A REPRODUÇÃO DA EXPROPRIAÇÃO CAMPONESA NAS … · A reforma agrária há muito no Brasil...

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1 A REPRODUÇÃO DA EXPROPRIAÇÃO CAMPONESA NAS ÁREAS DE REFORMA AGRÁRIA: UM ESTUDO DE CASO DO ASSENTAMENTO DIAMANTINA – TABULEIRO DO NORTE – CEARÁ – BRASIL 1 Claudemir Martins Cosme [email protected] Hidelbrando dos Santos Soares Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM/UECE) [email protected] Resumo Este trabalho analisa o processo de reprodução da expropriação camponesa no Assentamento Diamantina, através do estudo da desistência e rotatividade das famílias assentadas. O objetivo da pesquisa é compreender a desistência e a rotatividade enquanto processo de expropriação camponesa, resultado da precariedade da política de reforma agrária no Brasil e de seu caráter conservador. Neste contexto, o Estado garante o acesso da família camponesa a terra, mas não sua permanência. Neste contexto, a desistência e a rotatividade no Assentamento Diamantina, explica-se tanto pela precariedade da reforma agrária e das políticas públicas voltadas para o campesinato brasileiro, como também pela forma como se deu, no lugar, o acesso a terra para as famílias assentadas, ou seja, pela completa supressão do protagonismo camponês dificultando uma coesão social e comunitária futura. Palavras-chave: Assentamento. Reforma agrária. Expropriação Camponesa. Introdução A reforma agrária há muito no Brasil apresenta-se como um tema que gera caloroso debate. Seja na academia, movimentos sociais ou no interior da estrutura do próprio Estado a temática é discutida intensamente. Destarte, este trabalho busca contribuir para o aprofundamento das discussões através da análise do processo de reprodução da expropriação camponesa nas áreas de reforma agrária, através do estudo da desistência e rotatividade das famílias assentadas no Assentamento Diamantina. O mesmo, com capacidade para assentar trinta famílias, está localizado na Chapada do Apodi, numa área de aproximadamente 1.218 ha, abrangendo os municípios de Tabuleiro do Norte, Estado do Ceará e Governador Dix-Sept Rosado, Estado do Rio Grande do Norte, conforme mapa a seguir. Sua criação ocorreu no ano de 2003, fruto de um processo de desapropriação sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

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A REPRODUÇÃO DA EXPROPRIAÇÃO CAMPONESA NAS ÁREAS DE REFORMA AGRÁRIA: UM ESTUDO DE CASO DO ASSENTAMENTO

DIAMANTINA – TABULEIRO DO NORTE – CEARÁ – BRASIL1

Claudemir Martins Cosme [email protected]

Hidelbrando dos Santos Soares

Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM/UECE) [email protected]

Resumo Este trabalho analisa o processo de reprodução da expropriação camponesa no Assentamento Diamantina, através do estudo da desistência e rotatividade das famílias assentadas. O objetivo da pesquisa é compreender a desistência e a rotatividade enquanto processo de expropriação camponesa, resultado da precariedade da política de reforma agrária no Brasil e de seu caráter conservador. Neste contexto, o Estado garante o acesso da família camponesa a terra, mas não sua permanência. Neste contexto, a desistência e a rotatividade no Assentamento Diamantina, explica-se tanto pela precariedade da reforma agrária e das políticas públicas voltadas para o campesinato brasileiro, como também pela forma como se deu, no lugar, o acesso a terra para as famílias assentadas, ou seja, pela completa supressão do protagonismo camponês dificultando uma coesão social e comunitária futura. Palavras-chave: Assentamento. Reforma agrária. Expropriação Camponesa.

Introdução

A reforma agrária há muito no Brasil apresenta-se como um tema que gera caloroso

debate. Seja na academia, movimentos sociais ou no interior da estrutura do próprio

Estado a temática é discutida intensamente. Destarte, este trabalho busca contribuir para

o aprofundamento das discussões através da análise do processo de reprodução da

expropriação camponesa nas áreas de reforma agrária, através do estudo da desistência e

rotatividade das famílias assentadas no Assentamento Diamantina.

O mesmo, com capacidade para assentar trinta famílias, está localizado na Chapada do

Apodi, numa área de aproximadamente 1.218 ha, abrangendo os municípios de

Tabuleiro do Norte, Estado do Ceará e Governador Dix-Sept Rosado, Estado do Rio

Grande do Norte, conforme mapa a seguir. Sua criação ocorreu no ano de 2003, fruto de

um processo de desapropriação sob a responsabilidade do Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

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O objetivo da pesquisa é compreender a desistência e a rotatividade enquanto processo

de expropriação camponesa, resultado da precariedade da política de reforma agrária no

Brasil e de seu caráter conservador (CARTER; CARVALHO, 2010). Neste contexto, o

Estado garante o acesso das famílias camponesas á terra, mas não sua permanência,

tornando a luta para continuar na terra tão intensa e sofrida quanto para entrar na terra.

