A negociação coletiva do trabalho no SUS

99
A negociação coletiva do trabalho no SUSpor João Batista dos Santos Militão Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre Modalidade Profissional em Saúde Pública. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Helena Machado Rio de Janeiro, dezembro de 2011.

Transcript of A negociação coletiva do trabalho no SUS

“A negociação coletiva do trabalho no SUS”

por

João Batista dos Santos Militão

Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre

Modalidade Profissional em Saúde Pública.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Helena Machado

Rio de Janeiro, dezembro de 2011.

Esta dissertação, intitulada

“A negociação coletiva do trabalho no SUS”

apresentada por

João Batista dos Santos Militão

foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof.ª Dr.ª Celia Regina Pierantoni

Prof. Dr. Antenor Amâncio da Silva Filho

Prof.ª Dr.ª Maria Helena Machado – Orientadora

Dissertação defendida e aprovada em 14 de dezembro de 2011.

Catalogação na fonte Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica Biblioteca de Saúde Pública

M644 Militão, João Batista dos Santos A negociação coletiva do trabalho no SUS. / João Batista dos

Santos Militão. -- 2011. 126 f. : tab. ; graf.

Orientador: Machado, Maria Helena Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública

Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2011

1. Negociação Coletiva. 2. Gestão em Saúde. 3. Trabalhadores - legislação & jurisprudência. 4. Sistema Único de Saúde. 5. Sindicatos - organização & administração. I. Título.

CDD - 22.ed. – 331.8

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Proporção de empregos públicos por esfera administrativa Brasil, 2005

Tabela 2 - Proporção de empregos privados natureza administrativa Brasil, 2005

Tabela 3 - Mesas de Negociação em Funcionamento

Tabela 4 - Mesas de Negociação paralisadas

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Mesas de Negociação em Funcionamento.

Gráfico 2 - Mesas de Negociação Paralisadas.

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

CAPITULO I – ASPECTOS METODOLÓGICOS

CAPÍTULO II - NOTAS INTRODUTÓRIAS

CAPÍTULO III - AS BASES TEÓRICAS DO ESTUDO

Trabalho, conflito e negociação Os conflitos das relações de trabalho Os aspectos jurídico-legais da negociação coletiva e da

greve no setor público

A construção do modelo de negociação do trabalho na administração pública

Os protocolos e a efetividade jurídica dos instrumentos normativos da Mesa Nacional

O direito comparado e a ratificação pelo Brasil da convenção 151 e recomendação 159 da OIT

CAPÍTULO IV - CONTEXTO EMPIRICO DA NEGOCIAÇÃO

O SUS, a Força de Trabalho em saúde e a Organização sindical dos trabalhadores e empregadores

A Mesa de Negociação: um fator de vitalidade para o SUS A experiência nacional de negociação do trabalho no SUS e

outras ocorridas na esfera pública Um pouco da história:

Primeira Fase da Mesa de Negociação do SUS (1993-1996) Segunda Fase da Mesa de Negociação do SUS (1997-2002) Terceira e Atual Fase da Mesa e Negociação do SUS (a Partir de 2003) A mesa setorial de negociação permanente do ministério da saúde – MSNP-SUS A Mesa Central de Negociação Permanente do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

CAPÍTULO V - A NEGOCIAÇÃO EM QUESTÃO: O QUE PENSAM OS MEMBROS DA MESA SOBRE A NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CAPÍTULO VI - CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS ANEXO I - Questionário e Roteiro da Entrevista e Termo de Livre Consentimento. ANEXO II - Considerações Ética

6

RESUMO A Constituição Federal de 1988 assegurou o direito à liberdade de organização sindical e da greve no setor público, porém, silenciou em relação ao direito à negociação coletiva do trabalho. A nova Carta trouxe também importantes conquistas de políticas sociais, a exemplo da criação do SUS, mudando profundamente o setor de saúde no país, a partir da concepção da saúde como um direito de todos e dever do Estado. Não obstante as transformações ocorridas no mundo do trabalho na década de 90, com o estabelecimento de um quadro adverso à luta dos trabalhadores, em 1993 é criada a Mesa Nacional de Negociação do SUS, por ato do Conselho Nacional de Saúde e homologado pelo Ministro de Estado, sendo-lhe atribuída o caráter de negociação permanente para dirimir as controvérsias das relações de trabalho. As restrições impostas ao exercício do direito de greve e da negociação coletiva dos trabalhadores do setor público pela cúpula do Poder Judiciário se evidenciaram ao longo desses anos. Sem a estruturação da negociação coletiva, os conflitos se intensificaram e se prolongaram causando graves transtornos à sociedade. As experiências da Mesa Nacional do SUS e outras ocorridas no plano regional vão influenciar decisivamente na implementação em 2003 da Política de Democratização das Relações de Trabalho na Administração Pública.. É criada concomitantemente a Mesa Central de Negociação do Trabalho do Governo Federal. Nesse contexto, em abril de 2010, o Governo Brasileiro ratifica a Convenção 151 e a Recomendação 159 da Organização Internacional do Trabalho( OIT), abrindo a perspectiva de serem adotadas as normas jurídicas internacionais sobre a negociação coletiva na Administração Pública, e criar condições , a partir dos debates entre trabalhadores , empregadores e a sociedade, para a adoção de modelo adequado às características da Administração no pais. PALAVRAS-CHAVES: Negociação coletiva do trabalho no SUS; Mesas de Negociação; organização sindical dos trabalhadores e empregadores da saúde; Relações de trabalho no SUS. Normas Internacionais da Negociação Coletiva do Trabalho na Administração Pública. Gestão do Trabalho em Saúde.

7

APRESENTAÇÃO

O estudo sobre a negociação coletiva do trabalho surgiu ainda quando

acadêmico do curso de Administração Pública e, posteriormente, de Direito. O

convívio com esses campos teóricos proporcionou um conhecimento e interesse

pelo tema. Outro aspecto a destacar, foi a labuta do dia a dia como dirigente sindical

do Sindicato dos Trabalhadores Federais em Saúde, Previdência e Trabalho no

Estado da Bahia (SINDPREV-Ba), e as experiências como representante da

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social - CNTSS - no

exercício da Coordenação da Mesa Nacional do SUS em seu segundo período de

existência e, posteriormente, atuando como um dos gestores representando o

Ministério da Saúde em sua fase subsequente, foram muito importantes para a

ampliação desses conhecimentos .

Essa vivência permitiu observar que esses espaços de negociação surgiram

a partir das lutas históricas dos trabalhadores e de suas inserções nos organismos

colegiados de controle social do SUS, espaços esses caracterizados como forma

inovadora no sistema de relações de trabalho no setor público, surgidos sem uma

base legal e questionados juridicamente.

Contudo, apesar de inovar e significar um avanço nas relações de trabalho na

esfera pública, a Mesa Nacional de Negociação tem encontrado, em sua trajetória,

inúmeras dificuldades para se consolidar, razão pela qual tem instigado e produzido

inquietações devido a sua relevância para o SUS, as instituições, os sindicatos e a

sociedade.

Trata-se, portanto, de uma abordagem ainda pouco explorada, considerando

a minguada literatura sobre o assunto, não obstante a experiência do Sistema Único

de Saúde e do serviço público ao longo de vários anos.

Nesse sentido, a presente dissertação tem como escopo analisar o processo

de negociação coletiva do trabalho no âmbito central do SUS, buscando

compreender os seus reais problemas e dificuldades, produzindo, assim,

contribuições para o aperfeiçoamento das relações de trabalho no setor saúde.

A dissertação foi estruturada em seis capítulos.

No primeiro, houve a preocupação em descrever as questões metodológicas,

numa clara obediência ao rigor científico. À luz das referências de autores

8

consagrados pela academia, aborda como foi realizado o trabalho de campo,

submetendo previamente a autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da ENSP,

os questionários e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o Projeto de

Pesquisa, e a garantia da segurança da preservação do sigilo dos participantes.

No capitulo II , em notas introdutórias, onde o autor traça uma panorama da

evolução dos direitos sindicais e da saúde a partir da constituição de 1988. A

criação do Sistema Único de Saúde a partir dos ideais do movimento da Reforma

Sanitária e a luta dos movimentos sociais. A liberdade de organização sindical no

serviço público e a contexto das relações de trabalho no Brasil e do setor saúde,

além de demonstrar a trajetória desses direitos ao longo das décadas 90 e

seguintes.

O capítulo seguinte traz os embasamentos teóricos e as principais

controvérsias sobre a negociação coletiva e a greve na Administração Pública,

enfocando os aspectos jurídico-legais. Faz uma revisitação dos conceitos e institutos

tradicionais do Direito Coletivo do Trabalho para uma melhor compreensão das

restrições e dificuldades da implementação da Negociação do Trabalho no Setor

Público. Vai socorrer-se, além do direito, de outros campos de conhecimento, a

exemplo, da economia, da saúde coletiva, da sociologia e da política. Analisa os

conflitos das relações de trabalho como um processo inerente à própria condição do

trabalho coletivo ou individual e a importância de serem estabelecidos mecanismos

de tratamento. Examina a questão da efetividade jurídica dos atos normativos da

Mesa, expressados através dos seus Protocolos e apresenta um quadro

comparativo do direito à negociação coletiva e de greve copilando as legislações em

diversos países da Europa e America Latina, balizando a recente Ratificação pelo

Brasil da Convenção 151 e a Recomendação 159 da Organização Internacional do

Trabalho, apontando para o modelo a ser seguido pelo país a partir das proposições

de regulamentação.

Contextualiza-se, a partir do capítulo IV, a negociação coletiva do trabalho no

âmbito do SUS, analisando a sua força de trabalho, a forma de organização dos

trabalhadores e empregadores, além de explicitar a origem e as fases históricas da

Mesa do SUS e de outros processos importantes de negociação ocorridas no âmbito

do serviço público.

No capítulo V é apresentado o resultado do trabalho de campo, ordenadas e

organizados as informações apuradas a partir de questionários aplicados aos

9

membros das Mesas, dando-lhes forma e significados teóricos, servindo de base

empírica a respeito da negociação do trabalho e de greve na Administração Pública

e o SUS.

Enfim, no capítulo VI, apresenta as considerações finais, sempre voltadas

para a preocupação de contribuir a partir desse estudo com um produto final que

seja útil para o SUS, no sentido de aperfeiçoar e superar os desafios das relações

de trabalho na saúde, consoante os objetivos do Curso do Mestrado Profissional e

da Ensp/FIOCRUZ.

10

CAPITULO I – ASPECTOS METODOLÓGICOS

No que tange ao aspecto metodológico, o presente estudo seguiu o

caráter analítico descritivo de cunho qualitativo. Minayo (1) ensina que a pesquisa

qualitativa responde a questões muitos particulares. Ela se ocupa, nas ciências

sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado.

Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações,

das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é

entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não

só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a

partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes.

Quanto à formulação de hipóteses, Minayo (1) ensina que elas são

afirmações provisórias a respeito de determinado fenômeno em estudo. São

proposições a serem testadas empiricamente e depois confirmadas ou rejeitadas. A

hipótese é considerada também um diálogo que se estabelece entre o olhar criativo

do pesquisador, o conhecimento existente e a realizada a ser investigada. Seguindo,

ainda os ensinamentos da autora, a mesma assevera que uma ‘hipótese aplicável’,

deve obedecer a algumas características: a) deve ter conceitos claros; b) Deve ser

específica, pois apesar de claras, são expressas em termos muitos amplos; e c)

deve ter como base uma teoria que a sustente.

Para uma maior compreensão, trazemos, também, as reflexões

metodológicas apresentadas por Souza (2), ao afirmar que:

Usualmente, para a feitura de uma pesquisa, os manuais de metodologia científica orientam o pesquisador na formulação de um problema para o qual, através da investigação, se obtenha um resultado que permita, quando não apontar caminhos para a sua superação, ao menos torná-lo mais compreensível. Não entendemos que no trato de um objeto devamos lidar com um problema em si ou problematizá-lo porque, na ótica da história, as questões que se colocam na sociedade - e se constituem objetos de investigação - não são problemas, mas representam a forma mesma de se responder às necessidades sociais, a cada época; se aparecem de uma determinada forma que parece problemática é porque a sociedade não consegue, ou ao quer, responde-las de outra forma. Cabe, então investigar, não problemas, mas as necessidades importas por determinada ordem social.

11

A partir desse entendimento e de outros autores referenciados, o autor chega

a uma percepção que faz orientar o Projeto de Pesquisa de que a ausência do

direito à negociação coletiva na Administração Pública poderia ser mais que um

problema, mas sobretudo uma resposta da sociedade, em um dado momento, ou de

vários momentos, onde caberia realizar uma investigação pra entender se essa

situação se situaria no campo da dificuldade ou do não querer.

Nesse sentido, adotamos como uma das premissas a ser investigada é se os

problemas evidenciados da Mesa estão relacionados à falta de uma legislação, ou

seja, à inexistência de um arcabouço jurídico-legal que defina a estruturação do

sistema de tratamento de conflitos e de negociação do trabalho no setor público.

E se é provável, também, que exista alguma conexão dessas dificuldades da

Mesa Nacional com a sua proximidade conceitual ao contrato coletivo nacional, a

forma complexa de organização do SUS, a da representação sindical dos

trabalhadores e dos empregadores, ou mesmo a ausência de cultura da negociação

no setor público.

Enfim, coube investigar, ainda, a tendência do modelo a ser adotado pelo país

para a negociação na Administração Pública face à recente ratificação pelo Brasil da

Convenção 151 e a Recomendação da OIT.

Seguindo essas diretrizes metodológicas, o estudo foi desenvolvido a partir da

revisão da literatura, análise da legislação, Normas e Regulamentos da OIT,

Jurisprudência, Projetos de Leis e Propostas de Emendas à Constituição Federal

(PEC) em tramitação no Congresso Nacional que prepõem a regulamentação e

estruturação da negociação coletiva do trabalho no setor público. O pesquisador

procurou também contextualizar em diferentes trajetórias institucionais a questão da

negociação, a greve e liberdade de organização sindical e o SUS.

Para tanto, houve a aplicação direta aos membros da Mesa Nacional do SUS

entre os meses de agosto e setembro de 2011, em Brasília, numa amostragem que

procurou buscar uma ampla representatividade entre as representações dos

trabalhadores e empregadores e o staff da Mesa Nacional. Os questionários

envolveram questões semiestruturadas, em um total de 11 sujeitos, ou seja,

representantes da Bancada Sindical; as duas maiores Confederações e as duas

maiores Federações de categorias de trabalhadores. Quanto aos empregadores

representando os secretários estaduais, o CONASS; os secretários municipais, o

12

CONASEMS; o Ministério da Saúde, a Secretaria Executiva da Mesa Nacional do

SUS, bem assim, à Secretaria Executiva da Mesa Setorial do Ministério da Saúde,

ao Secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento e ao

representante da Organização Internacional do Trabalho no Brasil.

A aplicação do questionário se deu de duas formas: uma, através de envio

pela internet aos participantes e, posteriormente, recolhido pessoalmente pelo

pesquisador em Brasília, quando da reunião regular da Mesa. Em ambos os casos

se buscou obter informações precisas e atualizadas da dinâmica do processo e das

perspectivas desses processos de negociação.

É importante ressaltar que a aplicação do instrumento foi condicionada a

aprovação prévia do Parecer do Comitê de Ética em Pesquisas da ENSP sob o

número CAAE: 0116.0.031.000-11 em 12/07/2011, como forma de assegurar o

sigilo das informações dos participações, o curso normal da pesquisa.

Os resultados dos questionários foram traduzidos e ordenados de forma que

pudessem significar expressões teórico-prático para uma análise qualitativa e

compõem o escopo de nosso estudo, servindo de base empírica a respeito da

negociação do trabalho no SUS.

Outra informação relevante é que este estudo faz parte de um conjunto de

atividades desenvolvidas no NERHUS-Núcleo de Estudos e Pesquisas em Recursos

Humanos em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca,

coordenado pela minha orientadora Profa. Maria Helena Machado, através da

Estação ObservaRH /Ensp/FIOCRUZ onde hospeda uma linha de investigação

vinculada à temática a qual faço parte do corpo de investigadores convidados. Desta

forma, os recursos financeiros e logísticos para a implementação da pesquisa de

campo foram assegurados pelo NERHUS.

13

CAPITULO II - NOTAS INTRODUTÓRIAS

O Brasil foi marcado, no final dos anos oitenta e inicio da década de noventa

do século XX, por avanços e conquistas no plano político, com a redemocratização

do país, após um longo período de exceção. Com a promulgação da Constituição

em 1988 ocorreu a ampliação e o surgimento de novos direitos sociais e trabalhistas

até então inexistentes, notadamente para os trabalhadores vinculados ao setor

público. Uma nova concepção jurídica foi instituída para regular as relações de

trabalho no âmbito da Administração Pública, sendo a partir de então assegurado o

direito à liberdade de organização sindical e à greve.

Um dos exemplos mais marcantes dessa nova vida institucional do Brasil foi a

transformação ocorrida no setor saúde, arena onde se desenvolve o presente

estudo. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), alicerçado em seus princípios

e diretrizes fixados pela Constituição e nas leis 8.080 e 8.142 de 1990, expressou a

concretização dessa evolução social. Essa extraordinária reforma ocorrida na saúde

foi resultante da intensa participação política dos movimentos sociais no contexto

dos ideais do movimento da Reforma Sanitária balizados pelos princípios

democráticos da universalização, participação e equidade.

A consagração do direito à saúde como um direito de todos e dever do

Estado, constitucionalmente assegurado, mudou profundamente os conceitos da

assistência à saúde e a sua organização tendo como conseqüência dessa afirmação

a elevação da saúde ao nível de relevância pública e a sua primazia entre os direitos

fundamentais da pessoa humana.

Para o campo das relações de trabalho em saúde, a edição dessas leis, e

desde a 8ª Conferência Nacional de Saúde culminando com a I Conferência

Nacional de Recursos Humanos, observou-se o limiar de uma nova política de

Gestão do Trabalho para o SUS, que, somando-se posteriormente às diretrizes para

a NOB-RH/SUS, delineou-se o arcabouço político-administrativo, ainda que

timidamente, num campo governamental em que se predomina a chamada reserva

legal para a efetivação dessa política – a exigência de lei no sentido formal e a

obediência ao rigor das iniciativas legislativas de cada Ente integrante do Sistema.

Na esfera sindical, verificou-se nesse período o surgimento de um movimento

organizativo dos trabalhadores no setor público, forte e combativo que pugnava pela

14

liberdade de organização e autonomia frente ao Estado. Essas entidades de classe

promoveram intensas mobilizações em defesa da categoria dos servidores públicos

e do serviço público, inclusive com a deflagração de greves, situação esta até pouco

tempo atrás proibida por lei e muitas vezes reprimida. Frise-se que mesmo antes de

ter assegurado esse direito na Constituição de 1988, os setores mais organizados

dos trabalhadores públicos já praticavam tais ações ‘ao arrepio da lei’.

Contudo, não obstante o país ter ganhado uma nova Carta Política com a

expansão de direitos sociais, a década de1990 foi marcada pelo cenário da Reforma

do Aparelho do Estado e mudanças estruturais no mundo do trabalho, fruto do

fenômeno da globalização e influenciada pelos ideais neoliberais.

Estabeleceu-se um contexto político institucional onde o pensamento

hegemônico consistia na redução do Estado com a promoção de ajuste fiscal e

rigoroso controle de despesas com pessoal, intensas terceirizações e informalidade -

é assertivo entre pesquisadores que a informalidade cresceu muito nos anos 90.

Com a reforma administrativa ocorrida no final dessa década, houve a introdução no

serviço público de modelos gerenciais que tinham como inspiração o setor privado.

Nesse período, verificou-se uma campanha publicitária ideológica e

difamatória contra os trabalhadores e as instituições públicas. O serviço público foi

taxado de ineficiente, e considerado estrutura pesada economicamente para a

sociedade, criando condições favoráveis para as teses da privatização nesses

setores.

Esse cenário tornou-se objeto de análise de vários estudiosos do mundo do

trabalho, apontando as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores e suas

representações sindicais. Além da precarização das condições e relações de

trabalho no Brasil, o receituário neoliberal da década de 1990 foi responsável pela

piora na distribuição da renda, enfatiza Pochmann (3).

Na esteira dessa corrente de pensamento, Machado (4) assevera que a

década de noventa foi a década perdida para os trabalhadores por várias razões. Os

anos 90 – de consolidação do SUS – foi o período da antipolítica de RH. O SUS

passou a década de sua consolidação sem se preocupar com seus trabalhadores,

sem elaborar uma efetiva política de Recursos Humanos compatível com a sua

concepção universalista. Adotou-se a política da anti-política. Evidencia-se que ao

longo desse tempo a preocupação com o trabalhador do SUS não era uma questão

central para o sistema.

15

Para Antunes (5) essas transformações no mundo do trabalho repercutiram

nos serviços públicos como saúde, energia, educação, telecomunicações,

previdência, etc. Esses setores também sofreram como não poderia deixar de ser,

um significativo processo de reestruturação, subordinando-se à máxima da

mercadorização, que vem afetando fortemente os trabalhadores do setor estatal e

público.

No mesmo sentido, Dedecca (6) afirma que os primeiros governos eleitos

diretamente a partir de 1989, adotaram como estratégica básica a política de

liberação comercial externa, que impôs um processo de ajuste cruel da estrutura

econômica como conseqüências desastrosas para o mercado de trabalho. No setor

industrial, somente um de cada dois empregos resistiram à avalanche liberal dos

anos 90. Em duas décadas, a taxa de desemprego foi, ao menos, triplicada. Os

contratos informais de trabalho passaram a ser dominantes no mercado nacional de

trabalho. E uma desvalorização salarial ocorreu de modo generalizado.

O exemplo das Cooperativas talvez seja ainda mais eloquente, assevera

Antunes (5). Em sua origem elas nasceram como instrumentos de luta operária

contra o desemprego e o despotismo do trabalho. Hoje, ao contrário, os capitais vêm

criando falsas Cooperativas como forma de precarizar ainda mais os direitos do

trabalho. As ‘Cooperativas’ patronais têm então o sentido contrário ao projeto

original daquelas de trabalhadores, uma vez que são verdadeiros empreendimentos

para destruir direitos e aumentar ainda mais as condições de precarização da classe

trabalhadora. Essa forma de vinculo indireto de trabalho, associadas a tantas outras

nessa modalidade são muitos freqüentes na saúde.

Fazendo, ainda uma reflexão das evidências da degradação do trabalho, e

perfilando-se nessa corrente critica ao pensamento neoliberal, Pochmann (3) afirma

que a Constituição Federal aprovou desde a redução da jornada de trabalho (de 48

para 44 horas semanais) e a garantia de um terço de remuneração a mais no

período de férias anual até o direito de greve acompanhado da liberdade e

autonomia sindical. Mas as restrições ao crescimento nacional terminaram por impor

limitações de acesso aos direitos sociais e trabalhistas. Com a difusão do

desemprego e das ocupações precárias, ampliaram-se as vulnerabilidades da

população inseridas no mercado de trabalho.

Para Aguiar (7), o movimento da terceirização e a evolução do trabalho

autônomo, afirma que a primeira é movimentada pela simples redução de custos

16

que, muitas vezes, escora-se na fraude e na inaceitável precarização de direitos. A

outra se sustentando precisamente na expertise adquirida por determinados

trabalhadores que, efetivamente, querem se beneficiar da autonomia e flexibilidade

que exsurgem dessa nova modalidade contratual.

Esses fenômenos tornaram-se ainda mais evidentes a partir da promulgação

das Emendas Constitucionais 19/98, a 20/03, a Lei de Responsabilidade Fiscal n.

101/00, e a Lei n. 8.745/93 que instituiu a contratação temporária na administração

pública, que dentre outras medidas legais administrativas e previdenciárias

dispuseram sobre princípios e normas modificando o regime da Administração

Pública.

Essas Normas foram editadas com o sentido de restringir ou alterar direitos

dos trabalhadores, como exemplo, a adoção de pluralidade de regimes jurídicos de

trabalho e o fim da exigência do PCCS (plano de carreira, cargos e salários) como

forma de organização administrativa de servidores públicos e introduziram novos

conceitos de gestão pública tendo como base a atuação do setor privado, além das

mudanças no regime de aposentadorias dos trabalhadores do setor público.

Em que pese às disposições constitucionais sobre o provimento de cargos

públicos apenas diante de aprovação em concurso público e a garantia da

estabilidade conferida aos servidores, a gestão de recursos humanos na esfera

pública no período foi marcada por terceirizações, o contrato temporário e programa

de demissão voluntária. Deixou-se de conferir revitalizações aos planos de cargos e

salários e aos instrumentos de gestão de pessoas, tornando-os obsoletos e

desacreditados, afirma Ferreira (8).

Ainda passo a passo dessa contextualização, observou-se uma reação a esse

paradigma neoliberal no inicio dos anos dois mil. Os governos eleitos a partir de

então passaram a adotar medidas substanciais no campo da economia, das políticas

sociais e das relações de trabalho. Fortaleceu-se a representação sindical com o

reconhecimento das centrais sindicais e a institucionalização de espaços da

negociação do trabalho no setor público com a democratização das relações de

trabalho e as substituições progressivas dos terceirizados através de concurso

público, além da reestruturação e fortalecimento das carreiras administrativas dos

trabalhadores públicos.

Na análise de Pochmann (3), desde 2003, a estratégia brasileira para

enfrentar a vulnerabilidade se concentrou em várias frentes. Na Administração

17

Pública verificou-se a recomposição da remuneração e do emprego do

funcionalismo público (de 486 mil servidores do governo federal, em 2002, para 545

mil, em 2009), especialmente na educação, que respondeu por 50,3% dos novos

ingressantes no setor público federal, e na Justiça e Advocacia da União (num

quarto dos novos empregos), sem alterar o peso relativo das despesas de pessoal

no PIB, que era de 4.9% em 2002 e manteve esse mesmo índice em 2009.

No campo das relações de trabalho no setor público, houve a ratificação da

Convenção 151 e a Recomendação 159 da OIT. Nesse novo contexto, o Brasil terá

que adequar a legislação interna às formas de tratamento de conflitos e negociação

coletiva na Administração Pública em conformidades com as regras jurídicas desse

organismo supranacional, medidas já adotadas por vários países democráticos no

mundo.

