A RELEVÂNCIA DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E DA EDUCAÇÃO...
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A RELEVÂNCIA DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
Hélio Clemente Fernandes1
RESUMO: A partir do entendimento de José Luís Fiori, quando escreve Os moedeiros falsos,
percebe-se que a hegemonia conquistada pelo liberalismo implicou em consequências para as políticas
públicas na América Latina e no Brasil. Perante as crises do capital e todas as mazelas oriundas deste
modo de produção vigente, intenta-se apontar algumas considerações sobre a relevância da Economia
Solidária e da educação do campo na construção de alternativas que possam viabilizar uma nova
sociedade. Essa reflexão ao tentar aproximar-se dos pressupostos do materialismo histórico dialético,
enseja contribuir com os trabalhadores que sobrevivem na lida do campo. Afinal, a finalidade primeira
da educação (seja do campo, da cidade...) é tornar a vida das pessoas melhor. O artigo aponta algumas
considerações acerca da história da Economia Solidária e sua relação com a educação do campo diante
da sociedade do capital.
PALAVRAS-CHAVE: Educação; Economia Solidária; Educação do Campo.
INTRODUÇÃO
O panorama sob o qual se busca compreender a temática da Economia Solidária e
Educação do Campo é dado pela sociedade dual, excludente, capitalista. José Luís Fiori,
quando escreve Os moedeiros falsos desvela a hegemonia conquistada pelo liberalismo
(ideologia em favor do capital), expõe os impactos da implantação da doutrina liberal nas
políticas públicas, sobretudo, na América Latina e no Brasil. Segundo o autor supracitado não
há nenhuma diferença entre o novo e o velho liberalismo. O liberalismo defende
historicamente o livre mercado, a não intervenção estatal na economia. Para os intelectuais
liberais, o Estado deve ser mínimo para as questões sociais e máximo para satisfazer os
interesses mercadológicos.
Os liberais são intransigentes na defesa ideológica do individualismo, onde a
igualdade apresenta-se como um mero discurso e somente nas condições iniciais de
oportunidades. Pois, segundo suas convicções são as competências de cada indivíduo que
promovem as desigualdades sociais.
1 Professor de História e Filosofia. Mestre em Educação pela UNIOESTE. Professor do curso de
Especialização em Educação do Campo, CTESOP. E-mail: [email protected]
2
Assim sendo, num contexto de ultraliberalismo2 onde temos o avanço do capital contra
o trabalhador, emerge a relevância da Economia Solidária e da educação, entre elas a
Educação do Campo, que possa contribuir com a classe que vive do/e a partir do trabalho.
[...] É que este novo neoliberalismo aparece como uma vitória ideológica que abre portas e
legítima uma espécie de selvagem vingança do capital contra a política e contra os
trabalhadores. Isto acontece porque essa vitória neoliberal se dá logo após uma época em
que as políticas públicas e a luta dos trabalhadores conseguiram em conjunto construir uma
das obras institucionais que eu reputaria das mais complexas e impressionantes que a
humanidade conseguiu montar, e que foi o chamado Welfare state. E, portanto, é
contra esta obra, sobretudo, que hoje se insurge o fundamentalismo liberal (FIORI, 1997, p.
205).
Apesar das ideias de Hayek ganhar força nos anos 60 na academia norte-americana,
foi somente a partir dos anos de 1990 que isso vai influenciar a aplicação das políticas
econômicas na América Latina e no Brasil durante o governo Collor. Tudo isso acontece pela
via política e econômica.
Com o retorno do liberalismo quem perde é a classe trabalhadora. O liberalismo prega
o desmantelamento do sistema de proteção social no intuito de aumentar os postos de trabalho
(ideologia que visa enganar o trabalhador). Cresceu o desemprego e atualmente já não se tem
a mesma convicção de que a redução dos direitos sociais faz a retomada do crescimento.
