A região cacaueira da Bahia - dos coronéis à vassoura-de-bruxa

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  • Universidade Estadual de Santa Cruz

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  • Ilhus - Bahia2008

  • 2008 by Lurdes Bertol Rocha

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    Universidade Estadual de Santa CruzRodovia Ilhus/Itabuna, km 16 - 45662-000 Ilhus, Bahia, Brasil

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    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Ficha catalogrfica: Elisabete Passos dos Santos - CRB5/533

    R672 Rocha, Lurdes Bertol. A regio cacaueira da Bahia dos coronis vassoura-de-bruxa : saga, percepo, representao / Lurdes Bertol Rocha. Ilhus : Editus, 2008. 255p. : il.

    ISBN: 978-85-7455-147-0 1. Bahia Histria Regio Cacaueira (BA). 2. Cacau- Doenas e pragas Bahia. 3. Cacau Histria Bahia. 4. Vassoura-de-bruxa Bahia. 5. Economia Regio Cacaueira (BA). I. Ttulo.

    CDD 981.42

  • AGRADECIMENTOS

    Agradecer faz parte do vocabulrio e da atitude de quem percebeu que sempre precisa de algo ou de algum para levar avante suas tarefas, das mais simples s mais complexas. Enumerar a tudo e a todos algo assaz dif-cil. Mencionar alguns no significa que outros no estiveram presentes nessa caminhada. A todos, os registrados ou no, minha splica ao Deus de meu corao, a fim de que a Com-preenso, a Humildade, a Paz, a Tolerncia, a Generosidade e a Justia sejam esteios de suas vidas. Assim, agradeo:

    UESC, por ter o privilgio de pertencer a seu qua-dro de professores.

    FAPESB, pelo apoio financeiro no perodo do curso de Doutorado.

    professora doutora Barbara-Christine Nentwig Sil-va, pela orientao e amizade.

    UFS e, em especial, ao NPGEO e sua equipe de coordenadores, professores, auxiliares tcnicos, ad-ministrativos e funcionrios em geral, por me terem acolhido durante os quatro anos do Doutorado.

    CEPLAC, por ter colocado minha disposio seu acervo cientfico, artstico e cultural e, em especial, a Raimundo Moror, pela sua disponibilidade em ex-plicar o projeto piloto Fazendas de Chocolate sob sua coordenao.

    Ao professor Sylvio Bandeira, pelo incentivo e suges-tes.

    minha famlia, pela compreenso de minhas ausn-cias, por entenderem minha sede de sempre buscar mais e mais no campo intelectual.

    A Helena e sua famlia, meus irmos na Ordem Rosa-cruz, pelo carinho e apoio recebendo-me como hs-pede em sua casa em Aracaju.

    A Antnio Fontes, pelas discusses sobre a cartogra-fia regional.

    A Araori Coelho, pela exmia elaborao dos mapas.

  • A Luiz Henrique Farias, pelo apoio na Imprensa Uni-versitria.

    A Basa e a Aline, pelo trabalho de revisar este texto. A Lcia que, zelosamente, cuidou de minha casa,

    principalmente no meu perodo sergipano. A todos, enfim, que da melhor maneira possvel con-

    triburam para a elaborao e concluso desta tese de doutoramento em Geografia.

    Poder agradecer uma ddiva, por isso no invejes teu benfeitor, nem te esforces por ocultar o benefcio que te pres-tou; pois, embora seja melhor dar que receber, embora a ge-nerosidade desperte admirao, a humildade da gratido toca o corao e agradvel tanto aos olhos de Deus como dos ho-mens; esta j era uma mxima dos antigos sbios.

  • PREFCIO

    A regio cacaueira da Bahia, pela sua densidade tmpo-ro-espacial, ou seja, pela relevncia de seus aspectos histricos e geogrficos, integrando questes ambien-tais, econmicas, sociais, polticas e culturais, uma das mais estudadas de todo o Estado da Bahia. Com efeito, na Geo-grafia, por exemplo, desde Pierre Monbeig (1945) passando por Milton Santos (1957) e tantos outros autores, tem havido importantes contribuies regionais, como pode ser visto, ao lado de trabalhos de outras disciplinas, na extensa bibliografia deste livro.

    Entretanto, faltava uma contribuio que procurasse analisar, de forma profunda, como foi construda a identida-de nica desta regio a partir da importncia do cacau como signo, ou melhor, a partir da percepo, por parte de diferen-tes segmentos da sociedade, do destacado papel do cacau no processo de produo regional. Com outras palavras, faltava um trabalho que ressaltasse como a idia de regio foi sendo dinamicamente construda por dentro, ou seja, na mente das pessoas que vivenciavam os fatos e processos e como isto foi importante para a consolidao regional, mesmo diante de su-cessivas crises.

    Este livro, de Lurdes Bertol Rocha, preenche de forma brilhante esta lacuna. Assim, o livro, resultado de sua Tese de Doutorado em Geografia, defendida na Universidade Federal de Sergipe, bem apoiado na Fenomenologia e na Semitica, traz uma contribuio inovadora para entender a regio pelas suas caractersticas impressas na alma de seus habitantes. A autora procura, de forma bastante original, analisar tudo isto na histria, no imaginrio, na literatura, nas manifestaes verbais e nas artes. E isto bem detalhado segundo os diversos segmentos sociais e segundo as diferentes reaes aos novos problemas e desafios regionais.

    , portanto, uma contribuio expressiva, para, ao mes-mo tempo, o conhecimento (erklren) da regio e o entendi-mento (verstehen) de como as coisas efetivamente se produ-ziram e se produzem como resultado da compreenso do ca-cau como signo enraizado de toda esta vasta rea do territrio

  • baiano. Considero tambm que o trabalho de Lurdes Bertol Rocha ser um marco na Geografia Regional brasileira, pela original integrao terica e metodolgica resultando em uma anlise regional relevante, j que conseguiu captar questes fundamentais e atraentes, e pela integrao com novas formas de expresso e representao fotogrfica, grfica e cartogrfi-ca, com destaque para os mapas mentais.

    Barbara-Christine Nentwig SilvaSalvador, 24 de abril de 2007

  • APRESENTAO

    O tema deste livro baseado na tese de Doutorado em Geografia, orientado pela professora doutora Barbara-Christine Nentwig Silva (UFBA), defendida em 30 de novembro de 2006 na Universidade Federal do Sergipe. O li-vro compe-se de sete captulos, nos quais a Regio Cacaueira da Bahia apresentada em sua caminhada de lutas, dificul-dades e vitrias, desde a poca dos coronis at a chegada da vassoura-de-bruxa.

    No primeiro captulo, a Introduo, fez-se um panorama geral da regio cacaueira.

    No captulo dois discute-se o conceito de regio cacaueira e procurou-se desvendar as vrias divises regionais por que passou o Sul da Bahia, seu significado para os rgos oficiais e no meio popular.

    O captulo trs faz uma retrospectiva histrica das diver-sas lendas e mitos a respeito do cacau, alimento dos deuses, na terra dos homens. D conta de sua trilha em terras baianas, das crises que a lavoura tem atravessado desde seu incio, e as medidas tomadas, atravs da criao de rgos oficiais, para fazer-lhes face.

    A enfermidade mais grave que atacou as rvores dos fru-tos dourados, causando a maior crise at ento vivida pela ca-cauicultura sul-baiana, as vrias aes levadas a efeito para solucionar o problema constam do captulo quatro, no qual mostrada tambm a situao da regio cacaueira que, de ex-portadora do produto, tornou-se importadora.

    No captulo cinco, a percepo e a representao do ca-cau, desfila o significado deste produto com suas vrias formas e cores para os diversos segmentos da populao, e a influn-cia de suas vitrias e fracassos no cotidiano de cada um.

    Os principais movimentos vividos pela regio cacaueira do Sul da Bahia, no sentido de tentar se reerguer, de rees-crever sua histria, esto explicitados no captulo seis. Nele so apresentados o cacau orgnico, o cacau fino, o projeto Fazenda de Chocolate e outras aes e possveis alternativas que foram sendo implementadas para que uma reestrutura-

  • o regional seja um fato concreto. A concluso consta do captulo sete.

    Dessa forma, o livro procura contribuir para um entendi-mento mais amplo da regio cacaueira da Bahia, seus temores, suas angstias, sua luta para continuar tendo o cacau como um produto importante de sua economia. Isto se explica por ter sido ele responsvel por toda uma trajetria regional de vida que iluminou e obscureceu os caminhos, criou riquezas, propi-ciou o desenvolvimento, inseriu a regio no cenrio mundial e, hoje, procura alcanar a luz no fim do tnel a fim de comear uma nova caminhada.

  • Sumrio

    1 INTRODUO ....................................................................................................13

    2 REGIO SUL DA BAHIA E REGIO CACAUEIRA ....................................16

    2.1 REGIO SUL DA BAHIA - BAIXO SUL, CACAUEIRA, EXTREMO SUL 14 2.2 REGIO CACAUEIRA - CONCEITO ........................................................24

    3 MANJAR DIVINO NA TERRA DOS HOMENS - THEOBROMA CACAO ......................................................................................31 3.1 TRILHAS E CRONOLOGIA ......................................................................31

    3.1.1 CACAU, ALIMENTO DOS DEUSES - LENDAS SOBRE SUA ORIGEM ................................................................32 3.1.2 CACAU E CHOCOLATE - SAGA ENTRE OS HOMENS ..............35 3.1.3 O CACAU EM TERRAS BAIANAS ............................................. 40

    3.2 AS CRISES CCLICAS DA CACAUICULTURA BAIANA E A PROCURA DE SOLUES ...............................................................53

    3.2.1 INSTITUTO DE CACAU DA BAHIA - ICB ..................................55 3.2.2 COMISSO EXECUTIVA PARA O PLANO DA LAVOURA CACAUEIRA - CEPLAC ...........................................57 3.2.3 CENTRAL NACIONAL DOS PRODUTORES DE CACAU - CNPC ....................................................................73

    4 VASSOURA-DE-BRUXA - CRINIPELLIS PERNICIOSA NO SUL DA BAHIA - INCIO DE UMA NOVA ERA? .................................75

    4.1 CRINIPELLIS PERNICIOSA COGNOME, VASSOURA-DE-BRUXA .........................................................................75

    4.2 DIFUSO DA VASSOURA-DE-BRUXA ...................................................78

    4.3 QUEDA NA PRODUO ......................................................................... 88

    4.4 MEDIDAS DE COMBATE .......................................................................94 4.4.1 CLONAGEM VEGETAL ...............................................................95 4.4.2 PROJETO GENOMA ...................................................................99

    4.5 O SUL DA BAHIA APS A VASSOURA-DE-BRUXA DE REGIO EXPORTADORA A IMPORTADORA DE CACAU .................107

    4.6 A VASSOURA-DE-BRUXA NOS JORNAIS LOCAIS E NAS PESQUISAS ACADMICAS ......................................................... 116

  • 5 O CACAU - PERCEPO E REPRESENTAO ........................................124

    5.1 CACAU - UM SIGNO IMPRESSO NA ALMA SUL-BAIANA .........................................................................................125

    5.2 OS PIONEIROS .......................................................................................126

    5.3 PERSONAGENS DO PASSADO PRESENTES NO IMAGINRIO REGIONAL ....................................................................130

    5.3.1 DESBRAVADOR ........................................................................130 5.3.2 CORONEL..................................................................................134 5.3.3 JAGUNO .................................................................................. 137 5.3.4 CAXIXEIRO, CONTRATISTA, ALUGADO ...............................140 5.3.5 JUPAR .....................................................................................142

    5.4 O CACAU NA LITERATURA REGIONAL ..............................................143

    5.5 O CACAU NA PERCEPO DOS HABITANTES DA REGIO CACAUEIRA .....................................................................163

    5.5.1 MANIFESTAES VERBAIS ....................................................164 5.5.1.1Significadodocacauparaosdiversos segmentos ...................................................................164 5.5.1.2Vassoura-de-bruxa .......................................................168 5.5.1.3 Clonagem ...................................................................... 177 5.5.1.4Repercussonocomrcioepossibilidadede introduodeoutrasculturas ....................................183 5.5.1.5Linguajartradicionalnalabutacomocacau- significados ..................................................................184

    5.5.2 MANIFESTAES PELAS ARTES ...........................................185

    6 RUDOS DE REESTRUTURAO REGIONAL ........................................ 197

    6.1 EM BUSCA DE NOVOS PARADIGMAS .................................................198

    6.2 MOVIMENTOS DE RENOVAO ........................................................ 202 6.2.1 CACAU ORGNICO ................................................................. 202 6.2.2 CACAU FINO ............................................................................. 211 6.2.3 PROJETO FAZENDA DE CHOCOLATE .................................. 217 6.2.4 AGROINDSTRIA ....................................................................227 6.2.5 TURISMO - UMA SADA? ....................................................... 228

    7 CONCLUSO .................................................................................................... 234

    BIBLIOGRAFIA ................................................................................................. 238

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    1INTRODUO

    [...] a primeira imagem de meus ps andando por si ss

    e todos os meusolhos

    se estirandopelo verde dos cacauais abertos na mata

    como um mar que desse frutos de ouroe frutos de fome.

