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A HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS NOS LIVROS DIDÁTICOS DE QUÍMICA: APOIO OU OBSTÁCULO NA PRÁTICA DOCENTE? Maria Isabel Moutinho Branco Universidade Tecnológica Federal do Paraná UTFPR Curitiba. ([email protected]) http://lattes.cnpq.br/6709240841060931 Marcelo Lambach Universidade Tecnológica Federal do Paraná UTFPR Curitiba. ([email protected]) http://lattes.cnpq.br/1982143039494456 Palavras-Chave:Ensino de Química, livro didático, história das ciências, formação continuada de professores de química, LudwikFleck A investigação aqui apresentada traz uma discussão quanto ao uso da epistemologia comparada de Ludwik Fleck (1986) na análise da divulgação da história da ciência nos livros didáticos de química do ensino médio, e a circulação de ideias propiciadas por eles acerca deste tema. Tomando como ponto de partida o entendimento de que as concepções dos professores de química acerca da natureza da ciência estão próximas daquelas encontradas em cidadãos comuns, ou seja, ideias de senso comum. É possível localizar esses docentes como pertencentes ao que Fleck denomina de “círculo exotérico”. Apesar de os professores de química serem graduados nessa área do conhecimento, e trazerem consigo elementos que caracterizam o Estilo de Pensamento de um grupo esotérico de especialistas, pode-se dizer que eles sequer pertencem ao círculo exotérico, ao se observar a posição ocupada em relação ao círculo de especialista em história da ciência. Além desse fato, é fácil encontrar na literatura especializada, trabalhos que apontam que os livros didáticos constituem um dos principais recursos utilizados pelos professores na realização da atividade docente, sendo responsável pela caracterização do ensino de ciências como conceitualista, teórico e desvinculado da realidade. Também é fato identificável empiricamente, que os “mitos” sobre a natureza da ciência estão profundamente arraigados à prática pedagógica dos professores de ciências em todo o mundo, alguns são particularmente importantes por suas consequências negativas sobre a imagem da ciência que se transmite na escola. Diante disso, esse trabalho busca apontar como a disseminação das concepções a respeito dos papéis da história das ciências pelo professor é fortemente influenciada pela circulação de ideias promovida pelos livros didáticos, contribuindo para gerar e reforçar as visões distorcidas do cientista e da ciência. O guia do livro didático faz referência à história da ciência como elemento recorrente e importante, porém, não traz nos critérios de análise a história ou filosofia das Ciências. Considerando que o docente da escola pública é responsável pela escolha desse recurso didático, torna-se fundamental que o professor tenha critérios e formação que o oriente acerca desse tema. Devido a isso, os autores defendem que um caminho possível para promover uma circulação intercoletiva de ideias, que propicia a aprendizagem, pode se dar por

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A HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS NOS LIVROS DIDÁTICOS DE QUÍMICA:

APOIO OU OBSTÁCULO NA PRÁTICA DOCENTE?

Maria Isabel Moutinho Branco Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR – Curitiba. ([email protected])

http://lattes.cnpq.br/6709240841060931

Marcelo Lambach Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR – Curitiba. ([email protected])

http://lattes.cnpq.br/1982143039494456

Palavras-Chave:Ensino de Química, livro didático, história das ciências, formação

