A construção de sentidos no jornal Notícias de Itaquera

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1 A construção de sentidos no jornal Notícias de Itaquera 1 , Fátima Regina Nunes 2 Barbara Heller 3 Universidade Paulista UNIP RESUMO O presente artigo analisa a participação do jornal Notícias de Itaquera na formação multicultural do bairro e suas interfaces com a história local. Para isso, retoma a história dos migrantes japoneses e a reconstrução de seus símbolos nessa nova geografia. Selecionamos as edições 01 a 153, correspondentes à recente fase de urbanização do bairro, ocorrida entre setembro de 1980 a janeiro de 1985. Aplicamos, na análise de alguns enunciados dessas edições, conceitos desenvolvidos por Norbert Elias, em Os Estabelecidos e os Outsiders, e também os de Néstor Canclini, em Culturas Híbridas. A conclusão a que chegamos é que, embora pequeno em tiragem, o Notícias de Itaquera funcionou como um importante formador da cultura local. Introduzindo o novo – elogios à mobilidade, com a inauguração da estação do metrô, por exemplo – e valorizando o velho, como o Bosque das Cerejeiras do Parque do Carmo, Itaquera não apenas ressignificou símbolos da cultura milenar oriental, como também acompanhou a verticalização e a modernização do bairro. PALAVRAS–CHAVE: Notícias de Itaquera, Estabelecidos, Outsiders, Multiculturalismo. O jornal Notícias de Itaquera 4 iniciou suas atividades em 1980, quando o bairro passou por uma expressiva migração por conta dos programas de habitações populares da Cohab. Em um período de apenas cinco anos sua população local quadruplicou: de 30 para 120 mil habitantes. Pode-se dizer que um dos fatores que também colaborou para chamar a atenção dos novos moradores e da mídia local foi a formação do Bosque das Cerejeiras: em 1978, numa cerimônia solene, foram plantadas as primeiras 300 mudas, às quais foram acrescentadas outras 1200, até o final da década de 1980, sempre por voluntários. Essa parte do parque, até então improdutiva, era alvo de disputa entre 1 Trabalho apresentado no GT1, Jornalismo e Memória, no Simpósio Internacional Comunicação e Cultura: Aproximações com Memória e História Oral, realizado na Universidade Municipal de São Caetano do Sul – São Paulo, de 27 a 30 de abril de 2015. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista, UNIP, São Paulo, e-mail [email protected] 3 Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista UNIP, São Paulo, e- mail [email protected] 4 De agora em diante, o jornal passará a ser indicado pela sigla NI.

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A construção de sentidos no jornal Notícias de Itaquera1,

Fátima Regina Nunes2 Barbara Heller3 Universidade Paulista UNIP RESUMO

O presente artigo analisa a participação do jornal Notícias de Itaquera na formação multicultural do bairro e suas interfaces com a história local. Para isso, retoma a história dos migrantes japoneses e a reconstrução de seus símbolos nessa nova geografia. Selecionamos as edições 01 a 153, correspondentes à recente fase de urbanização do bairro, ocorrida entre setembro de 1980 a janeiro de 1985. Aplicamos, na análise de alguns enunciados dessas edições, conceitos desenvolvidos por Norbert Elias, em Os Estabelecidos e os Outsiders, e também os de Néstor Canclini, em Culturas Híbridas. A conclusão a que chegamos é que, embora pequeno em tiragem, o Notícias de Itaquera funcionou como um importante formador da cultura local. Introduzindo o novo – elogios à mobilidade, com a inauguração da estação do metrô, por exemplo – e valorizando o velho, como o Bosque das Cerejeiras do Parque do Carmo, Itaquera não apenas ressignificou símbolos da cultura milenar oriental, como também acompanhou a verticalização e a modernização do bairro.

PALAVRAS–CHAVE:

Notícias de Itaquera, Estabelecidos, Outsiders, Multiculturalismo.