Através do Decreto Legislativo no. 206/2010, o país ratificou essas diretrizes

jurídicas, ambas versando sobre as relações de trabalho entre o Estado e seus

trabalhadores, que asseguram o direito à negociação coletiva de trabalho aos

diversos níveis de governo, abrangendo os servidores em todas as esferas de

governo e dos poderes regidos pelos seus respectivos regimes estatutários e/ou

administrativos, quanto pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Não é por menos que a negociação coletiva do trabalho é considerada como

processo de interesse social por muitos países e a sua extensão ao serviço público

ser envolvida de muitas controvérsias entre sindicalistas, governos e doutrinadores.

Tem-se observado de uma maneira geral, assim como no Brasil, que os sindicatos

de trabalhadores passaram a exercer papel político social fundamental na

conformação e desenvolvimento das sociedades modernas democráticas. Muitos

dos Estados já asseguraram a liberdade e autonomia sindical tendo reconhecido a

negociação como uma garantia de acesso ao tratamento de conflitos coletivos de

trabalho, inclusive para o setor público.

Fruto dessa evolução, a negociação coletiva do trabalho tornou-se obrigatória

por força de lei em vários países, e entre nós, adotou-se o modelo da

obrigatoriedade da participação sindical nas negociações coletivas do trabalho,

apenas para o setor privado. Assim, evidenciou-se o dever de negociar entre

empregados e empregadores. Contudo, segundo Machado (9), o dever de negociar

não significa o dever de contratar, mas sim de atender a chamada para dialogar,

ouvir proposta, responder justificadamente, se aceita ou não e formular

18

contraproposta. Se for devidamente convocada, a parte não pode, sem motivo

poderoso, recusar-se à negociação, sob pena de caracterização da deslealdade e

da má-fé.

No Brasil os trabalhadores públicos civis da União, Estados, Distrito Federal e

Municípios, conquistaram à livre associação sindical e a greve, entretanto, estão

ainda sem o direito à negociação coletiva. A Carta Política não assegurou

expressamente aos trabalhadores do setor público esse direito, tratando-os, neste

aspecto, de forma distinta dos demais trabalhadores.

A Constituição de 1988 tornou obrigatória a participação dos sindicatos nas

negociações coletivas de trabalho (inc. VI, 8º), por conceber que a negociação

coletiva e o direito de greve são da essência do principio da liberdade e autonomia

sindical na defesa dos interesses de classe, contudo, ao dispôs em relação aos

direitos dos servidores público civis no art. 39, §3º , deixou de fazer remissão a esse

direito, o que evidencia um paradoxo.

Em análise preliminar, observa-se que em 1990 houve interesse de

institucionalizar o direito da negociação coletiva no setor público federal através do

Regime Jurídico Único dos Servidores Civis da União (Estatuto dos Servidores Civis

da União - Lei 8.1112/90), porém não houve êxito. Alvo de severas restrições e

obstáculos por parte do Chefe do Executivo Federal à época, e de interpretações

restritivas do Poder Judiciário e Procuradoria Geral da República, o direito à

negociação foi duramente questionado ao longo desse tempo, assim como a

efetividade do direito de greve.

No que tange ao direito de greve no serviço público, a Constituição assegura

de forma literal o seu exercício, o qual será exercido nos termos e nos limites

definidos em lei especifica (inc. VII, do art. 37), assegurando o livre arbítrio de decidir

sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele

defender. Porém, esse direito até os dias de hoje não foi regulamentado por lei e

vem sofrendo limitações quanto ao seu exercício pelo Poder Judiciário.

Assim, as controvérsias decorrentes dos pensamentos a favor e contra o

exercício do direito de negociação coletiva do trabalho e da greve no setor público

vão se delineando ao longo do tempo. Esses entendimentos se contrapõem,

colocando em lados opostos, estudiosos, juristas, gestores públicos e sindicalistas,

tornando a matéria cada vez mais complexa.

19

Fazendo uma inflexão sobre essas questões, indaga-se se a relação de

trabalho quer seja estatutária ou celetista, estabelecida entre o Estado e seus

trabalhadores está permeada ou não de conflitos. É da essência da relação de

trabalho o conflito, o porquê da omissão, indiferença ou resistência do Estado em

reconhecer esse direito ou obstaculizar o seu exercício?

É recorrente o entendimento de que há um encadeamento lógico, - o direito

à sindicalização, a negociação coletiva e a greve. O desencadeamento dessas

ações, onde se instaura formalmente um processo de negociação entre os

protagonistas na relação de trabalho, e só a partir daí ocorrendo insucesso da

negociação é que se lança o recurso à greve pelos sindicatos.

A exemplo do que ocorre na esfera privada, os sindicatos do setor público já

exercem papéis de negociação, em todas as esferas de poder e até com certa

intensidade, haja vista notícias diárias na mídia, da deflagração de movimentos

paredistas em todas as esferas de poder, como as tratativas realizadas envolvendo

trabalhadores e empregadores. Entretanto, vale ressaltar que esse exercício se

constitui ainda num espaço desestruturado, assistemático, sem lastro jurídico-legal,

conforme demonstrar-se-à no presente estudo.

Quando se trata da questão da negociação do trabalho na saúde, observa-se

que a falta de estrutura de tratamento de conflitos do trabalho no setor é um

problema. A gestão da saúde se caracterizar como um campo em que permeiam

controvérsias e tensionamento. De maneira geral, quando explicitados os conflitos

oriundos da gestão da saúde são tratados por meio de consensos, mediante

processos participativos pela via de órgãos colegiados institucionais, a exemplo de

câmaras técnicas, conselhos de saúde, espaços de gestão participativa, etc.

Nesses espaços, os trabalhadores protagonizam papéis fundamentais na

organização do sistema e formulação e execução de políticas para o setor,

tornando-os elementos também de expectativas de melhorias de condições de

trabalho e de vida, interagindo nesse mundo conflituoso e que necessita dar fruição

às suas necessidades coletivas. Quando não é possível fluir essas demandas, o

conflito fica silente, sendo manifestado de outras formas, refletindo negativamente

na gestão de todo o sistema.

Retratando esse processo conflituoso das relações de trabalho na saúde,

Machado (10) identifica vários pontos de tensionamento que ainda estão presentes

no dia a dia do trabalho no SUS. Assevera que apesar da saúde ser uma área de

20

proteção, regulação e controle do Estado, a realidade brasileira oferece farto

material empírico que aponta para a inadequada e perigosa desarticulação entre

saúde como bem público e aqueles que produzem este bem. Salários irrisórios,

condições precárias de execução das atividades essenciais, ausência de incentivos

e infraestrutura inadequada para a produção de uma política de valorização

profissional, entre outros problemas, tem levado muitos desses profissionais a

abandonarem a idéia de fazer Saúde Pública.

Nesse contexto, as experiências de negociação do trabalho no SUS e outras

ocorridas no serviço público, podem traduzir muitos significados que precisam vir à

tona. Como se organizou, expandiu e se sustentou a negociação do trabalho a partir

da criação pelo Conselho Nacional de Saúde da Mesa Nacional de Negociação na

ausência de uma base jurídico-legal, sem que houvesse uma confrontação ou

subjunção ao modelo jurídico vigente tradicional e aos conceitos do direito coletivo

do trabalho, alimentado por compromissos políticos e moralmente estabelecido

pelos atores da relação de trabalho no SUS.

Quais as contribuições que podem ser extraídas dessas experiências para a

formatação do modelo de negociação no setor público a ser adotado pelo país, a

partir da ratificação da Convenção 151 e a Recomendação 159 da OIT? Essa é

uma questão também discutida no âmbito do presente estudo.

Como já visto, e seguindo tendência da doutrina moderna, o presente estudo

utiliza como referencial o termo ’trabalhador do serviço público’, lançando mão de

conceito amplo, para se referir ao conjunto de pessoas investidas na função pública,

e que sobrevive da Força do seu trabalho, independentemente do vínculo jurídico ou

categoria profissional, ao invés de ‘servidor público’, expressão tradicional

comumente adotada por uma parte da doutrina adminstrativista, por considerar

aquela denominação ser mais adequada, salvo para indicar transcrição literal da lei

ou pensamento doutrinário para preservar a fidedignidade da fonte de informação.

Nesse sentido, seguindo o entendimento de Carvalho Filho (11) atribui-se aos

servidores públicos uma profissão de fé, como regra de caráter definitivo, e se

distinguem dos demais agentes públicos pelo fato de estarem ligados ao Estado por

uma efetiva relação de trabalho. Na verdade, guardam em muitos pontos grandes

semelhanças com os empregados das empresas privadas: tanto estes como os

servidores públicos emprestam sua força de trabalho em troca de uma retribuição

pecuniária, comumente por períodos mensais. Ambos são trabalhadores em sentido

21

lato: executam suas tarefas em prol do empregador (público ou privado) e

percebem, ao final do mês, sua remuneração.

Ressalte-se que é nesse contexto institucional de ataques aos direitos sociais

e trabalhistas, adverso, portanto, aos trabalhadores e suas entidades sindicais que

se aprova a Mesa Nacional de Negociação do SUS no inicio da década de 90 e vai

manter-se até os dias de hoje. Criada pelo Conselho Nacional de Saúde e

homologada pelo Ministro de Estado da Saúde, possibilita inovações nas relações

de trabalho do Sistema Único de Saúde e constituir-se no nosso campo de estudo.

Buscando compreender melhor esse mecanismo de tratamento de

conflitos em Mesas de Negociação do Trabalho no setor saúde, buscamos estudar a

negociação coletiva do trabalho em nível central do Sistema Único de Saúde e no

serviço público federal – As experiências da Mesa Nacional de Negociação.

Evidenciar a importância desses espaços como mecanismos de diálogo permanente

envolvendo o Estado e os seus trabalhadores.

22

CAPÍTULO III - AS BASES TEÓRICAS DO ESTUDO

TRABALHO, CONFLITO E NEGOCIAÇÃO.

A centralidade do trabalho é umas das características mais importantes das

sociedades modernas e democráticas. Cada um de nós viabiliza sua sobrevivência

e obtém seu reconhecimento social e pessoal através do trabalho, Dedecca (6).

Pode-se dizer que através do seu trabalho que o homem se realiza socialmente e se

desenvolve.

Neste começo de século, o trabalho permanece central na luta histórica pela

constituição de uma sociedade superior no Brasil, afirma Pochmann (3). Isso implica

transitar cada vez mais do trabalho, enquanto condição de financiamento da

sobrevivência, para a posição de desenvolvimento humano. Historicamente, quando

se tornou possível combinar o progresso das forças produtivas com a atuação

progressiva das lutas sociais e políticas, houve avanços no padrão de vida da

população. Em geral, associados à redução do grau de exploração econômica das

classes trabalhadores por meio da elevação do padrão regulatório do mercado de

trabalho.

Se o trabalho pode ser compreendido como um produto social e a força de

trabalho organizado sua expressão maior, sempre estará presente a explicitação do

conflito coletivo fruto dessa relação como algo inerente ao ser humano, e, por

conseguinte, das relações de trabalho. A negociação surge como algo fundamental

para o processo regulatório e o estabelecimento de condições mais condignas para

o trabalho. Um mecanismo que estabelece ponto de equilíbrio na relação capital-

trabalho.

Assim, compreende-se que a negociação coletiva em sua função básica de

tratar conflitos, pode-se ser considerada como parte indissociável ao exame dessas

questões, na medida em que essas manifestações coletivas se tornaram

instrumento importantíssimo dos sindicatos na luta pela valorização das condições

de trabalho e vida. O trabalho como central da atividade humana e o conflito como

um dos aspectos nucleares das manifestações do trabalho coletivo e individual.

Não obstante às controvérsias entre as correntes doutrinárias que teorizam

sobre o futuro do trabalho é certo que o produto do trabalho de cada um é

23

considerado fruto de um processo coletivo, que assume uma importância cada vez

maior no mundo contemporâneo. Surgem, nesse aspecto, os conflitos advindos da

relação de trabalho, os quais precisam, necessariamente, que sejam adotados

mecanismos para tratá-los adequadamente.

Justifica-se a recomendação da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

no sentido de que os Estados instituam acesso às formas de tratamento de conflito,

em conformidade com as Normas Internacionais preconizadas por esse Organismo

Internacional.

A negociação coletiva está na base da formação do Direito do Trabalho como

uma das suas fontes de produção de conhecimento, assim ensina Nascimento (12).

A negociação vem a ser um processo juridicamente estruturado, sistematizado, em

que as partes têm deveres e responsabilidades atribuídos perante a lei e gozar de

amplo interesse da sociedade.

A literatura sobre o direito coletivo de trabalho em nosso país é rica, porém

são parcas as obras que estudam a negociação coletiva na administração pública,

particularmente, quanto aos processos negociais instalados e desenvolvidos no seio

do Sistema Único de Saúde desde 1993. O que se tem produzido a título de

conhecimento nessa área é algo recente. Temos poucos cursos em nossas

instituições de ensino sobre a negociação do trabalho, por isso defendemos, de

pronto, que devam ser mais disseminados, a exemplo de países democráticos e

desenvolvidos.

Frente a essa dificuldade, o presente estudo faz um cotejamento necessário

entre os institutos e conceitos próprios do direito coletivo do trabalho com os

utilizados nos processos negociais instituídos no campo do direito público, fazendo

as conexões entre eles para uma melhor compreensão do tema e assim aprofundar

o conhecimento a respeito das dificuldades inerentes à implementação da

negociação coletiva no setor público. Com a perspectiva da implantação de regras

que regulamentam o exercício da negociação coletiva do trabalho na esfera pública,

a sua estruturação e sistematização, torna-se um grande desafio para os sindicatos,

governos, legislativo e judiciário.

A teoria hoje prevalente sustenta que a negociação coletiva do trabalho se

baseia na concepção da autonomia privada. O entendimento de que o Estado abre

mão de seu poder, conferindo aos sujeitos coletivos à garantia de produzir normas

próprias, aplicáveis entre si, desde que tais normas não confrontem com a lei,

24

podendo ser admitidas nesses casos se estabelecer condição mais favorável a parte

mais vulnerável da negociação. Com maior ou menor intensidade, essa é uma

tendência verificada nos sistemas das relações do trabalho nos países

desenvolvidos.

Assim, a autonomia privada coletiva pressupõe que o Estado abdica de parte

de sua jurisdição e do monopólio de criar normas, em favor dos grupos sociais,

dentre eles os sindicatos e associações, os partidos políticos, para que estes

tenham a liberdade de auto-organização e de auto-regramento de seus próprios

interesses, sem, contudo, abrir mão de sua soberania, conforme Stoll (13).

Apesar da autonomia e liberdade que gozam os protagonistas da

negociação coletiva, eles estão submetidos à obrigatoriedade legal de iniciar as

tratativas. Machado (9) afirma que o processo de elaboração da norma coletiva

inicia-se pela provocação da parte interessada em negociar. Este dispositivo

apresenta o principio do dever de negociar. Dever de negociar não significa dever de

contratar, mas sim de atender ao chamado para dialogar, ouvir proposta, responder,

justificadamente, se aceita ou não e formular contraproposta. Se for devidamente

provocada, a parte não pode, sem motivo poderoso, recusar-se à negociação, sob

pena de caracterização da deslealdade e da má fé. Segundo o que dispõe o art. 8º,

VI da Constituição, a participação dos sindicatos nas negociações coletivas é

obrigatória.

A negociação coletiva vem a ser uma forma de desenvolvimento do poder

normativo dos grupos sociais segundo uma concepção pluralista do que não reduz a

formação do direito positivo à elaboração do Estado. A negociação coletiva

destinada à formação consensual de normas e condições de trabalho que serão

aplicadas a um grupo de trabalhadores e empregadores, a qual é apontada pelos

doutrinadores do direito do trabalho como uma de suas finalidades precípuas.

Nesse sentido, a negociação coletiva de trabalho é o meio pelo qual a

autonomia privada coletiva se exercita. É um processo democrático por meio do qual

as partes buscam, diretamente, uma composição para a regência das relações de

trabalho que protagonizam. É, assim, o processo dinâmico voltado ao atingimento do

ponto de equilibro entre interesses divergentes visando a satisfazer,

transitoriamente, as necessidades presentes do grupo de trabalhadores e de

equalizar os custos de produção, afirma Stoll (13).

25

Para Martins (14), a negociação visa a um procedimento de discussões sobre

divergências entre as partes, procurando um resultado. A convenção e o acordo

coletivo são o resultado desse procedimento. Se a negociação for frustrada, não

haverá norma coletiva. Como já vimos, de acordo com a legislação brasileira, a

negociação é, atualmente, obrigatória; já a convenção e o acordo coletivo são

facultativos.

Ainda segundo esse referido autor, a negociação é o meio que vai conduzir à

norma coletiva, sendo uma das fases necessárias para a instauração do dissídio

coletivo, em que se ela restar frustrada, as partes poderão eleger árbitros.

Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é

facultado às partes ajuizar o dissídio coletivo. A tentativa de mediação do Ministério

do Trabalho não é obrigatória, o que é obrigatório é a negociação coletiva.

De acordo com a sistemática adotada pela Constituição Federal e a

Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), se frustrado o acordo, as partes podem

suscitar o dissídio coletivo junto à Justiça do Trabalho ou optar pela solução do

conflito utilizando-se da mediação ou da arbitragem estabelecidas pelas partes. Os

sindicatos podem lançar mão do exercício da greve nos termos da Lei de Greve.

A Constituição Federal prescreve que não sendo possível às partes chegarem

a um acordo, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de

natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir sobre o conflito,

respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as

convencionadas anteriormente (§ 2º do art. 114). Em se tratando de greve em

atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério

Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do

Trabalho decidir sobre o conflito, explicitando o que conhecemos como o poder

normativo da Justiça do Trabalho.

Para uma melhor compreensão, é fundamental fazer uma imersão na

conceituação dos termos usualmente utilizados no campo do direito coletivo do

trabalho, a saber: convênio coletivo, convenção coletiva, contrato coletivo de

trabalho, acordo coletivo, dissídio coletivo, mediação e arbitragem. Esses termos já

são bastante conhecidos desse campo de conhecimento, entretanto, a questão é

saber como estabelecer uma interação desses institutos com o modelo em

construção de negociação coletiva na Administração Pública.

26

Segundo os ensinamentos de Machado (9), distinguindo esses institutos o

Convênio Coletivo (CC) é considerado gênero que comporta duas espécies: a

Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), que é negociada entre um ou mais

sindicatos profissionais e um ou mais sindicatos patronais da mesma categoria, com

eficácia geral para toda a categoria de trabalhadores representada e o Acordo

Coletivo de Trabalho (ACT), negociado entre sindicato profissional e uma ou mais

empresas diretamente, a ser aplicável no âmbito das empresas signatárias, não

havendo distinções entre si quanto ao conteúdo. A diferença reside no âmbito

subjetivo e de aplicação, uma vez que os sujeitos do acordo coletivo são, de um

lado, o sindicato profissional e, de outro, uma ou mais empresa. Assim, no âmbito

nacional e setorial, os sujeitos do acordo coletivo são as entidades sindicais, tanto

dos trabalhadores como dos empregadores. No entendimento de Martins (14), o

Convênio Coletivo está mais próximo da nossa convenção coletiva.

A CLT - Consolidações das Leis Trabalhistas denomina de Convenção

Coletiva de Trabalho, o acordo de caráter normativo celebrado entre sindicatos e

também pela Federação e Confederação para reger as relações das categoriais a

elas vinculadas, não organizadas em sindicatos, no âmbito de suas representações.

Por sua vez, o acordo coletivo de trabalho é o negócio jurídico entre um

sindicato profissional e uma ou mais empresas destinado à fixação de normas e

condições de trabalho a serem aplicáveis aos contratos individuais de trabalho

incluídos no âmbito das respectivas representações. (art. 613 e 614, CLT).

De acordo com a doutrina preconizada pela OIT (15), a Negociação Coletiva,

Compreende todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores, e, de outra parte, uma ou várias organizações de trabalhadores, com o fim de a) fixar as condições de trabalho e emprego; ou b) regular as relações entre empregadores e trabalhadores; c) regular as relações entre empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores, ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez.

Ainda pode-se caracterizar a Convenção Coletiva como um processo

intersindical, ou seja, a relação que forma-se entre sindicatos dos empregados e

empregadores. Enquanto o acordo é realizado para o âmbito da empresa, com a

participação desta e do sindicato da categoria profissional, onde a negociação se dá

entre as partes envolvidas na controvérsia.

27

A Recomendação 91 da OIT (15) define a convenção coletiva de trabalho:

Todo acordo escrito relativo a condições de trabalho e de emprego, celebrado entre um empregador, um grupo de empregadores ou uma ou varias organizações representativas de trabalhadores interessados, devidamente eleitos e autorizados pelos últimos, de acordo com a legislação nacional.

Para Braga (16), de maneira geral e, como ponto de partida, pode-se

considerar a negociação como um processo que pode permitir aos atores sociais

analisar e compatibilizar as razões, interesses e atuações de sua participação na

resolução de situações complexas, e conseguir acordos duradouros como base de

uma cooperação benéfica. O referido autor entende que a negociação é um ato

político, para que a gestão de políticas públicas busque gerar a viabilidade por meio

de acordos duradouros e respeitados, em determinado tempo e espaço geográfico,

estarão envolvidos atores sociais - institucionais ou não - que têm interesses, poder

e recursos para enfrentar situações-problemas que os afetem com direitos e

possibilidades de participar responsavelmente e em pé de igualdade na solução.

A negociação é da essência da organização sindical, é através dela que há a

explicitação e o tratamento de conflitos. Pressupõe, portanto, o reconhecimento e a

legitimidade da sua existência e a possibilidade legal da defesa de interesses de

trabalhadores. A explicitação de conflito não significa, necessariamente, a sua

composição ou conciliação, mas, sobretudo, a sua apreciação prévia no contexto da

correlação de forças do movimento e da sociedade, explica Braga (16).

Seguindo os ensinamentos de Aguiar (7), a negociação coletiva é um ato

jurídico complexo, compreendido sob diversas dimensões, que vão além da sua

função compositiva:

Tradicionalmente, quando se fala em negociação coletiva de trabalho, logo a descrevemos como um mecanismo de solução de conflito e, portanto, sua função passa a ser compositiva. Ocorre, contudo, que a negociação coletiva de trabalho contempla alternativas outras, além de um vetor unicamente compositivo de conflitos. É verdade que ainda nos dias atuais presta-se a solucionar conflitos, porém, quando é chamada a fazê-lo o conflito já se encontra instalado. Na realidade, o conflito não é uma condição sine qua non para a sua existência. Faz parte do conteúdo inteiro da negociação coletiva de trabalho resolver conflitos, porém, sua abrangência de atuação e participação é muito maior. A negociação coletiva de trabalho revela-se por um conteúdo sistêmico, do qual deriva a sua natureza jurídica como um ato jurídico complexo. (Grifos do autor).

28

Essa ideia trazida pelo autor para caracterizar a negociação coletiva como

conjunto de conteúdo sistêmico e entender esse processo como um ato jurídico

complexo, traduz muito bem a dimensão que tem a negociação coletiva. Outro

aspecto a destacar é que não é condição existir conflitos para que seja instalada a

negociação coletiva. Ora, a negociação coletiva é sempre chamada quando os

conflitos já estão instalados e muitas vezes cristalizados, dando espaço à greve.

Porque não antes? Mesmo porque os conteúdos da negociação coletiva são amplos

e possíveis de serem tratados permanentemente e livres sobre todos os interesses

que envolvam trabalhadores e empregadores, e até mesmo temas que

necessariamente não são permeados de conflitos.

De acordo com Martins (14) o direito de negociar livremente constitui

elemento essencial da liberdade sindical, não podendo sofrer restrições pelas

autoridades públicas. Não se deve exigir a dependência de homologação pela

autoridade pública, pois a negociação concretizada representa lei entre as partes. A

negociação deve ser feita não só pelos sindicatos, como também pelas federações e

confederações, ou ainda, por entidades sindicais registradas ou não registradas.

Para o autor, a negociação coletiva do trabalho tem funções jurídicas e não jurídicas,

a saber:

I - jurídicas: a) normativa, criando normas aplicáveis às relações individuais do trabalho, até mesmo para pior, como nas crises econômicas. São estabelecidas regras diversas das previstas em lei. Atua a negociação coletiva no espaço em branco deixado pela lei; b) obrigacional, determinando obrigações e direitos para as partes, como, por exemplo, penalidade pelo descumprimento de suas clausulas; c) compositiva, como forma de superação dos conflitos entre as partes, em virtude dos interesses antagônicos delas, visando ao equilíbrio e à paz social entre o capital e o trabalho, mediante um instrumento negociado; II – políticas, de incentivar o diálogo, devendo as partes resolver suas divergências entre si; III – econômicas; de distribuição de riqueza.

Dentre as funções da negociação, Cavalcante (17) afirma que,

inegavelmente, a principal função é a normativa, assim entendida a criação de

normas que serão aplicadas no âmbito da sua esfera de aplicação. Entretanto, alerta

Aguiar (7) que, em outras palavras, a negociação em particular, seu conteúdo, ou

seja, a sua significação mais profunda, não pode ser compreendida apenas como

função regulamentar dos sindicatos para celebração de convenções e acordos

29

coletivos de trabalho. Ela é muito mais do que isso - em tamanho e importância,

conclui o referido autor.

Dentre os institutos do direito coletivo do trabalho, o contrato coletivo devido

as suas características, é aquele que mais se aproxima da ideia da Mesa Nacional

de Negociação, do ponto de vista da sua concepção teórica.

Na lição de Martins (14) conceituando o instituto do contrato coletivo:

O Contrato Coletivo seria o negócio jurídico de caráter normativo e natureza coletiva, de modo a regulamentar, criar ou estipular condições de trabalho. O contrato coletivo irá regulamentar temporariamente o conflitos coletivo entre as partes, sob a forma de resolução pacífica do conflito pelas próprias pessoas interessadas, mas não deixa de ser um instrumento destinado a auto-organizar a autonomia coletiva sindical. É uma fonte do direito do trabalho, pois nele são criadas normas e condições de trabalho aplicáveis ao contrato de trabalho.