continuada de professores de química, LudwikFleck

A investigação aqui apresentada traz uma discussão quanto ao uso da epistemologia comparada de Ludwik Fleck (1986) na análise da divulgação da história da ciência nos livros didáticos de química do ensino médio, e a circulação de ideias propiciadas por eles acerca deste tema. Tomando como ponto de partida o entendimento de que as concepções dos professores de química acerca da natureza da ciência estão próximas daquelas encontradas em cidadãos comuns, ou seja, ideias de senso comum. É possível localizar esses docentes como pertencentes ao que Fleck denomina de “círculo exotérico”. Apesar de os professores de química serem graduados nessa área do conhecimento, e trazerem consigo elementos que caracterizam o Estilo de Pensamento de um grupo esotérico de especialistas, pode-se dizer que eles sequer pertencem ao círculo exotérico, ao se observar a posição ocupada em relação ao círculo de especialista em história da ciência. Além desse fato, é fácil encontrar na literatura especializada, trabalhos que apontam que os livros didáticos constituem um dos principais recursos utilizados pelos professores na realização da atividade docente, sendo responsável pela caracterização do ensino de ciências como conceitualista, teórico e desvinculado da realidade. Também é fato identificável empiricamente, que os “mitos” sobre a natureza da ciência estão profundamente arraigados à prática pedagógica dos professores de ciências em todo o mundo, alguns são particularmente importantes por suas consequências negativas sobre a imagem da ciência que se transmite na escola. Diante disso, esse trabalho busca apontar como a disseminação das concepções a respeito dos papéis da história das ciências pelo professor é fortemente influenciada pela circulação de ideias promovida pelos livros didáticos, contribuindo para gerar e reforçar as visões distorcidas do cientista e da ciência. O guia do livro didático faz referência à história da ciência como elemento recorrente e importante, porém, não traz nos critérios de análise a história ou filosofia das Ciências. Considerando que o docente da escola pública é responsável pela escolha desse recurso didático, torna-se fundamental que o professor tenha critérios e formação que o oriente acerca desse tema. Devido a isso, os autores defendem que um caminho possível para promover uma circulação intercoletiva de ideias, que propicia a aprendizagem, pode se dar por

meio da formação continuada de professores, com elementos que embasem a sua análise em relação à história da ciência para a seleção nas próximas edições aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio – PNLEM.

Renovação do Ensino de Ciências e a Importância da História e Filosofia da

Ciência para o Ensino

Os grandes cientistas que viveram ou trabalharam entre o século XVIII e os

primeiros vinte anos do século passado, podem ser considerados como os responsáveis

pelo campo teórico que nos embasam cientificamente ainda hoje. Rousseau (1971), com

um questionamento relativamente simples, coloca em dúvida todo este esforço dos

cientistas pelo progresso tecnológico, dizendo: “Contribuirá a ciência para diminuir o

fosso crescente na nossa sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, o saber dizer

e o saber fazer, entre a teoria e a prática?” Atualmente voltamos à necessidade de

perguntar, o conhecimento científico acumulado tem o papel de enriquecer ou

empobrecer nossas vidas? (SANTOS, 2010, p.16).

O progresso científico nos últimos trinta anos foi de tamanha intensidade, que

num mesmo século conseguimos observardiversas gerações em diferentes lugares do

planeta, que interagem entre si e com as novas tecnologias, principalmente relacionadas

à internet, participando de um intercâmbio cultural, mesmo que involuntariamente,

gerando conflitos étnicos de diversas naturezas, levando a reflexão do real sentido do

progresso científico na sociedade. Porém toda a Ciência construída antes do século XX

fica na obscuridade, vista como um conhecimento pré-histórico, em que na maioria das

vezes não é sequer citada na escola, local onde o saber socialmente construído é

apresentado ao cidadão (SANTOS, 2010).

Há um amplo debate em torno da necessidade de se modificarem os currículos

escolares, no que diz respeito ao ensino das ciências. Também há sinais incontestáveis

da inadequação das práticas pedagógicas tradicionais, o que resulta no fracasso de

muitos estudantes e no crescente desinteresse pela aprendizagem das ciências

(CHINELLI; FERREIRA; AGUIAR, p. 18, 2010).

Esses mesmos autores citam em seu artigo “Epistemologia em sala de aula: a

natureza da ciência e da atividade científica na prática profissional de professores de

ciências” que as pesquisas derivadas deste tema, apontam que da concepção

epistemológica deriva a concepção de ciência que é ensinada, e que o conhecimento da

epistemologia torna os professores mais capazes de compreenderem a ciência que

ensinam, ajudando-os na preparação e na organização de suas aulas, o que os leva a

apontarem a importância da inclusão de disciplinas sobre história e epistemologia nos

currículos da formação inicial e continuada dos professores.

