A Sindrome de Burnout - Ana Maria T. Benevides-Pereira

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7/22/2019 A Sindrome de Burnout - Ana Maria T. Benevides-Pereira http://slidepdf.com/reader/full/a-sindrome-de-burnout-ana-maria-t-benevides-pereira 1/16 36 A SÍNDROME DE BURNOUT Ana Maria T. Benevides-Pereira¹ INTRODUÇÃO A partir do artigo de Freudenberger em 1974, denominado Staff burnout , a Síndrome de Burnout começou a ser pesquisada, inicialmente nos Estados Unidos, passando a disseminar-se por todo o mundo. Na verda- de, os trabalhadores já estavam sofrendo seus efeitos há muitos anos, faltava apenas identificá-la e investigá-la adequadamente. O termo burn out  ou burnout  , “queimar até a exaustão”, vem do inglês e indica o colapso que sobrevêm após a utilização de toda a ener- gia disponível. É uma expressão utilizada tanto em textos eruditos como o de Sheakespeare (Schaufeli & Ezmann, 1998), assim como em gíria de rua, como para se referir a aquele que se consumiu pelas drogas. No contexto da psicologia, a definição mais utilizada tem sido a de Maslach & Jackson (1986) em que o burnout é referido como uma síndrome multidimensional constituída por exaustão emocional, desumanização  e reduzida realização pessoal no trabalho. O burnout é a maneira encontrada de enfrentar, mesmo que de forma inadequada, a cronificação do estresse ocupacional. Sobrevêm quando falham outras estratégias para lidar com o estresse. A exaustão emocional  caracteriza-se pela sensação de esgotamento emocional e físico. Trata-se da constatação de que não se dispõe mais de nenhum resquício de energia para levar adiante as atividades laborais. O cotidiano no trabalho passa a ser penoso, doloroso. A desumanização  (despersonalização na versão de Maslach & Jackson de 1986, posteriormente denominada de cinismo  por Maslach, Jackson e Leiter em 1996), revela-se através de atitudes de distanciamento emocional, em relação as pessoas às quais deve pres- tar serviços e os colegas de trabalho. Os contatos tornam-se impesso- ais, desprovidos de afetividade, desumanos. Por vezes, estes profissio- nais passam a apresentar comportamentos ríspidos, cínicos, irônicos. Esta dimensão é considerada como o elemento defensivo da síndrome. A realização pessoal  nos afazeres ocupacionais decresce, perdendo a satisfação e a eficiência no trabalho. Há um sentimento de desconten- tamento pessoal, o labor perde o sentido e passa a ser um fardo. 1  Profª Associada Aposentada do Departamento de Psicologia, da Universidade Estadual de Maringá – PR, diretora da PSICO – Centro de Formação e Desenvolvimento Pessoal.

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A SÍNDROME DE BURNOUT

Ana Maria T. Benevides-Pereira¹ 

INTRODUÇÃOA partir do artigo de Freudenberger em 1974, denominado Staff burnout ,

a Síndrome de Burnout começou a ser pesquisada, inicialmente nosEstados Unidos, passando a disseminar-se por todo o mundo. Na verda-de, os trabalhadores já estavam sofrendo seus efeitos há muitos anos,faltava apenas identificá-la e investigá-la adequadamente.

O termo burn out  ou burnout  , “queimar até a exaustão”, vem doinglês e indica o colapso que sobrevêm após a utilização de toda a ener-

gia disponível. É uma expressão utilizada tanto em textos eruditos comoo de Sheakespeare (Schaufeli & Ezmann, 1998), assim como em gíriade rua, como para se referir a aquele que se consumiu pelas drogas.