    ValdelicePinheiro

    O cacau, objeto de estudo desse livro, responsvel pela formao, progresso, crises e reestruturao da regio cacaueira da Bahia, possui uma ecologia vegetal exi-gente: gosta de umidade, tanto do ar quanto do solo; de intimi-dade com a floresta, indispensvel para a criao de ambiente sombreado, necessrio para a vida saudvel das roas e uma boa produo; de temperaturas mdias anuais entre 25C e 27C, no suportando temperaturas inferiores a 15C; umida-de relativa do ar, em mdia, a maior de 88% em junho e a me-nor, 85%, em janeiro, para o perfeito crescimento dos frutos. A boa ou m safra depende, em grande parte, dessas condies ideais, e por isso que, com ansiedade, o homem da zona do cacau espera que do cu caiam as primeiras chuvas de vero. [...] de ver a alegria que de uma hora para outra resplandece na fisionomia de todos quantos tm sua vida ligada ao cacau (SANTOS, 1957, p. 19).

    Com o estabelecimento e o desenvolvimento da lavoura cacaueira, a regio Sul da Bahia, a partir do final do sculo XIX e incio do XX, passou a ser vista como um Eldorado. Anu-almente, milhares de pessoas chegavam de vrias partes do pas, principalmente de Sergipe, atrados pela fama de riqueza

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    atribuda rvoredosfrutosdeouro.Durante dcadas, generosamente, os cacauais produzi-

    ram os frutos que trariam riqueza, prosperidade, ganncia, morte, vida; geraram e sustentaram fazendas, vilas, cidades; construram o porto de Ilhus, escolas, estradas, manses; propiciaram viagens, festas, orgias; financiaram coronis, estudantes, banqueiros, polticos. Por conta do cacau, foram criados o Instituto do Cacau da Bahia - ICB; a Comisso Exe-cutiva do Plano da Lavoura Cacaueira - CEPLAC, com todos os seus rgos: Centro de Pesquisa do Cacau - CEPEC, Centro de Extenso - CENEX, Escola Mdia de Agropecuria da Regio Cacaueira - EMARC; a hoje Central Nacional dos Produtores de Cacau - CNPC, entre outros. O cacau trouxe a riqueza, mas tambm a pobreza. Trouxe fartura, mas tambm escassez.

    Os principais estados produtores de cacau do Brasil, Bahia, Amazonas, Par, Esprito Santo, Rondnia e Mato Grosso, viveram e vivem altos e baixos na produo e expor-tao desse produto agrcola. No caso especfico do Sul da Bahia, principal rea produtora do Estado e do pas, a regio vivenciou uma fase de prosperidade sem precedentes, que se estendeu da segunda metade da dcada de 1970 at meados da dcada de 1980, perodo aps o qual emergiu numa situao de grandes dificuldades. Os reflexos da crise que se instalou de forma mais aguda no incio dos anos 1990 decorrem de uma srie de fatores, tais como baixa de preos do produto, poltica cambial e, em especial, uma doena que acometeu os cacauais da regio, a vassoura-de-bruxa (Crinipellisperniciosa). Esses elementos, em conjunto, foram responsveis pela origem de uma grave crise, cujos resultados, do ponto de vista social, eco-nmico e ambiental, apresentam-se altamente danosos. Esse fungo, verdadeira bruxa montada em sua vassoura, veio dis-posto a varrer dos cacauais a inrcia, a inpcia, o comodismo. As rvores centenrias estavam em seu limite de esgotamento, sinalizando para a renovao. Contudo, a CEPLAC, principal guardi dos frutos de ouro, os agricultores, os exportadores, no souberam ler os signos que apontavam para o iminente colapso da lavoura cacaueira.

    No incio de sua saga no Sul da Bahia, o cacau foi intro-duzido no litoral. Canavieiras ( poca fazendo parte do mu-nicpio de Ilhus) foi a primeira rea a cultiv-lo, em 1746, po-

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    rm, foi a atual rea do municpio de Ilhus que se constituiu como ponto focal da regio cacaueira. Mais tarde, a cultura expandiu-se para o interior, numa disputa pelas melhores ter-ras. Dessa forma, diversas cidades surgiram em funo des-sa cultura, desviando sua ateno da cidade de Ilhus, que se constitua na capital do cacau.

    Quando os primeiros sergipanos chegaram regio, no final do sculo XIX, para cultivar o cacau, o que fizeram com persistncia, denodo, trabalho rduo, muito suor derrama-do, irrigando o cho, acreditaram que os cacaueiros por eles plantados produziriam frutos para sempre, sem necessidade de renovao das plantas e adubagem do solo. Contudo, para sempre muito tempo. Como tudo no universo, o que nasce, morre, renasce, numa ciranda infinita.

    A cultura desse produto, durante toda a sua histria, pas-sou por fases de alta produtividade, altos preos internacio-nais, mas tambm chegou ao fundo do poo, com crises de bai-xa produtividade devido s intempries climticas, s pragas, e isso aconteceu de forma cclica. Na atualidade, se medidas urgentes no forem tomadas, a decadncia dessa cultura po-der ser um fato consumado. O fausto que a regio conheceu est hoje mais na memria das pessoas, na histria local, nos monumentos, nos prdios que serviram de casas comerciais do cacau, tanto para exportao quanto para receber o produ-to como garantia de pagamento de dvidas, de adiantamento de dinheiro, por conta da prxima safra, que nem sempre seria boa (PINTO, 2002).

    Com este panorama da situao passada e presente da regio cacaueira do Sul da Bahia, e com o desenvolvimento do tema nos captulos que se seguiro, acredita-se justificar, neste livro, a questo central de que o cacau, nesta regio, se constitui num signo do desenvolvimento, crises e reestrutura-o regional. Em outras palavras, o cacau um signo regional de grande expresso, por ter sido o produto agrcola mais im-portante do Sul da Bahia a ponto de constituir, geogrfica e economicamente, em sua rea de atuao, uma microrregiocacaueira.

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    2REGIO SUL DA BAHIA E REGIO CACAUEIRA

    Na linguagem corrente, no Sul da Bahia, usam-se de for-ma indiscriminada os termos regio cacaueira, zona cacaueira, sudeste da Bahia, microrregio cacaueira, grande regio cacaueira. Oficialmente, hoje, usam-se as pa-lavras regio Sul da Bahia (Mesorregio Sul Baiano) e regio cacaueira da Bahia (Microrregio Ilhus-Itabuna). A seguir, esses dois conceitos sero contemplados, a fim de se fazer a distino necessria para a apresentao neste livro.

    2.1 REGIO SUL DA BAHIA - BAIXO SUL, CACAUEIRA, EXTREMO SUL

    O IBGE dividiu os estados brasileiros em mesorregies e microrregies. No caso da Bahia, so sete mesorregies, cada uma dividida em microrregies, num total de trinta e duas. As mesorregies so as do Extremo Oeste Baiano, Vale So-Franciscano da Bahia, Centro Norte Baiano, Nordeste Baiano, Metropolitana de Salvador, Centro Sul Baiano e Sul Baiano. A regio Cacaueira est inserida na mesorregio Sul Baiano, que composta de trs microrregies: Microrregio de Valena (Baixo Sul), com 10 municpios; Microrregio Ilhus-Itabuna (Cacaueira), com 41 municpios; Microrregio de Porto Seguro (Extremo Sul), com 19 municpios. De acordo com a Secreta-ria do Planejamento, Cincia e Tecnologia do Estado da Bahia (SEPLANTEC, 1997), a regio Sul da Bahia caracterizada por uma pluralidade de espaos, os quais possuem identidade prpria e autonomia.

    A Mesorregio Sul Baiano uma rea de clima tropical mido, sem estao seca, cujas temperaturas mdias anuais variam entre as mximas superiores a 24C e as mnimas de 21C, ficando as mdias mensais anuais durante o ano todo aci-

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    Figura 1 - Mesorregies da Bahia com destaque para a Mesorregio Sul Baiano

    Fonte: IBGE, 2006.

    Adaptao: ROCHA, L. B.

    ma de 18C. Os meses mais quentes vo de dezembro a maro, sendo que fevereiro pode atingir uma temperatura de mais de 30C. As temperaturas mais baixas concentram-se nos meses de julho e agosto. Do litoral para o interior e do norte para o sul, a pluviosidade apresenta um gradiente decrescente, com totais anuais superiores a 1.000 mm e, em alguns locais, chega a atingir 2.300mm. As chuvas ocorrem, normalmente, duran-te o ano todo, no havendo, portanto, uma estao seca defini-da, apenas menor pluviosidade em agosto, em contraste com o ms de maro, quando as precipitaes pluviomtricas so

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    Figura 2 - Microrregio Ilhus-Itabuna na Mesorregio Sul Baiano

    Fonte: IBGE, 2006.

    mais abundantes.A vegetao original desta regio foi, predominantemen-

    te, a Mata Atlntica, hoje existente apenas em alguns nichos, tendo sido degradada de forma sistemtica desde a chegada dos primeiros colonizadores europeus. A Mata Atlntica apre-senta rvores altas, podendo atingir at 50 metros [...] e uma biodiversidade maior do que a Floresta Amaznica (SILVA et al., 2004, p. 67).

    Os solos regionais variam bastante, predominando os la-tossolos e podzlicos que, apesar de serem profundos, em sua

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    maioria, so de baixa fertilidade natural, necessitando de cor-reo. Os solos mais frteis so ocupados pela cacauicultura e os de menor fertilidade so utilizados pela pecuria e pela silvicultura (ANDRADE, 2003, p. 41-43).

    O processo de desenvolvimento regional tem na mo-nocultura cacaueira sua sustentao. Comparando-se com a economia nacional, as bases histricas da implantao do cacau e sua evoluo na regio Sul da Bahia tm formas con-traditrias. Ao mesmo tempo em que foram criados mecanis-mos para minimizar a dependncia da monocultura cacauei-ra, as alternativas criadas no atenderam aos objetivos a que se propuseram.

    Foi no sculo XVI, com o descobrimento do Brasil, que se iniciou o processo de ocupao do Sul da Bahia. Daquele perodo at os dias atuais foram muitas e diversificadas as mu-danas ocorridas em sua estrutura, tanto econmica quanto social, as quais se deram em funo do papel atribudo a esta regio pelos colonizadores e pelos que se lhes seguiram, prin-cipalmente os que a ocuparam para desenvolver a cultura do cacau. Recursos humanos e materiais foram aqui introduzidos a fim de explorar os recursos naturais existentes, desmatando com isso extensas reas, sendo as mesmas ocupadas mais tar-de pela agricultura e pela pecuria.

