A HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS NOS LIVROS DIDÁTICOS DE … · A investigação aqui apresentada traz...
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A HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS NOS LIVROS DIDÁTICOS DE QUÍMICA:
APOIO OU OBSTÁCULO NA PRÁTICA DOCENTE?
Maria Isabel Moutinho Branco Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR – Curitiba. ([email protected])
http://lattes.cnpq.br/6709240841060931
Marcelo Lambach Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR – Curitiba. ([email protected])
http://lattes.cnpq.br/1982143039494456
Palavras-Chave:Ensino de Química, livro didático, história das ciências, formação
continuada de professores de química, LudwikFleck
A investigação aqui apresentada traz uma discussão quanto ao uso da epistemologia comparada de Ludwik Fleck (1986) na análise da divulgação da história da ciência nos livros didáticos de química do ensino médio, e a circulação de ideias propiciadas por eles acerca deste tema. Tomando como ponto de partida o entendimento de que as concepções dos professores de química acerca da natureza da ciência estão próximas daquelas encontradas em cidadãos comuns, ou seja, ideias de senso comum. É possível localizar esses docentes como pertencentes ao que Fleck denomina de “círculo exotérico”. Apesar de os professores de química serem graduados nessa área do conhecimento, e trazerem consigo elementos que caracterizam o Estilo de Pensamento de um grupo esotérico de especialistas, pode-se dizer que eles sequer pertencem ao círculo exotérico, ao se observar a posição ocupada em relação ao círculo de especialista em história da ciência. Além desse fato, é fácil encontrar na literatura especializada, trabalhos que apontam que os livros didáticos constituem um dos principais recursos utilizados pelos professores na realização da atividade docente, sendo responsável pela caracterização do ensino de ciências como conceitualista, teórico e desvinculado da realidade. Também é fato identificável empiricamente, que os “mitos” sobre a natureza da ciência estão profundamente arraigados à prática pedagógica dos professores de ciências em todo o mundo, alguns são particularmente importantes por suas consequências negativas sobre a imagem da ciência que se transmite na escola. Diante disso, esse trabalho busca apontar como a disseminação das concepções a respeito dos papéis da história das ciências pelo professor é fortemente influenciada pela circulação de ideias promovida pelos livros didáticos, contribuindo para gerar e reforçar as visões distorcidas do cientista e da ciência. O guia do livro didático faz referência à história da ciência como elemento recorrente e importante, porém, não traz nos critérios de análise a história ou filosofia das Ciências. Considerando que o docente da escola pública é responsável pela escolha desse recurso didático, torna-se fundamental que o professor tenha critérios e formação que o oriente acerca desse tema. Devido a isso, os autores defendem que um caminho possível para promover uma circulação intercoletiva de ideias, que propicia a aprendizagem, pode se dar por
meio da formação continuada de professores, com elementos que embasem a sua análise em relação à história da ciência para a seleção nas próximas edições aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio – PNLEM.
Renovação do Ensino de Ciências e a Importância da História e Filosofia da
Ciência para o Ensino
Os grandes cientistas que viveram ou trabalharam entre o século XVIII e os
primeiros vinte anos do século passado, podem ser considerados como os responsáveis
pelo campo teórico que nos embasam cientificamente ainda hoje. Rousseau (1971), com
um questionamento relativamente simples, coloca em dúvida todo este esforço dos
cientistas pelo progresso tecnológico, dizendo: “Contribuirá a ciência para diminuir o
fosso crescente na nossa sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, o saber dizer
e o saber fazer, entre a teoria e a prática?” Atualmente voltamos à necessidade de
perguntar, o conhecimento científico acumulado tem o papel de enriquecer ou
empobrecer nossas vidas? (SANTOS, 2010, p.16).
O progresso científico nos últimos trinta anos foi de tamanha intensidade, que
num mesmo século conseguimos observardiversas gerações em diferentes lugares do
planeta, que interagem entre si e com as novas tecnologias, principalmente relacionadas
à internet, participando de um intercâmbio cultural, mesmo que involuntariamente,
gerando conflitos étnicos de diversas naturezas, levando a reflexão do real sentido do
progresso científico na sociedade. Porém toda a Ciência construída antes do século XX
fica na obscuridade, vista como um conhecimento pré-histórico, em que na maioria das
vezes não é sequer citada na escola, local onde o saber socialmente construído é
apresentado ao cidadão (SANTOS, 2010).