No quadro atual, observa-se que os governos tornaram-se reféns da especulação do
mercado. O mundo globalizado ocorreu do ponto de vista financeiro. Os governos deixam
de investir em educação para salvarem bancos, grandes empresas, enfim, para salvar o
mercado que, por sua vez, força os governantes a votarem em favor deles. Tem-se, desta
forma, um Estado a serviço dos interesses econômicos. O espaço da política pública, nesta
esteira, encontra-se reduzido, fragilizado.
Neste panorama, onde a ideologia liberal afirma que com a diminuição das políticas
públicas ocorre a ampliação de ofertas de empregos o debate em torno da educação no campo
e da Economia Solidária é fundamental.
2 Contribui com o debate acerca da problemática conceitual concernente ao termo liberalismo os escritos do
professor Paulino José Orso Neoliberalismo: equívocos e consequências onde percebemos que o mais
apropriado é ultraliberalismo ao invés de neoliberalismo, pois se trata de um liberalismo aprimorado,
radicalizado, com poucas novidades.
3
Quanto à Educação do Campo, pesquisas apontam o maior número dos excluídos da
sala de aula, morarem em espaços rurais. Assim, a Educação do Campo aproxima-se a
educação de Jovens e Adultos na luta para concretizar o direito de todos os seres humanos ao
acesso e permanência na realização dos estudos.
Feito estas considerações, destacamos que após a década de 80 intensificou-se o
desenvolvimento de inúmeros movimentos cooperativistas, associativos, solidários no Brasil e
no mundo. Estes fatos foram decisivos para a ampliação da temática em torno da economia
solidária. Nesta esteira, no âmbito da educação do campo, objetiva-se explicitar a relevância
da Economia Solidária e a Educação do Campo na sociedade do capital. Essa reflexão ao
tentar aproximar-se dos pressupostos do materialismo histórico dialético, enseja
contribuir com a ampliação da consciência de classe dos trabalhadores de modo geral e, em
específico, com os trabalhadores que reproduzem sua existência a partir do campo. Afinal, a
finalidade primeira da educação (seja do campo, da cidade...) é tornar a vida das pessoas
melhor. Que este estudo seja mais uma ferramenta capaz de propiciar aos trabalhadores:
consciência, realização e felicidade.
De modo dialético o homem ao trabalhar modificou a natureza e ao fazer isso se
modificou. Neste sentido, a economia solidária pressupõe modos também particulares de
interação de seus membros e entre estes e o meio externo. Destarte, de antemão, pode-se dizer
que a efetivação da Economia Solidária liga-se umbilicalmente a um novo homem, a uma
nova mulher. Ou seja, ela reclama um novo modo de gerir o econômico diferentemente do
que é reverenciado no modo de produção capitalista. A centralidade do capital cede seu
espaço para o ser humano. A acumulação individual de dinheiro é deslocada para o coletivo.
Neste contexto, o Estado é chamado constantemente a redefinir o seu papel na
esperança de dominar o indomável famigerado capital. Como regular um modo de produção
em que a crise é uma realidade premente? Com a queda da bolsa de Nova York (1929) temos
a recessão nos Estados Unidos da América. Tornou-se notória a crise do modelo Fordista e a
intervenção do Estado na economia que passou a ser conhecido como o Estado do Bem-
Estar-Social (Estado Providência). Nota-se que a partir da Revolução Industrial (1750) o
capitalismo industrial ganhou musculatura e passa-se a falar em proteção ao meio
ambiente, economia sustentável, economia solidária.
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Para a realização deste estudo, buscou-se dividi-lo em três partes: De início alguns
apontamentos sobre a história, a Economia Solidária e a educação; na sequência temos a
exposição da Economia Solidária na sociedade do capital; e, após, enfatiza-se um pouco sobre
a relevância de uma Educação para a solidariedade. Para finalizar, algumas considerações
finais são apresentadas.