Em consonância com a presença da história e a epistemologia da ciência nas

ações de formação docente, tanto inicial como continuada, alguns requisitos básicos

para que o ensino de ciências/química seja emancipador precisam ser levados em conta

tal como os propostos por REID e HODSON apud VIDAL; PORTO, (2012, p. 292):

conhecimentos de ciência (fatos, conceitos e teorias), saberes e técnicas da ciência

(familiarização com os procedimentos da ciência e a utilização de aparelhos e

instrumentos), aplicação do conhecimento científico (situações reais e simuladas),

resolução de problemas (investigações reais), interação com a tecnologia, questões

ético-morais da ciência (estudo da natureza da ciência) e, também, a história e o

desenvolvimento da ciência.

A história da ciência, em particular, pode contribuir para esse processo – ou

pode, ao contrário, contribuir para gerar visões distorcidas da ciência, dependendo da

forma como for abordada.

Alguns “mitos” sobre a natureza da ciência que estão profundamente

arraigados na prática dos professores de ciências em todo o mundo, entre eles, alguns

são particularmente importantes por suas conseqüências negativas sobre a imagem da

ciência que se transmite na escola, por exemplo, a universalidade e rigidez do método

científico, a objetividade a toda prova da ciência, a validade absoluta doconhecimento

científico, o avanço do conhecimento científico e da ciência por acumulação, o caráter

exclusivamente experimental da ciência e a posição realista ingênua (ADÚRIZ-BRAVO

et al., 2002 apud LOGUERCIO; DEL PINO, 2006).

Diversos estudos têm mostrado a evidência de ideias epistemológicas nos

professores de ciências que não correspondem àquelas que atualmente são sustentadas

pela filosofia das ciências. Estas ideias não estão sequer completamente adequadas aos

modelos formais elaborados durante a primeira metade do século XX, como por

exemplo, o positivismo lógico.

As idéias dos professores sobre a natureza da ciência estão próximas daquelas

que são sustentas por cidadãos comuns, idéias de senso comum, ou seja, aquelas

adotadas por um público não especializado (IZQUIERDO, 2000; KOULAIDIS e

OGBORN, 1989; LEDERMAN, 1992; POMEROY, 1993 apud LOGUERCIO; DEL

PINO, p.72, 2006).

A apropriação dos papéis da história das ciências pelo professor pode ocorrer

por diferentes estratégias, como descrito por Loguercio e Del Pino, 2006, em que eles

descrevem a contribuições de diversos autores justificando o tema:

1- Enfocar o paralelismo entre as ideias/pré-concepções dos estudantes e

as concepções vigentes ao longo da história das ciências. Extrair da

história das ciências informações sobre as resistências e obstáculos que se

manifestam ao longo do trabalho do cientista e relacioná-las com as

dificuldades dos estudantes (SALTIEL e VIENNOT, 1985).

2- Favorecer a seleção de conteúdos fundamentais da disciplina em

função dos conceitos estruturantes para introduzir novos conhecimentos e

superar obstáculos epistemológicos. (PARTINGTON, 1945; NASH,

1950).

3- Permitir extrair da história das ciências os problemas significativos e

colocar o aluno em condições de abordá-los, promovendo situações de

aprendizagem que permita aos alunos vivenciar a construção de

conhecimentos científicos. É possível evitar delineamentos experimentais

de cunho empirista como aqueles propostos pelo Método da Descoberta

(GIL-PÉREZ, 1986,1993).

4- Evidenciar a existência de grandes crises no desenvolvimento do

conhecimento científico, a ciência aristotélica, a escolástica, a clássica, a

moderna, ou a mecânica newtoniana e a quântica, a teoria do flogisto e as

proposições de Lavoisier sobre a combustão, do calórico a teoria cinética

do calor, da natureza corpuscular a ondulatória da luz, numa constante

mudança de paradigma, numa sistemática ruptura que contrapõe a idéia

cumulativa e evolutiva da ciência. Isto pode favorecer os câmbios

conceituais dos alunos, relacionando-os aos grandes câmbios de

conceitos, modelos e teorias (MORTIMER e MIRANDA, 1995).

