 8 8,0 22,2 27,8

Não gostei 14 14,0 38,9 66,7

Detestei 3 3,0 8,3 75,0

Indiferente 9 9,0 25,0 100,0

Total 36 36,0 100,0

Missing* 99 64 64,0

Total 100 100,0

*Corresponde em grande parte aos visitantes que foram entrevistados após a retirada dos urubus da instalação Bandeira branca e aos que não viram o trabalho antes disso. A outra parte (60%) representa o grau de satisfação em relação à instalação Simultâneo, fragmentado, descontínuo (ver próximo tópico).

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Tabela 17 – Se considera arte a instalação Bandeira branca

Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent

Valid Sim 20 20,0 58,8 58,8

Não 13 13,0 38,2 97,1

Tenho dúvidas 1 1,0 2,9 100,0

Total 34 34,0 100,0

Missing 97 1 1,0

98 1 1,0

99 64 64,0

Total 66 66,0

Total 100 100,0

3 – Julgamentos a Bandeira branca (dados brutos – de 1 a 38)

1- Não achei nada. Não me interessou nem chamou minha atenção. (INDIFERENTE) 2- Deixa muitas indagações sobre o que o artista quis com a obra. É ecológica, talvez, dá

margem a grandes reflexões filosóficas. (GOSTEI) 3- Não me tocou, passei despercebido. (INDIFERENTE) 4- Excessivamente simbólica. (NÃO GOSTEI) 5- Inovadora e audaciosa, mas me preocupei se os urubus estão gostando do barulho.

(GOSTEI MUITO) 6- Não vi utilidade nenhuma, o que o artista quis passar com aquilo. (INDIFERENTE) 7- Escura e esquisita. Deveriam ter colocado uma imagem, não os próprios urubus presos.

(DETESTEI) * 8- Diferente, vim para ver. Tinha visto na TV. (GOSTEI) 9- Nada. (INDIFERENTE) 10- Muita polêmica para pouca coisa. (NÃO GOSTEI) 11- Nada, passou como se não existisse. Um espaço demarcado no meio do hall.

(INDIFERENTE) 12- Não gostei de ver os urubus presos. Não entendi qual o sentido da obra. O que quis

mostrar. (NÃO GOSTEI) 13- Fiquei sem entender o contexto, achei interessantes as esculturas. (GOSTEI) 14- Diferente. Nunca tinha visto arte com animal vivo, ainda mais urubu carniceiro. (GOSTEI) 15- Nem dei tanta importância, não me encantou. (NÃO GOSTEI) 16- Se tivessem representado os urubus seria melhor. Chamaria mais atenção. Mas o animal

de verdade é nebuloso. (NÃO GOSTEI) * 17- 97 (não sabe) (INDIFERENTE) 18- Deixar o bicho onde passa muita gente não precisa. Por que o artista não ficou lá? (NÃO

GOSTEI) * 19- Não sei, não consegui captar. É a carniça? A política? Criativo, força a pensar. (GOSTEI) 20- Forma de protesto com relação à política. (GOSTEI) 21- É bom ter colocado animal vivo. O artista foi muito inteligente. Espero que eles ainda

estejam quando eu voltar. (GOSTEI MUITO) 22- Não precisava botar animais, é tétrica. (NÃO GOSTEI) 23- Estou sendo influenciado pela mídia, mas a bienal não é um lugar propício aos animais.

(NÃO GOSTEI) 24- Não acho que deveriam colocar urubu em ambiente fechado, onde tem luz, criança e é

estressante. (NÃO GOSTEI) 25- Sem nexo. (NÃO GOSTEI) * 26- Interessante, surpreendente. (GOSTEI) 27- Foi um esforço em vão de originalidade. Colocou aquilo tudo, mas não podia ter música e

depois quiseram tirar os urubus. A obra se acabou. (NÃO GOSTEI)

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28- Não me atingiu mais pelos problemas técnicos que enfrentou. O artista não conseguiu expressar o que ele queria direito. A mídia atrapalhou a obra. A celeuma foi mais importante do que a obra. (NÃO GOSTEI)

29- Instalação de mau gosto. (DETESTEI) 30- Ecologicamente incorreto. Não tinha necessidade. Talvez devessem ter colocado os

urubus só na abertura. (DETESTEI) 31- Apelativo, sem sentido. (NÃO GOSTEI) 32- Nada. (NÃO GOSTEI) * 33- Traz a natureza com o fazer do homem. Som é que mais incomodou. (GOSTEI) 34- Depois que tiraram os urubus, não deu para perceber. (INDIFERENTE) 35- Não tenho opinião. (INDIFERENTE) 36- 99 (não viu) 37- 99 (não viu) 38- É virtuosismo, muita técnica e pouco impacto. Tem que causar impacto. (INDIFERENTE)

*Opiniões de quem escolheu espontaneamente a obra como a que NÃO gostou.