Para Martins, havendo os três termos diferentes, concluir-se que são três

institutos distintos, embora um deles possa ter um nível maior de hierarquia que os

demais ou uma abrangência para todo o território nacional. Assim, o contrato

coletivo não se confunde com a convenção e o acordo coletivo, possuindo cada um,

conceitos distintos, fazendo uma distinção do Contrato Coletivo dos demais ao

asseverar que:

É a negociação de âmbito nacional ou interprofissional, que daria regras básicas para os demais pactos coletivos, ou uma forma de rompimento com o sistema corporativo para se adotar um novo regime sindical, prestigiando a autonomia privada coletiva, porém sendo necessária a mudança, inclusive, da Constituição. O Contrato Coletivo iria substituir a lei, que prevaleceria apenas em questões de ordem pública ou de natureza constitucional. Estariam ligados aos mecanismos de autocomposição, que prevaleceriam sobre os de tutela, na solução dos conflitos coletivos de trabalho, ou que seria uma forma de contratação de âmbito nacional, que iria passando aos níveis inferiores visando à solução das controvérsias coletivas de trabalho.

Na definição de Bobbio (18: 269), o Contrato Coletivo:

É um processo mediante o qual, em grande parte dos paises industrializados do Ocidente, são ajustadas de comum acordo as condições de emprego da força de trabalho. Os atores desta regulação conjunta (Flanders, 1968) são os empregadores, individualmente ou através das suas associações. Pressupõe o reconhecimento dos sindicatos por parte das empresas: quanto maior for o reconhecimento e aceitação, tanto mais intensa (em termos de quantidade) e extensão (em termos de áreas e matérias abrangidas pelo acordo e de número de trabalhadores envolvidos) será a atividade contratual. O Contrato Coletivo lembrou recentemente Pizzorno, de acordo com o pensamento de Flanders, se caracteriza, portanto, como um “processo

30

normativo mediante o qual os sindicatos juntamente com a direção, agem de modo semelhante ao de um Governo Privado.”

De acordo com as normas da OIT (15), o Contrato Coletivo é todo acordo

escrito relativo às condições de trabalho e de emprego, celebrado entre um

empregador, um grupo de empregadores ou uma ou varias organizações de

empregadores, de um lado, e, do outro, uma ou várias organizações representativas

de trabalhadores, ou, na falta dessas organizações, representantes dos

trabalhadores interessados, por eles devidamente eleitos e credenciados, de acordo

com a legislação nacional.

Para Martins (14), o fundamento da validade da Negociação Coletiva é a lei

estatal ou então a tolerância do Estado. O inciso XXVI do art. 7º da CF/88 reconhece

as convenções ou acordos coletivos, sendo reconhecido o conteúdo dessas normas.

Para o autor, a negociação coletiva só não terá validade se for expressamente

proibida pela legislação estatal.

Assevera, no entanto, esse autor que o contrato coletivo não é

inconstitucional, apesar de não ser reconhecido no inciso XXVI do art. 7º da

Constituição. Nem o poderia ser, pois à época da Constituinte não se cogitava de

contrato coletivo. Na esfera privada, aquilo que não é proibido é permitido. Assim, é

possível que a legislação ordinária ou as próprias partes tratem do contrato coletivo

com a finalidade de discutir todos os aspectos da relação de trabalho, sendo uma

forma de contratação em âmbito nacional, que iria passando aos níveis inferiores

visando à solução das controvérsias coletivas de trabalho.

Apesar de estar previsto no direito brasileiro, a conceituação do contrato

coletivo de trabalho ainda tem gerado muita controvérsia em razão de sua

imprecisão conceitual, chegando ao ponto de ser caracterizado pela doutrina como

um corpo sem rosto, afirma Nascimento (12). Segundo o autor, o contrato coletivo

de trabalho foi tratado expressamente por força da Lei 8.542, de 1992, entretanto foi

revogado através da Medida Provisória 1.675-42, de 25 de setembro de 1998.

Essas indefinições conceituais levam a conclusão que o contrato coletivo de trabalho

é uma figura que ainda precisa ser definida institucionalmente.

Face essa situação, segundo esse autor surgiram três concepções

doutrinárias:

31

Primeira, a negativista, contrato coletivo de trabalho como figura já existente, confundindo-se com convenção coletiva e acordo coletivo de trabalho, perante as quais seria o nome genérico de ambas ou se confundiria com uma das duas. Não é assim, todavia. Se a lei criou, ao lado da convenção coletiva e do acordo coletivo, outra figura, é o bastante para que se possa concluir que esta não se confunde com aquelas. Segunda, contrato coletivo como mais um nível de negociação coletiva além dos dois existentes e com os quais não se confundo. Como estes são os níveis de empresa e de categoria, o contrato coletivo teria nível acima das categorias, podendo abranger mais de um setor econômico profissional, caso em que estariam legitimadas para negociar, diretamente, as Centrais, as Confederações e as Federações, desde que credenciadas pelos sindicatos que às mesmas se filiares. Terceira, a mais ampla, contrato coletivo como reforma do modelo de relações de trabalho, superação do corporativismo compreendido como a estabilização do ordenamento, para a autonomia privada coletiva, com maior espaço para a iniciativa direta dos interlocutores sociais.

Essa idéia reformista, preconizada por algumas correntes sindicais que,

motivadas com a criação, por lei, do contrato coletivo, pelo mesmo entendem uma

superação do corporativismo e a valorização da autonomia coletiva, com maior

espaço para a atuação direta dos interlocutores sociais, inclusive quanto à

organização sindical. O contrato coletivo de trabalho, nessa perspectiva, é um

motivo para rediscussão e reelaboração de conceitos e dos institutos tradicionais,

com os quais pretende romper, possibilitando espontaneamente, a ação direta dos

próprios interessados na construção de novas bases para o modelo de relações de

trabalho no nosso país, como reflexo da Resolução n. 163 da Organização

Internacional do Trabalho, que recomenda a prática da negociação coletiva em

todos os níveis, legitimada para todos os sujeitos coletivos, e não, como em nossa

lei, com as restrições que impõe, quer em razão dos sujeitos como dos níveis de

contratação, assevera Nascimento (19).

Pela sistemática atual, a negociação coletiva se dá praticamente nas bases

pelos sindicatos, por meios de acordos e convenções coletivas atuais, mas há

também a negociação coletiva nacional envolvendo algumas categorias

nacionalmente organizadas através de sindicatos nacionais de trabalhadores e

federações de empregadores. A partir da adoção do Contrato Coletivo se abriria a

possibilidade de se desenvolver também pela esfera superior negocial, que

desenvolveriam uma negociação mais geral inclusive de âmbito nacional.

A negociação do contrato coletivo seria feita entre entidades representativas

de grau superior, como as federações, as confederações e até mesmo as centrais

sindicais. Os níveis de negociação poderiam ser intersetoriais, mas em âmbito

32

nacional, porém específicos para determinado setor, estaduais, regionais,

municipais, distritais, por regiões dentro do município, articulados, em que seriam

estabelecidas garantias gerais em âmbito nacional, descendo a detalhes nos níveis

inferiores, conclui Martins (14).

A tese do contrato coletivo de trabalho inspirou a concepção da Mesa

Nacional de Negociação do SUS e todas as outras experiências de negociação

ocorridas no setor público. Na Saúde, esse processo de negociação previu a

possibilidade de articular as Mesas estaduais e municipais. A Mesa Nacional cumpre

um papel de negociação das questões gerais, consideradas como diretrizes e

idealizada como espaço de negociação para funcionar articulado com as instâncias

inferiores do sistema.

Esse modelo adotado pela Itália foi idealizado aqui no Brasil no sentido de

preservar a autonomia dos entes federativos em regular privativamente aspecto das

relações de trabalho em seus respectivos âmbitos e ser mais adequado face á forma

organizativa do SUS. Como naquele país o contrato coletivo não se sustentou a

partir de uma legislação, pensou-se que a sua implementação aqui pudesse superar

essas dificuldades de ordem legal, pelo menos é isso que evidenciam as

experiências analisadas.

Em fim, o momento que se estabelece o fracasso da negociação é chamado o

poder normativo da Justiça para mediar e arbitrar. Trazemos o conceito formulado

por Nascimento (19), definindo o significado do Dissídio Coletivo:

É um processo judicial de solução dos conflitos coletivos econômicos e jurídicos, que no Brasil ganhou máxima expressão como importante mecanismo de criação de normas e condições de trabalho por meio dos Tribunais Trabalhistas, que proferem sentenças denominadas normativas quando as partes que não se compuserem na negociação coletiva acionam a jurisdição.

Nesse momento o conflito já estar completamente instalado e a greve já

atingiu toda a sociedade. No caso de ser frustrada a negociação coletiva, a Lei prevê

o ingresso do dissídio coletivo, as partes podem eleger árbitros. Ainda persistindo a

divergência, e recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, a

Constituição Federal assegura às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio

coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir sobre o

conflito.

33

As tratativas de negociação devem ser exauridas antes do ajuizamento do

dissídio. Machado (9) assevera que o esgotamento das negociações coletivas é

medida que se impõe. As partes, de forma autônoma, devem procurar os meios de

discussão direta. As medidas prévias não devem retratar apenas formalidade a

serem observadas pelas partes, mas sim demonstrara que houve, efetivamente,

tentativa de negociação com o instrumento do dialogo tendente a conciliação.

A negociação coletiva é pressuposto objetivo da ação coletiva trabalhista para

a solução de dissídio coletivo de natureza econômica. Pela sistemática jurídica

adotada pelo país, para ajuizamento da ação coletiva, exige-se a prova da efetiva

tentativa prévia de negociação, ou da sua recusa, ou da sua impossibilidade.

OS CONFLITOS DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

Sempre que uma reivindicação do trabalhador é resistida pelo empregador

perante o qual é apresentada, dá-se um conflito de trabalho, diz Nascimento (19).

Quando esse processo alcança um grupo de trabalhadores e um ou vários

empregadores e se refere a interesses gerais do grupo, ainda que possa surgir de

questões sobre os contratos individuais de trabalho, são denominados de conflitos

coletivos. Na etimologia da palavra, significa combater, lutar, sempre expressando

antagonismo, inconformismo. Utiliza-se, também, a expressão controvérsias das

relações de trabalho para tratar do mesmo sentido.

Os conflitos precisam ser explicitados e tratados, principalmente quando

advindos da relação de trabalho entre Estado e seus trabalhadores. Assim, o acesso

às formas estruturadas de tratamento de conflitos é recomendado pela OIT e é vital

para as relações de trabalho, quer no setor público, quer privado, principalmente

quando as relações se dão em áreas mais sensíveis da sociedade.

Quando não tratados adequadamente os conflitos se transformam em

confronto entre as partes, dando margem as constantes e intermináveis greves, às

vezes explicitadas de forma violenta. Esses confrontos nas áreas da educação,

justiça, saúde, segurança pública, por exemplo, trazem graves conseqüências para

a população. Assim, o conflito é inerente ao próprio trabalho e o seu tratamento é de

interesse público.

34

Considerando o desenvolvimento das teorias sobre tratamentos de conflitos

na relação de trabalho, Bobbio (18) define que o conflito é uma forma de interações

entre indivíduos, grupos, organizações e coletividade que implica em choques para o

acesso e a distribuição de recursos escassos.

Bobbio analisa as três correntes de pensamento:

A primeira relaciona nomes como Comte, Durkheim, Parsons e outros que consideram todo Conflito como uma perturbação; mas não é somente isso já que o equilíbrio é uma relação harmônica entre vários componentes da sociedade constituem o estado normal, as causas do conflito são meta-sociais, isto é, devem ser encontradas fora da própria sociedade, e o Conflito é um mal que deve ser reprimido e eliminado. Para essa corrente doutrinária, o Conflito é uma patologia social. Em posição oposta, enfileiram-se pensadores como Marx, John Stuart Mill, Dahrendorf, dentre outros, que compreendem qualquer grupo ou sistema social como constantemente marcados por conflitos porque em nenhuma sociedade a harmonia ou o equilíbrio foram normais. Antes, são exatamente a desarmonia e o desequilíbrio que constituem a norma e isto é um bem para a sociedade. Através dos conflitos surgem as mudanças e se realizam os melhoramentos. Conflito é vitalidade. Há, porém, aqueles que ficam numa posição intermediária que aderem, numa forma ou noutra, à metodologia funcionalista, considerando os conflitos como o produto sistemático das estruturas sociais, aquilo que traz mal-estar para o funcionamento de um sistema, isto é em síntese, uma disfunção.

Adotando um posicionamento alinhado com os pensadores que vêem

vitalidade nos conflitos, Braga (16) faz uma análise sobre as causas comuns da alta

rotatividade, o absenteísmo, a indisciplina, caracterizando-os como formas, apesar

de ambivalentes, e por vezes tratadas como desmotivação de existência de conflito

individual ou não organizado.

Braga (16) discorre assim sobre a teoria dos conflitos:

Reconhecer o conflito como uma particularidade das interações nas relações do trabalho significa não considerá-lo uma disfunção, uma patologia que deva ser reprimida e eliminada; e sim, considera-lo como fator qualitativamente bom, pois é também através dele que surgem as mudanças e as melhorias do processo produtivo. Equivale a afirmar que o conflito, portanto, não é uma patologia, é vitalidade. Nas relações de trabalho, os conflitos, apesar de latentes, não são necessariamente manifestos e, se manifestos, não se desenvolverão necessariamente abertamente. Para que haja a manifestação aberta de um conflito é necessária alguma forma de organização, como, por exemplo, as greves e manifestações dos trabalhadores. No campo das relações de trabalho, podemos distinguir entre conflitos organizados e não organizados, individuais. Os primeiros não esgotam todas as manifestações conflituais do trabalho. A alta rotatividade, o absenteísmo, a indisciplina, são formas, apesar de

35

ambivalentes (e por vezes tratadas como desmotivação), de conflito individual ou não-organizado. Pesquisas assim o demonstram: em locais onde líderes sindicais mais combativos foram demitidos ou demitiram, registrou-se uma diminuição de greves, mas também um aumento do absenteísmo, da rotatividade e até de acidentes.

A importância de distinguirmos os conflitos em organizados e não-organizados reside no fato de que os primeiros traduzem a insatisfação em objetivos reivindicais e negociáveis, permitindo, portanto, sua composição. Os conflitos não-organizados, por sua vez, não desembocam necessariamente em reivindicações.

Para a Administração Pública, voltada quase exclusivamente para a prestação de serviços a partir do trabalho dos funcionários públicos, essa característica conflituosa das relações de trabalho assume maior importância, pois é claro que os conflitos interferem diretamente na qualidade do serviço prestado.

Admite-se que um conflito é disfuncional quando impede que a organização

alcance suas metas e diminui o desempenho de seus membros. Nesse tipo de

conflito, quando se alcançam determinado níveis, é produzida uma série de

conseqüências negativas para as organizações, causando estranhamento e levando

o ambiente até ponto no qual ir trabalhar pode-se transformar em um suplício diário.

Se perdurar muito tempo, a hostilidade inicial pode degenerar em violência, afirma

Dolan (20). Tem sido comum entre os movimentos paredistas, principalmente na

esfera pública, descambarem para a violência com conseqüências imprevisíveis.

Nas lições de Nascimento (19), conflitos trabalhistas são denominados

aqueles que surgem entre os trabalhadores e os empregadores, nascem em um

conjunto de circunstancias fáticas, econômicas e outras, como a insatisfação com a

própria condição pessoal, social e profissional. O conflito não é apenas a

insatisfação com as condições de trabalho, mas também, a exteriorização dessa

insatisfação, expressada como ruptura com o modelo jurídico, pondo em crise a

relação de trabalho.

Para esse autor, o equilíbrio do sistema político pode ser prejudicado quando

os conflitos sociais assumem proporções maiores e passam a afetar a sociedade.

Podem, quando tal ocorre, trazer instabilidade política. Não é do interesse da

sociedade a luta permanente entre as classes sociais. A negociação coletiva é um

instrumento de estabilidade nas relações entre os trabalhadores e empregadores; a

sua utilização passa a ter um sentido que ultrapassa a esfera restrita das partes

interessadas, para interessar à sociedade política.

Ainda segundo as lições de Nascimento (21), o grande tronco dos conflitos

coletivos trabalhistas abre-se em dois galhos: os conflitos nos quais os

36

trabalhadores reivindicam novas condições de trabalho e os conflitos em que a

discussão gira em torno de normas sobre condições de trabalho já existentes,

classificando-os da seguinte maneira:

Conflitos econômicos quando têm por fim a criação de novas normas de trabalho, especialmente melhores condições salariais. Assim, quando o grupo de trabalhadores inicia um movimento de reivindicações, pretendendo maiores vantagens para os contratos individuais de trabalho, e o fazem em conjunto, unidos como em torno de um interesse comum, o conflito é econômico. A sua caracterização essencial é de ordem teleológica. Visa criar novos direitos trabalhistas para um grupo. Os conflitos coletivos jurídicos têm por objeto a aplicação ou interpretação de norma jurídica. Portanto, diferem dos econômicos porque a divergência está em torno de direito positivo já elaborado, o que não ocorre nos econômicos, nos quais a divergência reside no interesse em elaborar o direito. Assim, quando controvertem os trabalhadores com os empregadores sobre o sentido de uma convenção coletiva de trabalho, sobre a correta ou incorreta aplicação de um regulamento de empresa ou de uma lei, o conflito é jurídico. Essa é a doutrina predominante.

Ressalte-se que há aqueles que admitem a impossibilidade de supressão ou

resolução plena dos conflitos, conforme explica Bobbio (18):

O processo ou a tentativa de mais freqüente é do proceder à regulamentação dos Conflitos, isto é, à formulação de regras aceitas pelos participantes que estabelecem determinados limites aos Conflitos. A tentativa consiste não por fim aos Conflitos, mas em regulamentar suas formas de modo que suas manifestações sejam menos destrutíveis para todos os atores envolvidos. Ao mesmo tempo a regulamentação dos Conflitos deve garantir o respeito das conquistas alcançadas por alguns atores e a possibilidade para os outros atores de entrar novamente em Conflito. O ponto crucial é que as regras devem ser aceitas por todos os participantes e, se mudadas, devem ser mudadas por recíproco acordo. Quando um Conflito se desenvolve segundo regras aceitas, sancionadas e observadas, há sua institucionalização.

Isso vem a demonstrar porque os conflitos trabalhistas não podem ser

eliminados autoritariamente, necessitando que os mesmos sejam canalizados e

tratados adequadamente, sob pena de persistirem ao longo do tempo, interferindo

na qualidade dos serviços à população. A instituição da Mesa de Negociação não

visou a extinção dos conflitos das relações de trabalho no setor, mas uma forma de

tratá-lo adequadamente, de institucionalizá-lo.

Há, contudo, dentre aqueles que extraem da idéia do conflito das relações de

trabalho novos conteúdos, relativizando a cultura existente de contenda entre os

protagonistas da negociação coletiva, conforme reflexão de Aguiar (7):

37

Mas a ideia do conflito? Ela existe e sempre existirá, porém urge coloca-la dentro do seu devido contexto programático e dogmático no corpo do processo negocial, ou seja, reservá-la a situações extremes, de acordo com o complexo de dificuldades apresentado na composição do tecido relacional e dentro do espaço e tempo que uma situação específica se encontra e não veiculá-la a uma visão maniqueísta conceitual - contemplada com preceitos ideológicos nem sempre atuais.

E continua o autor, indagando: Como imaginar a possibilidade de uma

negociação em ambiente tão hostil, não se admitindo sequer uma confluência de

idéias ou interesses preexistentes?

A ideia de se estabelecer um processo permanente de negociação trazida

pela Mesa Nacional de Negociação é completamente inovadora nesse aspecto. O

modelo tradicional de negociação do trabalho existente no setor privado sempre foi

calcado em datas bases e marcado por reivindicações de natureza econômica. A

negociação permanente é um mecanismo que propõe a ruptura dessa cultura e se

estabelece como mecanismo de antecipação da instalação de conflitos criando um

ambiente em que torna possível uma convivência entre as partes da negociação.

Se a negociação coletiva visa a valorização da força de trabalho e a paz

social, pode ser compreendida no contexto de uma política mais ampla de

democratização das relações de trabalho. Uma forma eficaz para buscar o equilíbrio

entre os atores da relação de trabalho e o seu contexto social, através da

valorização do trabalhado e suas organizações representativas sindicais. A

negociação coletiva do trabalho pode ser entendida como uma necessária política

permanente de Estado.

Para Braga Junior (16), partindo da premissa que os atuais instrumentos

disponíveis na administração pública para atuar sobre o conflito tende a agravar na

medida em que os cidadãos tornam-se mais conscientes de seus direitos e,

portanto, mais exigentes. Assim, ele entende que:

A negociação coletiva é instrumento de ação para intervir no campo da resolução de conflitos. Conflitos não administrados contribuem para a ineficiência, baixa produtividade e má qualidade dos serviços. Juntos, esses sintomas provocam a frustração de servidores e a insatisfação de usuários. Os conflitos decorrentes das expectativas dos clientes, dos interesses dos prestadores de serviços e das capacidades dos gestores são inevitáveis: os usuários desejam acesso aos servidos de forma permanente, com facilidades e amenidades no trato; que os trabalhadores do serviço de saúde, preferencialmente na forma de equipes multiprofissionais, os atendam com responsabilidade e que os procedimentos sejam realizados com eficácia e qualidade. E que tudo isso não lhes custe dinheiro no ato do atendimento ou qualquer outro momento. Por sua vez, os trabalhadores dos serviços de saúde, com

38

todo direito, desejam trabalhar em jornadas agradáveis, cumpridas de acordo com suas próprias preferências, em condições confortáveis e tecnicamente seguras; receber remunerações adequada e crescente, com estabilidade, segurança e com garantia de carreia e satisfação profissional.

Mas, se há um entendimento da importância do acesso de tratamento de

conflitos porque houve tanta resistência no seio da administração pública quanto à

implantação da negociação coletiva e ao exercício do direito de greve?

A questão da negativa do direito à negociação na administração pública e a

resistência na regulamentação do direito de greve, pode revelar um pressuposto da

existência de resquício de autoritarismo ainda presente no Estado brasileiro.

Esta questão remete todo tempo à luta por mudanças efetivas no sentido da

democratização do sistema das relações de trabalho no país, o que contempla não

apenas as instituições formais e legais da representação, mas também todo um

complexo de práticas, regras, costumes e valores que instruem e orientam as

relações pessoais e a regulação social do trabalho onde ele se realiza, conforme

Costa (22).

Quando não há uma legislação que discipline os direitos, deveres e

responsabilidades do processo de negociação, a decisão de negociar fica na esfera

da discricionariedade do empregador público. É possível que os resquícios

autoritários que a autora aborda com muita propriedade tenham sua fonte no modelo

de regulação do trabalho adotado no Brasil, tendo como causa a própria origem e a

natureza do estado brasileiro em suas diversas conformatação histórica.

Interessante a análise que Dedecca (6) faz do processo de regulação pública

sobre o contrato de trabalho, e conceitos sobre o modelo adotado pelo Brasil

comparativamente com os paises europeus e norte americano. Afirma esse autor

que a experiência brasileira de regulação do contrato de trabalho transitou de um

regime de natureza despótico para outro de natureza despótico-hegemônico,

afastando-se de países democráticos que adotaram um modelo hegemônico de

regulação do trabalho. Despótica porque expressa uma situação autoritária de clara

desigualdade na relação capital-trabalho conformando uma assimetria. E

hegemônica porque o regime estabelecido se dá através das instituições e dos

mecanismos do regime democrático.

Vale a pena ressaltar que a greve no Brasil já foi considerada recurso nocivo

à produção e antissocial, a exemplo do locaute, portanto, proibida, e a organização

39

sindical foi direcionada no sentido do assistencialismo, com funções assistenciais

atribuídas aos sindicatos, desviando-se, assim da sua principal atribuição – a

negociação coletiva com liberdade sindical, afirma Aguiar (7). É injustificável, por

exemplo, que o direito de greve no serviço público esteja à espera de

regulamentação desde a promulgação da constituição em 1988.

A partir de 2003, o governo brasileiro resolveu adotar a política de

democratização das relações de trabalho no Brasil, uma vez que ainda estão

subjacentes elementos arbitrários que permeiam as relações de trabalho nesse

setor. De maneira geral, a iniciativa de governo propondo a Reforma Sindical e a

implantação de Mesas de Negociação do Trabalho no setor público e o

fortalecimento da Mesa de negociação no SUS, além da ratificação da Convenção

151 e a Recomendação 159 da OIT, são evidências dessa política.

Mas o que vem a ser essa política? Trata-se de algo efêmero ou permanente?

Tais medidas podem ser configuradas como uma política de governo ou de estado?

Nesse sentido, Dworkin (23) denomina política aquele tipo de padrão que

estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto

econômico, político ou social da comunidade.

Para Bobbio (18), é considerada como política os atos como o de ordenar ou

proibir alguma coisa com efeitos vinculadores para todos os membros de um

determinado grupo social, o exercício de um domínio exclusivo sobre determinado

território.

Labra (24) define política como uma atividade mediante a qual as pessoas

fazem, preservam e corrigem as regras gerais sob as quais vivem.

Assim, a política de democratização das relações de trabalho no âmbito do

serviço público tem como objetivo precípuo remover, eliminar esse resquício de

autoritarismo, e estabelecer um novo padrão das relações de trabalho no setor, em

todas as esferas de governo, promovendo as mudanças institucionais necessárias

para democratizar as relações de trabalho do Estado com os seus trabalhadores.

E é nesse novo contexto social e político, e, ainda, cientes da importância

estratégica do tema do desenvolvimento dos recursos humanos no processo de

desenvolvimento e consolidação da democracia em nosso país, que foi concebida,

em 2003, a Política Nacional de Recursos Humanos da Administração Pública

Federal, com vistas à adoção de novas práticas de interlocução e participação e

consequente fortalecimento do quadro de pessoal da Administração Pública, em

40

contexto da consolidação da democratização das relações de trabalho entre os

servidores público e o Estado (8).

