A condição social do estudante trabalhador um dilema vivido entre os acadêmicos das universidades...
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A CONDIÇÃO SOCIAL DO ESTUDANTE-TRABALHADOR: UM DILEMA VIVIDO ENTRE OS ACADÊMICOS DAS UNIVERSIDADES PARTICULARES DO
EXTREMO SUDOESTE – PR1
Elisangela Zamprogna
Lucélia Costacurta2
Allan Andrei Steimbach3
Resumo: Este artigo tem como objetivo avaliar a condição social do estudante-trabalhador, acerca de uma realidade vivida pelos acadêmicos das universidades particulares do extremo sudoeste do Paraná. Posto que a precária situação econômico-financeira da maioria dos estudantes os obriga a conciliar o curso superior com uma atividade profissional, mesmo que esta não esteja relacionada ao curso escolhido, ou ainda, que a escolha do curso deu-se a partir da realidade vivida no mercado de trabalho. Objetiva-se também investigar os possíveis rebatimentos que a atividade de trabalho pode exercer sobre a formação profissional dos estudantes. Para uma melhor compreensão desta discussão realizamos pesquisa bibliográfica confrontando com a nossa própria experiência acadêmica.Constatamos a necessidade de uma reformulação nas instituições para estarem recebendo estes estudantes-trabalhadores, para que estes possam ser inseridos no mercado de trabalho tendo as mesmas oportunidades que os demais estudantes que não se enquadram nesse perfil. Este artigo não fornece conhecimento definitivo acerca da temática abordada, mas com certeza, as informações aqui apresentadas são uma grande contribuição para um melhor aprofundamento desse tema.
Palavras-chave: Estudante-trabalhador; universidade; oportunidade.
Introdução
O presente artigo se refere à análise acerca da condição social do
estudante-trabalhador: um dilema vivido pelos acadêmicos de universidades
particulares do extremo sudoeste do Paraná, que corresponde aos municípios de
Capanema, Planalto, Realeza, Santa Izabel do Oeste, Pérola do Oeste, Bela Vista
da Caroba, Pranchita, Santo Antônio do Sudoeste, Barracão, Bom Jesus do Sul,
Pinhal de São Bento e Ampére, com o objetivo de investigar os possíveis
rebatimentos que a atividade de trabalho pode exercer sobre a formação profissional
dos estudantes.
Inicialmente, a escolha pela temática deu-se a partir da própria realidade na
qual as acadêmicas encontram-se inseridas, sobretudo, ao deparar-se com diversas
1 Texto elaborado como avaliação interdisciplinar para o segundo bimestre 2010. 2 Acadêmicas do 4º Período do Curso de Graduação em Serviço Social, Faculdade de Ampére-FAMPER. Elisangela Zamprogna RA: e-mail para contato: [email protected] e Lucelia Costacurta SS008-1/20105456, e-mail para contato: [email protected] 3 Orientador, Professor da Disciplina Trabalho, Processo do Trabalho e Constituição da Sociabilidade II, Graduado em Pedagogia, Especialista em Ciências Sociais, Mestrando em Educação.
dificuldades apresentadas pela maioria dos estudantes-trabalhadores, ao tentarem
conciliar as necessidades da reprodução social com as exigências impostas pela
dinâmica da Universidade. A partir da realidade empírica, é possível constatar que
muitos acadêmicos são também trabalhadores e, em sua maioria, estudam no
período noturno uma vez que exercem algum tipo de atividade remunerada durante
o dia. Tal fato se justifica pelo motivo de, na região do extremo sudoeste
Paranaense, grande parte da população estar enquadrada no perfil econômico da
classe média baixa. Portanto, há uma necessidade que, muitas vezes e ainda de
forma precoce, os jovens precisam inserir-se no mercado de trabalho para
contribuírem com a renda familiar.
Desse modo, muitos estudantes-trabalhadores vivem um dilema: cursar um
curso de sua preferência ou optar apenas pelos cursos no turno noturno?