5- Mostrar o caráter hipotético, tentativo da ciência e mostrar as

limitações das teorias, os problemas pendentes de solução, apresentando

para os alunos a aventura da criação científica evitando visões

dogmáticas, de como se acumula o conhecimento científico, e a produção

coletiva do mesmo. Ao mostrar que cada conhecimento atual é o

resultado de um longo processo, que não bastam algumas experiências

para mudar uma teoria, que os fatores sociais têm muito peso, pode-se

começar a desmitificar a imagem da ciência na população (BASTOS,

1998; POPE e GILBERT, 1983).

6- Pode-se mostrar a ciência como uma construção humana, coletiva,

fruto do trabalho de muitas pessoas, para evitar a idéia de uma ciência

feita basicamente por gênios, em sua maioria homens. (LOGUÉRCIO et

al., 2002; LOPES, 1990).

Porém, além da formação docente, as concepções e práticas docentes são

influenciadas por outros fatores, como é o caso dos referenciais teóricos usadospelo

professor do Ensino Médio, para se realizar transposição didática interna dos conteúdos

científicos da ciência Química. Diversos pesquisadores, como por exemplo, Leite

(2002); Pereira e Amador (2007); Krasilchik (1987, 1996, 2004); Weissmann (1998);

Delizoicov e Angotti (2004); Delizoicov, Angottie Pernambuco (2007); Ternes, Scheid

e Güich (2009), apontam que os livros didáticos (LD) constituem um dos principais

recursos utilizados pelos professores, sendo esse um dos principais referenciais

responsáveis pela caracterização do ensino de ciências como conceitualista, teórico e

desvinculado da realidade.

O documento orientador do Estado do Paraná para a disciplina de Química

aponta para a discussão sobre a história da Química. Porém, ele o faz numa perspectiva

linear do tempo, destacando fatos científicos com seus respectivos cientistas sem a

intenção de apontar o desenvolvimento do conhecimento científico nos aspectos

epistemológicos que geraram as revoluções científicas. Destaca a necessidade de se

trabalhar os conteúdos de química de forma problematizadora e contextualizada,

apontando os aspectos históricos da disciplina como um fator diferencial para aumentar

o interesse do aluno em sala de aula. Esse encaminhamento se apóia na ideia de que:

O conhecimento químico, assim como todos os demais saberes, não é

algo pronto, acabado e inquestionável, mas em constante transformação.

Esse processo de elaboração e transformação do conhecimento ocorre em

função das necessidades humanas, uma vez que a ciência é construída por

homens e mulheres, portanto, falível e inseparável dos processos sociais,

políticos e econômicos. “A ciência já não é mais considerada objetiva

nem neutra, mas preparada e orientada por teorias e/ou modelos que, por

serem construções humanas com propósitos explicativos e previstos, são

provisórios (CHASSOT, 1995, p.68 apud PARANÁ, 2008, p.51).

Entretanto, mesmo levando em conta o que dizem os documentos oficiais

para a disciplina de química, cabe lembrar que o recurso mais utilizado pelos

professores para amparar a sua prática docente é o livro didático, por isso apresenta-se a

seguir o quadro referente à presença e a forma com que a História da Ciência é

apresentada nesses manuais.

História da Ciência nos Livros Didáticos

O livro didático de Química pode ser considerado um dos principais materiais de

apoio à prática docente que veicula conceitos, informações e procedimentosdesse

campo científico e especialmente para o professor, apresenta formaspossíveis de

ensinar, abordagens metodológicas e concepções de ciência, de educaçãoe de sociedade.

No caso da Química, há alguns elementos recorrentes no seu ensino,que podem ser

considerados como questões clássicas: a experimentação, ahistória da ciência e a

contextualização dos conteúdos (BRASIL, 2014).

Tendo em vista que a distribuição dos livros didáticos de Química pelo

Programa Nacional do Livro Didático (PNDL) para o Ensino Médio só ocorreu a partir

do ano 2007, neste contexto, torna-se fundamental que professores saibam analisar com

qualidade o teor histórico presentes nos livros didáticos distribuídos por este programa,

evitando assim que deturpações sejam criadas ou disseminadas sobre o verdadeiro papel

da História da Ciência (CLEOPHAS; MOTA, 2008).