O levantamento de dados fez uso de diversos instrumentos como a observação do

cotidiano do assentamento através do diário de campo, conversas informais, aplicação

de entrevistas com roteiros indicativos, aplicação de questionários para dados mais

objetivos sobre a produção, comercialização e rentabilidade das práticas produtivas das

famílias assentadas, registros fotográficos e levantamento dos dados mais gerais sobre a

estrutura agrária do município sede do assentamento, através do Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) e do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE). Sobre o

próprio assentamento as informações foram levantadas também nos livros de ata, no

estatuto da associação, no Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA) e no

relatório agronômico de fiscalização e laudo de vistoria e avaliação do imóvel, nos

dados do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA) e mapas da

área do assentamento disponibilizados pelo INCRA e pela Empresa de Assistência

Fonte: Base cartográfica do IBGE. Organização: COSME, C.M; CHAVES, L.C. (2011).

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Técnica, Social e Ambiental (ATES), que acompanha o assentamento desde sua

implantação.

A expropriação camponesa foi abordada a partir de Marx (1989) e Martins (1996,1991)

e na análise da precariedade da reforma agrária e das políticas públicas voltadas para o

campesinato brasileiro utilizou-se das reflexões de Alencar (2000), Oliveira (2007),

Fernandes (2010) e Carter e Carvalho (2010).

O trabalho está dividido em introdução, três capítulos e as considerações finais. O

primeiro capítulo analisa o contexto histórico da implantação do Assentamento

Diamantina. O segundo busca descrever a organização produtiva das famílias

assentadas e o terceiro capítulo centra-se no estudo do processo de desistência e

rotatividade das famílias, entendendo-o como mecanismo de reprodução da

expropriação camponesa.

Neste estudo defende-se que o Estado assume, contraditoriamente, papel central no

processo de expropriação camponesa, seja através da precariedade das políticas para o

setor camponês, como do conservadorismo da reforma agrária.

O contexto histórico da implantação do Assentamento Diamantina

Apesar das primeiras desapropriações de imóveis rurais e criação dos primeiros

assentamentos em Tabuleiro do Norte2 terem ocorridas apenas na primeira metade dos

anos de 1990, as discussões iniciais em torno da reforma agrária neste município deram-

se bem antes, em meados da década de 1980, como ação da Diocese de Limoeiro do

Norte, através da Animação dos Cristãos no Meio Rural (ACR)3.

No final dos anos de 1980, com a conquista por um novo grupo político da Direção do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Tabuleiro do Norte, este passa a discutir e

apoiar as iniciativas em prol da reforma agrária, exercendo o papel até então ocupado

pela Diocese de Limoeiro do Norte. A estrutura fundiária de Tabuleiro do Norte

altamente concentrada e a presença de elevado número de famílias sem terra

impulsionaram as ações do STR para viabilizar a construção dos assentamentos rurais

naquele município.

Em 1994 ocorreu à primeira desapropriação de terras para fins de reforma agrária em

Tabuleiro do Norte, tendo o STR atuação destacada como mediador entre o Estado e as

famílias sem terra no processo de desapropriação de dois latifúndios que deram origem

aos primeiros assentamentos neste município, quais sejam: Barra do Feijão e Charneca4.

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A imissão da posse na sede da Fazenda Charneca contou com a presença do então

Presidente da República, o Sr. Fernando Henrique Cardoso e do Governador do Estado

do Ceará, o Sr.Tasso Ribeiro Jereissati, além de vários ministros e políticos locais e

estaduais, onde, na oportunidade, foi lançado o Programa Nacional de Reforma Agrária

do governo federal.

A presença do presidente Cardoso, lançando o Programa Nacional de Reforma Agrária

no Baixo Jaguaribe, constituiu-se num ponto alto da reforma agrária para esta região,

especialmente, para o município de Tabuleiro do Norte. Segundo Alencar (2005), a

meta do governo Cardoso era de assentar 280.000 mil famílias entre os anos de 1995 –

1998, mas, segundo o autor, o próprio governo, no documento intitulado “Diretrizes

para o Programa Nacional de Reforma Agrária”, já levantava dúvidas sobre a

possibilidade de atingir tal meta em razão das restrições orçamentárias que eram tidas

como algo inevitável à época.

Segundo Oliveira (2007), a proposta de Cardoso, ao assumir o governo, era de uma

reforma agrária bem mais conservadora do que os governos anteriores, ou seja, assentar

em quatro anos 280 mil famílias, um número que não chegava a 60% da promessa

inicial do governo Collor e de apenas 20% do previsto no I Plano Nacional de Reforma

Agrária (PNRA) do governo Sarney. Já no planejamento da política de reforma agrária,

Cardoso deixava claro que não era prioridade do seu governo fazer a reforma agrária

estabelecida no I PNRA.

Segundo Fernandes (2010), a tese defendida no primeiro governo de Fernando Henrique

Cardoso era de que no Brasil não havia mais latifúndios e que não existia uma elevada

quantia de famílias sem-terra, portanto, assentando as famílias acampadas, o problema

agrário brasileiro seria solucionado. Daí ter sido implantado, justamente no primeiro

governo Cardoso, quatro dos cinco assentamentos rurais existentes em Tabuleiro do

Norte. Entretanto, Fernandes (2010) aponta o equivoco da referida tese, pois à medida

que os assentamentos eram criados, aumentava concomitantemente o número de

famílias acampadas.