Geralmente, é a partir da opção do período (diurno ou noturno) a ser
cursado pelo acadêmico que já se legitima a sua posição de estudante-trabalhador
face à delimitação da sua disponibilidade para os estudos.
Ao se tentar compreender os principais fatores que implicam na necessidade
social que leva o estudante trabalhar e estudar ao mesmo tempo e as possíveis
complicações geradas a partir desse fenômeno, o presente artigo se apóia no
referencial histórico – critico, com uma abordagem globalizante, na medida em que
procuramos nos dedicar para alcançar a totalidade e a dinamicidade da realidade.
Portanto, mediante a uma reflexão inicial e aproximativa dessa realidade é
que se justifica a relevância da temática contemplada neste artigo.
Contexto da Investigação
Sabe-se que o universo universitário contempla estudantes advindos de
diferentes classes sociais. Inclusive alguns autores afirmam que apenas uma minoria
desse segmento, advinda da classe “privilegiada”, dispõe de tempo integral aos
estudos, e por esse motivo acaba tendo maiores possibilidades para participar das
inúmeras atividades que a academia oferece, seja ao nível de ensino, da pesquisa
ou da extensão. Em contrapartida, um número significativo de estudantes advindos
das classes subalternas que, por questões sociais e financeiras, são obrigados a
dedicar grande parte do tempo ao trabalho, empiricamente, acabam sendo excluídos
do acesso à universidade que, através de um discurso político e ideológico,
pretende-se tornar democrática.
Ao excluir do acesso à universidade a maior parte dos brasileiros, ao distanciar social e financeiramente estudantes e professores dos funcionários, ao preparar as elites como uma orientação que continuará reproduzindo o tipo de capitalismo gerador de injustiças que temos, ao se distanciar da solução para os graves problemas que afligem o povo, a instituição nega a cidadania pretendida.
4
Outro impasse se dá à medida que a sua escolha deve estar atrelada aos
interesses da empresa onde trabalha, pois em alguns casos o patrão interfere na
escolha, induzindo a partir da própria convivência da empresa, o curso que o
trabalhador deverá optar. Posto que em alguns locais de trabalho o empregador
incentiva o funcionário a fazer curso superior que proporcionará uma maior
capacitação do empregado para o trabalho, embora nem sempre ofereça condições
para que ele possa freqüentar o curso com aproveitamento total. Então o estudante-
trabalhador, mediante a falta de tempo adquirida devido à exaustiva jornada de
trabalho que é obrigado a cumprir e perante as precárias condições financeiras que
dispõe, acaba relegando as exigências do ensino a segundo plano.
Sem duvida, a problemática do estudante que está inserido no mundo do trabalho, e a ele se dedica quase integralmente, difere-se em muitos aspectos do acadêmico que somente se dedica à universidade e não necessita custear os próprios estudos; geralmente são aqueles no ensino Público.
5
O atual contexto brasileiro caracterizado pela ofensiva neoliberal e sob a
forte influência da ideologia globalizante imposta pelos principais organismos
internacionais (o Fundo Monetário Internacional – FMI e o Banco Mundial) vem
impondo inúmeras mudanças (muitas profundamente negativas) no mundo do
trabalho, onde a educação está incluída como categoria superestrutural.
Entre essas principais mudanças, destaca-se a questão da privatização. O
país enfrenta uma série de privatizações das instituições públicas, cujo discurso
oficial aponta a necessidade da crescente redução dos investimentos públicos ou
cortes nos fundos sociais, ou seja, o chamado “enxugamento” da máquina estatal. Com isso, a iniciativa privada tem dominado os setores centrais da economia
brasileira, que abrange desde a área da tecnologia de ponta aos setores de
prestação de serviços. Onde a própria educação tem alcançado uma nova dimensão
4 WANDERLEY, Luiz Eduardo W.Educação e cidadania.In Revista Serviço Social & Sociedade.(Nº62,
Ano XXI).Cortez:São Paulo: Março/2000, p.163. 5 BITTAR, Mariluce.Estudante-trabalhador: reflexões sobre o curso de Serviço Social.Anais do VII
ENPESS.Volume I.p.165
no campo dos investimentos privados.