    De forma similar ao que ocorreu nas demais reas do ter-ritrio brasileiro, o incio da ocupao no Sul da Bahia deu-se pelo extrativismo do pau-brasil e de outras riquezas vegetais. Seguiu-se depois (segunda metade do sculo XVI) a implanta-o de entrepostos comerciais ao longo do litoral. At o final do sculo XVII, a cultura mais importante foi a cana-de-acar, responsvel pelo povoamento e pela instalao dos primeiros povoados. J no final do sculo XVIII, a regio torna-se grande produtora de alimentos, notadamente de farinha de mandio-ca, milho, feijo, alm da atividade pesqueira em Santa Cruz Cabrlia e Porto Seguro.

    Do final do sculo XVIII ao incio do sculo XIX, foram introduzidas as culturas de algodo, caf e cacau, sendo que os dois ltimos destacaram-se na economia regional nesse pe-rodo. No final do sculo XIX, o caf j era um produto deca-dente, enquanto o cacau se firmava como produto dominante na sub-rea cacaueira. Contudo, no incio do sculo XX que

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    o cacau se torna definitivamente importante para a economia sul-baiana, sendo Itabuna e Ilhus responsveis pela maior produo, conforme censo de 1920. Alm disso, o cacau foi responsvel pelos remanescentes da Mata Atlntica. Parte da lavoura cacaueira praticada pelo sistema tradicional, a ca-bruca,que mantm parte do estrato arbreo da mata original para servir de sombreamento ao cacau, j que uma cultura que no suporta exposio ao sol. Com essa prtica, evita-se a eroso do solo e, como resultado, preserva-se o sistema hidro-lgico, pois boa parte ocupa rea de declive.

    No Brasil, a produo de cacau estende-se principal-mente pelos estados da Bahia, Par, Rondnia, Esprito San-to, Amazonas e Mato Grosso, sendo a Bahia o maior produtor nacional (MAPA, 2006). Na Bahia, 700 mil hectares de cacau distribuem-se por 96 municpios, sendo que, nesse estado, o produto j foi responsvel por 40% a 50% de sua receita. Hoje essa participao atinge apenas 8% da arrecadao estadual (GRAMACHO et al., 1992).

    A regio cacaueira da Bahia, dentro da diviso do IBGE em Mesorregies, est localizada na Sul Baiano, a qual se carac-teriza pela grande diversidade de aspectos scio-demogrficos quanto ao crescimento e distribuio espacial (Tabela 1):

    Dos 70 municpios que compem a Regio Sul da Bahia (Mesorregio Sul Baiano), o maior nmero deles est inseri-do na sub-rea cacaueira, ou Microrregio Ilhus-Itabuna (41 municpios), apesar de ocupar o segundo lugar em rea (19.542

    Tabela 1 - Regio Sul da Bahia - distribuio dos municpios, populao, rea de densidade por sub-rea 2006

    Sub-reas (mi-crorregies)

    Municpios Populao* rea Densidade

    Nmero % Nmero % Km2 % Hab/km2

    Cacaueira (Ilhus-Itabuna)

    41 58,5 1.071.555 52,0 19.542 34,9 55

    Baixo Sul (Valena) 10 14,5 244.142 12,0 5.971 10,7 41

    Extremo Sul (Porto Seguro)

    19 27,0 732.439 36,0 30.420 54,4 24

    Regio 70 100,0 2.048.136 100,0 55.933 100,0 36,6

    Fonte: IBGE. Disponvel em Acesso em 16 fev. 2006; SEPLANTEC, 1997, p. 62. *Estimativa: baseado no Censo do IBGE de 2000.

    Elaborao e adaptao: ROCHA, L. B.

    http://www.tabnet.datasus.gov.br

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    km2), depois da Microrregio do Extremo Sul (30.420km2). Aquela microrregio tambm se sobressai no que diz respeito ao total da populao (52% do total regional, com uma popu-lao absoluta de 1.071.155 habitantes) e densidade demo-grfica (55 hab/km2), contra 41 hab/km2 da segunda rea mais densamente povoada, o Baixo Sul.

    A estrutura fundiria, por sua vez, sofreu um processo de concentrao de terras, principalmente a partir da dcada de 1980, cujo panorama se pode observar pela tabela 2, a seguir:

    Tabela 2 - Estrutura fundiria da Microrregio Ilhus/Itabuna - 1980 e 1996

    rea 1980 (%) 1996 (%) < 10 ha 60,90 38,6510 a 100 ha 35,81 50,31100 a 200 ha 2,38 5,87100 a 500 ha 0,81 3,74 > 500 ha 0,11 1,43

    Fonte: IBGE: Censos Agropecurios.

    Elaborao e adaptao: ROCHA, L. B.

    A anlise dos dados acima comprova a transformao sofrida pela microrregio no que se refere concentrao da terra. O percentual de propriedades com menos de 10 hec-tares, que em 1980 ocupava o primeiro lugar (60,90%), em 1996 diminuiu para 38,65%, passando a ocupar o segundo lugar. Enquanto isso, as propriedades que ocupam o ltimo lugar no que se refere porcentagem total das propriedades, com rea acima de 500 hectares, passou de 0,11% para 1,43%, portanto, um crescimento de 1.251,50%, o que demonstra o crescimento da concentrao de terras em mos de uma mino-ria. Em 1980, o perfil da estrutura fundiria da microrregio apresentava uma concentrao nas micro e pequenas proprie-dades (60,9%). Este fato caracteriza a formao do produto regional em bases sedimentadas em modelo de produo de micro e pequenas empresas que, em tese, seria de mais fcil aplicao tecnologia orientada para o cultivo (COSTA, 2002, p. 34). J em 1996 o quadro outro: elevao de propriedades de um degrau para outro com a concentrao de terras em funo do desinteresse ou da falta de condies dos pequenos cacauicultores em se manter nas propriedades (ibidem).

  • 22

    A utilizao das reas da regio Sul da Bahia com o cacau, a quantidade produzida e o valor da produo se do, tambm, de forma diferenciada, sendo a Microrregio Ilhus-Itabuna a que mais se destaca, conforme se observa pelos dados das tabe-las 3 e 4, comparando-se com a produo do Brasil, da Bahia, e da Mesorregio Sul Baiano, no perodo de 1990-2004:

    Tabela 3 - rea plantada com cacau - Brasil, Bahia, Mesorregio Sul Baiano e Microrre-gio Ilhus-Itabuna hectares/percentagem da rea cultivada - 1990-2004

    1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004

    Brasil ha 668.800 744.958 701.802 667.461 710.496 707.487 680.216 659.758

    % 9,33 10,87 11,59 11,90 11,71 11,33 10,64 10,35

    Bahia ha 549.535 608.490 582.575 576.898 621.025 608.299 576.875 555.611

    % 49,76 48,94 54,06 52,54 51,73 48,08 45,71 43,59

    Sul da Bahia

    ha 479.145 534.652 511.541 512.138 554.024 539.105 509.129 485.988

    % 81,55 79,57 80,80 80,36 78,65 76,75 76,06 73,86

    Ilhus-Itabuna

    ha 418.635 456.949 441.250 448.260 460.752 440.570 428.133 405.395

    % 91,12 91,40 91,12 91,54 92,84 93,01 91,83 89,07Fonte: IBGE. Disponvel em: < http://www.tabnet.datasus.gov.br>. Acesso em: 16 fev., 2006.

    Elaborao e adaptao: ROCHA, L. B.

    Pela tabela 3, fica evidente a importncia da lavoura ca-caueira para o Sul da Bahia: enquanto a rea ocupada por este produto no Brasil gira em torno de 10% das terras cultivveis, no Estado da Bahia de mais de 40%, na Mesorregio Sul Baiano em torno de 70%, e a Microrregio Ilhus-Itabuna tem aproximadamente 90% de sua rea com o cultivo desse produ-to. O mesmo fenmeno ocorre no que se refere quantidade produzida, cujos dados esto a seguir, na tabela 4:

    Observando-se o percentual de cacau produzido, fica mais uma vez patente a importncia desta lavoura para a economia da Microrregio Ilhus-Itabuna. Para o Brasil, a produo de cacau, no perodo apresentado, fica em torno de 4%, de 30% para a Bahia, enquanto para a microrregio Ilhus-Itabuna a produo gira em torno de 80% em relao s outras lavouras. Contudo, nesse particular, percebe-se uma oscilao, tendo sido o perodo mais crtico o ano 2000, devido ao ataque da lavoura pelo fungo da vassoura-de-bruxa, ocasionando graves proble-mas sociais e econmicos, haja vista a importncia deste pro-duto para a regio (tema a ser tratado no captulo 4). O IBGE

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  • 23

    prev, para o ano 2006, em termos de Brasil, uma queda na produo de menos 6,03% (IBGE, 2006). Ao se analisar o valor desta mesma produo, o ano de 2004 apresentou uma queda significativa, creditada ao mesmo problema acima citado. Pelos dados da tabela 5, a seguir, pode-se evidenciar este fato:

    A variao no valor da produo de cacau no Brasil e na

    Tabela 4 - Quantidade da produo de cacau em amndoas: Brasil, Bahia, Mesorregio Sul Baiano e Microrregio Ilhus-Itabuna (em toneladas e percentagem da produo em

    relao s outras lavouras) - 1990-2004

    1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004

    Brasil ton. 356.246 328.518 330.577 256.777 280.801 196.788 174.796 196.005

    % 5,38 4,97 3,30 3,65 4,56 2,83 5,91 4,14

    Bahia ton. 298.024 263.548 271.889 204.168 234.918 137.568 110.205 136.155

    % 38,37 37,76 28,62 26,75 36,04 18,27 27,50 25,85

    Sul da Bahia

    ton. 260.377 237.086 240.929 178.111 213.063 115.317 91.455 116.349

    % 69,42 62,28 56,38 47,11 58,43 37,02 50,38 48,04

    Ilhus-Itabuna

    ton. 229.445 204.854 210.513 151.974 175.886 87.729 70.339 94.997

    % 86,05 85,20 83,38 71,68 84,73 69,62 74,12 74,53Fonte: IBGE. Disponvel em: . Acesso em: 16 fev. 2006.

    Elaborao e adaptao: ROCHA, L. B.

    Tabela 5 - Valor da produo de cacau em amndoas - Brasil, Bahia, Mesorregio Sul Baiano e Microrregio Ilhus-Itabuna - 1990-2004

    1990Mil cruzeiros

    1992Mil cruzeiros

    1994Mil reais

    1996Mil reais

    1998Mil reais

    2000Mil reais

    2002Mil reais

    2004Mil reais

    Brasil 23.343.022 1.273.717.509 277.240 263.221 447.270 299.620 967.758 879.416

    Bahia 21.186.289 1.111.505.114 240.259 217.258 381.772 221.560 622.747 665.773Sul da Bahia

    19.492.859 1.008.516.500 214.750 188.091350.598

    188.327 523.599 583.329

    Ilhus-Itabuna

    1.766.199 77.750.200 17.252 17.395 22.647 21.076 104.837 62.185

    Fonte: IBGE. Disponvel em: . Acesso em: 16 fev. 2006.

    Elaborao e adaptao: ROCHA, L. B.

    Bahia deve-se constante oscilao do preo de mercado, em parte pela superproduo da frica, principalmente Costa do Marfim. Enquanto em 1992 houve uma sensvel alta em rela-o a 1990, ocorreu o inverso em 1996 em relao a 1994, com

    http://www.tabnet.datasus.gov.brhttp://www.tabnet.datasus.gov.br

  • 24

    recuperao em 1998 e, assim, sucessivamente. As maiores discrepncias esto na Bahia, principalmente pelos efeitos do ataque da VB.

