A Competência Da JT Para Execução Das Contribuições Previdenciárias

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Rev. TST, Brasília, vol. 70, n” 1, jan/jul 2004 20 A COMPET˚NCIA DA JUSTI˙A DO TRABALHO PARA A EXECU˙ˆO DAS CONTRIBUI˙ÕES PREVIDENCI`RIAS Maria Cristina Irigoyen Peduzzi * SUM`RIO: Introduçªo; 1 A lide de natureza previdenciÆria e a lide de natureza trabalhista; 2 A caracterizaçªo da exeqüibilidade do crØdito previdenciÆrio; 3 Con- sideraçıes finais. INTRODU˙ˆO A competŒncia da Justiça do Trabalho para a execuçªo de contribuiçıes previdenciÆrias vem, hÆ algum tempo, chamando a atençªo dos estudiosos do Direito. A matØria, por certo, Ø controvertida e tem gerado crescente insegurança na relaçªo entre o Estado, empregadores e empregados. Nesse contexto, torna-se oportuna a discussªo dos limites da competŒncia dessa Justiça Especializada para a execuçªo dessas contribuiçıes. Essa Ø a proposta do presente ensaio. A questªo resolve-se pela definiçªo (a) do fato gerador e da base de cÆlculo das contribuiçıes previdenciÆrias e (b) dos limites da competŒncia da Justiça do Trabalho para executar essas contribuiçıes sociais. Como se examinarÆ adiante, esses elementos ganham contornos peculiares e requerem distintas soluçıes, conforme a incidŒncia da contribuiçªo ocorra sobre sentença homologatória ou condenatória e se discriminadas ou nªo as parcelas envolvidas. 1 A LIDE DE NATUREZA PREVIDENCI`RIA E A LIDE DE NATUREZA TRABALHISTA O texto constitucional preleciona que a competŒncia para conhecer e julgar açªo em que o INSS Autarquia Federal for parte Ø da Justiça Federal. No entanto, ao prever essa regra, estabelece tambØm suas exceçıes, entre as quais se encontram as causas de competŒncia da Justiça do Trabalho, como se depreende do art. 109, I, da Constituiçªo da Repœblica. Observe-se: Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: * Ministra do Tribunal Superior do Trabalho. Presidente da Academia Nacional de Direito do Tra- balho.

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Contribuições previdenciárias nos cálculos de liquidação de sentença.

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    A COMPETNCIA DA JUSTIA DO TRABALHOPARA A EXECUO DAS CONTRIBUIES

    PREVIDENCI`RIAS

    Maria Cristina Irigoyen Peduzzi*

    SUM`RIO: Introduo; 1 A lide de natureza previdenciria e a lide de naturezatrabalhista; 2 A caracterizao da exeqibilidade do crdito previdencirio; 3 Con-sideraes finais.

    INTRODUO

    A competncia da Justia do Trabalho para a execuo de contribuiesprevidencirias vem, h algum tempo, chamando a ateno dos estudiososdo Direito. A matria, por certo, controvertida e tem gerado crescenteinsegurana na relao entre o Estado, empregadores e empregados. Nesse contexto,torna-se oportuna a discusso dos limites da competncia dessa Justia Especializadapara a execuo dessas contribuies. Essa a proposta do presente ensaio.

    A questo resolve-se pela definio (a) do fato gerador e da base de clculodas contribuies previdencirias e (b) dos limites da competncia da Justia doTrabalho para executar essas contribuies sociais. Como se examinar adiante,esses elementos ganham contornos peculiares e requerem distintas solues,conforme a incidncia da contribuio ocorra sobre sentena homologatria oucondenatria e se discriminadas ou no as parcelas envolvidas.