A HISTÓRIA, A ECONOMIA SOLIDÁRIA E A EDUCAÇÃO
No Centro de Tradição Gaúcha (CTG), localizado no município de Cascavel/PR,
encontra-se a frase: “quem não cultiva a tradição morre de geração em geração”. A seu modo,
percebe-se a partir disso que a história é fundamental para o avanço do conhecimento entre os
seres humanos. Com o estudo do passado busca-se compreender o presente. Neste ato,
almeja-se projetar-se para a construção de um futuro promissor. Só quem sabe de onde veio,
pode saber onde está e, deste modo, saber para onde vai.
Convêm assinalar, ainda, as proposições de Karl Marx sobre a importância do estudo
da história para compreendermos a sociedade que vivemos.
Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas
e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um
pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em
revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses
períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os
espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as
roupagens, a fim de apresentar-se nessa linguagem emprestada (1977, p. 18).
Com base neste entendimento se registra os apontamentos de Noelle Marie Paule
Lechat, em palestra proferida na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) no ano de
2002 - durante o II Seminário de incubadoras tecnológicas de cooperativas populares - de que
é preciso analisar “quais são nossos pressupostos, nosso quadro conceitual e teórico,
como estamos construindo os conceitos de Economia Solidária, de incubadora tecnológica de
cooperativas populares etc” (LECHAT, 2002, p. 4). Portanto, o resgate da origem da
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Economia Solidária no mundo é importante na elucidação do que ocorre no Brasil nas suas
inúmeras regiões.
Do mesmo modo que o Rio Nilo (Egito) possui muitas nascentes também a
Economia Solidária é resultante de muitas implicações sociais. Obviamente, é impossível
explicitar neste espaço todas estas multiplicidades de condições que propiciaram a
solidificação da Economia Solidária e, sim, apresentar na atualidade algumas das
contribuições da Economia Solidária e da Educação do Campo que pode contribuir para
fortalecer a consciência dos trabalhadores acerca da necessidade da superação definitiva do
modo de produção capitalista.
A pesquisa historiográfica aponta que a Economia Solidária remonta o cooperativismo
proletário, referente às lutas de resistência após à Revolução Industrial dos meados do século
XVIII, especificamente nos séculos XIX e XX. Nesta esteira, inúmeras experiências foram
realizadas, fomentadas, especialmente por aqueles que foram considerados socialistas
utópicos, entre eles: Robert Owen (1771-1859), Carlos Fourier (1772-1837), Louis Blanc
(1811-1882). Com destaque para a Sociedade dos Pioneiros Equitativos de Rochdale (1844).
De acordo com Paul Singer “a economia solidária foi concebida pelos ‘utópicos’ como uma
nova sociedade que unisse a forma industrial de produção com a organização comunitária da
vida social” (2002, p. 115).
Depois de muitos anos de luta e embate entre capital e trabalho, constata-se que na
atualidade os trabalhadores encontram-se subjugados aos ditames das relações capitalistas.
Nesta perspectiva, afirma-se que o trabalhador é livre para trabalhar e receber o que o patrão
desejar pagar.
A partir da constatação da realidade de que o mundo do trabalho sofre com o avanço
do liberalismo e a crise do capital, destaca-se que a partir dos anos 80 surge no Brasil
experiências de Economia Solidária oriundas dos meios populares do campo e da cidade.
Entretanto, sua ampliação acontece após a década de 1990 onde alcança maior espaço e
reconhecimento em resposta ao avanço da ideologia do Estado mínimo para as questões
sociais e máximo para atender aos interesses da especulação capitalista. Para ocupar o vazio
deixado pelo Estado a Economia Solidária nasce como uma proposta de inclusão social, na
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tentativa de promover a geração de trabalho e distribuição de renda para o proletário e seus
familiares.
Em síntese a Economia Solidária é uma resposta:
[...] ao estrangulamento financeiro do desenvolvimento, à desregulação da economia e à
liberação dos movimentos do capital, que acarretam, nos diversos países, desemprego em
massa, fechamento de firmas e marginalização cada vez maior dos desempregados crônicos
e dos que sabem que não têm possibilidade de voltar a encontrar emprego, por causa da
idade, falta de qualificação ou de experiência profissional, discriminação de raça ou gênero
etc. (SINGER, 2003, p. 116-7).