Para o componente curricular de Química, cada obra é avaliada de acordo com

os seguintes critérios que levam em conta se a obra:

1- Apresenta a Química como ciência de natureza humana marcada pelo

seucaráter provisório, enfatizando as limitações de cada modelo

explicativo, por meio de exposição de suas diferentes possibilidades de

aplicação;

2- Aborda a dimensão ambiental dos problemas contemporâneos,

levando emconta não somente situações e conceitos que envolvem as

transformações da matéria e os artefatos tecnológicos em si, mas também

os processos humanossubjacentes aos modos de produção do mundo do

trabalho;

3- Apresenta o conhecimento químico de forma contextualizada,

considerando dimensões sociais, econômicas e culturais da vida humana,

em detrimento de visões simplistas acerca do cotidiano, estritamente

voltadas à menção de exemplos ilustrativos genéricos que não podem ser

considerados significativos como vivência;

4- Não emprega discursos maniqueístas a respeito da Química, calcados

em crenças de que essa ciência é permanentemente responsável pelas

catástrofes ambientais, fenômenos de poluição e pela artificialidade de

produtos, principalmente aqueles relacionados com alimentação e

remédios;

5- Trata os conteúdos articulando-os com outras disciplinas escolares,

tanto na área das Ciências da Natureza quanto em outras áreas;

6- Abordam noções e conceitos sobre propriedades das substâncias e dos

materiais, sua caracterização, aspectos energéticos e dinâmicos, bem

como os modelos de constituição da matéria a eles relacionados;

7- Valoriza a constituição do conhecimento químico a partir de uma

linguagem marcada por representações e símbolos especificamente

significativos para essa ciência e que necessitam ser mediados na relação

pedagógica;

8- Valoriza, em sua atividade, a necessidade de leitura e compreensão de

representaçõesnas suas diferentes formas, equações químicas, gráficos,

esquemase figuras a partir do conteúdo apresentado;

9- Não apresenta atividades didáticas que enfatizam exclusivamente

aprendizagens mecânicas, com a mera memorização de fórmulas, nomes e

regras, de forma descontextualizada;

10- Apresenta experimentos adequados à realidade escolar, previamente

testadose com periculosidade controlada, ressaltando a necessidade de

alertas acerca dos cuidados específicos necessários para cada

procedimento, indicando o modo correto para o descarte dos resíduos

produzidos em cada experimento. (BRASIL, 2014).

Entretanto, mesmo com tais critérios, Loguercio; Samrsla; Del Pino (2001, p.

561), destacam que a intensificação do trabalho do professor e as dificuldades

cotidianas do ambiente escolar tornam a prática diária difícil. Com isso, os recursos

literários passam a ser refúgios que acabam por definir a ação docente, nessa análise

percebe-se ainda, que tais refúgios são pouco ou nada contestados. Diante disso, a

escolha de livros limita-se a questões econômicas, práticas e estéticas, enquanto que

questões sociais e epistemológicas são desconhecidas e o currículo continua sendo

pouco problematizado.

Mas se o livro didático é muitas vezes a fonte de pesquisa e de estudo mais

utilizada, quando não a exclusiva, pelo professor, é preciso discutir os motivos que

levam a determinadas escolhas que acabam por comprometer a ação docente no que

tange à temática história da ciência.

A epistemologia comparada de LudwikFleck (1986) na análise da divulgação da

História da Ciência nos livros didáticos de química do ensino médio

Em um estudo intitulado “Coletivos de pensamento no contexto das pesquisas

sobre livros didáticos”, proposto por Emmel e Araújo (2013, p.2), foi identificado um

conjunto de autores que se tornou referência de trabalhos posteriores. Emmel e Araújo

denotam que as ideias desses autores-referência, podem ser consideradas como

constituintes do que Fleck (2010) denomina de Estilo de Pensamento (EP). Com isso, ao

circular as ideias dos autores-referência, passa-se ase constituir um Coletivo de

Pensamento (FLECK, 2010), que compartilham ideias, compreensões e visões sobre

determinados temas. No caso dos livros didáticos (LD), foco do presente manuscrito, o

que se instaura é a forma que se adota para a análise e seleção dos LD. Uma vez que,

imerso em determinado EP, os sujeitos pertencentes ao coletivo de pensamento

(PFUETZENREITER, 2002) fica impregnado e, por isso, concebe como possível

somente a utilização de um determinado método, portanto a interpretação dos fatos de

uma maneira dirigida, o que impede a percepção de outras formas e de outros fatos.

Ainda, de acordo com Emmel e Araújo (2013), a história da ciência em livros

didáticos aparece em duas publicações: a de Martins, 2002 e 2008, como um estilo de

pensamento que é citado em doze referenciais teóricos; e a de Ferrari, 2005 e 2007, com

duas publicações e duas citações em referenciais teóricos, em análises nas revistas

indexadas no Scielo e nos eventos ENDIPE (Encontro Nacional de Didáticas e Práticas

de Ensino), ENPEC (Encontro Nacional em Pesquisa em Educação em Ciência) e

(ANPED) Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, de 1999 a

2010. Os demais temas considerados na pesquisa são tratados como outros estilos de

pensamentos: produção, escolha, avaliação, analogias, autoria, conteúdo.

Comparando a quantidade de pesquisas realizadas em estilos de pensamento

diferentes à história da ciência nos livros didáticos, mostra que o coletivo de

pensamento, segundo Fleck, ainda é pequeno entre os pesquisadores, porém a circulação

de idéias ocorre amplamente entre os demais (EMMEL e ARAÚJO, 2003).

Segundo a epistemologia de Fleck, a circulação de ideias ocorre intra e

intercoletivamente entre dois círculos - o exotérico e o esotérico. O primeiro é formado

por leigos ou profissionais com formação, porém com pouco aprofundamento teórico

em determinada área do conhecimento. O segundo é formado por especialistas que

produzem e compartilham o conhecimento científico, delimitado e delimitando certa

maneira de compreender a ciência e sua produção, ou seja, certo estilo de pensamento.

Ainda, na perspectiva do pensamento de Fleck (2010), pode-se localizar os

professores de química do ensino médio como pertencentes ao círculo exotérico em

relação à análise da história da ciência nos livros didáticos. Justifica-se esta afirmação

por pesquisas nesta área por diversos pesquisadores: Oki e Moradillo, 2008; Oki, 2004;

Pires et al. 2010; Matthews, 1995; Fernandes e Porto, 2012; Silva, 2013; Gibinet al.,

2009; Fernandézet al., 2002; Vidal e Porto, 2012 Stadler et al. 2012; Martins, 2006; El-

Hani, 2006 e 2007; Martins e Brito, 2006; ; Martins e Silva, 2009; Loguercioe Del Pino,

2001; Tavares e Rogado, 2005; Emmel e Araújo, 2013.

O LD apresenta-se então como um importante recurso didático para a

circulação de ideias nos círculos exotéricos nos quais pertencem estudantes e

professores. Cleophas e Mota (2015) empregam cinco categorizações metodológicas

empregadas na análise de livros didáticos de química no ensino médio, que podem ser

uma abordagem interessante para a formação continuada dos professores de química,

especificamente da rede estadual de ensino, uma vez que são responsáveis pela escolha

do livro didático nas escolas que lecionam.

1° - Quantidade de recortes históricos e enfoques analisados em relação à

vida dos cientistas;

2° - Caracterização dos cientistas;

3° - A forma como são abordadas as descobertas científicas;

4° - Quem são os descobridores da Ciência? Quem realizou os

experimentos científicos?

5° - Iconografia utilizada para apresentar a História da Ciência

(CLEOPHAS e MOTA, P. 42, 2015).

Os autores analisaram quatro livros didáticos de química aprovados pelo

PNLEM e constataram que as principais distorções apresentadas são em relação à

caracterização dos cientistas, apresenta-se “sem atribuição”. Não atribuir características

ao cientista não é o mesmo que caracterizá-lo como uma pessoa comum, fazendo com

que o aluno forme a imagem de cientista que estiver sustentada na sua compreensão de

senso comum, de acordo com a sua bagagem cultural. Apenas um livro procura citar em

seus recortes históricos os fatos científicos de forma mais ampla, os demais tratam o

assunto de forma superficial, sem explicações aprofundadas sobre o tema (CLEOPHAS;

MOTA, 2015).

Em relação às descobertas científicas, todos os livros analisados, tratam a

descoberta de um fato científico como algo individual, demonstrando a uma visão

descontextualizada da ciência. A análise do quinto critério revela que todos os livros

fazem uso excessivo de imagens ou fotografias dos cientistas (CLEOPHAS; MOTA,

2015).

O primeiro critério foi o que apresentou algum resultado positivo, pois com

exceção de um livro que apresentou pouca contribuição, nos demais estava uma

considerável gama de informações: nome, a data de nascimento e/ou morte, conquistas

pessoais, curiosidades ou episódios marcantes, profissões queexerceram, universidade

cursada, locais que trabalharam, além das suas principais contribuições para a ciência

(CLEOPHAS; MOTA, 2015).

As considerações de Rodrigues (2014) a cerca da história da ciência em livros

didáticos corrobora com a pesquisa de Cleophas e Mota, 2008:

Foi identificado que a história da Ciência é apresentada desvinculada do

contexto cultural de cada período histórico (CARNEIRO; GASTAL, 2005), é

trazida de forma heterogênea entre os capítulos de livros (GONÇALVES,

2005), e é linear e superficial, constando, sobretudo, de nomes e datas

(BALDOW; MONTEIRO e JÚNIOR, 2010, MACEDO; SILVA, 2010;

VIDAL; PORTO, 2012), sendo assim necessário incorporar uma visão

adequada de história da Ciência nos livros, já que essa possibilita que o aluno

compreenda como se dá o progresso científico e supere seus obstáculos

epistemológicos (BADILLO et al., 2004; ASSIS, RAVANELLI, 2008;

PEREIRA; AMADOR, 2008, MARORANO; MARCONDES, 2009,

ALMEIRA; FALCÃO, 2010, CORNEJO; ARRIAZU, 2010; TAVARES,

2010; MEHLECKE et al. 2012; CAMERO et al., 2013). Além disso, o

tratamento da informação, realizado pelo material didático em questão,

encontra ‐se distante de possibilitar aos alunos a construção de procedimentos

para coletar, organizar, comunicar e interpretar dados (LEMOS, 2006)

(RODRIGUES, p.7, 2014).

Uma forma de se buscar a modificação desse quadro pode ser a formação

continuada dos professores de química, especificamente voltada à História das Ciências,

a qual ao viabilizar o acesso ao contexto histórico em que os fatos científicos se deram e

ao discutir metodologias de como podem ser abordados em sala de aula, possibilita aos

docentes trabalharem os conteúdos científicos com a historicidade mais próxima do

momento histórico que ocorreram. Com isso, podem suprir a visão a-histórica ou

deficitária presente nos LD e contribuem para uma superação da visão deformada que

possuem os estudantes e, até mesmo os professores, sobre a ciência e o cientista, para

que os alunos percebam quais foram os motivos sociais, políticos e econômicos que

contribuíram para o surgimento de uma grande descoberta científica.

Considerações Finais

Utilizar as caracterizações de Cleophas e Mota, 2008, e as considerações sobre

como a história da ciência é apresentada nos livros didáticos de química para o ensino

médio, em cursos de formação continuada pode possibilitar ao professor perceber se a

História da Ciência não se trata daquela “romantizada”, a qual teve em sua construção

em caminho sem conflitos e com uma sequência de eventos perfeitamente organizada,

Silva (2013) apud Cleophas e Mota (2015).

Esse trabalho não se encerra nas temáticas desse artigo, mas tem aqui seu início,

evidenciando a necessidade de cursos de formação continuada com pesquisas

específicas sobre a historicidade da ciência, bem como formações continuadas com base

epistemológica que propiciem uma ampliação do estilo de pensamento sobre pesquisas

em História das Ciências, para que a circulação de ideias sobre a temática torne parte

efetiva nas construções dos projetos pedagógicos curriculares da disciplina de química,

refletindo positivamente no trabalho do professor em sala de aula.

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