    1 A LIDE DE NATUREZA PREVIDENCI`RIA E A LIDE DE NATUREZATRABALHISTA

    O texto constitucional preleciona que a competncia para conhecer e julgarao em que o INSS Autarquia Federal for parte da Justia Federal. No entanto,ao prever essa regra, estabelece tambm suas excees, entre as quais se encontramas causas de competncia da Justia do Trabalho, como se depreende do art. 109, I,da Constituio da Repblica. Observe-se:

    Art. 109. Aos juzes federais compete processar e julgar:

    * Ministra do Tribunal Superior do Trabalho. Presidente da Academia Nacional de Direito do Tra-balho.

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    I as causas em que a Unio, entidade autrquica ou empresa pblicafederal forem interessadas na condio de autoras, rs, assistentes ouoponentes, exceto as de falncia, as de acidentes de trabalho e as sujeitas Justia Eleitoral e Justia do Trabalho. (destacado)

    Com a promulgao da Emenda Constitucional n 20, foi acrescido o 3 aoart. 114 da Constituio da Repblica, transferindo Justia Especializada acompetncia para executar, de ofcio, as contribuies sociais do art. 195, I, a, e II,da Constituio da Repblica. Eis a redao desses dispositivos:

    Art. 114. Compete Justia do Trabalho conciliar e julgar os dissdiosindividuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos osentes de direito pblico externo e da administrao pblica direta e indiretados Municpios, do Distrito Federal, dos Estados e da Unio, e, na forma dalei, outras controvrsias decorrentes da relao de trabalho, bem como oslitgios que tenham origem no cumprimento de suas prprias sentenas,inclusive coletivas.

    (...)

    3 Compete ainda Justia do Trabalho executar, de ofcio, ascontribuies sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acrscimoslegais, decorrentes das sentenas que proferir. (destacado)

    Art. 195. A seguridade social ser financiada por toda a sociedade,de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientesdos oramentos da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios,e das seguintes contribuies sociais:

    I do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada naforma da lei, incidentes sobre:

    a) a folha de salrios e demais rendimentos do trabalho pagos oucreditados, a qualquer ttulo, pessoa fsica que lhe preste servio, mesmosem vnculo empregatcio;

    (...)

    II do trabalhador e dos demais segurados da previdncia social,no incidindo contribuio sobre aposentadoria e penso concedidas peloregime geral de previdncia social de que trata o art. 201. (destacado)

    A definio constitucional da competncia desta Justia Especializada e aposterior regulamentao da matria pela Lei n 10.035, de 25.10.2000, certamentepacificaram boa parte das discusses sobre a possibilidade de o prprio juzotrabalhista executar, ex officio, as contribuies previdencirias sobre verbascompreendidas na deciso que proferir.

    Malgrado o avano promovido pela Emenda Constitucional n 20,referendado pela Orientao Jurisprudencial n 141 da SBDI-1/TST, uma srie dedvidas ainda atormenta a doutrina e jurisprudncia trabalhistas, acerca dos limitesda competncia desta Justia Especializada para executar as contribuiesprevidencirias.

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    A compatibilizao da competncia da Justia Trabalhista e Federal, aps oadvento da Emenda Constitucional n 20, requer seja reconhecida a distino entrelide de natureza trabalhista e lide de natureza previdenciria.

    A primeira, como se sabe, aquela que envolve a discusso de direitostrabalhistas decorrentes da relao de emprego que, por sua vez, caracterizadapela presena dos pressupostos ftico-jurdicos (pessoalidade, subordinao, no-eventualidade e onerosidade) e jurdico-formais (sujeitos capazes, objeto lcito eforma legal) do vnculo empregatcio (Curso de Direito do Trabalho, MaurcioGodinho, 2004, p. XXX). Nos termos do art. 114 da Carta Magna, compete a essaJustia Especializada conhecer e julgar essa lide.

    A segunda, por sua vez, diz respeito controvrsia decorrente de dupla relaojurdica: (i) de custeio e (ii) de seguro social. No primeiro caso, discute-se oadimplemento da obrigao previdenciria, em que devedor o contribuinte nocaso, empregadores e/ou empregados e credor o Estado (INSS). A segunda relao,de seguro social, aquela em que, ao contrrio da relao de custeio, credor oindivduo filiado ao regime de previdncia e seus dependentes, e devedor o Estado,por meio do INSS, cingindo a controvrsia concesso de benefcios e servios.Nesses casos, a competncia para o conhecimento e julgamento da causa da JustiaFederal, nos termos do art. 109, I, da Constituio da Repblica.