O jornal Notícias de Itaquera4 iniciou suas atividades em 1980, quando o bairro

passou por uma expressiva migração por conta dos programas de habitações populares

da Cohab. Em um período de apenas cinco anos sua população local quadruplicou: de

30 para 120 mil habitantes. Pode-se dizer que um dos fatores que também colaborou

para chamar a atenção dos novos moradores e da mídia local foi a formação do Bosque

das Cerejeiras: em 1978, numa cerimônia solene, foram plantadas as primeiras 300

mudas, às quais foram acrescentadas outras 1200, até o final da década de 1980, sempre

por voluntários. Essa parte do parque, até então improdutiva, era alvo de disputa entre

1 Trabalho apresentado no GT1, Jornalismo e Memória, no Simpósio Internacional Comunicação e Cultura:

Aproximações com Memória e História Oral, realizado na Universidade Municipal de São Caetano do Sul – São

Paulo, de 27 a 30 de abril de 2015. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista, UNIP, São Paulo, e-mail

[email protected] 3 Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista UNIP, São Paulo, e-

mail [email protected] 4 De agora em diante, o jornal passará a ser indicado pela sigla NI.

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incorporadoras e poder público, uma vez que avizinhava a mata atlântica, ainda

preservada.

Atualmente, além de ser o segundo maior parque da cidade de São Paulo, o

Parque do Carmo, onde se localiza o Bosque das Cerejeiras, abriga celebrações que

mobilizam grande parte de população paulistana, não só oriental, como veremos a

seguir. Trata-se de um parque de rara beleza, uma vez que as cerejeiras não são

facilmente adaptadas ao clima tropical e exigem cuidados permanentes de especialistas

todos os dias do ano.

Esses breves parágrafos mostram o impacto da cultura japonesa na arquitetura

do bairro de Itaquera, que se estendeu também para suas formas de organização social:

diferentemente dos costumes brasileiros, os japoneses mais velhos ainda convivem em

grupos familiares bem fechados, que mal falam a língua portuguesa. No lugar de futebol

e cerveja, acompanham campeonatos de tênis de mesa e tomam sakê. É necessário

esclarecer que estamos tratando de um subdistrito do bairro de Itaquera, que não por

acaso se chama “Colônia Japonesa”, uma vez que concentra boa parte dos moradores

orientais e também o agora famoso Bosque das Cerejeiras.

O NI, escrito exclusivamente em língua portuguesa, tem funcionado, para as

gerações mais jovens, como um dos mediadores culturais desse processo em que velho

e novo se retroalimentam e se ressignificam.

Ruth Cardoso, estudiosa da mobilidade das famílias japonesas, afirma que “A

experiência cultural pode ser recriada, na medida em que sua expressão, sendo

simbólica, permite recomposições” (1972, p.174). Portanto, podemos assegurar,

juntamente com a socióloga, que há nove décadas novos contextos culturais e

econômicos vêm identificando a presença dos migrantes japoneses em Itaquera, desde a

primeira fase de reurbanização do bairro.

A imprensa local ajudou a difundir e a engrandecer as celebrações japonesas e,

principalmente, a valorizar os símbolos de uma cultura até então pouco conhecida para

os brasileiros. Por meio de uma linguagem objetiva e com farta utilização da primeira

pessoa do plural, o NI fez, desde o início de suas edições, a mediação entre a

“realidade” do bairro e sua comunidade de leitores.

Publicado quinzenalmente, o NI funcionou como um “autor” na concepção

foucaultiana, isto é, como “aquele que dá à inquietante linguagem da ficção, suas

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unidades, seus nós de coerência, sua inserção no real” (1970, p.28). O jornal passou a

ser não um indivíduo isolado, que escreveu um texto, mas como “o princípio do

agrupamento do discurso, como lastro da sua coerência”. (1970, p.9).