Os interesses de quem almeja angariar fortunas, isto é, o interesse do capital,
decididamente, não coincide com o interesse do trabalho. Ao promover a concentração de
riquezas nas mãos de poucos em prejuízo da maioria. Na procura pela acumulação de capital
o capitalista não tem escrúpulos ao poluir o meio ambiente, desde que isso o coloque na
frente por um ano de seus concorrentes. Além disso, a lógica do capital ao ter como pilar a
divisão entre produção e consumo vive as crises da superprodução. De nada adianta a
produção se não houver para quem vender. Portanto, o modo de produção capitalista vive
crises cíclicas que ameaçam, no limite, a vida do ser humano e a própria terra. Diante disso, o
que fazer? A mudança por meio da revolução? Quebrar com o sistema elitista e colocar os
trabalhadores no poder?
As indagações são muitas e enquanto não se decide o que deve ser feito no âmbito da
prática, a Economia Solidária pode representar uma revolução silenciosa e gradual ao
promover empreendimentos autogestionados, o coletivismo e participação entre
trabalhadores que produzem e dividem o resultado da produção. Temos assim “uma
distribuição mais justa da renda e estimulando relações sociais de produção e consumo
baseadas na cooperação, na solidariedade e na satisfação e valorização dos seres humanos e
do meio ambiente” (MELLO, 2005, p. 152).
A Economia Solidária exige uma nova mentalidade, formas novas de relações sociais.
A Educação do Campo, numa relação dialética, contribui com a formação dos cidadãos
dispostos a partilhar, cooperar, solidarizar, trabalhar e juntos dividirem o resultado do
trabalho.
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A ECONOMIA SOLIDÁRIA NA SOCIEDADE DO CAPITAL
Após a Revolução Industrial a partir de 1750 a burguesia ganha musculatura e
definitivamente torna-se hegemônica economicamente e socialmente. A máquina a vapor, a
máquina de fiar, o trem são algumas das inovações que alavancaram o desenvolvimento do
sistema capitalista. Em
1789 a burguesia industrial é a principal interessada na Revolução Francesa suplantou
o antigo regime onde quem dominava era a nobreza feudal. A burguesia tal como uma
feiticeira revolucionou os meios de produção feudal ao introduzir novos meios de reprodução
social, porém perdeu o controle daquilo que produziu.
Assim sendo, se por um lado, critica-se que o socialismo pautado na teoria comunista
não se materializou em nenhum lugar, a mesma crítica volta- se ao capitalismo livre do
intervencionismo estatal que sem o Estado Capitalista não consegue manter-se por mais
uma semana. Por mais que seja difícil reconhecer a crítica marxista foi fundamental para o
capitalismo idealizar subterfúgios capazes de garantir sua perpetuação até os dias atuais.
A contradição é inerente ao modo de produção capitalista. Por isso, não causa espanto
as justificativas de que no Brasil os ideais burgueses de cidadania não foram concretizados,
uma vez que neste país não ocorreu a Revolução Francesa (burguesa) e, portanto, o país não é
considerado capitalista. Todavia, Ester Buffa, e outros intelectuais são contrários a essa
hipótese, pois:
O Brasil é um país capitalista, com uma indústria competitiva, inclusive
internacionalmente. Só que a realização do capitalismo, aqui, não se dá nos mesmos termos
em que ocorre na Europa. Aqui a realização do capital – que afinal é o sujeito do
capitalismo – se faz às custas da marginalização da maioria dos brasileiros. Então fica a
questão: como conseguir que, no limiar do século XXI, os brasileiros se transformem em
cidadãos? (BUFFA, 2002, p. 29).
