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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    INSTITUTO DE ARQUITETURA E URBANISMO

    WELLINGTON RAMALHOSO

    Destino Itaquera:

    o metr rumo aos conjuntos habitacionais da COHAB-SP

    So Carlos

    2013

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    WELLINGTON RAMALHOSO

    Destino Itaquera:

    o metr rumo aos conjuntos habitacionais da COHAB-SP

    Dissertao apresentada ao Instituto de

    Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So

    Paulo para obteno do ttulo de mestre em

    Arquitetura e Urbanismo

    Verso corrigida

    rea de Concentrao: Teoria e Histria de

    Arquitetura e Urbanismo

    Orientador: Prof. Titular Renato L. S. Anelli

    So Carlos

    2013

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    Agradecimentos

    H muitos agradecimentos a fazer. O primeiro vai para o professor Renato Anelli,

    paciente orientador deste trabalho. Agradeo FAPESP (Fundao de Amparo Pesquisa do

    Estado de So Paulo) pela bolsa de mestrado concedida e pelo apoio financeiro para a

    realizao desta pesquisa.

    Agradeo enormemente minha famlia, em especial Fernanda, Marco, dona Esther

    (in memorian) e Marisa, mas tambm Marcos, Rafael, Natalie, Mariana, Renan, William e

    Mnica.

    Fao agradecimentos especiais aos professores Eulalia Negrelos (IAU-USP) e Jos

    Francisco (PPGEU-UFSCar), ao colega de mestrado Alexandre Leito Santos e a Eduardo

    Zanardi (IAU-USP).

    Ainda no IAU, agradeo s professoras Sarah Feldman e Lucia Shimbo, aos

    pesquisadores Vanice Jeronymo, Isabel Morim, Camila Ferrari, Felipe Anitelli e Rerisson

    Mximo, s colegas do Caf com Pesquisa (Josiane Nogueira, Lorenza Pavezi, Dbora

    Verniz, Marielli Lukiantchuki e Marina Oliveira), aos colegas do ArqBras e ao pessoal da

    Secretaria da Ps.

    Agradeo tambm professora Maria Cristina Leme (FAU-USP), a Eneida Heck (SP

    Urbanismo), ao professor Gabriel Feltran (DCSo-UFSCar), a Patrcia Zandonade e aos

    entrevistados Plnio Assmann, Roberto Mac Fadden, Renato Viegas, Claudio de Senna

    Frederico, Ubirajara Baroni Garcia, Henry Cherkezian, Jacob Aron Corch, Jos Expedicto

    Prata e Luiz Gonzaga Zanetti, alm de Ana Odila de Paiva Souza e Rogrio Belda e do

    pessoal da Casa da Cidade (So Paulo).

    Esta pesquisa no seria possvel sem a colaborao de funcionrios responsveis pelos

    acervos da EESC-USP, FAU-USP, FAU-Maranho, do Metr, da SP Urbanismo, da

    COHAB-SP, da Caixa Econmica Federal (que mantm o acervo do BNH), da Cmara

    Municipal de So Paulo, da Emplasa, do Grupo Estado e do Banco de Dados Folha.

    Tambm agradeo muitssimo ao fotgrafo Marcelo Min pelas fotos de Artur Alvim e

    Itaquera que ilustram este trabalho e aos amigos jornalistas Diego Mattoso, Fernando Gallo,

    Alencar Izidoro, Ana Paula Tavares, Guilherme Azevedo, Milton Jung, Michel Lacombe e ao

    fotgrafo Joo Moura.

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    Resumo

    A pesquisa trata da histria da implantao do metr na regio mais populosa da

    cidade de So Paulo, a Zona Leste, enfatizando a importncia da articulao ocorrida entre o

    projeto de transporte e a construo de conjuntos habitacionais da COHAB-SP (Companhia

    Metropolitana de Habitao de So Paulo) no bairro de Itaquera. Apresentamos um panorama

    sobre as propostas de implantao de um sistema metrovirio para So Paulo ao longo do

    sculo XX e discutimos o impasse e a definio a respeito do traado da linha 3-Vermelha

    (Leste-Oeste), bem como as razes que levaram Itaquera a abrigar a estao terminal.

    Tratamos da formao histrica de Itaquera e da situao do bairro na passagem da dcada de

    1960 para a dcada de 1970, perodo em que atraiu a ateno dos planejadores urbanos.

    Investigamos e analisamos as medidas tomadas pela Prefeitura de So Paulo para associar os

    projetos de habitao e transporte, destacando o papel desempenhado pela gesto Olavo

    Setbal (1975-1979). Mostramos o raro contexto do perodo em que COHAB e Metr fizeram

    avanar suas obras relacionadas a Itaquera, ambas as companhias impulsionadas pelo

    financiamento do BNH (Banco Nacional da Habitao), mas ressaltamos os descompassos na

    implantao dos dois projetos e a incompletude do desenvolvimento do bairro. Discorremos,

    ademais, sobre as vrias singularidades do trecho leste do metr paulistano.

    Palavras-chave: So Paulo; Itaquera; metr; COHAB-SP; planejamento urbano; redes de

    mobilidade; transporte; habitao.

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    Abstract

    This research is about the subway system implementation at the most populous area in

    the city of So Paulo (East side of it), in which we emphasize the articulation that has

    happened between the transport project and the COHAB-SP housing estates (So Paulos

    Metropolitan Housing Company Companhia Metropolitana de Habitao de So Paulo) in

    the neighborhood called Itaquera. A scenery of the implementation proposals of subway

    system in So Paulo throughout the 20th

    century is presented and there is also a discussion

    considering impasse and definition of the route named 3-Red (from East to West), as well

    as the reasons why the station is located in Itaquera. We address Itaquera historical formation

    and the neighborhood situation from the 60s to the 70s, when it got urban planners attention.

    We have researched and analyzed City Hall attitudes towards associating housing and

    transport projects, highlighting the role played by Olavo Setbal administration (1975-1979).

    The rare context, considering the time when COHAB and Metr constructions progressed, is

    also given attention. In that time, both constructions were stimulated by BNH (Banco

    Nacional da Habitao National Housing Bank) financial support. However, weve focused

    the dissonances in the implementation of both projects and the incompleteness of the

    neighborhood development. Besides that, several singularities of the east part of So Paulo

    subway have been focused.

    Keywords: So Paulo; Itaquera; subway; COHAB-SP; urban planning; mobility networks;

    transport; housing.

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    SUMRIO

    INTRODUO 11

    CAP. 1 O METR EM BUSCA DE UM DESTINO 16

    1.1 Os antecedentes do metr 17

    1.1.1 Projeto Light 17

    1.1.2 O Metropolitano 18

    1.1.3 Metr de Paris e Companhia Geral de Engenharia 21

    1.1.4 Ante-projeto de um Sistema de Transporte Rpido Metropolitano 22

    1.1.5 Sagmacs e Planejamento 25

    1.2 O contexto da criao da Companhia do Metropolitano 30

    1.2.1 A segunda gesto de Prestes Maia 30

    1.2.2 As condies favorveis da gesto Faria Lima 32

    1.3 O projeto do consrcio HMD 35

    1.4 A proposta do PUB 38

    1.5 A proposta do PMDI 43

    1.6 O metr no mapa do PDDI 45

    1.7 Novos estudos e um grande impasse na Zona Leste 48

    CAP. 2 DESTINO ITAQUERA 52

    2.1 O Ministrio dos Transportes decide o destino do Metr 53

    2.2 Razes que levaram Itaquera a ser a estao terminal 57

    2.3 Um breve histrico de Itaquera 63

    2.4 A expanso urbana e o diagnstico do PUB 68

    2.5 A proposta do PUB 71

    2.6 Os primeiros passos da COHAB-SP 74

    2.7 O CURA Itaquera 78

    CAP. 3 ARTICULAES, DESCOMPASSOS E SINGULARIDADES 82

    3.1 Articulaes 83

    3.1.1 A articulao Metr-Cohab 83

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    3.1.2 As revises do CURA Itaquera 91

    3.1.3 A importncia e o contexto da gesto Olavo Setbal 96

    3.2 Descompassos 98

    3.2.1 O rpido avano da Cohab 98

    3.2.2 O lento percurso do Metr 105

    3.2.2.1 Smbolo de uma nova fase 106

    3.2.2.2 Os recursos do BNH 109

    3.2.3 Descontinuidades administrativas 114

    3.3 Uma linha singular 117

    3.4 Uma grande interveno na periferia 127

    CONSIDERAES FINAIS 132

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 135

    ANEXOS 142

    Anexo I Estao Artur Alvim e seu entorno em imagens de 2012 142

    Anexo II Estao Corinthians-Itaquera e seu entorno em imagens de 2012 148

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    Introduo

    Com cerca de 4 milhes de habitantes1, a Zona Leste a regio mais populosa da

    cidade de So Paulo. Se fosse um municpio, ocuparia a terceira posio do pas em nmero

    de habitantes. A regio possui uma rea de 326,8 quilmetros quadrados, limitada ao norte

    pelo rio Tiet e pelo municpio de Guarulhos; a leste pelos municpios de Itaquaquecetuba,

    Po e Ferraz de Vasconcelos; ao sul pelos municpios de Mau, Santo Andr e So Caetano; e

    a oeste pelo rio Tamanduate. Na organizao administrativa da Prefeitura de So Paulo, a

    Zona Leste abrange onze subprefeituras e trinta e trs distritos.

    Inaugurada em 1979 e concluda em 1988, a linha 3-Vermelha (Leste-Oeste) a mais

    movimentada do Metr de So Paulo, sendo que trs estaes situadas no tramo leste (Brs,

    Artur Alvim e Corinthians-Itaquera) figuram entre as que mais atraem passageiros para a rede

    metroviria paulistana2. O tramo leste corta a regio longitudinalmente e avana, na maior

    parte de sua extenso, ao lado da linha 11-Coral da CPTM (Companhia Paulista de Trens

    Metropolitanos), construda no sculo XIX, e da Radial Leste, formando o nico corredor

    trimodal da cidade. Sobrecarregada desde sua concluso em 1988, a Leste-Oeste foi a

    primeira linha de metr de So Paulo a operar com uma lotao acima do padro de conforto

    recomendado internacionalmente, cujo limite de seis passageiros por metro quadrado; a

    linha transportava, em 2010, oito passageiros por metro quadrado, uma gritante situao de

    superlotao e esgotamento de capacidade de transporte que simboliza as dificuldades de

    mobilidade da populao de So Paulo e, neste caso, da Zona Leste, em particular3.