No contexto da psicologia, a definição mais utilizada tem sido a deMaslach & Jackson (1986) em que o burnout é referido como umasíndrome multidimensional constituída por exaustão emocional,desumanização  e reduzida realização pessoal no trabalho. O burnout éa maneira encontrada de enfrentar, mesmo que de forma inadequada, a

cronificação do estresse ocupacional. Sobrevêm quando falham outrasestratégias para lidar com o estresse.A exaustão emocional  caracteriza-se pela sensação de esgotamento

emocional e físico. Trata-se da constatação de que não se dispõe maisde nenhum resquício de energia para levar adiante as atividades laborais.O cotidiano no trabalho passa a ser penoso, doloroso.

A desumanização   (despersonalização na versão de Maslach &Jackson de 1986, posteriormente denominada de cinismo  por Maslach,Jackson e Leiter em 1996), revela-se através de atitudes dedistanciamento emocional, em relação as pessoas às quais deve pres-tar serviços e os colegas de trabalho. Os contatos tornam-se impesso-ais, desprovidos de afetividade, desumanos. Por vezes, estes profissio-nais passam a apresentar comportamentos ríspidos, cínicos, irônicos.Esta dimensão é considerada como o elemento defensivo da síndrome.

A realização pessoal  nos afazeres ocupacionais decresce, perdendoa satisfação e a eficiência no trabalho. Há um sentimento de desconten-tamento pessoal, o labor perde o sentido e passa a ser um fardo.

1 Profª Associada Aposentada do Departamento de Psicologia, da Universidade Estadualde Maringá – PR, diretora da PSICO – Centro de Formação e Desenvolvimento Pessoal.

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De forma geral, toda e qualquer atividade pode vir a desencadear umprocesso de burnout, no entanto, algumas profissões tem sido aponta-das como mais predisponentes por características peculiares das mes-mas. As ocupações cujas atividades estão dirigidas a pessoas e que

envolvam contato muito próximo, preferentemente de cunho emocional,são tidas de maior risco ao burnout. Assim sendo, têm-se encontradoum número considerável de pessoas que se dedicam à docência, enfer-magem, medicina, psicologia, policiamento, etc.

Como foi mencionado, o burnout sobrevém de um processo deestresse ocupacional. O estresse rompe com o equilíbrio psicofisiológicodo indivíduo, obrigando que o mesmo se utilize-se de recursos extras deenergia, bem como inibe as ações desnecessárias ou incompatíveis comas estratégias de enfrentamento desencadeadoras deste contexto. De-pendendo da intensidade e do tempo de duração deste estado, o indiví-duo pode vir a sofrer conseqüências graves tanto em nível físico comopsicológico, caso não possa restaurar o contexto anterior ou desenvol-ver mecanismos adaptativos que lhe permitam restabelecer o equilíbrioperdido. No entanto, nem sempre as situações estressoras são negati-vas, às quais são denominadas de distresse , estas podem ser avaliadastambém como positivas pela pessoa, eustresse , sem deixar de conteras características citadas acima. Tome-se como exemplo uma situação

de promoção no emprego, com conseqüênte aumento salarial e de res-ponsabilidade.

SINTOMAS

Vários são os sintomas atribuídos à síndrome. Estes podem ser divi-didos, em 4 categorias, físicos, psíquicos, comportamentais e defensi-vos, que podem ser apreciadas no quadro a seguir:

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Resumo esquemático da Sintomatologia do Burnout

Benevides-Pereira (2002), pág. 44.

Há que se considerar queAs causas e os sintomas não são universais. Dependendo das ca- 

racterísticas da pessoa e das circunstâncias em que esta se encontre,o grau e as manifestações são diferentes. (Benevides-Pereira, 2001,pág.34).

Desta forma, nem todos que estão com a síndrome apresentarãotodos estes sintomas e estes podem se expressar de forma diferenteem momentos diferentes na mesma pessoa.

É importante ressaltar que a síndrome de burnout não traz conseqü-ências nocivas apenas para o indivíduo que a padece. Com a perda naqualidade do trabalho executado, as constantes faltas, as atitudes nega-tivas para com os que o cercam, assim como outras característicaspeculiares, estas acabam por atingir também os que dependem dos ser-

viços deste profissional, os colegas de trabalho e a instituição. Os trans-tornos devido à rotatividade, o absenteísmo, os afastamentos por doen-ça além dos custos com a contratação e treinamento de novos emprega-dos, oneram a folha de pagamento, além da queda de produtividade e de

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qualidade que acabam por denegrir a imagem da empresa.