O município de Tabuleiro de Norte, atualmente, possui quatro assentamentos federais,

fruto de desapropriações efetuadas pelo INCRA, com uma capacidade total de assentar

289 famílias e conta apenas com um assentamento estadual vinculado ao Instituto do

Desenvolvimento Agrário do Ceará (IDACE), com capacidade para assentamento de 16

famílias, totalizando, assim, a possibilidade de assentar 305 famílias. No quadro a

seguir podem-se visualizar alguns números dos assentamentos federais citados.

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Quadro 01 – Assentamentos Federais localizados em Tabuleiro do Norte

ASSENTAMENTOS

FEDERAIS

ANO CRIAÇÃO Nº DE

FAMILIAS

ÁREA (HA)

BARRA DO FEIJÃO 1995 100 4.076,20

GROELANDIA 1998 64 2.535,42

LAGOA GRANDE II 1998 95 3.049,99

DIAMANTINA 2003 30 1.218, 60

TOTAL GERAL 289 10.880,21 Fonte: INCRA (2011).

Segundo Oliveira (2007), o governo Cardoso se utilizou de várias estratégias políticas

para fazer frente aos movimentos sociais de luta pela terra, como por exemplo, o

incentivo a criação de movimentos sociais que não utilizavam a tática da ocupação5 da

terra, portanto, o oposto do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O

que estava em curso era uma tentativa de realizar uma reforma agrária sem conflitos

sociais e sem comprometer a propriedade privada e latifundiária da terra. Essa foi uma

das características da instalação dos assentamentos rurais em Tabuleiro do Norte.

A passagem a seguir, do Jornal o Povo, demonstra o interesse e o simbolismo do

Governo Cardoso em lançar seu Programa de Reforma Agrária em uma área sem

conflitos por terras:

O Presidente Fernando Henrique Cardoso escolheu o Ceará para inaugurar o seu ambicioso programa de reforma agrária que tem como meta assentar 280 mil famílias em quatro anos. O gesto possui uma elevada dosagem de significação política. A opção pelo Ceará e não pelo Rio Grande do Sul ou Goiás, onde a temperatura das tensões agrárias é elevadíssima, demonstra o caráter marcadamente político da visita presidencial. Quem mais ganha com a deferência de FHC em relação ao Ceará é governador Tasso Jereissati. O fato demonstra a influência que o governador tucano tem junto ao presidente da república. Durante a campanha. Fernando Henrique nunca escondeu a importância de Jereissati na articulação que apontou seu nome como candidato (JORNAL O POVO, 24 de março de 1995).

Pode-se inferir que o lançamento do Programa Nacional de Reforma Agrária em

Tabuleiro do Norte não foi obra do acaso, mas resultava de uma escolha política que

pretendia anunciar a natureza da reforma agrária no Governo Cardoso, qual seja, sem

conflitos, sem ocupações e/ou acampamentos, e, portanto, negociada, e, nestes termos,

em sintonia com os interesses dos latifundiários.

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No segundo Governo Cardoso, diante de uma forte criminalização e violência contra os

movimentos sociais, e, porque não dizer, do fracasso do seu projeto de reforma agrária

negociada, ocorreu uma redução significativa da instalação de novos assentamentos

rurais no Brasil (FERNANDES, 2010). É neste contexto de refluxo da política de

reforma agrária do Governo Cardoso e início do primeiro Governo Lula que se instala,

no município, o Assentamento Diamantina, objeto deste trabalho.

A implantação do Assentamento Diamantina segue as mesmas características que

marcaram a implantação dos três assentamentos anteriormente criados no município de

Tabuleiro do Norte, entre essas se pode citar, principalmente, a desapropriação do

imóvel rural de forma negociada com o proprietário, sem que houvesse a luta pela terra

por parte das famílias e tendo o STR como mediador do processo. Uma reforma agrária

de “ofício”, negociada e em comum acordo com os interesses do latifúndio.

A partir dos escritos de Carter e Carvalho (2010), admite-se que, no caso em estudo, se

está diante de uma reforma agrária conservadora, onde os impactos sobre os grandes

proprietários são, em geral, positivos ou neutros, pois a forma de distribuição de terras

tende a lhes favorecer. Para os autores “A reforma agrária conservadora é pautada por

um instinto conciliador...sem ferir os interesses dominantes no campo...predomina a

lógica de implantar os assentamentos onde for mais fácil para o Estado e menos

inconveniente para os latifundiários” (CARTER; CARVALHO, 2010, p. 294).

Ainda segundo os referidos autores, no Brasil, o Estado tem implementado ao longo de

vários governos, uma política de reforma agrária conservadora, onde uma das suas

marcas é o incipiente apoio às famílias assentadas.

A restauração do regime democrático em 1985 permitiu a eleição de cinco presidentes civis com orientações partidárias e políticas distintas. Todos eles, porém, de José Sarney a Luiz Inácio Lula da Silva, mantiveram de uma forma ou outra uma política agrária conservadora. Embora favoráveis a uma reforma fundiária em duas declarações públicas, na prática todos esses governos implementaram uma política caracterizada por: (1) repartir terras sob pressão social; (2) constituir assentamentos através de um processo jurídico e administrativo lento e complicado; (3) guardar distancia diante das violações frequentes dos direitos humanos no campo e a ampla impunidade judicial; (4) favorecer uma distribuição residual de terras, feita em lugares distante e de forma dispersa; e (5) oferecer escasso apoio aos assentamentos, ou facilitá-los apenas em função da pressão dos movimentos sociais (CARTER; CARVALHO, op. cit. p. 291).