Em relação ao fragmento em destaque, vale recordar das palavras de Dom Pedro
Casaldáliga de que “o capitalismo é intrinsecamente pecaminoso”. Uma vez pautado na
concorrência desenfreada, na lógica de concentração de riquezas este sistema alimenta a
própria ruína.
8
Depois da crise do modelo Fordista, o Estado do Bem-estar-social (Providência) passa
a ser contestado duramente. O casamento entre os diversos interesses no jogo do mercado
com a presença do Estado regulador não conseguiu produzir as soluções necessárias para o
desenvolvimento social sustentável. Diante deste desafio, na academia, passa-se a discutir a
questão da redefinição do papel do Estado na sua função reguladora (LIPIETZ, 1991).
Perante este avanço do capital, do neoliberalismo, do Estado mínimo para as questões
sociais e máximo para o fortalecimento do Capital a sociedade civil é convocada a atuar,
se posicionar. As mazelas acarretadas pelo sistema concêntrico e excludente afronta aos
direitos constitucionais dos cidadãos. O distanciamento do Estado abre precedente e legitima
a atuação da denominada economia solidária nos mais diversos países. Sem olvidar dos
aspectos políticos, econômicos e sociais, o fato é que com toda força emerge inúmeras
organizações sociais solidárias que intentam sanar e, no pior das hipóteses, minimizar as
consequências de um sistema econômico onde a vida (valor fim) tornou-se um valor meio.
Essas organizações atuam em setores diversos, tais como saúde, educação,
transporte, lazer, desenvolvimento urbano, proteção do meio- ambiente, serviços
domésticos, alimentação, defesa de direitos, etc. e têm como objetivo comum a promoção
do interesse geral. Podem assumir também formas jurídicas e nomenclaturas
diferencias, já que seu surgimento está ligado à formação institucional e à dinâmica
presente em cada sociedade (ANDION, p. 82, 2005).
Estas entidades pautadas na economia solidária são uma tentativa de oferecer novas
possibilidades de organização social. Diferentemente do que acontece devido aos ditames do
capital, a economia solidária propõe a reciprocidade, domesticidade e a redistribuição dos
bens produzidos historicamente pelos homens (POLANYI, 1983). Trata-se de um empenho
na direção de produzir e partilhar riquezas.
Neste sentido, se escreve na atualidade, acerca da noção de economia plural no sentido
de uma economia que admite uma diversidade de formas de produção e distribuição do
dinheiro arrecadado entre os integrantes da organização solidária. O trabalho realizado
coletivamente gera recursos materiais que são partilhados entre todo o grupo. Este modo de
proceder se permite alternativas ao caos provocado pelo modo de produção capitalista que
concentra riquezas nas mãos de uma minoria em detrimento da maioria. Além disso, “permite
ampliar o olhar sobre o econômico para além da visão dominante, que reduz seu significado à
9
ideia de economia de mercado, permitindo, ainda, perceber certas singularidades, próprias às
práticas de economia solidária” (FRANÇA FILHO, p. 159).
A concentração de riquezas proporcionada pela economia de mercado é o ponto fraco
- tendão de Aquiles - do sistema capitalista. A propriedade privada no capitalismo é o
sumo bem, é um bem inestimável, intocável. O proprietário dos meios de produção encontra-
se numa situação privilegiada em relação aos que somente possuem a força de trabalho para
vender e, assim, garantir sua sobrevivência. Nesta esteira, Paul Singer afirma que “a economia
solidária pode ser pensada como um modo de produção ideado para superar o capitalismo”
(SINGER, 2005, p. 13).
Na sociedade do capital a preocupação com a valorização e acumulação de riquezas
empurra os seres humanos para a marginalidade. É um sistema que se alimenta de crises onde
quem paga a conta é sempre a classe trabalhadora. Por isso, a urgência da construção de uma
economia (do grego oikos + nomos = administração da casa, num sentido literal) que tenha
como finalidade cuidar bem da casa, do mundo. Uma economia capaz de
providenciar tudo que é necessário para que a vida seja abundante e para todos os habitantes.