Há um amplo debate em torno da necessidade de se modificarem os currículos
escolares, no que diz respeito ao ensino das ciências. Também há sinais incontestáveis
da inadequação das práticas pedagógicas tradicionais, o que resulta no fracasso de
muitos estudantes e no crescente desinteresse pela aprendizagem das ciências
(CHINELLI; FERREIRA; AGUIAR, p. 18, 2010).
Esses mesmos autores citam em seu artigo “Epistemologia em sala de aula: a
natureza da ciência e da atividade científica na prática profissional de professores de
ciências” que as pesquisas derivadas deste tema, apontam que da concepção
epistemológica deriva a concepção de ciência que é ensinada, e que o conhecimento da
epistemologia torna os professores mais capazes de compreenderem a ciência que
ensinam, ajudando-os na preparação e na organização de suas aulas, o que os leva a
apontarem a importância da inclusão de disciplinas sobre história e epistemologia nos
currículos da formação inicial e continuada dos professores.
Em consonância com a presença da história e a epistemologia da ciência nas
ações de formação docente, tanto inicial como continuada, alguns requisitos básicos
para que o ensino de ciências/química seja emancipador precisam ser levados em conta
tal como os propostos por REID e HODSON apud VIDAL; PORTO, (2012, p. 292):
conhecimentos de ciência (fatos, conceitos e teorias), saberes e técnicas da ciência
(familiarização com os procedimentos da ciência e a utilização de aparelhos e
instrumentos), aplicação do conhecimento científico (situações reais e simuladas),
resolução de problemas (investigações reais), interação com a tecnologia, questões
ético-morais da ciência (estudo da natureza da ciência) e, também, a história e o
desenvolvimento da ciência.
A história da ciência, em particular, pode contribuir para esse processo – ou
pode, ao contrário, contribuir para gerar visões distorcidas da ciência, dependendo da
forma como for abordada.
Alguns “mitos” sobre a natureza da ciência que estão profundamente
arraigados na prática dos professores de ciências em todo o mundo, entre eles, alguns
são particularmente importantes por suas conseqüências negativas sobre a imagem da
ciência que se transmite na escola, por exemplo, a universalidade e rigidez do método
científico, a objetividade a toda prova da ciência, a validade absoluta doconhecimento
científico, o avanço do conhecimento científico e da ciência por acumulação, o caráter
exclusivamente experimental da ciência e a posição realista ingênua (ADÚRIZ-BRAVO
et al., 2002 apud LOGUERCIO; DEL PINO, 2006).
Diversos estudos têm mostrado a evidência de ideias epistemológicas nos
professores de ciências que não correspondem àquelas que atualmente são sustentadas
pela filosofia das ciências. Estas ideias não estão sequer completamente adequadas aos
modelos formais elaborados durante a primeira metade do século XX, como por
exemplo, o positivismo lógico.
As idéias dos professores sobre a natureza da ciência estão próximas daquelas
que são sustentas por cidadãos comuns, idéias de senso comum, ou seja, aquelas
adotadas por um público não especializado (IZQUIERDO, 2000; KOULAIDIS e
OGBORN, 1989; LEDERMAN, 1992; POMEROY, 1993 apud LOGUERCIO; DEL
PINO, p.72, 2006).
A apropriação dos papéis da história das ciências pelo professor pode ocorrer
por diferentes estratégias, como descrito por Loguercio e Del Pino, 2006, em que eles
descrevem a contribuições de diversos autores justificando o tema:
1- Enfocar o paralelismo entre as ideias/pré-concepções dos estudantes e
as concepções vigentes ao longo da história das ciências. Extrair da
história das ciências informações sobre as resistências e obstáculos que se
manifestam ao longo do trabalho do cientista e relacioná-las com as
dificuldades dos estudantes (SALTIEL e VIENNOT, 1985).
2- Favorecer a seleção de conteúdos fundamentais da disciplina em
função dos conceitos estruturantes para introduzir novos conhecimentos e
superar obstáculos epistemológicos. (PARTINGTON, 1945; NASH,
1950).
3- Permitir extrair da história das ciências os problemas significativos e
colocar o aluno em condições de abordá-los, promovendo situações de
aprendizagem que permita aos alunos vivenciar a construção de
conhecimentos científicos. É possível evitar delineamentos experimentais
de cunho empirista como aqueles propostos pelo Método da Descoberta
(GIL-PÉREZ, 1986,1993).