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A organização produtiva no Assentamento Diamantina

O Assentamento Diamantina tem capacidade para assentar trinta famílias, possuindo

atualmente apenas dezoito famílias, ou seja, apresenta uma déficit de doze famílias6, já

de inicio percebe-se a problemática da desistência de famílias no assentamento,

problema que será abordado ainda neste capitulo.

Sua população total é de sessenta e oito pessoas, sendo trinta do sexo feminino e trinta e

oito do sexo masculino. Constatou-se que apenas uma das dezoito famílias residia na

zona urbana antes da vinda para o assentamento, ou seja, a grande maioria das famílias

vivia na zona rural no momento que antecedeu a sua vinda para o assentamento.

Um relevante é que 55,6%, ou seja, dez famílias residiam no município de Limoeiro do

Norte no momento anterior a vinda para o assentamento, somente três famílias residiam

em Tabuleiro do Norte, sede do assentamento, duas no município de Quixeré e as outras

três são oriundas do Estado do Rio Grande do Norte. Ou seja, uma quantidade diminuta

de famílias é originária do próprio município de Tabuleiro do Norte, sendo sua maioria

do município vizinho, Limoeiro do Norte.

Com relação à experiência de trabalho anterior a vinda para o assentamento, tem-se um

quadro bastante diversificado: diaristas, posseiros, arrendatários, empregados rurais

temporários e permanentes, moradores da antiga fazenda e empregados urbanos.

Verificou-se que 100% das famílias presentes atualmente no assentamento tinham

experiência com o trabalho agrícola ao longo da vida e que todas, antes de se tornarem

assentados, eram camponeses sem-terras.

Das dezoito famílias que compõem o assentamento, 72,2% delas são assistidas pelo

programa de transferência de renda do governo federal, o bolsa família, ou seja, das

dezoito famílias, apenas cinco não recebem o referido benefício. Com relação à

aposentadoria, apenas uma família tinha algum membro da família aposentado.

Um dado muito preocupante, que demonstra o descaso e ineficiência do INCRA, está

relacionado ao fato de que das dezoito famílias assentadas, apenas sete estavam

cadastradas como assentadas pelo órgão. As demais, num total de onze famílias, embora

residindo no assentamento, na sua maioria a mais de seis meses, ainda não foram

formalmente cadastradas.

O parcelamento da terra não foi oficializado pelo INCRA, entretanto os próprios

assentados definiram suas áreas individuais para a exploração, existindo

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concomitantemente com ás áreas individuais, áreas coletivas, ocorrendo, assim, a forma

mista de exploração da terra.

Todas as famílias têm a obrigação de todo sábado realizar o que para eles é chamado de

dia coletivo, ou seja, uma vez por semana as famílias se reúnem para a realização de

tarefas diversas no assentamento, como por exemplo, recuperar as cercas e a estrada,

fazer a limpeza da agrovila, entre outros.

Com relação às atividades produtivas geradoras de renda no assentamento, têm-se

apenas as atividades agropecuárias. Constata-se que as atividades produtivas coletivas

se concentram fundamentalmente na pecuária, com a criação de caprinos e bovinos de

forma bastante rudimentar. Já as atividades produtivas individuais são bastante

diversificadas, destacando-se: a criação de ovino-caprino, de bovinos, de suínos, além

do desenvolvimento da apicultura. Na produção agrícola, sobressaem as culturas de

subsistência (milho e feijão), além do desenvolvimento da fruticultura irrigada (banana)

por parte de algumas famílias e da horticultura, nos quintais produtivos.

A comercialização da produção é bastante incipiente, sendo a maior parte da produção

destinada ao consumo próprio, destacando-se apenas três famílias que desenvolvem a

fruticultura irrigada e duas famílias que desenvolvem a atividade apícola, vendendo a

produção excedente a atravessadores.

Neste contexto, em razão da baixa produtividade e incipiente geração de renda, a

maioria das famílias se submete ao trabalho fora do assentamento, ou seja, ao trabalho

acessório, como condição para a reprodução física e social da família.

O acesso ao crédito oficial, no caso o Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (PRONAF A), que está escrito na letra da lei como direito das

famílias assentadas, portanto norma que deveria ser seguida na implementação da

reforma agrária, não se tornou uma realidade para as famílias assentadas do

Assentamento Diamantina.

O Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA), um documento essencial para o

desenvolvimento da comunidade, construído e enviado desde 2008, seque teve sua

avaliação concluída pelo INCRA, o que vem inviabilizando, entre outros benefícios, o

crédito agropecuário às famílias.

A assistência técnica oficial, através da Assessoria Técnica, Social e Ambiental a

Reforma Agrária (ATES), é um gargalo que entrava o desenvolvimento da comunidade,

onde a equipe de ATES além de sofrer com a descontinuidade dos contratos, atua num

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ambiente com ausência completa de crédito para produção ou investimento por parte

das famílias.