Essa tomada de posição em analogia ao NI é reforçada pela importância não só

cultural, mas também econômica em relação à Colônia Japonesa. Trata-se de uma das

poucas áreas preservadas até hoje de mata atlântica na região. Suas chácaras, antigas

produtoras de pêssegos, foram responsáveis pela produção mais expressiva dessa fruta

no Estado. Graças à sua produtividade em larga escala, seus produtores ganharam

visibilidade, representatividade econômica e política também em outros meios de

comunicação. Em outras palavras: a história recente desses personagens sociais teve

colaboração do NI. Sem ele, talvez a Colônia Japonesa tivesse sucumbido às pressões

do mercado financeiro e imobiliário ou, numa hipótese mais otimista, as práticas

culturais ali preservadas não repercutiriam como nos dias atuais, quando a florada das

cerejeiras desloca, num único final de semana de agosto, sessenta mil pessoas para seus

jardins.

Para Ruth Cardoso as celebrações orientais ganharam tanta expressão no Brasil

porque se misturaram aos que aqui encontraram e recompuseram sua identidade:

No processo vivido pelos japoneses no Brasil, selecionaram alguns aspectos culturais que continuavam organizados e vivos, isto é, se apresentavam como rituais, pois exprimiam em uma linguagem própria, conhecida da comunidade étnica, certas formas de organização que seguiam vigentes e que se combinava com outras expressões rituais originárias de outras linguagens. (1972, p.175)

A visibilidade desses sujeitos sociais nas publicações da mídia impressa local

pode ter fortalecido e corroborado para o crescimento e reconhecimento de suas ações

no bairro e os protegeu, ao mesmo tempo, da especulação imobiliária. Comumente

encontramos traços de miscigenação nos grupos de danças, cantos e principalmente

entre os jovens que participam dos grupos de taikô (tambores folclóricos que foram

introduzidos no Japão entre 300-900 d.C.) tanto no bairro, como fora dele.

Gove e Watt (2004) concluem que um indivíduo, mesmo sentindo-se livre na

construção de sua identidade, nunca o faz de forma totalmente descompromissada, uma

vez que sobre ele sempre pesam fatores sócio-culturais, consciente ou

inconscientemente. É o que parece ter acontecido com as novas gerações de Itaquera,

hipótese reforçada nas matérias do NI, especialmente nas que tratam sobre o hanami

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(contemplação da florada das cerejeiras). Nelas é possível identificar as maneiras pelas

quais esses grupos sociais se apropriaram simbolicamente e ressignificaram essa

cerimônia.

A circulação desse jornal ser gratuita certamente colaborou para esse

processo. Seria muita pretensão afirmar que apenas o NI impediu a perda das

referências culturais da população mais velha, mas pode ter colaborado para a

introdução de um novo discurso, de uma outra realidade linguística, mais hibridizada.

Menezes lembra que

Todo estabelecimento de vínculos acontece no contexto dos rituais de nossa cultura. Incapazes de vivermos sozinhos mantêm relações regulamentadas com nosso meio. Cultura e comunicação são inseparáveis, já que a cultura se constitui a partir das comunicações repetidas.(2005, p.28)

Esses vínculos culturais favorecem um sentimento de pertencimento na sociedade,

ainda que seja na da Colônia. Mesmo sendo um jornal de bairro, o NI exerce o papel de

mediador entre os que detêm poder simbólico e os recém-chegados, esses sim,

destituídos praticamente de todos os outros poderes também: econômicos, políticos,

sociais etc. Basta lembrar que esse impresso é distribuído aos moradores do Cohab,

programa habitacional criado em 1965, com a finalidade de dar “acesso à habitação

digna à população de menor renda, obedecendo às normas e critérios estabelecidos pelo

Governo Municipal e pela legislação federal”, conforme informa o site do governo de

São Paulo (Ver: http://cohab.sp.gov.br/Historia.aspx).

Não estamos discutindo nesse artigo os critérios que definem “população de

menor renda”, mas é consensual que se trata de um grupo social que vive em condições

relativamente precárias, com menor acesso aos meios de comunicação, uma vez que no

Brasil não se pratica a isegoria, isto é, o direito de todos para expor suas opiniões, vê-las

discutidas, aceitas ou recusadas em público.

Jornais como o NI, diferentemente dos que sobrevivem por meios de assinaturas,

favorecem as relações entre esses grupos sociais, uma vez que anunciam, entre outras

notícias, celebrações como a do hanami (contemplação da florada das cerejeiras),

ressignificando-as para as gerações não-orientais.