4 – Testes de correlação para Bandeira branca Para realizar os testes de correlaç~o com a vari|vel “grau de satisfação de Bandeira branca”, optei por recodificá-la, a fim de melhorar a representatividade das categorias, observando o que tinham em comum em termos qualitativos. Sendo assim, mantendo o nível de mensuração ordinal, reagrupei-a em três novas categorias, resumidas em “Gostei” (inclui “Gostei muito” e “Gostei mais ou menos”, que n~o teve representatividade); “N~o gostei” (inclui “Detestei”, por ter tido julgamentos semelhantes ao “N~o gostei”); e “Indiferente” (mantida como antes). A tabela da recodificação ficou assim: Tabela 18 – Grau de satisfação de Bandeira branca recodificada

Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent

Valid Gostei 10 10,0 27,8 27,8

Não gostei 17 17,0 47,2 75,0

Indiferente 9 9,0 25,0 100,0

Total 36 36,0 100,0 Missing* System 64 64,0 Total 100 100,0 *Corresponde em grande parte aos visitantes que foram entrevistados após a retirada dos urubus da instalação Bandeira branca e aos que não viram o trabalho antes disso. A outra parte (60%) representa o grau de satisfação em relação à instalação Simultâneo, fragmentado, descontínuo (ver próximo tópico).

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4.a. Grau de satisfação Bandeira branca x Nível de escolaridade119

Por se tratar de duas variáveis ordinais, o teste utilizado foi o Gamma, que gerou as seguintes

tabelas:

Tabela 19 – Nível de escolaridade recodificada * Grau de satisfação de Bandeira branca recodificada Crosstabulation

Grau de satisfação de Bandeira branca recodificada

Total Gostei Não gostei Indiferente

Nível de escolaridade recodificada

Pós-graduação Count 4 6 3 13

% within Nível de escolaridade recodificada

30,8% 46,2% 23,1% 100,0%

Graduação Count 4 11 4 19

% within Nível de escolaridade recodificada

21,1% 57,9% 21,1% 100,0%

Até ensino médio Count 2 0 2 4

% within Nível de escolaridade recodificada

50,0% ,0% 50,0% 100,0%

Total Count 10 17 9 36

% within Nível de escolaridade recodificada

27,8% 47,2% 25,0% 100,0%

Tabela 20 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,068 ,277 ,244 ,807

N of Valid Cases 36 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Os valores do coeficiente Gamma (0,068) e da significância (0,807; p>0,10) indicam que

houve uma correlação estatisticamente significativa entre as variáveis testadas, para o nível de confiança de 90%. O valor de Gamma indicaria uma correlação desprezível. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, no capítulo 4. 4.b. Grau de satisfação Bandeira branca x Frequência com que acompanha arte contemporânea Por se tratar de duas variáveis ordinais, o teste utilizado foi o Gamma, que gerou as seguintes

tabelas:

Tabela 22 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,051 ,227 ,226 ,821

N of Valid Cases 36

a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

119 Para realizar os testes estatísticos, utilizei a maioria das variáveis recodificadas ou agrupadas. “Grau de satisfaç~o de Bandeira branca” foi colocada como vari|vel dependente.

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Tabela 21 – Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada * Grau de satisfação de Bandeira branca recodificada Crosstabulation

Grau de satisfação de Bandeira branca recodificada

Total Gostei Não gostei Indiferente

Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada

Sempre Count 4 9 3 16

% within Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada

25,0% 56,3% 18,8% 100,0%

De vez em quando Count 3 4 3 10

% within idem 30,0% 40,0% 30,0% 100,0%

Raramente/Nunca

Count 3 4 3 10

% within idem 30,0% 40,0% 30,0% 100,0%

Total Count 10 17 9 36

% within idem 27,8% 47,2% 25,0% 100,0%

Os valores do coeficiente Gamma (0,051) e da significância (0,821; p>0,10) indicam que

não houve uma correlação estatisticamente significativa entre as variáveis testadas, para o nível de confiança de 90%. O valor de Gamma indicaria uma correlação desprezível. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, no capítulo 4. 4.c. Grau de satisfação Bandeira branca x Artistas plásticos favoritos (preferências artísticas) Por se tratar de uma variável ordinal e outra nominal, o teste utilizado foi o Gamma, que gerou

as seguintes tabelas:

Tabela 24 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma -,224 ,207 -1,060 ,289

N of Valid Cases 36 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

(continua na página a seguir)

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Na tabela 24 (página anterior), os valores do coeficiente Gamma (0,224) e da significância (0,289; p>0,10) indicam que não houve uma correlação estatisticamente significativa entre as variáveis testadas, para o nível de confiança de 90%. O valor de Gamma indicaria uma correlação baixa. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, no cap. 4. 4.d. Grau de satisfação Bandeira branca x Frequência de contato com artes plásticas na infância e adolescência

Por se tratar de variáveis ordinais, o teste utilizado foi o Gamma. Veja tabelas:

Tabela 26 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,040 ,226 ,177 ,860

N of Valid Cases 36

a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Tabela 23 – Artistas plásticos favoritos agrupados * Grau de satisfação de Bandeira branca recodificada Crosstabulation

Grau de satisfação de Bandeira branca recodificada

Total Gostei Não gostei Indiferente

Artistas plásticos favoritos agrupados

Artistas consagrados Count 4 9 5 18

% within Artistas plásticos favoritos agrupados

22,2% 50,0% 27,8% 100,0%

Artistas contemporâneos Count 2 3 3 8

% within Artistas plásticos favoritos agrupados

25,0% 37,5% 37,5% 100,0%

Artistas "pop" Count 2 3 0 5

% within Artistas plásticos favoritos agrupados

40,0% 60,0% ,0% 100,0%

Artistas outsiders Count 1 1 1 3

% within Artistas plásticos favoritos agrupados

33,3% 33,3% 33,3% 100,0%

Não sei Não tenho preferência

Count 1 1 0 2

% within Artistas plásticos favoritos agrupados

50,0% 50,0% ,0% 100,0%

Total Count 10 17 9 36

% within Artistas plásticos favoritos agrupados

27,8% 47,2% 25,0% 100,0%

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Tabela 25 – Frequência de contato com artes plasticas na infancia e adolescencia recodificada * Grau de satisfação de Bandeira branca recodificada Crosstabulation

Grau de satisfação de Bandeira branca recodificada

Total Gostei Não gostei Indiferente

Frequência de contato com artes plasticas na infancia e adolescencia recodificada

Sempre ou quase sempre

Count 4 6 3 13

% within Frequência de contato com artes plasticas na infancia e adolescencia recodificada

30,8% 46,2% 23,1% 100,0%

De vez em quando Count 2 5 3 10

% within idem 20,0% 50,0% 30,0% 100,0%

Raramente Count 3 5 1 9

% within idem 33,3% 55,6% 11,1% 100,0%

Nunca Count 1 1 2 4

% within idem 25,0% 25,0% 50,0% 100,0%

Total Count 10 17 9 36

% within idem 27,8% 47,2% 25,0% 100,0%

Na tabela 26 (página anterior), os valores do coeficiente Gamma (0,040) e da significância (0,860; p>0,10) indicam que não houve uma correlação estatisticamente significativa entre as variáveis testadas, para o nível de confiança de 90%. O valor de Gamma indicaria uma correlação desprezível. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, no capítulo 4. 4.e. Grau de satisfação Bandeira branca x Frequência com que assiste a TV

Por se tratar de variáveis ordinais, o teste utilizado foi o Gamma, que gerou as seguintes

tabelas:

Tabela 27 – Frequência com que assiste a TV recodificada * Grau de satisfação de Bandeira branca recodificada Crosstabulation

Grau de satisfação de Bandeira branca recodificada

Total Gostei Não gostei Indiferente

Frequência com que assiste a TV recodificada

Sempre ou quase sempre Count 3 4 2 9

% within Frequência com que assiste a TV recodificada

33,3% 44,4% 22,2% 100,0%

De vez em quando Count 7 12 4 23

% within idem 30,4% 52,2% 17,4% 100,0%

Raramente/Nunca Count 0 1 3 4

% within idem ,0% 25,0% 75,0% 100,0%

Total Count 10 17 9 36

% within idem 27,8% 47,2% 25,0% 100,0%

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Tabela 28 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,357 ,252 1,316 ,188

N of Valid Cases 36 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

O valor da significância (0,188; p>0,10) indica que não houve uma correlação

estatisticamente significativa entre as variáveis testadas, para o nível de confiança de 90%. Contudo, o valor do coeficiente Gamma (0,357) aponta uma correlação moderada, que deve ser observada na tabela 27, na página anterior. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, no capítulo 4.