    2.2 REGIO CACAUEIRA - CONCEITO

    A regio cacaueira do Sul da Bahia j se constituiu num espao de referncias aristocrticas: os coronis do cacau fa-ziam passeios constantes pela Europa, seus filhos estudavam nas principais capitais do pas, suas esposas ostentavam rou-pas importadas. A seca do serto nordestino, a migrao dos camponeses sulistas, os destitudos de bens materiais eram problemas que passavam ao largo. A vassoura-de-bruxa, en-to, ao acampar por estas bandas, fez estragos, mas tambm acordou os que dormiam eternamente em bero esplndido, lembrando que a vida, e o que dela faz parte, est em constante mudana, indo sempre para frente, obrigando a uma reviso das atitudes, dos costumes, para que no se crie limo e no se obstrua o caminho dos que querem passar adiante, sempre mais desenvolvidos e mais humanos.

    Assim como o conceito geral de regio sofreu alteraes ao longo do tempo, o de regio cacaueira tambm passa pelo mesmo processo. A noo de regio, como todas as noes provenientes da linguagem comum, assaz imprecisa (RON-CAYOLLO, 1986, p. 160). Ao mesmo tempo em que se usava o conceito de regio cacaueira, era usado tambm o de zona cacaueira, sendo que este se referia to somente aos aspectos fsicos, enquanto aquele, mais recente, era atinente aos aspec-tos fsicos relacionados ao seu uso pelo homem. Santos (1957, p. 10 e ss.) propunha uma reviso, baseada na realidade econ-mica da poca, no que se refere classificao do IBGE quando define Zona Cacaueira. O autor demonstra, em seu estudo, que alguns municpios que no estavam na relao do IBGE produ-ziam cacau, enquanto totalidade dos municpios, no eram ci-tados como fazendo parte da Zona Cacaueira. Alm disso, mui-tos municpios, considerados como sendo da Zona Cacaueira por Santos, tambm se entregam a outro gnero de explorao agrcola, principalmente criao de gado (ibidem, p. 12).

    Com relao aos conceitos de Zona Cacaueira e Regio

  • 25

    Cacaueira, Santos (1957, op. cit., p. 14) explicita que

    Pode-se, tambm, falar da existncia, na Bahia, de uma verdadeira regio cacaueira, isto , uma rea maior de que faz parte a zona cacaueira,e que a ela est ntima e funcionalmente ligada. um fenmeno muito comum aos pases novos e que aqui se desen-volve sob as nossas vistas: a formao de uma regio.

    Enquanto o conceito ZonaCacaueira se balizava pelo es-tudo dos fenmenos naturais, o de RegioCacaueira era base-ado principalmente na paisagem, incluindo os fatos essenciais que a explicam [...] um conjunto do meio fsico e dos seus as-pectos de utilizao pelo homem (TRICART; SANTOS, 1958, p. 11). Como se observa, o conceito de regio era nitidamente baseado nos aspectos fsicos e na delimitao de rea com suas atividades humanas, visto que os autores consideram que, para uma diviso regional, deveriam entrar como elementos: a ca-racterizao do meio fsico, as formas de explorao direta dos recursos naturais e as atividades humanas, tais como comrcio, transporte, indstrias, dentre outros (ibidem, p. 13).

    O IBGE fez a primeira diviso do Estado da Bahia em 1940, com base no critrio fisiogrfico e de posio geogrfi-ca, a partir da homogeneidade fsica (ASMAR, 1983). A partir desse critrio, a Bahia passou a ter 16 Zonas Fisiogrficas, com qualidades e especificidades distintas entre si. Nessa poca, a Zona Cacaueira era composta de 21 municpios (passando mais tarde para 24, devido ao desmembramento de alguns), sendo que nem todos produziam cacau no perodo anterior dcada de 1970. O conceito e a diviso da Bahia em zonas fi-siogrficas, do IBGE, perdurou por mais de duas dcadas. Em 1966, o IBGE substituiu o conceito de Zona Fisiogrfica Ca-caueira pelo de Microrregio Cacaueira. Passaram a fazer par-te desta nova diviso 28 municpios. Para Asmar (1983, p. 25), o conceito de Microrregio Cacaueira, embora insuficiente,

    o que mais se aproxima do conceito real de Regio Cacaueira. Isto pela importncia do cacau a represen-tado, mas tambm pela prpria homogeneidade cultu-ral, histrica, social, econmica e geogrfica. Quanto

  • 26

    maior o raio de distncia do eixo Itabuna-Ilhus, mais se estar perto da heterogeneidade desses componen-tes, isto , menor a homogeneidade do espao.

    A partir de 1968, passaram a fazer parte da microrregio 48 municpios do Sul do Estado, excluindo-se municpios que, embora fazendo parte da Zona Cacaueira, no produziam ca-cau, e outros que, apesar de o produzirem, no pertenciam zona fisiogrfica, como o caso de municpios da Zona do Re-cncavo, por fugirem contigidade fsica. Um outro conceito de Regio Cacaueira, na dcada de 1970, referia-se aos muni-cpios produtores de cacau e os que sofriam influncia do pro-duto, todos sob a jurisdio tcnico-agronmica da CEPLAC, num total de 89 municpios.

    Asmar (1983, p. 23) informa ainda que em 1971 a Se-cretaria do Planejamento do Estado da Bahia iniciou estudos, atravs de uma regionalizao que nada tinha com a oficializa-da pelo IBGE. Para a CEPLAC, coube o estudo da Microrre-gio Litoral Sul, composta de 48 municpios que faziam parte das microrregies Tabuleiros de Valena, Cacaueira e Encos-ta do Planalto de Conquista. Essa conceituao, contudo, foi abandonada no governo seguinte, por ter sido considerada de cunho eminentemente poltico, apesar dos recursos humanos e financeiros envolvidos (ibidem).

    Surgiram, na dcada de 1970, os conceitos de Regio do Diagnstico, Polgono do Diagnstico ou Sudeste da Bahia (Figura 3). Eles eram tomados como sinnimos, em diferen-tes publicaes (ASMAR, 1983, p. 23). Faziam parte deste Diagnstico 89 municpios do sudeste baiano, compondo as microrregies: Cacaueira, Interiorana do Extremo Sul, Lito-rnea do Extremo Sul, Tabuleiros de Valena, Jequi, Encosta do Planalto de Conquista, Planalto de Conquista e Pastoril de Itapetinga. Dois teros desses municpios produziam cacau. Contudo, essas microrregies, se eram homogneas de per si, eram heterogneas demais para merecer um mesmo enfoque e tratamento (ibidem, p. 24).

    Em 1974, passou-se a utilizar o conceito de Grande Re-gio Cacaueira (ASMAR, 1983, p. 26). Entendia-se que esse conceito se contrapunha ao de Microrregio, por ser este base-ado na produo de cacau, tendo Itabuna e Ilhus como impor-

  • 27

    Figura 3 - Polgono do Diagnstico

    Fonte: CEPLAC, 1976, p. 11.

    tantes centros produtores e plos de crescimento econmico; j o conceito de Grande Regio Cacaueira significaria maior complexidade econmica, visto que o cacau convive ao lado de outros produtos como pecuria leiteira, seringa, dend, cravo, caf, pimenta, dentre outros. Assim, a Regio Cacaueira do Sul

  • 28

    da Bahia foi se formando, ao longo do tempo, tendo como base a monocultura do cacau. Como resultado dessa prtica eco-nmica formaram-se classes socioeconmicas, compostas por coronis, comerciantes, trabalhadores rurais, voltados para a produo do cacau, signo de dominao, riqueza, crises, po-breza, crescimento.

    Diniz e Duarte (1983, p. 7) elaboraram um trabalho sobre a Regio Cacaueira da Bahia segundo a regionalizao agrria estabelecida na dcada de 1970. A obra, com uma importante contribuio aos estudos sobre o cacau e uma rica cartografia, discute o conceito de regio para se chegar concluso que a base conceitual que daria conta da complexidade do espao cacaueiro como uma regio, seria consider-la uma totalidade social, um espao geogrfico produzido por uma sociedade (ibidem, p. 8). Para estes autores (p. 35), a Regio Cacaueira formou-se como resultado da sociedade que a estruturou, ao tempo em que sua base econmica ia se estabelecendo.

    Sintetizando, o quadro 1 apresenta as diversas formas de diviso pelas quais a regio cacaueira passou no perodo de 1940 a 1989 e a figura 4 apresenta os municpios da atual mi-crorregio Ilhus-Itabuna:

    Quadro 1 - rgo responsvel pela diviso, denominao, critrios e nmero de munic-pios nas diversas divises regionais do Sul da Bahia - 1940-1974

    Ano rgo Denominao Critrio Nmero de municpios1940 IBGE Zona Fisiogrfica Cacaueira Baseada no critrio fisiogrfico e de

    posio geogrfica, partindo da ho-mogeneidade fsica (a Bahia ficou dividida em 16 zonas fisiogrficas).

    24

    1967 IBGE Microrregio Cacaueira(hoje microrregio Ilhus-Itabuna)

    Homogeneidade econmica. 28

    1970 CEPLAC Regio do Diagnstico- microrregies: Cacaueira, Interiorana do Extremo Sul, Litornea do Extremo Sul, Tabuleiros de Valena, Jequi, Encosta do Planal-to da Conquista, Pastoril de Itapetinga

    Homogneas de per si, mas heterogneas para pertencerem a um mesmo enfoque.

    89

    1974 CEPLAC Grande Regio Cacaueira Complexidade Econmica. 89

    1989* IBGE Mesorregio Sul Baiano subdivida em trs microrregies: Baixo Sul, Ilhus-Itabuna e Porto Seguro

    Base socioeconmica.70

    1989* IBGE Microrregio Ilhus-Itabuna Predomnio da produo de cacau. 41

    Fontes: IBGE; ASMAR, S. R., 1983; MARINHO, 2002/2003; *Resumo PR 51 (IBGE) de 31 jul. 1989.

    Elaborao e complementao: ROCHA, L. B.

  • 29

    Figura 4 - Municpios da microrregio Ilhus-Itabuna

    Fonte: IBGE, 2005.

    Adaptao: ROCHA, L. B.

  • 30

    O que chama a ateno nos estudos regionais da Bahia para fins de planejamento que algumas regies foram privile-giadas em detrimento de outras. Entre as privilegiadas, citam-se a Regio Metropolitana de Salvador e a Regio Oeste, que antes era chamada de Regio Alm-So Francisco. Esta ltima, no final da dcada de 1970 e na de 1980, foi contemplada com estudos com vistas sua integrao no processo produtivo da Bahia. Enquanto isso, as regies Cacaueira e Extremo Sul fo-ram praticamente excludas, pois, por estarem sob a jurisdio da CEPLAC, liberaram o Estado de interferncia neste pro-cesso, desviando-o para reas menos assistidas (FUNDAO CPE, 1992, p. 7).

  • 31

    E o cacau foi chamado o alimento do cu,a baba-de-moa comida na lua.E o cacau ficou na coroa da lua.

    E os meninos fizeram a roda na ruaPedindo lua, manjar do cu.

    Sosgenes Costa

    3.1 TRILHAS E CRONOLOGIA

    O cacau, um produto agrcola conhecido, cultivado e apreciado em vrias partes do mundo, alimento sagra-do de deuses e sacerdotes, objeto de desejo de muitos, tem uma trajetria humano-divina at aportar nas terras do Sul da Bahia e no paladar dos que apreciam o que se produz dele. Suas amndoas, alimento, bebida e moeda de troca, cria-ram rotas comerciais internacionais, sustentaram economias, fizeram surgir instituies que delas se ocupassem, propicia-ram desnveis sociais gritantes, estiveram presentes nos mo-mentos de alegria, sofrimento e frustrao de proprietrios de fazendas, exportadores, comerciantes, trabalhadores.