CAUSAS

As causas do burnout também são multifatoriais. Trata-se da conflu-ência de características pessoais, do tipo de atividade realizada e daconstelação de variáveis oriundas da instituição onde o trabalho é reali-zado. Estes fatores podem mediar ou facilitar o processo de estresseocupacional que irá dar lugar ao burnout. As variáveis de personalidade,assim como as sócio-demográficas, não são em si deflagradoras dasíndrome, mas diante de uma instituição comprometida, podem facilitaro desencadeamento da mesma.

O quadro a seguir resume as principais características referenciadaspor diversos autores (Benevides-Pereira, 2002; Codo & Menezes, 1999;Firth, 1985; Gil-Monte & Peiró, 1997; Maslach, Schaufeli & Leiter, 2001;Schaufeli & Ezmann, 1998) entre vários outros que apresentam estudossobre a síndrome.Resumo Esquemático dos Mediadores, Facilitadores e/ouDesencadeadores do Burnout.

(Adaptado de Benevides-Pereira, 2002, pág. 69.)

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Desta forma, a maneira como estas características se combinamentre si, podem vir a postergar ou facilitar o processo de burnout. Porexemplo, uma pessoa com alto nível de resiliência, em uma organizaçãocom características predisponentes ao estresse ocupacional, pode vir a

resistir um maior tempo quando comparada a outro colega de trabalho.No entanto, através do tempo, ou diante do aumento dos fatores negati-vos na instituição, ou vindo a sofrer dificuldades em nível pessoal, esteequilíbrio pode se romper. Muitas vezes, um agente estressor, pode serinócuo para uma pessoa e extremamente pernicioso para outra. Pior, omesmo elemento gerador de estresse pode ser assaz lesivo em umdeterminado momento e totalmente neutro em outro, dependendo dosprocessos de vida que estão sendo vivenciados, o que implica em umadimensão complexa e muitas vezes difícil de ser determinada.

INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

O instrumento de avaliação do burnout mais utilizado mundialmentenos estudos sobre burnout tem sido o MBI – Maslach Burnout Inventory ,(Schaufeli & Ezmann, 1998). Publicado por Maslach & Jackson, tevesua a primeira edição em 1981. Posteriormente, em 1986, após estudosque culminaram na diminuição do número de itens e supressão da esca-la de intensidade, foi editada a segunda. Trata-se de um questionário deauto-informe (auto-preenchimento), contendo 22 afirmações que devemser respondidas através de uma escala do tipo Likert  , indo de “0” como“nunca”, até “6” como “todos os dias”. Possui duas versões semelhan-tes, uma para profissionais da saúde (MBI-HSS, Human Services Survey )e outra para docentes (MBI-ES, Educators Survey ), diferindo apenas nositens relativos aos usuários aos quais as atividades são direcionadas:pacientes ou alunos.

Com a constatação de que não só professores e profissionais daárea da saúde poderiam via a sofrer de burnout, em 1996 Maslach,Jackson & Leiter publicaram a 3ª edição do inventário, denominado GS –General Survey , contendo apenas 16 itens e que pode ser empregado atodas as profissões, indistintamente. Houve também uma alteração nadenominação de duas das dimensões, despersonalização  passou a serdesignada de cinismo  e realização  pessoal  por eficiência profissional .

Apesar de amplamente difundido, vários autores têm denunciado o

fato de que algumas investigações têm demonstrado que o mesmo nãovem apresentando os mesmos níveis de validez e confiabilidade dos es-tudos americanos (Gil-Monte & Peiró, 1997, Schaufeli & Ezmann, 1998,entre outros). Por outro lado, este instrumento não afere as

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especificidades das profissões, como também não leva em considera-ção os fatores antecedentes e conseqüentes do processo (Moreno-Jiménez, Garrosa-Hernández, Gávez, González & Benevides-Pereira,2002).