    A partir do quadro traado acima, com seus nmeros superlativos, esta pesquisa

    buscou, inicialmente, compreender a relao do Metr com o planejamento urbano de So

    Paulo e, mais especificamente, da Zona Leste; reconstituir a histria da implantao da linha

    3-Vermelha e analisar seu impacto sobre a Zona Leste. No decorrer da investigao, nos

    deparamos com alguns aspectos que, por sua importncia, ajudaram a orientar os caminhos da

    pesquisa e ajustaram seu foco: o processo de definio do traado da linha, que envolveu as

    trs esferas de poder (municipal, estadual e federal); a confluncia dos planos do Metr e da

    COHAB-SP (Companhia Metropolitana de Habitao de So Paulo) para a regio de Itaquera,

    1 De acordo com clculo nosso baseado nos dados do Censo realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de

    Geografia e Estatstica), a regio possua 3.998.207 habitantes em 2010. 2

    COMPANHIA DO METROPOLITANO. Demanda. Disponvel em

    http://www.metro.sp.gov.br/metro/numeros-pesquisa/demanda.aspx 3 De acordo com dados da reportagem Cabe mais um?, publicada pela revista sopaulo, do jornal Folha de

    S.Paulo, em 29 de abril de 2012 (p. 18 e 19).

    http://www.metro.sp.gov.br/metro/numeros-pesquisa/demanda.aspx

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    situada 17 quilmetros a leste do centro; e as singulares caractersticas do tramo leste da linha

    metroviria.

    Itaquera, bairro perifrico que atraiu a ateno dos planejadores urbanos no fim dos

    anos 60, passou a ser o foco central desta pesquisa. Uma escolha natural diante do risco que

    os objetivos iniciais impunham de se produzir um trabalho superficial sobre uma regio to

    vasta como a Zona Leste rarssimos, alis, so os trabalhos que procuram tratar da regio

    em seu todo - e da constatao de que Itaquera foi um local decisivo para a definio do

    traado da linha Leste-Oeste e como ponto de articulao entre projetos de transporte e de

    habitao Metr e COHAB -, configurando-se um caso nico na histria de So Paulo. Em

    Itaquera, entrelaaram-se histrias fundamentais para o planejamento e a execuo da linha

    Leste-Oeste do Metr tal como ela hoje.

    Apoiado pela Fapesp (Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Pulo), este

    estudo vincula-se pesquisa Redes de Infra-Estrutura Urbana como Estratgia Urbanstica -

    So Paulo, 1956-1986, desenvolvida pelo professor Renato Anelli, orientador deste trabalho,

    com apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico), no

    Grupo de Pesquisa Arquitetura e Urbanismo no Brasil (ArqBras), do Instituto de Arquitetura e

    Urbanismo da Universidade de So Paulo, Campus So Carlos.

    Esta pesquisa conta com um amplo levantamento bibliogrfico (livros, artigos,

    monografias, teses e dissertaes), se apoia em entrevistas realizadas com profissionais que

    trabalharam no Metr e na COHAB na dcada de 1970, utiliza reportagens publicadas nos

    principais jornais de So Paulo, mas baseia-se, sobretudo, na anlise de fontes primrias,

    como planos, estudos e outros documentos produzidos por instituies atuantes no

    desenvolvimento urbano de So Paulo, como a Companhia do Metropolitano, a COHAB, a

    antiga EMURB (Empresa Municipal de Urbanizao) atual SP Urbanismo -, e a antiga

    COGEP (Coordenadoria Geral de Planejamento), alm do extinto BNH (Banco Nacional da

    Habitao), cujo acervo, localizado em Braslia e pertencente Caixa Econmica Federal,

    tivemos a oportunidade de pesquisar.

    A importncia dos conjuntos habitacionais na configurao da Zona Leste j

    amplamente reconhecida pela historiografia, como o caso de Meyer & Grostein (2010).

    Com a pesquisa que realizamos, procuramos avanar em aspectos j abordados por Damiani

    (1993), mas, em geral, pouco considerados em trabalhos sobre a regio: a importncia do

    Metr e a articulao deste com o planejamento dos conjuntos COHAB, materializando-se

    uma grande interveno estatal na periferia leste da cidade. Destacamos como decisivo o

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    perodo que vai do fim dos anos 1960 ao fim dcada de 1970, poca em que foram tomadas as

    principais medidas para que a linha Leste-Oeste tivesse a configurao atual.

    O trabalho traz tona alguns documentos pouco ou jamais citados em pesquisas

    acadmicas sobre o tema. Entre esses documentos, consideramos de suma importncia trs

    produzidos pela Companhia do Metr entre 1973 e 1974, antes da deciso sobre o traado da

    linha Leste-Oeste - Novas Linhas, Viabilidade da Linha Leste e Proposta de Expanso:

    Corredor Leste-Oeste -, e trs elaborados pela Companhia Geral de Planejamento entre 1975

    e 1977, depois da deciso a respeito do traado - reas Junto Linha Leste-Oeste, Z8-012 e

    Estudo das Condies de Variabilidade de Densidades na Zona Metr Leste (ZML) em

    Funo do Sistema de Transporte.

    No estudo reas Junto Linha Leste citado acima, encontramos o parecer da

    Comisso Mista formada em 1974 pelo Ministrio dos Transportes, que selou o destino da

    linha. As apresentaes e anlises deste parecer e do documento Z8-012, bem como o resgate

    da formao pela Prefeitura de So Paulo, em 1975, de um grupo de trabalho com

    representantes da Cogep, do Metr, da COHAB e da EMURB esto entre as principais

    novidades que este trabalho apresenta. Outros documentos pouco conhecidos que procuramos

    destacar so os que se referem ao projeto CURA Itaquera, produzidos pelo escritrio H.J.

    Cole + Associados S.A. e pela EMURB.

    Esta dissertao est organizada em trs captulos. No captulo 1, apresentamos um

    panorama sobre os estudos, projetos e planos que se constituram em propostas para a

    implantao de um sistema de transporte rpido em So Paulo. Percorremos neste captulo um

    longo perodo que vai do comeo do sculo XX at o incio da dcada de 1970, poca em que

    a primeira linha metroviria paulistana (1-Azul / Norte-Sul) entrou em operao.

    Acompanhando a busca e a definio dos destinos do metr, tratamos, num primeiro

    momento, dos projetos de rede metroviria para a cidade, procurando observar as relaes

    entre as propostas de formao de um sistema de transporte de massa e o planejamento urbano

    em So Paulo. Analisamos o contexto da criao da Companhia do Metropolitano, em 1968, e

    seu projeto original, que propunha outro traado para a linha Leste-Oeste; e os planos de

    desenvolvimento urbano concludos logo depois, como o PUB (Plano Urbanstico Bsico). Na

    parte final do captulo, reconstitumos o impasse que envolveu a Zona Leste no comeo dos

    anos 1970, impasse este que levou o governo federal a intervir no processo de deciso relativo

    ao traado da linha.

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    No captulo 2, mostramos como a Comisso Mista formada pelo Ministrio dos

    Transportes descartou traados propostos anteriormente e selou o destino do metr na Zona

    Leste. Discutimos, ento, as razes que fizeram de Itaquera a estao terminal da linha 3-

    Vermelha. Tratamos tambm da formao histrica de Itaquera e da situao do bairro na

    passagem da dcada de 1960 para a dcada de 1970, perodo em que atraiu a ateno dos

    planejadores urbanos, dos planejadores da COHAB-SP e do Metr. Abordamos as propostas

    do Plano Urbanstico Bsico para o bairro e reconstitumos as primeiras aes ali feitas pela

    COHAB, apresentando o contexto da criao da companhia, vinculada poltica habitacional

    da ditadura a cargo do BNH. Resgatamos, ainda, o projeto CURA Itaquera, tentativa do poder

    pblico municipal de aproveitar o potencial do metr para estruturar o desenvolvimento

    urbano da regio, trazendo tona a atuao do arquiteto e urbanista Harry James Cole,

    consultor do PUB, idealizador do programa CURA (Comunidades Urbanas de Recuperao

    Acelerada) e responsvel pelo estudo inicial do projeto destinado ao bairro.

    No Captulo 3, aprofundamos a anlise sobre o processo de articulao dos projetos de

    habitao e transporte na Zona Leste de So Paulo e sobre a implantao das propostas,

    procurando descrever o raro contexto da poca, sobretudo no mbito da administrao

    municipal paulistana. Para tanto, dividimos o captulo em trs partes. Na primeira delas,

    apresentamos as medidas tomadas pela prefeitura na dcada de 1970 que levaram associao

    dos projetos do Metr e da COHAB, ressaltando a importncia da gesto Olavo Setbal

    (1975-1979).

    Na segunda parte do terceiro captulo, mostramos os descompassos na implantao

    dos projetos. Discutimos, inicialmente, a situao da COHAB e como a companhia conseguiu

    fazer de Itaquera o grande smbolo da retomada de sua produo poca. Na sequncia,

    tratamos da atuao do Metr, salientando o papel da linha Leste-Oeste como um marco de

    uma fase em que a empresa passou a ter mais fora e autonomia. A Companhia do

    Metropolitano enfrentou, no entanto, dificuldades financeiras para fazer avanar suas obras, o

    que realou a participao do BNH como agente financiador da implantao da linha. Se a

    gesto Olavo Setbal propiciou a articulao entre os projetos de habitao e transportes, o

    perodo a seguir foi de rompimento, a comear pela situao do prprio Metr, cujo controle

    acionrio passou da administrao municipal para o governo estadual. As questes

    econmicas e as descontinuidades administrativas prejudicaram o andamento da construo

    da linha, fazendo com que os primeiros moradores dos conjuntos habitacionais da COHAB

    em Itaquera tivessem de esperar um largo perodo at a chegada do metr regio.

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    Na parte final do captulo, discorremos sobre as caractersticas nicas do tramo leste da

    linha 3-Vermelha, materializao do exemplo mais expressivo em So Paulo da associao de

    um sistema de transporte de massa com projetos de habitao, sobretudo com os de interesse

    social na periferia. A opo pelo traado at Itaquera e medidas tomadas para articular outros

    projetos linha deram caractersticas nicas ao trecho, contriburam para que ela se tornasse a

    mais movimentada da rede metroviria paulistana e acrescentaram aspectos singulares Zona

    Leste. Nessa parte, abordamos ainda alguns aspectos do desenvolvimento da regio de

    Itaquera aps a implantao do metr.

    Nas Consideraes Finais, repassamos aspectos importantes e constataes apresentadas

    ao longo do trabalho e elencamos algumas questes que esta pesquisa pode suscitar.

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    Captulo 1 O metr em busca de um destino

    Um longo caminho foi percorrido at que as primeiras linhas do metr de So Paulo

    entrassem em operao na dcada de 1970. A linha 1-Azul (Norte-Sul) comeou a funcionar,

    ainda restrita a um trecho da Zona Sul, entre os bairros de Vila Mariana e Jabaquara, em

    setembro de 1974; e a linha 3-Vermelha (Leste-Oeste) foi inaugurada em 1979, com a

    abertura do trecho S-Brs. Diante do grande crescimento da cidade, a construo de sistemas

    de transporte ferrovirio metropolitano j era objeto de estudos desde o fim do sculo XIX.

    Ao menos vinte e uma propostas foram elaboradas de 1898 at a dcada de 1960

    (LAGONEGRO, 2004, p. VI).

    Logo aps a criao da Companhia do Metropolitano no fim dos anos 1960, optou-se

    pela priorizao da construo da linha 1-Azul. Mas para estabelecer uma rede de fato, seria

    necessrio implantar outras linhas; e a construo de uma segunda linha provocou um

    profundo impasse entre a administrao municipal e os governos estadual e federal, o que

    postergou em mais alguns anos a definio do destino do metr na Zona Leste.