4- Evidenciar a existência de grandes crises no desenvolvimento do
conhecimento científico, a ciência aristotélica, a escolástica, a clássica, a
moderna, ou a mecânica newtoniana e a quântica, a teoria do flogisto e as
proposições de Lavoisier sobre a combustão, do calórico a teoria cinética
do calor, da natureza corpuscular a ondulatória da luz, numa constante
mudança de paradigma, numa sistemática ruptura que contrapõe a idéia
cumulativa e evolutiva da ciência. Isto pode favorecer os câmbios
conceituais dos alunos, relacionando-os aos grandes câmbios de
conceitos, modelos e teorias (MORTIMER e MIRANDA, 1995).
5- Mostrar o caráter hipotético, tentativo da ciência e mostrar as
limitações das teorias, os problemas pendentes de solução, apresentando
para os alunos a aventura da criação científica evitando visões
dogmáticas, de como se acumula o conhecimento científico, e a produção
coletiva do mesmo. Ao mostrar que cada conhecimento atual é o
resultado de um longo processo, que não bastam algumas experiências
para mudar uma teoria, que os fatores sociais têm muito peso, pode-se
começar a desmitificar a imagem da ciência na população (BASTOS,
1998; POPE e GILBERT, 1983).
6- Pode-se mostrar a ciência como uma construção humana, coletiva,
fruto do trabalho de muitas pessoas, para evitar a idéia de uma ciência
feita basicamente por gênios, em sua maioria homens. (LOGUÉRCIO et
al., 2002; LOPES, 1990).
Porém, além da formação docente, as concepções e práticas docentes são
influenciadas por outros fatores, como é o caso dos referenciais teóricos usadospelo
professor do Ensino Médio, para se realizar transposição didática interna dos conteúdos
científicos da ciência Química. Diversos pesquisadores, como por exemplo, Leite
(2002); Pereira e Amador (2007); Krasilchik (1987, 1996, 2004); Weissmann (1998);
Delizoicov e Angotti (2004); Delizoicov, Angottie Pernambuco (2007); Ternes, Scheid
e Güich (2009), apontam que os livros didáticos (LD) constituem um dos principais
recursos utilizados pelos professores, sendo esse um dos principais referenciais
responsáveis pela caracterização do ensino de ciências como conceitualista, teórico e
desvinculado da realidade.
O documento orientador do Estado do Paraná para a disciplina de Química
aponta para a discussão sobre a história da Química. Porém, ele o faz numa perspectiva
linear do tempo, destacando fatos científicos com seus respectivos cientistas sem a
intenção de apontar o desenvolvimento do conhecimento científico nos aspectos
epistemológicos que geraram as revoluções científicas. Destaca a necessidade de se
trabalhar os conteúdos de química de forma problematizadora e contextualizada,
apontando os aspectos históricos da disciplina como um fator diferencial para aumentar
o interesse do aluno em sala de aula. Esse encaminhamento se apóia na ideia de que:
O conhecimento químico, assim como todos os demais saberes, não é
algo pronto, acabado e inquestionável, mas em constante transformação.
Esse processo de elaboração e transformação do conhecimento ocorre em
função das necessidades humanas, uma vez que a ciência é construída por
homens e mulheres, portanto, falível e inseparável dos processos sociais,
políticos e econômicos. “A ciência já não é mais considerada objetiva
nem neutra, mas preparada e orientada por teorias e/ou modelos que, por
serem construções humanas com propósitos explicativos e previstos, são
provisórios (CHASSOT, 1995, p.68 apud PARANÁ, 2008, p.51).
Entretanto, mesmo levando em conta o que dizem os documentos oficiais
para a disciplina de química, cabe lembrar que o recurso mais utilizado pelos
professores para amparar a sua prática docente é o livro didático, por isso apresenta-se a
seguir o quadro referente à presença e a forma com que a História da Ciência é
apresentada nesses manuais.
História da Ciência nos Livros Didáticos
O livro didático de Química pode ser considerado um dos principais materiais de
apoio à prática docente que veicula conceitos, informações e procedimentosdesse
campo científico e especialmente para o professor, apresenta formaspossíveis de
ensinar, abordagens metodológicas e concepções de ciência, de educaçãoe de sociedade.