Para os mais velhos, trata-se de uma celebração que lembra a fragilidade, a beleza e

a efemeridade da vida, uma vez que a florada acontece uma única vez ao ano.

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Já as empresas locais, instaladas próximas ao Parque do Carmo, como a Panco,

ressignificaram as mesmas árvores, incorporando-as às embalagens e à flora nacional,

uma vez que estampa o enunciado “Conheça nossas5 árvores" nas embalagens das

bisnaguinhas. Processo semelhante ocorre com outras empresas cosméticas direcionadas

ao público feminino como a linha Florata do Boticário, esmaltes Risqué, Linha Dove,

produtos Natura, L'Occitane, entre outras.

Mas essa reapropriação dos símbolos não acontece apenas pelas e nas empresas,

mas também pelos sujeitos. Divididos por grupos, limites invisíveis, mas muito bem

percebidos, ocupam diferentes partes do bairro. É o que Norbert Elias observou em

1965, na Inglaterra, quando publicou Estabelecidos e Outsiders a primeira vez: os que

já estavam no bairro há mais tempo (os estabelecidos) foram obrigados a conviver com

os recém-chegados (os outsiders). Normalmente, os estabelecidos se veem como um

modelo a ser seguido pelos demais e, por isso, exercem seu poder; já os outsiders nem

chegam a constituir um grupo social propriamente dito. Trata-se de uma forma de

estratificação social. Diferentemente do que Norbert Elias observou na sua comunidade

específica, Winston Parva, não chegou a haver atritos entre os antigos residentes e os

novos moradores de Itaquera. Ao contrário: os grupos passaram a se hibridizar, em parte

porque as condições políticas, sociais e econômicas são outras no Brasil do que na

Inglaterra. Em parte, também, porque talvez ambos os grupos puderam participar e se

reconhecer no NI, onde não só interagiram, dando e recebendo informações e serviços,

como também disputaram o jogo do poder.

Onde há interação, há também, inevitavelmente, tensão. Nesse caso, entre

tradição e ruptura. Rituais antes fechados à comunidade oriental começaram a ser

divulgados aos 90 mil habitantes que passaram frequentar o hanami e a atribuir novos

sentidos à festa, rapidamente incorporados e assimilados. Muitos jovens, por exemplo,

começaram a tatuar em diversas partes do corpo as floradas da cerejeira, mesmo sem

reconhecer nela o valor simbólico das gerações anteriores. Outros membros da

comunidade talvez nunca reconheçam nos nomes das ruas os agentes formadores do

Bosque das Cerejeiras ou do bairro e assim por diante.

5 Grifo nosso.

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Fig. 1 - Paulistanos não descendentes orientais se apropriaram da imagem das cerejeiras em forma de

tatuagem. (Imagens realizadas mediante autorização a autora das fotos, Fatima Nunes)

Néstor Canclini parece dialogar com Norbert Elias quando afirma que: “a

desordenada explosão rumo às periferias faz com que os habitantes percam os limites de

“seu” território, o que é equilibrada pelos relatos dos meios de comunicação sobre o que

acontece nos lugares.”(2002, p.41). O mesmo autor reafirma que “a principal maneira

de tratar os estranhos sempre se deu na construção de estereótipos” (2002, p.43).

Quando se dão as migrações, quer populosas, quer em pequenos grupos, há um

fenômeno de desterritorialização e o sistema de significação não se consolida mais num

espaço próprio, ocorrendo uma fragmentação do significado da própria cultura.

Compreendemos mais profundamente o papel do jornal naquele momento quando

lemos em Canclini que “a mídia se transformou, até certo ponto, na grande mediadora e

mediatizadora e, portanto em substituta de outras interações coletivas” (2000, p.289).

Concordamos com o autor que, para esses agentes, a necessidade desses símbolos e

signos se resume às suas práticas, aos valores que dão sentido à sua existência,

definindo o possível e o impossível por meio das notícias locais que chegam pela mídia

impressa.