Por sua vez, a nossa empiria demonstra que os usuários que mais recorrem
às instituições de ensino privado no país e, particularmente, no extremo sudoeste
Paranaense são majoritariamente pessoas trabalhadoras, filhos de agricultores,
advindos de vários municípios interioranos, que não conseguem prestar vestibulares
nas universidades federais e que enfrentam cotidianamente inúmeras dificuldades
financeiras na luta pela garantia das suas necessidades básicas e alcance dos seus
direitos sociais. Essas pessoas dispõem, portanto, apenas do turno noturno para
contemplar os seus estudos e, no entanto, se deparam com uma dificuldade
principal para ingressar nas instituições particulares de ensino superior: os valores
elevados das mensalidades que muitas vezes, extrapolam o orçamento da renda
familiar.
A própria exigência de aperfeiçoamento imposta a partir das transformações
no mercado de trabalho fez com que os indivíduos não permanecessem apenas com
o ensino fundamental e médio, remetendo, portanto, a abertura de novos cursos no
ensino superior para atender a elevada demanda dos interessados.
Nesse processo as universidades deveriam estar se ajustando às exigências
conjunturais, mas como afirma Lôndero(2000,p.13) “a universidade brasileira vem se
ressentindo da urgência de uma reflexão madura e crítica sobre suas
especificidades, problemas e controvérsias, no intuito de definir sua verdadeira
imagem, para melhor desempenhar suas funções e atingir seus objetivos”. Elas não
conseguem acompanhar essas transformações e com isso acabam oferecendo
cursos de má qualidade.
Partindo da afirmativa de Littieri, (in Spósito,1989,p.9): “a crise da escola, na
sociedade capitalista de hoje está menos na limitação do direito ao estudo do que na
recusa do direito ao trabalho”.
Ao referendar a citação acima, é possível analisar que, empiricamente,
houve um aumento no nível de acesso à escolaridade exigida, comparada a uma
proporção menor do que o nível necessário de qualificação solicitado pelo mercado
de trabalho.
História e Atualidade do Ensino Noturno no Brasil
Estudos revelam que, historicamente o ensino noturno no Brasil surgiu em
alguns Estados, entre 1869 e 1886, ao nível de alfabetização para adultos. Mais
tarde, no século XX, entre os anos sessenta, passaram a surgir as primeiras
universidades noturnas com o objetivo, a priori, de suprir as necessidades dos
indivíduos inseridos no mercado de trabalho e que não pretendiam interromper a
formação acadêmica em virtude da necessidade de trabalharem. Essas
universidades, na sua grande maioria, eram particulares e atendiam tanto as classes
burguesas como alguns segmentos das camadas mais populares, que para
aumentar o orçamento familiar, tinham que conciliar estudo e trabalho no intuito
também de buscarem uma melhor qualificação.
No que se refere à legislação do ensino noturno no Brasil, apenas em 22 de
dezembro de 1992, através da Lei 8.539 que “o Poder Executivo foi autorizado a
criar cursos noturnos, em todas as instituições de ensino superior vinculadas à
União” DOU(1992,p.17). Mas, antes mesmo da aprovação desta lei, algumas
instituições federais/nacionais, já mantinham cursos noturnos. Como afirma Furlani
(1998,p.23), “a legislação apenas tornou explicita a autorização, o que não deixa de
ser um retrato da pouca atenção a esse ensino e de sua escassa oferta pelas
universidades públicas”.
Na verdade, percebe-se que o ensino noturno foi criado para atender parte
da classe trabalhadora, que não tinha tempo disponível para se dedicar aos estudos
no período diurno, uma vez que se deparava com a necessidade de se inserirem,
muitas vezes precocemente, no mercado de trabalho. Então, passaram a ocupar seu
tempo de descanso com os estudos.
É importante considerar também que a explosão demográfica surgida no
Brasil nos últimos cinqüenta anos (início da industrialização no Brasil), foi bem
superior do que as vagas ofertadas pelas indústrias, somada ao grande êxodo rural
que alterou o perfil do agricultor subsistente que não constava nos índices da PEA
(População Economicamente Ativa), e que foram incluídos nos elevados índices de
desemprego.
Cabe ainda assinalar a real precariedade das escolas em estar recebendo
os estudantes-trabalhadores, pois estas, acostumadas a reduzirem a uma didática
voltada para alunos que dispõem de tempo integral de dedicação aos estudos vem
se deparando nos últimos tempos, com outra realidade, alunos que tem que dividir
seu tempo entre a escola, o trabalho e, muitas vezes, a família.
Neste novo contexto, foram presenciadas situações em que uma parcela
significativa de estudantes não mais conseguiam acompanhar seus colegas que não
trabalham. Conseqüentemente, passaram a apresentar prejuízos com relação ao
rendimento escolar e, muitas vezes, formando-se marginalizados pela própria turma,
e também pelos professores que, por sua vez, entendem como sendo uma ”falta” de
capacidade dos alunos trabalhadores quando estes não conseguem atender a todas
as exigências das disciplinas.
“Esses alunos qualitativamente diferentes e quantitativamente mais
numerosos, deixaram a escola perplexa. Não sabendo como lidar com esses alunos
diferentes, ela projetou neles sua incompetência e passou a chamá-los de
incompetentes.”6
Algumas escolas desenvolvem, hoje, projetos pedagógicos e didáticos
especificamente para atender estudantes-trabalhadores, porém, são em pequeno
número. Entretanto, em algumas escolas ao se perceber as dificuldades dos
estudantes que freqüentam as escolas, cansados, com fome, após um dia exaustivo
de trabalho e, às vezes, sem condições psicológicas favoráveis, devido algum
conflito vivido no local de trabalho acaba sendo tolerantes demais, e flexíveis no
cumprimento das atividades e tende também a prejudicar aos alunos ao lhe permitir
maiores facilidades nas atividades escolares o que vem rebater na qualidade da
própria formação.
Face ao exposto paradoxo, foram estabelecidas normas especiais para o
ensino superior noturno. Atualmente, este já possui características pré-determinadas
que o diferencie do diurno. Segundo CASTANHO (1989, p.33):
(...) possuem experiências escolares deficientes antes do ingresso no ensino superior (aluno do diurno tem mais “capacidade”, freqüentou colégios de melhor “nível”, não interrompeu estudos); ingressaram precocemente no mercado de trabalho, antes da conclusão da vida escolar; necessitam trabalhar oito ou mais horas por dia, com pouco tempo para o estudo. Quanto à faixa estaria alunos do diurno são mais novos, os do noturno tem sua própria família, sendo casados e com filhos. Por outro lado apontam que alunos do noturno têm mais maturidade, maior interesse e experiência, participam, questionam e são mais responsáveis, mais “esforçados” que os do diurno, sendo estes, classificados como mais imaturos e irresponsáveis.
A responsabilidade, enquanto uma cobrança a ser feita para o estudante-
trabalhador, também é incorporada por ele próprio. Pois, ele encara o estudo como
uma extensão do seu trabalho, como horários pré-estabelecidos, prazos de entrega
de trabalhos acadêmicos, somados aos compromissos do próprio trabalho sem levar
6 CASTANHO, Maria Eugênia. Universidade à noite – fim ou começo da jornada? São Paulo: Papirus,
1989, p. 27.
em consideração a capacidade de resistência do seu corpo e mente, que chegam ao
final do dia, esgotados, sem o mesmo rendimento que no início do dia. Assim, o
estudo acaba sendo mais concebido como uma obrigação do que uma realização e
satisfação pessoal. Em última instância alguns estudantes por não conseguirem
superar as suas fragilidades e limitações acabam desistindo da universidade.