    A Emenda Constitucional n 20, de 1998, ao transferir para a Justia doTrabalho a competncia para executar, de ofcio, as contribuies sociais decorrentesde suas sentenas, no extinguiu a da Justia Federal para o exame da lide decorrenteda relao jurdica de natureza previdenciria. Com efeito, a alterao constitucionallimitou-se a transferir para essa Justia Especializada um aspecto da lide de naturezaprevidenciria, em que todos os elementos da relao de custeio j se encontramespecialmente delineados, permitindo, assim, ao prprio magistrado prolator dasentena trabalhista determinar a imediata execuo das contribuies sociais.

    Nesse aspecto, louvvel a inovao legislativa. Afinal, se o crditoprevidencirio j se encontra claramente delineado no contedo da sentenatrabalhista, no h razo para se delongar o processamento da matria, exigindo-sea propositura de nova ao na Justia Federal. O que almejou o legislador foi to-somente suprimir o rigorismo que servia apenas a protelar o pagamento do dbitoprevidencirio.

    Assim compreendida a questo, a Justia do Trabalho competente paraexaminar matria previdenciria, promovendo a execuo, de ofcio, dascontribuies sociais decorrentes das sentenas que proferir, apenas quando o crditoprevidencirio j for exeqvel. A exeqibilidade surge na sentena trabalhista comocorolrio do regular processo de conhecimento em que so observadas as garantiasdo contraditrio e da ampla defesa ou na hiptese de acordo homologado situaoem que o prprio ajuste denota o reconhecimento das parcelas remuneratriasdevidas.

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    Do contrrio, subsistindo controvrsia sobre a efetiva ocorrncia e oscontornos do fato gerador ou da base de clculo para a apurao da dvidaprevidenciria, ganha ela ntidos contornos de lide previdenciria. Nessa situao,falece competncia Justia do Trabalho para o conhecimento da contenda, quedever ser submetida apreciao da Justia Federal. Bem assim, a execuo dacontribuio somente ocorrer aps o lanamento realizado pela autoridadeadministrativa, a inscrio do dbito em dvida ativa e, finalmente, a propositura daao de execuo fiscal, obedecendo-se s garantias previstas na legislaopertinente.

    2 A CARACTERIZAO DA EXEQIBILIDADE DO CRDITOPREVIDENCI`RIO

    Conforme acima examinado, competente o magistrado trabalhista paraexecutar ex officio a contribuio social sobre a sentena que proferir. Resta examinarem que momento est caracterizada a exeqibilidade do crdito previdenciriodecorrente da sentena trabalhista. A resposta simples: quando delineados todosos elementos para o clculo do crdito previdencirio, a saber: sujeito ativo, sujeitopassivo, fato gerador e base de clculo.

    O sujeito ativo ser sempre o INSS, que exerce a atribuio constitucionalde arrecadar a contribuio social, e o passivo sero os integrantes da relaotrabalhista, de modo que j no subsistem debates a esse respeito.

    Ganha especial interesse para a definio da competncia da Justia doTrabalho o exame do fato gerador e da base de clculo das contribuiesprevidencirias. O primeiro o fato gerador identificado como a situao jurdicadefinida em lei como suficiente para o surgimento da obrigao de contribuir. Emmatria previdenciria, delimitado pelo salrio-de-contribuio, definido como amedida do valor com que se obtm o montante da contribuio (Carlos Alberto P.de Castro e Joo B. Lazzari, Manual de Direito Previdencirio, So Paulo: LTrEditora, 2002, p. 197).