No caso da Química, há alguns elementos recorrentes no seu ensino,que podem ser
considerados como questões clássicas: a experimentação, ahistória da ciência e a
contextualização dos conteúdos (BRASIL, 2014).
Tendo em vista que a distribuição dos livros didáticos de Química pelo
Programa Nacional do Livro Didático (PNDL) para o Ensino Médio só ocorreu a partir
do ano 2007, neste contexto, torna-se fundamental que professores saibam analisar com
qualidade o teor histórico presentes nos livros didáticos distribuídos por este programa,
evitando assim que deturpações sejam criadas ou disseminadas sobre o verdadeiro papel
da História da Ciência (CLEOPHAS; MOTA, 2008).
Para o componente curricular de Química, cada obra é avaliada de acordo com
os seguintes critérios que levam em conta se a obra:
1- Apresenta a Química como ciência de natureza humana marcada pelo
seucaráter provisório, enfatizando as limitações de cada modelo
explicativo, por meio de exposição de suas diferentes possibilidades de
aplicação;
2- Aborda a dimensão ambiental dos problemas contemporâneos,
levando emconta não somente situações e conceitos que envolvem as
transformações da matéria e os artefatos tecnológicos em si, mas também
os processos humanossubjacentes aos modos de produção do mundo do
trabalho;
3- Apresenta o conhecimento químico de forma contextualizada,
considerando dimensões sociais, econômicas e culturais da vida humana,
em detrimento de visões simplistas acerca do cotidiano, estritamente
voltadas à menção de exemplos ilustrativos genéricos que não podem ser
considerados significativos como vivência;
4- Não emprega discursos maniqueístas a respeito da Química, calcados
em crenças de que essa ciência é permanentemente responsável pelas
catástrofes ambientais, fenômenos de poluição e pela artificialidade de
produtos, principalmente aqueles relacionados com alimentação e
remédios;
5- Trata os conteúdos articulando-os com outras disciplinas escolares,
tanto na área das Ciências da Natureza quanto em outras áreas;
6- Abordam noções e conceitos sobre propriedades das substâncias e dos
materiais, sua caracterização, aspectos energéticos e dinâmicos, bem
como os modelos de constituição da matéria a eles relacionados;
7- Valoriza a constituição do conhecimento químico a partir de uma
linguagem marcada por representações e símbolos especificamente
significativos para essa ciência e que necessitam ser mediados na relação
pedagógica;
8- Valoriza, em sua atividade, a necessidade de leitura e compreensão de
representaçõesnas suas diferentes formas, equações químicas, gráficos,
esquemase figuras a partir do conteúdo apresentado;
9- Não apresenta atividades didáticas que enfatizam exclusivamente
aprendizagens mecânicas, com a mera memorização de fórmulas, nomes e
regras, de forma descontextualizada;
10- Apresenta experimentos adequados à realidade escolar, previamente
testadose com periculosidade controlada, ressaltando a necessidade de
alertas acerca dos cuidados específicos necessários para cada
procedimento, indicando o modo correto para o descarte dos resíduos
produzidos em cada experimento. (BRASIL, 2014).
Entretanto, mesmo com tais critérios, Loguercio; Samrsla; Del Pino (2001, p.
561), destacam que a intensificação do trabalho do professor e as dificuldades
cotidianas do ambiente escolar tornam a prática diária difícil. Com isso, os recursos
literários passam a ser refúgios que acabam por definir a ação docente, nessa análise
percebe-se ainda, que tais refúgios são pouco ou nada contestados. Diante disso, a
escolha de livros limita-se a questões econômicas, práticas e estéticas, enquanto que
questões sociais e epistemológicas são desconhecidas e o currículo continua sendo
pouco problematizado.
Mas se o livro didático é muitas vezes a fonte de pesquisa e de estudo mais
utilizada, quando não a exclusiva, pelo professor, é preciso discutir os motivos que
levam a determinadas escolhas que acabam por comprometer a ação docente no que
tange à temática história da ciência.
A epistemologia comparada de LudwikFleck (1986) na análise da divulgação da
História da Ciência nos livros didáticos de química do ensino médio
Em um estudo intitulado “Coletivos de pensamento no contexto das pesquisas
sobre livros didáticos”, proposto por Emmel e Araújo (2013, p.2), foi identificado um
conjunto de autores que se tornou referência de trabalhos posteriores. Emmel e Araújo
denotam que as ideias desses autores-referência, podem ser consideradas como
constituintes do que Fleck (2010) denomina de Estilo de Pensamento (EP). Com isso, ao
circular as ideias dos autores-referência, passa-se ase constituir um Coletivo de
Pensamento (FLECK, 2010), que compartilham ideias, compreensões e visões sobre
determinados temas. No caso dos livros didáticos (LD), foco do presente manuscrito, o
que se instaura é a forma que se adota para a análise e seleção dos LD. Uma vez que,
imerso em determinado EP, os sujeitos pertencentes ao coletivo de pensamento
(PFUETZENREITER, 2002) fica impregnado e, por isso, concebe como possível
somente a utilização de um determinado método, portanto a interpretação dos fatos de
uma maneira dirigida, o que impede a percepção de outras formas e de outros fatos.
Ainda, de acordo com Emmel e Araújo (2013), a história da ciência em livros
didáticos aparece em duas publicações: a de Martins, 2002 e 2008, como um estilo de
pensamento que é citado em doze referenciais teóricos; e a de Ferrari, 2005 e 2007, com
duas publicações e duas citações em referenciais teóricos, em análises nas revistas
indexadas no Scielo e nos eventos ENDIPE (Encontro Nacional de Didáticas e Práticas
de Ensino), ENPEC (Encontro Nacional em Pesquisa em Educação em Ciência) e
(ANPED) Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, de 1999 a
2010. Os demais temas considerados na pesquisa são tratados como outros estilos de
pensamentos: produção, escolha, avaliação, analogias, autoria, conteúdo.
Comparando a quantidade de pesquisas realizadas em estilos de pensamento
diferentes à história da ciência nos livros didáticos, mostra que o coletivo de
pensamento, segundo Fleck, ainda é pequeno entre os pesquisadores, porém a circulação
de idéias ocorre amplamente entre os demais (EMMEL e ARAÚJO, 2003).
Segundo a epistemologia de Fleck, a circulação de ideias ocorre intra e
intercoletivamente entre dois círculos - o exotérico e o esotérico. O primeiro é formado
por leigos ou profissionais com formação, porém com pouco aprofundamento teórico
em determinada área do conhecimento. O segundo é formado por especialistas que
produzem e compartilham o conhecimento científico, delimitado e delimitando certa
maneira de compreender a ciência e sua produção, ou seja, certo estilo de pensamento.
Ainda, na perspectiva do pensamento de Fleck (2010), pode-se localizar os
professores de química do ensino médio como pertencentes ao círculo exotérico em
relação à análise da história da ciência nos livros didáticos. Justifica-se esta afirmação
por pesquisas nesta área por diversos pesquisadores: Oki e Moradillo, 2008; Oki, 2004;
Pires et al. 2010; Matthews, 1995; Fernandes e Porto, 2012; Silva, 2013; Gibinet al.,
2009; Fernandézet al., 2002; Vidal e Porto, 2012 Stadler et al. 2012; Martins, 2006; El-
Hani, 2006 e 2007; Martins e Brito, 2006; ; Martins e Silva, 2009; Loguercioe Del Pino,
2001; Tavares e Rogado, 2005; Emmel e Araújo, 2013.
O LD apresenta-se então como um importante recurso didático para a
circulação de ideias nos círculos exotéricos nos quais pertencem estudantes e
professores. Cleophas e Mota (2015) empregam cinco categorizações metodológicas
empregadas na análise de livros didáticos de química no ensino médio, que podem ser
uma abordagem interessante para a formação continuada dos professores de química,
especificamente da rede estadual de ensino, uma vez que são responsáveis pela escolha
do livro didático nas escolas que lecionam.
1° - Quantidade de recortes históricos e enfoques analisados em relação à
vida dos cientistas;
2° - Caracterização dos cientistas;
3° - A forma como são abordadas as descobertas científicas;
4° - Quem são os descobridores da Ciência? Quem realizou os
experimentos científicos?
5° - Iconografia utilizada para apresentar a História da Ciência
(CLEOPHAS e MOTA, P. 42, 2015).