Várias foram as traduções e adaptações do MBI para o Brasil(Benevides-Pereira, 2001; Kurowski, 1999; Lautert, 1995), no entanto, omesmo não está disponível para comercialização. Segundo a editoraque detém os direitos autorais nos Estados Unidos, não há interesse emrepassá-los para editoras brasileiras.

Por outro lado, a Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº02/2003 que regulamenta a utilização de testes psicológicos, dispõeque a partir do Edital nº 02/03 do CFP, os psicólogos passaram a estarimpedidos de empregar instrumentos de avaliação psicológica que nãohouvessem tido a aprovação do conselho, a menos que se destinasse apesquisa, sendo que não há neste edital, nem nos subseqüentes, testesdestinados especificamente ao burnout.

Outros questionários têm sido investigados para a síndrome. No Bra-sil, há estudos com o IBP – Inventário de Burnout para Psicólogos , queafere o burnout em psicólogos (Benevides-Pereira & Moreno-Jiménez, )o CBB – Cuestionário Breve de Burnout  de Moreno-Jimenez (19) e oCBP-R – Cuestionário de Burnout para Profesores Revisado  (Moreno-

Jiménez, Garroza & González, 2000) que estão sendo efetuados peloGEPEB – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Estresse e Burnout.

No entanto, para que a síndrome possa ser avaliada, não há a neces-sidade de se utilizar o MBI ou outro teste exclusivamente destinado àavaliação do burnout. Um psicólogo com conhecimento profundo nestetema, através de entrevistas (com o interessado, assim como com com-panheiros de trabalho e família), levantamento das condiçõesorganizacionais da instituição onde vinham sendo desenvolvidas as ativi-

dades ocupacionais, instrumentos que permitam uma avaliação extensadas condições psicológicas, como o Rorschach por exemplo, terá con-dições de fazer um bom diagnóstico e inclusive determinar um diferenci-al em relação ao estresse e/ou depressão, bem como para aquilatar aextensão e gravidade do caso.

INSTRUMENTOS JURÍDICOS DISPONÍVEIS

Diferentemente de outros países onde prosperam muitas pesquisase estudos sobre o burnout, mas que até o momento não possuem umalei que contemple esta síndrome como uma doença laboral, no Brasil oDecreto 3048/99, que regulamenta a Previdência Social, ao tratar em

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seu Artigo II dos Agentes Patogênicos causadores de Doenças Profissi- onais ou do Trabalho , aponta a Síndrome de Burnout  ou Síndrome do Esgotamento Profissional  como um agente etiológico ou como um dosfatores de risco de natureza ocupacional, tendo como causa o Ritmo de 

trabalho penoso (Z56.31 ).Também encontramos Neurose  Profissional  (F48 .8), tendo como agen-tes deflagradores Problemas  relacionados  com  o  emprego  e com o de- semprego (Z56): Desemprego (Z56.0); Mudança de emprego (Z56.1); Ameaça de perda de emprego (Z56.2); Ritmo de trabalho penoso (Z56.3); Desacordo com patrão e colegas de trabalho (Condições difíceis de tra- balho) (Z56.5); Outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho (Z56.6). Ritmo de trabalho penoso (Z56.3). Observa-se queestes mesmos estressores (e outros) são apontados por vários autoresem relação à síndrome de burnout (Benevides-Pereira, 2002, Gil-Monte& Peiró, 1997, Schaufeli & Ezmann, 1998), apesar de não serem nestalei relacionados ao mesmo.

Este mesmo decreto prevê que durante o tempo que perdurar o afas-tamento, a instituição deverá continuar depositando o percentual relativoao Fundo de Garantia e, uma vez retornando às suas atividades, é outor-gado a estabilidade por um ano no emprego, fato que não ocorre caso ofuncionário venha a ser afastado por estresse ou depressão, diagnósti-

cos muitas vezes utilizados, mascarando a verdadeira condição – oburnout.