    Em cada espcie de relao de trabalho, o fato gerador delimitado demaneiras distintas pela legislao previdenciria, conforme a qualificao dotrabalhador e a relao estabelecida. Por exemplo, para o trabalhador avulso, osalrio-de-contribuio a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados.Para o domstico, ser a remunerao registrada na CTPS. Para o autnomo, aremunerao auferida em uma ou mais empresas pelo exerccio de sua atividade oupor conta prpria. Para o dirigente sindical, a remunerao paga, devida oucreditada pela entidade sindical, pela empresa ou por ambas, conforme relao quese estabelece.

    Note-se, por oportuno, que, no obstante as distintas definies de salrio-de-contribuio estabelecidas pela lei, seja qual for o conceito eleito para a incidnciada contribuio previdenciria, o fato gerador da obrigao envolver, de algumaforma, a remunerao pelo trabalho. Bem assim, essa contribuio incide to-

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    somente sobre as parcelas de natureza remuneratria, excludas as pagas a ttulo deindenizao. Por esse motivo, a Lei n 8.212/91 exclui do salrio-de-contribuio aindenizao compensatria de 40% do montante depositado no FGTS, a indenizaopor tempo de servio anterior Constituio de 1988, a indenizao por despedidasem justa causa nos contratos por prazo determinado, a indenizao por tempo deservio do safrista, o aviso prvio indenizado e a licena-prmio indenizada, entreoutros.

    Nesse contexto, vale notar que o Superior Tribunal de Justia j se posicionouno sentido de que as contribuies previdencirias apenas incidem sobre as parcelasde natureza remuneratria, excludas as pagas a ttulo de indenizao pelo servioprestado, como se observa nas ementas infratranscritas:

    TRIBUT`RIO SAL`RIO-DE-CONTRIBUIO DESPESASDE QUILOMETRAGEM CONTRIBUIO PREVIDENCI`RIA NATUREZA INDENIZATRIA NO-INCIDNCIA 1. A utilizao deveculo do prprio empregado um benefcio em favor da empresa, porsujeitar seu patrimnio aos riscos e depreciaes, custos esses que bem podemser dimensionados com a comparao de valores locatcios de veculos emempresas especializadas, tudo a indicar inexistir excesso de valoresindenizados. 2. O ressarcimento das despesas realizadas a ttulo dequilometragem, prestadas por empregados que fazem uso de seus veculosparticulares, no tem natureza salarial, no integrando, assim, o salrio-de-contribuio para fins de pagamento da previdncia social. 3. Situao diversaocorre quando a empresa no efetua tal ressarcimento, pelo que passa a serdevida a contribuio para a Previdncia Social, porque tal valor passou aintegrar a remunerao do trabalhador. No caso, tm as referidas despesasnatureza utilitria em prol do empregado. So ganhos habituais sob formade utilidades, pelo que os valores pagos a tal ttulo integram o salrio-de-contribuio. 4. Recurso no provido. (REsp 395.431/SC, DJ 25.03.2002,Min. Rel. Jos Delgado)

    PROCESSUAL CIVIL PREVIDENCI`RIO CONTRIBUIOPREVIDENCI`RIA AUXLIO CRECHE-BAB` AUXLIO-COM-BUSTVEL NATUREZA SALARIAL E INDENIZATRIA VIO-LAO DO ART. 535 DO CPC INOCORRNCIA 1. Inexiste ofensaao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora sucintamente,pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questo posta nos autos.Ademais, o magistrado no est obrigado a rebater, um a um, os argumentostrazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sidosuficientes para embasar a deciso. 2. O auxlio-creche que ostenta naturezaremuneratria, posto pago com habitualidade e sem descontos na remuneraodo empregado, integra o salrio-de-contribuio. 3. O ressarcimento dasdespesas realizadas a ttulo de quilometragem, prestadas por empregadosque fazem uso de seus veculos particulares, no tem natureza salarial, nointegrando, assim, o salrio-de-contribuio para fins de pagamento da

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    previdncia social. 4. Precedentes jurisprudenciais da 1 Turma do STJ. 5.Recurso especial do Banco conhecido e provido em parte. 6. Recurso especialda Autarquia parcialmente conhecido, e nesta parte, parcialmente provido.(REsp 440.916/SC, DJ 16.12.2002, Rel. Min. Luiz Fux)