A democratização das relações de trabalho é política que rompe a relação

tradicionalmente autoritária e unilateral entre a Administração Pública e seus

servidores, concebendo as relações de trabalho de forma horizontal, incorporando o

servidor público como entre fundamental, e, portanto, tanto digno, quanto

responsável por suas funções e pelos serviços prestados à sociedade, afirma

Ferreira (8).

Nesse aspecto, a Negociação Coletiva do Trabalho é considerada como um

verdadeiro instituto da democracia, porque expressa a liberdade sindical; é

instrumento de pacificação de conflitos coletivos de trabalho e permite a participação

dos trabalhadores na definição de normas de trabalho sendo reconhecida,

contemplando os mecanismos de autocomposição para a solução dos conflitos.

Assim, a negociação coletiva, a convenção coletiva, a greve, a mediação e a

arbitragem compõem o sistema das relações democráticas de trabalho.

Em síntese, a negociação coletiva tem importância medular não só no

moderno Direito Coletivo do Trabalho, como também na relação que se estabelece

entre os agentes sociais – empregadores e empregados, constituindo espaço de

transação visando ao equilibro de forças e à harmonia social, afirma Stoll (13).

41

OS ASPECTOS JURÍDICOS E LEGAIS DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA E DA GREVE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O direito à Negociação Coletiva e de Greve no setor público ainda é bastante

controvertido entre nós. Outras sociedades democráticas europeias e latino-

americanas já superaram as suas divergências e alcançaram um patamar elevado

para as relações de trabalho na Administração Pública. Correntes de pensamento se

opõem e contrapõem ao longo de muitos anos; tanto no terreno do reconhecimento

desses direitos quanto ao seu exercício efetivamente.

Vê-se que essas divergências se evidenciam, inclusive, quanto ao exercício

do direito de greve. Já assegurado pela Constituição desde 1988, a falta de

regulamentação legal perdura até os dias de hoje, dando margem a várias

interpretações judiciais, muitas de ordem restritivas, culminando com decisão

recente pela admissibilidade da lei de greve aplicável ao setor privado, até que a

regulamentação específica seja editada para a Administração Pública.

Na assertiva de Stoll (13):

[...] a doutrina do Direito Público atinente ao Estado Moderno permeia a teoria que não admite a negociação coletiva em relação aos servidores públicos, tendo em vista que, segundo ela, a relação jurídica que a Administração Pública tem com os seus empregados constitui-se numa relação de poder baseada na unilateralidade concentrada na vontade do Estado no que diz respeito às condições de trabalho impostas aos funcionários públicos lato sensu. Nada obstante, a doutrina tem admitido uma nova feição do Estado, fruto da nova ordem social e democrática, conforme se verifica mais amplamente nos países avançados, pelo que, novos contornos se estabelecem igualmente quanto à concepção das relações jurídicas que se formam entre o Estado e o servidor público, dado que os fatos sociais são sempre a origem e o impulso do ordenamento jurídico vigente.

Nesse sentido, tem-se observado que, ao longo do tempo, a tese que impõe

restrição ao direito à negociação no setor público vem sofrendo um arrefecimento,

contudo, ainda mostra vigor. Ao admitir a aplicabilidade da lei de greve do setor

privado, os conflitos advindos da relação de trabalho entre o Estado e seus

trabalhadores, passam a reger-se por tais disposições, mesmo considerada por

alguns serem inadequadas para essa finalidade. A norma jurídica contém uma série

42

de dispositivos que regulam o exercício de greve e consequentemente da

negociação do trabalho com o escopo de disciplinar essas questões nesse campo.

Para os que se alinham doutrinariamente à tese contrária à negociação

coletiva na Administração Pública, argumentam que a Constituição não expressou

literalmente esse direito ao conjunto dos trabalhadores públicos conforme omissão

no rol dos direitos sociais e trabalhistas previstos art. 37 da Constituição Federal.

Esse seria o principal óbice para o reconhecimento da negociação coletiva do

trabalho no setor público, associada a outras limitações de ordem legal. Observa-se

que essa tese tem sido proeminente dentre os membros dos Tribunais Superiores,

ou seja, o Tribunal Superior do Trabalho (TST); Superior Tribunal de Justiça (STJ) e

o Supremo Tribunal Federal (STF), como se verifica a seguir.

Segundo ainda essa corrente de pensamento, outras dificuldades

apresentadas estariam localizadas na competência privativa do chefe do executivo

da iniciativa legislativa que disponha sobre direitos e situação funcional dos

trabalhadores no setor público. A reserva legal, isto é, matérias que exigem lei em

sentido formal e as limitações constitucionais para o estabelecimento de despesas

com pessoal, em lei orçamentária e a lei de diretrizes orçamentárias, são

apresentadas como limitações insuperáveis para aqueles que negam a negociação

coletiva no setor público.

A reserva legal destinada a promover alterações nas remunerações dos

trabalhadores com a aprovação pelo Legislativo em todas as esferas de poder,

assim como a iniciativa privativa do chefe do executivo para promover essas

medidas, seriam os grandes óbices para o exercício desses direitos no setor público.

Associados a outros princípios que regem a Administração Pública, tais como o da

legalidade, da continuidade dos serviços públicos e da supremacia do interesse

público, incompatíveis, segundo esse pensamento, com a autonomia necessária do

regime de negociação coletiva do trabalho.

Agasalhando a tese contrária a negociação no setor público, a Procuradoria

Geral de República ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade 492/DF, em

12/11/92, argumentando junto ao Poder Judiciário que a Lei que instituiu o regime

jurídico único dos servidores civis violou a Constituição Federal. Julgada procedente

pelo Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucionais as alíneas D e E do art.

240 do Regime Jurídico Único dos Servidores Civis da União (Lei 8.112/90) que

instituía a negociação coletiva dos servidores públicos frente à Justiça do Trabalho.

43

Ressalte-se que anteriormente, o Chefe do Executivo Federal – Presidente

Collor de Melo, já havia vetados os dois citados dispositivos da lei, sendo

posteriormente derrubados pelo Congresso Nacional. Entretanto, em 1997 com a

edição da Lei 9.527, tais dispositivos foram revogados e, retirados definitivamente do

ordenamento jurídico.

Houve algumas iniciativas legislativas em âmbitos estaduais e municipais de

instituir formalmente o processo de negociação no setor público, todas sem êxito. O

STF fulminou de inconstitucionalidade através do julgamento da ADI 554/MT, de

15/02/2006, o art. 272 §2º da Lei Complementar 4 de 15/10/90, do Estado do Mato

Grosso que pretendia instituir em seu âmbito a negociação coletiva no setor público.

A Corte Superior firmou entendimento que:

[...] a celebração de convenções e acordos coletivos de trabalho consubstancia direito reservado exclusivamente aos trabalhadores da iniciativa privada. A negociação coletiva demanda a existência de partes formalmente detentoras de ampla autonomia negocial, o que não se realiza no plano da relação estatutária.

Vale destacar alguns textos legais inseridos em Constituições Estaduais e

Leis Orgânicas Municipais dispondo em relação ao direito à negociação em suas

respectivas esferas de poder.

Na Bahia, situação interessante prevista na Constituição do Estado que

assegura expressamente como direito dos servidores públicos civis estaduais o

reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 41, inc. XVI).

Ademais, em seu art. 45, dispõe literalmente que haverá uma instância colegiada

administrativa para dirimir controvérsias entre o Estado e seus trabalhadores,

garantida a paridade na sua composição.

Outro exemplo é a Lei Orgânica do Município de São Paulo (LOM),

promulgada em 6/4/90. Pelas disposições do artigo 96, inc. XXVI desta Norma foi

acolhido de forma expressa, o direito à negociação coletiva dos servidores civis

municipais, assegurando o reconhecimento das convenções e acordos coletivos do

trabalho.

Em razão de interpretações do STF, que na condição de guardião da

Constituição ao julgar e decidir sobre a matéria, vincula a posição da Administração

Pública nas diferentes esferas de governo e os demais órgãos do Poder Judiciário,

tais regras tornaram-se sem eficácia no mundo jurídico, isto é, letras mortas da lei.

44

Considerando o princípio da supremacia da Constituição Federal em relação a todas

as outras normas jurídicas e atos normativos administrativos.

Esposada na tese da independência entre os poderes da república e a

reserva legal da iniciativa de leis que tratem de reajustes de vencimentos, a restrição

jurídica ao direito à negociação coletiva do trabalho aos trabalhadores do serviço

público avançou com a edição da Súmula 679, de 24/09/1993, do Supremo Tribunal

Federal ao decidir: “Servidor Público. Convenção Coletiva. Salário. A fixação de

vencimentos dos servidores públicos não pode ser objeto de convenção coletiva.”

Na mesma esteira de pensamento do STF, o Tribunal Superior do Trabalho

(TST), através da sua seção de dissídios coletivos, aprovou a Orientação

Jurisprudencial n. 05, firmando o entendimento da impossibilidade jurídica de

ingresso de dissídio coletivo contra a pessoa jurídica de direito público interno por

falta de amparo legal, no entender desse Órgão judicial:

Aos servidores públicos não foi assegurado o direito ao reconhecimento de acordos e convenções coletivas de trabalho, pelo que, por conseguinte, também não lhes é facultada a via do dissídio coletivo, à falta de amparo legal. Instaurado o dissídio coletivo, a Justiça do Trabalho a partir do exercício do seu poder normativo, os Tribunais do Trabalho solucionam os conflitos coletivo proferindo sentenças normativas, via das vezes, resolvendo o conflito.

Com a Reforma do Judiciário, foi promulgada a Emenda Constitucional

45/2004 com as modificações ao texto do art. 114, inciso I. O Legislador Constituinte

derivado assegurou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar

as ações oriundas da relação de trabalho abrangidas os entes de direito público

externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios.

Entretanto, a despeito da clareza literal dos dispositivos da Constituição, a

Associação de Juizes Federais questionou no Supremo Tribunal Federal a

inconstitucionalidade do referido artigo. A Adin- Ação Direta de Inconstitucionalidade

n. 3395/2005, no julgamento o STF decidiu:

Suspendeu toda e qualquer interpretação dada ao referido artigo que inclua na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo,

45

Com esse entendimento o STF, a negociação coletiva no setor público ao

longo desses anos passou a ser entendida como algo ilegal, inexistente, tratada,

quase sempre com inércia e descaso pelo empregador público. Ressalte-se que não

obstante tal comportamento, não se conseguiu conter o seu exercício de negociação

pelas organizações sindicais.

No mesmo sentido, em julgamento de matéria análoga, na Adin 559, de 05 de

maio de 2006, assim entendeu o STF:

Celebração de convenções e acordos coletivos de trabalho constitui direito reservado exclusivamente aos trabalhadores da iniciativa privada. - A negociação coletiva demanda a existência de partes detentoras de ampla autonomia negocial, o que não se realiza no plano da relação estatutária. A Administração Pública é vinculada pelo princípio da legalidade. A atribuição de vantagens aos servidores somente pode ser concedida a partir de projeto de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, consoante dispõe o artigo 61 § 1º , inciso II, alíneas a e c, da Constituição do Brasil, desde que supervenientemente aprovado pelo Poder Legislativo (Rel, Ministro Eros Grau).

Com as portas da Justiça do Trabalho fechadas afastando qualquer

perspectiva de dirimir conflitos entre a Administração Pública e seus trabalhadores,

cabe analisar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, sobre a matéria.

O comportamento desse Tribunal ao julgar os conflitos de natureza

trabalhistas dos trabalhadores público, vem ocorrendo em sintonia com o

entendimento do STF. O Superior Tribunal de Justiça proferiu recentemente a

seguinte decisão sobre o julgamento do Dissídio Coletivo ajuizado pela

Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público- CONDSEF e pela

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social-CNTSS, contra a

União:

2010/0081850-3 Relator(a) Ministro HAMILTON CARVALHIDO (1112) Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO Data do Julgamento 22/09/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 07/02/2011 EMENTA DISSÍDIO DE GREVE DE SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI Nº 7.783/89. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. NÃO ABUSIVIDADE DA PARALISAÇÃO.

46

1. A partir do julgamento do Mandado de Injunção nº 708/DF pelo Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça passou a admitir, originariamente, os dissídios coletivos de declaração sobre a paralisação do trabalho decorrente de greve pelos servidores públicos civis e as respectivas medidas cautelares quando em âmbito nacional ou abranger mais de uma unidade da federação, aplicando-se a Lei nº 7.783/89 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis, nos termos do inciso VII do artigo 37 da Constituição Federal. 2. Tal competência compreende a declaração sobre a paralisação do trabalho decorrente de greve, o direito ao pagamento dos vencimentos nos dias de paralisação, bem como sobre as medidas cautelares eventualmente incidentes relacionadas ao percentual mínimo de servidores públicos que devem continuar trabalhando, os interditos possessórios para a desocupação de dependências dos órgãos públicos eventualmente tomados por grevistas e as demais medidas cautelares que apresentem conexão direta com o dissídio coletivo de greve. 3. Falta possibilidade jurídica aos pedidos relativos à determinação ao Senhor Presidente da República de envio ao Congresso Nacional do texto elaborado pela Mesa Setorial com a proibição de qualquer modificação na redação do texto; à inclusão nas leis orçamentárias das despesas a serem executadas em decorrência da implantação da reestruturação da carreira, pena de implantação em parcela única pelo valor final em julho de 2001; à instauração de procedimento investigatório para apurar a responsabilidade das autoridades que deixaram de adotar as condutas impostas pela Mesa Nacional de Negociação; e à determinação para imediato e integral cumprimento de todos os 69 acordos celebrados em Mesa de Negociação, tudo em face dos princípios constitucionais da separação dos Poderes, da reserva de iniciativa de lei e da legalidade, insertos nos artigos 2º, 61, parágrafo 1º, inciso II, alíneas "a" e "c", e 165 da Constituição Federal. 4. Vedada sob a égide da Constituição Federal de 1967, com a instituição do regime democrático de direito e a edição da Constituição da República de 1988, a greve passou a integrar o plexo de direitos sociais constitucionalmente assegurados aos servidores públicos civis, como instrumento para a reivindicação de melhores condições de trabalho, exigindo, contudo, o seu exercício a observância dos requisitos insertos na Lei nº 7.783/89, aplicável subsidiariamente, relativos à comprovação de estar frustrada a negociação; notificação da paralisação com antecedência mínima de 48 horas ou de 72 horas no caso de atividades essenciais; realização de assembléia geral com regular convocação e quorum; manutenção dos serviços essenciais; e inexistência de acordo ou norma em vigência, salvo quando objetive exigir o seu cumprimento. 5. O "Termo de Acordo" firmado entre as partes, conquanto não configure Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho, não tenha força vinculante, não gere direito adquirido, nem ato jurídico perfeito em face dos princípios da separação e da autonomia dos Poderes e da reserva legal (artigos 2º, 61, parágrafo 1º, inciso II, alíneas "a" e "c", e 165 da Constituição da República), constitui causa legal de exclusão da alegada natureza abusiva da greve, nos termos do inciso I do parágrafo único do artigo 14 da Lei nº 7.783/89, deflagrada com o objetivo de exigir o cumprimento da sua cláusula nona, após esgotados os meios pacíficos de solução do conflito. 6. Interpretando o artigo 7º da Lei nº 7.783/89, o Supremo Tribunal Federal decidiu, reiteradas vezes, secundando o entendimento firmado no Mandado de Injunção nº 708/DF, no sentido de que a deflagração da greve corresponde à suspensão do contrato de trabalho, não devendo ser pagos os salários dos dias de paralisação, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento ou por outras

47

situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho. 7. Pedido parcialmente procedente. (destaques não-originais).

Como visto, a Corte se fundamentou nas restrições previstas no parágrafo

primeiro do art. 61 da Constituição Federal ao dispor que são de iniciativa privativa

do Presidente da República as leis que disponham sobre a criação de cargos,

funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de

sua remuneração, o regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e

aposentadoria. Devido ao princípio da simetria, tais dispositivos são aplicáveis de

forma análoga às demais esferas de governo, isto é, aos estados, distrito federal e

municípios.

Outro óbice de ordem legal citado diz respeito ao preceito do art. 169 da

Constituição Federal estabelecendo que:

A despesa com pessoal ativo e inativo da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar. E a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, e criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem assim a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, só poderão ser feita se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender as projeções de despesas de pessoas e aos acréscimos dela decorrente e se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentária.

Entretanto, essa matéria ainda é muito controversa na esfera do judiciário.

Destoando da posição majoritária, e afastando a tese predominante da

impossibilidade jurídica de julgamento pelo Judiciário da negociação coletiva no

setor púbico, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, validou, com

restrições, acordo coletivo entre administração pública e servidor, em julgamento de

recurso conforme posicionamento do Ministro Barros Levenhagen, mantendo a

decisão adotada pelo Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, entendendo

que a negociação da jornada de trabalho não promoveria reajuste de despesa

municipal:

NUMERAÇÂO ANTIGA: RR - 1332/2003-073-03-00 PUBLICAÇÃO: DJ - 10/02/2006 PROC. Nº TST-RR-1332/2003-073-03-00.6 C/J AIRR-1332/2003-073-03-40.0

48

A C Ó R D Ã O (4ª Turma) [...] HORAS EXTRAS. REGIME DE COMPENSAÇÃO 12 X 36. ACORDO COLETIVO CELEBRADO POR ENTE MUNICIPAL. VALIDADE. I - Da leitura do art. 39, § 3º, da Constituição da República conclui-se não ser extensível aos servidores públicos o direito ao reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, previsto aos trabalhadores no art. 7º, XXVI, também da Constituição. II - Entretanto, é preciso interpretar o referido preceito no cotejo com o art. 169, § 1º, I e II, da Carta Magna, pelo qual somente é possível conceder vantagem ou aumento de remuneração do pessoal ativo e inativo da União, Estados, Distrito Federal e Municípios mediante prévia dotação orçamentária e se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias. III - Equivale a dizer que a vedação de celebração de negociação coletiva diz respeito às hipóteses em que se estipulem novas condições de trabalho que envolvam despesas, sejam decorrentes de cláusulas econômicas ou sociais. IV Recurso desprovido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista, nº TST-RR-1332/2003-073-03-00.6, em que é Recorrente CÉLIA REGINA DE SOUZA e Recorrido MUNICÍPIO DE POÇOS DE CALDAS. O Tribunal do Trabalho da 3ª Região, pelo acórdão de fls. 333/339, negou provimento ao recurso ordinário da reclamante e deu provimento parcial ao apelo do reclamado, para isentá-lo do pagamento das custas processuais. Irresignada, a reclamante interpõe recurso de revista às fls. 357/366, com fulcro nas alíneas a e "c" do artigo 896 da CLT. O recurso foi admitido pelo despacho de fls. 374/375. O reclamado não apresentou contra-razões, conforme certificado às fls. 369-verso. O Ministério Público do Trabalho, às fls. 378/380, opina pelo conhecimento e desprovimento do apelo. É o relatório. V O T O Atendidos os requisitos extrínsecos de admissibilidade tempestividade (fls. 340, 341 e 357), representação processual (fls. 65) e dispensado o preparo -, passo ao exame dos intrínsecos da revista. [...] 1.2 HORAS EXTRAS. REGIME DE COMPENSAÇÃO 12 X 36. ACORDO COLETIVO CELEBRADO POR ENTE MUNICIPAL. VALIDADE. Não obstante a parte dispositiva faça coisa julgada, não raro ela só é inteligível mediante incursão pela fundamentação do julgado. Na espécie, conquanto na parte dispositiva o provimento do recurso ordinário do reclamado tivesse ficado restrito à isenção do pagamento das custas processuais, colhe-se da fundamentação que também o foi relativamente às horas extras. Extrai-se do cotejo da parte dispositiva com a fundamentação do acórdão recorrido ter o Tribunal incorrido em erro material omissivo, suscetível de correção pelo juiz a qualquer momento e grau de jurisdição, a teor do art. 463, I, do CPC. Assim, corrigido erro material sobre a extensão do provimento do recurso ordinário, passa-se ao exame do recurso de revista da reclamante, que se insurge em relação à limitação da condenação em horas extras apenas àquelas excedentes à 12ª diária a partir de 20/6/2000, data de vigência dos instrumentos coletivos que fixaram jornada 12 X 36. O Tribunal Regional, na fundamentação do acórdão recorrido, deu provimento parcial ao recurso ordinário do reclamado para, declarando

49

válidos os instrumentos coletivos fixando o cumprimento da jornada 12 X 36 com vigência a partir de 20/6/2000 -, limitar a condenação em horas extras apenas àquelas excedentes da 12ª a partir da referida data, mantendo a sentença na parte em que determinara o pagamento, como extras, das horas laboradas após a oitava diária, no período de 14/7/1998 e 19/6/2000. Asseverou que: A fixação de jornada decorre do poder diretivo do empregador e não diz respeito a questões de ordem pública, que onerem ou tangenciem a proteção legal às coisas públicas. A inalienabilidade do patrimônio municipal que impede a ocorrência de transação no âmbito da Administração não é afetada pela fixação da jornada contratual. Pelo contrário, desprestigiar os Acordos (fls. 124/151 com vigência a partir de 1º de maio de 2000), neste caso, é afrontar o princípio da proteção ao patrimônio coletivo, já que as partes, livremente, manifestaram vontade de assim contratar e essa jornada vem sendo realizada desde abril/87, início da prestação de serviços, como narrado à fl. 08. [...] Tendo em vista que a Constituição Federal autoriza a sindicalização do servidor público civil e não veda o reconhecimento de instrumentos coletivos celebrados entre o Poder Público e o Sindicato representante de empregados públicos, regidos pelo regime celetista, considero válidos os ACTs acostados às fls. 126/251, contendo os termos e condições de trabalho dos servidores. (fls. 336/337) Dessume-se, portanto, que a limitação a condenação em horas extras àquelas prestadas além da 12ª diária após 20/6/2000 decorreu do entendimento de que a Constituição Federal não veda a celebração de acordos coletivos de trabalho pelo ente municipal. A recorrente sustenta que a Administração Pública não está autorizada a celebrar acordos coletivos, estando jungida à observância da jornada prevista em lei (oito horas diárias e quarenta e quatro semanais), em razão do princípio da legalidade inserto no art. 37, caput, da Carta Magna. Nessa esteira de entendimento, afirma que os acordos coletivos que embasaram a decisão regional são nulos, devendo ser remuneradas como extraordinárias as horas laboradas além da oitava diária durante todo o período contratual. Transcreve arestos, aponta contrariedade à Orientação Jurisprudencial nº 223/SBDI-1 do TST e considera vulnerados os arts. 37, caput, 39, § 3º, c/c art. 7º, XIII e XXVI, da Constituição da República; 58, caput, § 2º, e 59, § 2º, e 468 da CLT. O aresto de fls. 361/362, oriundo do TRT da 9ª Região credencia o apelo ao conhecimento ao asseverar entendimento oposto ao adotado pelo Regional, de que a Constituição da República não reconhece aos entes da administração pública direta ou indireta e seus servidores a faculdade de firmarem acordos ou convenções coletivas de trabalho (CF, art. 39, § 3º). Conheço, por divergência jurisprudencial. 2 MÉRITO 2.1 - HORAS EXTRAS. REGIME DE COMPENSAÇÃO 12 X 36. ACORDO COLETIVO CELEBRADO POR ENTE MUNICIPAL. VALIDADE. Da leitura do art. 39, § 3º, da Constituição da República conclui-se não ser extensível aos servidores públicos o direito ao reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, previsto aos trabalhadores no art. 7º, XXVI, também da Constituição. Entretanto, é preciso interpretar o referido preceito no cotejo com o art. 169, § 1º, I e II, da Carta Magna, pelo qual somente é possível conceder vantagem ou aumento de remuneração do pessoal ativo e inativo da União, Estados, Distrito Federal e Municípios mediante prévia dotação orçamentária e se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias. Equivale a dizer que a vedação de celebração de negociação coletiva diz respeito às hipóteses em que se estipulem novas condições de trabalho que

50

envolvam despesas, sejam decorrentes de cláusulas econômicas ou sociais. Na espécie, contudo, não se incide a proibição do art. 39, § 3º, da Carta Magna, porque apenas negociada jornada especial de trabalho no regime 12 X 36, sem que tal ajuste importe em aumento de despesa para o ente municipal. Vale ressaltar que, para a adoção de jornada 12 X 36, era imprescindível que o Município celebrasse acordo coletivo, pois, neste caso, as horas suplementares excedem o limite fixado no caput do art. 59 da CLT, diferentemente do que ocorre quando se trata da prorrogação prevista neste dispositivo da CLT (máximo de duas horas diárias), em que é possível a prorrogação mediante celebração de acordo individual escrito. Assim, deve-se manter o acórdão regional que considerou válidos os instrumentos coletivos fixando o cumprimento da jornada 12 X 36, com vigência a partir de 20/6/2000. Nego provimento. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista apenas quanto ao tema Horas extras regime de compensação 12 X 36 acordo coletivo celebrado por ente municipal validade, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negar-lhe provimento. Brasília, 16 de novembro de 2005. MINISTRO BARROS LEVENHAGEN Relator

Interpretando o posicionamento do Poder Judiciário sobre as restrições da

negociação coletiva no setor público, Braga (16) entende que a decisão do Supremo

Tribunal Federal foi no sentido de estabelecer uma fronteira clara entre instituto

oriundos do Direito do Trabalho e do Direito Administrativo. Segundo esse autor, a

referida decisão judicial veio para esclarecer, principalmente, que a Justiça do

Trabalho não detém competência legal para apreciar dissídios coletivos do setor

público. Essa prerrogativa, entre outros problemas, acarretaria conflitos de

competência entre os poderes da República. Isto, porém, está muito longe de

significar que os administradores públicos estejam impossibilitados de negociar a

composição de conflitos que interfiram na consecução das finalidades

administrativas.

Compartilhando com essa visão, Barros (25) afirma que:

Note-se que, entretanto, que a decisão do STF e a Lei n. 9.527, de 1997, não enceram a discussão em torno da negociação coletiva no serviço público, mesmo porque o direito de sindicalização dos servidores continua, e esses sindicatos podem firmar acordos destituídos de valor jurídico, mas com valor político, atuando como grupos de pressão, visando a influenciar a atividade de produção normativa, que era privilégio da administração, à semelhança do que ocorreu na Itália anteriormente à Lei n. 93, de 1983.