Para que tenhamos uma idéia da amplitude de recursos disponíveisentre os procedimentos previstos (e não adotados), o Manual de Proce-dimentos para os Serviços de Saúde concernente às Doenças Relacio-nadas ao Trabalho (Brasil Ministério da Saúde (2001) orienta os profissi-onais da área, responsáveis pelas perícias laborais, a estarem alerta aeste evento pois

O diagnóstico de um caso de síndrome de esgotamento profissio-nal deve ser abordado como evento sentinela e indicar investigação dasituação de trabalho, visando a avaliar o papel da organização do traba-lho na determinação do quadro sintomatológico. Podem estar indicadasintervenções na organização do trabalho, assim como medidas de su-porte ao grupo de trabalhadores de onde o acometido proveio. (BrasilMinistério da Saúde, 2001, p.194).

Entretanto, apesar de possuirmos legislação que garanta o direito à

assistência ao empregado, a mesma não é utilizada. Até o momentotemos notícia de apenas um caso de afastamento tendo o burnout comocausa. Voltando à comparação com outros países, na Espanha, por exem-plo, apesar de não prevista em lei, já existem sentenças dando ganho de

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causa a servidores, inclusive com ressarcimento por danos causadospela instituição onde eram prestados os serviços.

Entre nós, comumente justifica-se o não enquadre dos transtornosapresentados como relativos à síndrome de burnout devido à dificuldade

em estabelecer o nexo causal e, desta forma o trabalhador deixa de sebeneficiar dos direitos mencionados.

MODELOS DE DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO

Até o momento, não há um consenso sobre um modelo de desenvol-vimento do processo no que diz respeito a esta síndrome. Diversos auto-res, em contextos diferentes, empregando métodos distintos, obtiveram

resultados diversos.A seguir são expostos alguns exemplos de representações da ex-pansão da percepção, consciente ou não, dos desencadeantes doestresse culminando na síndrome de burnout.O modelo de Golembiewski,Munzerider & Carter (1983), elaborado considerando as diversas fasesde progressão da síndrome, está baseado na divisão das pontuaçõesconsideradas elevadas ou rebaixadas das três dimensões consideradaspelo MBI (Maslach Burnout Inventori). Composta por 8 níveis de gradua-ção, começa apresentando graus baixos em exaustão emocional,desumanização e reduzida realização pessoal, até culminar em valoresaltos nestes três fatores. Segundo os autores, não necessariamenteestes níveis se sucedem um a um, podendo haver um salto ou maisentre eles.

Modelo de fases de de Golembiewski, Munzerider & Carter, 1983

A=Valor alto em relação à média ; B=Valor baixo em relação à média.

Entretando como pode ser observado, a primeira dimensão a se pro-duzir é a desumanização, o que não vem a corroborar o que em geraltêm sido constatado pelos demais altores. Por outro lado, um único

ponto pode representar uma grande diferença, fazendo com que um re-sultado considerado baixo passe para alto, alterando assim o nível verifi-cado.

No modelo de Leiter (1993), a exaustão emocional é o primeiro ele-

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mento a se manifestar, desencadeado pela carga e as exigênciasinterpessoais do posto de trabalho. Com o aumento da exaustão, sobre-vém a desumanização. Caso não disponha ou não venha a obter osresursos (tanto pessoais como institucionais) necessários para fazer

frente a tais imperativos, acaba por perder o envolvimento pessoal emsua ocupação.

Modelo de Leiter (1993)

No modelo denominado interativo, desenvolvido por Moreno-Jiménez,Garrosa & González (2000b), considera-se os eventos antecedentes quepoderíam vir a desencadear o processo, bem como as conseqüênciasdo mesmo.

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Modelo Interativo de Moreno-Jiménez, Garrosa & González (2000b).