O Assentamento Diamantina, além dos graves problemas acima mencionados, apresenta

também profundos problemas com relação à infraestrutura, afetando diretamente o

potencial produtivo do mesmo. Muitos destes se arrastam desde a desapropriação do

imóvel, como, por exemplo, o da estrada de acesso e o da água para irrigação. A estrada

de acesso é apontada pelos assentados como um dos grandes obstáculos para a

viabilidade econômica e social do assentamento, conforme registros fotográficos a

seguir.

Figura 01: Principal via de acesso ao Assentamento Diamantina, totalmente inundada a durante o inverno de 2009.

Fonte: IRDSS (2011) Fonte: IRDSS (2011)

Outro grande problema deve-se a deficiência de infraestrutura hídrica no assentamento

para fins de irrigação, impossibilitando às famílias desenvolverem o potencial produtivo

da área, com foco no aproveitamento das águas subterrâneas para irrigação das culturas

agrícolas.

Em relação à gestão e organização do assentamento, diante das dificuldades enfrentadas

pelas famílias e das exigências institucionais para ter acesso ao crédito oficial e aos

serviços públicos essenciais, foi fundada, em 20 de setembro de 2005, a Associação

Nossa Senhora Aparecida do Projeto de Assentamento Diamantina e eleita a sua

primeira Diretoria. Porém as mudanças constantes dos membros da Diretoria

impulsionadas pela desistência frequente dos assentados, ao longo dos anos, vêm

gerando grandes problemas. A elevada rotatividade dos membros da diretoria da

associação torna sua ação intermitente.

Figura 02: Técnico da ATES, enfrentando as péssimas condições de acesso ao Assentamento Diamantina, para prestar assistência técnica as famílias (2009)

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Somente em 2008 a comunidade teve a oportunidade de discutir os rumos que as

famílias queriam tomar e quais os objetivos as mesmas gostariam de atingir, através da

discussão e elaboração do PDA. Contudo, como já foi explicitado anteriormente, três

anos após a construção do PDA, o INCRA sequer emitiu um parecer final sobre

documento.

Este descompasso entre as normas vigentes e a realidade dos assentamentos no Brasil,

materializada no Assentamento Diamantina, são características, segundo Carter e

Carvalho (2010), da reforma agrária conservadora implementada pelo Estado brasileiro

desde o Governo Sarney.

Para Fernandes (2010), o Estado brasileiro tem tratado a questão agrária apenas com

políticas conjunturais, isso dependendo ainda do poder de mobilização dos movimentos

camponeses. Para ele, “a razão dessa atitude deve-se ao controle político do Estado

pelos ruralistas, que tem impedido o desenvolvimento da agricultura camponesa no

Brasil” (FERNANDES, 2010, p. 162).

A desistência e rotatividade: expropriação camponesa no Assentamento

Diamantina

Ao analisar os dados levantados em campo e confirmado pelos documentos do INCRA

sobre as famílias desistentes no Assentamento Diamantina, conclui-se que das 93

famílias que foram cadastradas, ao longo dos sete anos de existência do assentamento,

86 delas desistiram, ou seja, o percentual geral de desistência das famílias foi 92,5%. O

gráfico abaixo revela em síntese como se deu esse processo ao longo dos anos.

Fonte: INCRA (2011).

GRÁFICO 1 - HISTÓRICO GERAL DAS FAMÍLIAS DESISTENTES (2004 - 2011) POR ANO

13%

34%

2%21%

17%

4% 8% 1%Desistentes em 2004Desistentes em 2005Desistentes em 2006Desistentes em 2007Desistentes em 2008Desistentes em 2009Desistentes em 2010Desistentes em 2011

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Visualiza-se, no gráfico em tela, que o ano de 2005 foi o período que se teve o maior

percentual de desistência, ou seja, justamente no período de construção das moradias,

onde nem fonte de água para o abastecimento humano existia. Logo em seguida, tem-se

2007, com 21% dos desistentes e 2008 com 17%. Sendo que 13% e 8% das

desistências efetuaram-se nos anos de 2004 e 2010, respectivamente. Os anos de 2006 e

2011 não apresentaram muita expressividade.

O gráfico abaixo destaca o tempo de permanência das famílias desistentes no

assentamento.

Fonte: INCRA (2011). Estes dados revelam que 44% das famílias resistiram no assentamento por um período

superior a 12 meses. E que 68% das famílias desistentes permaneceram no

assentamento por um tempo superior a seis meses. É importante lembrar que o período

de experiência dado pela comunidade às novas famílias que se candidatam a vaga é de

três meses, ou seja, a maioria das famílias desistentes conseguiu cumprir o prazo

mínimo estipulado.

Ao comparar os índices de desistência do Assentamento Diamantina com outros estudos

semelhantes, percebe-se a dimensão do problema. No estudo de Gonzalez (2010), por

exemplo, é considerada elevada a desistência em torno dos 30% das famílias originais.

No caso do Assentamento Diamantina, um ano após o cadastramento das primeiras

trinta famílias, 88% delas já havia desistindo.