    Neste captulo, acompanhando a busca e a definio dos destinos do metr, tratamos,

    num primeiro momento, dos projetos de rede metroviria para a cidade, incluindo o projeto

    original da Companhia do Metropolitano; depois, resgatamos os estudos e reconstitumos o

    impasse que envolveram a Zona Leste no comeo dos anos 1970, procurando observar as

    relaes entre o sistema de transporte de massa e o planejamento urbano em So Paulo.

  • 17

    1.1 - Os antecedentes do Metr

    Embora descartados, os projetos de sistemas de transporte ferrovirio metropolitano

    formulados entre o fim do sculo XIX e o incio dos anos 1960 constituem um importante

    conjunto a respeito do pensamento urbanstico associado capital paulista. Pesquisas como as

    desenvolvidas por Lagonegro (op. cit.) e Muniz (2005) renem dados e anlises sobre essas

    propostas e so referncias para a compreenso do debate em torno do Metr que por dcadas

    envolveu os meios tcnico e poltico na cidade de So Paulo.

    Destacamos que na dcada de 1950, em So Paulo, ganhou fora entre os planejadores

    a preocupao em aproveitar o potencial do metr como estruturador do espao urbano, sendo

    o Ante-projeto de um Sistema de Transporte Rpido Metropolitano, concludo em 1956, o

    smbolo dessa viso mais abrangente. Abordamos a seguir esta proposta e alguns dos outros

    projetos mais significativos do perodo anterior criao da Companhia do Metropolitano.

    1.1.1 Projeto Light

    Elaboradas por particulares, as primeiras propostas no formavam exatamente uma

    rede metroviria, mas podem ser consideradas como tentativas de configurao de um sistema

    embrionrio de transporte de massa para So Paulo. O Projeto Light, de 1927, marcou o incio

    do perodo em que empresas, a prefeitura, o governo do estado e grandes representantes do

    capital privado passaram a considerar a possibilidade de dotar a capital de um sistema de

    transportes de massa envolvendo trens subterrneos (LAGONEGRO, op. cit., p. 119).

    Detentora do monoplio do sistema de bondes eltricos em So Paulo desde o incio

    do sculo XX, a empresa canadense Light tambm controlava os servios de iluminao,

    energia, telefones e gs, mas vinha fazendo investimentos insuficientes em transporte

    coletivo (MUNIZ, op. cit., p. 61-63). Na dcada de 1920, o crescimento demogrfico agravou

    a questo do trnsito e dos transportes na cidade; alm disso, o servio de bondes comeou a

    sofrer a concorrncia de linhas de nibus recm-criadas. Pressionada pela crescente

    insatisfao da populao e alegando que o valor da tarifa do bonde, congelado pela prefeitura

    desde 1909, tornava inviveis a renovao e a ampliao do servio de transporte, a Light

  • 18

    props a renovao de seu contrato, o aumento da tarifa e a extenso do monoplio da

    empresa ao servio de nibus (CAMPOS, 2002, p. 332).

    Elaborado pelo engenheiro de trfego e urbanista canadense Norman Wilson, o projeto

    da empresa previa a requalificao do servio de transporte com a implantao de um

    sistema conjunto de bondes, trens de alta velocidade e nibus (MUNIZ, op. cit., p. 65) e a

    construo de trs linhas radiais, sendo que uma percorreria grande extenso da parte at

    ento consolidada da Zona Leste. Motivo de grande polmica na cidade e de intensas

    discusses na Cmara Municipal, o projeto tambm enfrentou a oposio dos tcnicos da

    Prefeitura, sendo descartado como soluo para a crise dos transportes que assolava a capital

    paulista. A Light permaneceu com o monoplio dos bondes, mas sem obter melhores

    condies no contrato com a administrao municipal e passando a sofrer cada vez mais com

    a expanso do servio de nibus. Para Campos, o plano da Light chocava-se frontalmente

    com as pretenses dos rodoviaristas paulistanos e seus representantes na prefeitura e com a

    predileo dos setores dominantes pelo transporte individual (2002, p. 341). O prefeito Pires

    do Rio, segundo o autor, entendia que os bondes deveriam ser retirados das ruas centrais da

    cidade e que a administrao municipal deveria bancar seu prprio plano e assumir o controle

    do servio de nibus (id. ibid.).

    A resposta engendrada pelos engenheiros da administrao municipal consumou-se na

    confeco do Estudo para um Plano de Avenidas para a Cidade de So Paulo, encomendado

    pelo prefeito Pires do Rio e apresentado em 1929 por Prestes Maia. O estudo props a

    reestruturao urbana atravs da circulao viria e orientou os investimentos da

    administrao municipal nas dcadas de 1930 e 1940, graas, principalmente, conduo de

    Prestes Maia ao cargo de prefeito durante a ditadura do Estado Novo, resultando em um

    mandato de sete anos, entre 1938 e 1945, perodo no qual o engenheiro tocou diversas obras

    virias que havia projetado e deixou como herana para a eventual implantao do metr

    paulistano somente a reserva do estrado de dois viadutos do Permetro de Irradiao no

    Centro da cidade; o Plano de Avenidas lanou as diretrizes para a expanso de So Paulo

    fora da rea de influncia das ferrovias e bondes e ajudou a consolidar a supremacia do

    transporte rodovirio (individual e por nibus) na cidade (LAGONEGRO, op.cit., p. 74).

    1.1.2 O Metropolitano

  • 19

    Na dcada de 1940, diante da situao precria dos transportes em So Paulo - a Light

    s manteve o servio de bondes em So Paulo at o fim de 1945 porque foi obrigada por um

    decreto assinado pelo presidente Getlio Vargas -, a administrao Prestes Maia formou a

    Comisso de Estudos de Transportes Coletivos para avaliar alternativas. No mbito dessa

    comisso, o engenheiro Mrio Lopes Leo foi incumbido de confeccionar um plano de

    transportes para a cidade que tivesse coerncia com as obras virias do Plano de Avenidas que

    vinham sendo realizadas. Em 1944, Leo apresentou seus estudos atravs da monografia O

    Metropolitano em So Paulo4, defendendo com tom enftico a implantao urgente do metr.

    A nosso ver, os elementos reunidos nesta Monografia, os estudos que fizemos no setor

    de transportes coletivos urbanos, e nossa experincia no ramos dos servios de utilidade

    pblica nos permitem concluir que a soluo do problema dos transportes coletivos urbanos

    s ser encontrada, para a cidade de So Paulo, com o METROPOLITANO (LEO, 1955,

    p. 233-234) (grifos do autor).

    Na avaliao de Leo, as condies topogrficas, demogrficas5 e sociais da cidade

    levariam naturalmente as linhas do metr a exercerem a funo coletora, por excelncia, do

    trfego urbano e os outros meios de transporte se encarregariam da alimentao e da

    distribuio do trfego. Ainda segundo o engenheiro, a construo do sistema no oferecia

    dificuldades de ordem tcnica ou de ordem econmica; a construo seria apenas uma

    questo poltico-administrativa (id., p. 235-236).

    4 Premiada no mesmo ano pelo Instituto de Engenharia.

    5 O municpio de So Paulo havia rompido a marca de 1 milho de habitantes nos anos 30. Em 1940, de acordo

    com o Censo do IBGE, possua 1.326.261 moradores.

  • 20

    Figura 1 rea urbanizada do Municpio de So Paulo entre 1930 e 1949

    (Prefeitura de So Paulo)

    Lagonegro ressalta a nfase dada por Leo importncia do urbanismo subterrneo:

    Dentre as propostas de metr para So Paulo, esse trabalho o nico que considera

    sua capacidade de adequar necessidades de circulao preservao do patrimnio

    arquitetnico e de poupar os passageiros dos maus tratos provocados pelos nibus. Ciente

    dos problemas causados pelos transportes rodovirios, Lopes Leo propunha o urbanismo

    subterrneo como um remdio salutar contra a congesto do centro, a primeira vtima da

    circulao excessiva.

  • 21

    (...) por So Paulo possuir o porte e os problemas de uma cidade industrial, crescendo

    vertiginosamente sem a orientao de um urbanista, caberia ao urbanismo subterrneo

    reorientar sua expanso, conjugando engrandecimento, embelezamento e preservao de

    seu patrimnio arquitetnico (LAGONEGRO, op.cit., p. 128).

    Leo props uma rede metroviria com um anel de irradiao - linha circular em

    torno do centro conectado com linhas radiais. Uma dessas radiais serviria a Zona Leste.

    Figura 2 - Sistema Metropolitano de So Paulo

    (CIA. DO METROPOLITANO, 1968)

    1.1.3 Metr de Paris e Companhia Geral de Engenharia

    Por seu tamanho, So Paulo atraiu o interesse de grupos estrangeiros interessados em

    implantar o metr na cidade. De acordo com Lagonegro (2004) e Muniz (2005), em meados

    da dcada de 1940, cinco empresas estrangeiras trs norte-americanas e duas francesas

    procuraram a prefeitura para oferecer projetos de sistemas de trens subterrneos para a cidade.

  • 22

    No entanto, somente a Compagnie du Chemin de Fer Metropolitain de Paris, responsvel

    pelo metr parisiense, apresentou um projeto, embora este tenha sido logo descartado pela

    administrao municipal.

    Em 1947, a prefeitura, no mandato de Paulo Lauro, contratou a Companhia Geral de

    Engenharia (CGE) para elaborar um projeto de sistema de trnsito rpido, visando o

    descongestionamento do permetro central. Este foi avaliado como o projeto mais completo

    at ento, mas sua execuo tambm foi considerada invivel (CARDOSO, 1983, p. 81).

    Figura 3 - Cia. Geral de Engenharia (CIA. DO METROPOLITANO, 1968)

    1.1.4 Ante-projeto de um Sistema de Transporte Rpido Metropolitano

    Os projetos confeccionados at ento restringiam-se capacidade que o sistema possui

    como meio de transporte, sua funo bsica, representando uma alternativa para solucionar as

    carncias do transporte pblico paulistano e desafogar o trnsito, especialmente no Centro da

    cidade. Foi a Comisso do Metropolitano, instituda pelo prefeito Juvenal Lino de Mattos em

    1955 e presidida pelo ex-prefeito Prestes Maia, que elaborou o primeiro estudo a apresentar

  • 23

    uma abordagem diferente - e ampliada - a respeito do metr. O documento Ante-projeto de

    um Sistema de Transporte Rpido Metropolitano, concludo em 1956, j na gesto do prefeito

    Wladimir de Toledo Piza, trazia como novidade a tentativa de aproveitar o potencial da rede

    para estruturar o desenvolvimento urbano:

    O critrio para determinao dos traados (e s poderia ser) mltiplo, procurando

    atender: a) distribuio da populao, segundo as faixas de maior densidade; b) ao

    desenvolvimento esperado da cidade, e s tendncias demogrficas; c) ideia de

    desenvolver preferencialmente esta ou aquela zona, visto que os metropolitanos so

    tambm instrumento de urbanizao; d) topografia e s possibilidades materiais e

    econmicas da passagem das linhas (PREFEITURA DE SO PAULO, 1956, p. 162).