    3MANJAR DIVINO NA TERRA DOS HOMENS - THEOBROMA CACAO

  • 32

    Os nativos americanos, principalmente os Astecas e os Maias, j conheciam o cacaueiro e apreciavam seus frutos muito antes da chegada de Cristvo Colombo desembarcar na Amrica, visto que suas amndoas j circularam como moe-da corrente em alguns pases americanos. No sculo XVI, com uma centena de amndoas de cacau era possvel comprar um bom escravo (BONDAR, 1938). Entre as tribos da Nicargua, um coelho custava 10 sementes e um escravo valia 100. En-treter-se com uma prostituta custava de oito a dez das moedas comestveis enrugadas (ROSENBLUM, 2006, p. 20). O cho-colate, bebida preparada pelos ndios, era preparado a partir das amndoas torradas, posteriormente trituradas entre duas pedras e a massa da decorrente era fervida em gua aromati-zada com baunilha, canela e pimenta da Jamaica (BONDAR, 1938). Devido importncia econmica de suas amndoas e ao sabor do chocolate dele extrado em forma lquida ou s-lida, o cacaueiro espalhou-se pelo mundo, gerou riquezas e misria, freqentou as elites, aps ser cultivado e colhido por trabalhadores que s conheciam a lida do campo e no o sabor sofisticado das barras de chocolate refinadas produzidas em outras paragens.

    3.1.1 CACAU, ALIMENTO DOS DEUSES - LENDAS SOBRE SUA ORIGEM

    Da mesma forma que toda planta de elevado significado social e simblico tem origem misteriosa, a rvore do cacau, normalmente baixa, de folhas largas, tronco manchado, tem sua lenda. De acordo com a mitologia asteca, seu deus Quet-zcoalt, senhor da Lua Prateada e dos ventos gelados, assim como Prometeu, Deus do panteo grego, quis ofertar aos ho-mens um presente subtrado das propriedades divinas. Este Deus, querendo ser simptico aos homens e oferecer-lhes algo que lhes desse energia e prazer, embrenhou-se pelos campos luminosos do Reino dos Filhos do Sol a fim de furtar sementes da rvore sagrada. Por este motivo, essas sementes teriam sido plantadas primeiramente pelos sacerdotes. A bebida amarga extrada dos frutos do cacaueiro s podia ser tomada em ta-as de ouro (CURZ, 2003). Os astecas acreditavam que o Deus

    http://ecoport.org/ep?Plant=2131http://ecoport.org/ep?Plant=702http://ecoport.org/ep?Plant=1714http://ecoport.org/ep?Locality=109

  • 33

    Queltzacoatl havia ensinado ao seu povo como cultivar o ca-caueiro a fim de colher dele os frutos que serviriam de alimen-to, e, ao mesmo tempo, as rvores embelezariam os jardins de Talzitepec. Da ser fcil inferir desses pensamentos sobre Lineu, quando designou a espcie botnica como Theobroma cacaoou cacau manjar dos deuses (VINHES, 2001, p. 212).

    O cacau, conhecido entre os astecas pelo nome de ca-cahutl, chegou a ser para eles mais importante que o ouro, sendo as amndoas utilizadas como moeda, meio de troca e referncia de valor, devido ao seu grande significado como smbolo de statussocial e riqueza. O imperador Montezuma recebia, anualmente, como imposto, 220 xiquipilis (um mi-lho e seiscentas mil amndoas de cacau). Essas amndoas eram usadas, todos os dias, para preparar jarras de chocola-te que seriam consumidas por ele. Como se pode inferir, en-tre os astecas, o cacau era um forte signo, principalmente por ser considerado o alimento dos deuses. As mulheres faziam a bebida, que era servida aos sacerdotes em rituais religiosos e aos guerreiros, para que sua fora no se esvasse durante a batalha. O chocolate remonta a 1500 a.C. e teria sido a civili-zao Olmeca a primeira a utilizar o fruto do cacaueiro para esse fim. Em seguida, teriam sido os Maias, Toltecas e Astecas (VINHES, 2001).

    Outra verso da origem do cacau diz que havia uma princesa, guardi de um tesouro de seu esposo, um grande e corajoso guerreiro que partira para defender os confins do imprio. Os inimigos chegaram e tentaram obrig-la a reve-lar onde estava escondido o tesouro. A princesa, por amor, no traiu seu esposo. Os inimigos, por vingana, mataram-na, e de seu sangue nasceu o cacaueiro, cujo fruto escon-de um tesouro na semente, amargo como o sofrimento por amor, forte como a virtude, levemente avermelhado como o sangue. Foi um presente do deus asteca pela fidelidade paga com a morte, a mesma fidelidade que os sditos dedicavam ao imenso imprio asteca (LA FABRICA DEL CIOCCOLATO, 2005, p. 3).

    Um outro signo/smbolo relacionado ao cacau, transfor-mado em bebida, o de Pssaros Cardeais, que deveriam estar sobre a taa contendo a bebida sagrada, o chocolate, quando fosse servido. Soledade Jnior (1982, p. 84) transcreve um pe-

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    dido dessa natureza, em que os topetes dos Pssaros Cardeais significam a espuma do chocolate e o alimento o cacau aca-bado de moer:

    Filho meu, traze-me quatro CHAC DZIDZIO, Pssa-ros Cardeais, aqueles que esto na entrada da cova e traze-os parados sobre o meu precioso alimento. Que veja os seus topetes vermelhos e que venham ergui-dos sobre o meu precioso alimento quando chegares diante de mim.

    Para alm da lenda, ou do mito, o cacau tinha uma fun-o essencial nos rituais religiosos: os maias acreditavam que a bebida que se obtinha torrando e moendo as sementes se-ria nutritiva at aps a morte. Os astecas tinham como certo que uma taa de choco-latleliminava a fadiga e estimulava a qualidade psquica e mental e era um instrumento para a so-brevivncia e a transcendncia. Fernando Cortez, quando con-quistou o Mxico (1519-1521), escreveu a Carlos V, relatando o fato de o imperador Montezuma servir-se, uma vez por sema-na, de um lquido escuro numa taa de ouro. E observou que, alm de ostentao de riqueza, o imperador mostrava apreo pela bebida sagrada. O conquistador espanhol foi a primeira testemunha dos hbitos da corte do Imperador dos Astecas, a quem foi oferecida a ttulo de excepcional honraria, a be-bida numa taa de ouro macio (SELIGSOHN, s. d., p. 14). Cortez, aps a ingesto da bebida, em longa viagem, de volta a seu acampamento, declarou estar satisfeito e no precisar de outro alimento.

    Ainda sobre o cacau-mito, Seligsohn (s. d., p. 14) [pela leitura de seu texto, infere-se que tenha sido publicado na pri-meira metade dos anos 1970] escreve que o uso das sementes do cacau em forma de bebida pastosa, feita pela mistura dos gros esmagados, farinha de milho e condimentos fortes, a fim de poder suportar o alto teor de gordura, era um privilgio dos sacerdotes e da corte. Por causa do uso feito por esta bebida em cerimnias religiosas, o botnico sueco, Carl von Linn, no sculo XVIII, batizou esta planta de Theobroma cacao (ali-mento dos deuses).

    Ao mesmo tempo em que as amndoas eram usadas para

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    fins religiosos, serviram de numerrio para pagar impostos, comprar escravos, adquirir bens, era uma riqueza que no po-dia ser guardada por muito tempo, devido sua perecibilidade, da Peter Martyr da Algeria ter escrito em 1530: Abenoado dinheiro que fornece bebida doce e proveitosa humanidade e preserva seus possuidores contra a infernal peste da cobia. Pois ele no pode ser guardado por muito tempo, nem escon-dido no subterrneo (VINHES, 2001, p. 212). Isto atesta a necessidade do consumo do produto e a impossibilidade, quela poca, de seu armazenamento prolongado.

    3.1.2 CACAU E CHOCOLATE - SAGA ENTRE OS HOMENS

    Na linguagem botnica, o cacaueiro (TheobromacacaoL.) planta nativa do trpico americano, rea ocupada pela floresta tropical mida, sendo seu centro de origem, prova-velmente, as nascentes dos rios Amazonas e Orinoco. A partir da, a planta teria ultrapassado os Andes, colonizando solos da Venezuela, Colmbia, Equador, alm de pases da Am-rica Central, Mxico, espalhando-se tambm pelo Brasil e pelas Guianas. O nome desta planta foi citado pela primeira vez na literatura botnica quando Charles de LEcluyse a des-creveu com o nome de Cacaofructus classificada por Lineu com a designao de Theobromafructus em 1737, modificada em 1753 por Teheobromacacao,como permanece at hoje (MANDARINO; SANTOS, 1979, p. 1). Os espanhis tomaram conhecimento do cacau por ocasio da vinda de Cortez ao M-xico, em meados do sculo XVI. Gostaram tanto do chocolate que guardaram seu segredo, e, com isso, asseguraram o mono-plio de sua comercializao, competindo com o caf.

    O chocolate, desde tempos imemoriais, um signo com uma linguagem especial em determinadas ocasies, podendo significar FelizNatal,FelizAnoNovo,Felizaniversrio, Euteamo, Peoperdo.O costume de usar o chocolate como uma linguagem que quer comunicar-se com o outro demonstrando amor, amizade, agradecimento, prazer, talvez tenha sua ori-gem na histria mtica do cacau. Contudo, pouca gente que mourejou no calor fumegante a vida inteira para cultivar o ca-

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    cau jamais provou chocolate (ROSENBLUM, op. cit. p., 15). Assim como a histria do cacau tem sua origem perdi-

    da nas brumas do tempo, no diferente a da origem do uso do chocolate. Os espanhis, quando iniciaram a conquista do Mxico, em 1519, perceberam que os nativos ofereciam estra-nhos tabletes escuros aos deuses. Descobririam, mais tarde, tratar-se de um alimento feito dos frutos do cacaueiro. No in-cio, os espanhis no apreciavam o chocolate. Foi necessrio que Cortez impusesse seu uso. A Espanha, a partir de 1520, comeou a receber as primeiras remessas de cacau, e a ter as primeiras indstrias chocolateiras no final do sculo XVI. Na Frana, em 1778, foi fabricada uma mquina para moer, mis-turar e aglomerar a massa de cacau. Na Sua, a primeira f-brica foi instalada em 1819, e nos Estados Unidos, em 1765 (ABICAB, 2005).

    Hoje, o chocolate um alimento apreciado em vrios pases do mundo, destacando-se, como principais consumido-res, em quilos/ano: Sua (9,63 kg), ustria (9,4 kg), Irlanda (8,83 kg), Noruega (8,66 kg), Reino Unido (8,61 kg), Alema-nha (8,22 kg) e Blgica (7 kg), conforme apresentado na figu-ra 7, em que o Brasil aparece com o consumo de apenas 1,69 kg/ano. Estes ndices sugerem que o chocolate suo o mais popular, sendo que na Sua vendida a maior quantidade de chocolate percapita, em torno de 24 libras por ano, em parte devido ao grande fluxo de turistas que o compram para levar de presente (ROSENBLUM, 2006). Contudo, este autor faz um pedido: se algum um dia me banir para uma ilha deser-ta com apenas um estilo de chocolate, por favor, que ele seja francs (ibidem, p. 35). Costa (1979, p. 63 e 81), com o intuito de criar uma imagem brasileira sobre as delcias do chocolate, em seu poema Iararana, assim se expressa:

    E o tatu quando bebeu o chocolate balanou de gozo o rabo e disse assim: Isto melhor do que caium,Isto bom como diabo.[...] E quando a negrada do cu tomou chocolateestalou a lngua de gosto

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    e disse ao chefe da mesa: - Esta bebida, papai, melhor que o manjar do cu Que voc prepara desde que o mundo mundo Para a gente beber aqui no cu.

    Entre os pases constantes da figura 5, h um equilbrio no que se refere ao consumo anual de chocolate, o que no ocor-re com o Brasil, que se apresenta com um consumo bastante baixo, apesar de j ter sido um grande produtor de cacau. Qual seria a causa? Uma pesquisa aplicada a consumidores brasi-leiros e divulgada pela Associao Brasileira da Indstria de Chocolate, Cacau, Balas e Derivados (ABICAB) revelou que:

    a) at 1972, o chocolate era visto, no Brasil, apenas como guloseima para ser consumido por crianas e mulhe-res da classe A, em ocasies especiais;

    b) havia muitos preconceitos relacionados ao seu con-sumo: engorda, quente, d espinhas, ataca o fgado, d alergia, estraga os dentes etc.;

    c) as donas de casa sentiam-se culpadas por m adminis-trao do oramento domstico se incorporassem s compras habituais o chocolate, considerado suprfluo.