Os autores analisaram quatro livros didáticos de química aprovados pelo
PNLEM e constataram que as principais distorções apresentadas são em relação à
caracterização dos cientistas, apresenta-se “sem atribuição”. Não atribuir características
ao cientista não é o mesmo que caracterizá-lo como uma pessoa comum, fazendo com
que o aluno forme a imagem de cientista que estiver sustentada na sua compreensão de
senso comum, de acordo com a sua bagagem cultural. Apenas um livro procura citar em
seus recortes históricos os fatos científicos de forma mais ampla, os demais tratam o
assunto de forma superficial, sem explicações aprofundadas sobre o tema (CLEOPHAS;
MOTA, 2015).
Em relação às descobertas científicas, todos os livros analisados, tratam a
descoberta de um fato científico como algo individual, demonstrando a uma visão
descontextualizada da ciência. A análise do quinto critério revela que todos os livros
fazem uso excessivo de imagens ou fotografias dos cientistas (CLEOPHAS; MOTA,
2015).
O primeiro critério foi o que apresentou algum resultado positivo, pois com
exceção de um livro que apresentou pouca contribuição, nos demais estava uma
considerável gama de informações: nome, a data de nascimento e/ou morte, conquistas
pessoais, curiosidades ou episódios marcantes, profissões queexerceram, universidade
cursada, locais que trabalharam, além das suas principais contribuições para a ciência
(CLEOPHAS; MOTA, 2015).
As considerações de Rodrigues (2014) a cerca da história da ciência em livros
didáticos corrobora com a pesquisa de Cleophas e Mota, 2008:
Foi identificado que a história da Ciência é apresentada desvinculada do
contexto cultural de cada período histórico (CARNEIRO; GASTAL, 2005), é
trazida de forma heterogênea entre os capítulos de livros (GONÇALVES,
2005), e é linear e superficial, constando, sobretudo, de nomes e datas
(BALDOW; MONTEIRO e JÚNIOR, 2010, MACEDO; SILVA, 2010;
VIDAL; PORTO, 2012), sendo assim necessário incorporar uma visão
adequada de história da Ciência nos livros, já que essa possibilita que o aluno
compreenda como se dá o progresso científico e supere seus obstáculos
epistemológicos (BADILLO et al., 2004; ASSIS, RAVANELLI, 2008;
PEREIRA; AMADOR, 2008, MARORANO; MARCONDES, 2009,
ALMEIRA; FALCÃO, 2010, CORNEJO; ARRIAZU, 2010; TAVARES,
2010; MEHLECKE et al. 2012; CAMERO et al., 2013). Além disso, o
tratamento da informação, realizado pelo material didático em questão,
encontra ‐se distante de possibilitar aos alunos a construção de procedimentos
para coletar, organizar, comunicar e interpretar dados (LEMOS, 2006)
(RODRIGUES, p.7, 2014).
Uma forma de se buscar a modificação desse quadro pode ser a formação
continuada dos professores de química, especificamente voltada à História das Ciências,
a qual ao viabilizar o acesso ao contexto histórico em que os fatos científicos se deram e
ao discutir metodologias de como podem ser abordados em sala de aula, possibilita aos
docentes trabalharem os conteúdos científicos com a historicidade mais próxima do
momento histórico que ocorreram. Com isso, podem suprir a visão a-histórica ou
deficitária presente nos LD e contribuem para uma superação da visão deformada que
possuem os estudantes e, até mesmo os professores, sobre a ciência e o cientista, para
que os alunos percebam quais foram os motivos sociais, políticos e econômicos que
contribuíram para o surgimento de uma grande descoberta científica.
Considerações Finais
Utilizar as caracterizações de Cleophas e Mota, 2008, e as considerações sobre
como a história da ciência é apresentada nos livros didáticos de química para o ensino
médio, em cursos de formação continuada pode possibilitar ao professor perceber se a
História da Ciência não se trata daquela “romantizada”, a qual teve em sua construção
em caminho sem conflitos e com uma sequência de eventos perfeitamente organizada,
Silva (2013) apud Cleophas e Mota (2015).
Esse trabalho não se encerra nas temáticas desse artigo, mas tem aqui seu início,
evidenciando a necessidade de cursos de formação continuada com pesquisas
específicas sobre a historicidade da ciência, bem como formações continuadas com base
epistemológica que propiciem uma ampliação do estilo de pensamento sobre pesquisas
em História das Ciências, para que a circulação de ideias sobre a temática torne parte
efetiva nas construções dos projetos pedagógicos curriculares da disciplina de química,
refletindo positivamente no trabalho do professor em sala de aula.
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