A precariedade em relação à infraestrutura básica, como por exemplo, carência de

estrada e água, bem como o não acesso ao crédito para produção, a descontinuidade dos

serviços de assistência técnica, a insuficiência da renda, ausência dos serviços de saúde

GRÁFICO 2 - HISTÓRICO GERAL DO TEMPO DE PERMANÊNCIA DAS FAMILIAS DESISTENTES (2004 - 2011) DO ASSENTAMENTO

7% 10%

15%

24%23%

21% Menos de 1 mêsDe 1 a 2 mesesSuperior a 2 a 6 mesesSuperior 6 a 12 Superior a 12 a 24 mesesSuperior a 24 meses

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e educação no assentamento, explica em grande medida o elevado índice de desistência

e rotatividade. Além do descaso do INCRA até em suas ações eminentemente

administrativas, como por exemplo, o não cadastramento das atuais famílias assentadas

e demora em aprovar o PDA do assentamento.

O depoimento do Sr. Antonio Cleudo de Lima7, que foi tesoureiro da associação e

desistiu do assentamento no período de realização da pesquisa, ilustra bem o quadro de

precariedade indicado acima:

...pra desistir, eu acho que cada um tem um problema, um ponto que, alguns não falam por que num sabe se expressar, outros falam mais, às vezes, exageram no problema. Basicamente, o problema hoje lá é estrada. Falta de recursos, que não tem o recurso pra pessoas sobrevivem lá dentro e mais presença, tem que ter mais presença do INCRA. Se não tiver presença do INCRA não vai pra frente. Por que se cada vez que o INCRA vem, se ele viesse a cada seis meses no mínimo, pelo menos seis meses, vai animando aquelas pessoas. Se viesse...o cara tá com seis meses...faz o cadastro daquele cara, que ele vai criar gosto, não hoje eu sou assentado, eu tenho a minha terra”. Ele pode fazer um trabalho coletivo mais animado, ele pode participar das coisas com mais vontade, porque ele já tá sabendo que ele é assentado. Agora o que não tem cabimento é o cara com mais de ano, morando dentro do assentamento, trabalhando, fazendo o trabalho coletivo, e ele ainda num é assentado. Se chegar a vir um projeto o cara ainda não é assentado, não tem condições...

Outro depoimento que resume o sentimento das famílias expropriadas é o da Sra. Maria

Antônia da Silva8. Esta ressalta a precariedade vivida pelas famílias assentadas,

elencando desde a questão da saúde, a problemática da via de acesso, renda, educação,

como causas para a desistência da sua família. A sua fala é importante, pois destaca as

dificuldades enfrentadas pelas famílias para permanecer na terra: O que mim fez desistir só foi isso ai, foi a estrada, a escola das crianças que era difícil, assistência de saúde que não tinha e trabalho que lá não tinha. Aí meu esposo trabalhava fora, passava a semana aqui trabalhando e eu passava a semana só. Aí pra voltar pra casa era aquela dificulidade, se saí de manhã chegava de tarde, se sair de tarde chegava meia-noite, ai ele já tinha trabalhado dois anos deste jeito, ele disse que num dava, ai procurou a sair de lá. Mais se tivesse estrada eu ainda tava lá, apesar das dificuldades que continua ainda, dificulidades lá, nós ainda estava lá ainda. Eu gosto, gostava não, eu gosto de lá é um canto assim, pra mim, é um canto calmo, num vem de briga, de confusão, de cachaça, eu achava muito bom.

Para José Antonio dos Santos9, assessor da Secretária de Política Agrária da Federação

dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Ceará (FETRAECE),

desapropriar a Fazenda Diamantina foi um equivoco, pois a mesma não atendia aos pré-

requisitos para a reforma agrária. Para ele, a falta de condições para as famílias viverem

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com dignidade, que deveria ser proporcionada pelo INCRA, é a causa da elevada

desistência das famílias no Assentamento Diamantina:

As pessoas precisam de terra pra trabalhar, mais precisam de terras com as condições. As pessoas precisam saber que tanto lá, também, tem uma escola próxima para botar um filho deles pra educar. As pessoas tão lá, também, precisam saber, se adoecer no inverno ou em qualquer época do ano, ele pode sair pra levar o doente dele pro hospital, pra se cuidar. Precisa saber se a mulher dele estando grávida e precisar chegar numa maternidade ele sai. E lá em Diamantina, sabe, tem um período do ano que não sai. Num sai e num chega. Num tem água, num tem estrada, num tem educação, num tem saúde. Então, assim, a terra pela terra em canto nenhum do mundo foi reforma agrária. E alguém pensou que Diamantina era terra e servia pra reforma agrária, acho que isso é que foi o grande erro. E é isso que na nossa avaliação se justifica a rotatividade das famílias. Por que isso não é um fato costumeiro. Aonde acontece rotatividade de famílias nos assentamentos da reforma agrária é, exatamente...onde o governo, através do INCRA, não chega com as condições básicas para que as pessoas possam viver lá com dignidade...desapropriar Diamantina é um erro. Diamantina é uma fazenda que não servia pra reforma agrária...