    Quanto produo mundial de chocolate, o Brasil est em desvantagem em relao a outros pases. Como no caso do

    Figura 5 Principais pases no consumo de Chocolate, per capita (kg ano) - 2003

    Fonte: ABICAB/SICAB. Disponvel em: . Acesso em: 10 dez. 2005.

    Elaborao: ROCHA, L. B.

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    consumo, esto frente pases que no tm lavouras de cacau (Tabela 6).

    Tabela 6 - Produo mundial de chocolate 2003 (em mil toneladas)

    Pas ProduoEstados Unidos 1.525Alemanha 986Reino Unido 487Frana 371Brasil 339Itlia 245Japo 243

    Fonte: ABICAB/SICAB. Disponvel em: .Acesso em: 10 dez. 2005.

    O cultivo do cacau extrapolou as terras americanas, sen-do levado para a sia, frica e Oceania. As reas em que mais se desenvolveu foram Gana, Nigria, Costa do Marfim, Cama-res e Ilhas de So Tom e Prncipe. No Brasil, o cacau, nativo da Amaznia, j era conhecido dos ndios, que faziam dele um tipo de vinho fermentando as amndoas. Isso j antes da che-gada de Cabral. Seu cultivo, contudo, acredita-se, teve incio no Par, em 1740, porm, de forma oficial, isto teria ocorrido em 1769, quando os colonos receberam autorizao, pela Car-ta Rgia da poca, para plantar as amndoas.

    No quadro 2 pode-se ter uma idia dos principais mo-mentos da cronologia do cacau, de suas origens at chegar ao Sul da Bahia:

    Quadro 2 - Cronologia do cacau - da Antigidade aos dias atuais

    Perodo EventoCerca de 1000 anos a.C. O nome mais antigo da rvore, kakawa, utilizado pelos Olmec, no litoral do Golfo do Mxico.400 a.C. 100 d. C. Os Maya do norte da Guatemala adotam dos Olmecas o nome cacao. 450-500 d. C Vasos de cermica para chocolate surgem entre os objetos nos tmulos dos nobres maya.

    Cerca do ano 900As amndoas do cacau j figuram entre as principais commodities mesoamericanas, quando da queda da civilizao Maya e do surgimento da nao Toltec.

    Cerca de 1500A mais rica regio de cacau da mesoamrica, Xoconochco (ao longo do litoral do Pacfico de Chiapas, Mxico e da Guatemala) anexada pelo imprio Asteca, fundado no final do sculo XIV em terras onde hoje se encontra a cidade do Mxico.

    1560Primeira introduo conhecida de cacau na sia, levado de Caracas, Venezuela, para Sulawesi, na Indonsia.

    (continua)

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    Como outros produtos alimentcios de grande consumo, a exemplo do trigo, milho, ou exticos, como o man do de-serto bblico, o cacau aparece no cotidiano dos povos que o conhecem envolto em brumas mticas, graciosamente ofere-cido como alimento ou bebida para a sobrevivncia humana, comeando como uma oferenda em tributo a deuses ou seres espirituais. Com o tempo, por cair no gosto popular, o consu-mo aumenta e, em conseqncia, o mercado se aproveita da demanda e faz dele uma mercadoria a ser explorada econo-micamente, tornando-o, muitas vezes, novamente inacessvel, no porque seja uma oferenda aos deuses, mas porque seu va-lor para adquiri-lo ficou acima das possibilidades de pobres mortais. Foi o que aconteceu com o cacau, como se pde ob-servar no quadro 7, ao mostrar o caminho que percorreu at chegar a nossos dias, considerado um produto nobre e digno de freqentar apenas as mesas ou os lares de maior posse.

    (concluso)

    Perodo Evento1585 Primeiro embarque oficial de cacau em bagas chega a Sevilha, na Espanha.1590 Data provvel da introduo do cacau na frica pelos espanhis.1600-1650 O chocolate se torna a bebida favorita da corte espanhola.1657 Em Londres, inaugurada a primeira casa de chocolate.

    1659O chocolate adquire ares de mstica, sendo-lhe atribudas, tambm, propriedades medicinais na Frana, a partir da concesso real recebida por David Chalious para produzi-lo.

    Cerca de 1680 Na ilha de Martinica, no Caribe, os franceses iniciam grande produo de cacau.

    1727Plantaes de cacau da variedade crioulo, nativo do sul da Amrica Central, so devastadas por uma praga.

    1746O cacau trazido para a Bahia (Fazenda Cubculo, em Canavieiras), numa tentativa dos franceses de quebrar o domnio espanhol na produo das amndoas. Esta data considerada o marco do incio de sua cultura na Bahia.

    1879

    Ocorre a primeira introduo efetiva do cacau no continente africano, com a chegada da planta em Fernando P (hoje Bioko) a Costa do Ouro (hoje Gana).Na Sua, o qumico Henri Nestl e o fabricante de chocolate Daniel Peter, encontram a frmula para misturar o chocolate ao leite, um objetivo tentado inutilmente durante sculos.

    1905 O cacau chega Costa do Marfim, hoje grande produtor mundial.1917 Surgem as primeiras notcias de um fungo virulento (podrido parda) no Equador.

    1936Surge, em Gana, o vrus Swollwn shot, disseminado-se por toda a regio produtora durante as duas dcadas seguintes. a praga mais grave do cacau africano.

    1989A vassoura-de-bruxa, fungo nativo da Amaznia, identificada na Bahia, maior produtor do Brasil. Durante a dcada seguinte, a produo brasileira cai a um quarto do seu nvel.

    Dcada de 1990 em diante

    Envolvimento da CEPLAC, do governo, dos produtores e da comunidade em geral para a recuperao da lavoura cacaueira, principalmente pelo uso da tecnologia da clonagem, com a implantao de biofbricas de cacau, iniciando-se com a do Banco do Pedro, em Ilhus.

    Fonte: BRIGH, 2005.

    Quadro 2 - Cronologia do cacau - da Antigidade aos dias atuais

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    3.1.3 O CACAU EM TERRAS BAIANAS

    Ns, sul-baianos das terras do cacau, somos todos uns ciclotmicos: ou estamos l em cima, nas cume-eiras da euforia, ou l em baixo, no fundo do poo. Culpa do cacau, com as suas oscilaes de preos in-ternacionais, as suas quebras de safra, a sua riqueza sbita, mas passageira. O cacau d e tira, oferece e sonega. Arteiro, malicioso, mostra uma inconstncia de temperamento que h de ter contribudo [...] para a formao da psique regional (PLVORA, 1993).

    Desde tempos imemoriais, o cacaueiro cultivado com o intuito de produzir riqueza, conforto, prazer, mesmo por-que sua histria lendria fascina e leva ao reino dos deuses, de onde teria provindo. O cacau cultivado no Sul da Bahia, no incio, no foi considerado um produto comercialmente atrativo, pois, alm de um bom tempo para sua adaptao ao novo habitat,precisaria de quatro a oito anos para comear a produzir. Por isso, durante quase um sculo, o plantio de cacau se manteve como atividade marginal, exercida no fundo de quintais, nas margens prximas aos rios, aproveitando-se os terrenos aluvies ali depositados e a umidade (FREITAS; PARASO, 2001, p. 87).

    A histria da ocupao do espao no Sul da Bahia pode ser dividida em dois momentos: o primeiro, do sculo XVI segunda metade do sculo XIX, caracterizado pela policultura, por uma sociedade composta pelo encontro do europeu com grupos indgenas. O segundo momento, da segunda metade do sculo XIX e todo o sculo XX, perodo em que foi definida a regio cacaueira.

    Em 1534, a capitania de Ilhus foi doada a Jorge de Fi-gueiredo Corra, e em pouco mais de 50 anos, comeou a mos-trar sinais de desenvolvimento. Fazia parte dessa capitania a maior parte da rea que iria se constituir, mais tarde, na Re-gio Cacaueira, cujo centro seria a vila de So Jorge de Ilhus, elevada categoria de cidade em 1881. No incio, a colonizao da antiga Capitania deu-se num ritmo bastante lento, fixando-se os moradores ao redor do primeiro ncleo de povoao, a vila de So Jorge dos Ilhus. Contudo, a cultura da cana-de-

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    acar, primeira atividade econmica de destaque, teve papel importante, conforme atesta Campos (1981, p. 41):

    Foi extraordinria a produo de acar em Ilhus no ano de 1557, conforme assegura Borges de Barros, estribado em manuscrito indito, devido a um alvar rgio que isentava o produto do pagamento de direi-tos alfandegrios, excludo unicamente o dzimo da Ordem de Cristo.

    Como se deduz da afirmao acima, a regio j foi im-portante produtora de cana-de-acar, mas hoje s h vest-gios daquela poca, como o caso do Engenho de Santana. Era um engenho de grande porte, movido a energia hidrulica, com utilizao de mo-de-obra escrava. Pertenceu a Mem de S, terceiro Governador Geral do Brasil. Este engenho che-gou a produzir 10 mil arrobas de acar por ano (MARCIS, 2000). Consta que a Capitania de Ilhus teve, no perodo de 1560 a 1564, oito engenhos, comeando, a partir da, seu decl-nio, chegando a 1724 com apenas um engenho (SCHWARTZ, 1988, p. 148). Segundo Campos (1981, p. 379), houve outra tentativa, no sculo XX, de ressuscitar to importante produto econmico, porm sem xito:

    Andando o ms de janeiro de 1922, inaugurou-se no municpio [Ilhus] uma usina de acar do capito Ci-priano Berbert. Renascia assim, embora a iniciativa ti-vesse vida efmera, uma indstria outrora florescente.

    Levando-se em conta o que diz Costa (1992, p. 11-13), a cultura do cacau s teve incio no Sul da Bahia em 1746 (data tida como historicamente vlida para o incio da cultura do cacau no estado da Bahia), ocasio em que o francs Louis Frderic Varneaux trouxe sementes do Par, as quais foram plantadas por Antnio Dias Ribeiro na fazenda Cubculo, s margens do rio Pardo, em terras que hoje fazem parte do mu-nicpio de Canavieiras:

    O primeiro plantador de cacau em terras do Sul do Estado, segundo a verso aceita pela maioria dos

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    historiadores, foi Antnio Dias Ribeiro, propriet-rio da referida fazenda Cubculo. [...] desenvolveu-se, prosperou essa cultura em toda zona suleste do Estado. Pioneira em nosso municpio [Canaviei-ras] avantajou-se em Ilhus, transformando-se em Ilhus terra do Cacau. Que a opulenta cidade dos nossos dias, velha sede da Capitania dos Ilhus, au-fira os louros dessa glria, mas que deixe para Cana-vieiras essa outra de ter sido a pioneira da lavoura cacaueira, muito mais modesta, mas confortadora (COSTA, 1963, p. 21).

    Conforme escreve Seligsohn (s. d., p. 15), as primeiras mudas de cacau chegaram fazenda Cubculo aps 212 anos da instituio da Capitania de Ilhus (1534). Devido aos cons-tantes ataques dos ndios, o donatrio, que nunca estivera em sua propriedade, vendeu suas terras a Lucas Giralde sob cuja administrao foram construdos os primeiros engenhos de acar, de que at hoje o nome da cidade de Canavieiras [...] lembrando o nome de primeiro plantador, de nome Vieira. A sede da capitania, So Jorge de Ilhus, foi fundada em 1752, seis anos aps o plantio do primeiro cacaueiro [1746].