    Com essa reflexo, importa ter em mente que o fato gerador da obrigao decontribuir para a Previdncia Social origina-se quando (i) paga, (ii) creditada ou(iii) devida a remunerao destinada a retribuir o trabalho. Nesse sentido, estabeleceo art. 22, I, da Lei n 8.212/91, que regulamenta a contribuio social prevista noart. 195 da Constituio da Repblica:

    Art. 22. A contribuio a cargo da empresa, destinada SeguridadeSocial, alm do disposto no art. 23, de:

    I vinte por cento sobre o total das remuneraes pagas, devidas oucreditadas a qualquer ttulo, durante o ms, aos segurados empregados etrabalhadores avulsos que lhe prestem servios, destinadas a retribuir otrabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhoshabituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajustesalarial, quer pelos servios efetivamente prestados, quer pelo tempo disposio do empregador ou tomador de servios, nos termos da lei ou docontrato ou, ainda, de conveno ou acordo coletivo de trabalho ou sentenanormativa. (Redao dada pela Lei n 9.876, de 26.11.1999) (destacado)

    Em regra, portanto, observa-se que a legislao previdenciria delimita aincidncia da contribuio sobre as parcelas remuneratrias. Desse modo, no restadvida de que, quando ocorre o (i) pagamento da remunerao ou quando essevalor (ii) creditado ao trabalhador, surge o dever de contribuir previdncia.Questo mais intricada ganha corpo quando configurado o inadimplemento daremunerao trabalhista, i.e., quando (iii) devida a remunerao. Nessa hiptese,pergunta-se: em que momento ocorre o fato gerador da obrigao previdenciria?

    Nessa terceira situao, o fato gerador da obrigao de contribuir para aPrevidncia Social nasce simultaneamente com o direito objetivo percepo daremunerao, o que no se confunde com a prestao do servio. Explica-se: odireito percepo da remunerao surge no termo acertado entre os sujeitos darelao de trabalho, no devendo ser estipulado por perodo superior a um ms,salvo o que concerne a comisses, percentagens e gratificaes (art. 459 da CLT)e, quando mensal, deve ser pago at o quinto dia til do ms subseqente ao vencido(art. 459, pargrafo nico da CLT). Se, por exemplo, o terminu estabelecido findamensalmente no dia 5 (cinco), surge, apenas nessa data, o direito objetivo percepoda remunerao pelo empregado, a partir de quando tambm passa a ser devido opagamento da contribuio previdenciria (art. 30, I, b, parte final, da Lei n 8.212/91). Afinal, o adiantamento salarial prerrogativa do empregador. Do contrrio,admitir-se-ia a ampla discricionariedade de o empregado exigir, quando melhor lheaprouvesse, o pagamento dos dias j trabalhados, o que no se coaduna com aordem exigida na relao de emprego.

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    E por que o fato gerador da obrigao previdenciria no se originadiretamente da prestao do servio? Ora, porque a Carta Magna no admite essapossibilidade. Ningum h de duvidar que existe clara diferena entre incidir acontribuio social sobre a prestao do servio situao em que o fato gerador o trabalho e sobre o pagamento/crdito da remunerao situao em que o fatogerador a realizao do pagamento ou do crdito ao sujeito predeterminado. AConstituio, em seu art. 195, I, adota expressamente a segunda situao, literalmenteafirmando que a contribuio social incide sobre rendimentos do trabalho pagosou creditados, a qualquer ttulo, pessoa fsica que lhe preste servio, mesmo semvnculo empregatcio (alnea a do inciso I). Ademais, se o fato gerador fosse aprestao do servio, a pretenso arrecadadora seria levada ao absurdo de exigir acontribuio social inclusive sobre o trabalho voluntrio. Por bvio, no procede ainteno de considerar a prestao do servio como fonte da obrigao previdenciria.