    O Ante-projeto previa linhas diametrais conjugando-se as radiais aos pares, o que

    permitiria a formao um anel virtual no Centro da cidade. A linha radial Leste passaria em

    elevado pelo rio Tamanduate e o Parque Dom Pedro e assim prosseguindo pela avenida

    Leste (atual Radial Leste) at o Tatuap, onde, rua Tuiuti, os formuladores do ante-projeto

    previam a estao de transferncia com a Estrada de Ferro Central do Brasil e a conexo com

    linhas de nibus; numa segunda etapa de implantao, a linha seguiria pelo leito da ferrovia

    at a Vila Matilde, transpondo a a estrada de ferro at chegar ao bairro da Penha (id., p. 161-

    162, 211-212).

    Alm disso, pela primeira vez elaborava-se um projeto de sistema metrovirio com

    abrangncia metropolitana. Como ressalta Muniz, a rede projetada teria cem quilmetros de

    extenso e iria alm dos limites municipais, chegando a Guarulhos, Osasco, Itapecerica da

    Serra e regio do ABC (op. cit., p. 123).

  • 24

    Figura 4 - Esquema geral do Ante-projeto (PREFEITURA DE SO PAULO, 1956)

    Naquele momento, entretanto, se de um lado havia defensores da implantao do

    metr, de outro estavam os que se opunham ao sistema, considerando-o ultrapassado ou

    desnecessrio. Esta foi uma entre as questes que colocaram em lados opostos Prestes Maia e

    Anhaia Melo6, os dois principais protagonistas, entre as dcadas de 1930 e 1960, dos debates

    a respeito do desenvolvimento urbano de So Paulo. Melo pregava a necessidade de frear o

    crescimento urbano do municpio e do estabelecimento de uma estrutura polinuclear que

    proporcionasse proximidade entre moradia e trabalho, desestimulando os grandes

    deslocamentos pela cidade (ANELLI, 2011, p. 19).

    Autor do Plano de Avenidas e prefeito nomeado de So Paulo de 1938 a 1945, Prestes

    Maia entendia nos anos 1950 que no havia perspectiva de reduo do ritmo de crescimento

    da metrpole. Segundo Meyer, Maia pregava atravs do Ante-projeto a necessidade de

    assumir e dirigir o crescimento da cidade, partindo de um estudo setorial sobre o metr para

    uma ao abrangente em escala metropolitana (1991, p. 123 e 127):

    6 Para um aprofundamento da anlise sobre as posies antagnicas de Maia e Melo, consultar Campos (2002) e

    Lagonegro (2004). Lagonegro tambm destaca a importncia de Adhemar de Barros e seu grupo nos debates e

    decises relacionados ao Urbanismo em So Paulo nesse perodo, alm dos paradoxos do metr em So Paulo

    representados pela atuao dessas trs figuras.

  • 25

    (...) o essencial no caso do Ante-Projeto, e sobretudo da postura de Prestes Maia, sua

    afirmao de que a cidade j est madura para a instalao do metropolitano e que este

    um eficiente instrumento de urbanizao, o que quer dizer de orientao global da

    metrpole. As ltimas consideraes do Sistema de Transporte Rpido Metropolitano

    visam justamente a aproximao entre o transporte e o urbanismo. Para Prestes Maia, e

    demais tcnicos envolvidos com o Ante-projeto, as linhas do metropolitano devem

    constituir diretrizes de qualquer plano mais amplo. Duas ordens de medidas deveriam

    servir de instrumento de controle: primeiro, o zoneamento de uso e ocupao mais intensiva

    ao longo das linhas com aumento dos gabaritos e coeficiente de ocupao. Segundo, a

    utilizao pelo Poder Pblico de sua capacidade de criar empresas a ele filiadas capazes de

    adquirir e urbanizar reas adjacentes s linhas metropolitanas (id., p. 125-126).

    Autoras como Cardoso (1983), Santos (2004) e Muniz (2005) tambm reconhecem

    esse carter global no Ante-projeto coordenado por Prestes Maia.

    O estudo continha, porm, um grande paradoxo ao indicar como prioridade maior para

    a cidade na ocasio a realizao de uma obra viria - a construo de um segundo anel

    perimetral em torno do Centro alm da melhoria do transporte pblico existente. Portanto,

    ao mesmo tempo em que defendia o metr, o Ante-projeto apresentava argumentos para o

    adiamento de sua implantao.

    1.1.5 Sagmacs e Planejamento

    Contratada pela prefeitura para realizar uma pesquisa que servisse de base para a

    confeco de um plano diretor da cidade, a Sagmacs (Sociedade para Anlises Grficas e

    Mecanogrficas Aplicadas aos Complexos Sociais), organizao vinculada ao movimento

    conomie et Humanisme e coordenada pelo padre dominicano francs Louis-Joseph Lebret,

    elaborou entre 1956 e 1958 o estudo A Estrutura Urbana da Aglomerao Paulistana, um

    amplo diagnstico da realidade metropolitana acrescido de propostas para o desenvolvimento

    da regio, com nfase na descentralizao, incluindo uma rede de metr que interligasse os

    dezenove centros secundrios identificados (LAGONEGRO, op. cit., p. 165-169).

    Para que essa rede se estabelecesse, a Sagmacs sugeriu a transformao dos trens de

    subrbio em metr e a construo de outras linhas, de preferncia em superfcie. O conjunto

    dos traados revela a importncia dada ao desenvolvimento da Zona Leste. A regio seria

    contemplada com trs linhas propostas: uma, s margens dos rios Tiet e Pinheiros,

    estabeleceria a ligao entre os bairros da Penha e Santo Amaro; a segunda teria ligao

    circular e conectaria os bairros da Penha, Tatuap, gua Rasa e Vila Prudente Zona Sul; e a

  • 26

    terceira representaria a ligao da cidade com o centro administrativo proposto para o bairro

    de So Mateus, no extremo da regio e prximo regio do ABC paulista, podendo ser

    implantada no vale do Aricanduva ou no vale do Capo do Embira, este localizado entre os

    bairros do Tatuap e da gua Rasa (id., p. 169-170).

    Apesar da influncia que exerceu sobre o meio tcnico, inclusive na formao de

    planejadores, o trabalho da Sagmacs no recebeu a devida ateno por parte da prpria

    prefeitura. Sua proposta de metr pouco considerada, mas avaliamos como relevante que um

    estudo de tamanha profundidade tenha proposto j nos anos 1950 uma slida estruturao do

    sistema na Zona Leste, realando a importncia do desenvolvimento da regio para o processo

    de descentralizao da cidade.

    O ltimo projeto relevante de metr confeccionado antes da constituio da

    Companhia do Metropolitano em 1968 foi concebido pelo engenheiro-arquiteto Carlos Lodi,

    diretor do Departamento de Urbanismo da Prefeitura de So Paulo durante a gesto de

    Adhemar de Barros (1957-1961).

    Criado em 1947 com o objetivo de desenvolver um plano para a cidade, o

    departamento um dos marcos da institucionalizao do planejamento e da valorizao da

    arquitetura e do arquiteto em So Paulo na dcada de 1940. Segundo Sarah Feldman, a

    estruturao do departamento evidenciava uma clara identificao com a organizao do

    planning desenvolvida no comeo do sculo XX nos Estados Unidos e que vinha sendo

    difundida e reivindicada por Anhaia Mello (2005, p. 43). Lodi assumia, no entanto, uma

    postura crtica s posies dominantes de Prestes Maia e Anhaia Melo nas discusses que

    vinham orientando o urbanismo na capital paulista (MUNIZ, op. cit., p. 129).

    O projeto de Lodi faz parte do volume Planejamento, que rene trabalhos e

    propostas elaboradas pelo Departamento de Urbanismo durante a gesto de Adhemar de

    Barros na prefeitura. Em funo de sua prpria origem, a proposta de metr articulava-se com

    o planejamento urbano municipal da poca. De acordo com o documento, os traados do

    metr deveriam representar o mnimo custo possvel e a mxima satisfao de demanda

    atual:

    O critrio norteador da escolha deve ser o de que o metr no ferrovia suburbana,

    no devendo agravar a situao do centro urbano, facilitando o acesso das populaes

    muito afastadas, em contradio com o plano de descentralizao que procura mant-las em

    suas sedes; e que o metr deve resolver problemas atuais e no problemas futuros,

    desafogando o que est congestionado e no procurando levar conduo onde no existe

    populao (PREFEITURA DE SO PAULO, 1961, p. 167.)

  • 27

    Figura 5 - Planejamento (PREFEITURA DE SO PAULO, 1961)

  • 28

    Figura 6 rea urbanizada do Municpio de So Paulo entre 1950 e 1962

    (PREFEITURA DE SO PAULO)

    A proposta constitua-se de somente duas linhas diametrais prioritrias que atenderiam

    zonas de grande densidade demogrfica, ambas passando pela Zona Leste. A linha Leste-

    Oeste ligaria os bairros da Penha e da Lapa, comeando no sop da colina da Penha e

    avanando sob o leito do corredor formado pelas avenidas Celso Garcia e Rangel Pestana at

    aflorar j nas proximidades do Tamanduate para transpor o rio em elevado (id. ibid.). A outra

    linha faria um traado Sudeste-Sudoeste, ligando os bairros de Pinheiros e Ipiranga. Sem

  • 29

    concluir uma proposta de plano para a cidade, Lodi deixou o departamento em 1961, quando

    Prestes Maia voltou ao comando da administrao municipal.

  • 30

    1.2 - O contexto da criao da Companhia do Metropolitano

    Coube ao prefeito Faria Lima, eleito em 1965, o papel de fundar a Companhia do

    Metropolitano e dar incio s obras de implantao da rede. Entretanto, para compreender o

    contexto de sua iniciativa, necessrio retroceder ao incio da dcada de 1960 e abordar os

    fatos que marcaram o perodo do mandato de seu antecessor, Prestes Maia.

    1.2.1 - A segunda gesto de Prestes Maia

    Depois de um mandato de sete anos como prefeito nomeado durante o Estado Novo,

    Prestes Maia enfrentou dificuldades para voltar a exercer um mandato executivo no perodo

    democrtico. A vitria no pleito municipal de 1961 veio depois de trs derrotas nas urnas nos

    anos 50: duas eleies para governador (1950 e 1954) e uma para prefeito (1957). Seu retorno

    representou a perda de prestgio do Departamento de Urbanismo como setor responsvel pelo

    planejamento de So Paulo:

    Entre 1961 e 1965, quando Prestes Maia reassume a prefeitura, desfaz-se o discurso

    do planejamento como funo de governo. As idias de planejamento como processo de

    articulao das vrias divises e dos vrios nveis de governo, da pesquisa como ponto de

    partida para toda e qualquer definio de interveno na cidade, de necessidade de um novo

    perfil de urbanista, perdem seus defensores no interior do setor de urbanismo (...)

    (FELDMAN, op. cit., p. 209).

    Prestes Maia resgatou o Ante-projeto de um Sistema de Transporte Rpido

    Metropolitano, de 1956, e decidiu tomar providncias para a futura construo do metr,

    embora as dificuldades financeiras da administrao municipal postergassem aes mais

    efetivas para implantar o sistema na cidade:

    Eleito prefeito em 1961, Prestes Maia (...) procedeu s desapropriaes da Avenida 23

    de Maio, prevendo uma faixa central para o metropolitano. Tambm construiu a Ponte

    Cruzeiro do Sul sobre o Rio Tiet, com tabuleiro central destinado a receber a linha Norte-

    Sul do metr. Mas a falta de recursos o levou a priorizar obras virias e adiar a implantao

    das linhas propriamente ditas (ZIONI, 2008, p. 138).