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SUJEITOS SOCIAIS E (IN)VISIBILIDADE: NOTÍCIAS DE ITAQUERA

O NI foi um recurso importante para divulgar aos leitores a hibridização cultural,

especialmente nas matérias sobre a popularização das festas japonesas no bairro, o que

pode ser reconhecido quando aplicamos análise do discurso. Os enunciados do jornal

local, como veremos na tabela 1, expressam a relação do bairro com a Colônia Japonesa

e sua influência cultural, social e política. Mas também estampa em suas páginas, por

meio da publicidade, a força das empresas orientais como Fuji, Sakura, e Sanyo, como

na figura 2:

Fig. 2 Notícias de Itaquera. Ago. 1984. pp.4-5

Como postula a análise do discurso, é necessário conhecermos o texto e o contexto.

Historicamente, como já dissemos anteriormente, Itaquera estava passando, nos anos

1980, por um grande processo de urbanização. A estação de metrô Itaquera, inaugurada

em 1988 (e ampliada em 2000), tornou o bairro mais acessível aos seus moradores,

apesar de ainda ser caracterizado como bairro-dormitório. Essa informação já é

suficiente para compreendermos melhor as assimetrias entre os dois grupos (os

estabelecidos e os outsiders) que experimentaram a reconstrução de seus símbolos

culturais. Também foram analisadas as edições de agosto de 1980 a janeiro de 1986 e os

dados s foram reunidos na tabela abaixo:

Tabela 1: Visibilidade dos estabelecidos e outsiders

ED. 01

AGO/80 A

ED153

JAN/86

POLITICOS

LOCAIS

COLÔNIA

JAPONESA

COHAB SOCIEDADE

LOCAL

VIOLENCIA

NO

BAIRRO

CAPA 12 26 02 04 03

COTIDIANO 03 45 03 026 03

CONTRA

CAPA

14 08 03 04

6 Grifos nossos

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MATÉRIA

ESPECIAL

01(a) 04 (b) 01( c) 01(d) 01 (e)

Tabela 1 edições estudadas e visibilidade dos sujeitos sociais

Na tabela acima vemos que a Colônia Japonesa (os estabelecidos) é o tema

predominante na seção “Conteúdo”: elas comparecem 45 vezes; já a Cohab, (os

outsiders), aparecem apenas três.

MATÉRIAS ESPECIAIS

Temas

(a) A representatividade do bairro na Câmara Municipal com os políticos locais (em sua

maioria japonesa)

(b)

Colônia Japonesa e sua História dos Pioneiros

Festa das Cerejeiras

O Parque do Carmo e as ações da Colônia no bairro

O crescimento do Pólo Industrial Verde na Colônia

(c) O crescimento acelerado do bairro e sua modernização com novos equipamentos

urbanos.

(d) As perspectivas de mobilidade com inauguração da estação de metro Itaquera

(e) O crescimento dos índices de violência no bairro com o aumento da população.

Trata das invasões de terras na região do Parque do Carmo junto à Mata Atlântica e a

expansão dos programas habitacionais.

Os dados obtidos na tabela acima, transformados em gráfico, mostram, agora

visualmente, essa predominância da Colônia.

Gráfico 1: Visibilidade dos estabelecidos e outsiders

Trata-se de um exercício de poder, manifestado nos enunciados das matérias do

caderno de cotidiano, como mostramos a seguir:

0

10

20

30

40

50

1 a.P agina Conteudo pg.dupla C .Capa

So cied ade

Po lítico s

J apo neses

C oh ab1e2

9

Setembro 1980, matéria de capa: “Sucesso consagrado na II Feira do Verde”

Outubro de 1980, “Aquário é uma opção de lazer em Itaquera”.

Novembro de 1980: “Parque do Carmo mais que lazer: terapia” (entre os

destaques o Bosque das Cerejeiras).

Outubro de 1982: “Itaquera em dois tempos” (entre outras referências os dois

momentos migratórios). (Ver fig.3)

Novembro de 1983: “A religião em nosso bairro” (destaca Igreja N. S. do

Carmo, TFP e templo Budista).

Janeiro de 1984, capa: “Getúlio Hanashiro e Mário Covas em Itaquera”.