Esse perfil do estudante de curso noturno remete na análise acerca da
relação entre universidade e capital. A universidade é considerada por muitos
autores como reprodutora do capitalismo, como afirma SPÒSITO (1989, p.18):
(...) de um lado, a escola, mediante processos de seletividade social e criação de “centros culturais de excelência”, prepara os quadros de funcionários do capital, principalmente no âmbito de organização, planejamento, gerência, supervisão e controle de produção e, ainda, parte do corpo coletivo de trabalho, por outro, cumpre também uma função mediadora no processo de acumulação capitalista, através de sua ineficiência, sua desqualificação”.
O autor ainda afirma que a reforma universitária propôs que “fossem abertas
as portas” das universidades, para que todas as classes sociais tivessem aceito,
mas por outro, esqueceu das qualificação dos serviços prestados por elas, e mesmo
assim, não atingiu todas as classes, pois a possibilidade de estudar em uma
universidade pública passa distante da realidade das classes subalternas, que não
conseguiram manter sua permanência por muito tempo em uma universidade
pública, pois além de educação, necessitam de alimentação, saúde, condições
básicas para sobreviver.
Hoje, o acesso à universidade, seja ela pública ou particular, está mais
facilitado, mas ainda existem tabus impostos pelo capitalismo, o que as diferenciam
são os cursos, o tipo da instituição e a qualidade por ela oferecida. São maneiras de
selecionar os futuros profissionais, isso quer dizer, que o fato de estar cursando o
ensino superior não garante a sua vaga no mercado de trabalho, principalmente, se
estiver concorrendo com profissionais que cursam universidades intituladas pelo
atual sistema, como de “nomes” de respaldo. Isso, muitas vezes, acaba
desestimulando os futuros profissionais de instituições menores pleiteiam uma vaga
no mercado de trabalho.
10
Quando se fala em universidade e cursos superiores, logo se associa a
palavra trabalho, a qual se reserva a seguir um espaço para descrever sua origem.
Principais Problemas Enfrentados Pelo Estudante-Trabalhador
Trabalho origina do latim tripalium que significa instrumento de tortura, e foi
assim que por muito tempo o trabalho foi concebido.7
Relacionar trabalho e educação, portanto, significa estar aberto, disposto
para a aquisição de novos conhecimentos. Implica, portanto em aceitar desafios,
estabelecer metas e aprender superar os limites comuns da vida cotidiana no
sentido de se alcançar os objetivos. No universo da academia não há vitórias e
conquistas sem disciplina e dedicação. Porém, parte de uma vontade individual
somada aos esforços coletivos, a necessidade de alcançar o conhecimento.
Ao entender que a realidade é uma dinâmica, implica afirmar que para se
acompanhar a dinamicidade dos fatos faz-se necessário despertar no acadêmico a
inquietude, a indagação, pois a curiosidade e a necessidade de aprender o
desconhecido o aproximará do conhecimento.
Neste sentido, a dimensão do ensino superior no que se refere ao fomento
do conhecimento transcende ao mero cumprimento das atividades acadêmicas.
Logo, o estudante, embora também sendo um trabalhador, tal como concebe o
trabalho como algo inerente à própria vida e que tende a complementar a sua
dignidade humana deve, portanto, apropriar-se do estudo (conhecimento) como uma
busca incessante e tornando-o parte intrínseca na trajetória da própria vida.
Historicamente, a realidade escolar vivenciada pelo estudante-trabalhador
tem demonstrado que a relação entre trabalho e ensino enfrenta limitações
estruturais e sociais que pode interferir na qualidade da formação profissional.
Muitas vezes, a necessidade do estudante inserir-se nas relações produtivas
incide antes mesmo dele ingressar na universidade. Isto é, trata-se de uma condição
em que o estudante já trabalha desde o período do ensino fundamental e ensino
médio. Logo, a vivência no ensino noturno é um fato que não mais o surpreende.
7 ALBORNOZ, Suzana.O que é trabalho.6.ed.São Paulo:Brasiliense, 1994.p.10
11
Visto que o motivo dele pertencer a uma determinada fração da classe social onde
era obrigado a trabalhar numa idade precoce e de escolarização, não lhe restava
alternativa senão matricular-se à noite.