    Segundo Lagonegro, Prestes Maia, diante de tais dificuldades, tentou convencer a

    opinio pblica sobre a urgncia da construo da rede metroviria:

  • 31

    Nesse sentido, Prestes Maia e staff procuraram de todas as formas mobilizar a opinio

    pblica em torno da idia de construir o metr paulistano a fim de superar o maior dos

    entraves, a falta de recursos financeiros especficos para isso. No se trataria em tal

    contexto de uma carncia crnica de capitais, mas de desinteresse tanto federal quanto

    estadual pela questo (2004, p. 185).

    Para o autor, o prefeito se viu enredado em uma armadilha que ele prprio ajudara a

    montar:

    (...) a obstinao com que travou sua derradeira batalha pelo Ante-projeto na opinio

    pblica revelaria um Prestes Maia desesperado ante a evidncia de que falhara na tarefa de

    elaborar um sistema virio urbano eficiente para So Paulo com o Plano de Avenidas,

    expressamente favorvel ao transporte individual, servil ao novo produto-rei da economia

    brasileira e desdenhoso para com o metr no que este tem de mais til (id., p. 187).

    Lagonegro afirma que, paralelamente, outros grupos empunharam a bandeira do

    metr, citando como exemplo os principais candidatos a governador na eleio de 1962 (id.,

    p. 189). Vencedor desse pleito, Adhemar de Barros, que tentara iniciar a construo do metr

    em sua gesto como prefeito, assinou em fevereiro de 1963 a lei estadual n 7828, que

    sumariamente autorizava emprstimos para a construo do metr paulistano sem qualquer

    indicao de onde ou como faz-lo (id., p. 190). O tema voltou tona na campanha eleitoral

    de 1965 para prefeito, em que trs dos quatro candidatos sabatinados pela Cmara Municipal

    prometeram esforos para implantar o metr (id., p. 191).

    A relevncia da questo levou o Instituto de Engenharia a promover em janeiro de

    1965 a Semana dos Debates do Metropolitano de So Paulo a fim de mobilizar a opinio

    pblica quanto necessidade imediata de construir o metr paulistano assumida pela

    Prefeitura:

    Durante a Semana foram proferidas seis conferncias nas quais tratou-se da

    necessidade do metr em vista da escala dos problemas urbanos paulistanos. Discutiram-se

    os recursos tcnicos e financeiros disponveis, e o que poderia ser fornecido pela indstria

    nacional. O slogan da Semana, So Paulo depende do metr d uma idia da gravidade

    dos problemas e o que se esperava do transporte rpido enquanto soluo para o

    congestionamento do centro (id., p. 191).

  • 32

    Faria Lima, um dos candidatos favorveis implantao do metr na cidade de So

    Paulo, venceu a eleio municipal em maro de 19657 e, sucedendo a Prestes Maia, tomou

    posse do cargo de prefeito em abril daquele ano.

    1.2.2 As condies favorveis da gesto Faria Lima

    O processo de esvaziamento do Departamento de Urbanismo da Prefeitura de So

    Paulo iniciado na gesto de Prestes Maia (1961-1965) teve continuidade na gesto de Faria

    Lima (1965-1969), responsvel pela criao do GEP (Grupo Executivo de Planejamento)

    como rgo transitrio e subordinado ao prefeito, o que, nas palavras de Feldman (2005),

    representou uma interveno no departamento.

    As mudanas no planejamento urbano nesse perodo acentuaram-se com a instituio

    do Serfhau (Servio Federal de Habitao e Urbanismo), rgo criado em 1964 pela ditadura

    ao qual se vinculava o Fundo de Financiamento de Planos de Desenvolvimento Local. O

    fundo condicionava a liberao dos recursos constituio de rgos regionais e municipais

    de planejamento e desenvolvimento ao mesmo tempo em que permitia a estes rgos

    contratar a elaborao de planos e estudos, ampliando o campo de atuao de empresas de

    consultoria (FELDMAN, 2005, p. 212-216).

    Faria Lima, nico prefeito de So Paulo eleito durante a ditadura, recorreu justamente

    s empresas privadas de consultoria ao dar os primeiros passos para cumprir a promessa de

    implantar o Metr na cidade. Em 1966, criou o Grupo Executivo do Metr e convidou

    dezessete empresas estrangeiras a elaborar um estudo de viabilidade econmico-financeira e

    o pr-projeto de engenharia de um sistema integrado de transporte rpido coletivo

    (CARDOSO, 1983, p. 94). O vencedor do concurso foi o consrcio HMD, formado pelas

    empresas alems Hochtief e Deconsult e pela brasileira Montreal. No comeo de 1967, o

    consrcio iniciou os estudos sobre a rede metroviria. Em abril de 1968, a Prefeitura criou a

    Companhia do Metropolitano de So Paulo; e no final do mesmo ano, sob as diretrizes do

    estudo do consrcio HMD, a obra de construo da linha Norte-Sul teve incio8.

    7 Seu slogan de campanha era Vote em Faria Lima e Ganhe uma Cidade Nova, Cf. FUNDAO PREFEITO

    FARIA LIMA. Faria Lima. Disponvel em

    http://www.cepam.sp.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2&Itemid=3. 8 O primeiro trecho do metr paulistano entre Jabaquara e Vila Mariana foi inaugurado em setembro de

    1974.

    http://www.cepam.sp.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2&Itemid=3

  • 33

    Segundo Lagonegro, Faria Lima herdou a Prefeitura de So Paulo em boas condies

    financeiras j que seu antecessor, Prestes Maia, havia reduzido de 50% para 22% os gastos

    com o funcionalismo pblico (2004, p. 433). Alm disso, com a reforma tributria decretada

    pela ditadura em 1967, a prefeitura conseguiu elevar sua capacidade de arrecadao:

    Dentro do esprito da reforma, uma das primeiras medidas de Faria Lima foi a

    instituio do Imposto Municipal de Circulao de Mercadorias vinculado ao Fundo de

    Participao dos Municpios, por meio do qual os municpios receberiam do estado 20% do

    ICM arrecadado (id., p. 433).

    Faria Lima ainda elevou o imposto predial em mais de 20% e reformulou seus

    critrios de cobrana, taxando o valor venal dos imveis e no o locatcio (id. ibid.). A

    ditadura tambm aproximou o pas de instituies internacionais como o Banco Mundial, o

    BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e a USAID (Agncia para o

    Desenvolvimento Internacional do Governo dos Estados Unidos), tornando vivel a busca por

    financiamentos para obras de grande porte (id., 434).

    Esse conjunto de fatores e medidas ampliou, portanto, as receitas da Prefeitura e

    propiciou o suporte financeiro necessrio para que a administrao municipal empreendesse

    uma srie de obras virias e iniciasse a construo do metr:

    No mbito federal, o governo militar apresentava um carter planificador e tecnocrata,

    que se fazia notar na elaborao de projetos voltados para o desenvolvimento da infra-

    estrutura. Reformas administrativas resultaram na criao do Sistema Financeiro da

    Habitao (SFH) e do Banco Nacional de Habitao (BNH), e mais tarde no Fundo de

    Desenvolvimento de Transportes Urbanos e da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos

    (EBTU), o que representou a mais efetiva interveno do Estado brasileiro na produo de

    infra-estrutura e sistemas de transporte urbano (ZIONI, 2008, p. 109).

    Foi dentro desse contexto marcado pelo acirramento poltico, com o endurecimento da

    represso militar, e pelo crescimento econmico do pas (o milagre econmico) que o

    Metr de So Paulo saiu, finalmente, do papel e comeou a entrar nos trilhos, processo

    tambm marcado por paradoxos no mbito da histria do planejamento urbano paulistano:

    Dos muitos paradoxos que perpassam a histria anterior do metr paulistano, o mais

    intrigante deles o fato de o sistema metrovirio iniciado em fins da dcada de 1960 por

    iniciativa e sob o comando de pensadores urbanistas paulistanos que o haviam combatido

    nas dcadas anteriores, os staffs de Anhaia Melo e Prestes Maia. Isso se deu no momento

    em que, aps o golpe militar de 1964, esses quadros foram solicitados pelo poder pblico

    por sua competncia profissional no setor de planejamento, para auxiliar a resgatar So

    Paulo do colapso urbano em que ameaava precipitar-se, aps cinqenta anos de

    rodoviarismo como programa tcito de governo dominando o setor de obras pblicas da

    cidade (LAGONEGRO, op.cit., p. 194).

  • 34

    Nessa passagem, Lagonegro faz referncia participao de profissionais ligados aos

    grupos de Anhaia Melo e Prestes Maia na implantao do Metr em So Paulo, lembrando

    que, ironicamente, Melo e Maia, em diferentes momentos de suas trajetrias, se opuseram

    construo do sistema de transporte rpido na cidade.

  • 35

    1.3 - O projeto do consrcio HMD

    O projeto apresentado pelo consrcio HMD previa uma rede bsica de metr,

    predominantemente subterrnea, com 66,2 quilmetros de extenso em quatro linhas, sendo

    duas com ramais, e 68 estaes, sete delas para a realizao de transferncias, mantendo a

    estrutura rdio-concntrica de So Paulo (COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SO

    PAULO, 1968, v.1, p. 181-183).

    A linha Leste-Oeste ligaria dois bairros da Zona Norte Vila Maria e Casa Verde -,

    mas passando pelo centro e pelas zonas Leste e Oeste. No trecho leste, avanaria sob o leito

    da avenida Celso Garcia at a regio do Tatuap derivando depois para a Vila Maria,

    suplantando o rio Tiet. A Zona Leste tambm seria contemplada com um ramal da linha

    Sudeste-Sudoeste que ligaria o Parque Dom Pedro II ao bairro de Vila Bertioga, com traado

    subterrneo pela rua da Mooca. Portanto, no havia nessa rede bsica a projeo de nenhuma

    linha que se estendesse at o extremo leste. Isso era previsto somente em um estudo inicial do

    consrcio para a expanso futura da rede, quando ela passaria a ter abrangncia metropolitana

    e mais de 200 quilmetros de extenso. O relatrio do consrcio apresentou como prioridade

    a construo da linha Norte-Sul9. A meta era que a rede bsica fosse concluda em um perodo

    de dez anos para o atendimento da demanda prevista para o fim da dcada de 80.

    9 Cardoso (1983) e Lagonegro (2004) salientam que a opo da gesto Faria Lima por comear a implantao do

    sistema pela linha Norte-Sul foi alvo de crticas e denncias que resultaram na criao de uma Comisso

    Especial de Inqurito na Cmara. Os crticos entendiam que a linha Leste-Oeste possua uma demanda maior e

    seria, portanto, a mais urgente. No entanto, vereadores aliados a Faria Lima conseguiram impedir o avano das

    investigaes e encerrar a comisso (LAGONEGRO, op. cit., 443).