51

É inegável que as relações entre servidores e Administração Pública possuem

problemas específicos que envolvem questões sócio-política, econômicas e jurídicas

diversas das existentes na iniciativa privada. Acrescente-se a isso as limitações

impostas à Administração Pública por regras e princípios e de Direito Administrativo.

Contudo, afirma Cavalcante (17), por outro lado, com a instituição de sindicato, esse

passa a exercer funções inerentes à sua própria existência: a) representação dos

interesses da categoria; b) desenvolve negociação coletiva com sindicato patronal

ou empresa; c) presta assistência jurídica e de outra natureza, como por exemplo,

médica; d) defesa dos interesses próprios, coletivos e individuais em juízo.

Corroborando com essa tese, Oliveira (26) apud Arion Sayão Romita,

manifestando-se sobre esse tema da negociação e do convênio coletivo no setor

público, inclusive, no campo da saúde, expressa a sua contribuição para orientar a

luta do servidor público pela sua implantação em nosso ordenamento jurídico

brasileiro:

Refutando a opinião dos que alegam a inconstitucionalidade da Lei 8.112/90 sobre o direito à negociação e à convenção coletiva, assim se expressa o referido autor: o argumento de fundo baseia-se no próprio conceito de negociação coletiva. Entende-se por negociação coletiva o meio de determinação conjunta de condições de trabalho; é um meio eficaz de regular as relações entre os interessados e encontrar soluções para os problemas sociais e funcionais das partes, que buscam um entendimento satisfatório para ambos os lados. Trata-se de um instituto dinâmico, que tem revelado grande vitalidade, traduzida na tendência à multiplicidade das matérias que constituem o objeto da negociação. Estas matérias não se exaurem nas das cláusulas econômicas. Aqui sim, surgiria óbice constitucional representado pela necessária iniciativa do Chefe do Poder Executivo e pala exigência de previsão orçamentária. Mas este óbice não conduz necessariamente à inconstitucionalidade do dispositivo legal em exame. Sem negar que as preocupações de natureza econômica conservam importância de capital, a visão estreita desta única dimensão revela uma concepção reducionista da atividade sindical. E insuficiente a percepção do papel do sindicato situado unicamente me nível econômico. A negociação coletiva enseja o debate de uma grande variedade de assuntos, que não se restringem aos reajustamentos salariais: qualidade de vida no trabalho, saúde e segurança, mudanças tecnológicas, flexibilização do trabalho, não discriminação, participação nas decisões. No fundo, o problema se desloca para a visão política do fenômeno sindical: a garantia de negociação coletiva surge como função da determinação da finalidade perseguida pela atividade sindical. Esta determinação é, sem duvida, problemática, porque vincula ao julgamento de valor a respeito do papel do sindicalismo no quadro de uma sociedade livre, pluralista e democrática. À luz desta concepção mais ampla da função social do sindicato, a existência ou inexistência de implicações financeiras não reduziria a negociação coletiva a um direito puramente econômico.

Enfileirando-se à corrente favorável a tese da negociação coletiva no setor

público, Cairo Júnior (27) defende que se há permissão constitucional para que o

52

servidor público civil associe-se em sindicato, conclui-se, logicamente, que a

negociação coletiva também segue a mesma sorte, já que constitui uma das

principais prerrogativas sindicais, em que pese tal direito não ter sido estendido

expressamente pela atual Constituição Federal. Nada impede, segundo esse autor,

que se celebre um acordo coletivo de trabalho no serviço público, desde que não se

incluam cláusulas que impliquem aumento de despesa para o erário público,

circunstancia que não ofenderia o art. 37, VI e VII da Constituição Federal de 1988.

Em defesa à tese da negociação, os doutrinadores que admitem a via

negociada para o setor advogam a tese de que em relação à limitação da reserva

legal e da competência privativa para inicio do processo legislativo, essas questões

seriam facilmente superada por uma composição da Administração com a entidade

sindical. Certamente, a legalidade e a competência são dispositivos constitucionais

insuperáveis juridicamente, tendo o acordo firmado entre os interessados de cunho

político e moral, com o comprometimento da autoridade competente de enviar

projeto de lei nos termos do pactuado para o Poder Legislativo, conforme Stoll (13).

Cavalcante (17) apud Robertônio Santos Pessoa, afirma que:

“Durante muito tempo considerou-se desnecessário a adoção de regras especiais para solução dos conflitos de trabalho no setor público. Primeiro porque a própria idéia de existência de uma conflituosidade inerente à administração pública era tida como incompatível com princípios basilares do Direito Público, em especial do Direito Administrativo, particularmente dos serviços públicos. Segundo, porque os procedimentos adotados no setor privados eram considerados inconciliáveis com tais noções. Os procedimentos disciplinares constituíam a única exceção nos regimes decorrentes de tais idéias’. [...] ‘Contudo, a experiência dos últimos anos, notadamente a partir da década de setenta, tanto nos países desenvolvidos como naqueles considerados em desenvolvimento, tornou manifesto a existência de conflitos coletivos de trabalho no setor público, e a necessidade premente da adoção de mecanismos para dirimi-los, sem comprometimento grave dos serviços públicos prestados à população’. [...] ‘Além disso, a concepção atrasada de que as condições de trabalho no setor público são fixadas unilateralmente pela Administração, impediu por muito tempo a sindicalização dos servidores públicos’. [...] ‘A idéia ínsita de negociação, inseparável da existência de sindicatos livres, foi excluída deste setor, o que tornava impossível a sua criação. A unilateralidade das condições, impostas sem negociação, inviabilizava o diálogo entre servidor e o Estado’

53

Tudo indica que se aproxima o momento de definição do modelo de

negociação coletiva do trabalho a ser adotado pelo Brasil, com a ratificação da

Convenção 151 e a Recomendação 159 da OIT pelo Brasil.

A CONSTRUÇÃO DO MODELO DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Com o objetivo de disciplinar o direito de negociação no setor público, tramita

no Congresso Nacional Proposta de Emenda à Constituição, PEC 129/2003

apensada à PEC 251/2004, que dá nova redação ao inciso VI do art. 37 da

Constituição Federal de forma a assegurar o reconhecimento de acordo coletivo no

âmbito da Administração Pública, condicionando a edição de lei posterior

disciplinadora da matéria. Tal proposição vem no sentido de preencher o vazio

legislativo e satisfazer a exigência de aprovação pelo Legislativo das matérias,

principalmente em razão da recente ratificação pelo Brasil da Convenção 151 e a

Recomendação 159 da OIT.

A proposição dispõe assim sobre a alteração do texto constitucional:

Art. 1º. O inciso VI do art. 37 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: Art.37. É garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical, bem como, nos termos da lei, o reconhecimento de acordo coletivo de trabalho.

Segundo a justificativa dos autores, tal proposta vai ao encontro de se

harmonizar com a sistemática constitucional vigente, pela qual, o resultado do

acordo extraído de negociação coletiva somente surtirá efeito no âmbito da

administração pública caso se converta em matérias de projeto de lei, em se

tratando de questões em que se exige a reserva legal, respeitadas as competências

privativas a serem aprovados pelos respectivos poderes legislativos em cada esfera

de governo.

No curso dessas mudanças definidoras do modelo de negociação coletiva do

trabalho na administração pública, trazemos à baila a proposta (28) conduzida pela

Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e

Gestão, e encaminhada ao Congresso Nacional através de projeto de lei com o

objetivo de regulamentar o tratamento dos conflitos nas relações de trabalho entre o

54

Estado e os seus trabalhadores e definir diretrizes para a negociação coletiva no

âmbito da Administração Pública direta, autárquica ou fundacional de qualquer dos

Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

O projeto prevê a criação de um Sistema Permanente de Negociação, a ser

organizado em cada um dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios. A consolidação da Mesa Central e as Mesas setoriais, articuladas

como espaço institucional da negociação.

Para tanto, justifica que a referida

[...] proposta é resultado de processo de negociação amadurecido com as entidades sindicais realizado em grupo de trabalho especifico constituído no âmbito do Ministério do Planejamento após o envio da Convenção 151 da OIT ao Congresso Nacional com vistas à sua ratificação e incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro.

De acordo com a iniciativa, se instituirá a auto-regulamentação do direito de

greve, isto é, “essas matérias deverão ser aprovadas em instâncias coletivas e

representativas das entidades sindicais dos servidores públicos”. Prevê, ainda, a

criação do Observatório das Relações de Trabalho no âmbito dos Poderes da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em caráter triparte, tendo como

finalidade precípua:

atuar como observador, instância consultiva e mediadora nos eventuais conflitos advindos das Mesas de Negociação Coletiva; avaliar projetos de auto-regulamentação de greve a que se refere o

inciso II do art. 18 deste projeto de lei, com vistas ao seu acolhimento; desenvolver estudos e pesquisas na área das relações de trabalho

no serviço público.

A sua composição terá membros da sociedade civil indicados pelas bancadas

sindical e governamental na mesma proporção. O projeto parte da premissa de que

já existem organizações não-governamentais que realizam estudos e fiscalizam a

prestação dos serviços públicos no interesse da sociedade, as quais estão aptas,

portanto, a colaborarem para a equalização de direitos divergentes sobre as

atividades públicas e o aprofundamento da democratização das relações de trabalho

no serviço público.

Segundo Nascimento (19) a estrutura do procedimento de negociação é de

dois tipos, de acordo com o princípio que o ordena: o legislado e o auto-

55

regulamentado; aquele, quando o procedimento é descrito pela lei; este, nos

sistemas de omissão da lei para que os interessados combinem regras do

procedimento. A lei não esgota todos os atos praticados pelas partes numa

negociação. Desse modo, em todo sistema haverá um procedimento hibrido, legal e

empírico.

O projeto prevê, ainda, a consolidação dos espaços de negociação através de

Mesas de Negociação de caráter permanente, e criação de um sistema permanente

de negociação, a ser organizado em cada um dos Poderes da União, dos Estados,

do Distrito Federal e dos Municípios.

De acordo com o projeto, a Mesa Nacional de Negociação Permanente será

formada pelas Bancadas de trabalhadores e empregadores e um Observatório das

Relações de Trabalho.

Ressalte-se que, a proposta de regulamentação do direito de negociação

coletiva do trabalho na Administração Pública não faz qualquer referência à MNNP

do SUS, o que é injustificável. Seria de grande importância nesta oportunidade de

institucionalizar também o processo desenvolvido pelo Sistema Único de Saúde, e

reconhecê-lo como uma forma inovadora nas relações de trabalho.

Quanto ao direito de greve, este estará submetido ao juízo de

proporcionalidade e razoabilidade. Um direito que interessa toda sociedade, já que a

paralisação dos serviços, no caso, públicos, termina por atingir toda a comunidade.

Para Bobbio (18) o recurso principal de que se vale o sindicato para forçar a

direção da empresa a negociar o preço e condições de trabalho (em vez de decidir

unilateralmente) é a sua capacidade de organizar a suspensão da atividade dos

trabalhadores. Em face da efetivação ou da ameaça de greve, as direções aceitarão

pactuar em troca de uma retomada regular do trabalho, associando o sindicato na

regulamentação das condições de emprego.

Assim, a prerrogativa do sindicato lançar mão da paralisação do trabalho

constitui-se num dos elementos fundamentais para o exercício da atividade sindical

na luta em defesa da categoria e efetividade da dignidade da pessoa humana,

juntamente à associação sindical e à negociação coletiva do trabalho. O Direito de

greve na Administração Pública está insculpido no inciso VII do art. 37, com a nova

redação dada pela Emenda Constitucional 19, de 04 de junho de 1998: “O direito de

greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei especifica.”

56

Tal dispositivo deve ser interpretado em conjunto do que dispõe o art. 9º da

Carta, dispondo que é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores

decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio

dele defender. Entende-se que o direito de greve não é absoluto, estará sempre

submetido a esses dois princípios estabelecidos pela proposição; o da razoabilidade

e o da proporcionalidade.

Para se perseguir o modelo ideal de negociação coletiva na Administração

pública, será necessária a retirada de vários ‘entulhos’ que significam ainda

resquícios do poder autoritário. A vigência do Decreto 1.480/95, dispondo sobre os

procedimentos a serem adotados em casos de paralisações dos serviços públicos

federais, enquanto não regulado o direito de greve no serviço público, não deixa de

se constituir em regras inibidoras do exercício de greve. Essas medidas foram

questionadas juridicamente pelas entidades sindicais dos trabalhadores quanto à

constitucionalidade sob o aspecto da invasão de competência do Poder Executivo

em legislar matéria destinada a ser disciplinada através de lei.

Tais medidas restritivas, ora se originaram no Poder executivo, ora no

Judiciário. Como até hoje esse direito não foi regulamento isso ensejou, ao longo do

tempo, várias declarações de ilegalidade da greve pelo Poder Judiciário onde

prevaleceu a tese de que o direito não poderia ser exercitado enquanto não fosse

editada a lei disciplinando o seu exercício.

Ocorre que após o julgamento no STF do Mandado de Injunção (MI) 707-DF,

712, 670 e 708, A Corte determinou a aplicação da Lei de greve no setor privado n.

7701/88 e 7783/89 nos julgamentos de movimentos paredistas do setor público,

enquanto persistir essa omissão quanto á existência de lei especifica, lançando mão

ao principio da analogia.

MI 712 / PA MANDADO DE INJUNÇÃO Relator(a): Min. EROS GRAU Julgamento: 25/10/2007 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação

DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-03 PP-00384 Parte(s)

IMPTE.(S): SINDICATO DOS TRABALHADORES DO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARÁ - SINJEP

ADV.(A/S): EDUARDO SUZUKI SIZO E OUTRO(A/S) IMPDO.(A/S): CONGRESSO NACIONAL

57

EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. PARÂMETROS CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS POR ESTA CORTE. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR QUANTO À SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL] E À SEPARAÇÃO DOS PODERES [art. 60, § 4o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA SUFICIENTE PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. 2. A Constituição do Brasil reconhece expressamente possam os servidores públicos civis exercer o direito de greve --- artigo 37, inciso VII. A Lei n. 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, afirmado pelo artigo 9º da Constituição do Brasil. Ato normativo de início inaplicável aos servidores públicos civis. 3. O preceito veiculado pelo artigo 37, inciso VII, da CB/88 exige a edição de ato normativo que integre sua eficácia. Reclama-se, para fins de plena incidência do preceito, atuação legislativa que dê concreção ao comando positivado no texto da Constituição. 4. Reconhecimento, por esta Corte, em diversas oportunidades, de omissão do Congresso Nacional no que respeita ao dever, que lhe incumbe, de dar concreção ao preceito constitucional. Precedentes. 5. Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal decidir no sentido de suprir omissão dessa ordem. Esta Corte não se presta, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia. 6. A greve, poder de fato, é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Sua auto-aplicabilidade é inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter instrumental. 7. A Constituição, ao dispor sobre os trabalhadores em geral, não prevê limitação do direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve. 8. Na relação estatutária do emprego público não se manifesta tensão entre trabalho e capital, tal como se realiza no campo da exploração da atividade econômica pelos particulares. Neste, o exercício do poder de fato, a greve, coloca em risco os interesses egoísticos do sujeito detentor de capital --- indivíduo ou empresa --- que, em face dela, suporta, em tese, potencial ou efetivamente redução de sua capacidade de acumulação de capital. Verifica-se, então, oposição direta entre os interesses dos trabalhadores e os interesses dos capitalistas. Como a greve pode conduzir à diminuição de ganhos do titular de capital, os trabalhadores podem em tese vir a obter, efetiva ou potencialmente, algumas vantagens mercê do seu exercício. O mesmo não se dá na relação estatutária, no âmbito da qual, em tese, aos

58

interesses dos trabalhadores não correspondem, antagonicamente, interesses individuais, senão o interesse social. A greve no serviço público não compromete, diretamente, interesses egoísticos do detentor de capital, mas sim os interesses dos cidadãos que necessitam da prestação do serviço público. 9. A norma veiculada pelo artigo 37, VII, da Constituição do Brasil reclama regulamentação, a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social. 10. A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar, mesmo porque "serviços ou atividades essenciais" e "necessidades inadiáveis da coletividade" não se superpõem a "serviços públicos"; e vice-versa. 11. Daí porque não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte impõe-se traçar os parâmetros atinentes a esse exercício. 12. O que deve ser regulado, na hipótese dos autos, é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura. 13. O argumento de que a Corte estaria então a legislar --- o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição do Brasil] e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] --- é insubsistente. 14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos. 16. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da Constituição do Brasil. Decisão Após o voto do Senhor Ministro Eros Grau (Relator), que conhecia do mandado de injunção e dava solução à omissão legislativa, nos termos de seu voto, no que foi acompanhado pelo Senhor Ministro Gilmar Mendes, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário, 07.06.2006. Decisão: Após os votos dos Senhores Ministros Eros Grau (Relator), Gilmar Mendes, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Carlos Britto, Cármen Lúcia e Cezar Peluso, que conheciam e julgavam procedente o mandado de injunção para determinar a aplicação da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, e do voto do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, julgando-a procedente em parte, nos termos do voto proferido, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Em seguida, o Tribunal, por maioria, apreciando questão de ordem suscitada, indeferiu o pedido de tutela antecipada, vencidos os Senhores Ministros Relator, que a suscitara, Cezar Peluso, Celso de Mello e Gilmar Mendes. Ausentes, ocasionalmente, neste ponto, o Senhor Ministro Sepúlveda Pertence, e, na segunda parte da sessão, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente). Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Plenário,12.04.2007. Decisão: O Tribunal, por maioria, nos termos do voto do Relator, conheceu do mandado de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber, vencidos, parcialmente, os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleciam condições específicas.

59

O Supremo Tribunal Federal, investido na autoridade máxima do poder

judiciário no país, demarcou a partir da data desse julgamento duas questões das

relações de trabalho na esfera pública; uma, resolveu provisoriamente a lacuna

existente em relação à legislação do exercício do direito de greve no setor, e outra,

atribuiu ao Superior Tribunal de Justiça a competência para apreciar os processos

relativos à greve dos trabalhadores públicos federais quando se tratar de movimento

paredista de âmbito nacional federal ou abrangerem mais de uma unidade da

Federação, inclusive quando se tratar de movimento deflagrado por trabalhadores

vinculados ao poder judiciário federal, e aos Tribunais de Justiça estaduais quando

no julgamento de greve no serviço público estadual e municipal. Vejamos a decisão

do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão:

O exercício do direito à greve previsto no art. 37, VII, da CF/1988 não pode ser obstado pela ausência de lei específica, devendo incidir, então, de modo excepcional e com as necessárias adaptações, a Lei de Greve do Setor Privado (Lei n. 7.783/1989), conforme orientação do STF. Ainda de acordo com o STF, este Superior Tribunal é competente para processar e julgar os pedidos oriundos do direitos de greve no serviço público no âmbito nacional ou quando abranger mais de uma unidade da Federação em regiões diferentes de Justiça Federal, em razão da natureza administrativa pública das relações dos servidores federais com a Administração, afastando-se a possibilidade de apreciação na Justiça do Trabalho. Assim, o sindicato da categoria em greve ou comissão de negociação acordará com o gestor público a manutenção em atividade de equipes para assegurar a continuidade dos serviços cuja paralisação possa resultar prejuízo irreparável (art. 9º da Lei n. 7.783/1989), garantindo, durante a greve, a manutenção dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inalienáveis da comunidade (art. 11 da Lei n. 7.783/1989. Comprovado o atendimento dessas exigências legais, tem-se a paralisação como legítima (art. 2º da referida lei). Diante do exposto, a Seção julgou procedente o pedido para declarar a legalidade do movimento grevista dos auditores fiscais da Receita Federal, iniciado em 18/03/2008, bem como determinar a reversão, para todos os efeitos, das eventuais faltas anotadas na folha de ponto dos grevistas, afastar a aplicação de qualquer sanção, seja de que matéria for, pela participação dos substituídos na paralisação. Quanto a haver desconto na remuneração em ração dos dias parados, a Seção, por maiores, entendeu ser possível fazê-lo, a não ser que haja reposição desses dias, com o acréscimo na jornada diária até que compensados integralmente. Precedentes citados do STF: MI 708-DF, DJ 25/10/2007, e MI 712-PA, DJ 25/10/2007. Pet. 6.642-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgada em 12/5/2010.

O Projeto (29) que disciplina a regulamentação da negociação coletiva no

setor público, propõe a definição do modelo de negociação coletiva do trabalho na

esfera pública que privilegia o diálogo entre as partes da negociação, e aponta na

perspectiva para a desjudicialização dos conflitos das relações de trabalho.

60

O projeto de lei atual, por seus contornos, resguardar, por princípio constitucional, a apreciação do Poder Judiciário, mas intenciona e conduz para a desjudicialização dos conflitos nas relações de trabalho dos servidores públicos, demonstrando maturidade democrática das intenções brasileiras aptas e capazes de avançar em um projeto de uma sociedade mais equânime e eficiente uma vez que o Estado, ao possibilitar o tratamento de suas questões que lhe são inerentes, deixa de consumir recursos e tempo de suas instituições, e estas podem então atender ao principio e objetivo da criação do Estado: a sociedade

Segundo o projeto de lei, em seu art. 11, dispõe assim sobre a soberania das

decisões do sistema de negociação coletiva do trabalho na administração pública:

“as manifestações do Observatório das Relações de Trabalho na Administração

Pública Federal quanto ao acolhimento de proposições são soberanas.”

Tal previsão vai ao encontro da decisão de desjudicializar os conflitos das

relações de trabalho na Administração Pública, atribuindo a esse órgão poderes

para mediar e arbitrar sobre o conteúdo das negociações.

Na Saúde, há previsão regimental para que o conselho de saúde exerça um

papel privilegiado de mediador no processo de negociação, quando as partes não

conseguem chegar a um acordo sobre as reivindicações. Ressalte-se como já

registrado, a criação da Mesa de negociação nasceu a partir da decisão do controle

social, em razão de sua conformatação onde participam na condição de

conselheiros empregadores, trabalhadores e usuários do sistema e a sua natureza

deliberativa.

Curiosamente, desde a fundação da Mesa do SUS em 1993, até os dias

atuais não há registro de que o Conselho Nacional de Saúde tenha sido chamado a

mediar conflito ou mesmo arbitrar para por fim a controvérsias instaladas no interior

da Mesa.

OS PROTOCOLOS E A EFETIVIDADE JURÍDICA DOS INSTRUMENTOS NORMATIVOS DA MESA

No direito coletivo do trabalho os instrumentos normativos derivados da

negociação coletiva recebem a denominação de convenção coletiva do trabalho ou

de acordo coletivo de trabalho, a depender dos sujeitos que os firmam. Quando há

participação de ambas as entidades representativas dos empregadores e

trabalhadores , dá ensejo a uma convenção coletiva de trabalho. Quando a

61

organização sindical negocia diretamente com a empresa, o resultado será um

acordo coletivo de trabalho, diz Cairo Jr (27).

Entretanto, os acordos firmados das negociações do trabalho realizadas no

âmbito da Mesa Nacional de Negociação, isto é, o instrumento normativo denomina-

se Protocolo. Cuida-se de saber se tais protocolos, por se tratar de uma construção

teórico-prática em que estão ausentes os lastros jurídico-legais, balizadores da

teoria do direito coletivo do trabalho e adaptados aos conceitos e princípios do

direito público, é capaz de produzir resultados no mundo jurídico. Essas questões

remetem a todo instante aos problemas da eficácia e da validade jurídica desses

instrumentos normativos.

A doutrina conceitua o instrumento normativo como o negócio jurídico,

celebrado por tempo determinado, fruto da negociação coletiva efetivada entre

entidades sindicais de empregados e empregadores que, através de suas cláusulas

de natureza normativa, estabelece novas condições de trabalho para aquelas

pessoas que representam. Tais condições incorporam-se automaticamente aos

contratos de trabalho em vigor, afirma Cairo Jr (27). Juridicamente, esse instrumento

normativo se constitui em título executivo e pode ser executado na esfera judicial em

razão do seu descumprimento. Como negócio jurídico que é, em sua formação,

exige-se idênticos requisitos de validade de caráter genérico, como agente capaz,

objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei.

Essa é uma das questões centrais da Mesa de Negociação do Trabalho no

SUS e no serviço público. A compreensão da natureza jurídica dos resultados das

negociações tratadas pela Mesa, uma vez que em razão dos questionamentos da

ausência de parâmetros legais ausentes na negociação coletiva, a legitimidade dos

atores e o impedimento de utilizar conceitos oriundos do modelo tradicional de

negociação coletiva, trazem dificuldades para a sua efetividade.

A fundamental característica dos instrumentos normativos apontada por Cairo

Jr (27), diz respeito às peculiaridades que os assemelham à norma jurídica estatal,

como a abstratividade e a generalidade, constituindo, desse modo, fonte formal

profissional do Direito do Trabalho.

A propósito, passamos a analisar o teor da recente decisão do Ministro do

Superior Tribunal de Justiça em julgamento do dissídio coletivo na Administração

Publica, assim teremos a dimensão do problema: a ausência de eficácia desses

instrumentos normativos no mundo jurídico.

62

O ‘Termo de Acordo’ firmado entre as partes, conquanto não configure Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho, não tenha força vinculante, não gere direito adquirido, nem ato jurídico perfeito em face dos princípios da separação e da autonomia dos Poderes e da reserva legal (artigos 2º, 61, parágrafo 1º, inciso II, alíneas "a" e "c", e 165 da Constituição da República), constitui causa legal de exclusão da alegada natureza abusiva da greve, nos termos do inciso I do parágrafo único do artigo 14 da Lei nº 7.783/89, deflagrada com o objetivo de exigir o cumprimento da sua cláusula nona, após esgotados os meios pacíficos de solução do conflito.” Relator Ministro HAMILTON CARVALHIDO. Órgão Julgador STJ. Dissídio Coletivo de Servidores Públicos.