Também denominado interativo, o modelo de Gil-Monte e Peiró, em-prega as estratégias de enfrontamento como elemento mediador entre oestresse percebido e a ocorrência da síndrome.

Modelo Interativo de Gil-Monte & Peiró 1997

No modelo de quatro etapas elaborado por Büssing & Glasser, subdi-vidido em dois níveis: aspectos relacionados, às condições de trabalho eos pessoais envolvidos, sendo que a possibilidade de autonomia pode vira mediar todas as fases existentes, levando a um controle ou precipita-

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ção do processo.

Modelo de processo de quatro etapas do burnout de Büssing & Glaser(2000)

FORMAS DE PREVENÇÃO E/OU INTERVENÇÃO

Para a Prevenção ou Intervenção nos processos relativos à síndromede burnout, a informação deve ser a primeira ação a ser adotada. Conhe-cer os agentes deflagradores, os mediadores, assim como os sintomasgeralmente presentes na síndrome, permite

§ aos profissionais comprometidos com a saúde laboral, adotar açõespreventivas adequadas. Nos casos em que o processo de burnout jáesteja em curso, há a possibilidade de propor medidas que possam vir a

solucionar o problema§ aos trabalhadores, que estes possam autoavaliar-se e, desta for-

ma, procurar minimizar ou eliminar os agentes estressores envolvidos,buscando restabelecer condições saudáveis de trabalho no ambienteocupacional, bem como ajuda caso necessário

Poderia-se atribuir 3 níveis de atuação: um de caráter individual, outroem grau institucional e finalmente enfocando a inter-relação indivíduo/ instituição. O ideal é que se pudesse propor ações nestes três níveis, o

que infelizmente nem sempre é possível. Sem o empenho e comprome-timento da instituição com este objetivo, as propostas acabam por sesituar apenas na esfera pessoal (Benevides-Pereira & Alves, 2003,Garrosa, Benevides-Pereira, Moreno-Jiménez & González, 2000,

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Greenberg, 2002).No plano individual, identificar os elementos que provocam estresse e

quais as estratégias de enfrentamento que estão sendo adotadas, asque estão sendo eficazes e as que se mostram inúteis, ou até mesmo

prejudiciais, é o primeiro passo.Algumas recomendações são relevantes:· Adotar hábitos saudáveis de vida. Cuidar para que a alimentação

seja balanceada e em horários regulares, não “pulando” refeições. Man-ter um mínimo de 6 horas diárias de sono ou mais. O próprio corpogeralmente instrue sobre a necessidade pessoal de descanso pois estaé distinta de pessoa para pessoa, mas extremamente necessária a to-dos. Praticar um programa de exercícios regulares (caminhadas, nata-ção...)

· Utilizar o tempo livre para atividades prazeirosas, agradáveis e nãopreenche-las com mais trabalho.

· Desenvolver talentos pessoais. Dedicar um tempo para habilidadesque sempre quiz aprender ou desenvolver, como pintura, música, dançade salão ou outra que venha a trazer satisfação pessoal.

· Aprender a dizer NãO! Não fazer mais do que as possibilidadesreais. É de fundamental importância saber distinguir e respeitar os pró-prios limítes.

· Administração do tempo. Distribir as atividades diárias de formacompatível com a realidade, levando em consideração não só as relati-vas ao trabalho, mas também as dedicadas às questões e cuidadospessoais e de lazer.

· Planejamento ambiental. Organizar o ambiente de maneira que tra-ga uma sensação de conforto e bem-estar, com todos os elementos quenecessite para o desenvolvimento de suas atividades dispostos de for-ma prática, sem deixar de lado os componentes estéticos, que lhe

proporcienem prazer aos sentidos.· Comunicação. Procurar relacionar-se com colegas de trabalho, usu-ários dos serviços, familiares e amigos, informando-os do que lhes épertinente de forma clara, precisa, utilizando-se de termos que lhes per-mitam inteirar-se adequadamente do que necessitam saber. Nem sem-pre o que deve ser comunicado é agradável, no entanto, distorcer infor-mações, omitir ou simplesmente deixar de fornecê-las em nada iráminimizar as dificuldades. Sempre há uma forma apropriada para isto,

convém buscá-la.· Neutralização dos agentes estressores. Uma vez identificadas assituações que provocam o estresse, verificar e avaliar as estratégias queestão sendo utilizadas no sentido de elimina-las ou minimiza-las. Bus-