  • 36

    Figura 7 - Proposta de rede do metr elaborado pelo consrcio HMD

    (CIA. DO METROPOLITANO, 1968)

    Paralelamente ao encaminhamento do projeto do metr, Faria Lima encomendou, por

    meio do GEP, a criao daquele que deveria ser o grande plano para a cidade, o Plano

    Urbanstico Bsico (PUB). Encomendado em 1968, o plano foi entregue em 1969, no fim da

    gesto de Faria Lima. O projeto do metr elaborado pelo HMD e as obras do sistema

  • 37

    metrovirio vieram, portanto, antes da concluso do PUB. Ou seja, a rede de transporte rpido

    comeou a ser implantada na ausncia de um plano geral para a cidade.

    O estudo produzido pelo consrcio HMD, mesmo tendo um carter setorial, voltado

    para a implantao de um sistema de transporte rpido, esbarrou em limites decorrentes da

    falta de diretrizes para o desenvolvimento da cidade e da regio metropolitana. No prprio

    estudo do consrcio, h menes sobre a falta de um plano abrangente para a capital paulista.

    Naquela que talvez seja a mais explcita delas, indica-se que o estudo deteve-se nos aspectos

    relacionados fluidez. Na ausncia ainda de um plano diretor urbanstico que somente agora

    est sendo elaborado foi adotada uma poltica de atendimento aos desejos de deslocamento

    decorrentes de tendncias naturais (1968, v.1, p. 135).

    O consrcio sugeriu a criao de estacionamentos de automveis prximos s estaes

    e props a integrao dos meios de transporte na cidade. O metr e os trens suburbanos, pela

    sua alta capacidade, constituiro os canais principais de escoamento e os nibus, dada sua

    flexibilidade de itinerrio, constituiro o elemento alimentador da rede metr-ferrovias (id.,

    p. 177). Conforme Nigriello, cuidado especial foi tomado para que a rede de metr no

    competisse com a ferrovia nem com a rede de nibus, de forma que o sistema global

    apresentasse mxima utilizao de recursos (1998, p. 152).

    Em relao articulao com o tecido urbano, o estudo do HMD sugeriu o

    congelamento do entorno das estaes, onde previa uma valorizao. Cardoso frisa que essa

    recomendao de preservao de uma rea aproximada de 500 metros em torno das estaes

    do metr, com critrios disciplinadores, de forma a atender renovao urbana, provocada

    pela valorizao decorrente da implantao do sistema, era a nica referncia quanto ao seu

    impacto na estrutura urbana (1983, p. 97).

  • 38

    1.4 A proposta do PUB

    Encomendado em 1968, o Plano Urbanstico Bsico foi confeccionado por uma equipe

    multidisciplinar formada por um consrcio de empresas de consultoria brasileiras e norte-

    americanas, entre elas a Montreal10

    , integrante do HMD, e entregue em 1969, no fim da

    gesto de Faria Lima (SOMEKH & CAMPOS, 2008, p. 110). Se por um lado o estudo do

    HMD fazia referncia falta de um plano para a cidade, por outro o Plano Urbanstico

    Bsico, concludo posteriormente, relatava ter considerado o projeto da rede de metr e

    baseava-se nele para propor sua ampliao, indicando uma articulao entre os dois estudos.

    De fato, a rede bsica proposta pelo HMD estava contida na grande malha metroviria

    proposta pelo PUB. O sistema de trnsito rpido apresentado neste plano, desenvolvido em

    estreita cooperao com o consrcio que realizou o estudo do Metr, recomenda a construo

    de 450 km de linhas (PREFEITURA DE SO PAULO, 1969, p. 105).

    Os formuladores do plano pretendiam, portanto, que sua proposta ocupasse o lugar do

    projeto do HMD no estabelecimento das diretrizes da continuidade da obra do metr. O PUB

    previa que os servios de subrbios das ferrovias fossem substitudos por metr ao longo

    de 185 km e que a rede de transporte rpido tivesse abrangncia metropolitana (id. ibid.). O

    volume de estudos do plano intitulado Desenvolvimento Urbano ressalta a incorporao do

    projeto do HMD e detalha a expanso da rede imaginada pelos formuladores do PUB, de

    abrangncia metropolitana:

    Estudo recente determinando a viabilidade de um sistema de trnsito rpido

    recomenda a construo inicial de 66 km de linhas de Metr (...). O sistema ora

    recomendado manteve as caractersticas bsicas do primeiro, estendendo as linhas radiais

    at os centros de comrcio e servios mais distantes, e recomendando novas linhas. Alm

    das linhas junto s vias frreas, que substituiro os trens de subrbio, so previstas linhas

    para Casa Verde, Santana e Tucuruvi, Guarulhos, Vila Prudente e So Mateus, So

    Bernardo, Diadema, Santo Amaro, Taboo e Osasco (PREFEITURA DE SO PAULO,

    1969, vol. 2, p. 397).

    10

    Alm da brasileira Montreal, participaram do consrcio a tambm nacional Asplan S.A. e as norte-americanas

    Leo A. Daly Company e Wilbur Smith & Associates.

  • 39

    Figura 8 - Sistema de metr recomendado pelo PUB para 1990 (PREFEITURA DE SO PAULO, 1969)

    Os formuladores do plano recomendavam a implantao de um esquema estrutural da

    metrpole com sete centros subregionais e vinte centros secundrios de servios

    (PREFEITURA DE SO PAULO, 1969, p. 81 e 85). Um dos centros subregionais a serem

    desenvolvidos era o bairro de Itaquera. Os planejadores propunham que os centros

    subregionais tivessem reas residenciais adjacentes de alta densidade e fossem

    implantados de acordo com planos detalhados, mediante desapropriao de terrenos,

    proviso de servios urbanos e outros meios de ao (id., p. 25).

    A funo do metr descrita no plano tinha relao direta com os novos centros:

    O sistema de trnsito rpido servir como ligao entre os centos sub-regionais, estes

    com o centro metropolitano. Atender ainda aos centros secundrios de servios,

    localizados, de preferncia, em seus cruzamentos e terminais, e s zonas industriais,

    interligando reas de maior densidade habitacional e os grandes centros de emprego (id., p.

    85).

    Isso significa que o metr deveria atender maior parte das viagens de mdia e longa

    distncia entre os vrios setores da rea urbana, transportando grande volume de passageiros e

    a altas velocidades. Nesse sentido, Anelli ressalta o modelo polinuclear estabelecido no plano,

    em que moradia e trabalho poderiam ser distantes, mas com medidas para facilitar a

  • 40

    circulao; ou seja, a populao poderia usufruir das ofertas de moradia e de trabalho em

    escala metropolitana, o que proporcionaria a ruptura com a estrutura que fixava o trabalhador

    s proximidades do local de trabalho e a efetivao do princpio capitalista de plena liberdade

    para a fora de trabalho (2011, p. 27-28).

    quela altura, j estava em construo a linha 1 (Norte-Sul) do metr. O PUB

    recomendava que a seguir fossem implantadas, prioritariamente, trs linhas no eixo Leste-

    Oeste: a Casa Verde-Vila Maria, prevista na rede bsica projetada pelo consrcio HMD, alm

    da Lapa-Brs e da Brs-Itaquera, a serem construdas na faixa de domnio das antigas

    ferrovias Central do Brasil, a leste, e Sorocabana e Santos-Jundia, a oeste (PREFEITURA

    DE SO PAULO, 1969, p. 131). Pela primeira vez, um estudo trazia as propostas de

    desenvolver Itaquera e de levar o metr at o bairro.

    Outro aspecto importante do PUB a proposta de constituio de uma malha

    ortogonal com 815 quilmetros de vias expressas, o que, segundo Somekh & Campos (op.

    cit.), faria do metr um sistema de importncia secundria dentro do planejamento da

    circulao em So Paulo:

    (...) a crena no automvel ainda no havia sido abalada pela crise do petrleo, e essas

    intenes se encaixavam na prioridade concedida indstria automobilstica pela poltica

    desenvolvimentista brasileira. O metr surgia ento como uma grande obra complementar e

    no alternativa priorizao do transporte individual (p. 118).

    A respeito desse aspecto do PUB, a anlise dos volumes de estudos do plano nos

    conduz a uma interpretao diferente da apresentada pelos autores acima. No volume

    Desenvolvimento Urbano, a equipe responsvel pelo PUB destacou a relevncia do metr

    para o plano da cidade, sobretudo para a preservao do centro paulistano, como revelam as

    trs passagens abaixo:

    Em So Paulo, os efeitos da vulgarizao do automvel, iniciada na presente dcada,

    devero ser compensados pela construo do Metr (PREFEITURA DE SO PAULO,

    1969, vol. 2, p. 42).

    (...) a construo do sistema de Metr, em So Paulo, contribuir muito para preservar

    a importncia do Centro, apesar da proliferao do carro particular (id., p. 43).

    A integrao das estaes com as galerias de lojas e com subsolos de edifcios

    aumentar, de maneira geral, a utilizao do sistema do Metr, particularmente nas estaes

    da periferia, de modo a incentivar os proprietrios de automveis a continuarem a viagem

    ao centro pelo Metr (id., p. 397).

    Mais adiante, os planejadores propunham a criao de taxas e restries especiais

    para reduzir o volume de trfego de automveis no centro (id., p. 439).

  • 41

    Em outro volume de estudos do plano, denominado Circulao e Transportes, os

    sistemas de vias expressas e os equipamentos de transporte rpido sobre trilhos eram tratados

    como elementos bsicos do futuro sistema de transportes (PREFEITURA DE SO

    PAULO, 1969, vol. 4, p. 203). Em outra passagem desse volume, os formuladores do PUB

    enfatizavam o protagonismo imaginado para o transporte pblico, sobretudo o Metr, na

    seguinte proposta:

    Dar maior incentivo ao uso dos transportes coletivos do que ao transporte individual,

    mediante a oferta de estacionamento nas estaes perifricas do Metr; a concentrao de

    alta densidade junto s estaes do Metr; a imposio de taxas especiais de

    estacionamento na rea central da cidade e a elevao das taxas que incidem sobre os

    usurios das vias (id., p. 9).

    O metr tambm se constitua em elemento central de outra proposta importante do

    PUB: o desenvolvimento de corredores de atividades mltiplas. Os corredores seriam

    implantados ao longo das linhas da rede metroviria e caracterizados por alta concentrao

    de atividades de negcios, por comrcio e por servio e por uso residencial intenso

    (PREFEITURA DE SO PAULO, op. cit.,: p. 25).

    Esse conjunto de propostas nos leva a repensar a avaliao de que prevaleceu um

    carter rodoviarista no PUB. O plano parece conferir importncia similar ao metr e ao

    sistema virio, ressaltando a necessidade de implantao de uma ampla rede de transporte

    rpido de massa e tratando com preocupao a expanso do automvel. Em relao regio

    central, evidente a inteno de coibir o uso do veculo particular e incentivar o uso do

    transporte coletivo.

    Entendemos que o PUB incorreria em um grande contrassenso urbanstico e at

    mesmo no mbito da administrao municipal se relegasse o metr a um papel menor. Se

    assim fizesse, estaria rebaixando uma obra de grande porte que acabara de ser iniciada pela

    mesma administrao a de Faria Lima que contratara o plano. Interpretamos, portanto, que

    o metr tratado no PUB como elemento estruturante da configurao urbana e como

    alternativa ao transporte individual na regio central metropolitana.