De acordo com os ensinamentos de Silva (30),

[...] a eficácia jurídica da norma designa a qualidade produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamento de que cogita. Nesse sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica.

Segundo disposições regimentais da Mesa (Regimento da Mesa Nacional de

Negociação), conceituou-se assim o Protocolo:

“Os Protocolos da Mesa Nacional de Negociação são acordos coletivos de trabalho específicos sobre uma ou sobre um lote de reivindicações, celebradas entre as entidades representativas do funcionalismo do SUS e suas administrações, nas três esferas de governo”.

Para Braga (16), os atributos dos Protocolos são os seguintes:

a) objeto: relações e condições de trabalho; b) eficácia: caráter normativo, adere ao cargo ou emprego público como direito e/ou obrigação; pode ser exigido judicialmente, de forma individual ou coletiva; c) abrangência: depende da matéria negocial; d) periodicidade: pode ser celebrado a qualquer tempo; e) quantidade: não há limites quanto ao numero; f) vigência: por prazo indeterminado, somente revogável por vontade das partes, através de outro instrumento negocial.”

Ainda de acordo com a cláusula décima oitava do seu Regimento

Institucional1:

“a formalização dos resultados da Mesa-SUS é registrada em Protocolos e em Atas, a depender de sua complexidade. Possui natureza pública e arquivada pela Secretaria de Gestão do Trabalho e de Educação na Saúde que os remeterá, anualmente, ao arquivo do Conselho Nacional de Saúde. Os protocolos contém as considerações preliminares que motivaram a

1 Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP) – Regimento Institucional.

63

decisão, seu conteúdo, propriamente dito, e os procedimentos legais e burocráticos previstos para sua efetiva implementação e cumprimento”.

Assim, pode-se verificar que apesar de haver previsão regimental, os

protocolos ainda são imprecisos quanto ao compromisso requerido de encaminhar

as decisões, quer sejam através de atos administrativos apropriados pelas

instâncias de governos correspondentes, ou para a apreciação e aprovação do

Legislativo, situação que se envolve em muitas dificuldades quanto à sua

efetividade, o compromete dos seus resultados.

Quanto ao estímulo à instância negocial, o Regimento Institucional da MNNP

prescreve que as

[...] partes assumem o compromisso de buscar soluções negociadas para os assuntos de interesse do funcionalismo e da Administração Pública, baseando-se no princípio da boa-fé e atuando sempre com transparência, e de envidar todos os esforços necessários para que os pontos negociados sejam cumpridos, respeitados os princípios e normas que regem e informam a Administração Pública.

No que se refere ao caráter decisório, o Protocolo afirma que: “as decisões

emanadas da MNNP, seja quanto à forma, seja quanto ao mérito, para produzirem

efeitos legais deverão obedecer aos preceitos legais que regem a Administração

Pública e/ou nos termos previstos nos estatutos das entidades sindicais, conforme o

caso”. (cláusula décima do Regimento Institucional da MNNP).

Braga (16) ao estudar os conteúdos formalizados da negociação, divide

didaticamente as matérias objeto de acordo na Mesa de Negociação, em dois tipos:

[...] a) matérias cuja competência para tomar decisões é de alçada exclusiva do administrador que negocia; b) matérias que dependam da interveniência de outros órgãos da administração ou Poder. [...] São exemplos do primeiro tipo: mudanças em escalas de plantões médicos, introdução de novos padrões de atendimento ao público, introdução de procedimento de avaliação de servidores, introdução de mecanismo de controle de qualidade e de produtividade, mudanças na organização do trabalho e na execução de tarefas e até mesmo algumas hipóteses de interpretação de normas que envolvam pequenos acréscimos de despesas. São exemplos do segundo tipo: acordo sobre jornada de trabalho e decisões que impliquem aumento de despesas com a folha de pagamento. Nesta última hipótese, por exemplo, caso não haja previsão orçamentária, a decisão dependerá de autorização legislativa e envolverá, portanto, as mais altas instâncias da Administração Pública e o Poder Legislativo.

64

Nesse sentido, a partir de reativação da Mesa Nacional do SUS em 2003,

foram sete os Protocolos firmados por ela até o momento.

Protocolos da Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS

PROTOCOLO 01/2003, de 5 de agosto de 2003

Aprovou o ato constitutivo da Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS - MNNP-SUS, garantindo a paridade entre empregadores e empregados, tendo como objetivo o efetivo funcionamento do SUS, o acesso, a humanização, a resolutividade e a qualidade dos serviços de saúde prestados à população e instituir processos negociais de caráter permanente para tratar de conflitos e demandas decorrentes das relações funcionais e de trabalho no âmbito do SUS, buscando alcançar soluções para os interesses manifestados por cada uma das partes. Atribuiu, também, à Mesa a iniciativa de propor a regulação legal de um Sistema Nacional de Negociação Permanente no SUS.

PROTOCOLO 2/2003, de 3 de novembro de 2003

Tem como finalidade Instituir diretriz para a Instalação das Mesas Estaduais e Municipais de Negociação Permanente do SUS, estabelecido entre si pelos gestores federais, estaduais (CONASS) e municipais (CONASEMS), empregadores privados e entidades sindicais representativas de trabalhadores. Estabelecendo por analogia os parâmetros, objetivos e princípios norteadores da constituição da Mesa Nacional.

PROTOCOLO 3/2005, de 25 de agosto de 2005

Tem como finalidade dispor sobre a criação do Sistema Nacional de negociação Permanente do SUS – SINNP-SUS, com a finalidade de promover a articulação e integração entre as Mesas de Negociação Permanente do SUS, a fim de proporcionar a troca de experiências e a construção de processos de negociação, sintonizados com a agenda de prioridade definida nacionalmente e fomentar o desenvolvimento de mecanismos de gestão da força de trabalho, especialmente nos aspectos relativos à negociação e soluções de conflitos decorrentes das condições e relações de trabalho, dentre outros.

PROTOCOLO 4/2005, de 25 de agosto de 2005

Tem como finalidade aprovar o processo educativo em negociação do trabalho no SUS e estabelecer diretrizes de execução sobre o Processo Educativo em Negociação do Trabalho no SUS.

PROTOCOLO 5/2006, de abril de 2006

Tem como finalidade estabelecer orientações, diretrizes e critérios para aperfeiçoar procedimentos de cessão de pessoal no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. Estabelece assumir o compromisso e adotar providências para aperfeiçoar o processo de cedência de pessoal no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, assegurando as vantagens, os direitos e os deveres dos servidores cedidos, estabelecidos na Lei 8.112/90 e na legislação própria de cada esfera de governo, buscando a aplicação da legislação em vigor e a construção de novos instrumentos legais de aperfeiçoamento desses procedimentos, em conformidade com as orientações, diretrizes e critérios consignados no presente protocolo.

65

PROTOCOLO 6/2006, de 9 de novembro de 2006

Tem como finalidade aprovar as Diretrizes nacionais para instituição e Planos de Carreiras, Cargos e Salários no âmbito do Sistema Único de Saúde – PCCS-SUS. Evidenciou-se a preocupação em estabelecer diretrizes que orientem a elaboração de planos de carreiras com estruturas e formas de desenvolvimento semelhantes que garantam a valorização dos trabalhadores através da equidade de oportunidade de desenvolvimento profissional em carreiras que associem a evolução funcional a um sistema permanente de qualificação, como forma de melhorar a qualidade da prestação dos serviços de saúde.

PROTOCOLO 7/2007, de dezembro de 2007

Tem como finalidade dispor sobre a implementação da política de desprecarização do trabalho no SUS junto às Mesas e Mecanismos de Negociação no SUS. Com esse documento a Mesa propôs por um lado estimular e orientar a criação e o fortalecimento de Mesas Municipais, Estaduais ou Regionais de Negociação Permanente do SUS, com o propósito de instrumentalizar a gestão do Sistema, nas três esferas de governo, para a implementação das relações de trabalho no SUS. Do outro, fomentar, estimular e orientar a discussão e a formulação de políticas de desprecarização dos vínculos de trabalho, em âmbito municipal, regional ou estadual, tendo em vista as realidades sociais, políticas e administrativas do SUS. Fonte: Protocolos da Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS: 5 anos negociando sem parar, 2008.

Conceitualmente, esses instrumentos normativos podem ser analisados em

seus aspectos formais e de conteúdos. A Mesa do SUS trilhou por um caminho que

buscou superar o modelo tradicional da negociação coletiva, inclusive quanto ao

resultado da negociação, ao buscar um mecanismo permanente de diálogo entre as

partes. Essa estratégia, em todos os seus aspectos – formais e conteúdos - foi

importante, considerando a saúde como um de campo de trabalho permeado de

intensos conflitos. Entretanto, era de se esperar uma maior produção de Protocolos

da Mesa, inclusive nos que tange em seus conteúdos que deveriam ser mais

abrangentes, atingindo mais as questões relativas às relações de trabalho.

Há que se destacar o acordo firmado na Mesa do SUS sobre as diretrizes

nacionais para a instituição de Planos de Carreiras, Cargos e Salários no âmbito do

SUS, apesar das resistências em sua implementação nas diferentes esferas do

governo, inclusive na União. Ressalte-se que a Lei 8.142/90 previa desde esse

período a organização dos trabalhadores do SUS através da instituição de carreira,

porém, somente agora essa política de recursos humanos obteve uma capilaridade

diferenciada dos demais Protocolos, na medida que vem produzindo bons

resultados para o SUS.

A despeito da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a negociação

coletiva no setor público, que repercute substancialmente inclusive na eficácia

66

jurídica de seus instrumentos, Stoll (13) apud Gino Giugni, afirma que a decisão do

STF não encerra a discussão em torno da negociação coletiva no serviço público,

mesmo porque o direito de sindicalização dos servidores continua, e esses

sindicatos podem firmar acordos destituídos de valor jurídico, mas com valor político,

atuando como grupos de pressão, visando a influenciar atividade de produção

normativa, que era privilegio da Administração, à semelhança do que ocorreu na

Itália anteriormente à Lei 93, de 1983.

Há que se considerar, também, o caráter moral dos Protocolos da Mesa.

Afinal, além do valor político atribuído a esses instrumentos normativos, há o valor

moral conferido pelas partes integrantes do processo de negociação, ou seja, o

compromisso moral – uma espécie de elo de referência – que liga e estabelece

obrigações nesse campo pelo cumprimento de tais instrumentos envolvendo a

representação dos trabalhadores e empregadores integrantes do processo de

negociação.

Dentro da teoria jurídica brasileira que entende que os instrumentos

normativos são análogos aos negócios jurídicos, em que se observam os requisitos

de validade, como agente capaz, objeto licito e forma prescrita ou não defesa em lei.

Como características principais, os instrumentos normativos se assemelham à

norma jurídica estatal, como a abstratividade e a generalidade, constituindo, desse

modo, fonte formal do Direito do Trabalho, afirma Cairo (27).

Uma das dificuldades que ainda persiste nas tratativas de negociação no

setor público é a efetividade das decisões acordadas. Sabe-se que por exigência

constitucional é reservado à iniciativa de lei, as decisões referente à remuneração,

jornada, reposição da força de trabalho, plano de carreira, dentre outras questões

relacionadas ao trabalho, as quais deverão ser implementadas tão somente através

de lei de iniciativa do chefe do executivo em cada esfera de governo.

Assim, os Protocolos resultantes das Mesas de Negociação precisam ser

traduzidos para esse contexto, dependendo da natureza do conteúdo das decisões,

transformados em Projetos de Lei, Decretos e atos normativos internos emanados

dos Entes federativos a fim de que possam produzir efeitos jurídicos no mundo do

trabalho, exigindo dos interlocutores gestores da MESA e seus integrantes, intensas

negociações internas junto ao governo e Poder Legislativo local para materializar

esses conteúdos acordados.

67

Ressalte-se que, diferentemente do setor privado que pode livremente

estabelecer acordos coletivos com os sindicatos, segundo o que prescreve a CLT e

a Constituição, a Administração Pública está submetida a várias limitações de ordem

orçamentária, legal e constitucional, além dos aspectos culturais, históricos e

políticos, variáveis que influenciam de forma decisiva a dimensão da negociação

coletiva no setor público.

Vê-se que no julgado do Mandado de Segurança MC. 16.774-DF, em

setembro de 2010, o Ministro Hamilton Carvalhido do STJ, assim se posicionou:

[...] embora o termo de acordo firmado não configure acordo ou convenção coletiva de trabalho, não tenha força vinculante, nem seja ato jurídico perfeito em razão dos princípios da separação dos Poderes e da reserva legal (arts. 2º, 61, §1º m II, a e c, e 165 da CF/88) constitui causa legal de exclusão da alegada natureza abusiva da greve, nos termos do inciso I do parágrafo único do art. 14 da Lei 7783/1989.

Passou a ser o entendimento prevalente na jurisprudência dos Tribunais

Superiores ao julgar os movimentos paredistas no serviço público, a aplicação por

analogia à lei de greve do setor privado, e admitir restritivamente os acordos

firmados entre trabalhadores e a administração pública. Para o STJ os instrumentos

normativos resultantes da Mesa de Negociação não têm eficácia, pois não se trata

de ato jurídico perfeito, não podendo gerar efeitos no mundo jurídico, muito embora

seja um elemento a ser considerado no processo de julgamento no aspecto de

legalidade segundo o disposto na lei de greve.

Com base nessa interpretação, nada obsta em que as partes possam

subscrever termos de acordos, envolvendo por um lado sindicatos de trabalhadores

e secretários de saúde estadual e municipal, em qualquer nível em que ocorra a

negociação. Bem assim, a representação do Ministério da Saúde firmando acordo

com sindicato nacional de trabalhadores. Ressalte-se que os acordos nacionais,

com natureza mais de estabelecimento de diretrizes e de contrato coletivo nacional,

envolvem as representações nacionais dos empregadores de saúde, e as

representações nacionais dos trabalhadores, para o setor público e o privado.

Esse formato de negociação nacional exige uma capacidade muito grande de

articulação e unidade entre as diversas representações dos trabalhadores em saúde

com assento à Mesa Nacional, como também dos empregadores em sua

representação nacional (o CONASS e o CONASEMS), considerando as suas

68

dimensões e as variáveis políticas e administrativas que se observam em suas

formatações e representações o que interferem diretamente na legitimidade das

decisões a serem tomadas na Mesa.

Outro aspecto a considerar é a representação do órgão que coordena

nacionalmente o Sistema Único de Saúde, no caso o Ministério da Saúde. A

polaridade existente entre a mesa setorial de negociação do Ministério da Saúde e a

do SUS apresenta enormes dilemas, absorve recursos, que a nosso vê são

desnecessários e facilmente superáveis. A Mesa setorial, vinculada ao Ministério do

Planejamento do Governo Federal, tratando dos aspectos funcionais relacionados

aos servidores federais da saúde cedidos ao SUS, em sua grande parte e também

aos servidores do próprio Ministério (que é um órgão do SUS), enquanto a outra

Mesa cuida da política nacional de recursos humanos de todo o SUS, portanto,

muito mais abrangente. Assim, algumas decisões referentes à política de recursos

humanos adotadas pela MNNP-SUS deixaram de ser adotado pelo Ministério da

Saúde no que se refere ao pessoal federal, tendo como exemplo, as diretrizes para

a implantação do PCCS-SUS, conforme da MNNP-SUS protocolo firmado em

06/2006.

O DIREITO COMPARADO E A RATIFICAÇÃO PELO BRASIL DA CONVENÇÃO 151 E A RECOMENDAÇÃO 159 DA OIT.

A OIT é considerada como um Organismo especializado do Sistema das

Nações Unidas (15). A originalidade e especificidade da Organização Internacional

do Trabalho reside no fato de ser a única organização universal fundada em uma

estrutura tripartite, na qual governos, empregadores e trabalhadores estão reunidos

para trabalhar pela promoção da justiça social e melhores condições de vida e de

trabalho em todo o mundo, sobre as quais possa se sustentar uma paz universal e

duradoura. A idéia a partir da qual foi criada a OIT é o reconhecimento da

necessidade de proteger os direitos fundamentais de todos os trabalhadores, de

construir uma sociedade humana e de evitar todas as formas nefastas de

concorrência internacional.

69

A Convenção 151 (e a Recomendação 159) da OIT recentemente ratificada

pelo Brasil relativa à proteção do direito de organização e aos processos de fixação

das condições de trabalho na administração pública já foi ratificada até a presente

data por 44 países, desde quando entrou em vigor em fevereiro de 1981 (8).

Tema da maior importância para a definição do modelo de negociação na

Administração Pública diz respeito sobre a obrigatoriedade de se iniciar as tratativas

da negociação. O modelo deve admitir que o iniciar do processo deve ser

obrigatório. Nesse aspecto, analisando a situação de alguns países percebemos que

a opção pela obrigatoriedade é uma tendência verificada, entretanto, não prevalente.

Para Nascimento (19) a obrigatoriedade ou não de negociação coletiva

adotado em alguns países decorre do seu próprio histórico e a sua ordenação

jurídica. De acordo com esse autor, há casos que a legislação não prevê obrigação

alguma de negociação nem sanções contra o empregador que se recusa a fazê-la. È

a situação, por exemplo, da Itália, Inglaterra, e muito próximo à Irlanda.

Por outro lado, há países que adotaram o modelo da obrigatoriedade tanto

para se iniciar a negociação quanto para a formalização de acordos. Na Europa, na

França, Espanha e Grécia, é previsto na legislação desses países a obrigação da

negociação coletiva entre representantes de trabalhadores e empregadores. Na

América Latina, destaca-se a Ley Federal del Trabajo do México (art. 387); No

Brasil, o art. 8º, VI da Constituição Federal, a obrigatoriedade da participação dos

sindicatos nas negociações coletivas, além da CLT, (art. 616); o Código del Trabajo,

da Costa Rica (art. 56); a Ley de Trabajo, da Venezuela (art. 50). No Chile, a lei

prevê multas ao patrão que não negociar.

Assim também na Argentina, configura prática desleal à recusa pelo

empregador à negociação, o mesmo ocorrendo no Panamá e na República

Dominicana (21). Ressalte-se que a legislação Mexicana dispõe que “o patrão que

empregue trabalhadores membros de um sindicato terá obrigação de celebrar com

este, quando se solicite, um contrato coletivo”

Verifica-se, assim, que a obrigatoriedade é uma tendência nos países latinos

americanos e parte dos países europeus. Muitos autores consideram que o modelo

que adotaram a obrigatoriedade prima pelo equilíbrio jurídico nas relações de

trabalho.

Para a OIT (15) os empregados públicos, do mesmo modo que os demais

trabalhadores, devem gozar de direitos civis e políticos essenciais para o exercício

70

regular da liberdade sindical, com reserva apenas das obrigações que sejam

inerentes à sua condição e à natureza das funções exercidas.

Em nosso país, por falta de amparo legal, não é obrigatória o iniciar da

negociação coletiva no setor público, sendo somente para as relações de trabalho

do setor privado. Prescreve o artigo 616 da CLT que os sindicatos representativos

de categorias econômicas ou profissionais e as empresas, inclusive as que não

tenham representação sindical, quando provocados, não podem recusar-se à

negociação coletiva. Ademais, pelo texto da nossa constituição federal, obrigatória é

a participação dos sindicatos na negociação coletiva do trabalho, aplicável ao setor

privado.

A recente ratificação da Convenção 151 da OIT complementada pela

Recomendação 159 pelo Brasil que trata da negociação coletiva no setor público e

os processos de fixação das condições de trabalho, estabelece mecanismos de

acesso de resolução de conflitos da relação de trabalho no serviço público, em toda

a esfera de governo e em todos os poderes da república e abrangente a todos os

trabalhadores independentemente do regime jurídico de trabalho adotado.

O artigo 7º e 8º da Convenção 151, assim dispõe respectivamente sobre os

procedimentos para fixação das condições de trabalho na Administração Pública:

Devem ser tomadas, quando necessário, medidas adequadas às condições nacionais para encorajar e promover o desenvolvimento e utilização plenos de mecanismos que permitam a negociação das condições de trabalho entre as autoridades públicas interessadas e as organizações dos trabalhadores da Administração Pública ou de qualquer outro meio que permita aos representantes dos trabalhadores da Administração Pública participarem das referidas condições. A solução de conflitos surgidos em razão da fixação das condições de trabalho será buscada de maneira adequada as condições nacionais, por meio da negociação entre as partes interessadas ou mecanismos que dêem garantias de independência e imparcialidade, instituídas de modo que inspirem confiança às partes interessadas

Trazemos os ensinamentos de Martins (14), conceituando essas normas

jurídicas emanadas da OIT:

As convenções da OIT são normas jurídicas provenientes da Conferência da OIT, que têm por objetivo determinar regras gerais obrigatórias para os Estados que as ratificarem, passando a fazer parte de seu ordenamento jurídico interno. São Normas aprovadas pela Conferencia Internacional por maioria de dois terços, e para terem validade devem ser ratificadas pelos países signatários. Ressalte-se que os Estão não são obrigados a ratificá-las, só o fazendo quando assim têm interesse. É obrigatória a Convenção e

71

firma direitos e obrigações. As Convenções da OIT tem natureza de tratados multilaterais, pois podem ter varias parte. São abertas, pois permitem a ratificação sem qualquer limite de prazo. Todos os países membros da ONU são automaticamente membros da OIT. É considerada fonte formal de Direito e tem natureza de lei federal.

Quanto à Recomendação, afirma o autor:

Recomendação é uma norma da OIT em que não houve número suficiente de adesões para que ela viesse a transformar-se numa Convenção. Para tanto, passa a ter validade apenas como sugestão ao Estado, como mera indicação, de modo a orientar seu direito interno. Ela não é ratificada pelo Estado-membro, ao contrário do que ocorre com a Convenção, mas é submetida à autoridade competente no direito interno. É facultativa a recomendação, não obrigando os países-membros da OIT, servindo apenas como indicação. Normalmente, a recomendação tem a finalidade de completar as disposições de uma Convenção da OIT. É considerada como mera fonte material de Direito, servindo de inspiração para o legislador nacional tratar de seu conteúdo.Não cria direitos e obrigações.

Seguindo a conceituação da própria OIT (31):

A Convenção é um instrumento sujeito a ratificação pelos Países-membros da Organização e, uma vez ratificada, reveste-se da condição jurídica de um tratado internacional, isto é, obriga o Estado signatário a cumprir e fazer cumprir, no âmbito nacional as suas disposições. A Recomendação, por sua vez, embora não imponha obrigações, complementa a Convenção e, como expressa o próprio termo, recomenda medidas e oferece diretrizes com vista à viabilização da implementação, por leis e práticas nacionais, das disposições da Convenção.

A proposta de Ratificação das referidas Normas da OIT, foi encaminhada ao

Congresso Nacional pelo Chefe do Poder Executivo em 14 de fevereiro de 2008,

sendo aprovada através de Decreto Legislativo n. 206, de 07 de abril 2010, nestes

termos:

Art.1º São aprovados os textos da Convenção n. 151 e da Recomendação n. 159, da Organização Internacional do Trabalho, ambas de 1978, sobre as Relações de Trabalho na Administração Pública. Parágrafo único. São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão das referidas Convenção e Recomendação, bem como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do inciso I do art. 49 da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Art.2º. No caso brasileiro:

I - a expressão “pessoas empregadas pelas autoridades públicas”, constante do item 1 do artigo 1 da Convenção n. 151, de 1978, abrange tanto os empregados públicos, ingressos na Administração Pública, mediante concursos público, regidos pela Consolidação das

72

Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, quanto os servidores públicos, no plano federal, regidos pela Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e os servidores públicos, nos âmbitos estadual e municipal, regidos pela legislação específica de cada um desses entes federativos; II – consideram-se organizações de trabalhadores abrangidas pela Convenção apenas as organizações constituídas nos termos do art. 8º da Constituição Federal.

Todas as Convenções contêm disposições relativas à sua entrada em vigor.

O procedimento adotado desde 1928 tem sido a de se prever a entrada em vigor das

Convenções doze meses depois do registro da segunda ratificação e,

posteriormente, com referência a cada Estado que as ratifica, doze meses depois do

registro de sua ratificação (31). O instrumento de Ratificação foi depositado pelo

governo brasileiro junto ao Diretor-Geral da Organização Internacional do Trabalho

em 15 de junho de 2010. Assim os atos entraram em vigor internacional para o

Brasil, no âmbito jurídico externo, em 15 de junho de 2011.

Ressalte-se que, por força do parágrafo 5º, d, do artigo 19 da Constituição da

OIT, o Estado que ratifica uma Convenção se compromete a adotar “as medidas

necessárias para tornar efetivas as disposições da dita convenção”. A obrigação não

consiste unicamente em integrar a convenção na legislação, mas também na

necessidade de assegurar sua aplicação na prática.

No que tange à questão da incorporação das Convenções ratificadas ao

direito interno de cada Estado-membro, preconiza a OIT que:

Em virtude das disposições constitucionais de alguns países, as convenções ratificadas adquirem, pelo próprio ato de ratificação, forma de lei nacional. Nesses casos, é preciso ainda tomar outras medidas: a) para eliminar qualquer contradição entre as disposições da convenção e a legislação ou prática existentes; b) para dar efeito às disposições da convenção que não sejam auto-executivas (por exemplo, as disposições que exigem que certam matérias sejam reguladas por leis ou regulamentos nacionais ou decididas pela autoridades competentes: as disposições que requerem determinadas medidas administrativas, etc); c) para impor sanções nos casos apropriados e d) para assegurar que todas as pessoas interessadas (empregadores, trabalhadores, serviços de fiscalização do trabalho, autoridades judiciais, etc) sejam informadas da incorporação da convenção no direito interno. (Cf. Relatório da Comissão de Peritos, 1963, p. 9-13).

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) destaca a importância dos

sindicatos na aplicação das normas. Em geral, compete às organizações de

trabalhadores desempenharem um papel ativo no sistema das normas internacionais

do trabalho, seja no plano internacional ou no que respeita a sua aplicação nacional.

73

As possibilidades de ação das organizações de trabalhadores são as mais diversas

e pesam sobremaneira nas decisões governamentais. O papel consultivo das

organizações de trabalhadores contribui para o equilíbrio tripartite que caracteriza a

originalidade e a eficácia da OIT.