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car outros recursos de enfrentamento no caso da percepção da ineficá-cia das táticas empregadas. No caso de impossibilidade de manejo dasituação, procurar distanciar-se ou evitar os contextos estressores.

· Apoio social. Cultivar o relacionamento interpessoal, dispor de uma

rede de amigos, é um dos mais saudáveis e relevantes dispositivos deenfrentamento nos momentos de dificuldade. Poder partilhar as inquieta-ções, conflitos, obstáculos, dúvidas, possibita ampliar a percepção dasituação permitindo uma visão mais abrangente, aumentando as chancesde resolução, ou, ao menos, a perspectiva de alívio e consolo.

· Relaxamento. Aprender e utilizar técnicas de relaxamento ajudamno controle psicofisiológico dos agentes estressores, permitindo umdistanciamento necessário para recobrar as forças, uma trégua para quese possa recobrar as energias. Por outro lado, pode fornecer odistanciamento necessário para uma percepção e análise mais adequa-da da situação.

· Psicoterapia pessoal. Um profissional habilitado é a pessoa maisindicada na ajuda necessária para o enfrentamento dos casos de estressee burnout. Para os casos específicos de burnout, seria conveniente queo mesmo possuísse conhecimento profundo sobre a síndrome assimcomo as possíveis técnicas para seu controle.

No plano institucional, um profissional capacitado em desenvolver

ações em saúde ocupacional é a pessoa mais indicada. Este terá condi-ções de efetuar uma avaliação dos aspectos saudáveis e/ou prejudiciaisda organização, assim como propor medidas no sentido de potencializaras variáveis positivas, bem como eliminar ou minimizar as negativasimplicadas. Para tanto, deverá contar com o apoio genuíno dos gerentese responsáveis pela insituição, bem como da disponibilização dos recur-sos necessários para sua concecução.

CONSIDERAÇÕES FINAISNão há aqui a pretensão de exaurir as ponderações possíveis relati-

vas à síndrome de burnout, mas deflagrar a reflexão e discussão a res-peito de um transtorno tão presente nos dias atuais e no entanto tãoignorado entre nós.

Há que se avaliar que, pelo desconhecimento até mesmo de profissi-onais da saúde, as pessoas que estão sofrendo as conseqüências da

síndrome geralmente sentem-se incompreendidos e até mesmo culpa-dos, fracassados, como se não fossem fortes o suficiente para fazerfrente às situações e houvessem sucumbido, não conseguindo enfrentaras vicissitudes de uma instituição perversa, o que só vem a intensificar

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os sintomas. Na síndrome de burnout, diferentemente do estresse e dadepressão, o contexto laboral possui determinação importante e decisi-va no processo.

Assim sendo, cabe a todos os profissionais comprometidos com a

saúde do trabalhador, difundir e alertar os colegas sobre as causas esintomas presentes nesta síndrome, afim de que a lei possa ser utiliza-da com critério e, desta forma, permitir o resgate dos direitos do traba-lhador, bem como de sua dignidade.

REFERÊNCIAS

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suas adaptações para o Brasil. In.: Anais  da XXXII Reunião Anual dePsicologia. Rio de Janeiro, 84-85.

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Notas

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2Conferência proferida no I Congresso Internacional sobre Saúde Mental no Trabalho.Goiânia, de 03 a 05 de maio de 2004.

3Codificação do CID 10 – Classificação Estatística Internacional de Doenças eProblemas Relacionados à Saúde 10ª Revisão, publicada pela OMS – OrganizaçãoMundial de Saúde.