    No momento em que surge a obrigao trabalhista de pagar a remuneraoao empregado, surge tambm a obrigao previdenciria de contribuir para o INSS.Esses efeitos emanam tambm do acordo trabalhista judicial ou extrajudicial e dasentena.

    Na primeira situao, admite-se a possibilidade de o empregado transigirsobre o crdito trabalhista, ao celebrar o acordo judicial ou extrajudicial, conformeprestigiado no art. 114, 2, da Constituio da Repblica. Firmado o ajuste, aobrigao entre as partes decorrente do acordo pactuado faz as vezes daobrigao trabalhista originria. Assim, o dever de o empregador adimplir o crditotrabalhista no mais deriva, de forma direta, da relao de trabalho originalmentevigente, mas, sim, do acordo celebrado com o empregador.

    O acordo, ao se revestir por fico jurdica do papel at ento atribudo obrigao trabalhista originria, implica a alterao da prpria obrigao previ-denciria. Isso porque o fato gerador da contribuio social no mais deve residirno direito objetivo remunerao inicialmente devida, mas, sim, no direito objetivo percepo das parcelas remuneratrias do valor acordado. Em suma, o fatogerador da obrigao previdenciria decorrente do acordo judicial ou extrajudicialnasce com o ato de sua celebrao, a partir de quando a remunerao passa a ser(iii) devida. Por isso, a contribuio social deve ser calculada sobre o montante dasparcelas remuneratrias acordadas, e no sobre a remunerao a que originalmentetinha jus o empregado.

    Nessa mesma linha, quando a lide resolve-se em juzo, a sentenacondenatria sucede aos efeitos originrios da realidade ftica. Desse modo, aobrigao de contribuir para a Previdncia Social, na hiptese, tem por fato geradorno mais a remunerao em abstrato devida pelo trabalho, mas sim, o trnsito emjulgado das parcelas remuneratrias fixadas pela sentena. Esse o termo a partirdo qual a contribuio social passa a ser (iii) devida. Tal como na situaoanteriormente descrita referente celebrao de acordo entre empregador eempregado , na presente situao a obrigao trabalhista originria suprida pela

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    obrigao derivada da sentena condenatria, como se fosse a prpria realidadeftica.

    Essa compreenso, entretanto, no se observa quando proferida sentenadeclaratria que homologa acordo judicial. Aqui, o fato gerador da contribuioprevidenciria decorre do acordo celebrado entre as partes, e no propriamente dasentena. Isso porque, nesse caso, a deciso judicial apenas ratifica os termos doajuste, atestando sua legalidade e conferindo-lhe os efeitos da coisa julgada material,sem influir na substncia das prestaes acertadas. Essas prestaes, assim como acontribuio social, passam a ser (iii) devidas a partir da celebrao do acordo.

    Ao ensejo, cumpre ainda infirmar a manifestao, no raras vezes encontradana doutrina, de que a Emenda Constitucional n 20, de 1998, criara novo fato geradordas contribuies sociais, qual seja, as sentenas proferidas pela Justia do Trabalho.Ora, essa vertente maximalista merece repdio. A uma, porque a sentena judicialno per si uma situao ftica necessria e suficiente incidncia da hiptese decontribuir (fato gerador), mas apenas realiza essa situao. A duas, porque se talposio fosse levada ao extremo, sucumbiria a prpria Justia do Trabalho, reduzindoseu papel institucional a mero instrumento de arrecadao de dbitos previdencirios.A trs, porque ignoraria a coisa julgada, o devido processo legal e demais princpiosque regem a execuo do crdito tributrio, nas situaes em que aindaindeterminado.

    Feitas essas consideraes, so assim sistematizadas as respostas indagaosobre o momento em que ocorre o fato gerador da obrigao previdenciria, quandoa remunerao no for paga ou creditada: (i) celebrado acordo judicial ouextrajudicial, o fato gerador ocorre com o ato do ajuste; (ii) se a questo for resolvidaem juzo mediante sentena condenatria, o fato gerador ocorre com o trnsito emjulgado da sentena; (iii) se proferida sentena homologatria de acordo judicial, ofato gerador a celebrao do acordo.