    A tnica das gestes seguintes da administrao paulistana ajudou a reforar essa

    marca de proximidade entre metr e PUB. Como veremos na sequncia deste captulo, a

    gesto responsvel pelo engavetamento do PUB a de Paulo Maluf, sucessor de Faria Lima

    tambm optou por diminuir o ritmo da construo do metr e priorizar a realizao de obras

  • 42

    virias. Por outro lado, as administraes posteriores11

    , embora tambm tenham investido no

    virio, resgataram propostas do PUB e investiram com mais fora na construo do metr,

    confluncia que se refletiu, inclusive, em intervenes realizadas na Zona Leste da cidade que

    analisamos neste trabalho.

    11

    Nos referimos s gestes de Figueiredo Ferraz, Miguel Colasuonno e Olavo Setbal, todas nos anos 70.

  • 43

    1.5 - A proposta do PMDI

    Em fins de 1969, o governo estadual de So Paulo, por meio do Gegran (Grupo

    Executivo da Grande So Paulo), contratou um consrcio de empresas de planejamento

    formado pela Asplan12

    , GPI e Neves & Paoliello para a elaborao do PMDI (Plano

    Metropolitano de Desenvolvimento Integrado). O plano identificou os principais problemas

    fora do controle dos governos locais, relacionados principalmente s reas de saneamento,

    transportes e uso do solo; props solues a esses problemas, formulando diretrizes a longo

    prazo e medidas concretas a mdio prazo 1980 e tambm concebeu um mecanismo

    coordenador das atividades do governo do estado na rea metropolitana, ou seja, a prpria

    entidade metropolitana (GOVERNO DE SO PAULO, 1970, p. XI).

    No setor de transportes, o PMDI reforou a importncia da proposta de renovao das

    ferrovias ao recomendar a implantao de um Sistema de Transporte Rpido de Massa para

    atender a 60% das viagens, mediante aproveitamento do sistema ferrovirio existente (id.

    ibid.). Essa proposta significava a concluso da obra da linha Norte-Sul do metr e a reviso

    do traado das outras linhas metrovirias face a um plano integrado de transporte de massa,

    considerando prioritrio o sistema metro-ferrovirio, o que implicaria no aperfeioamento

    do sistema de trens de subrbio, a fim de elev-lo ao padro de servio de metr (id., p.

    XVII).

    Os formuladores do PMDI propuseram que a linha Leste-Oeste (Vila Maria-Casa

    Verde) projetada pelo consrcio HMD tivesse o traado estendido at o fim da avenida Celso

    Garcia para o atendimento do bairro da Penha (id., p. 18). Ainda na Zona Leste, o

    aproveitamento gradual das ferrovias recomendado no plano resultaria em formulao

    semelhante do PUB, com o servio de metr passando a atender toda a rea do Brs a

    Guaianazes onde corria a Estrada de Ferro Central do Brasil.

    12

    Empresa que j havia participado da elaborao do PUB.

  • 44

    Figura 9 - Sistema de Transporte Rpido de Massa proposto no PMDI

    (GOVERNO DE SO PAULO, 1970)

    Em relao ao uso do solo na Grande So Paulo, o plano sugeriu que a expanso

    urbana fosse desestimulada na direo sul e sudoeste e reorientada em direo a leste e a

    nordeste, onde se encontram os terrenos mais adequados ocupao (id., p. XVII). No que

    tange habitao, recomendou o adensamento das reas perifricas e das reas localizadas

    junto aos elementos principais do sistema de transportes e a implantao de grandes

    conjuntos habitacionais (id., p. 5). Entendemos que ambas as recomendaes influenciaram a

    administrao paulistana na dcada de 1970, especialmente a COHAB-SP, responsvel pela

    construo de grandes conjuntos na Zona Leste.

  • 45

    1.6 - O metr no mapa do PDDI

    Vinte e quatro anos depois da criao do Departamento de Urbanismo na Prefeitura de

    So Paulo e dois anos aps o engavetamento do Plano Urbanstico Bsico, a capital paulista

    teve, finalmente, seu primeiro plano diretor aprovado em dezembro de 1971, na gesto do

    prefeito Figueiredo Ferraz (1971-1973), nomeado durante a ditadura militar para suceder a

    Paulo Maluf. Tratava-se do PDDI (Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado), elaborado

    pelo j citado GEP (Grupo Executivo de Planejamento).

    Na exposio de motivos do projeto de lei (PL 125/71) enviado Cmara Municipal, o

    PUB e o PMDI so citados como peas bsicas utilizadas na confeco do PDDI. Os 57

    artigos que compem a lei que implantou o plano ocupam nove pginas. O texto previa a

    formao dos corredores de atividades mltiplas recomendados pelo PUB e a implantao de

    um conjunto de linhas interligadas de metr a ser integrado aos sistemas de transporte

    coletivo por nibus e trens suburbanos (Lei n 7688/71).

  • 46

    Figura 10 - A rede de metr no mapa das Diretrizes Bsicas para o Arranjo Territorial do PDDI

    (Lei n 7688/71)

    O traado da rede de Metr a ser implantado na cidade no era descrito, constando

    apenas em um mapa das Diretrizes Bsicas para o Arranjo Territorial anexado ao plano. A

    identificao das linhas s possvel pela observao do mapa. O tamanho do sistema

    projetado estava muito aqum dos 450 quilmetros propostos no PUB. O traado que se v no

    mapa do PDDI restringia-se aos limites do territrio da capital paulista e seguia quase

    integralmente o projeto de rede bsica confeccionado pelo HMD em 1968, inclusive na Zona

    Leste.

    A explicao a respeito do Metr presente na exposio de motivos do projeto de lei

    ratifica a observao acima e assinala a previso de uso do entorno das linhas como

    importantes eixos de desenvolvimento da cidade:

  • 47

    As diretrizes da rede do Metr no diferem substancialmente daquelas constantes de

    estudos anteriores, salvo por pequenas alteraes, destinadas a harmonizar o transporte em

    massa de passageiros com a estrutura urbana estatuda. Prev-se que as maiores

    concentraes demogrficas e de atividades mltiplas ocorrero ao longo das linhas do

    Metr (PL 125/71).

    No havia meno nem na lei nem no projeto proposta apresentada no PUB de

    formao de um centro subregional em Itaquera. Somente no mapa das Diretrizes Bsicas

    para o Arranjo Territorial h a indicao de que Itaquera deveria ser uma rea de

    desenvolvimento urbano. A previso de implantao do tramo leste da linha Leste-Oeste

    assemelhava-se ao projeto do consrcio HMD: o traado do Metr acompanharia o da avenida

    Celso Garcia e derivaria para a zona norte, suplantando o rio Tiet. No se previa no PDDI a

    implantao de uma linha de metr at Itaquera.

    Para Feldman, o PDDI, composto apenas por uma lei e um mapa e restrito ao campo

    do planejamento fsico-territorial, abriu mo da abrangncia a todos os aspectos da vida

    urbana, e consequentemente, da idia de articulao com outras reas de governo e da idia

    de processo de planejamento, tornando-se a negao da concepo de plano diretor que o

    PUB representou; ainda segundo a autora, o que caracterizou o PDDI foi a associao entre o

    plano virio e o zoneamento (2005, p. 243 e 248).

    Para Feldman e para Villaa (2004), a tramitao do projeto de lei na Cmara

    Municipal, em meio ao perodo mais repressivo da ditadura militar, foi uma farsa, em virtude

    do completo domnio exercido pelo Poder Executivo sobre o Legislativo. Alm de questionar

    a legitimidade do plano, Villaa chama a ateno para o descompasso entre o PDDI e o

    planejamento do Metr: (...) a Companhia do Metropolitano ignorou o traado de metr

    constante nesse plano, mostrando a inutilidade e a inoperncia da incluso de previso de

    obras nos planos diretores (2004, p. 153).

    Esse descompasso logo se fez notar. Como mostraremos frente, as primeiras medidas

    que a Companhia do Metropolitano tomou para ampliar a rede divergiram da configurao

    prevista no PDDI, deixando obsoleto o mapa do plano.

    Ainda que as limitaes do PDDI sejam evidentes diante do PUB, preciso reafirmar

    que sua elaborao por parte da gesto Figueiredo Ferraz representou o resgate de propostas

    presentes no Plano Urbanstico Bsico, estudo que havia sido ignorado pela gesto Paulo

    Maluf. No mesmo tom de reviso dos conceitos adotados pelo antecessor, Figueiredo Ferraz

    revalorizou a construo do Metr, como veremos a seguir.

  • 48

    1.7 - Novos estudos e um grande impasse na Zona Leste

    As obras do Metr sofreram uma desacelerao na gesto de Paulo Maluf (1969-

    1971), mas ganharam impulso na administrao de Figueiredo Ferraz. Em 1971, Ferraz

    nomeou o engenheiro Plnio Assmann, seu ex-aluno na Escola Politcnica de So Paulo

    (USP), como presidente da Companhia do Metropolitano. Com recursos financeiros

    disposio, a empresa cresceu e passou a contar com equipes prprias para o desenvolvimento

    de estudos e projetos, dispensando os servios de empresas de consultoria. O planejamento e a

    construo da linha Leste-Oeste vieram a ser grandes smbolos dessa nova fase do Metr.

    Menos de um ano depois da promulgao do PDDI, os planejadores do Metr,

    deixando de lado o projeto de rede que constava no mapa do plano diretor da cidade,

    comearam a revisar a proposta de rede proposta em 1968 pelo consrcio HMD, como

    demonstram documentos internos que levantamos nos arquivos da Companhia do

    Metropolitano e reportagens publicadas na poca nos jornais da cidade.

    Na edio de 20 de dezembro de 1972, o jornal Folha de S.Paulo publicava em sua

    capa o seguinte ttulo a respeito do projeto de uma nova linha de metr para a cidade: At 75,

    a linha Leste do Metr; 23 quilmetros. Na pgina 8, a reportagem Nova Leste, uma nova

    linha para o metr de So Paulo trazia os detalhes do projeto e de um acordo firmado entre a

    Companhia do Metropolitano e RFFSA (Rede Ferroviria Federal Sociedade Annima),

    responsvel pela Estrada de Ferro Central do Brasil:

    A Prefeitura poder construir, at 1975, mais 23 quilmetros de Metr, ligando a

    praa Clvis Bevilacqua, centro da cidade, ao bairro de Guaianazes, na Zona Leste da

    Capital. Com essa linha - denominada Nova Leste uma regio com mais de 1,5 milho

    de habitantes seria atendida pelo Metr (...).

    A linha Nova Leste - que alterar substancialmente a rede bsica do Metr, projetada

    em 1968 - tornou-se possvel com convnio ontem assinado no Palcio dos Bandeirantes,

    entre a Companhia do Metropolitano e a Rede Ferroviria Federal.

    Pelo convnio, a RFF autoriza o Metr a construir sua linha no extenso corredor hoje

    ocupado pela Central do Brasil, entre a estao Roosevelt (no Brs) e Guaianazes, a 23

    quilmetros do centro da cidade.