Neste sentido a Economia solidária implica no produzir voltado para atender e satisfazer as
necessidades dos seres humanos. A Economia solidária associa-se a produção, comércio e
consumo (de modo equilibrado, com interação entre ambos). A prioridade são as pessoas e
não a voracidade infinita do capital. Por isso, ela pode ser a alternativa para a construção de
uma sociedade “onde cada um produz conforme a possibilidade e retira conforme a
necessidade”.
Esta assertiva nos leva a compreender a relevância da Economia Solidária como
promotora de uma educação que almeja formar estudantes capazes de ocuparem funções
de administradores, de gestores de empreendimentos pautados na compreensão da
propriedade dos meios de produção enquanto de interesse do social, da coletividade. Uma
educação livre das prisões do individualismo, voltada para o ser humano que se realiza na
interação recíproca com o seus semelhantes. A cooperação supera a competição. O lado
comunitário tem preponderância diante do individual. A educação meramente livresca, teórica
cede lugar a Educação da Práxis. Em outras palavras, a teoria precisa vir junto com a prática.
Busca-se, desta forma, romper com a cisão dicotômica entre teoria e prática. Uma educação
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para aprimorar práticas conscientes de solidariedade, de cooperação, de participação
entre pessoas com objetivos afins. Por isso, numa Educação da Práxis no momento do ensino-
aprendizagem se revela as relações de respeito e reciprocidade entre o professor e o
educando, entre professores e estudantes. A centralidade é o conhecimento construído em
comunhão entre o professor e os estudantes que se apropriam do que fora produzido
historicamente e juntos reelaboram e constroem o saber. Portanto, o docente não é o dono da
verdade, do dogma que transmite aos estudantes. Nem tão pouco um doutrinador de uma
verdade revelada e imutável. Pelo contrário, é um professor solidário, que dialoga e enfrenta
as dificuldades do saber juntamente com seus estudantes, companheiros de estudo. Para
Marcos Arruda:
Essa educação integra de maneira dinâmica e complementar o ato de conhecer o ato de
trabalhar. Mas ela não se limita aos jovens e adultos trabalhadores. Pretende implantar-se
igualmente no sistema escolar das crianças e adolescentes. Reconceber a educação escolar
na perspectiva da Economia Solidária implica introduzir nos programas de ensino-
aprendizagem a “alfabetização” em Filosofia da Libertação e em Economia Solidária
(2005, p. 37).
Por isso tudo, pode-se dizer que o processo educacional na Economia Solidária é
fundamental. Pois, ela vai contra a lógica do capital que se configura hegemônico nas
mentalidades. Na Economia Solidária não existe empregado, nem patrão, pois o que há
são grupos de autogestão3. O consumismo desenfreado sucumbe diante do consumo
responsável e consciente. Deste modo, favorece o cultivo de produtos saudáveis e a
sustentabilidade do desenvolvimento econômico. Enfim, com sua política de distribuição de
bens ocorre uma mudança social, sem concentração de riquezas, fortunas.
Assim sendo, a Economia Solidária é desafiada a edificar mecanismos que sirvam
como alternativa ao capitalismo com suas consequências nefastas. Neste mote, precisa
encontrar meios para fortalecer a viabilidade de grupos de solidariedade e, sendo assim é
essencial que invista na educação em prol de uma mentalidade cultural solidária. Tencionar o
Estado capitalista para que invista em políticas públicas contribui para que os desafios sejam
superados.
3 As decisões são realizadas com base na participação da coletividade, de modo democrático e compartilhado.
Não há o dono dos meios de produção que determina hierarquicamente.
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EDUCAÇÃO DO CAMPO E SOLIDARIEDADE
A Economia Solidária ao caracterizar-se enquanto um conjunto de ações econômicas
onde a poupança, o crédito, a produção, distribuição e consumo, centrado na dignidade da
pessoa, do trabalhador, do ser humano. Ao organizar-se dentro dos princípios da
solidariedade, de modo coletivo e com base na autogestão, a Economia Solidária apresenta-se
como uma alternativa para a superação do capitalismo.