    Por seu turno, a base de clculo para o pagamento da contribuio socialconsiste no valor da remunerao paga, creditada ou devida ao trabalhador no msde competncia. No caso de (i) pagamento ou (ii) crdito, basta aferir o valor dasparcelas remuneratrias envolvidas para determinar a base de clculo. Se (iii) devidaa remunerao, a base de clculo indeterminada e no cabe Justia do Trabalhopresumir o valor das parcelas remuneratrias pagas ao trabalhador em cada ms decompetncia. Nessa situao, apenas com relao s parcelas remuneratrias dasentena condenatria ou do acordo homologado que se torna possvel a estaJustia Especializada determinar a execuo ex officio das contribuies sociais.

    4 CONSIDERAES FINAIS

    Diante de toda a reflexo, vale relembrar que a competncia da Justia doTrabalho para executar as contribuies sociais limita-se hiptese em quecaracterizada a exeqibilidade do crdito previdencirio na sentena ou no acordo,i.e., quando delineados todos os elementos para o clculo do crdito previdencirio.

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    Assim, se o fato gerador ou a base de clculo no estiverem adequadamentedelimitados, a questo refoge competncia da Justia Especializada, devendo oINSS realizar o lanamento e inscrio em dvida ativa, para posterior propositurada ao executiva.

    Nesse passo, se proferida (a) sentena condenatria, a execuo dacontribuio abranger o montante das parcelas remuneratrias discriminadas nacondenao; se proferida (b) sentena homologatria de acordo, incidir sobre asparcelas remuneratrias discriminadas no acordo; se (c) no forem discriminadaspela sentena ou pelo acordo as parcelas remuneratrias, no competente a Justiado Trabalho para, ex officio, executar as contribuies.

    No que concerne hiptese em que a sentena ou acordo (d) reconhece arelao de emprego com anotao da CTPS da Reclamante, mas no prev opagamento de qualquer parcela remuneratria, a Justia do Trabalho no competente para executar, ex officio, a contribuio social sobre o perodoreconhecido. Isso porque, por um lado, no est delineada a base de clculo para adefinio do crdito previdencirio em relao a cada ms de competncia e, poroutro, o fato gerador no est comprovado, mas apenas presumido, visto que no hcomo confirmar o real pagamento ou crdito da remunerao. Sobre esse perodo,cabe ao INSS efetuar o lanamento do tributo e, se entender pertinente, mover aao executiva para a execuo do crdito.

    Nessa sistemtica e luz de toda a fundamentao exposta, no h comoadmitir a legalidade do art. 276, 7, do Decreto n 3.048/99, que regulamenta oart. 43 da Lei n 8.212/91. Segundo aquele dispositivo, se da deciso resultarreconhecimento de vnculo empregatcio, devero ser exigidas as contribuies,tanto do empregador como do reclamante, para todo o perodo reconhecido, aindaque o pagamento das remuneraes a ele correspondentes no tenham sidoreclamadas na ao (...).

    A impropriedade do artigo manifesta, pois regulamenta a ilgica situaode se efetivar a exao de contribuio social pela Justia do Trabalho, ainda quandoinexistente ou indefinido o fato gerador ou indeterminada a base de clculo dacontribuio. Pressupe, nesse passo, competncia totalizante desta JustiaEspecializada para executar contribuies sociais sobre toda e qualquer ao a elasubmetida, de maneira geral e irrestrita.

    Por fim, se a sentena ou o acordo afirmarem que todas as parcelas possuemnatureza indenizatria, falece competncia Justia do Trabalho para executar acontribuio social. O pargrafo nico do art. 43 da Lei n 8.212/91 estabelece que,nas sentenas judiciais ou nos acordos homologados em que no figurarem,discriminadamente, as parcelas legais relativas contribuio previdenciria, estaincidir sobre o valor total apurado em liquidao de sentena ou sobre o valor doacordo homologado. evidente que a previso normativa alarga a hiptese deincidncia da contribuio previdenciria, tributando no apenas a remuneraopaga ao trabalhador, conforme previsto no art. 195 da Constituio da Repblica,

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    como tambm admitindo a possibilidade de execuo sobre verbas de naturezaindenizatria.