Todavia, ressalta-se que o funcionamento dos cursos noturnos e do estudo
da legislação escolar não está totalmente adaptado às condições específicas dos
seus usuários e tampouco engloba as necessidades do estudante-trabalhador.
Certamente, tal incidência vem resultando no atropelamento de disciplinas,
na fragmentação dos conteúdos, na precarização do rendimento escolar, na
exposição unilateral (apenas o professor expõe) e principalmente, na restrição da
disponibilidade do estudante às demais atividades de pesquisa e extensão.
Os alunos percebem ainda que seus problemas não sejam levados em consideração e não há um referencial comum, porém atribuem tanto a falta de interesse como as dificuldades que enfrentam à atuação de alguns professores ou à sistemática de ensino.
8
E, dificilmente, percebe-se a existência de um questionamento a respeito
das condições que a escola oferece ou das limitações causadas pela própria
estrutura administrativa e curricular. E, por outro lado, a obrigação do cumprimento
dos horários, da atenção nos estudos, das práticas exatas dos deveres exerce uma
pressão sobre os alunos, mesmo quando não é continuamente cobrada como
acontece às vezes nos cursos noturnos.
Em decorrência, a maioria dos estudantes – trabalhadores limitam as suas
obrigações escolares ao mero cumprimento das atividades desenvolvidas na sala de
aula. Todo e qualquer exercício escolar que tende extrapolar as horas obrigatórias
de ensino corre o risco de ser questionado e, últimas instâncias, acabam não sendo
realizado.
Uma das soluções possíveis para se oferecer uma escola de boa qualidade à classe trabalhadora seria o esforço conjunto de educadores e do próprio povo no sentido de buscar meios em si próprios e na sociedade como um
8 CARVALHO, Célia Pezzolo de.Ensino noturno:realidade e ilusão.5.ed. São Paulo:Cortez
Autores Associados,1986, p.56.
12
todo (especialmente exigindo recursos dos governos) para se conseguir uma escolarização onde o conteúdo fosse acima de tudo a prática social urgente.
9
Daí, a necessidade de se pensar coletivamente novas estratégias e
condições práticas onde o acadêmico possa estar mais envolvido nas atividades
intra e extraclasse e, conseqüentemente, a sua formação resultará na formação de
um profissional mais competente e criativo.
Por entender que a educação é essencial para a humanização e
socialização do homem e, é algo que permanecerá durante toda a vida, é
fundamental pensá-la e reproduzi-la mediante a fundamentação teórica e a definição
de valores e objetivos que resultem na prática reflexiva, impedindo, portanto, que
não se caia no tecnicismo puro, mas que produza conhecimento.
Porém, para se conseguir que o estudante-trabalhador seja capaz de
produzir conhecimento, faz-se necessário ousar no sentido de envolvê-lo com maior
freqüência nas atividades de pesquisa e extensão.
Desse modo ele se tornará mais questionador, indagador e assumirá um
perfil crítico, de empreendedor e interventor da própria realidade.
Para debater acerca das relações de trabalho e escolarização, estudos já
realizados nas escolas de ensino médio constataram que o trabalho de crianças e
adolescente prejudica a freqüência à escola, pelo fato de que “há tipos de trabalhos
que realmente impedem a criança e o adolescente de irem à escola, roubando-lhes
inestimáveis oportunidades”.10
Face aos impasses que alguns jovens brasileiros enfrentam ao tentar
conciliar estudo e trabalho, outros desafios vêm sendo impostos para o ensino
superior, principalmente, a partir da consolidação do projeto neoliberal no país.
Novas exigências feitas através do Ministério da Educação (MEC) incidiram
na reformulação das diretrizes curriculares dos cursos de graduação, no sentido de
que a formação superior esteja ligada mais diretamente as demandas do mercado.
9 ARANHA, Mª Lúcia de.Filosofia da educação.1.ed.São Paulo: Moderna,1989, p.10.
10 GOMES, Candido Alberto.O jovem e o desafio do trabalho.São Paulo: EPU,1990, p.25
Em termos gerais, referenda-se a análise critica de que dentro deste novo
ângulo, a educação ultrapassa a condição de direito apresentada até então como
sendo uma política social básica a todos os cidadãos e passa a ser assumida como
um serviço que deve ser prestado enquanto uma necessidade de consumo para
qualquer indivíduo.
Todavia, é notório que grande parte da população não dispõe das mesmas
condições dignas de acesso ao ensino e, portanto, permanecem excluídos das
universidades (tanto as públicas, quanto as privadas).
Inclusive, muitos trabalhadores assalariados na busca pela viabilização
do“sonho” de ingressar na universidade, se submetem às múltiplas explorações do
mercado de trabalho visando à garantia de seus salários, cuja grande parcela acaba
sendo destinada ao pagamento das elevadas taxa de mensalidades.
Visto que, pelo fato de não pertencerem aos segmentos mais privilegiados
da sociedade, raramente conseguem assegurar um espaço nas universidades
públicas/federais.
Outro fato diz respeito à significativa concentração de jovens no interior,
onde a oferta de cursos superiores ainda é bastante restrita.
Considerações Finais
À guisa de conclusão, a realidade acadêmica vivenciada pelo estudante-
trabalhador tem evidenciado que a relação empírica entre trabalho e ensino enfrenta
limitações estruturais e sociais que podem interferir na qualidade da formação
profissional.
Estudo e trabalho têm se tornado um paradoxo, onde o estudante-trabalhador
precisa estudar para melhorar sua condição social e precisa trabalhar para poder
estudar. Além das barreiras encontradas no seu dia-a-dia, como as questões de
indisponibilidade nos horários para estudar, orçamento insuficiente para altas taxas
das mensalidades, ainda encontra dificuldades maiores na sala de aula, onde os
professores não estão preparados para atender esse perfil de estudante, acabam
entrando em um dilema, eximir esse estudante de todo o conteúdo que compõe a
grade curricular, ou aplica-lo mesmo tendo consciência de que ele não disporá de
tempo e condições físicas para estudar.
Cabe ainda assinalar a influência negativa do sistema Capitalista, que
direciona a escolha do curso que o acadêmico deverá ter, posto que a maioria das
instituições particulares dispõe apenas de cursos que o “mercado” julga ser
necessário, que demanda profissionais.
Apesar de todas as dificuldades encontradas, tanto financeiramente como na
falta de tempo disponível para estar com a família, para a permanência na
universidade, o prazer de estar freqüentando-a é muito maior, nela são atribuídos os
sonhos de conquistar uma vaga no mercado de trabalho, garantia de um futuro mais
promissor, mesmo sabendo que para alcançar estes sonhos tenha que andar pelos
caminhos tortuosos da concorrência do mercado de trabalho.
Nossa proposta inicial foi de abrir novos caminhos para que a universidade
pudesse olhar esses estudantes-trabalhadores com outro olhar, pois essa instituição
é constituída de um grande número deles, os quais possuem carências específicas.
REFERÊNCIAS ALBORNOZ, Suzana.O que é trabalho.6.ed.São Paulo:Brasiliense, 1994. ARANHA, Mª Lúcia de.Filosofia da educação.1.ed.São Paulo: Moderna,1989. BITTAR, Mariluce.Estudante-trabalhador: reflexões sobre o curso de Serviço Social.Anais do VII ENPESS.Volume I. CARVALHO, Célia Pezzolo de.Ensino noturno:realidade e ilusão.5.ed. São Paulo:Cortez Autores Associados,1986. CASTANHO, Maria Eugênia.Universidade à noite – fim ou começo da jornada?São Paulo:Papirus,1989. GOMES, Candido Alberto.O jovem e o desafio do trabalho.São Paulo: EPU,1990. SPÓSITO, Marília Pontes et.al. O trabalhador-estudante – um perfil do aluno do curso superior noturno.São Paulo:Loyola,1989. WANDERLEY, Luiz Eduardo W.Educação e cidadania.In Revista Serviço Social & Sociedade.(Nº62, Ano XXI).Cortez:São Paulo: Março/2000.