Março de 1984: “Orquidófilos de Itaquera” (Colônia Japonesa) e

“Associação Nipo Brasileira da Zona Leste” (em destaque.)

Maio de 1984: “Nossos ilustres vereadores e suas ideias brilhantes”

(destaque para Joo Ji Hato. E entrevista com o Secretário dos transportes

Getúlio Hanashiro).

Novembro de 1984: “A grandiosa epopéia Itaquerense” (destaque para a

locomotiva 353, os migrantes japoneses e a festa do pêssego).

Dezembro de 1984: “Visite o Parque do Carmo” ( destaque para o Bosque

das Cerejeiras).

Agosto de 1985, capa: “Colônia japonesa, parte de nossa História” edição

especial. e “Origem e atuação de uma comunidade sexagenária.”

Novembro de 1985: “Origem de Itaquera”

Novembro de 1985, capa: “Momentos de beleza na festa das Cerejeiras em

flor”

Os nomes de alguns ilustres da época -- Getúlio Hanashiro, Mario Covas, Joo Ji

Hato -- conferem autoridade e brilho aos eventos políticos de que participam no bairro.

Trata-se da tentativa do poder público, representado por esses personagens eleitos, de

implicitamente tentar ascender Itaquera da condição de um bairro periférico para menos

periférico e, explicitamente, valorizar os primeiros migrantes que ali chegaram. O

enunciado “A grandiosa epopéia Itaquerense” talvez seja o mais significativo dos

exemplos quais “aqui elencados, uma vez que se trata de uma hipérbole (qual epopéia,

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afinal, não é grandiosa?)”, e compara a chegada dos migrantes a uma façanha como a

dos heróis gregos, que vencem batalhas complexas e saem delas vencedores.

Os migrantes, comparados a esses seres míticos, tornam-se seres ainda mais

estabelecidos, enquanto os outsiders, no máximo são convidados para interagir,

usufruindo as belezas do Bosque das Cerejeiras e a conhecer as origens do bairro de

Itaquera por meio do jornal.

Fig.3 : Capa da edição de aniversário do Notícias de Itaquera out./1982

Considerações Finais

Em se tratando de um jornal quinzenal, ao estudarmos as edições que correspondem

ao período em análise, podemos considerar que os novos moradores eram o público-

alvo do único jornal da região. Afinal, graças às ações dos “estabelecidos” é que os

outsiders podiam participar da Feira do Verde, conhecer um aquário e um orquidário e

parte da história do próprio bairro e, claro, usufruir da beleza das cerejeiras em flor.

Fica subentendido que essas ações já existiam anteriormente e que cabia aos novos

habitantes explorarem os lugares e atrações anunciadas no jornal. Como a eles não lhes

foram dadas oportunidades para se pronunciarem nas edições consultadas, suas vozes

foram silenciadas, manifestando, portanto, a desigualdade de poder que se desenhava no

bairro naquele momento.

Segundo LIMA (2011), poder simbólico e poder político acabam se

retroalimentando e só funcionam quando conferem legitimidade:

O exercício do poder político depende do uso do poder simbólico para cultivar e sustentar a crença na legitimidade. O poder simbólico, por sua vez, refere-se à capacidade de intervir no curso dos acontecimentos e de influenciar as ações e crenças

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de outros e também de criar acontecimentos, através da produção e transmissão de formas simbólicas. ( p.217)

Apesar de ser um jornal de bairro, portanto, de circulação restrita, prestador de

serviços e formador de gostos (mas não de opiniões), o NI vem cumprindo seu papel: o

de fomentar as culturas (no plural, mesmo) entre estabelecidos e outsiders há três

décadas. Além disso, também colabora para o bairro se inserir cada vez mais na

geografia da cidade, especialmente em agosto, nas floradas das cerejeiras.

A tradição japonesa, convertida em festa, traz trânsito intenso à região, mas também

ajuda a preservar a cultura, agora hibridizada, divulgada hoje também na mídia

televisiva mas que teve seu início fortalecido e legitimado nas páginas de um jornal de

bairro, ainda pouco valorizado e pesquisado.

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