    A discusso acerca de ter sido Canavieiras ou Ilhus o primeiro stio a plantar cacau no tem muito sentido. Isto porque, quela poca, toda a regio pertencia Capitania de Ilhus e, mais tarde, ao municpio de Ilhus. Portanto, de qualquer forma, a fazenda Cubculo, em Canavieiras, perten-cia ao territrio de Ilhus. O municpio de Canavieiras s foi criado, segundo Silva (2004, p. 35), ao se desmembrar de Ilhus, entre os anos 1828 e 1889 (criao do municpio a 9 de maio de 1833 e elevao da vila categoria de cidade em 25 de janeiro de 1891). A fazenda Cubculo ainda existe com plantaes remanescentes das primeiras mudas ali plantadas (restam 12 rvores da poca, com mais de 200 anos, ainda produtivas) e atualmente sendo utilizada, eventualmente, para turismo ecolgico.

    Em 1752, a cultura expandiu-se pelas terras de Belmon-te, Itabuna, Barra do Rio das Contas, Porto Seguro, Prado, Ca-ravelas, entre outros.

    O cultivo do cacau, a comercializao e a exportao do

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    produto foram responsveis pela modelagem de uma regio onde se desenvolveu a burguesia cacaueira, inicialmente for-mada pelos grandes produtores e comerciantes exportadores. A primeira parte desse perodo foi marcada por correntes mi-gratrias, desmatamento da floresta, plantio do cacau, forma-o da estrutura comercial, viria, enfim, pelos instrumentos que permitiriam o comrcio e escoamento da produo do ca-cau (FREITAS; PARAISO, 2001). No perodo inicial, os imi-grantes que se destacaram foram, ao que tudo indica, os ale-mes, que estabeleceram uma colnia no Rio Almada, a qual fracassou por ocasio da independncia. Alm desses colonos europeus, espanhis estabeleceram-se s margens do Rio Ca-choeira, ao lado de migrantes nacionais. A zona cacaueira, for-mada principalmente por Ilhus e Itabuna, mas tambm por reas que iam do Rio das Contas a Belmonte, passou a atrair aventureiros de vrios lugares do Nordeste, em especial de Sergipe (ALMEIDA, 1977, p. 34-35).

    A cultura do cacau, introduzida na regio Sul da Bahia a partir daquela poca (sculo XVIII), passou a ser a razo da ocupao de novas terras e foi responsvel pela formao de uma classe social constituda pelos coronis, pelos trabalha-dores das lavouras de cacau e pelos jagunos, os quais seriam os guardies das roas de cacau e de seus senhores:

    Os jagunos apareciam nos cavalos agitados, os ar-reios ricos e vistosos. As armas na cintura, as cartu-cheiras recheadas de balas. [...] Quando eles apare-ciam, luz de vela era acesa por mos aflitas, mulheres recolhiam-se no oratrio, tremor de lbios desfiavam rezas nos rosrios. [...] Os jagunos tinham olhos de animal atento, os cabelos desciam at os ombros. O vento era indomvel como o dio que, s escondidas, traziam sempre no peito. [...] Os jagunos passavam em suas montarias velozes pela rua deserta, ferradu-ras chispavam a terra que se levantava numa nuvem de poeira [...] naquele imenso territrio, com suas rvores de frutos de ouro, traioeiros nas baixadas e serras. [...] A natureza humana era to brbara na-quele territrio que se tornava inconcebvel (MAT-TOS, 1999, p. 61-62).

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    A violncia na Regio Cacaueira, em seus primrdios, pode ainda ser atestada no texto de Jorge Amado, quando es-creve que, nos limites de Itabuna e Ilhus, ergue-se hoje uma universidade com milhares de alunos. Mas, naquele ento, mi-nha me dormia com a repetio [espcie de espingarda] sob o travesseiro (AMADO, 1996, p. 49). Na mesma obra (p. 51), o autor descreve a azfama diria, em que os cavaleiros, os cava-los, e as crianas que brincavam nas ruas enlameadas tinham que dar passagem ao cacau, e os armazns deviam estar de prontido para o principal personagem regional:

    cavaleiros atravessavam a rua no galope dos cavalos, o revlver no cinto. [...] as crianas que brincavam na lama das ruas se afastavam rpidas abrindo o ca-minho [...] e mil vezes por dia a lama era revolvida, cacau e mais cacau se depositava nos armazns enor-mes. Assim era Tabocas [Itabuna].

    A lavoura cacaueira no Sul da Bahia representava a solu-o para o pagamento das dvidas da Provncia que, desde a se-gunda metade do sculo XIX fazendo parte do cenrio nacional, passava por dificuldades causadas pela extino do trfico de escravos e conseqente escassez de mo-de-obra, pelo aumento do mercado interno, a urbanizao e a imigrao. Ao mesmo tempo, com a decadncia da lavoura canavieira, algodoeira e da pecuria do Nordeste, a zona de cultivo do cacau seria um re-ceptor natural do excedente da mo-de-obra dessas reas.

    O cacau, devido ao sucesso de sua cultura, trouxe regio as primeiras famlias, vindas dos mais diferentes recantos do Brasil e do mundo, mas, principalmente, do estado vizinho, Ser-gipe: Desbravando a terra, penetrando, implantando e consoli-dando a lavra do cacau, o sergipano tem amanhecer fundamen-tal na formao de uma saga feita de cobia e morte (MATTOS, 1999, p. 49). As diferentes famlias que ocuparam as terras pro-pcias ao plantio do cacau passaram a travar lutas para ocupar cada vez mais terras e, assim, foram surgindo fazendas, vilas, lugarejos e cidades, formando a civilizaodocacau (PLVO-RA; PADILHA, 1979). A vinda dessas famlias era estimulada por propaganda do governo, as quais eram incentivadas pela possibilidade de progresso individual para os que se dispuses-

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    sem a conquistar as terras virgens e ricas, descritas como um bem ilimitado e aproprivel para qualquer pessoa que se dispu-sesse a trabalh-las (FREITAS; PARASO, 2001, p. 85).

    Alm da possibilidade de serem donas das terras, que existiam em abundncia, as famlias que optavam pelo plantio do cacau no Sul da Bahia faziam-no animadas pela possibilida-de de terem sua produo inserida no comrcio de exportao internacional. Acreditavam ser a lavoura do cacau altamente rentvel, possibilitando ascenso econmica e social. Quanto a isso, assim se expressa Costa (1995, p. 169):

    O progresso da regio cacaueira e sua fama deram lugar aos comentrios, promovendo a presena de vrias famlias de outros estados, de linhagem, po-rm empobrecidas, a virem residir nessa regio [...] dentre outras est a famlia Amado [famlia de Gile-no Amado, cacauicultor e poltico de Itabuna], com cerca de 18 membros.

    Esse autor (p. 27), falando de sua famlia, que chegou regio com o intuito de aqui se estabelecer e fazer fortuna com os frutos de ouro, lembra:

    Procedente da Vila Nova da Rainha, hoje cidade do Senhor do Bonfim, aportei em Ilhus em 3 de outu-bro de 1897, em companhia de meus pais, irmos e demais parentes, em nmero de 17 pessoas adultas e trs menores, motivado pela seca que assolava aque-la regio baiana, como tambm pelas funestas conse-qncias da Guerra dos Canudos.

    A historiografia regional registrou poucos nomes dos pri-meiros agricultores do Sul da Bahia, alm do primeiro cacauicul-tor, Antnio Vieira. Os imigrantes, cuja primeira leva era cons-tituda de 160 pessoas distribudas em 28 famlias, eram forma-dos de alemes e espanhis, embarcados em Roterd, em janei-ro de 1822, chegaram em Ilhus em abril do mesmo ano. Estes colonos foram contratados por dois agricultores, Sankrancker e Weyl, com a misso de plantar caf na regio do rio Almada, prximo a Ilhus (SELIGSOHN, s. d., p. 20). O projeto, contu-

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    do, falhou, tendo em vista as dificuldades que encontraram, tais como: despreparo fsico dos imigrantes para suportar o clima, falta de acomodaes para as famlias, condies de solo e de clima imprprios para o cultivo do caf, a malria, entre tantos outros entraves. Os que sobreviveram, instalaram-se prximo a Ilhus, na localidade de Banco da Vitria, dedicando-se ao culti-vo do cacau. Surgiu, assim, o primeiro ncleo de uma zona que, oitenta anos depois, comearia a projetar-se como maior centro de produo de cacau, visto estar localizado no eixo Ilhus-Ita-buana (ibidem, p. 20). Segundo o mesmo autor, os documentos citam alguns nomes desses pioneiros, cuja descendncia at hoje se encontra na regio: Hohlenwerger, Del Rey, Berbert. Com o passar do tempo e o sucesso da lavoura cacaueira, a antiga ca-pitania hereditria transformou-se num verdadeiro imprio, no qual as regras e as leis eram ditadas pelos coronis, que contro-lavam a poltica local, destacando-se no cenrio nacional.

    De Canavieiras o cultivo do cacau expandiu-se para o in-terior, numa corrida de disputa pelas melhores terras. Des-sa forma, diversas cidades surgiram em funo deste produto agrcola. Vinhes (2001), perscrutando a histria da Capitania de Ilhus, de sculo em sculo, analisa os acontecimentos at chegar ao momento atual, apresentando os caminhos que fo-ram percorridos pelos personagens e fatos que deram origem e compem a regio Ilhus-Itabuna. Citando Plvora e Padi-lha, apresenta os anos de implantao do cacau em algumas reas da regio Sul da Bahia, do final do sculo XIX e incio do sculo XX (Tabela 7).

    Tabela 7 - Implantao do cacau em algumas reas do Sul da Bahia

    Local AnoCanavieiras 1746

    Ilhus/Itabuna 1872Rio do Brao 1899

    Uruuca 1900Ubaitaba e Ubat 1909

    Gandu 1913Ipia 1916

    Itajupe 1918Coaraci 1919

    Fonte: VINHES, 2001, p. 215.

    Elaborao: ROCHA, L. B.

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    No alvorecer de seu cultivo, porm, o cacau no era con-siderado comercialmente importante, devido ao longo perodo de aclimatao e ao tempo de espera para produzir. Alm dis-so, era uma atividade invivel para os agricultores com pouco ou nenhum capital para transform-lo em atividade predomi-nante. Por isso, freqentemente, os agricultores erradicavam os cacaueiros para, em seu lugar, cultivar produtos de subsis-tncia ou de outras plantas comerciais que exigissem menos tempo para sua colheita. Junto a isso, deve-se levar em conta que a comercializao do cacau ainda no estava inserida no mercado interno, pois no havia tradio de seu consumo no pas, ou mesmo qualquer tipo de indstria de beneficiamento [da] sua produo em escala decorreu de estmulos do merca-do externo (FREITRAS; PARASO, 2001, p. 87). Alm disso, a regio de Ilhus no era considerada prioritria para inves-timentos pelo governo provincial, que preferia direcionar os parcos recursos [...] ao soerguimento da lavoura aucareira (ibidem, p. 88). Isto fica evidente em Campos (1981, p. 523):

    Por isso ou por aquilo, tal cultura [cacau] entrou em decadncia pouco tempo depois de iniciada. Quan-do Spix e Martius estiveram em Ilhus, no ano de 1817, conforme escreveram no seu Reise in Brasilien, encontrava-se ela na seguinte situao: esta lavou-ra teve um incio feliz; porm atualmente, quasi (sic) que no existe mais vestgio dela nas vilas martimas da comarca, apenas encontrando-se, como em Ca-mamu, alguns ps de cacau cujo aspecto florescente demonstrava sem dvida a sua fcil adaptao re-gio. [...] Ainda em 1836 no havia plantaes im-portantes.