    Nessa faixa ser construda a linha Nova Leste, ao lado dos trilhos da Central at a

    estao de Engenheiro Gualberto. Nesse ponto, a Central passar a ocupar a variante que

    passa por So Miguel Paulista, deixando ao Metr a ocupao da faixa que hoje constitui

    sua linha tronco, e que cruza uma das regies mais densamente povoadas de So Paulo

    (FOLHA DE S.PAULO, 20/12/2012, p. 8).

  • 49

    A reportagem ainda informava que a linha Nova Leste fora concebida pelo prprio

    prefeito Figueiredo Ferraz e que o ento ministro dos Transportes, Mario Andreazza, e o

    ento governador de So Paulo, Laudo Natel, tambm assinaram o convnio.

    Figura 11 Reproduo da edio de 20 de dezembro de 1972 do jornal Folha de S.Paulo

    Poucos meses depois, em maro de 1973, o estudo da Companhia do Metropolitano

    denominado Viabilidade da Linha Leste apresentava uma variao mais longa do traado,

    prevendo a ligao da estao S, no centro da capital paulista, estao de trem Calmon

    Viana, no municpio de Po, na regio leste da Grande So Paulo. O documento tambm

    citava as diretrizes do PUB, do PMDI e do PDDI, levando em considerao, por exemplo, que

    Itaquera era uma rea a ser desenvolvida.

    Em outro estudo a que tivemos acesso, chamado Novas linhas, tambm de 1973, a

    Companhia do Metropolitano atribua a necessidade de modificar os planos de construo da

    rede ao crescimento da metrpole, sobretudo da parte Leste, e implementao da lei que

    criou as Regies Metropolitanas, institucionalizando a Grande So Paulo:

    Novas pesquisas de campo, efetuadas no sistema virio da rea de Estudo,

    determinaram novas necessidades, levando a alteraes no projeto inicial do Consrcio

    HMD, tanto no que se refere ordem de prioridade, como no traado de algumas linhas.

    Estas alteraes tm como causa primeira e principal a necessidade de ampliao da

    Rede Bsica para alm dos limites geogrficos do Municpio de So Paulo, enquadrando-se

    assim o Metr nas diretrizes do Governo Gederal, quando criou as Regies Metropolitanas

    pela Lei Federal n 14, de 8 de junho de 1973. Transportes e Sistema Virio so

    indicados como servios comuns de interesse metropolitano.

    O interesse do Governo Federal na consecuo do objetivo proposto to grande que

    o artigo 5 diz: Tero preferncia, na obteno de recursos federais e estaduais, inclusive

  • 50

    sob a forma de financiamentos bem como de garantias para emprstimos, os municpios

    que se integram no planejamento da Regio Metropolitana (COMPANHIA DO

    METROPOLITANO DE SO PAULO, 1973a).

    Entretanto, o convnio entre Metr e Rede Ferroviria Federal no avanava. E depois

    de quase um ano e meio de indefinio, em maro de 1974, conforme reportagens publicadas

    pela Folha de S.Paulo, a RFFSA rescindiu o convnio firmado com o Metr de So Paulo, o

    que representou o fim do projeto da linha Leste e o adiamento da implantao do sistema na

    regio.

    Apesar da frustrao provocada pelo rompimento por parte da Rede Ferroviria

    Federal, a Companhia do Metropolitano decidiu prosseguir com estudos que abrangiam a

    Zona Leste. O documento Proposta de Expanso: Corretor Leste-Oeste, elaborado poucos

    meses depois, em outubro de 1974, inclua a possibilidade de alterao do corredor Oeste,

    aumentando a quantidade de instituies relacionadas com a questo.

    Se os novos projetos para a implantao do tramo Leste envolviam a Rede Ferroviria

    Federal, a hiptese de alterar o tramo Oeste, utilizando o domnio da ferrovia que cruza a

    regio (a antiga Sorocabana), passou a envolver tambm a Fepasa (Ferrovia Paulista

    Sociedade Annima), vinculada ao governo estadual. A questo do eixo Leste-Oeste chegava,

    portanto, a um grande impasse entre as esferas municipal, estadual e federal. Diante da

    gravidade do tema, o governo federal decidiu agir. Sob a presidncia de Ernesto Geisel, o

    Ministrio dos Transportes, comandado poca por Dyrceu Arajo Nogueira, formou, ainda

    em 1974, uma Comisso Mista com a participao das instituies interessadas no assunto a

    fim de resolver o impasse.

    Em depoimento concedido a ns, Plnio Assmann, presidente do Metr poca,

    afirmou que a intransigncia dos representantes da RFFSA nas negociaes levou a ditadura

    militar a intervir no caso:

    A fui l na Rede, a RFFSA. A recepo foi a pior possvel. No, porque vocs

    podem construir o metr em qualquer lugar, ns s temos esse leito, e vocs vo se

    arrepender porque aquela zona horrvel, todo dia jogam pedra no trem, quebram o vidro,

    no fica uma coisa de p, vocs vo botar o metr todo fino, todo novo naquela... At que

    finalmente conseguimos que o governo federal institusse a tal comisso13

    .

    13

    Trecho de depoimento concedido em abril de 2011.

  • 51

    A linha Norte-Sul do Metr de So Paulo fora inaugurada em setembro de 1974, mas a

    definio sobre o traado da linha Leste-Oeste tardava a acontecer. Com a ao do Ministrio

    dos Transportes, entretanto, aproximava-se o momento em que o destino do metr na Zona

    Leste seria decidido. No prximo captulo, trataremos da soluo apresentada.

  • 52

    Captulo 2 Destino Itaquera

    Como vimos no Captulo 1, o impasse em torno da implantao do metr no eixo

    Leste-Oeste de So Paulo levou o governo federal a intervir na situao nos ltimos meses de

    1974. Neste Captulo 2, abordamos a deciso da Comisso Mista formada pelo Ministrio dos

    Transportes que selou o destino do metr na Zona Leste e discutimos as razes que fizeram de

    Itaquera a estao terminal.

    Tratamos tambm da formao histrica de Itaquera e da situao do bairro na

    passagem da dcada de 1960 para a dcada de 1970, perodo em que atraiu a ateno dos

    planejadores urbanos, dos planejadores da COHAB-SP e do Metr. Abordamos as propostas

    do Plano Urbanstico Bsico e reconstitumos as primeiras aes voltadas para o bairro

    realizadas pela COHAB, apresentando o contexto da criao da companhia, vinculada

    poltica habitacional da ditadura a cargo do BNH.

    Resgatamos, ainda, o projeto CURA Itaquera, tentativa do poder pblico municipal de

    aproveitar o potencial do metr para estruturar o desenvolvimento urbano da regio, trazendo

    tona a atuao do arquiteto e urbanista Harry James Cole, consultor do PUB, idealizador do

    programa CURA (Comunidades Urbanas de Recuperao Acelerada) e responsvel pelo

    estudo inicial do projeto destinado ao bairro.

  • 53

    2.1 - O Ministrio dos Transportes decide o destino do Metr

    O governo federal materializou sua interveno na questo da implantao do metr

    no eixo Leste-Oeste de So Paulo por meio da portaria n 1.202 do Ministrio dos

    Transportes, de 23 de outubro de 1974. No documento, o ento ministro Dyrceu Arajo

    Nogueira convocou o presidente da RFFSA, Frederico Guilherme de Castro Braga; Ion de

    Freitas, representante do prprio ministrio; Paulo Azevedo Souza, representante da Empresa

    Brasileira de Planejamento de Transportes (Geipot); Oliver Hossepian Salles de Lima,

    representante da Fepasa; e o presidente do Metr, Plnio Assmann, representando a Prefeitura

    de So Paulo, para formar uma Comisso Mista a fim de estudar o problema da coordenao

    das linhas frreas de subrbio e do metropolitano de So Paulo em seus aspectos tcnicos e

    econmicos. De acordo com a portaria, os cinco engenheiros citados teriam quinze dias para

    a concluso dos trabalhos, que deveriam se processar em regime de tempo integral.

    Segundo Plnio Assmann, o ministro Dyrceu Nogueira ao recepcionar os integrantes da

    Comisso em Braslia cobrou do grupo um consenso a respeito da questo: O ministro disse

    o seguinte para todos ns: ningum sai daqui sem ter soluo, vocs vo trabalhar na sala ao

    meu lado. Eu no tinha levado nada, ento fui arrumar escova de dente, e passei uma semana

    l em Braslia discutindo14

    .

    A comisso analisou as trs alternativas apresentadas no documento Proposta de

    Expanso: Corredor Leste-Oeste, elaborado em outubro de 1974 pela Companhia do

    Metropolitano. Este e os estudos Viabilidade da Linha Leste e Novas Linhas, de 1973,

    citavam motivos para o iminente descarte da linha Leste-Oeste proposta em 1968 pelo

    Consrcio HMD. A razo principal seria a busca por um traado que oferecesse uma relao

    custo-benefcio mais positiva. Um traado mais longo que o do HMD poderia representar um

    custo total mais alto, mas, com a capacidade de transportar um contingente maior, teria um

    custo relativo mais baixo. A Proposta de Expanso: Corredor Leste-Oeste acrescentou a

    construo de viadutos e do Elevado Costa e Silva, inaugurado pela Prefeitura de So Paulo

    na gesto de Paulo Maluf, era um obstculo implantao do projeto original de 1968.

    Este ltimo estudo apresentou trs alternativas de traados para a linha Leste-Oeste do

    Metr, sendo que a proposta do HMD (Vila Maria-Casa Verde) ainda era uma delas. As

    outras seriam: Lapa-Calmon Viana (Po) e Lapa-So Miguel. No documento, os planejadores

    da Companhia do Metropolitano ressaltaram que, em funo da grande demanda, seria

    14

    Depoimento concedido em abril de 2011.

  • 54

    necessrio dotar o corredor Leste-Oeste com duas linhas de transporte rpido, mas apontaram

    como prioritria e mais vantajosa a construo da linha Lapa-Calmon Viana.

    Depois de alguns dias de trabalho e negociaes, a Comisso chegou a um consenso e

    redigiu seu parecer em 5 de novembro de 1974, determinando a efetivao de uma proposta

    diferente das trs alternativas iniciais. Tratava-se de uma variante mais curta da opo Lapa-

    Calmon Viana. O traado recomendado ligaria Itaquera, na Zona Leste, ao bairro da Lapa, na

    Zona Oeste, conectando-se estao S do Metr, no centro de So Paulo. Em relao ao

    tramo leste, o parecer do grupo no detalhava a forma como a linha seria implantada no trecho

    entre S e Brs, onde o rio Tamanduate representa um obstculo. A partir desse ponto, a linha

    assumiria a diretriz da Estrada de Ferro Central do Brasil, mas percorreria um trecho

    subterrneo entre Bresser e Belm em funo da presena de um ptio de cargas da RFFSA

    naquele local, aflorando um pouco antes do Belm e da em diante ocupando o leito da

    ferrovia at Itaquera.

    Figura 12 As intervenes (PREFEITURA DE SO PAULO, 1979)

    Os trens da RFFSA no seriam substitudos pelos d