Percebe-se que a Economia Solidária implica em valores que diferem do propalado
pela Indústria Cultural do sistema capitalista. Faz-se oportuno, então, uma educação que
produza a contra hegemonia. Somente por meio do processo educativo a Economia solidária
se firma, pois depende da autogestão e de trabalhadores e trabalhadoras que compartilham do
mesmo ideal que pressupõe a solidariedade ao invés da competição desenfreada
(ASSEBURG; ORGANDO, 2006). Trata-se do resistir ao imperioso e famigerado capital, por
meio da construção de um novo projeto de organização social, política, onde a relação entre
mulheres e homens será de reciprocidade e comunhão. Neste não haverá patrão e empregados,
explorador e explorados, quem só manda e quem só obedece.
Para uma nova economia embasada pela solidariedade é essencial o novo homem,
educado segundo os preceitos da partilha ao invés do acumulo, da divisão em detrimento da
concentração de riquezas. Com este objetivo “a escola é o instrumento para elaborar os
intelectuais de diversos graus” (GRAMSCI, 1978, p. 347) e, sendo assim, deve estar a
serviço da educação do campo, da economia solidária. Ao cumprir essa função colabora com
a construção de uma sociedade onde a centralidade é o ser humano, o sujeito emancipado.
No âmbito de estudos organizacionais a economia solidária apresenta- se como um
desafio para os intelectuais. Ela impõe aos estudiosos a relevância de construção,
desconstrução e reconstrução do referencial teórico capaz de aproximar-se da explicitação da
pedagogia referente ao campo. “A construção de um paradigma próprio de análise institui-se,
assim, como condição fundamental para pesquisas em gestão dos empreendimentos
solidários” (COSTA, CARRION, 2009, p. 66).
12
De acordo com Antônio Gramsci “cada grupo social, nascendo sobre o terreno
originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo
tempo e organicamente, um ou mais grupos de intelectuais” (1978, p. 343). Estes fazem a
reflexão que se encontra em estreita ligação como interesses de classe. Não existem teorias
neutras. O isentar-se de tomar uma posição nos embates é em si uma tomada de
posição na sociedade em que o forte explora e maltrata o fraco.
De modo específico, a Economia Solidária insere-se em atividades econômicas
voltadas para produção de bens, financiamentos, prestação de serviços, comércio justo e
consumos solidários. A Economia Solidária finalidade precípua das cooperativas,
associações, empresas de autogestão, redes solidárias, grupos solidários, clubes de troca é a
socialização do que fora produzido pelos membros cooperadores entre pares. Ao colocar o ser
humano na centralidade a Economia Solidária rivaliza com o modo de organização vigente
que prioriza o lucro a qualquer custo.
Numa sociedade assim, pautada na concentração de riquezas, marcada pela crise
decorrente da falta de conexão entre produção e consumo, em hipótese alguma interessa ao
capital a socialização do saber. Dito de outro modo, não é conveniente que os trabalhadores se
apropriem do conhecimento historicamente construído pela humanidade. A socialização do
saber que emancipa e humaniza o ser humano é uma contradição na sociedade onde tudo
tende a ser uma mercadoria em função do capital.
A desqualificação da escola, por diferentes mecanismos aqui apenas referidos, constitui-se,
ao lado dos mecanismos inseridos no próprio processo produtivo, numa forma sutil e
eficaz de negar o acesso aos níveis mais elevados de saber à classe trabalhadora. Esta
negação, por sua vez, constitui-se numa das formas de mantê-la marginalizada das decisões
que balizam o destino da sociedade (FRIGOTTO, 1989, p. 179).