    A cultura desse produto passou por fases de produtivida-de elevada, altos preos internacionais, mas tambm chegou ao fundo do poo, com crises cclicas de baixa produtividade devido s intempries climticas, s pragas, como a podrido parda, culminando, no final da dcada de 1980, com a vassou-ra-de-bruxa. At o final do sculo XIX, a produo de cacau foi diminuta, com uma exportao insignificante. S a partir de 1890 o quadro comea a mudar (CAMPOS, 1981, p. 524):

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    [...] pela era de 1852, j as margens do rio Cachoeira se cobriam de frondosos cacauais. Ao mesmo tem-po que ia avultando o plantio pelas outras partes da antiga Capitania, desde Camamu at s ribas do Je-quitinhonha. [...] foi diminuta, durante muitos anos, a produo cacaueira do Brasil. Em 1830 computava-se o total da produo mundial em 12.000 toneladas, sendo a exportao do Brasil apenas 26 toneladas. Mais tarde a Bahia comeou a desenvolver a sua cul-tura, sobretudo a partir de 1890. J era de 10.000 toneladas a contribuio brasileira, em que a parte da Bahia se elevava a 7.000 toneladas.

    Como possvel verificar pelo texto anterior, a contribui-o brasileira, no que se refere exportao de cacau, era in-significante: 26 toneladas contra uma produo mundial de 12 mil toneladas. A partir de 1835, no entanto, tanto a produo (Tabela 8) quanto a exportao (Tabela 9) foram crescendo gradativamente, cobrindo o perodo da primeira metade do sculo XIX primeira do sculo XX:

    Tabela 8 - Produo de cacau em amndoas na Bahia 1835 1935 (em dcadas)

    Perodo Produo (em toneladas) 1835 75 1845 181 1855 411 1865 812 1875 932 1885 2.608 1895 6.732 1905 17.152 1915 37.125 1925 62.715 1935 108.438

    Fonte: CAMPOS, 1981, p. 525.

    Elaborao: ROCHA, L. B.

    Pelos dados da tabela acima, verifica-se que a produo de amndoas de cacau, em 100 anos, passou de 75 toneladas para mais de 108 mil toneladas. Quanto exportao (Tabela 9), Campos (ibidem, p. 526) apresenta o perodo 1927-1935,

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    em que se observa o crescimento contnuo do fluxo de sada do cacau para o mercado externo.

    Tabela 9 - Exportao anual de cacau em amndoas - Bahia: 1927 1935 (em toneladas)

    Total do Estado Sada pelo porto de Ilhus Diretamente exportado para o exterior1927 73.762 42.900 24.9991928 70.903 43.340 24.2091929 63.203 34.191 26.6831930 64.108 37.442 25.3701931 73.303 45.946 14.5821932 95.860 65.295 29.1141933 96.086 54.498 22.8571934 99.253 62.705 30.2571935 108.438 73.146 25.834

    Fonte: CAMPOS, 1981, p. 526.

    Segundo dados da CEPLAC, em 1910 o Brasil liderava a produo de cacau mundial, tendo, at os anos 1930, vivi-do um perodo de expanso e crescimento. Desta dcada at 1957, as doenas e pragas infestaram os cacauais, levando-os a uma situao antieconmica, e os produtores endividados, aos poucos, foram abandonando o cultivo desta lavoura. Foi no auge desse perodo de crise, em 1957, que o Governo Fede-ral criou a Comisso Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), iniciando um intensivo programa de recuperao econmico-financeira da lavoura. Com os primeiros resultados positivos, em 1963, instalado o Centro de Pesquisa do Cacau (CEPEC), responsvel pelo desenvolvimento de tecnologia de ponta para o cultivo e beneficiamento do cacau.

    Na dcada de 1940, a regio j estava consolidada como produtora de cacau, formando uma economia monocultora, sofrendo, portanto, todas as conseqncias dessa condio: dependncia do mercado externo, importao dos produtos de primeira necessidade, burguesia dominante, explorao da mo-de-obra dos trabalhadores rurais, desnveis sociais marcantes.

    A cultura do cacau tem sofrido crises cclicas ao longo de sua histria. Na atualidade, parece que se instalou para in-dicar uma profunda reformulao dos conceitos da agricultu-ra at agora praticados. O fausto que a regio conheceu est

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    hoje mais na memria das pessoas, na histria local, nos mo-numentos, nos prdios que serviram de casas comerciais do cacau, tanto para exportao quanto para receber o produto como garantia de pagamento de dvidas, de adiantamentos de dinheiro, por conta da prxima safra, que nem sempre seria boa (PINTO, 2002, p. 2). Nesse sentido, Gasparetto (1998, p. 54) faz uma anlise das causas que levaram a regio cacaueira, de anos de ouro, a um ciclo de crises:

    passou pelos anos de ouro do cacau, na segunda metade dos anos 1970 para, pouco a pouco, entrar num novo e j longo perodo de dificuldades. Essa situao poderia ser caracterizada da seguinte for-ma: matriz agrcola centrada na lavoura cacaueira (uma monocultura) e, obviamente, uma economia fortemente condicionada s oscilaes do mercado; matriz industrial frgil e simples, em parte decor-rente do predomnio de uma mentalidade comercial, mas tambm decorrente da fragilidade do mercado regional; custos de produo do cacau altos quando comparados com algumas outras regies produtoras; [...] mentalidade rentista do produtor de cacau, via de regra urbano, tambm comerciante, profissional liberal ou funcionrio pblico; e, agravando, baixa capacidade tcnica e gerencial.

    Desde 1986, essa regio amarga os impactos de uma lon-ga crise de preos devido a uma superproduo mundial de cacau. Para agravar a situao, em 1989 teve incio o alastra-mento do fungo Crinipellisperniciosa, causador da vassoura-de-bruxa. Com esse fato, a crise se aprofundou, os produto-res de cacau se endividaram, houve abandono de plantaes, aumento do desemprego rural e urbano. Muitos municpios chegaram a perder populao nos anos 1990, como foi o caso de Camacan, entre outros.

    Pode-se dividir a implantao, expanso, declnio e ten-tativas de recuperao da produo de cacau em seis ciclos, representados no quadro 8.

    Falcn (1995, p. 56-57) faz uma crtica periodizao de Adonias Filho, considerando-a de carter pr-sociolgico,

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    precria, de pouco rigor histrico. Contudo, Baiardi (1984) adota essa mesma diviso, at o perodo de 1958, a partir da qual tanto Filho quanto Baiardi consideram-no como o da re-cuperao.

    A Regio Cacaueira do Sul da Bahia um dos espaos mais importantes da dinmica capitalista, na qual se manifes-ta claramente a fora do capital na construo de uma socie-dade desigual, com acentuado desnvel entre ricos e pobres, desmando do poder dos coronis e agora, de forma mais con-tundente, do mercado. O cacau foi considerado um produto smbolo para se conseguir riqueza, poder, ascenso social, poltica e econmica. Tornou-se um signo importante, sendo muitas vezes endeusado, endemoninhado, culpado pelo bem e pelo mal. Uma entidade que passou a permear qualquer tipo de transao econmica, poltica, de poder.

    Pode-se dizer, com Lipiello (s. d., p. 18), que o cacau a divindade que tudo abrange e justifica e todos que vivem dele e com ele passam a viver por ele. E, para Vieira (1999, p. 24), o cacau a sntese da Regio Cacaueira,

    fonte de desenvolvimento. Cacau construtor de ci-dades. Cacau riqueza e pobreza. Cacau trabalho e fausto. Cacau mola do estado. Cacau romance: cri-mes e tocaias, caxixes, os injustiados coronis. Ca-cau alimento dos deuses. Cacau-chocolate, deleite da humanidade. Cacau, euforia e desespero. Cacau angstia. Cacau, amores e paixes, devaneios. Cacau, empregador de gente. Cacau, os produtores: desbra-vadores, pioneiros, lutadores, generosos, capazes, heris que, com sangue ou com champanhe, planta-ram sozinhos uma grande riqueza. Cacau ecolgico e sociolgico. Cacau, cultura, comportamento, fama e forma prprias. Cacau: exaltao e vilipndio.

    O autor desta elegia foi um importante executivo da

    CEPLAC por um longo perodo, (dcadas de 1970 e 1980) conhecendo, portanto, boa parte da saga desta lavoura. Sua percepo do cacau a de uma entidade que traz em si a con-tradio, como soe ocorrer com os produtos da monocultura no Brasil.

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    Quadro 3 - Ciclos do cacau no Sul da Bahia e caractersticas - 1746 -1989

    Ciclos Caractersticas

    Primeiro Ciclo1746 - 1820

    Perodo entre o incio do plantio e o comeo do desbravamento. Fase das fracassadas tentativas de colonizao e penetrao portuguesas. Fase da estagnao.

    Segundo ciclo1820-1895

    Perodo entre o reincio do plantio de cacau e quando a exportao atinge 100 mil sacos (400 mil arrobas). Fase dos desbravadores que conquistam a selva a fogo, plvora e machado.

    Terceiro ciclo1895-1930

    Perodo entre o cacau como base econmica do Sul da Bahia e a colocao do Brasil entre os maiores produtores de cacau do mundo perodo de expanso (em 1910, o Brasil lidera a produo mundial); consolidao do modelo monocultor-comercial da produo cacaueira. *Duas crises (1914 e 1919), as duas de origem climtica: chuvas abundantes e cheias anormais nos rios da regio ocasionando perda de safras e de parte da lavoura. Fase dos coronis, remanescentes ou descendentes dos desbravadores, que consolidam eco-nomicamente a lavoura cacaueira; transformam povoados em vilas e vilas em cidades, como o caso de Itabuna e transformam a cidade de Ilhus em capital regional do cacau. *Primeiro choque do cacau no comrcio externo: queda dos preos e diminuio das compras (1929-1930), por causa do crack da bolsa de Nova York.

    Quarto ciclo1930-1956

    Perodo entre o cacau como lavoura de exportao e converso do cacau como segunda fonte de divisas do pas e o surgimento de sintomas de estagnao e declnio da produo (infestao das lavouras por doenas e pragas). Criao do Instituto de Cacau da Bahia (ICB) em 1931, e da Comisso Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), em 1957. Superao dos coronis, em funo da revoluo de 1930. Inmeros distritos se tornam municpios como resultado do desenvolvimento. Ampliao da Estao Experimental de Uruuca, onde se iniciam as pesquisas e os estudos sobre as pragas e o beneficiamento tcnico da lavoura.

    Quinto ciclo1957-1989

    Perodo entre a modernizao dos mtodos de produo do cacau, (criao do CEPEC Centro de Pesquisa do Cacau, em 1963), reestruturao da indstria existente e a contaminao da lavoura cacaueira pelo fungo Crinipellis perniciosa (vassoura-de-bruxa), em 1989.

    Sexto ciclo1989...

    Crise regional profunda com a lavoura comprometida por causa da vassoura-de-bruxa, queda nos preos internacionais do cacau, empobrecimento da regio. Forte xodo rural, periferizao acentuada das cidades da regio cacaueira, principalmente Itabuna e Ilhus. Final da dcada de 1990: incio da clonagem do cacau para recompor a lavoura. Instalao do Instituto Biofbrica do Cacau para preparao de mudas de cacau clonado.

    Fontes: FILHO, 1976, p. 27-28; *GARCEZ, 1981, p. 34-42.

    Adaptao e complementao: ROCHA L. B.

    A crise atual da economia cacaueira, com seu incio no final da dcada de 1980, resultado de uma srie de fatores de ordem estrutural, com poder de destruio que atua na

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    economia cacaueira, entre os quais esto, alm da vassoura-de-bruxa, a concorrncia internacional, os fatores climticos acrescidos de problemas circunstanciais, tais como a falta de crdito, pouco uso de insumos e o endividamento do produtor, que o deixa sem possibilidades de aes mais concretas para fazer face crise. Para diminuir seus efeitos e, numa tentativa de recuperao de uma lavoura que j foi altamente produti-va e praticamente sustentou o estado da Bahia, a CEPLAC, o Governo do Estado, universidades, em especial a UESC (Uni-versidade Estadual de Santa Cruz/Ilhus), e a comunidade em geral unem seus esforos por esta causa, como se tentar mo