4.f. Grau de satisfação Bandeira branca x Profissão Por se tratar de uma variável ordinal e outra nominal, o teste utilizado foi o Gamma,

que gerou as seguintes tabelas:

Tabela 29 – Profissão recodificada * Grau de satisfação de Bandeira branca recodificada Crosstabulation

Grau de satisfação de Bandeira branca recodificada

Total Gostei Não gostei Indiferente

Profissão recodificada

Profissão ligada à arte Count 3 6 2 11

% within Profissão recodificada

27,3% 54,5% 18,2% 100,0%

Profissão ligada indiretamente à arte

Count 0 6 2 8

% within Profissão recodificada

,0% 75,0% 25,0% 100,0%

Profissão não ligada à arte

Count 7 5 5 17

% within Profissão recodificada

41,2% 29,4% 29,4% 100,0%

Total Count 10 17 9 36

% within Profissão recodificada

27,8% 47,2% 25,0% 100,0%

Tabela 30 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma -,067 ,249 -,267 ,789

N of Valid Cases 36 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Os valores do coeficiente Gamma (0,067) e da significância (0,789; p>0,10) indicam que

não houve uma correlação estatisticamente significativa entre as variáveis testadas, para o nível de confiança de 90%. O valor de Gamma indicaria uma correlação desprezível. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, no capítulo 4.

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212

Simultâneo, fragmentado, descontínuo (tabelas e testes)

Tabela 31 – Grau de satisfação de Simultâneo...

Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent

Valid Gostei muito 4 4,0 6,7 6,7

Gostei 29 29,0 48,3 55,0

Gostei mais ou menos 1 1,0 1,7 56,7

Não gostei 7 7,0 11,7 68,3

Indiferente 19 19,0 31,7 100,0

Total 60 60,0 100,0

Missing* 98 1 1,0

99 39 39,0

Total 40 40,0

Total 100 100,0

*Grande parte corresponde aos entrevistados que foram perguntados antes sobre a instalação Bandeira branca. Como os urubus foram retirados desta obra, substitui a questão pela obra aqui descrita (Simultâneo...).

Tabela 32 – Se considera arte a instalação Simultâneo...

Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent

Valid Sim 43 43,0 71,7 71,7

Não 13 13,0 21,7 93,3

Tenho dúvidas 4 4,0 6,7 100,0

Total 60 60,0 100,0

Missing 98 1 1,0

99 39 39,0

Total 40 40,0

Total 100 100,0

5 – Julgamentos a Simultâneo... (dados brutos – de 39 a 100)

39. É criativa, parece parede de verdade. (GOSTEI) 40. Interessante, criativo, gostei bastante. (GOSTEI) 41. Horrível. Desse jeito, qualquer coisa vira arte. Não pode ser isso. (NÃO GOSTEI) 42. Não representa nada, só se fez gastar fita, papelão e tinta. (NÃO GOSTEI) 43. Impactante, grande, simétrica. (GOSTEI) 44. Interessante, mas não sei se (atentei) ao propósito. Passou quase despercebido.

(GOSTEI) 45. Interessante, porque é um modo de usar o espaço que não é usado. (GOSTEI) 46. Não tinha nem percebido. Acho que é uma forma de interferir na estrutura do local, de

confundir. O papelão ajuda. (GOSTEI) 47. Acho legal, é uma intervenção. Não me toca muito, mas acho bacana que exista. (GOSTEI) 48. Não entendo, não tenho opinião. (INDIFERENTE) 49. Indiferente. (INDIFERENTE) 50. É intrigante. Essa coisa da arquitetura, de não saber se é pilastra, se faz parte. (GOSTEI) 51. Interessante, político, questiona a arquitetura do lugar. (GOSTEI) 52. Nada, indiferente. Achei que fosse algo incompleto, não vi como obra. (INDIFERENTE) 53. Criativo, dá outra visão de estrutura. Usa material diferente para fazer algo. (GOSTEI) 54. Gosto. (GOSTEI) 55. Bem bolado, parece parede, mas é trabalho, como tudo aqui. A não ser os banheiros, que

são banheiros, não é? (GOSTEI)

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213

56. Super interessante, que criatividade! Pensava que era papelão, que inteligência! (GOSTEI MUITO)

57. Achei que era parte da manutenção. Gostei porque mexeu. É como se fosse uma continuidade do prédio. (GOSTEI)

58. Foi preciso dizer para eu poder reparar. O que mexe com material assim eu gosto. (GOSTEI)

59. Achei que era construção. (INDIFERENTE) 60. Não sei. (INDIFERENTE) 61. Nada, nem vi. (INDIFERENTE) 62. Interessante o uso do papelão, mostra que é forte. Eu trabalho com logística, então...

(GOSTEI) 63. O prédio é tão bonito que isso aí estraga o prédio. (NÃO GOSTEI) 64. Uma parede, um muro, bom. (GOSTEI) 65. Criativo, diferenciado. (GOSTEI MUITO) 66. Fiquei curioso, querendo saber o significado. (INDIFERENTE) 67. É curioso, mas não consigo ver sentido. Pode até despertar, mas não passou de

curiosidade. (NÃO GOSTEI)* 68. Fiquei olhando curiosa. É um trabalho? (GOSTEI) 69. Nem tudo que aparenta é. Parece parede, mas não é. Arte tem que mexer. Se incomoda,

cumpre função. Eu prestei atenção. (GOSTEI) 70. Me dá noção de grandeza, inteligência. Nunca iria imaginar fazer parede de papelão.

(GOSTEI) 71. Nem sabia que era trabalho. (INDIFERENTE) 72. Interessante. Nosso alicerce é um papelão roto e furado. Velho e furado. Mesmo que na

frente esteja pintado. (GOSTEI) 73. Achava que era parede e depois vi que era papelão. (INDIFERENTE) 74. O artista mexeu com sentimentos de exclusão, aprisionamento, segregação. (GOSTEI) 75. Ficou difícil de identificação. (GOSTEI MAIS OU MENOS) 76. 98 77. Nada. Parede? (INDIFERENTE) 78. Para quem chega, não percebe. Ideia é mais importante? Então é tudo por tudo? (NÃO

GOSTEI) 79. Nada. (INDIFERENTE) 80. Essa desgraça? Não vale nada! (NÃO GOSTEI)* 81. Achei interessante por não ter entendido. (GOSTEI) 82. Não me diz nada. Se for pensar no contemporâneo, é... É a obra. (INDIFERENTE) 83. Provocativo. (GOSTEI) 84. Não tinha reparado, só agora. É o tal negócio, não consigo entender, mas vou procurar

entender. (GOSTEI) 85. Legal, diferente. (GOSTEI) 86. Não entendo. (INDIFERENTE) 87. Estranho, não entendi. (INDIFERENTE) 88. Interessante como ele usou material reciclado para fazer arte. (GOSTEI) 89. Interessante essa coisa de reciclar. (GOSTEI) 90. Meio fora do lugar. Nem sabia que era trabalho. (INDIFERENTE) 91. Nada. (INDIFERENTE) 92. Nada. (INDIFERENTE) 93. 99 (não viu) 94. Interessante a montagem. (GOSTEI) 95. Nada. (INDIFERENTE) 96. Meio estranha. (INDIFERENTE) 97. Interessante, bonito, comovente. O material e a simplicidade, a relação com o espaço.

(GOSTEI MUITO) 98. Sensação de algo incompleto. (GOSTEI)

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214

99. Não consigo identificar como sendo uma obra de arte. Nem que me contem não entendo o que o artista quis dizer com isso. (NÃO GOSTEI)*

100. Surpreendeu ao ver que é papelão. (GOSTEI MUITO) *Opiniões de quem escolheu espontaneamente a obra como a que NÃO gostou.

Julgamentos (escolhas) antes da troca no questionário: 10. Pobre. Odiei.* 29. Uma obra desnecessária.* 36. Nada.* 6 - Testes de correlação para Simultâneo... Para realizar os testes de correlaç~o com a vari|vel “grau de satisfaç~o de Simultâneo...”, optei por recodificá-la, a fim de melhorar a representatividade das categorias, observando o que tinham em comum em termos qualitativos. Sendo assim, mantendo o nível de mensuração ordinal, reagrupei-a em três novas categorias, resumidas em “Gostei” (inclui “Gostei muito”); “N~o gostei” (inclui “Gostei mais ou menos” e “Detestei”, por ter tido julgamentos semelhantes ao “N~o gostei”); e “Indiferente” (mantida como antes). A tabela da recodificaç~o ficou assim: Tabela 33 – Grau de satisfação de Simultâneo... recodificada

Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent

Valid Gostei 33 33,0 55,0 55,0

Não gostei 8 8,0 13,3 68,3

Indiferente 19 19,0 31,7 100,0

Total 60 60,0 100,0 Missing* System 40 40,0 Total 100 100,0 *Grande parte corresponde aos entrevistados que foram perguntados antes sobre a instalação Bandeira branca. Como os urubus foram retirados desta obra, substitui a questão pela obra aqui descrita (Simultâneo...).

6.a. Grau de satisfação de Simultâneo... x Nível de escolaridade120 Por se tratar de duas variáveis ordinais, o teste utilizado foi o Gamma, que gerou estas tabelas:

Tabela 34 – Nível de escolaridade recodificada * Grau de satisfação de Simultâneo... recodificada Crosstabulation

Grau de satisfação de Simultâneo... recodificada

Total Gostei Não gostei Indiferente

Nível de escolaridade recodificada

Pós-graduação Count 8 2 6 16

% within Nível de escolaridade recodificada

50,0% 12,5% 37,5% 100,0%

Graduação Count 20 5 9 34

% within idem 58,8% 14,7% 26,5% 100,0%

Até ensino médio Count 5 1 4 10

% within idem 50,0% 10,0% 40,0% 100,0%

Total Count 33 8 19 60

% within idem 55,0% 13,3% 31,7% 100,0%

120 Para realizar os testes estatísticos, utilizei a maioria das variáveis recodificadas ou agrupadas. “Grau de satisfaç~o de Simultâneo...” foi colocada como vari|vel dependente.

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215

Tabela 35 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma -,028 ,211 -,131 ,895

N of Valid Cases 60 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

O valor da significância (0,895; p>0,10) indica que não houve uma correlação

estatisticamente significativa entre as variáveis testadas, para o nível de confiança de 90%. O valor de Gamma (0,28) indicaria uma correlação desprezível. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, no capítulo 4. 6.b. Grau de satisfação de Simultâneo... x Frequência com que acompanha arte contemporânea Por se tratar de duas variáveis ordinais, o teste utilizado foi o Gamma, que gerou as seguintes

tabelas:

Tabela 37 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,269 ,193 1,374 ,169

N of Valid Cases 60 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Na tabela 37 (acima), o valor da significância (0,169; p>0,10) indica que não houve uma

correlação estatisticamente significativa entre as variáveis testadas, para o nível de confiança de 90%. O valor de Gamma (0,269) indicaria uma correlação baixa. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, no capítulo 4.

Tabela 36 – Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada * Grau de satisfação de Simultâneo... recodificada Crosstabulation

Grau de satisfação de Simultâneo... recodificada

Total Gostei Não gostei Indiferente

Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada

Sempre Count 6 1 3 10

% within Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada

60,0% 10,0% 30,0% 100,0%

De vez em quando Count 16 4 5 25

% within idem 64,0% 16,0% 20,0% 100,0%

Raramente/Nunca Count 11 3 11 25

% within idem 44,0% 12,0% 44,0% 100,0%

Total Count 33 8 19 60

% within idem 55,0% 13,3% 31,7% 100,0%

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6.c. Grau de satisfação de Simultâneo... x Artistas plásticos favoritos (preferências artísticas) Por se tratar de uma variável ordinal e outra nominal, o teste utilizado foi o Gamma, que gerou

as seguintes tabelas:

Tabela 38 – Artistas plásticos favoritos agrupados * Grau de satisfação de Simultâneo... recodificada Crosstabulation

Grau de satisfação de Simultâneo... recodificada

Total Gostei Não gostei Indiferente

Artistas plásticos favoritos agrupados

Artistas consagrados Count 15 6 9 30

% within Artistas plásticos favoritos agrupados

50,0% 20,0% 30,0% 100,0%

Artistas contemporâneos Count 4 1 1 6

% within idem 66,7% 16,7% 16,7% 100,0%

Artistas "pop" Count 3 0 2 5

% within idem 60,0% ,0% 40,0% 100,0%

Artistas "outsiders" ou desconhecidos

Count 1 0 2 3

% within idem 33,3% ,0% 66,7% 100,0%

Não sei / Não tenho preferência

Count 10 1 5 16

% within idem 62,5% 6,3% 31,3% 100,0%

Total Count 33 8 19 60

% within idem 55,0% 13,3% 31,7% 100,0%

Tabela 39 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma -,065 ,190 -,342 ,733

N of Valid Cases 60 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

O valor da significância (0,733; p>0,10) indica que não houve uma correlação

estatisticamente significativa entre as variáveis testadas, para o nível de confiança de 90%. O valor de Gamma (0,065) indicaria uma correlação desprezível. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, no capítulo 4.

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217

6.d. Grau de satisfação de Simultâneo... x Frequência de contato com artes plásticas na infância e adolescência Por se tratar de duas variáveis ordinais, o teste utilizado foi o Gamma, que gerou as seguintes

tabelas:

Tabela 40 – Frequência de contato com artes plásticas na infância e adolescência recodificada * Grau de satisfação de Simultâneo... recodificada Crosstabulation

Grau de satisfação de Simultâneo... recodificada

Total Gostei Não gostei Indiferente

Frequência de contato com artes plásticas na infância e adolescência recodificada

Sempre ou quase sempre

Count 11 3 4 18

% within Frequência de contato com artes plasticas na infancia e adolescencia recodificada

61,1% 16,7% 22,2% 100,0%

De vez em quando Count 9 0 5 14

% within idem 64,3% ,0% 35,7% 100,0%

Raramente Count 11 4 4 19

% within idem 57,9% 21,1% 21,1% 100,0%

Nunca Count 2 1 6 9

% within idem 22,2% 11,1% 66,7% 100,0%

Total Count 33 8 19 60

% within idem 55,0% 13,3% 31,7% 100,0%

Tabela 41 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,276 ,164 1,638 ,101

N of Valid Cases 60 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

O valor da significância (0,101; p<0,10 – valor arredondado) indica que houve uma

correlação estatisticamente significativa entre as variáveis testadas, para o nível de confiança de 90%. O valor de Gamma (0,276) aponta uma correlação baixa. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, no capítulo 4.

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6.e. Grau de satisfação de Simultâneo... x Frequência com que assiste a TV Por se tratar de duas variáveis ordinais, o teste utilizado foi o Gamma, que gerou as seguintes

tabelas:

Tabela 43 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,266 ,220 1,186 ,236

N of Valid Cases 60 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

O valor da significância (0,236; p>0,10) indica que não houve uma correlação estatisticamente significativa entre as variáveis testadas, para o nível de confiança de 90%. O valor de Gamma (0,266) indicaria uma correlação baixa. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, no capítulo 4. 6.f. Grau de satisfação de Simultâneo... x Profissão Por se tratar de uma variável ordinal e outra nominal, o teste utilizado foi o Gamma, que gerou

as seguintes tabelas:

Tabela 45 – Symmetric Measures

Value

Asymp. Std. Errora

Approx. Tb

Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,155 ,204 ,765 ,444

N of Valid Cases 60

a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

Tabela 42 – Frequência com que assiste a TV recodificada * Grau de satisfação de Simultâneo... recodificada Crosstabulation

Grau de satisfação de Simultâneo...

recodificada

Total Gostei Não gostei Indiferente

Frequência com que assiste a TV recodificada

Sempre ou quase sempre

Count 11 2 3 16

% within Frequência com que assiste a TV recodificada

68,8% 12,5% 18,8% 100,0%

De vez em quando Count 19 6 14 39

% within idem 48,7% 15,4% 35,9% 100,0%

Raramente/Nunca Count 3 0 2 5

% within idem 60,0% ,0% 40,0% 100,0%

Total Count 33 8 19 60

% within idem 55,0% 13,3% 31,7% 100,0%

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Tabela 44 – Profissão recodificada * Grau de satisfação de Simultâneo... recodificada Crosstabulation

Grau de satisfação de Simultâneo... recodificada

Total Gostei Não gostei Indiferente

Profissão recodificada Profissão ligada à arte Count 6 1 2 9

% within Profissão recodificada

66,7% 11,1% 22,2% 100,0%

Profissão ligada indiretamente à arte

Count 10 1 6 17

% within Profissão recodificada

58,8% 5,9% 35,3% 100,0%

Profissão não ligada à arte

Count 17 6 11 34

% within Profissão recodificada

50,0% 17,6% 32,4% 100,0%

Total Count 33 8 19 60

% within Profissão recodificada

55,0% 13,3% 31,7% 100,0%

Na tabela 45 (página anterior), o valor da significância (0,444; p>0,10) indica que não houve uma correlação estatisticamente significativa entre as variáveis testadas, para o nível de confiança de 90%. O valor de Gamma (0,155) indicaria uma correlação baixa. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, no capítulo 4.

Outros testes 7 – Frequência de contato com as artes plásticas na infância e adolescência x Frequência com que acompanha a arte contemporânea Por se tratar de duas variáveis ordinais, o teste utilizado foi o Gamma, que gerou as seguintes

tabelas:

Tabela 47 – Symmetric Measures

Value Asymp. Std. Errora Approx. Tb Approx. Sig.

Ordinal by Ordinal Gamma ,435 ,104 4,012 ,000

N of Valid Cases 100 a. Not assuming the null hypothesis.

b. Using the asymptotic standard error assuming the null hypothesis.

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Tabela 46 – Frequência de contato com artes plasticas na infancia e adolescencia recodificada * Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada Crosstabulation

Frequência com que acompanha a arte contemporânea recodificada

Total Sempre De vez em

quando Raramente/N

unca

Frequência de contato com artes plasticas na infancia e adolescencia recodificada

Sempre ou quase sempre

Count 15 14 4 33

% within Frequência de contato com artes plasticas na infancia e adolescencia recodificada

45,5% 42,4% 12,1% 100,0%

De vez em quando Count 4 7 14 25

% within idem 16,0% 28,0% 56,0% 100,0%

Raramente Count 6 12 11 29

% within idem 20,7% 41,4% 37,9% 100,0%

Nunca Count 1 3 9 13

% within idem 7,7% 23,1% 69,2% 100,0%

Total Count 26 36 38 100

% within idem 26,0% 36,0% 38,0% 100,0%

Na tabela 47 (página anterior), o valor da significância (0,0005; p<0,01) indica que houve uma correlação estatisticamente significativa entre as variáveis testadas, para o nível de confiança de 99%. O valor de Gamma (0,435) indica que esta foi uma correlação moderada. Mais detalhes dessa análise no corpo da dissertação, no capítulo 4.

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221

Apêndice 5

FOTOGRAFIAS DE TRABALHOS CITADOS PELO PÚBLICO BANDEIRA BRANCA (NUNO RAMOS) (protestos)

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222

CIRCLE OF ANIMALS (AI WEIWEI)

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223

INIMIGOS (GIL VICENTE)

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224

LONGE DAQUI, AQUI MESMO (FÁBIO MORAIS E MARILÁ DARDOT) (terreiro)

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225

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226

A ORIGEM DO TERCEIRO MUNDO (HENRIQUE OLIVEIRA)

(entrada da obra)

(saída da obra)

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227

(parte interna da obra)

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228

SIMULTÂNEO, FRAGMENTADO, DESCONTÍNUO (CARLOS BUNGA)

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229

ANEXOS

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230

Anexo 1 Tabela de referência para correlações estatísticas Intervalos de valores correspondentes aos graus de correlação entre as variáveis VALOR DA ASSOCIAÇÃO TIPO DE ASSOCIAÇÃO +0,70 ou mais Associação positiva muito forte +0,50 a +0,69 Associação positiva substancial +0,30 a + 0,49 Associação positiva moderada +0,10 a + 0,29 Associação positiva baixa +0,01 a +0,09 Associação positiva desprezível 0,00 Nenhuma associação - 0,01 a - 0,09 Associação negativa desprezível - 0,10 a - 0,29 Associação negativa baixa - 0,30 a - 0,49 Associação negativa moderada - 0,50 a - 0,69 Associação negativa substancial - 0,70 ou mais Associação negativa muito forte

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231

Anexo 2 Planta do Parque do Ibirapuera Fonte: BIENAL DE SP ABRE AO PÚBLICO HOJE ÀS 10H. Folha de S. Paulo. São Paulo, 25 set. 2010. Ilustrada, p. E7

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232

Planta do Pavilhão Ciccillo Matarazzo (térreo + 1º andar) | Anexo 3

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233

Planta do Pavilhão Ciccillo Matarazzo (2º andar) | Anexo 3

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234

Planta do Pavilhão Ciccillo Matarazzo (3º andar) | Anexo 3

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Anexo 4 Anúncio da 29ª Bienal de São Paulo Fonte: Folha de S. Paulo. São Paulo, 21 set. 2010. Bienal de Artes.

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Anexo 5

Fonte: CYPRIANO, Fabio. Público da Bienal deve ficar em 553 mil. Folha de S. Paulo. São Paulo, 9 nov. 2010. Ilustrada, p. E4.