    Essa ampliao da hiptese de incidncia implica, verdadeiramente, ainstituio de nova modalidade de contribuio previdenciria em desacordo com adeterminao constitucional. Como se observa do simples exame da Carta Magna,apenas as contribuies previstas nos incisos I, II e III do art. 195 podem ser institudaspor lei ordinria. O estabelecimento de outras contribuies sociais deve,necessariamente, realizar-se via lei complementar, conforme requer o art. 154, I,combinado com o 4 do art. 195 da Constituio da Repblica. Eis a letra dosreferidos dispositivos:

    Art. 195 (...)

    4 A lei poder instituir outras fontes destinadas a garantir amanuteno ou expanso da seguridade social, obedecido o disposto noart. 154, I. (destacado)

    Art. 154. A Unio poder instituir:

    I mediante lei complementar, impostos no previstos no artigoanterior, desde que sejam no-cumulativos e no tenham fato gerador oubase de clculo prprios dos discriminados nesta Constituio; (destacado)

    Nessa seara, vale observar que o e. Supremo Tribunal Federal j se manifestousobre a necessidade de lei complementar para a instituio de nova contribuiosocial. Veja, por exemplo, o julgamento do RE n 177.296/RS, acrdo da lavra doMinistro Moreira Alves, em que foi declarada a inconstitucionalidade de expressesdo inciso I do art. 3 da Lei n 7.787/89, por estabelecerem contribuio social acategorias de trabalhadores, na forma do art. 195 da Constituio, sem edio de leicomplementar:

    Contribuio social. Argio de inconstitucionalidade, no inciso Ido art. 3 da Lei n 7.787/89, da expresso avulsos, autnomos eadministradores. Procedncia. O Plenrio desta Corte, ao julgar o RE166.772, declarou a inconstitucionalidade do inciso I do art. 3 da Lei n7.787/89, quanto aos termos autnomos e administradores, porque noestavam em causa os avulsos. A estes, porm, se aplica a mesmafundamentao que levou a essa declarao de inconstitucionalidade, umavez que a relao jurdica mantida entre a empresa e eles no resulta decontrato de trabalho, no sendo aquela, portanto, sua empregadora, o queafasta o seu enquadramento no inciso I do art. 195 da Constituio Federale, conseqentemente, impe, para a criao de contribuio social a essacategoria, a observncia do disposto no 4 desse dispositivo, ou seja, queela se faa por lei complementar e no como ocorreu por lei ordinria.Recurso extraordinrio conhecido e provido, declarando-se a inconstitu-cionalidade dos termos avulsos, autnomos e administradores contidos noinciso I do art. 3 da Lei n 7.787/89. (destacado)

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    Pelo mesmo fundamento adotado pelo e. Supremo Tribunal Federal, entendoque o art. 43 da Lei n 8.212/91 est eivado de inconstitucionalidade, merecendo arepulsa do Poder Judicirio. Assim, penso que esta c. Terceira Turma no deveadmitir a possibilidade de incidncia da contribuio social, indistintamente, sobreo total da condenao ou do acordo homologado.

    Em que pese a louvvel evoluo promovida pela Emenda Constitucionaln 20, que acresce o 3 ao art. 114 da Constituio da Repblica, apressando aexecuo das contribuies previdencirias nesta Justia Especializada, essainovao, ao nosso juzo, no pode ser compreendida de maneira absoluta eatemporal. Conforme o ensinamento de Ronald Dworkin, no processo de recriaodo direito, feito a cada dia, a cada deciso o jurista deve olhar para o futuro, massem esquecer a experincia do passado, buscando manter o equilbrio doordenamento jurdico.

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