Maria Elisomar Maia10, técnica do INCRA, ao analisar a realidade que se encontra as

famílias assentadas, reconhece à situação de precariedade com relação à infraestrutura

colocada a disposição das mesmas, principalmente, em relação à estrada de acesso ao

assentamento. Para ela, a inexistência de infraestrutura mínima, principalmente de via

de acesso, é uma das principais causas da elevada desistência das famílias:

...hoje o que se ver nesse decorrer de sete anos do PA Diamantina é a questão do acesso. Por que muitas e muitas famílias que nós entrevistávamos, que depois a gente teve contato com elas, já saindo do assentado, eles sempre alegavam que é a questão do acesso. Eles iam para lá, se um dos filhos adoecesse, morria lá. Por que num tinha como sair na época invernosa. O peso principal que eu considero ali é a falta de acesso...ao Projeto. Por que a terra é de qualidade...Eu acho que o peso ali é a questão da infra-estrutura e, principalmente, a estrada. Se a gente tiver condição de fazer nesse exercício ainda, essa estrada, muda. Muda muito ali dentro. Muitas pessoas até que não chegaram a ser cadastrada, a gente pode até resgatar essas pessoas noutro momento...

Este depoimento revela de forma nítida o profundo descompasso entre as normas

vigentes em relação à reforma agrária e a realidade. Nem o que é norma dentro da

política de reforma agrária do atual governo, que seria: infraestrutura básica produtiva,

via de acesso, crédito, assistência técnica e extensão rural, saúde e educação, entre

outras politicas públicas, chegou a ser implantada no Assentamento Diamantina.

O que se percebe é que as famílias assentadas, diante das precárias condições vividas,

não têm a sua disposição o tempo necessário para o enraizamento na nova comunidade,

tornando a desistência um caminho para sobrevivência.

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Martins (2003), tratando desta questão em relação aos assentamentos no Brasil, afirma

que as famílias assentadas têm um tempo de tolerância às dificuldades no processo de

enraizamento à nova condição de assentados. Caso esse tempo seja demasiadamente

grande, elas não agüentam e desistem. Para o autor:

Um dos problemas é, sem dúvida, nos vários assentamentos, o conjunto de dificuldades de uma inserção social que não flui automaticamente do ato de assentar e do acesso à terra. O sistema financeiro, mesmo quando atua como agente o programa federal de reforma agrária, atua autonomamente, com diretrizes próprias, de mercado (financeiro), orientadas para o lucro. Atua, portanto, como fator de concentração fundiária, em direção oposta à das diretrizes da reforma. É possível que parte dos desistentes e dos que optam pela revenda de terras, mesmo sendo ilegal, no fundo revelem uma compreensão desse conjunto de dificuldades. Uma compreensão em grande parte demarcada pela redução progressiva do tempo que subjetivamente podem tolerar como tempo necessário para o reenraizamento (MARTINS, 2003, p. 44).

O autor supracitado ao analisar o contexto das contradições do desenvolvimento do

capitalismo no campo brasileiro, afirma que a questão agrária brasileira se apresenta

com duas faces combinadas: a exploração e a expropriação. Para ele, a separação dos

camponeses dos seus meios de produção é a característica fundamental do segundo

processo, ou seja, a expropriação. O autor destaca que a expropriação é um processo

essencial para a reprodução do capital e desenvolvimento do capitalismo:

A instauração do divórcio entre o trabalhador e as coisas de que necessita para trabalhar – a terra, as ferramentas, as máquinas, as matérias – primas – é a primeira condição e o primeiro passo para que instaure, por sua vez, o reino do capital a e expansão do capitalismo. Essa separação, esse divórcio, é o que tecnicamente se chama de expropriação – o trabalhador perde o que lhe é próprio, perde a propriedade dos seus instrumentos de trabalho. Para trabalhar, terá que vender a sua força de trabalho ao capitalista, que é quem tem agora esses instrumentos (MARTINS, 1991, p. 50).

Fernandes (1994) também destaca o caráter contraditório do desenvolvimento do

capitalismo no campo brasileiro:

Na medida em que acontece o desenvolvimento do capitalismo no campo, este tende a se apropriar de todos os setores de produção, expropriando os trabalhadores de seus instrumentos e recursos. Desta forma, o capital se apropria do trabalho "livre" para a sua reprodução. Desenvolve-se uma relação social, em que, de um lado, o capitalista compra a força de trabalho, pois esta é fundamental para a reprodução ampliada do capital, e, do outro lado, o trabalhador vende a força de trabalho, pois isto é fundamental para a sua sobrevivência. Cria-se assim a propriedade capitalista e o trabalho assalariado. Contudo, a reprodução ampliada do capital não acontece somente dessa forma, ou seja, por ser desigual e contraditório, o capitalismo não domina somente de modo real as relações de trabalho e produção. Isto significa que o capitalismo não se desenvolve e se expande de forma linear.

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No seu desenvolvimento e expansão, o capitalismo implanta relações de trabalho assalariado e ou implanta e subordina de modo formal outras relações, como por exemplo as relações de trabalho e de produção não-capitalistas: o trabalho familiar, a parceria, etc. (FERNANDES, 1994, p. 24)

Neste contexto de desenvolvimento contraditório, desigual e combinado do capitalismo

no campo brasileiro, o Estado garante o acesso da família camponesa á terra, como

ocorreu com os assentados em estudo, mas não sua permanência. Desta forma se

reproduz o ciclo expropriatório do capital, embora, contraditoriamente, se estabeleça

uma fase de acesso a terra.