A proposta de uma legislação nacional para a adequação das Normas

Internacionais ao Direito Interno, ainda em fase de discussão entre a administração

pública, sindicatos de trabalhadores e o Congresso Nacional. A Lei determinará o

modo pela qual as garantias previstas pela Convenção serão aplicadas.

Desta forma, muitas indagações são postas: Quais as perspectivas do Direito

à negociação coletiva no SUS com essas normas internacionais? Qual o caminho

que será adotado pelo Brasil para estruturar a negociação coletiva do setor público?

Que proposição de regulamentação da negociação coletiva e do direito de greve no

Congresso Nacional será a mais adequada à realidade brasileira?

74

CAPITULO IV - CONTEXTO EMPIRICO DA NEGOCIAÇÃO O SUS, A FORÇA DE TRABALHO EM SAÚDE (FTS), A ORGANIZAÇÃO SINDICAL DOS TRABALHADORES E EMPREGADORES

Nesse capítulo, apresentamos a contextualização das principais experiências

de negociação na saúde e no serviço público, em âmbito nacional, procurando fazer

uma abordagem empírica. Conhecer os seus atores sociais e protagonistas do SUS;

a Força de Trabalho em Saúde, e como se organiza os trabalhadores e

empregadores, suas características principais inerentes ao modo de produzir saúde

e a organização do SUS.

Por mais evidente que seja sempre é importante compreender a dimensão da

saúde, aqui entendida como um campo mais amplo do que o SUS. Quando falamos

em trabalho na saúde, pretendemos circunscrever as ações e as relações de

trabalho inerentes ao universo de serviços públicos e privados. Para os objetivos

desse estudo, o Sistema Único de Saúde é parte desse universo, considerando,

também, que o sistema abarca um conjunto de trabalhadores regidos pelas relações

privadas, portanto não público, mas que as suas organizações estão submetidas às

diretrizes do SUS.

Contudo, denominamos como Força de Trabalho do SUS aqueles

trabalhadores vinculados ao Sistema Único de Saúde, mesmo a parte privada da

saúde que atua como serviços complementares ao SUS, bem assim, o contingente

de trabalhadores vinculados à esfera pública. Isso se faz necessário para expressar

essa diferença compreendendo as relações de trabalho e suas diferenças jurídicas

no interior do sistema, porém sem perder a dimensão da saúde como um todo, cuja

base de todo o sistema é o trabalhador cuidando da saúde da população.

A propósito, trazemos à luz as reflexões de Oliveira (26) ao afirmar que

embora todo o trabalho, em princípio, dignifique a pessoa, há trabalhos, cujos

objetos são mais dignos do que outros. Aqueles que têm como objeto a própria

pessoa humana tem uma maior dignidade do que muitos outros. É o que se dá com

o trabalho que tem por objeto a saúde quando inserido em uma finalidade social.

Não é sem razão que a Constituição dispõe que ações e serviços de saúde são de

75

relevância pública. Como se verá adiante, esta relevância vem do seu objeto, que é

a pessoa humana.

Admitir a saúde como um ponto de partida dentro de um processo inovador,

construído coletiva e socialmente. Para Braga (16), a saúde responde a uma lógica

complexa em que se articulam as visões sociais e individuais, que transcendem os

limites da biologia ou da clínica para introduzir-se na dimensão do desenvolvimento

humano. O referido autor assinala, ainda, que o conceito de saúde tem evoluído,

citando o adotado pela OPAS – Organização Pan Americana de Saúde:

A saúde tanto individual como coletiva é um produto de complexas interações entre os processos biológicos, ecológicos, culturais e econômico-sociais, que ocorrem na sociedade; neste sentido a saúde é, em grande medida, um produto das relações sociais predominantes, determinadas por um processo histórico do qual é uma das manifestações.

Nos ensinamentos de Paim (32), o SUS é o conjunto de ações e serviços

públicos de saúde, compondo uma rede regionalizada e hierarquizada, organizada a

partir das diretrizes da descentralização, integralidade e participação da

comunidade. É, portanto, uma forma de organizar as ações e os serviços de saúde

no Brasil, em obediência aos princípios, diretrizes e dispositivos estabelecidos pela

Constituição e pelas Leis subsequentes.

Considerando o aspecto legal, a Lei 8.080/902 define o Sistema Único da

Saúde como um conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e

instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e

indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, sendo permitida a

participação da iniciativa privada em caráter complementar, segundo as diretrizes do

SUS, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as

entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

Como um dos pilares norteadores da organização e funcionamento do SUS, o

principio da participação é, sem dúvida, a marca fundamental da democratização da

saúde. O principio participativo assegura a perspectiva democrática da gestão do

Sistema: a representação de gestores e dos trabalhadores e usuários que atuam

como sujeitos de direitos nos espaços colegiados e conferências de saúde.

2 Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990.

76

O caráter democrático e descentralizado é definido constitucionalmente

mediante a gestão participativa nos órgãos colegiados, mas é a Lei 8.142/903 que

disciplina essa matéria tão essencial para o SUS: Legitima a Conferência de Saúde

para lhe atribuir a competência de avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes

para a formulação da política de saúde, e dar ao Conselho de Saúde o caráter

permanente e deliberativo para atuar na formulação de estratégias e no controle da

execução da política de saúde, inclusive no aspecto econômico e financeiro do SUS.

Assim prescreve o parágrafo segundo do art. 1º da lei 8.142/90 em relação à

natureza dos conselhos de saúde, instância colegiada e deliberativa em cada esfera

de governo, assegurando a participação dos trabalhadores de saúde:

• O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo. (grifo nosso)

Essas dimensões fundamentais da participação política dos profissionais na

condução das politicas do sistema único de saúde, o conduzem para o próprio

campo do protagonismo. Aqueles que atuam na formulação das políticas públicas de

saúde, integrando esses espaços colegiados participativos e ao mesmo tempo,

agentes executores dessa política, enquanto integrantes da gestão do sistema.

Os serviços de saúde são caracterizados em sua organização de acordo com

processos de trabalho baseado em equipe interdisciplinar o que exige uma

capacidade de construção de relações intercategorias profissionais. A saúde,

constituída por estruturas concebidas sob a égide da democracia, favorecem a

interlocução com amplos setores sociais. Assim, os espaços de gestão dialogam

com esses segmentos, aí incluídos os segmentos dos trabalhadores. Como

resultado, temos a saúde como um produto cada vez mais coletivo e social.

Essa construção do SUS submete a lógica pré-determinada de

descentralização dos serviços de saúde, com direção única em cada esfera de

governo direcionado à municipalização para o local aonde é executado as ações de

saúde. Uma condição imprescindível para a adequação condizente às diversidades

3 Lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990.

77

e complexidades de um país segundo os seus princípios organizativos de estado

federativo brasileiro, integrando as três esferas de governo.

Na abrangência da gestão do SUS, o modelo concebido para o sistema é

ousado no que concerne à idéia de promover acordo e processos decisórios entre

os diferentes níveis gestores. Com essa complexidade e diversidade, a concepção

desses mecanismos visa permitir que vários atores sociais, mesmos os não

diretamente responsáveis pelo desempenho de funções típicas da gestão dos

sistemas e serviços, participem do processo decisório sobre a política. Criam-se e

ampliam-se as instâncias colegiadas de negociação, integração e decisão,

envolvendo a participação dos gestores, prestadores, profissionais de saúde e

usuários, ensina Giovanella (32).

Assim, o SUS tornou-se terreno fértil para a tese da negociação coletiva do

trabalho, sendo possível construir novos conceitos e fazer releituras de institutos

tradicionais aplicáveis ao direito coletivo do trabalho, além das possibilidades da

promoção de alianças políticas entre os trabalhadores e os outros atores sociais

visando a implementação e consolidação desse mecanismo no contexto da política

de saúde.

Nesse sentido, como bem assevera Paim (33), o reconhecimento dos direitos

dos usuários dos serviços pode ser um dos caminhos para um diálogo construtivo

entre gestores e trabalhadores do SUS e a sociedade, na medida em que o seu

cumprimento pode facilitar o envolvimento dos cidadãos na defesa do SUS.

A MESA DE NEGOCIAÇÃO: UM FATOR DE VITALIDADE PARA O SUS

A Mesa de Negociação do Trabalho do SUS é um caminho aberto pelo

diálogo construído entre os diversos atores do SUS, consequência das inter-

relações no interior desses órgãos colegiados participativos, tendo como eixo a luta

pela defesa da política de saúde e a qualidade na prestação desses serviços.

A origem e a sustentação da Mesa de Negociação do Trabalho no interior do

SUS nasce nesse contexto, e pode ser explicada o seu surgimento se entendida a

partir da gestão democrática e na força impulsionadora e vigorosa dos seus atores

sociais, que constituem a base social organizada do sistema, expressos tanto na

78

representação dos trabalhadores, segmento da representação dos gestores de

saúde, usuários e instituições de ensino e pesquisa na área.

No âmago das relações de trabalho do Sistema Único de Saúde, como dito,

há um segmento dos trabalhadores que são vinculados às organizações do setor

privado, os quais estão submetidos às disposições das Consolidações das Leis

Trabalhistas – CLT, aí incluídos os chamados terceirizados, e outros, com vínculos

diretos com Administração Pública que é disciplinado pelo Regime Jurídico Único

dos Servidores Civis, em cada esfera de governo, considerados como regimes

estatutários.

Há também um grande quantitativo de trabalhadores contratados sob o

regime administrativo especial, - de excepcional interesse público - considerados

como temporários para funções não permanentes da Administração Pública. Esses

dois regimes prevalentes – Estatutários e Administrativos – vão determinar a forma

de inserção, definição de direitos, deveres e obrigações na relação de trabalho entre

os governos e seus trabalhadores.

O setor privado do SUS é representado pelas Entidades prestadoras de

serviços de saúde privado lucrativo, os privados sem fins lucrativos, e as do terceiro

setor, as fundações de direito privado, cooperativas, ONG, os filantrópicos, forma de

gestão indireta admitida pelo sistema que obrigatoriamente contratam trabalhadores

conforme regras da CLT. As terceirizações e os contratos temporários de caráter

excepcional ocorrem com grande intensidade na saúde e se constituem num

componente a ser considerado nessas relações de trabalho.

Ressalte-se que as normas constitucionais fixam regras prescrevendo os

deveres e direitos dos trabalhadores, e especificamente para os trabalhadores da

Administração Pública no art. 37 da CF/88. Os estatutários são regidos por leis

específicas próprias de cada Entre federativo (União, Estados, Distrito Federal e

Municípios), as Leis Orgânicas e as Constituições Estaduais. Vale lembrar, que se o

ente público tiver adotado o regime de emprego publico estará submetido às regras

da CLT.

Daí se extrai as justificativas que na formatação da Mesa Nacional de

Negociação do SUS, o setor privado também passou formalmente a ter assento;

Sendo uma representação Patronal vinculada à Confederação Nacional de Saúde

(CNS), e uma representante da Confederação das Santas Casas de Misericórdia,

Hospitais e Entidades Filantrópicas, alcançando-se a paridade na representação

79

entre empregadores e trabalhadores vinculados ao setor privado, mas integrante do

SUS.

No que tange a organização sindical dos trabalhadores da saúde, parte

significativa deles ainda é organizada em sindicatos de base por categoria

profissional liberal que se amoldam de acordo com as regras tradicionais da

negociação coletiva do trabalho previstas na CLT.

Esses sindicatos atuam tanto no setor privado quanto no público. Nesse

contexto, há também um contingente significativo de sindicatos organizados por

ramo de atividade ou por empregador, que procuram realizar acordos gerais com a

Administração Pública para toda a categoria, estando, assim, mais sintonizados com

a proposta de negociação nacional através de Mesas, contudo, é inegável que essa

realidade torna o modelo de negociação coletiva no SUS um processo complexo.

Ainda em relação ao processo negocial, Drummond (34) observa que ainda

divergências maiores entre as entidades do setor. Enquanto os profissionais liberais

mantiveram negociação oficial isolada, por categoria, procurando estabelecer

acordos trabalhistas na respectiva data base, conforme as regras da CLT, as

organizações dos previdenciários e dos servidores da saúde, excluídos desta

modalidade negocial por representarem trabalhadores do setor público, buscaram

construir alternativas tentando configurar uma negociação única para todos os

trabalhadores do setor.

Isso vai significar a coexistência de modelos juridicamente antagônicos e vai

provocar complexidades na própria funcionalidade da Mesa.

Vale nesse aspecto, trazer à baila importante contribuição de Drummond (34),

à qual transcrevemos:

Quanto ao tipo de organização adotado para o setor público, alguns aspectos merecem maior atenção. Na preparação das associações para se transformarem em sindicatos, três teses foram debatidas internamente na CUT; a) sindicato por contratação, b) sindicato por ramos de atividade e c) sindicato por categoria. Diferenciavam-se entre si principalmente pela abrangência do modelo de organização que cada entidade teria. A primeira tese, a do sindicato por contração, defendia que todos os servidores públicos de uma mesma esfera de governo deveriam organizar-se em uma só entidade. Seus defensores alegavam que, sendo o empregador comum a todos, ele seria mais facilmente confrontado por um número maior de trabalhadores. Esse sindicato poderia, ainda, em conjunto com as demais entidades, defender com maior presteza os serviços públicos, obrigando o Estado a melhorar a qualidade do atendimento oferecido à população.

80

De acordo com a segundo tese, a organização dos sindicatos no setor público deveria se dar por ramo de atividade – uma entidade para cada conjunto de servidores cujo trabalho tivesse um produto final de mesma natureza: saúde, educação, poder judiciário, agricultura, etc. Cada um dos sindicatos deveria ter um projeto político próprio para seu ramo de atividade, contemplando a prestação adequada dos serviços públicos necessários à população. Segundo os defensores dessa proposta, aliança servidor-trabalhador-população representa a verdadeira prática classista defendida pela CUT. Ao se organizarem por ramo de atividade, os trabalhadores de uma mesma cadeia produtiva poderiam compreender melhor o produto final do seu trabalho. Como conseqüência de sua união, os servidores de um mesmo ramo teriam condições mais favoráveis de negociar as suas condições de trabalho e de interferirem no processo de produção como um todo. Mas conscientes, valorizariam sua atividade para a área em que se integram. Com um corte classista, esse projeto deveria corresponder aos interesses gerais dos trabalhadores. A última tese, dos sindicatos por categoria, sustentava que seria esse o modelo com maior capacidade de resposta aos interesses do segmento representado pela entidade. Na prática, esse tipo de organização varguista, da tradicional estrutura sindical oficial. Os argumentos favoráveis a essa tese referiam-se às especificidades de cada função ou profissão, que exigiriam sindicatos exclusivos para cada uma das categorias profissionais prevista em lei. É importante notar que, passada quase uma década, essas três formas de organização estão presentes na estrutura sindical existente nos dias de hoje. No setor saúde, por exemplo, existem os sindicatos de categoria – como médicos, enfermeiros, odontológos entre outros – que convivem com sindicatos por ramo, como os sindsaúde que organizam a categoria de trabalhadores da saúde em geral. Há ainda sindicatos por contratação como os de servidores municipais, estaduais ou federais que englobam também o setor saúde. No setor saúde há sindicatos organizados por categoria – como médicos, enfermeiros, odontológos, farmacêuticos, entre outros – que convivem com sindicatos por ramo de atividade, como os SINDSAÚDE’s (representam a nível estadual os trabalhadores públicos e/ou privados da saúde e concentram mais a representação de trabalhadores nível médio em geral) os SINDPREV’s (organizam trabalhadores federais vinculados aos órgãos da saúde, previdência, assistência e trabalho a nível estadual).

Daí se infere de que o modelo de negociação do trabalho no SUS se

fundamenta a partir da concepção da aliança servidor-trabalhador-população, tendo

como princípio a organização dos trabalhadores através de ramo de atividade, pois

assim eles poderiam compreender e interferir melhor o produto final do seu trabalho,

que é a produção de saúde de boa qualidade para a população, e assim, teriam

condições mais condizentes para a negociação do trabalho.

Há, ainda, sindicatos que organizam os trabalhadores pela via da contratação,

a exemplo de servidores municipais, estaduais ou federais, que englobam também o

setor saúde, assevera Drummond (34). Essas categorias profissionais estão

organizadas em suas respectivas federações – FENAM - Federação Nacional dos

Médicos; FNE - Federação Nacional dos Enfermeiros; FENAPSI - Federação

Nacional dos Psicólogos; FENAFAR - Federação Nacional dos Farmacêuticos; FIO –

81

Federação Interestadual dos Odontólogos e a Federação Nacional dos Odontólogos

e a FENAS – Federação Nacional das Assistentes Sociais, dentre outras

representações em âmbito nacional.

Muito embora a organização sindical do setor público se deu de forma numa

clara confrontação à CLT, numa pratica classista defendida pela Central Única dos

Trabalhadores, seguiu aos requisitos do sistema confederativo oficial em que se dá

a organização através de sindicatos, federações e confederações.

As confederações podem ser caracterizadas como entidades sindicais de

grau superior de âmbito nacional, segundo as regras estabelecidas pela CLT, devem

ser constituídas de no mínimo três federações. Essas entidades coordenam as

atividades das entidades de grau inferior, estando autorizadas, em certos casos, a

celebrar convenções coletivas e a instaurar dissídios coletivos, quando as categorias

não forem organizadas em sindicatos, nem federações.

Já as Federações são entidades sindicais representativas dos trabalhadores

em grau superior organizadas nos Estados-membros.

No caso de organização nacional por ramo de atividade, essas entidades

rejeitam a forma de organização sindical por empregador a partir do estabelecimento

de conceitos dos processos de trabalho voltados para uma única finalidade. Tem-se,

a FENASPS – Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde,

Trabalho e Previdência; e a FASUBRA – Federação Nacional de Sindicatos de

Trabalhadores em Educação das Universidades Brasileiras, que tem a interface com

as demais federações citadas em razão da representação dos trabalhadores dos

hospitais universitários, órgãos vinculados ao Ministério da Educação.

O setor ainda está organizado em Confederações de acordo do ramo de

atividade; A CNTSS – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade

Social, com uma base sindical representando trabalhadores do setor privado e

público voltada para a organização dos trabalhadores do ramo da seguridade social,

que se funda na concepção compreendida na articulação de políticas públicas e

integra um conjunto de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade,

destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência

social.

A CNTS – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde,

representando formalmente mais o setor privado, e tendo ainda a existência da

CONDSEF – Confederação Nacional dos Trabalhadores do Serviço Público Federal

82

em razão de ter representação na base trabalhadores do SUS. A CONFETAM –

Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal, uma vez

que a representação no município o setor da saúde está representado, pelo menos

em uma grande parte no país, pelos sindicatos municipais, assegurando uma maior

representatividade em razão dos municípios passarem a liderar a contratação da

força de trabalho no sistema único de saúde, conforme se pode verificar com os

dados apresentados nesse trabalho.

Torna-se necessário aprofundar a compreensão das diferenças inerentes a

cada um dos modelos e suas repercussões nas relações de trabalho no setor, uma

vez que eles coexistem. De um lado enquanto no setor público as tratativas se

desenvolvem na esfera de vontade do gestor, movido pelo compromisso de ordem

moral com baixa normatividade jurídica, do outro no setor privado é obrigatório a

negociação toda vez que o sindicato inicia o processo com apresentação da pauta

de reivindicações da categoria, atingindo uma alta normatividade dos seus

instrumentos negociados, inclusive com possibilidade instaurar o dissídio coletivo e

exigir cumprimento na esfera judicial pelo descumprimento do acordado.

A análise em relação ao grau de adesão do setor privado (empregadores e

empregados) a esse espaço de negociação no SUS, uma vez que têm à sua

disposição o modelo tradicional da negociação coletiva prevista na CLT, que tem um

caráter obrigatório para esses atores. De que forma se dá o cumprimento das

decisões negociadas, não obstante estarem vinculados ao sistema tradicional de

negociação coletiva existente há anos para o setor privado. A participação do setor

privado na condição complementar ao sistema único de saúde encontra amparo na

própria Constituição Federal que estabelece as regras da participação desse setor

no SUS.

Importante ressaltar que o setor privado corresponde a 43,6% do total de

empregos de saúde no Brasil, já o setor público da saúde é responsável pela

vinculação de 56,4% da força de trabalho de acordo dados do IBGE (AMS, 2005).

Segundo Oliveira (26), a análise dessa realidade é importante porque indica a

necessidade de conhecimento quantitativo e qualitativo da distribuição espacial e do

perfil dos profissionais de saúde e da força de trabalho em saúde e se reveste de

fundamental importância para o desenvolvimento de estudos na área da gestão do

trabalho. Essas informações se constituem campo de análise para o conhecimento

da negociação coletiva do trabalho na saúde.

83

Observa-se, também, que nesse contexto há uma forte tendência em que os

municípios assumem cada vez mais destaque na responsabilidade pela contratação

da força de trabalho no setor público, exercendo o papel principal como instância

empregadora do SUS. Do total de empregos no SUS, quando comparado a outras

esferas de governo, 68,86% estão nos municípios.

Ainda de acordo com os dados do IBGE (Tabela 1), a União apresenta níveis

baixos de contratação de 7,3%, com tendência a declínio acentuado, enquanto a

esfera estadual se mantém no patamar de 23,9%. Ressalte-se que, cada ente

federativo tem na sua esfera de competência e iniciativa privativa de leis que

disciplinem a relação com seus trabalhadores, definida constitucionalmente.

TABELA 1

Proporção de empregos públicos por esfera administrativa

Brasil, 2005

Brasil Federal Estadual Municipal 1.448.749 7,3% 23,9% 68,8%

Fonte: IBGE, Pesquisa de Assistência Médico Sanitária, 2005.

Pode-se analisar também o perfil dos trabalhadores do setor privado, que

muito embora estejam submetidos às regras da CLT, portanto da negociação

coletiva tradicional, os dados apresentam uma pequena margem no quantitativo de

trabalhadores vinculados ao setor privado lucrativo em relação ao privado sem fins

lucrativo, conforme Tabela 2.

84

TABELA 2

Proporção de empregos privados natureza administrativa

Brasil, 2005

Brasil Privado com fins lucrativos Privado sem fins lucrativos 1.117.945 (100,0) 57.3% 42.7%

Fonte: IBGE, Pesquisa de Assistência Médico Sanitária, 2005.

Ainda como um viés dessa análise, cabe compreender o perfil dos gestores

da saúde, parte integrante de atores da negociação. Analisando situação de

conceitos extraídos de livro destinado a empresário, comerciantes e executivos,

destacando para alguns requisitos considerados necessários ao processo de gestão

do serviço público. É nesse sentido que Braga (16) chama atenção para essa

realidade da gestão pública brasileira. O fato de não estarmos habilitados a pensar

como negociadores quando ocupamos a função de dirigentes do setor público da

saúde. Normalmente, as pessoas quando investidas em cargos da alta direção, e

muitas das vezes em cargos intermediários no serviço público incorporam

rapidamente essa concepção autoritária e cultural presente no Estado brasileiro.

Outro aspecto a ser analisado trata-se da representação nacional dos

empregadores. Como estão organizadas as estruturas de gestão do SUS e a

definição de papéis na esfera privada e pública nas relações de trabalho com

assento à Mesa Nacional. Na esfera de representação dos empregadores públicos,

destaca-se que o Ministério da Saúde exerce o papel de coordenador nacional do

SUS.

Nesse campo de empregadores , O CONASS – Conselho Nacional de

Secretários Estaduais de Saúde, segundo o que dispõe o seu Estatuto, se constitui

em entidade sem fins lucrativos, de personalidade jurídica de direito privado

representativa das secretarias estaduais de saúde de todo o país, a diretoria eleita

através de Assembléia, que se pauta pelos princípios que regem o direito público,

tendo como finalidade de congregar os secretários de estado de saúde e seus

substitutos legais enquanto gestores oficiais das secretarias de estado de saúde dos

estados e DF representam as Secretarias de Saúde dos Estados e Distrito Federal.

O CONASS é reconhecido como entidade de representação dos

Secretários de Saúde dos Estados nos fóruns de deliberação do Sistema Único de

Saúde - SUS, conforme consta no §3º do artigo 1º da Lei 8.142 de 28/12/90 e no

artigo 2º do Decreto 99.438 de 07/08/90, como decorrência da gestão compartilhada

85

entre os três entes federativos na forma de organização do SUS. Tem em sua

estrutura, a Câmara Técnica de Recursos Humanos (CT/RH).

CONASEMS – Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde,

entidade sem fins lucrativos de personalidade jurídica de direito privado, representa

as secretarias municipais de todo o país. Sua diretoria é eleita através de congresso

nacional. Tem em sua estruturação, o núcleo temático de gestão do trabalho e

educação em saúde. Da mesma forma, o CONASS, também tem reconhecimento de

ordem legal, conforme dispositivo legal previsto na Lei 8.142/90.

Na esfera da gestão privada, a Confederação Nacional de Saúde e a

Confederação Nacional das Santas Casas representam o setor privado

complementar ao SUS. Sendo o primeiro eminentemente privado, enquanto o

segundo considerado o privado sem fins lucrativos.

A EXPERIÊNCIA NACIONAL DE NEGOCIAÇÃO DO TRABALHO NO SUS E NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

A Mesa Nacional de Negociação do SUS tornou-se a experiência principal e

mais duradoura ocorrida em âmbito central da Administração Pública, desde a sua

criação em 1993 até os dias atuais. O seu ineditismo marcou profundamente as

relações de trabalho na esfera pública federal, as instituições de saúde e de ensino,

sindicatos, governos e organizações. O estabelecimento de mecanismos ‘sui

generis’ de tratamentos de conflitos, ainda que sem base legal definida, mas

portadora de um valor social e político extraordinário, foram firmados por seus

atores: trabalhadores e empregadores do SUS, sob o aval do Conselho Nacional de

Saúde.

Apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas ao longo de sua trajetória,

expressada através de seu funcionamento intermitente, conseguiu manter-se. E com

a sua consolidação, ganhou status de permanência, embalada pela conjuntura

institucional do país a partir da década dos anos dois mil, favorável à

institucionalização desses mecanismos de tratamento de conflitos no SUS e na

esfera pública federal.