Em partes, a citação da passagem contribui para entendermos o fato de muitos
educadores, professores afirmarem que: “para o sistema, quando a escola não funciona, então
ela está no caminho certo”. Portanto, uma escola ao trabalhar os conteúdos, ao propiciar a
socialização do conhecimento torna-se revolucionária, um sinal de contradição na
sociedade dual onde quem é detentor dos meios de produção manda e a maioria, que são os
trabalhadores, obedece. Em tese e na maioria das vezes, quem só possui a força de trabalho
são pagos para trabalhar e não para pensar. Destarte a luta por uma escola pública (com
13
qualidade, gratuita, universal) para os filhos dos trabalhadores representa na sociedade dual
uma contradição. Nossa aposta é que ao ampliarmos os valores que embasam a Economia
Solidária possamos acirrar ainda mais as contradições intrínsecas ao capitalismo e construir o
novo a partir do velho. Uma revolução lenta e gradual onde a educação ocupa papel precípuo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na academia, em simpósios, seminários, palestras, é comum a crítica ao modo de
produção capitalista. Debate-se exaustivamente acerca da exploração do trabalhador, da
desigualdade social, das crises provocadas pelas falhas inerentes à lógica do capitalismo que
concentra riqueza. Diante disso: o que fazer? Como produzir o contrário para que a crítica
marxista não fique somente no plano das ideias, do mundo metafísico?
As indagações são abundantes e as respostas parciais não resolvem. Ao final do
manifesto comunista Karl Marx e F. Engels apresentam o caminho para a superação da lógica
na qual a vida encontra-se subjulgada ao capital ao conclamarem: “Trabalhadores do mundo
inteiro, uni-vos!”. Sim, mas passou-se muito tempo e continua o dilema: Como fazer para unir
a classe trabalhadora, aqueles que somente possuem o trabalho para viver?
A intelectualidade da esquerda aponta que a Economia Solidária não rompe com a
lógica do capital. Do contrário, ao buscar humanizar o capitalismo (desumano em essência)
fornecem subsídios para que ele ganhe fôlego e se perpetue por um pouco mais de tempo.
Todavia, enquanto a propalada revolução que irá por fim ao capitalismo insano, nos
colocamos favoráveis ao desenvolvimento de mecanismos que promovam uma economia
pautada na solidariedade, centrada no homem, que tencione em favor da produção e
distribuição das riquezas de modo justo. Nesse propósito, a Economia Solidária e a
Educação do campo são ferramentas indispensáveis para a promoção de uma nova
sociedade.
Ao escrever sobre Pedagogia da Terra: novos ventos na universidade, Lisete R. G.
Arelaro almeja a construção de “uma sociedade que seja mais democrática e menos desigual”
(2005, p. 45).
14
Portanto, considera-se uma conquista a Pedagogia do Campo inserida nas Instituições
de Ensino Superior pelo Brasil afora. O processo de formação é indispensável para o
acirramento das contradições do capitalismo. Uma Revolução lenta e gradual.
REFERÊNCIAS
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v. 9, n. 1, Jan./Mar., 2005.
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M. Portella (Org.). Economia solidária e educação de jovens e adultos. Brasília: INEP, 2005.
ARRUDA, Marcos. Redes, educação e Economia Solidária: novas formas de pensar a educação de
jovens e adultos. In: KRUPPA, Sonia M. Portella (Org.). Economia solidária e educação de jovens e
adultos. Brasília: INEP, 2005.
ASSEBURG, Hans Benno e OGANDO, Cláudio Barcelos. A Economia Solidária no Rio Grande do
Sul. San Jose, Costa Rica: Unesco, 2006. (Cartilha da Economia Solidária – Resultados do primeiro
mapeamento nacional).
BUFFA, E.; ARROYO, M.; NOSELA, P.. Educação e cidadania. 10 ed., São Paulo: Cortez, 2002.
COSTA, Pedro de Almeida; CARRION, Rosinha da Silva Machado. Situando a Economia Solidária
no Campo dos Estudos Organizacionais. In: Otra Economía, v. III, n. 4, 1º semestre /
2009. (Site: www.riless.org/otraeconomia ).
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