Considerações finais

A precariedade da reforma agrária e das politicas públicas para o setor camponês no

Brasil apresentam-se como mecanismos efetivos da reprodução da expropriação

camponesa nos assentamentos rurais. O Estado, ao implementar uma reforma agrária

conservadora, expropria as famílias assentadas, promovendo a separação do

campesinato da terra, do meio de produção essencial a sua existência.

O processo de gestação do Assentamento Diamantina, assim como ocorreu em todos os

assentamentos rurais do município de Tabuleiro do Norte, está baseado numa reforma

agrária que se denomina neste trabalho de “reforma agrária de ofício”, ou seja, sem

ocorrência de luta pela terra, resultado de uma demanda mais vinculada aos interesses

dos grandes proprietários do que dos seus reais destinatários, servindo como mecanismo

que potencializa a transformação da renda capitalizada em capital nas mãos dos grandes

proprietários. Uma reforma agrária conservadora nos termos de Carter e Carvalho

(2010).

A desistência e a rotatividade no Assentamento Diamantina, explicam-se, assim, tanto

pela precariedade da reforma agrária conservadora e das políticas públicas voltadas para

o campesinato brasileiro, expressa na debilidade das instalações físicas e sociais do

assentamento, como no descompasso entre as normas vigentes em relação à reforma

agrária e a realidade; como também pela forma como se deu, no lugar, o acesso a terra

para as famílias assentadas, ou seja, pela completa supressão do protagonismo

camponês, dificultando uma coesão social e comunitária futura. A partir daí, a própria

desistência e rotatividade tornaram-se problemas centrais para continuidade e

construção do assentamento enquanto um território camponês que proporcione vida

digna as famílias assentadas.

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É neste sentido que se defende, neste trabalho, que o Estado assume,

contraditoriamente, papel central no processo de reprodução da expropriação

camponesa nos assentamentos rurais, seja através da precariedade das políticas públicas

para o setor camponês, seja pelo conservadorismo da reforma agrária em curso no país.

Notas ______________________ 1 Este artigo é um resumo da monografia de conclusão de Curso de Licenciatura em Geografia de Claudemir Martins Cosme sob a orientação do Prof. Ms. Hidelbrando dos Santos Soares da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM)/Universidade Estadual do Ceará (UECE). 2 De acordo com o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), (2011), o município de Tabuleiro do Norte está localizado na mesorregião do Jaguaribe, a Leste do Estado do Ceará, fazendo parte da microrregião do Baixo Jaguaribe. Está a uma distância de 211 km da Capital do Estado, Fortaleza (IBGE, 2011). 3 Entidade Vinculada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com atuação no Nordeste brasileiro. 4 O Assentamento Charneca possuía uma área total de 3.215,39 ha, abrangendo os municípios de São João do Jaguaribe e Tabuleiro do Norte, conforme o Plano de Recuperação do Assentamento – PRA (2006). 5 A ocupação é uma ação decorrente de necessidades e expectativas, que inaugura questões, cria fatos e descortina situações. Evidente que esse conjunto de elementos modifica a realidade, aumentando o fluxo das relações sociais. São os trabalhadores desafiando o Estado, que sempre representou os interesses da burguesia agrária e dos capitalistas em geral. Por essa razão, o Estado só apresenta políticas para atenuar os processos de expropriação e exploração, sob intensa pressão dos trabalhadores. A ocupação é, então, parte de um movimento de resistência à esses processos, na defesa dos interesses dos trabalhadores, que é a desapropriação do latifúndio, o assentamento das famílias, a produção e reprodução do trabalho familiar, a cooperação, a criação de políticas agrícolas voltadas para o desenvolvimento da agricultura camponesa, a geração de políticas públicas destinadas aos direitos básicos da cidadania. A organização de uma ocupação decorre da necessidade de sobrevivência. Acontece pela consciência construída na realidade em que se vive. É, portanto, um aprendizado em um processo histórico de construção das experiências de resistência. Quando um grupo de famílias começa a se organizar com o objetivo de ocupar terra, desenvolve um conjunto de procedimentos que toma forma, definindo uma metodologia de luta popular126. Essa experiência tem a sua lógica construída na práxis. Essa lógica tem como componentes constitutivos a indignação e a revolta, a necessidade e o interesse, a consciência e a identidade, a experiência e a resistência, a concepção de terra de trabalho contra a de terra de negócio e de exploração, o movimento e a superação (FERNANDES, 1999, p. 270). 6 Números com base em coleta de campo realizada em junho/2011. 7 Entrevista realizada no dia 05 de junho de 2011. Todas as entrevistas foram transcritas respeitando a linguagem e a forma de expressão dos camponeses entrevistados. 8 Entrevista realizada no dia 05 de junho de 2011. 9 Entrevista realizada no dia 30 de junho de 2011. 10 Entrevista realizada no dia 30 de junho de 2011. Referências ALENCAR, Francisco Amaro Gomes de. Uma geografia das políticas fundiárias no estado do Ceará. Fortaleza, 2005. 297p. Tese (Doutorado em Sociologia) - Departamento de Ciências Sociais e Filosofia, Universidade Federal do Ceará. ALENCAR, Francisco Amaro Gomes de. Segredos íntimos: a gestão nos assentamentos de reforma agrária. Fortaleza: Edições UFC, 2000.

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