Ressalte-se que há registros, a nível local, de outras iniciativas importantes,

marcadas no seu tempo pela capacidade inovadora de negociação na esfera pública

relatadas na obra de Braga (16). Em São Paulo, experiência do IAMSPE-Instituto de

86

Assistência Médica dos Servidores Estaduais (1989) foi um exemplo positivo,

relatada segundo dados do próprio o Autor e um dos idealizadores desse processo:

Durante o primeiro ano de funcionamento do processo foram estabelecidos 14 protocolos, que constituíram o primeiro Acordo Coletivo de Trabalho no Setor Público do País, cujo conteúdo passou a fazer parte integrante dos contratos individuais de trabalho, tanto dos trabalhadores, como dos demais componentes dos grupos homogêneos.

Criado à época, o Sistema Permanente de Negociação Coletiva de Trabalho

do IAMSPE apresentou as seguintes características:

ü Em relação aos seus componentes: A Mesa de Negociação, formada por representantes das partes, estabelece protocolos através de consenso. Tais protocolos comporão os Acordos Coletivos de Trabalho, assinados anualmente, e que passam a fazer parte integrante dos contratos individuais de trabalho. Em todo e qualquer caso a ser apresentado para discussão e o estabelecimento do acordo consensual, o interesse dos usuários da Instituição é ‘ sempre’ prioritário. ü Em relações aos princípios: Como em todo sistema de natureza contratual, existem princípios do Direito Constitucional e normas da esfera do Direito Trabalhista e da Administração Pública que devem ser respeitadas, servindo como limites para o sistema. Nesse sentido, eventuais condições que ferem a ordem pública, os princípios da moral e da legalidade, a liberdade sindical, as normas de proteção ao Trabalho não podem ser estabelecidas por quaisquer instrumentos de acordo coletivo. Por outro lado, em se tratando de órgão público, há que se observar a supremacia do interesse público sobre o particular e os acordos deverão ser, sempre, oficializados através de ato normativo da autoridade competente (portaria, decreto, etc), para que seja respeitada a indisponibilidade do interesse público. ü As bases legais para o setor público. Existe, ainda, discussão dos aspectos jurídicos relacionados à negociação coletiva de trabalho no setor público. A instalação do processo no IAMSPE baseou-se no principio constitucional da livre associação sindical aos servidores civis do setor público (artigo 37, inciso VI), reafirmado no artigo 115, inciso VI da Constituição Paulista promulgada em 1989.

Em nível municipal, a negociação coletiva do trabalho na prefeitura de São

Paulo no governo da prefeita Luiza Erundina (segundo o autor, a experiência

incompleta); o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS (1994) através da gerência

de São Paulo e a Prefeitura de Campinas em São Paulo (1990) 4 que criou a

Comissão Permanente de Negociação (CPN) através do Decreto Municipal n.

4 Decreto Municipal 10.213, de 22 de agosto de 1990, instituindo a Comissão Permanente de Negociação.

87

10.213, de 22 de agosto de 1990, estabelecendo as regras e procedimentos para a

garantia do processo legal e a formalização da matéria produzida na negociação dos

conflitos individuais e coletivos de trabalho no âmbito municipal, foram, também,

experiências para a construção e evolução de um campo teórico que harmonizasse

os conceitos do direito coletivo do trabalho tradicional próprio da iniciativa privada

com os conceitos do direito público.

Ainda nesse contexto, Stoll (13) cita, por exemplo, a experiência desenvolvida

na Prefeitura de São Paulo na administração (2002) de Marta Suplicy, com a criação

do Sistema de Negociação Permanente (SINP) para a eficiência na prestação dos

serviços públicos municipais de São Paulo. O lastro jurídico foi dado pela Lei

Municipal n. 13.303, de 18 de janeiro de 2002, que ao dispôs sobre a revisão geral e

anual da remuneração dos servidores públicos municipais, foi incluído um dispositivo

que normatizou, assim, a matéria:

[...] Art.6º objetivando a efetiva observância ao princípio da eficiência do que trata o art. 37 da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho de 1998, o Executivo estabelecerá, por meio da secretaria de Gestão Púbica, metodologias para promover avaliações e aprimoramentos na execução dos serviços públicos, bem como instituirá sistemas participativos, de caráter permanente, visando dar tratamento aos conflitos decorrentes dos vínculos funcionais e de trabalho que interfiram na eficácia desses serviços, constituindo tais medidas parte integrante da política conjugada de valorização dos servidores públicos municipais, com a qualificação dos serviços prestados à população.

Analisando esse processo, Stoll (13), afirma que, conceitualmente, o SINP –

Sistema de Negociação Permanente apresentou-se enquanto leitura da tese do

Contrato Coletivo de Trabalho para o setor público, adotada pela Administração

Municipal e pelas entidades sindicais do funcionalismo para regulamentar suas

relações. Em principio, pode parecer que conceitos como os empregados na

formulação do sistema pertenceriam, exclusivamente, aos institutos do Direito do

Trabalho, típicos do setor privado. Contudo, a Constituição Federal, a doutrina e o

arcabouço jurídico-administrativo oferecem elementos consistentes ao administrador

público para a produção de sistemas participativos destinados ao tratamento de

conflitos do trabalho.

Essas experiências pioneiras em São Paulo foram muito importantes para

conformar uma base teórica que fosse possível estabelecer a negociação no setor

88

público. Mesmo não sendo duradouras, tiveram um significado na origem e evolução

de um modelo ainda em construção, servindo de paradigma para outras

experiências que sucederam.

Muito embora os elementos da negociação coletiva no setor público e privado

pareçam situar em campos opostos, na verdade se assemelham, quando cotejados,

e integram o campo do direito coletivo de trabalho. Uma delas, e talvez a mais

fundamental refere-se ao posicionamento do poder judiciário em relação ao direito à

negociação coletiva dos trabalhadores no setor público, ao firmar o entendimento de

não ser possível a negociação coletiva no setor público nos moldes em que é

praticado no setor privado, além de ter afastado a possibilidade de julgamento de

conflitos, coletivos ou individuais oriundos da relação de trabalho, pela via da Justiça

do Trabalho.

Coube aos diversos atores sociais integrantes do setor saúde desenvolver

alternativas para instituição de um processo permanente que conduzisse ao diálogo

e buscar a solução dos conflitos das relações de trabalho, envolvendo trabalhadores

e empregadores no âmbito do SUS, sob a chancela do Conselho de Saúde (CNS).

Assim, não obstante ter enfrentado um contexto adverso ao longo desses

anos, empregadores e trabalhadores vinculados à saúde engendraram, com o apoio

dos Conselhos de Saúde, no plano nacional e posteriormente difundido em todo o

país, uma conformação sui generis, em seus aspectos formais e metodológicos, de

negociação através de Mesas Permanentes de Negociação do Trabalho.

Observa-se que o SUS se tornou um terreno fértil para inovar e desenvolver

genuinamente esses espaços de negociação. Quer pela sua própria natureza de

construção de consensos através de estruturas colegiadas, quer pela interação e

participação de gestores, prestadores, profissionais de saúde e usuários nos

processos decisórios. O modelo desenvolvido no âmago do sistema único de saúde

foi, sobretudo, uma construção dos vários atores sociais do SUS, que teve o apoio

do Controle Social e de ministros de estado da saúde, destacando-se o

protagonismo dos trabalhadores. Essas são as evidências que explicam o

surgimento e a resistência desses processos até os dias de hoje.

É bom frisar que a regulamentação do direito de greve e negociação coletiva

entre as entidades sindicais dos trabalhadores públicos não é um tema pacífico. Há

uma necessidade de desmitificar a negociação coletiva da idéia, ainda presente, de

ser entendida como possível ‘cooptação’ dos representantes sindicais pelos

89

empregadores, ou até mesmo o arrefecimento ou substituição da greve pelos

espaços da negociação coletiva.

Ocorre que, a priori, sem os espaços estruturados da negociação, a luta em

defesa dos interesses da categoria tende a se desorganizar e a concretude da ação

sindical fica, por vezes, comprometida, principalmente quando o empregador público

assume uma atitude meramente de indiferença diante do processo de negociação.

Diante de tal situação só resta aos sindicatos a deflagração de greves para fazer

valer as suas reivindicações e o estabelecimento do diálogo ou o restabelecimento

do diálogo perdido.

Nesse sentido, o tema da negociação coletiva se reveste de uma relevância

extraordinária para a sociedade, especificamente para o SUS, pois os seus

trabalhadores lidam no dia a dia com o que há de mais sublime de todos os direitos -

a vida. Assim, a primeira premissa a ser desenvolvida é a de Estado não pode negar

o acesso ao tratamento de conflitos oriundos das relações de trabalho no SUS. Nem

tão-pouco tratá-los de forma diferente em relação aos demais trabalhadores.

Para obter uma melhor investigação da origem e a trajetória do processo de

negociação no SUS, optamos em estabelecer o presente estudo em períodos, uma

vez que o seu funcionamento se deu de forma intermitente ao longo de sua

existência.

UM POUCO DA HISTÓRIA... Primeira Fase da Mesa de Negociação do SUS (1993-1996)

A tese favorável à negociação coletiva no setor público federal,

particularmente em âmbito central do SUS, ganhou força no seio do movimento

sindical: a CUT – Central Única dos Trabalhadores, e da sua entidade orgânica do

ramo da seguridade social, a CNTSS – Confederação Nacional dos Trabalhadores

em Seguridade Social com apoio de entidades sindicais do setor. A Confederação

aprovou no seu 3º Congresso Nacional a proposta de implantação de Mesa

Permanente de Negociação abrangendo todos os trabalhadores do Sistema Único

de Saúde.

90

A idéia teve inspiração no contrato coletivo de trabalho nacionalmente

articulado vigente em países europeus, afirma Drummond (34). Este processo

pretendeu inovar a negociação sindical na Administração Pública em dois aspectos:

ao formalizar um processo negocial sistemático com servidores públicos e negociar

simultaneamente com varias categorias, abrangendo todo o setor. Com esse modelo

de negociação rompe-se com a fragmentação imposta pela CLT.

Essa concepção norteou o delineamento de todo o processo no SUS; uma

vez que previa a negociação nacional acompanhada por negociações estaduais e

municipais, através do sistema de Mesas, detalhando e complementando no âmbito

local aquilo que se negociou na esfera federal. Há registros importantes de criação e

funcionamento regular de Mesas Estaduais e Municipais do SUS.

Traçando um paralelo entre o modelo articulado de Mesas do SUS com o

modelo Italiano do contrato coletivo, é possível afirmar que o mesmo serviu de

paradigma para a concepção do modelo de negociação através de Mesas no SUS.

Naquele país o sistema do contrato coletivo foi desenvolvido independentemente de

qualquer procedimento legislativo, porém, a contratação poderia ser feita em todos

os níveis, normalmente sendo realizada por ramo de atividade/categoria, com prazo

de vigência de três anos, até que outro contrato substituísse o anterior, utilizando o

“protocolo” como instrumento normativo, assevera Martins (14).

Naquele país, as Centrais Sindicais têm grande participação nas

negociações, principalmente a Confederação dos Trabalhadores Italianos, a

Confederação Italiana dos Sindicatos de Trabalhadores e a União Italiana dos

Trabalhadores, sendo organizadas por categoria e intercategoria, de âmbito

nacional. O conteúdo do contrato coletivo é bastante amplo, incluindo questões

salariais, segurança, produtividade, organização do trabalho, qualidade, novas

tecnologias. As questões mais amplas são negociadas pelas centrais

interconfederais.

As partes é que fiscalizam a aplicação do contrato coletivo, cabendo ao

Estado o papel de apenas organizar e estimular a negociação. Nos serviços públicos

o acordo é submetido ao Parlamento. Os conflitos coletivos são resolvidos mediante

greve, conciliação, mediação, com pequena aplicação da arbitragem privada e

grande mediação dos Poderes Públicos (14).

Naquele país existia a contratação articulada, de âmbito nacional, em que o

instrumento normativo de maior hierarquia abrangia o de menor hierarquia, inclusive

91

por ramo de atividade ou compreendendo todas as atividades econômicas

existentes no país. Através dela são tratadas condições gerais de trabalho, podendo

em níveis inferiores serem tratadas outras questões, primeiro em âmbito da

categoria, depois em âmbito da empresa. De acordo com a situação as condições

poderiam ser renegociadas em níveis inferiores, descentralizando o processo de

contratação. Pode-se dizer que havia, de certa forma, a adoção de um sistema de

contratação permanente.

A negociação articulada, todavia, não produzia resultados desejados, pois era

comum haver uma renegociação em níveis inferiores, mesmo de cláusulas que já

haviam sido estabelecidas aos níveis superiores. O processo inflacionário foi

agravado por esse motivo, levando as partes e o governo celebrar um pacto social

para reverter a situação, em que ficou acordado que não seria possível a

renegociação do que já havia sido negociado em nível superior (14).

Nesse contexto, a proposta de se instituir uma Mesa Nacional de Negociação,

com o objetivo de estabelecer um Fórum Permanente de Negociação entre

empregadores e empregados do SUS, surgiu formalmente com a aprovação da

Resolução 52, de 06 de maio de 1993 do Conselho Nacional de Saúde, ato

administrativo homologado pelo Ministro de Estado da Saúde, não questionado

judicialmente quanto à sua constitucionalidade ou ilegalidade até o momento.

Além de a referida Resolução ter sido fundada nos princípios Constitucionais

norteadores do SUS da participação democrática em suas instâncias, foi amparada

pelos os dispositivos legais previstos no §2º da Lei 8.142, de 28 de dezembro de

1990, tendo o Conselho de Saúde exercido à plenitude do caráter deliberativo de

suas atribuições regimentais e legais considerando que a formulação de uma política

de negociação do trabalho com esse formato é estratégico para a saúde.

Dispõe o §2º da Lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990, destacando o seu

caráter deliberativo:

O Conselho Nacional de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle de execução da política de saúde na instancia correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo.

92

Com o objetivo de oferecer uma maior compreensão da trajetória desse

processo, o presente estudo identificou um conjunto de informações relacionadas a

determinados períodos que assumiu características próprias, e, portanto,

importantes em seus recortes históricos podendo ser estudada em fases.

Em seu pioneirismo, a arena da negociação foi denominada originalmente de

fórum; instância criada para negociar sobre todos os pontos pertinentes à força de

trabalho em Saúde. Constituída com a participação de onze representações de

empregadores públicos sendo 3 do Ministério da Saúde; 3 do Conselho Nacional de

Secretários de Saúde (CONASS); 3 do Conselho Nacional de Secretários Municipais

de Saúde (CONASEMS); 1 da representação da Secretaria da Administração

Federal; 1 representante do Ministério da Educação e Desporto, e 11 representantes

das Entidades Sindicais do Setor.

A Resolução já enumerava os itens que deveriam conter a pauta de

negociação, aberta a outros itens a critério da Mesa, a saber:

› salário: reposição, reajuste, isonomia; › jornada de trabalho no SUS; › carreira da Saúde; › direitos e conquistas sindicais nas reformas de estrutura no Sistema Único de Saúde; › mecanismos de gestão de Recursos Humanos no Sistema Único de Saúde.

O próprio ato atribuiu a iniciativa do Ministério da Saúde para convocar e

instalar a primeira reunião da Mesa, sendo que foi assegurada à mesma autonomia

para elaborar o seu próprio regimento e estabelecer o calendário de reuniões. Nesse

período foi produzido o regimento institucional da Mesa Nacional de Negociação do

SUS, contribuindo, do ponto de vista organizativo, para o acúmulo de conhecimento

na área da negociação. Vale ressaltar que a criação da Mesa visava:

• melhorar as condições de trabalho e o relacionamento hierárquico dentro das instituições públicas do setor, em cada esfera de governo; • melhorar o desempenho e a eficácia profissional dos quadros funcionais e, portanto, a resolutividade dos serviços prestados à população, assegurando a valorização e capacitação profissionais, buscando viabilizar as condições necessárias ao efetivo funcionamento do SUS; • promover cooperação técnica dos Estados, Distrito Federal e Municípios, na implementação do processo de negociação coletiva de trabalho sempre que solicitado, considerando:

i. a finalidade exclusivamente social do órgão público; ii. necessidade de se adequar os interesses dos trabalhadores da saúde às atividades finalística do SUS, consubstanciadas na prestação de serviços de qualidade aos usuários;

93

iii. entendimento de que, dada a natureza de relevância pública dos serviços de saúde, a execução dessas ações não ocorre adequadamente sem que haja empenho e eficiência profissional de todos aqueles que nelas estejam, direta ou indiretamente, envolvidos.” (16).

O regimento expressava claramente a idéia de a Mesa transformar-se em

espaço permanente de negociação, instituindo uma cultura de negociação

permanente. Segundo a alínea e, as partes entendem que a negociação é

permanente e que a parte está obrigada a negociação quando solicitada pelo outra

parte ou pela coordenação do sistema, mesmo em situações adversas, como a

greve e outras. O seu caráter de permanente da Mesa é outro elemento inovador

desse processo. Vejamos as considerações de Oliveira (26) apud Coelho,

atribuindo que a falta de cultura da negociação tem raízes históricas:

Não bastam, todavia, considerações formais sobre a negociação coletiva e convênios coletivos. Impõe-se que se crie uma “cultura da negociação permanente”. O primeiro grande problema existente em relação à data-base das categorias é que não existe uma cultura negocial, ou seja, uma tradição de entendimento e diálogo permanente entre sindicatos e empresas. Com raras exceções, as categorias econômicas e profissionais somente discutem seus problemas e reivindicações apenas uma vez a cada ano, na chamada “data-base”, que é o momento assegurado legalmente a cada uma delas para rever as condições de trabalho, inclusive salariais, previstas por normas coletivas vigentes e também para criar novas normas. Geralmente esse momento não se apresenta propício para uma verdadeira negociação, já que as reivindicações acumuladas ao longo do ano são inúmeras, variando desde questões muito simples até questões mais complexas, cuja discussão exige estudo prévio, levantamento de informações, que , muitas vezes, só as empresas possuem, e uma metodologia que possibilite as partes criarem um espaço verdadeiramente negocial. Não raro os atores fracassam nesse intuito, e não só devido à insuficiência de tempo para negociar, mas também porque não há no atual sistema um estímulo para que as partes assim procedam.

Não obstante a MNNP-SUS ter sido criada formalmente a partir de uma

resolução do Conselho Nacional de Saúde, a Mesa não fazia parte da estrutura

organizacional do Ministério da Saúde, nem mantinha vinculação formal de

subordinação ao Conselho, preservando a autonomia e a independência de

funcionamento como uma das características fundamentais inerentes ao próprio

espaço de negociação do trabalho.

Regimentalmente a MNNP-SUS elegeu o Controle Social como instância

mediadora quando da existência de impasses na negociação. Mesmo porque na

composição do Conselho há outros atores, a exemplo da representação dos

94

usuários, que poderiam contribuir na solução do impasse da negociação. Nesse

sentido, não há como negar uma vinculação de ordem política e moral da Mesa ao

Conselho de Saúde.

Ressalte-se que em 1994, o Plenário do Conselho Nacional de Saúde

aprovou a Resolução 111, de 09 de junho de 1994. Homologada pelo Ministro de

Estado da Saúde, propunha aos Estados e Municípios a implantação de Mesas de

negociação, composta de forma paritária entre empregadores e trabalhadores à

semelhança da Mesa Nacional de Negociação. Com isso pretendeu-se assegurar

uma formatação desse processo articulado com os princípios organizativos do SUS,

e o respeito à autonomia federativa dos Entes das diferentes esferas de governo. A

resolução atribuiu ao Conselho de Saúde, o acompanhamento e a promoção de

estímulo à implantação de Mesas, contribuindo para a criação de um espaço

fundamental para melhoria das relações entre empregadores e trabalhadores no

âmbito do SUS.

A partir desse período a Mesa entra num processo de declínio, sem conseguir

sustentar-se politica e estruturalmente.

Segunda Fase da Mesa de Negociação do SUS (1997-2002)

Em 1997, com a aprovação da Resolução 229, de 08 de maio de 1997 pelo

Conselho Nacional de Saúde ocorre a reinstalação da Mesa Nacional de

Negociação, com os mesmos objetivos previstos na Resolução 53/93. A bancada

dos empregadores públicos passou a ter nove representantes em igual número, a

bancada representativa dos trabalhadores. Destacando que nesse novo formato,

ganhou assento à Mesa, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde

(CNTS), com atuação mais intensa na representação do segmento privado dos

trabalhadores no setor saúde, sem, contudo, haver a indicação correspondente da

representação dos empregadores apesar da garantia do assento à Mesa com o

novo regimento interno.

Com o cenário político institucional adverso, a Mesa, sem que houvesse

regularidade em seu funcionamento, enfrentou muitas dificuldades de ordem

estruturais e conjunturais. A Mesa funcionava nas dependências do próprio CNS,

com o apoio da secretaria executiva do próprio órgão. Com muitas ausências,

principalmente dos representantes governamentais na esfera federal e com

95

dificuldades de iniciar tratativas sobre a pauta de reivindicações com um governo

que se opunha às teses sindicais, ocorreu uma natural desmotivação no seio da

bancada dos trabalhadores e dos demais empregadores.

A Mesa entrou em declínio nos finais dos anos de 1990 e inicio da década de

2000, tendo participado de forma marcante das negociações visando elaborar e

aprovar as Diretrizes para a Norma Operacional Básica do SUS - NOB-RH e de

algumas tratativas intermediando solução de conflitos da relação de trabalho em

nível federal, estadual e municipal, destacando a participação da negociação com a

FUNASA e o Ministério da Saúde visando uma solução para a reintegração dos

trabalhadores chamados de ‘ mata mosquito’ no Rio de Janeiro. A jornada de

trabalho também foi ponto de reivindicações tratada à Mesa, sendo objeto de

intensas negociações o qual resultou num acordo firmado entre trabalhadores e

empregadores.

Essa fase da Mesa se caracterizou pela posição da representação sindical

dos trabalhadores liderada pela CNTSS aliada principalmente à representação dos

Gestores Municipais (CONASEMS) dos gestores estaduais (CONASS) e da

Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Saúde que sustentaram a idéia da

Mesa como espaço de negociação do trabalho no SUS, contrapondo-se ao

segmento governamental que defendia a desativação do referido espaço. Nesse

período, na coordenação da Mesa esteve à frente a representação da Confederação

Nacional dos Trabalhadores da Seguridade Social (CNTSS-CUT).

Terceira e Atual Fase da Mesa de Negociação do SUS (a Partir 2003)

Através da Resolução 331, de 04 de novembro de 2003, o Conselho Nacional

de Saúde, resolve ratificar o ato de reinstalação da Mesa Nacional de Negociação

Permanente do SUS, de acordo com os objetivos estabelecidos nas Resoluções

52/93 e 229/97 e referenciado nos princípios e diretrizes para a Norma Operacional

Básica de Recursos Humanos para o SUS.

Esse novo período foi marcado por algumas inovações quando comparada as

demais, ampliando o leque de itens a serem negociados a saber:

plano de cargos e carreira da saúde – PCCS (carreira/SUS); Formação e qualificação profissional; saúde do trabalhador da saúde; critérios para liberação de dirigentes para exercer mandato sindical;

96

seguridade de servidores; precarização do trabalho, formas de contratação e ingresso no setor

público; instalação de Mesas Estaduais e Municipais de Negociação; reposição da Força de Trabalho.

Outro aspecto importante desse período foi a incorporação de duas

representações patronais do setor privado, passando para treze, o número das

representações das bancadas, respeitada a paridade e a representação da

Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal

(CONFETAM), fortalecendo o setor municipal que passou a ocupar a categoria de

principal esfera empregador do setor público no SUS.

A Mesa ganhou também o caráter permanente quanto ao aspecto da sua

funcionalidade, uma vez que sofria com a intermitência nos períodos anteriores. A

sua retomada nessa fase é caracterizada pelo momento institucional favorável com

a defesa do novo governo federal instalado a partir de 2003, de se estabelecer uma

política de redemocratização das relações de trabalho no setor público.

Outra medida estruturante foi a criação da SGTES - Secretaria de Gestão do

Trabalho e da Educação em Saúde no âmbito do Ministério da Saúde instituída com

a função de dar maior centralidade à política nacional de recursos humanos na

Saúde em articulação com as outras estruturas do SUS.

Nesse bojo dessas mudanças com a reativação dos trabalhos da Mesa,

estruturou-se uma Secretaria Executiva da MNNP-SUS vinculada à SGTES,

posteriormente ao DEGERTS, com a finalidade de dar suporte operacional aos

trabalhos da Mesa Nacional de Negociação do SUS, estando a seu cargo os

trabalhos de articulação e encaminhamentos dos trabalhos de acordo com a agenda

deliberada pela Mesa, atendendo, desse modo, as suas necessidades para o

funcionamento pleno.

Por ocasião do ato comemorativo do transcurso dos cinco anos da reativação

da MNNP-SUS (35), assim restou consignado em seus documentos:

A Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS-MNNP-SUS pode ser caracterizada como um projeto coletivo onde a democratização nas relações de trabalho na saúde surge como um valor fundamental. Nesse cenário, a solidariedade de mecanismos e estruturas sociais é, em sua essência, um atributo imprescindível e configura-se como uma das diretrizes que orienta o processo de negociação envolvendo os governos federal, estaduais e municipais, os prestadores de serviços e trabalhadores da saúde, sujeitos do processo de construção do SUS.

97

A reativação da MNNP-SUS no plenário do Conselho Nacional em 04 de junho de 2003, é a prova definitiva de como ela é um instrumento criativo e transformador para superação de adversidades, sejam elas políticas, institucionais ou regionais no campo das relações do trabalho na saúde.

Contudo, analisando dados atuais dos processos de implantação de

mesas estaduais e municipais no SUS, percebemos que ainda existem muitas

fragilidades.

Vejam-se os dados da Secretaria Executiva da Mesa Nacional do SUS sobre

o quadro nacional de mesas em funcionamento e as que tiveram o seu

funcionamento paralisado.

Tabela 3

Mesas de Negociação em Funcionamento

Mesas Vab. %

Estaduais

ERROR: invalidfontOFFENDING COMMAND: show

STACK: