Abranches Presidencialismo PSDB BRASIL 2010 VOL. 3 A

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O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira Seminário realizado em 22 e 23 de outubro de 2001, na Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Organizador: José Antônio Giusti Tavares 3 Brasil 2OlO COLEÇÃO

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O Sistema Partidáriona Consolidação daDemocracia BrasileiraSeminário realizado em 22 e 23 de outubro de 2001, na Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.Organizador: José Antônio Giusti Tavares

3

Brasil 2OlOC O L E Ç Ã O

O Sistema Partidáriona Consolidação daDemocracia Brasileira

Brasil 2OlOC O L E Ç Ã O

Brasília, 2003

Rua Santos Dumont, 1186 - CEP 90230-240Fone/Fax: (0xx51) 3346-5454Porto Alegre - RS - BrasilE-mail: [email protected] Page: www.novaprova.com.br

S623s O Sistema Partidário na Consolidação da DemocraciaBrasileira / org. por José Antônio Giusti Tavares. –Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 2003.400 p.; 14 x 21 cm. – (Coleção Brasil 2010 v.3)

1. Política – Brasil. 2. Sistemas partidários – Brasil.3. Democracia – Brasil. I. Tavares, José Antônio Giusti, org.

CDU 32(81)

CIP – Catalogação na fonte: Paula Pêgas de Lima CRB 10/1229

Projeto Editorial: Instituto Teotônio VilelaOrganizador: José Antônio Giusti TavaresEditoração Eletrônica, impressão e acabamento:Nova Prova GráficaCapa: Luiz Inácio de Melo

Instituto TInstituto TInstituto TInstituto TInstituto Teotônio Veotônio Veotônio Veotônio Veotônio [email protected] Federal, Anexo I, 17º andar70165-900 - Brasília - DF

Diretoria ExecutivaDiretoria ExecutivaDiretoria ExecutivaDiretoria ExecutivaDiretoria ExecutivaPresidente: Deputada Yeda CrusiusDiretor de Estudos e Pesquisas: Eloi Fernández y FernándezDiretor de Formação e Aperfeiçoamento: Aluísio PimentaDiretor Financeiro: Deputado Sebastião Madeira

Copyright © 2003 by Instituto Teotônio Vilela

Impresso no Brasil

Sumário

ApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentação ....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 07Deputada Federal Yeda Crusius – Presidente do InstitutoTeotônio Vilela

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução ................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ 11Professor José Antônio Giusti Tavares – Coordenador doSeminário

PPPPPARARARARARTE I – O PrTE I – O PrTE I – O PrTE I – O PrTE I – O Presidencialismo Brasileiresidencialismo Brasileiresidencialismo Brasileiresidencialismo Brasileiresidencialismo Brasileiro de Coalizãoo de Coalizãoo de Coalizãoo de Coalizãoo de CoalizãoPresidencialismo de Coalizão: O Dilema Institucional Brasi-leiro .................................................................................................... 21

Sérgio Henrique Hudson de AbranchesPresidencialismo de Coalizão e Crise de Governança ............. 75

Sérgio Henrique Hudson de AbranchesPresidencialismo de Coalizão Revisitado: Novos Dilemas, VelhosProblemas ......................................................................................... 83

Octávio Amorim Neto

PPPPPARARARARARTE II – TE II – TE II – TE II – TE II – AAAAA Nacionalização dos Partidos Políticos Nacionalização dos Partidos Políticos Nacionalização dos Partidos Políticos Nacionalização dos Partidos Políticos Nacionalização dos Partidos PolíticosA Nacionalização dos Partidos Políticos e dos Sistemas Partidá-rios: Uma Medição Empírica e sua Aplicação ao Caso dasAméricas ......................................................................................... 101

Scott P. Mainwaring e Mark P. Jones

A Nacionalização dos Partidos Políticos Brasileiros ............. 149Rogério Schmitt

PPPPPARARARARARTE III – Migração Partidária, Estratégias de SobrTE III – Migração Partidária, Estratégias de SobrTE III – Migração Partidária, Estratégias de SobrTE III – Migração Partidária, Estratégias de SobrTE III – Migração Partidária, Estratégias de Sobrevivênciaevivênciaevivênciaevivênciaevivênciae Governismo na Câmara dos Deputadose Governismo na Câmara dos Deputadose Governismo na Câmara dos Deputadose Governismo na Câmara dos Deputadose Governismo na Câmara dos Deputados ............................................................................................................................. 163163163163163

Carlos Ranulfo F. Melo

PPPPPARARARARARTE IV – Partidos, Federação e ReprTE IV – Partidos, Federação e ReprTE IV – Partidos, Federação e ReprTE IV – Partidos, Federação e ReprTE IV – Partidos, Federação e Representação Políticaesentação Políticaesentação Políticaesentação Políticaesentação PolíticaSistemas Partidários Estaduais, Participação Política eDemocracia no Brasil ................................................................... 229

Luís Gustavo Mello GrohmannDisciplina e Coesão dos Partidos Políticos no Brasil ............. 247

Juliano Corbellini

PPPPPARARARARARTE V – TE V – TE V – TE V – TE V – AAAAA Mediação dos Partidos na Democracia Mediação dos Partidos na Democracia Mediação dos Partidos na Democracia Mediação dos Partidos na Democracia Mediação dos Partidos na DemocraciaRepresentativa BrasileiraRepresentativa BrasileiraRepresentativa BrasileiraRepresentativa BrasileiraRepresentativa Brasileira ......................................................................................................................................................................................................................................................................... 267

José Antônio Giusti Tavares

Apresentação

Os textos que compõem esse volume, fruto doSeminário O Sistema Partidário e a Consolidação da Demo-cracia Brasileira, constituem uma resposta muito positivaà provocação inicial, feita pelo professor Giusti Tavares,acerca da possibilidade e da desejabilidade de um convívioreciprocamente independente entre a atividade políticae a ciência política.

Efetivamente, estabelecer pontes entre o conheci-mento científico e o exercício de responsabilidades pú-blicas constitui a essência dos propósitos que se esperadeva cumprir uma instituição dedicada à formação polí-tica dos quadros de um partido moderno, como é oInstituto Teotônio Vilela.

Minha experiência pessoal conduziu-me da aca-demia para a política partidária e, logo, eleitoral e parla-mentar. A academia, e não a política, foi a minha profissãode origem, de modo que compreendo perfeitamente anecessidade de conciliar o compromisso político práticocom a circunspecção exigida pela ciência.

É desnecessário ressaltar a importância do empre-endimento. Como bem sublinhou o Professor SérgioAbranches, não apenas a ciência política mas a atividade

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política devem aprofundar e fazer avançar seus equipa-mentos intelectuais para responder ao desafio de compre-ender e orientar as transformações rápidas e nem semprepredictíveis do mundo contemporâneo.

Há muitas aproximações entre a política e a ciência.Embora o político deva tomar decisões no terreno

das realidades empíricas e pontuais, os frutos de suaatividade são também globais, seja no campo da econo-mia, seja no campo dos indicadores sociais. A consoli-dação e a estabilidade do Estado Democrático de Direitosão o resultado final da produção continuada e per-manente de miríades de decisões públicas, cuja relevânciaquase sempre é subestimada quando se julga o trabalhoda classe política, o que torna esse julgamento freqüen-temente injusto.

Enfim, os políticos atravessam permanentementetestes de natureza diversa – econômicos, sociais e es-pecificamente políticos – de cuja resposta depende acontinuidade e o fortalecimento da democracia consti-tucional.

A democracia constitucional e representativa brasi-leira recente e ainda em maturação, tema desse Seminário,tem muito a apreender com as democracias clássicas, daEuropa e da comunidade dos países anglo-saxônicos. Masa comparação entre a primeira e as últimas introduzdificuldades e limites que devem ser enfrentados, embora,certamente, não sejam insuperáveis. Testemunho dessaassertiva é a obra do Professor Scott Mainwaring sobreos partidos políticos, pela riqueza dos dados empíricos,pela profundidade da análise histórica e pela sobriedadeda teoria.

O Professor Octávio Amorim ressaltou os grandes

Apresentação 9

testes enfrentados pelo governo Fernando HenriqueCardoso em 1999.

Em 1999 passamos pelo teste econômico, a desva-lorização do real, no momento em que as nossas aliançasestratégicas regionais, especificamente o Mercosul, nãose haviam completado.

No campo prático da política, 1999 foi também oteste da firmeza da aliança de apoio ao governo: aenfrentar o problema econômico, lideranças partidáriasque a compunham preferiram retaliar-se por meio de umaprofusão de CPIs.

O governo e as instituições não apenas sobrevi-veram mas consolidaram-se com todos esses testes. Pas-saram ainda pelo desafio da aprovação da Lei de Respon-sabilidade Fiscal, cujo impacto extraordinariamentepositivo sobre a saúde das finanças públicas não foiadequadamente valorizado pela oposição, prisioneira deseu próprio maniqueísmo ético.

Quanto à reforma tributária e à reforma previ-denciária, o fato de que não se converteram em realidadedeve ser bem explicado: de um lado, os setores sociais eos estados da federação, interessados, ainda não seencontravam maduros para pesar, numa perspectiva me-nos imediatista, os seus próprios interesses e os demaisinteresses, com os quais devem transigir e negociar paracumprir o interesse público; de outro, o governo consi-derou essas matérias suficientemente importantes paraserem aprovadas por meio do voluntarismo autoritário,dividindo a coalizão que o apoiava ao impor projetos queela não estava disposta a assimilar.

No quadro desconcertante da política brasileira,governos de coalizão complicam-se e tornam-se vulne-

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira1 0

ráveis em virtude do caráter fluido e movediço dasorganizações partidárias, do qual dão conta os estudosdo Professor Carlos Ranulfo sobre a coesão interna dospartidos e a migração interpartidária no Congresso.

A isenção e a profundidade com que esses temasforam abordados no Seminário apontam promissora-mente para os frutos que de sua divulgação devemresultar para o país.

Yeda CrusiusDeputada Federal

Presidente do Instituto Teotônio Vilela

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 1 1

Introdução

John Plamenatz afirmou com propriedade que odomínio próprio e específico da ciência política é o estudodas instituições. O fundamento dessa proposição éevidente. Em qualquer sociedade minimamente civilizada,as relações e os processos de poder se realizam no quadrode instituições e estas últimas, suas regras, mecanismos eprocedimentos, não são indiferentes quanto aos resul-tados dos processos políticos. Ao contrário, afetam porantecipação e de modo decisivo os desenlaces da interaçãoentre os sujeitos, permitindo-lhes antever as conseqüênciaspossíveis e prováveis de cada uma das estratégias alter-nativas de que dispõem, reduzindo a incerteza e o risco econferindo estabilidade e predictibilidade à associaçãopolítica.

Tem sido amplamente reconhecida a necessidadede uma reforma política que compreenda as leis, asinstituições e os mecanismos que regulam as eleições, ospartidos, o processo legislativo e o governo no país.

As últimas eleições presidenciais ilustraram comterrível clareza uma debilidade fatal ao presidencialismoe, com ela, a necessidade de uma ampla reforma dosistema de governo.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira1 2

Em segundo turno, entre dois perfis diferentes dehomem político, o eleitorado decidiu por Luís Inácio daSilva ou, mais precisamente, por uma imagem recons-truída e transfigurada pelos recursos midiáticos. Nãoelegeu um partido, elegeu o portador de um carisma, istoé, alguém ao mesmo tempo igual e extraordinariamentesuperior ao homem comum. Mas o governo da União e,com ele, toda a parafernália do Poder Executivo, rami-ficado através da federação por miríades de instituiçõese cargos, civis e militares, foram ocupados pelo Partidodos Trabalhadores.

Como em todo regime presidencial, o presidentedistribui pessoalmente os cargos do Ministério e decidesobre o primeiro e segundo escalões. E no presidencialismopluripartidário os postos do poder formam um espólio,distribuído entre os partidos, aliados ou não nas eleições,que aderem à grande coalizão que sustentará o governo.Isso porque possuir a maior bancada na Câmara e noSenado não assegura, por si só, o apoio legislativo ne-cessário ao presidente.

Também em 1994 e 1998 o eleitorado elegeuFernando Henrique Cardoso, não o PSDB, e o entãopresidente construiu com o PFL e com diferentes partidosuma coalizão de governo. Essa é a regra do presiden-cialismo pluripartidário: eleito plebiscitariamente, opresidente compõe o Ministério e assume a iniciativa deconcertar, com os partidos que o sustentarão, a coalizãode governo, que dele se torna tributária. Ao contrário, noparlamentarismo pluripartidário, é a coalizão de partidosque forma a maioria da câmara baixa ou do parlamento,a qual, por sua vez, nomeia e responsabiliza permanente-mente o governo. A distinção é clara: o parlamentarismo

Introdução 1 3

é o governo fundado na impessoalidade das instituiçõese na responsabilidade política permanente do PoderExecutivo diante do parlamento; o presidencialismo,sobretudo quando constelado por um Congressopluripartidário, é o governo de um só homem, com umaforte tendência ao personalismo, ao voluntarismo e aocesarismo populista. Entretanto, no presidencialismo compluripartidarismo congressual a coalizão governamentalainda parece ser a melhor alternativa e, no Brasil, apesarde tudo, tem funcionado.

Mas há, sobretudo, uma diferença fundamentalentre a constituição do atual governo e a dos precedentes.A virtude da coalizão consiste em que é essencialmenteum mecanismo pluralista e consociativo de produção deconsenso e, por essa via, de poder: foi esse o propósitodas coalizões nos governos Fernando Henrique Cardoso.Contudo, ao longo de duas décadas de existência, o PTou tem recusado qualquer coalizão ou a tem acolhido soba condição e com o propósito de hegemonia.

Por outro lado – embora, na tradição políticabrasileira, seja o presidente eleito, e não o partido, quemgoverna e detém o poder – quem deterá o poder no atualgoverno? Lula ou o partido ou, na segunda alternativa,que segmento do partido?

De qualquer modo, eleito, Lula, como era previsível,teria o privilégio de decidir a quem trair: ao eleitoradoque elegera o candidato popular, moderado e conciliador,construído por Duda Mendonça, ou ao núcleo radicaldo partido, ao qual aglutinara pelo compromisso com umprograma que tinha como título “ruptura necessária”.Se decidiu por renegar, no governo, o neocomunismo aque dedicou toda a vida, a sua opção é substantiva ou,

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como já afirmou mais de uma vez, um recurso provisóriopara ganhar tempo e acumular poder?

Esses desconcertos e interrogações são inquietantese justificam a necessidade de uma reforma das instituiçõespolíticas no país, incluído o sistema de governo.

A democracia constitucional e o governo represen-tativo não se consolidam sem instituições políticas coe-rentes, vigorosas e flexíveis, entre as quais é fundamentalum sistema pluralista de partidos políticos sólidos, coesos,disciplinados e responsáveis, que competem entre si,através de eleições regulares periódicas, pelo acesso àrepresentação legislativa e ao governo, pela posse dele,pela participação nele ou pelo controle sobre ele.

No Brasil, a tradição histórica, a cultura política, asregras, as instituições e os mecanismos do sistema re-presentativo, eleitoral e parlamentar, atuando em umsinergismo perverso, estimulam e fortalecem a atomizaçãoindividualista da política, em benefício dos políticos e emprejuízo dos partidos, da consolidação de suas basessociais e de sua própria identidade, retirando-lhes atémesmo o poder de decidir sobre as suas próprias can-didaturas.

Enfim, os partidos políticos brasileiros padecem dadificuldade crônica, histórica e estrutural, de agregar asdiferentes concepções do interesse público em que sedivide o corpo eleitoral, assegurando assim transitividadee responsabilidade recíprocas entre a sociedade e a polí-tica, e de que, carecendo de capacidade representativa,carecem também de capacidade governativa.

Com o propósito de elucidar questões dessa natu-reza, que desafiam a classe política e a comunidade daciência política no Brasil, o Instituto Teotônio Vilela (ITV)

Introdução 1 5

e a Faculdade de Ciência Política da UniversidadeLuterana do Brasil (ULBRA) reuniram em 22 e 23 deoutubro de 2001, em Porto Alegre, no Plenarinho daAssembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul,especialistas dedicados ao estudo das instituições políticasbrasileiras, no Seminário O Sistema Partidário na Consoli-dação da Democracia Brasileira, com o objetivo de iden-tificar os principais problemas concernentes aos partidospolíticos brasileiros nos cenários eleitoral, congressual egovernamental, bem como de avaliar as alternativas estra-tégicas e institucionais capazes de prover, no país, umsistema pluralista e competitivo de partidos represen-tativos e capazes de assumir as responsabilidades degoverno.

Este livro reúne as contribuições àquele seminário,cada uma na forma final dada pelo autor, organizando-as em cinco partes.

A Parte I, O Presidencialismo de Coalizão no Brasil,compreende dois estudos de Sérgio Henrique Hudson deAbranches – o ensaio clássico Presidencialismo deCoalizão: O Dilema Institucional Brasileiro, publicadooriginariamente em Dados. Revista de Ciências Sociais(v.31,n.1, 1988), reproduzido com autorização do InstitutoUniversitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), ePresidencialismo de Coalizão e Crise de Governança, textopublicado em junho de 2001 por Conjuntura Política, n.26,revista de mídia eletrônica editada pelo Departamentode Ciência Política da Universidade Federal de MinasGerais – seguidos do artigo O Presidencialismo de CoalizãoRevisitado: Novos Dilemas, Velhos Problemas, no qualOctávio Amorim Neto explora e atualiza a abordagemque Sérgio Abranches desenvolvera pioneiramente, em

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1988, com base na experiência do regime constitucionalde 1946.

A Parte II, A Nacionalização dos Partidos Políticos,inclui o estudo comparativo do tema em dezessete paísesda América Latina, de Scott P. Mainwaring e Mark P.Jones, A Nacionalização dos Partidos Políticos e dos SistemasPartidários: Uma Medição Empírica e sua Aplicação ao Casodas Américas – cujo original, em inglês, está sendopublicado por Party Politics (March 2003, Volume 9, Issue2), Sage Publications Ltd, à qual se deve a permissão parapublicá-lo em português – bem como o artigo de RogérioSchmitt, A Nacionalização dos Partidos Políticos Brasileiros.

Na Parte III, Carlos Ranulfo Félix de Melo identificae avalia os efeitos da migração partidária sobre a distri-buição da força relativa entre os partidos no Congressobrasileiro.

A Parte IV compreende dois estudos. No primeiro,Luís Gustavo Mello Grohmann examina os subsistemaspartidários estaduais do ponto de vista de suas relaçõescom os governadores e do poder que estes últimosdesfrutam na federação, bem como as relações entreparticipação e representação políticas na democraciabrasileira. No segundo, Juliano Corbellini discute algunsaspectos da controvérsia sobre disciplina e coesãopartidárias na política nacional.

Finalmente, na Parte V, o organizador deste volumefaz, com base num balanço crítico da literatura contem-porânea sobre os partidos políticos brasileiros, um estudodo sistema partidário brasileiro nos cenários eleitoral,congressual e governamental, dos efeitos que sobre eleexercem a cultura política, as regras e as instituiçõeseleitorais e a federação, e dos efeitos que ele, por sua vez,

Introdução 1 7

produz sobre o caráter e o funcionamento do sistemarepresentativo e do governo.

O seminário e o livro que dele resultou – referênciafundamental para quem deseja conhecer o sistemapartidário brasileiro contemporâneo e suas implicaçõessobre a representação política e o governo do país –converteram-se em realidade graças à lucidez, à sensi-bilidade e a grandeza da Deputada Yeda Crusius, Pre-sidente do Instituto Teotônio Vilela (ITV), órgão de estudose formação política do Partido da Social-DemocraciaBrasileira. Ao assegurar todos os recursos necessários àrealização desse seminário, Yeda revelou a capacidadesuperior de transcender a lógica dos resultados imediatospara considerar os benefícios que a longo prazo certa-mente resultam, para a coerência e para a adequaçãodas instituições políticas, da reflexão científica isenta,crítica e independente, sobre temas que aparentementenão ultrapassam o umbral da teoria.

A Professora Ana Falkembach Simão, Diretora daFaculdade de Ciência Política da Universidade Luteranado Brasil, assumiu com entusiasmo o desafio de promovero seminário no meio acadêmico.

Em seu conjunto, o empreendimento estabelece umadelicada mas sólida ponte entre a universidade e a política,buscando conciliar e integrar a circunspecção da ciênciacom os compromissos da atividade pública prática.

José Antônio Giusti Tavares Organizador

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira1 8

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 1 9

Parte IO Presidencialismo Brasileiro

de Coalizão

Presidencialismo de Coalizão:O Dilema Institucional Brasileiro*

Sérgio Henrique Hudson de Abranches

Heterogeneidade e Pluralidade de Interesses

O estilo de crescimento das últimas décadas apro-fundou, de forma notável, a heterogeneidade estruturalda sociedade brasileira – uma característica marcantede nosso processo histórico de desenvolvimento. Esta seexpressa, hoje, na imagem contraditória de uma ordemsocial no limiar da maturidade industrial porém mar-cada por profundos desequilíbrios e descompassos emsuas estruturas social, política e econômica. No planomacro-sociológico, observa-se o fracionamento da estru-tura de classes, que determina a multiplicação dedemandas setoriais competitivas e a exacerbação deconflitos, em múltiplas configurações, cortando, hori-zontal e verticalmente, as fronteiras da estratificação

* Publicado originariamente em Dados, Revista de Ciências Sociais, v. 31, n.1,1988.

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social, ela mesma marcada por significativas mudan-ças, com acentuada alteração nas hierarquias sócio-econômicas e a emergência de novos segmentos so-ciais, através do avanço do processo de assalariamen-to no campo e na cidade e do declínio das profissõesliberais de elite.

No plano macroeconômico, esta heterogeneidaderevela graves conflitos distributivos, disparidadestécnicas e desníveis de renda, entre pessoas, empresas,setores e regiões. O espaço sócio-econômico dos setoresmais avançados da sociedade estrutura-se com baseem padrões de produção, renda e consumo próximosdaqueles vigentes nos países capitalistas industria-lizados. Ao mesmo tempo, parcela considerável dapopulação ainda persiste em condições sócio-econô-micas típicas das regiões em desenvolvimento, caracte-rizadas por altas taxas de instabilidade econômica emobilidade social. Finalmente, parte não menos signi-ficativa da população vive em condições de destituiçãosimilares àquelas que prevalecem nos países maispobres.

No plano macropolítico, verificam-se disparida-des de comportamento desde as formas mais atrasadasde clientelismo até os padrões de comportamentoideologicamente estruturados. Há um claro “pluralis-mo de valores”, através do qual diferentes gruposassociam expectativas e valorações diversas às insti-tuições, produzindo avaliações acentuadamente dis-tintas acerca da eficácia e da legitimidade dos instru-mentos de representação e participação típicos dasdemocracias liberais. Não se obtém, portanto, a adesãogeneralizada a um determinado perfil institucional,

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 2 3

a um modo de organização, funcionamento e legiti-mação da ordem política. Esta mesma “pluralidade”existe no que diz respeito aos objetivos, papel e atri-buições do Estado, suscitando, de novo, matrizesextremamente diferenciadas de demandas e expecta-tivas em relação às ações do setor público, que setraduzem na acumulação de privilégios, no desequilí-brio permanente entre as fontes de receita e as pautasde gasto, bem como no intenso conflito sobre as prio-ridades e as orientações do gasto público. Simultânea-mente, e por causa deste mesmo perfil múltiplo e fra-cionado das demandas, acumulam-se insatisfações efrustrações de todos os setores, mesmo daqueles quevisivelmente têm se beneficiado da ação estatal.

A multiplicação de demandas exacerba a ten-dência histórica de intervenção ampliada do Estado.Este desdobra-se em inúmeras agências, que desen-volvem diversos programas, beneficiando diferentesclientelas. Proliferam os incentivos e subsídios, ex-pande-se a rede de proteção e regulações estatais.Esse movimento tem o resultado, aparentementecontraditório, de limitar progressivamente a capaci-dade de ação governamental. O governo enfrentauma enorme inércia burocrático-orçamentária, quetorna extremamente difícil a eliminação de qualquerprograma, a redução ou extinção de incentivos e sub-sídios, o reordenamento e a racionalização do gastopúblico. Como cada ítem já incluído na pauta estataltorna-se cativo desta inércia, sustentada tanto peloconluio entre segmentos da burocracia e os benefi-ciários privados, quanto pelo desinteresse das forçaspolíticas que controlam o Executivo e o Legislativo

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira2 4

em assumir os custos associados à mudanças naspautas de alocação e regulação estatais, restringe-seo raio de ação do governo e reduzem-se as possibili-dades de redirecionar a intervenção do Estado. Veri-fica-se, portanto, o enfraquecimento da capacidadede governo, seja para enfrentar crises de forma maiseficaz e permanente, seja para resolver os problemasmais agudos que emergem de nosso próprio padrãode desenvolvimento.1

Essa coincidência de situações tão contrastantesdefine uma formação social com características distintasquer das nações industrializadas, que apresentam maiorhomogeneidade social, quer das chamadas “naçõesplurais”, divididas por clivagens regionais e culturaismuito poderosas, mas cujos diferentes “blocos culturais”apresentam relativa homogeneidade interna, como noscasos da Holanda, Bélgica ou Áustria. Trata-se de um casode heterogeneidade econômica, social, política e culturalbastante mais elevado, seja na base técnica e nos níveisde produtividade na economia, seja no perfil de distri-buição de renda, seja nos graus de integração e organi-zação das classes, frações de classe e grupos ocupacionais,apenas para mencionar algumas dimensões mais salientes

1 Esta contradição aparente entre o crescimento e diversificação das formasde intervenção do Estado e o enfraquecimento simultâneo da capacidade decontrole do governo sobre as políticas públicas não é uma peculiaridadebrasileira. Porém, ela se agrava, neste caso, tanto em função das caracterís-ticas de nosso padrão de desenvolvimento, quanto pelos efeitos doautoritarismo sobre as pautas de relacionamento entre sociedade e Estado,quanto, ainda, pela dinâmica da transição do autoritarismo para a novaordem institucional, em formação. Ver, a respeito da relação entre interven-ção do Estado e controle das políticas públicas, F. Lehner e K. Schubert,“Party Government and the Control of Public Policy”, European Journal ofPolitical Research, n.12, 1984, pp. 131-46.

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do problema. Responde, porém, a uma mesma lógicahistórica e estrutural de expansão, tornando suas dife-rentes partes contemporâneas do mesmo movimentogeral, ainda que não coetâneas nas suas dinâmicas in-ternas.

O avanço do capitalismo industrial, no Brasil, é,assim, caracterizado por forte “assincronia”, associadaa seu caráter retardatário em relação à ordem capitalistamundial e à heterogeneidade histórica de suas estruturasinternas. As forças do progresso atingem desigualmenteesta malha díspar, determinando ritmos diversos econjunturas estruturalmente diferenciadas. As decisõesde investimento e as opções distributivas sancionam ouexacerbam este movimento. O desenho e o funciona-mento das instituições o convalidam ou, mais grave ain-da, procuram simplificá-lo artificialmente, determinandotransbordamentos incontroláveis de insatisfações e frus-trações, que reduzem drasticamente os limites de sualegitimidade. Os constrangimentos externos e os impulsosinternos compõem-se na reprodução das desigualdades.Elevam-se, portanto, as taxas potencial e real de conflito.Este permaneceu reprimido de várias maneiras, da repres-são aberta à sutil imposição de barreiras elitistas, políticas,econômicas, sociais e culturais à sua plena manifestação.Embora alguns destes elementos de contenção forçadado conflito tenham desaparecido com a desarticulaçãodo regime autoritário, muitos deles permanecem emoperação. Convivem, assim, focos largos e irresolutos deconflito e barreiras à sua livre manifestação. Mais ainda,o quadro institucional não desenvolveu mecanismosnovos que permitam processar esses conflitos de formalegítima, democrática e institucionalizada.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira2 6

Em síntese, a estrutura econômica alcançou subs-tancial diversidade e grande complexidade; a estruturasocial tornou-se mais diferenciada, adquiriu maior densi-dade organizacional, persistindo, porém, grandes descon-tinuidades, marcada heterogeneidade e profundas desi-gualdades. Daí resultaram maiores amplitude e plura-lidade de interesses, acentuando a competitividade e oantagonismo e alargando o escopo do conflito, em todasas suas dimensões. Ao mesmo tempo, o Estado cresceu eburocratizou-se e a organização política seguiu estreita eincapaz de processar institucionalmente toda essa diversi-dade, de agregar e expressar com eficácia e regularidadea pluralidade de interesses e valores.

O dilema institucional brasileiro define-se pela neces-sidade de se encontrar um ordenamento institucionalsuficientemente eficiente para agregar e processar aspressões derivadas desse quadro heterogêneo, adquirindo,assim, bases mais sólidas para sua legitimidade, que ocapacite a intervir de forma mais eficaz na redução dasdisparidades e na integração da ordem social.

O objetivo deste artigo é analisar alguns compo-nentes desse dilema, especificamente no que diz respeitoao arranjo constitucional que regula o exercício da auto-ridade política e define as regras para resolução de con-flitos oriundos da diversidade das bases sociais de susten-tação política do governo e dos diferentes processos derepresentação. O conflito entre o Executivo e o Legislati-vo tem sido elemento historicamente crítico para a estabi-lidade democrática no Brasil, em grande medida porcausa dos efeitos da fragmentação na composição dasforças políticas representadas no Congresso e da agendainflacionada de problemas e demandas imposta ao Exe-

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cutivo. Este é um dos nexos fundamentais do regimepolítico e um dos eixos essenciais da estabilidade institu-cional, tema das seções seguintes.2

A Crise Institucional

A transição, inaugurada com a instalação da NovaRepública, correspondeu ao esgotamento do modelopolítico anterior e à falência do conjunto das instituiçõesespecíficas do regime autoritário. Vivemos, em função doquadro econômico-social e da derrocada da velha ordem,uma situação de alta propensão à instabilidade.

Todo processo de mudança de regime implica, emmaior ou menor grau, descontinuidades e desajustes entrea composição de forças que promove o trânsito imediatoentre a velha e a nova ordem e o conjunto de forças polí-ticas que efetivamente conduzirá a (re)construção insti-tucional. Além disso, a própria mudança excita asexpectativas de todos que se sentiam lesados no períodoanterior, suscita a esperança de mudanças, sem a

2 Para uma análise mais detalhada das características sócio-econômicas doprocesso de desenvolvimento brasileiro e suas implicações institucionais, verSérgio H.H. Abranches, “A Recuperação Democrática: Dilemas Políticos eInstitucionais”, Estudos Econômicos, vol. 15, n.3, 1985, pp. 443-63, trabalhoque o presente atualiza e aprofunda no que diz respeito ao argumento polí-tico-institucional. A presente análise não pretende ajudar a elucidar todo odilema institucional brasileiro, mas apenas seu componente político e, espe-cificamente, aquele associado ao regime constitucional de governo. Há, evi-dentemente, outros elementos políticos importantes na sua determinação,sobretudo aqueles que se referem ao corporativismo não-consociacional e aocontrole democrático das políticas públicas. Como há, também, os compo-nentes sociais e econômicos deste dilema institucional, que merecem trata-mento em separado.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira2 8

consciência clara de que a comunhão de princípiospolíticos não assegura, nem contém necessariamente,elementos de consenso sobre as políticas concretas e assoluções a serem implementadas pelo novo governo,tampouco quanto à direção que se dará ao processo demudança.

Adicionalmente, há uma contradição inexorávelentre a necessidade prática de administrar o cotidiano,com instrumentos ainda do passado, e a imposição políticae moral da reforma político-institucional, que requer,forçosamente, planejamento e complexas negociações.

As pressões da conjuntura, associadas à persis-tência da crise econômico-social, exigem pronta açãogovernamental. Mas a solução – se obtida – dos problemasdo dia é garantia insuficiente de estabilidade e paz socialmais permanentes. A instauração de uma nova ordemlibera demandas antes reprimidas, que se somam àquelasjá inscritas na pauta decisória, mas inatendidas, produ-zindo sobrecarga na agenda prática do Estado.

Contudo, as próprias dificuldades políticas, a seremcontornadas com tempo e habilidade, reduzem a capaci-dade de formulação de programa positivo e seletivo quecondicione politicamente a administração dos negóciospúblicos às novas prioridades. Até porque, a desar-ticulação progressiva da institucionalidade autoritáriaincorpora novas forças ao processo decisório, sem que jáestejam em pleno funcionamento os novos mecanismosde processamento e seleção institucionalizada de inte-resses, ajustados às novas diretivas políticas e aos prin-cípios democráticos de decisão e relacionamento social.Prevalece uma certa informalidade pré-institucional nastransações políticas, superposta à continuidade da gestão

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 2 9

através de um aparelho estatal marcado ainda pelasdistorções produzidas pelas regras burocrático-auto-ritárias de direção política.

No plano político, é como se o governo precedesseo regime. A desgastada e ilegítima emenda constitucional,que regulou o antigo regime, tem seu espaço de vigênciadefinido pela conveniência política e administrativa.Deixa, portanto, um amplo vazio constitucional no quese refere à regulação do campo jurídico-político. Maisainda: é ineficaz na definição do escopo de autonomia einterdependência dos poderes. A instalação da Assem-bléia Nacional Constituinte exacerba os problemas ori-undos dessa fluidez institucional, reavivando os conflitosentre Legislativo e Executivo, os quais se processam semlimites definidos e amplamente compartilhados e naausência de mecanismos institucionalizados e legítimosde mediação e arbitragem. Os riscos de crises institucionaiscíclicas permanecem altos e praticamente inevitáveis. Esteé um problema sério, que tem raízes históricas, e querequer soluções de curto prazo – para o período de traba-lho constituinte – e de longo prazo, através de inovaçõesconstitucionais, de responsabilidade da AssembléiaNacional Constituinte.3

A probabilidade de acumulação de conflitos emmúltiplas dimensões, precariamente contidos pelo pactomais genérico de transição democrática – que foi breve-mente revigorado durante o período de sucesso do PlanoCruzado –, bem como de sucessão de ciclos de instabili-

3 Para uma análise mais detalhada desse processo de “desinstitucionalização”,que institui um governo sem regime, e seus efeitos políticos, ver meu artigo“A Busca de Nova Institucionalidade Democrática(?)”, Cadernos de Conjun-tura, n.3, Iuperj, Rio de Janeiro, dezembro de 1985.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira3 0

dade, aumenta na proporção em que as energias da novadireção política (no Legislativo e no Executivo) sãoconsumidas na administração de crises. Além disso, acontenção dos múltiplos focos setoriais de antagonismo,que emergirão, muito provavelmente, de forma quaseendêmica, no governo e fora dele, entre os parceiros daAliança Democrática e no interior dos próprios partidos,pode desgastar rapidamente a liderança da coalizão. Vemdaí a necessidade de rápida institucionalização de proce-dimentos de negociação e resolução de conflitos queevitem que todas as crises desemboquem nas liderançase, sobretudo, na Presidência.

Não são apenas o arcabouço constitucional, osistema político e a estrutura estatal que se encontramem transição, na qual convivem elementos não-residuaisdo antigo regime e novos princípios, que amadurecerãono território da república democratizada. Também aestrutura geral de organização e representação de interes-ses sociais encontra-se em fluxo, requerendo um ancora-douro institucional mais legítimo, mais moderno e maisaberto.

Soluções estáveis para a crise econômico-social nãodependem apenas de medidas macroeconômicas consis-tentes. Requerem, concomitantemente, uma reformaorganizacional do Estado que estabeleça nexos mais sólidoscom a sociedade; a criação de espaços para formulação deações concertadas; a recuperação da estrutura e da capa-cidade de planejamento. Estas mudanças no quadroadministrativo e organizacional do Estado, associadas anovas regras institucionalizadas de convivência entre osagentes econômicos e o governo, são factíveis antes mesmoda definição, pela Constituinte, do novo regime.

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 3 1

Existem, entretanto, elementos de nosso dilemainstitucional que só poderão ser equacionados peloprocesso constituinte e que se encontram no caminhocrítico da estabilidade democrática de nosso País.

Regimes Democráticos e Representação deInteresses

A ordem institucional da Nova República só serádefinida, no plano macropolítico, com a nova Consti-tuição. No entremeio, aplicam-se, seletivamente, disposi-tivos preexistentes e fortalece-se aquela tendência, járeferida, à informalidade de acordos e regras, que pode edeve ser compensada por mudanças institucionais eorganizacionais de curto prazo. Mas será a definição deuma institucionalidade de longo prazo que determinaráas possibilidades de evolução democrática mais estáveldo País.

A dinâmica macropolítica brasileira tem se carac-terizado, historicamente, pela coexistência, nem semprepacífica, de elementos institucionais que, em conjunto,produzem certos efeitos recorrentes e, não raro, desesta-bilizadores. Constituem o que se poderia classificar, comacerto, as bases de nossa tradição republicana: o presiden-cialismo, o federalismo, o bicameralismo, o multiparti-darismo e a representação proporcional. Seria ingênuoimaginar que este arranjo político-institucional se tenhafirmado arbitrária ou fortuitamente ao longo de nossahistória. Na verdade, expressa necessidades e contra-dições, de natureza social, econômica, política e cultural,

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira3 2

que identificam histórica e estruturalmente o processo denossa formação social. Tais características compõem umaordem política que guarda certas singularidades impor-tantes no que diz respeito à estabilidade institucional delongo prazo, sobretudo quando analisadas à luz dastransformações sociais por que passou o País nas últimasquatro décadas, do grau de heterogeneidade estruturalde nossa sociedade e da decorrente propensão ao conflito.

Estas singularidades aparecem mais nitidamentequando confrontadas com outros modelos de organizaçãodemocrática. Toda comparação tem algo de arbitrário.Querer aplicar regras de organização observadas emoutras formações sociais, com história e estruturas diver-sas, corresponderia a um exercício de engenharia institu-cional artificial e exótico. Mas a observação de experiên-cias distintas pode tornar mais saliente aquilo que já temosem comum com outras democracias e o que há de especí-fico e problemático em nossa vivência, estimulando abusca de soluções a ela apropriadas.

A Tabela 1 apresenta um sumário das principaiscaracterísticas institucionais das 17 democracias maisestáveis e relevantes do após-guerra e do Brasil, em distin-tos momentos. Pode-se verificar que o Brasil compartilha,com a maioria, vários elementos: mais da metade dessegrupo de países (9/17) adota o sistema proporcional derepresentação parlamentar; a maioria (13/17) temparlamentos bicamerais; 70% – (12/17) – têm mais de trêspartidos com representação superior a 5% na câmarapopular e outros três países possuem pelo menos três par-tidos nesta condição (o número médio de partidos, para oconjunto, é 4). Apenas os Estados Unidos, a Inglaterra e aNova Zelândia são sistemas bipartidários, por este critério.

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 3 3

Alemanha Misto (Prop. Bicameral Parlamentar 03 28Maj.)

Austrália Majoritário4 Bicameral Parlamentar 03 00Áustria Proporcional Bicameral Parlamentar 03 19Bélgica Proporcional Bicameral Parlamentar 06 16Canadá Maj. Distrital Bicameral Parlamentar 04 00Dinamarca Proporcional Unicameral Parlamentar 05 00EUA Maj. Distrital Bicameral Presidencial 02 00Finlândia Proporcional Unicameral Presidencial5 06 42França Maj. Distrital Bicameral Parlamentar 04 74Holanda Proporcional Bicameral Parlamentar 07 49Itália Proporcional Bicameral Parlamentar 05 43Japão Maj. Distrital6 Bicamerai Parlamentar 04 20Noruega Proporcional Bicameral Parlamentar 05 00N. Zelândia Maj. Distrital Unicameral Parlamentar 02 00Inglaterra Maj. Distrital Bicameral Parlamentar 02 13Suécia Proporcional Bicameral Parlamentar 05 00Suíça7 Proporcional Bicameral Colegiado 05 74Brasil (1946) Proporcional Bicameral Presidencial 05 80Brasil (1986) Proporcional Bicameral Presidencial 04

% Proporcional 69%% Distrital 41%% Bicameral 88%% Parlamentar 88%Média do Númerode Partidos 04

Obs.:1. Fonte: V. Herman e F. Mendel, Parliaments of the World, Londres, MacMillan,

1977.2. Fonte: T. Mackie e R. Rose, The International Almanac of Electoral History, Nova

Iorque, Free Press, 1974.3. Fonte: A. Lijphart, ‘Power-Sharing versus Majority Rule...”, op. cit.4. O sistema australiano é majoritário por transferência simples.5. Presidencialista, mas o parlamento pode demitir o gabinete.6. Regime majoritário, mas com distritos plurinominais.7. O Executivo é composto por um Conselho Federal, de sete membros, eleitos pelo

parlamento. O presidente e vice-presidente são escolhidos entre os sete, paramandatos de um ano. Inexiste o voto de desconfiança.

TTTTTabela 1abela 1abela 1abela 1abela 1Características Institucionais das Principais Democracias

Ocidentais e do Brasil (1946-64)(Dados referentes aos outros países – 1970’s)

PaísPaísPaísPaísPaís RegimeRegimeRegimeRegimeRegimeEleitoralEleitoralEleitoralEleitoralEleitoral11111

Estrutura doEstrutura doEstrutura doEstrutura doEstrutura doParlamentoParlamentoParlamentoParlamentoParlamento11111

Forma deForma deForma deForma deForma deGovernoGovernoGovernoGovernoGoverno

% Grandes% Grandes% Grandes% Grandes% GrandesCoalizõesCoalizõesCoalizõesCoalizõesCoalizões33333

NNNNNººººº de Partidos de Partidos de Partidos de Partidos de Partidoscom + de 5%com + de 5%com + de 5%com + de 5%com + de 5%na Câmarana Câmarana Câmarana Câmarana Câmara

PopularPopularPopularPopularPopular22222

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira3 4

O Brasil praticou o modelo presidencialista, fede-rativo, proporcional e multipartidário ao longo da Repú-blica de 1946 e retornou a ele com a Nova República. NaAssembléia Nacional Constituinte, existem quatro parti-dos com mais de 5% de cadeiras na Câmara, tornando onosso multipartidarismo rigorosamente médio e desmen-tindo a preocupação exagerada, hoje corrente, com a“proliferação excessiva de partidos”.

Por que exagerada? Em primeiro lugar, porque opróprio sistema eleitoral atua como regulador desse pro-cesso, incentivando ou desincentivando a formação departidos, na medida em que torna os custos, em votos,proibitivos para pequenas legendas de ocasião. A regrade cálculo do quociente partidário e o modo de distribuiçãode sobras são mais eficientes, nesse sentido, que qualquercoerção legal.

Evidentemente, não é por acaso que uma determi-nada sociedade apresenta tendência ao multipartida-rismo – moderado ou exacerbado. O determinante básicodessa inclinação ao fracionamento partidário é a própriapluralidade social, regional e cultural. O sistema derepresentação, para obter legitimidade, deve ajustar-seaos graus irredutíveis de heterogeneidade, para não in-correr em riscos elevados de deslegitimação, ao deixarsegmentos sociais significativos sem representação ade-quada.

Os sistemas majoritários, embora admitam o multi-partidarismo no plano eleitoral, reduzem fortemente aspossibilidades de equilíbrio pluripartidário no plano parla-mentar. Em ambientes sociais plurais, tendem a estreitarexcessivamente as faixas de representação com o riscode simplificar as clivagens e excluir da representação

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 3 5

setores da sociedade que tenham identidade e prefe-rências específicas. Os sistemas proporcionais ajustam-se melhor à diversidade, permitindo admitir à representa-ção a maioria desses segmentos significativos da popu-lação e, ao mesmo tempo, coibir a proliferação artificialde legendas, criadas para fins puramente eleitorais e semmaior relevância sócio-política.

Alguns exemplos permitem ilustrar melhor esteraciocínio. A Inglaterra (Reino Unido) aparece na Tabela1 como um sistema bipartidário: apenas os partidosConservador e Trabalhista têm conseguido, nas últimasdécadas, obter mais de 5% das cadeiras na House ofCommons. Entretanto, nas sete eleições realizadas entre1950 e 1970, pelo menos sete partidos disputaram cadei-ras parlamentares. A maioria dos pequenos partidos é debase regional, como o Nacionalista Irlandês. Dois sãopartidos nacionais, com identidade programática própriae longa tradição na história política do país: o Liberal e oComunista. Os comunistas disputam as eleições regu-larmente desde 1922, embora com pequena expressãoeleitoral; os liberais, desde 1885, já tendo sido majoritáriosem várias legislaturas, em décadas passadas. No períodoreferido, a votação do Partido Liberal variou entre 2,6 e11,2%; em cinco das sete eleições mencionadas, foisuperior a 5%. No entanto, a representação parlamentardos liberais variou, no mesmo período, de um mínimo de1% a um máximo de 1,9%, tornando-o um partido inefe-tivo no plano parlamentar. No período Thatcher, a vota-ção do Partido Liberal ampliou-se, atingindo a casa dos20-25% dos votos. Entretanto, sua representação parla-mentar persistiu fortemente defasada em relação à suaposição nas escolhas populares.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira3 6

Caso polar é a Holanda, de multipartidarismoexacerbado: sete partidos tinham representação superiora 5% na Tweede Kamer, a câmara popular, em 1970. Maisde 15 partidos disputaram aquelas eleições. Destes, trêsobtiveram 10% ou mais dos votos – o Católico Popular(17,7%), o Trabalhista (27,3%) e o Liberal (14,4%) –,votação que lhes assegurou, respectivamente, 18, 28,7 e14,7% das cadeiras na Tweede Kamer. Outros trêspartidos obtiveram entre 5 e 10% dos votos – o Radical(5%), o Anti-Revolucionário (8,8%) e a União CristãHistórica (5%) –, que se traduziram em 4,7, 9,3 e 4,7%das cadeiras, respectivamente.

Enquanto o regime inglês de representação apre-senta um forte potencial de exclusão de minorias signifi-cativas, o holandês reflete aproximadamente o pluralismoexistente na sociedade e o conseqüente perfil de prefe-rências. Este potencial de exclusão, em situações de maiorheterogeneidade social, pode transformar-se em sério riscoà estabilidade da ordem política, anulando a sua aparentesuperioridade, que seria, segundo alguns autores, aprodução de maiorias estáveis. Se essas maiorias foremmuito artificiais, resultado da regra de representação enão das escolhas eleitorais, dificilmente contribuirão paraa legitimidade do sistema de representação.

A segunda razão pela qual a preocupação com aproliferação de partidos é exagerada refere-se ao fato deque os regimes proporcionais, mesmo quando adotamcritérios de transformação de votos em cadeiras que pro-movem a máxima proporcionalidade e não desincenti-vam a fragmentação partidária, apresentam diferençasponderáveis entre o número de partidos que disputamas eleições e o número de partidos com efetiva repre-

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 3 7

sentação parlamentar. Assim, a garantia de representaçãoa minorias significativas não determina, necessariamente,a inviabilidade de maiorias estáveis, embora implique,com freqüência, a necessidade de coalizões governamen-tais.

Novamente o exemplo polar da Holanda é eluci-dativo a respeito: o número de partidos com representaçãoparlamentar efetiva representa menos da metade donúmero de partidos eleitorais. Por outro lado, os dadosda Tabela 1 mostram que, apesar de ser grande o númerode partidos com expressão parlamentar, apenas 49% dosgovernos, no após-guerra, constituiram-se com base emgrandes coalizões. A França, por exemplo, um sistemamajoritário-distrital, com quatro partidos controlandomais de 5% das cadeiras na câmara popular, teve 74%de seus governos baseados em grandes coalizões.

Para as 17 democracias incluídas na Tabela 1,verifica-se que o número médio de partidos parlamentaresé 4 (a mediana é 5), com uma variação que tem comolimite inferior os sistemas bipartidários e, como limitesuperior, o multipartidarismo holandês, com seus setepartidos parlamentares. Já o quadro partidário-eleitoralé bastante distinto: o número de partidos que disputamas eleições varia de 2 a 15 e o número médio de partidoseleitorais é 7. Em suma, a própria dinâmica eleitoralcontém elementos de auto-regulação que reduzem afragmentação parlamentar em relação à fragmentaçãoeleitoral.

Além disso, a capacidade de formar maiorias está-veis e a necessidade de recorrer a coalizões não sãoexclusivamente determinadas pela regra de represen-tação, nem pelo número de partidos, mas também pelo

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira3 8

perfil social dos interesses, pelo grau de heterogeneidadee pluralidade na sociedade e por fatores culturais, re-gionais e lingüísticos, entre outros, que não são passíveisde anulação pela via do regime de representação. Aocontrário, a tentativa de controlar a pluralidade, redu-zindo artificialmente o número de partidos representadosno parlamento e aumentando as distorções distributivasna relação voto/cadeira, pode tornar-se um forte ele-mento de deslegitimação e instabilidade.

Nesta visão mais relativizada dos limites e possi-bilidades dos regimes de representação partidário-eleitoralem democracias estáveis, o caso brasileiro não apresentadesvios notáveis. Nenhum momento de sua história parla-mentar entre 1946 e 1964, nem na Nova República,caracteriza-se pela exacerbação do multipartidarismo noCongresso.

Um traço da legislação eleitoral brasileira nãoanalisado neste trabalho, que tem merecido a atenção dosanalistas, refere-se à possibilidade de coligações eleitorais.De fato, por razões legais ou desincentivos embutidos nossistemas eleitorais, as coligações são pouco freqüentes nasdemocracias constantes da Tabela 1. Certamente, aampliação das coligações, como ocorreu nas eleições defins da década de 50 e início dos anos 60, no Brasil,subverte o quadro partidário, confundindo o alinhamentoentre legendas e contaminando as identidades parti-dárias. Esta é uma característica distintiva do modelobrasileiro em comparação com as democracias“maduras”. Dos 17 países aqui contemplados, apenas trêsapresentam alguma incidência de coligações eleitoraispara a câmara popular, porém com intensidade efreqüência bastante menores que as observadas no caso

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 3 9

brasileiro. Nas eleições francesas de 1967 e 1968,coligações eleitorais obtiveram 35,3 e 28,7% dos votos e34,5 e 18,7% das cadeiras, respectivamente. Na Itália, em1968, coligações capturaram 14,5% dos votos e 14,4%das cadeiras. Finalmente, no Japão, em 1958, aliançaseleitorais parlamentares conseguiram 33% dos votos e35% das cadeiras. Mas, neste particular, de fato, o Brasildestaca-se como desviante. Coligações e alianças repre-sentam a exceção, não a regra, naquelas democracias,enquanto no Brasil, a partir de 1950, passaram, progres-sivamente, a constituir a regra. Basta verificar que, em1950, alianças e coligações receberam 20% dos votos eem 1962 este percentual atingiu quase 50%.4

É possível perceber, até intuitivamente, que a pos-sibilidade de alianças e coligações amplia adicionalmenteo campo de escolhas eleitorais, elevando a fragmentaçãopartidária, na medida em que não apenas garante asobrevivência parlamentar de partidos de baixa densi-dade eleitoral, mas também multiplica as possibilidadesde escolha além das fronteiras das legendas partidárias.Este problema será reexaminado mais adiante, quandoda análise daquilo que diferencia a experiência institu-cional brasileira das experiências democráticas quelograram estabilidade e maturidade. O importante aconsiderar é que, mesmo com a alta incidência de aliançase coligações eleitorais, uma vez recomposto o alinhamentopartidário, no plano parlamentar, o Brasil não apresentaíndices de fracionamento muito destoantes daqueles

4 Para uma análise das alianças e coligações no Brasil e correspondentesreferências bibliográficas ver Olavo Brasil de Lima Junior, Os Partidos PolíticosBrasileiros, Rio de Janeiro, Graal. 1983.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira4 0

observados nas democracias proporcionais, o que qua-lifica ainda mais a preocupação com a alegada exacer-bação de nosso multipartidarismo.

A Tabela 2 apresenta algumas medidas de concen-tração ou dispersão da força dos partidos nas câmaraspopulares, o que permite avaliar mais finamente a ques-tão da formação de maiorias. A primeira coluna apresentao índice de fracionamento partidário nominal de Rae.5

Apesar da terminologia, este índice é de fácil compre-ensão: varia de O a 1, ou seja, da concentração absolutadas cadeiras, em um sistema unipartidário, à dispersãoextrema, na verdade irrealizável na prática, em que cadacadeira corresponderia a um partido diferente e o índiceatingiria a unidade. Um sistema bipartidário perfeito(FP = 0,50) seria considerado o ponto de dispersão (oufracionamento) intermediário e os sistemas multiparti-dários ocupariam o continuum a partir de, aproxima-damente, 0,55.

O Quadro 1 apresenta as três medidas mais elucida-tivas da Tabela 2, distribuídas de acordo com umaclassificação dos sistemas partidário-parlamentares: osíndices de fracionamento partidário-parlamentar (FP), deconcentração de cadeiras pelo maior partido (IC) e deconcentração de cadeiras pelos dois maiores partidos(ICA). FP é forte e negativamente correlacionado com osoutros dois, na medida em que são todos medidas deconcentração (R de Pearson = - 0,92 e - 0,94, e R deSpearman = 0,91 e - 0,97, respectivamente). Conjunta-mente, descrevem o perfil de distribuição de cadeiras na

5 Para maiores detalhes, cf. D. Rae, The Political Consequences of Electoral Laws,New Haven, Yale University Press, 1967.

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 4 1

câmara popular. A classificação dos sistemas baseou-seno número de partidos com mais de 5% de cadeiras. Comesta apresentação, torna-se mais fácil compreender oefeito do fracionamento parlamentar e seu significado naanálise do “grau de multipartidarismo”. Observa-se queos sistemas bipartidários reais aqui analisados apresen-tam, efetivamente, tanto índices de fracionamento pró-ximos a 0,50, quanto relativo equilíbrio de forças entre osdois partidos efetivos no parlamento (IC e ICA). Apenaspara ilustrar, a proporção de cadeiras do segundo par-tido na Inglaterra era de 46%.

Os sistemas tripartidários apresentam índices defracionamento entre 0,55 e 0,60. Todos os três são, defato, casos limítrofes, que apresentam altos índices deconcentração, similares aos dos sistemas bipartidários. NaÁustria, por exemplo, o índice de concentração decadeiras pelos dois maiores partidos (ICA) é de 0,95,restando, portanto, ao terceiro partido, apenas 5% dascadeiras. Este índice é de 0,98 para a Inglaterra. AAustrália, embora apresente um índice de concentraçãomais elevado para o maior partido, apresenta maior dis-persão entre os outros dois, o que faz com que o índice deconcentração acumulado caia para 0,84 – ainda muitoalto quando comparado aos dos sistemas multipartidários.

O primeiro grupo de democracias multipartidáriasé constituído por aqueles países que têm quatro partidoscom representação parlamentar igual ou superior a 5%.Aí se incluem duas legislaturas brasileiras do período pré-64 e a Assembléia Nacional Constituinte. Há dois casosdesviantes neste grupo. O primeiro é o da França que,embora tenha quatro partidos com pelo menos 5% dascadeiras na Assemblée Nationale, apresenta um índice de

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira4 2

fragmentação correspondente a um sistema bipartidárioconcentrado e inferior aos índices das democraciasbipartidárias do Quadro 1. Examinando-se os índices deconcentração, verifica-se que, de fato, a França de 1968era um sistema multipartidário peculiar, caracterizado pelahegemonia dos gaullistas, que concentravam 76% dascadeiras da Assembléia. Não por acaso, um sistema emcrise. Contudo, em anos anteriores, o sistema multipar-tidário francês apresentava índices inteiramente compa-tíveis com os dos outros sistemas multipartidários comfracionamento médio. O índice de fracionamento parla-mentar (FP) da Assemblée Nationale, em 1967, por exemplo,era de 0,66, e o índice de concentração (IC), de 0,49.

O segundo caso desviante é o do Brasil, na legis-latura de 1951, que apresenta um índice de fraciona-mento parlamentar mais elevado, característico desistemas multipartidários com fracionamento mediano.Novamente, encontra-se a explicação nos índices deconcentração. O maior partido concentrava uma propor-ção relativamente pequena das cadeiras (IC = 0,37) ehavia um relativo equilíbrio entre os três maiores (PSD,UDN e PTB): a diferença na proporção de cadeiras doprimeiro para o segundo e do segundo para o terceiroera de 10 pontos percentuais. Esta “concentração com-petitiva” determinava, de um lado, a maior dispersão dopoder parlamentar entre os três partidos e, de outro, umaacentuada distância entre estes e os partidos menores,estabilizando a representação efetiva em quatro partidos.Isto tornava, porém, a legislatura de 1951 um sistemapartidário-parlamentar de transição, indicando o movi-mento na direção da consolidação de um quadro multi-partidário com cinco partidos parlamentares efetivos.

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 4 3

TTTTTabela 2abela 2abela 2abela 2abela 2Indices de Fracionalização Parlamentar, Concentração,

Oposição e Grandes Coalizões para DemocraciasSelecionadas (1970’s) e Brasil (45,50,54,58,62 e 87)

PaísesPaísesPaísesPaísesPaíses FPFPFPFPFP ICICICICIC I0I0I0I0I0 ICAICAICAICAICA GC GC GC GC GC

Dinamarca 0,75 0,40 0,60 0,58 0Austrália 0,59 0,54 0,46 0,84 0Alemanha 0,57 0,46 0,54 0,91 28Áustria 0,55 0,51 0,49 0,95 19Bélgica 0,78 0,32 0,68 0,61 16Canadá 0,65 0,41 0,59 0,81 0Finlândia 0,82 0,27 0,73 0,45 42França 0,42 0,74 0,26 0,86 74Itália 0,72 0,42 0,58 0,70 43Holanda 0,84 0,29 0,71 0,46 49Japão 0,63 0,55 0,45 0,79 20Noruega 0,72 0,49 0,51 0,62 0N. Zelândia 0,47 0,63 0,37 1,00 0Inglaterra 0,52 0,52 0,48 0,98 13Suécia 0,70 0,47 0,53 0,67 0Suíça 0,82 0,24 0,76 0,47 74Brasil 45 0,64 0,53 0,47 0,80 80*Brasil 50 0,76 0,37 0,63 0,64Brasil 54 0,78 0,35 0,65 0,58Brasil 58 0,78 0,35 0,65 0,56Brasil 62 0,78 0,29 0,71 0,57Brasil 87 0,65 0,53 0,47 0,77 **

Fontes:Fontes:Fontes:Fontes:Fontes: Lúcia Hippolito, De Raposas e Reformistas..., op. cit., e T. Mackie e R. Rose,The International Almanac..., op. cít.; os índices foram desenvolvidos por D. Rae. ThePolitical Consequences..., op. cit.

FPFPFPFPFP – Fracionalização Parlamentar.ICICICICIC – Índice de Concentração de Cadeiras pelo Maior Partido: proporção de cadeiras

obtidas pelo maior partido.I0I0I0I0I0 – Índice de Oposição.ICAICAICAICAICA – Índice de Concentração de Cadeiras Acumuladas pelos Dois Maiores Partidos:

soma da proporção de cadeiras obtidas pelos dois maiores partidos.GCGCGCGCGC – Grandes coalizões*No período 1946-64, 80% dos governos foram grandes coalizões**O governo atual corresponde a uma grande coalizão, mas atribuir-lhe um percentualcareceria de sentido.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira4 4

Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: Fonte: International Almanac..., op. cit.* Os critérios utilizados para a classificação do Quadro 1 foram os seguintes: sistemasbipartidários – dois partidos com mais de 5% na câmara popular; tripartidários – trêspartidos com mais de 5%; multipartidários com fracionamento médio – quatro partidoscom mais de 5% (este é o número médio de partidos efetivos da amostra); comfracionamento mediano – cinco partidos com mais de 5% (esta é a mediana donúmero de partidos da amostra); com alto fracionamento – seis ou mais partidos commais de 5%.

Quadro 1Quadro 1Quadro 1Quadro 1Quadro 1Fracionamento Parlamentar em Democracias Selecionadas

Sistemas BipartidáriosSistemas BipartidáriosSistemas BipartidáriosSistemas BipartidáriosSistemas Bipartidários* FPFPFPFPFP ICICICICIC ICAICAICAICAICA

Nova Zelândia 0,47 0,63 1,0Inglaterra 0,52 0,52 0,98

Sistemas TSistemas TSistemas TSistemas TSistemas TripartidáriosripartidáriosripartidáriosripartidáriosripartidáriosAustrália 0,59 0,54 0,84Alemanha 0,57 0,46 0,91Áustria 0,55 0,51 0,95

Sistemas MultipartidáriosSistemas MultipartidáriosSistemas MultipartidáriosSistemas MultipartidáriosSistemas Multipartidárioscom Fracionamento Médiocom Fracionamento Médiocom Fracionamento Médiocom Fracionamento Médiocom Fracionamento MédioCanadá 0,65 0,41 0,81França 0,42 0,74 0,86Japão 0,63 0,55 0,79Brasil (1946) 0,64 0,53 0,80Brasil (1951) 0,76 0,37 0,64Brasil(1986) 0,65 0,53 0,77

Sistemas MultipartidáriosSistemas MultipartidáriosSistemas MultipartidáriosSistemas MultipartidáriosSistemas Multipartidárioscom Fracionamento Medianocom Fracionamento Medianocom Fracionamento Medianocom Fracionamento Medianocom Fracionamento MedianoDinamarca 0,75 0,40 0,58Bélgica 0,78 0,32 0,61Itália 0,72 0,42 0,70Noruega 0,72 0,49 0,62Suécia 0,70 0,47 0,67Suíça 0,82 0,24 0,47Brasil (1955) 0,78 0,35 0,58Brasil (1959) 0,78 0,35 0,56Brasil (1963) 0,78 0,29 0,57

Sistemas Multipartidárioscom Alto FracionamentoFinlândia 0,82 0,27 0,45Holanda 0,84 0,29 0,46

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 4 5

De fato, as legislaturas seguintes, de 1955, 1959 e 1963,fazem parte do conjunto de sistemas multipartidários comfracionamento mediano.

Estes constituem o segundo bloco de democraciasmultipartidárias, aquelas que, juntamente com as queapresentam sistemas com alto fracionamento, caracteri-zam-se por graus elevados de heterogeneidade ou plura-lismo social – as sociedades plurais. Seus sistemasmultipartídários e seus regimes proporcionais respondem,efetivamente, a essa pluralidade irredutível, e não poracaso a dinâmica democrática é consociacional na quasetotalidade dos países aí incluídos.6 Os índices de fracio-namento parlamentar desses sistemas variam entre 0,70e 0,80. A Suíça é, claramente, um caso limítrofe, que oscilaentre o fracionamento mediano e o alto, entre cinco esete partidos parlamentares efetivos (FP = 0,82 e IC =0,24). Finalmente, tem-se os dois casos de alto fraciona-mento, Finlândia e Holanda, com mais de cinco partidosparlamentares efetivos, índices de fracionamento parla-mentar superiores a 0,80 e índices de concentração emtorno de 0,30.

O Brasil, como se vê, não apresenta qualquer desvioimportante, neste particular, em relação a várias – naverdade a maioria – das democracias estáveis do Ociden-te. Tem um sistema multipartidário, com fracionamentoparlamentar entre o médio e o mediano, índices em nadadessemelhantes àqueles observados em vários países quegozam de estabilidade democrática e alta legitimidade.

6 Sobre as democracias consociacionais. ver A. Lijphart, The Politics ofAccommodation, Berkeley, University of California Press, 1968, e“Consociational Democracy”. World Politics, vol.XXI, n.2. 1969.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira4 6

O exame do que ocorreu no período 1946-64 indicauma trajetória bastante clara na direção da consolidaçãode um sistema multipartidário, com fracionamentoparlamentar mediano, com cinco partidos parlamentaresefetivos e o poder parlamentar dividido entre os trêsmaiores. Essa estabilização é indicada pela regularidadedo índice de fracionamento (0,78) nas três últimas legisla-turas. As duas primeiras apresentam-se como sistemasde transição: a primeira, empolgada pela forte represen-tação conferida ao Partido Social Democrático – PSD,partido que assumira a liderança do processo de institu-cionalização da nova ordem; a segunda, refletindo a rá-pida mudança no alinhamento partidário, com o cresci-mento do PTB, que representava os setores urbanos e maisprogressistas do movimento de institucionalização dademocracia populista. A última legislatura apresenta umadistribuição mais igualitária da representação entre ostrês maiores partidos, que se anuncia na queda do índicede concentração (IC) para 0,29.7

Vale ainda mencionar, a esse respeito, a proximidadedos índices observados para a atual Assembléia NacionalConstituinte e a primeira legislatura da “República de 46”:tanto o índice de fracionamento parlamentar quanto osíndices de concentração atingem valores muito próximos.Não pretendo retirar conclusões a respeito dessa coincidên-cia, mas creio ser razoável considerar a possibilidade deque, agora, como antes, o sistema partidário-parlamentarque emerge do processo de transição e inaugura o processode institucionalização democrática, após prolongado ciclo

7 Sobre a evolução e o desempenho da “República de 46”, ver WanderleyGuilherme dos Santos, Crise e Castigo. São Paulo: Vértice, 1987.

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 4 7

autoritário, é, ele mesmo, de transição. Caracteriza-se pelaforte representação de um só partido, identificado com aliderança mesma desse processo, como também porpressões subjacentes que apontam para um provável reali-nhamento das forças partidárias. Poder-se-ia esperar que,se não forem alteradas as regras de representaçãoproporcional, o novo sistema partidário brasileiro torne-seum sistema multipartidário com fracionamento mediano.

Independentemente dessa possibilidade, queapontaria para certas regularidades em nosso processopolítico, assentadas em características estruturais de nossasociedade e em traços bastante fortes de nosso padrãopolítico-institucional, pelo menos uma coisa é evidente:as peculiaridades institucionais que compõem o nossodilema político não dizem respeito ao nosso regime derepresentação, nem ao nosso sistema partidário;compartilhamos as principais características de amboscom a maioria das democracias estáveis do mundo.

Mais significativo do que as semelhanças entre asexperiências brasileiras e outros regimes democráticostalvez seja aquilo que diferencia o modelo brasileiro –traços até agora permanentes de nossa organização, nosciclos democráticos, e que persistiram, com as distorçõesinevitáveis, nos períodos autoritários.

Presidencialismo de Coalizão:A Especificidade do Modelo Brasileiro

A primeira característica que marca a especificidadedo modelo brasileiro, no conjunto das democracias aquianalisadas, é o presidencialismo. A grande maioria(76%:13/17) dos regimes liberais-democráticos do após-

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira4 8

guerra é parlamentarista. Na verdade, a única democraciapuramente presidencialista é a dos Estados Unidos daAmérica do Norte, que, aliás, tem recebido freqüen-temente, por parte dos analistas, a denominação de“presidencialismo imperial”. A França de De Gaulle foifortemente presidencialista, mas trata-se de uma formamista, na qual o parlamento tem o poder de destituir oministério. A França da coabitação é parlamentarista – oprimeiro-ministro é o efetivo Chefe do governo, emborao presidente retenha um feixe considerável de atribuiçõese poderes. A Finlândia é considerada, tecnicamente,regime de gabinete, pois seu presidencialismo é quali-ficado pelo poder de dissolução do gabinete pelo parla-mento. Finalmente, na Suíça não existe o voto de con-fiança, mas o Executivo é comandado por um ConselhoFederal, de sete membros, eleito pelo parlamento. O presi-dente e o vice-presidente do Conselho são escolhidos entreseus membros, para mandatos anuais.

É nas combinações mais freqüentes entre caracte-rísticas institucionais, e não em sua presença isolada, quea lógica e a especificidade de cada modelo emergem. Étambém aí que se revela a natureza do regime até agorapraticado no Brasil. Não existe, nas liberais-democraciasmais estáveis, um só exemplo de associação entre repre-sentação proporcional, multipartidarismo e presiden-cialismo. A França da V República, que já teve seu períodode inclinação presidencialista, é, como se viu, um regimemisto, de representação majoritária-distrital e multipar-tidário com fracionamento médio. O sistema dos EUA épresidencialista, bipartidário e majoritário-distrital. Asdemocracias proporcionais são todas multipartidárias eparlamentaristas, com as duas exceções mencionadas da

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 4 9

Suíça e da Finlândia, elas mesmas constituindo modeloscom razoável grau de especificidade.

Essa composição de regimes, pela agregação de suasprincipais regras institucionais de representação e con-trole, já seria suficiente para esclarecer as variações maisimportantes entre distintos modelos de democracia. Há,contudo, um elemento ligado ao funcionamento macro-político dessas democracias – portanto empírico – que assepara na própria lógica de seu movimento. Trata-se danecessidade, mais ou menos freqüente, de recurso àcoalizão interpartidária para formação do Executivo(gabinete). A última coluna da Tabela 1 apresenta a fre-qüência com que essas democracias foram governadaspor “grandes coalizões”, nos períodos de 1918-40 e 1945-70. Na última linha encontra-se a proporção de “grandescoalizões” no Brasil, entre 1946 e 1964. Vale notar que oprimeiro governo da Nova República instalou-se com baseem uma grande coalizão e as alterações ministeriais jápromovidas pelo Presidente da República mantêm aAliança Democrática. Mas seria precipitado atribuiralguma freqüência a este período.

O que se pode verificar é que quatro países apre-sentam proporção significativa de governos de coalizão(freqüência > 40%), abrangendo mais parceiros que onecessário para obter maioria simples no parlamento.Evidentemente, essas coalizões são marcadas por maiorheterogeneidade interna. Observe-se, também, que sãosociedades com maior grau de pluralismo e diferenciaçãosociais.8 São amplamente conhecidas as clivagens cultu-

8 Cf. A. Lijphart, “Power-Sharing versus Majority Rule: Patterns of CabinetFormation inTwenty Democracies”, Government and Opposition, vol. 16, n.4,1981, pp. 395-413.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira5 0

rais e religiosas que marcam o panorama social holandês.9

A Finlândia é uma sociedade fortemente fragmentada,na fronteira entre a Europa Ocidental e a Eslávica, tendosofrido influências marcantes da Rússia e da Suécia eapresentando importantes divisões sócio-culturais.10 Nãoé menor a propensão ao conflito, derivada de hete-rogeneidades na estrutura sócio-econômica, na Itália11 ena França.12 Em ambos os países existem estruturas multi-partidárias ideologicamente diferenciadas e polarizadas.

Três outros países apresentam moderada incidênciade grandes coalizões (em torno de 20%): a Alemanha, oJapão e a Áustria. Alemanha e Áustria também caracteri-zam-se por clivagens sociais ou regionais importantes.13

O Japão tem enfrentado dificuldades de compatibilizarefetivamente seu quadro institucional ocidentalizado esuas características sócio-culturais mais permanentes.14

A freqüência de coalizões reflete a fragmentaçãopartidário-eleitoral, por sua vez ancorada nas diferencia-ções sócio-culturais; é improvável a emergência siste-mática de governos sustentados por um só partido majo-ritário. Essa correlação entre fragmentação partidária, di-

9 Cf. A. Lijphart, “The Netherlands: Continuity and Change in Voting Behavior”,in R. Rose, ed., Electoral Behavior: A Comparative Handbook, Nova Iorque,Free Press, 1974, pp. 227-71.10 Cf. P. Pesonen, “Finland: Party Support in a Fragmented System”, in R.Rose, ed., Electoral Behavior..., op. cit., pp. 271-315.11 Cf. S.H. Barnes, “Italy: Religion and Class in Electoral Behavior, in R. Rose,ed., Electoral Behavior..., op. cit., 171-227.12 Cf. P. Converse, Political Representation in France, Cambridge, The BelknapPress, 1986.13 Cf., para o caso da Alemanha, D.W. Urwin, “Germany: Continuity andChange in Electoral Politics”, in R. Rose, ed., Electoral Behavior..., op. cit., pp.109-71.14 Cf. R.A. Scalapino e J. Masumi, Parties and Politics in ContemporaryJapan, Berkeley, University of California Press, 1962.

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 5 1

versidade social e maior probabilidade de grandescoalizões beira o truísmo. É nas sociedades mais divididase mais conflitivas que a governabilidade e a estabilidadeinstitucional requerem a formação de alianças e maiorcapacidade de negociação.

Porém, muitas análises do caso brasileiro e, sobre-tudo, a imagem que se tem passado para a opinião públicado País é que nossas mazelas derivam todas de nossosistema de representação e das fragilidades de nossoquadro partidário. O que fica claro, no entanto, é quenossos problemas derivam muito mais da incapacidadede nossas elites em compatibilizar nosso formatoinstitucional com o perfil heterogêneo, plural, diferencia-do e desigual de nossa ordem social. A unidade lingüística,a hegemonia do catolicismo e a recusa ideológica em reco-nhecer nossas diversidades e desigualdades raciais têmobscurecido o fato de que a sociedade brasileira é plural,movida por clivagens subjacentes pronunciadas e que nãose resumem apenas à dimensão das classes sociais; têmimportantes componentes sócio-culturais e regionais.

As regras de representação e o sistema partidárioexpressam essa pluralidade; não a podem regular, simpli-ficando-a ou homogeneizando aquilo que é estrutural-mente heterogêneo. Basta ver que as sociedades queprecisam recorrer a grandes coalizões apresentam impor-tantes variações institucionais. Isto indica, precisamente,que a regra institucional adapta-se à realidade social,garantindo, assim, a representatividade e a estabilidadeda ordem política.

O reexame dos dados até aqui apresentados ilustraessa afirmação. Dos quatro países que recorreram fre-qüentemente a grandes coalizões, um, a França, tem

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira5 2

regime majoritário-distrital, parlamentarista, e sistemamultipartidário com fracionamento médio. A Itália temregime proporcional, parlamentarista, e sistema multipar-tidário com fracionamento mediano. Holanda e Finlândiatêm regimes proporcionais, sistemas multipartidários comalto fracionamento, mas a primeira é parlamentarista e aoutra presidencialista com controle parlamentar sobre ogabinete. Se adicionamos os outros três casos de recurso“moderado” a grandes coalizões, a variação se ampliaainda mais: a Alemanha tem regime misto majoritário-distrital/proporcional, sistema tripartidário e é parlamen-tarista. A Áustria, de regime proporcional, é parlamen-tarista e tripartidária. E, finalmente, o Japão, de regimemajoritário distrital, é parlamentarista e tem sistemamultipartidário com fracionamento médio. Ou seja, nãohá correlação entre características institucionais do regimee do sistema partidário e o recurso a grandes coalizões.Aliás, tome-se como exemplo final Inglaterra e Suécia. Aprimeira, de fato um sistema bipartidário quase perfeitono plano parlamentar, majoritária-distrital, teve, no pe-ríodo analisado por Lijphart, 13% de seus governos basea-dos em grandes coalizões. A segunda, fortemente propor-cional, com sistema multipartidário medianamente fracio-nado, jamais recorreu a grandes coalizões no período.

Apenas uma característica, associada à experiênciabrasileira, ressalta como uma singularidade: o Brasil é oúnico país que, além de combinar a proporcionalidade,o multipartidarismo e o “presidencialismo imperial”,organiza o Executivo com base em grandes coalizões. Aesse traço peculiar da institucionalidade concretabrasileira chamarei, à falta de melhor nome, “presi-dencialismo de coalizão”, distinguindo-o dos regimes da

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 5 3

Áustria e da Finlândia (e a França gaullista), tecnica-mente parlamentares, mas que poderiam ser deno-minados de “presidencialismo de gabinete” (uma nãomenos canhestra denominação, formada por analogiacom o termo inglês cabinet government). Fica evidenteque a distinção se faz fundamentalmente entre um“presidencialismo imperial”, baseado na independên-cia entre os poderes, se não na hegemonia do Executivo,e que organiza o ministério como amplas coalizões, eum presidencialismo “mitigado” pelo controle parla-mentar sobre o gabinete e que também constitui estegabinete, eventual ou freqüentemente, através de gran-des coalizões. O Brasil retorna ao conjunto das naçõesdemocráticas, sendo o único caso de presidencialismode coalizão.

É preciso compreender melhor a dinâmica dopresidencialismo de coalizão no Brasil. A Nova Repúblicarepete a de 1946 que, por sua vez, provavelmente manteveresquícios da República Velha, sobretudo no que dizrespeito à influência dos estados no governo federal, pelavia da “política de governadores”. A lógica de formaçãodas coalizões tem, nitidamente, dois eixos: o partidário eo regional (estadual), hoje como ontem. É isto que explicaa recorrência de grandes coalizões, pois o cálculo relativoà base de sustentação política do governo não é apenaspartidário-parlamentar, mas também regional. Adicio-nando-se à equação os efeitos políticos de nossa tradiçãoconstitucional, de constituições extensas, que extravasamo campo dos direitos fundamentais para incorporarprivilégios e prerrogativas particulares, bem comoquestões substantivas, compreende-se que, mesmo no eixopartidário-parlamentar, torna-se necessário que o governo

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira5 4

procure controlar pelo menos a maioria qualificada quelhe permita bloquear ou promover mudanças consti-tucionais.

A Tabela 3 ilustra bem o padrão de coalizõesgovernamentais na República de 46. O Brasil teve, noperíodo, 13 ministérios diferentes, tomando-se por critérioalterações na composição do gabinete que promoverammudança na ocupação de ministérios pelos diferentespartidos. Por este critério, por exemplo, a presidência deKubitschek teve apenas um ministério, embora tenhahavido várias mudanças de titulares de diferentes pastas.Mas a substituição de ministros manteve rigorosamenteo controle partidário original dos ministérios, alterando-se apenas o estado de origem dos titulares. Observe-seque, em nenhum caso, o governo sustentou-se em coali-zões mínimas. O caso mais próximo desta situação foi oúltimo ministério parlamentarista da presidência Goulart,tipicamente um ministério de crise. As coalizões contro-lavam, na quase totalidade dos casos, larga maioria naCâmara, no Senado e no Congresso Nacional.

Dependendo da distribuição das cadeiras parla-mentares entre os partidos, pode tornar-se impraticávelformar coalizões mínimas. Se, por exemplo, a proporçãode cadeiras de um partido não for suficiente para alcançara maioria simples e a adição de qualquer outro partidoultrapassar esta marca, é inevitável a constituição de umagrande coalizão, se o presidente considerar arriscado,inconveniente ou mesmo inviável governar com minoria.Não foi esta, porém, a situação brasileira no período 1946-64. A última coluna da Tabela 3 apresenta o número decoalizões mínimas possíveis, em cada ministério, levando-se em conta apenas os partidos que participaram das

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 5 5

grandes coalizões, em cada governo. Não se considerouo número de coalizões mínimas possíveis, tomando porbase os partidos parlamentares efetivos, o que, em algunsmomentos, subestima os graus de liberdade na formaçãode coalizões mínimas possíveis. Em todos os casos haviapelo menos uma coalizão mínima possível. Conclui-se,portanto, que o cálculo dominante requeria coalizõesampliadas, seja por razões de sustentação partidário-parlamentar, seja por razões de apoio regional.

O Quadro 2 apresenta o controle de ministériospelos diferentes partidos que participaram de coalizõesgovernamentais. O número de partidos admitidos aogoverno é maior do que a média de partidos parla-mentares efetivos, que foi de cinco partidos – uma pistade que a formação de coalizões não seguia apenas a lógicapartidário-parlamentar, como já indiquei acima. Alémdisto, pode-se ver que, embora o PSD não apresentedomínio forte, no conjunto, controlou, por maior períodode tempo, a maioria dos ministérios estratégicos. Bastacomparar o total (36% dos ministros) com as porcenta-gens para, por exemplo, os ministérios da Justiça (68%),Fazenda (47%) e Viação e Obras Públicas (47%). O PTBcontrolou os ministérios da Agricultura (59%) e Trabalho,Indústria e Comércio (79%), mantendo-se como oprincipal ocupante do Ministério do Trabalho ePrevidência Social (44%) a partir de 1961. O PSP fez 40%dos ministros da Saúde, ministério criado na segundapresidência de Vargas. O PR nomeou 30% dos ministrosda Educação e Cultura, também a partir da divisão doMinistério da Educação e Saúde, o qual havia sidohegemonicamente controlado pelo PSD.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira5 6

Fonte: Lúcia Hippolito, De Raposas e Reformistas..., op. cit.1. As coalizões possíveis foram calculadas com base no número de partidos no

ministério.2. Foram consideradas novas coalizões aquelas mudanças de ministério que alteraram

a distribuição de ministérios entre os partidos.3. Os valores entre parênteses correspondem aos partidos com mais de 3%.4. Neste governo, não houve mudanças na distribuição de ministérios entre os

partidos. Houve trocas importantes de ministros dentro do mesmo partido e entreos estados.

5. Os três primeiros ministérios de Goulart foram parlamentaristas.

TTTTTabela 3abela 3abela 3abela 3abela 3Coalizões Partidárias no Executivo Brasileiro

Período 1946-641

Coalizões deCoalizões deCoalizões deCoalizões deCoalizões deGovernoGovernoGovernoGovernoGoverno2

Nº de Par-Nº de Par-Nº de Par-Nº de Par-Nº de Par-tidos natidos natidos natidos natidos na

CoalizãoCoalizãoCoalizãoCoalizãoCoalizão

% Cadeiras% Cadeiras% Cadeiras% Cadeiras% Cadeirasna Câmarana Câmarana Câmarana Câmarana Câmara

% Cadeiras% Cadeiras% Cadeiras% Cadeiras% Cadeirasno Senadono Senadono Senadono Senadono Senado

N. de Par-N. de Par-N. de Par-N. de Par-N. de Par-tidos natidos natidos natidos natidos naCâmaraCâmaraCâmaraCâmaraCâmara

33333

% Cadei-% Cadei-% Cadei-% Cadei-% Cadei-ras noras noras noras noras no

CongressoCongressoCongressoCongressoCongressoDutraI MinistérioDe 01.46 a 10.46 03 87% 91% 86% 10(04)II MinistérioDe 10.46 a 03.50 03 82% 86% 81% 10 (04)III MinistérioDe 03.50 a 01.51 02 64% 73% 64% 12(06)

VargasI MinistérioDe 01.51 a 06.53 04 89% 91% 89% 12 (06)II MinistérioDe 06.53 a 09.54 04 85% 89% 85% 12 (06)

Café FilhoI MinistérioDe 09.54 a 04.55 04 85% 91% 89% 12 (06)II MinistérioDe 04.55 a 11.55 05 82% 89% 80% 12(06)

Nereu RamosDe 11.55 a 01.56 68% 70% 67% 12 (06)

Kubitschek 4

De 01.56 a 01.61 04 68% 70% 67% 12 (06

QuadrosDe 01.61 a 08.61 06 92% 91% 93% 12 (06)

GoulartI Ministério 5De 09.61 a 07.62 05 83% 89% 86% 13 (05)II MinistérioDe 07.62 a 09.62 04 79% 87% 79% 13 (05)III MinistérioDe 09.62 a 01.63 03 56% 74% 59% 13 (05)IV MinistérioDe 0l.63 a 06.63 05 85% 85% 85% 13(05)V MinistérioDe 06.63 a 04.64 04 63% 65% 63% 13(05)

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 5 7

Essa capacidade de controle ministerial nem semprecorrespondeu ao peso dos partidos no Congresso,sobretudo no que se refere aos partidos menores. Algunsexemplos demonstrarão a diferença entre o peso parla-mentar e o peso governamental dos partidos. No primei-ro ministério Dutra, o Partido Republicano (PR) detinha3% das cadeiras no Congresso e participação equivalentea 10% no governo. No primeiro ministério Vargas, o

Quadro 2Quadro 2Quadro 2Quadro 2Quadro 2Controle Partidário dosPartidário dosPartidário dosPartidário dosPartidário dos Ministério.— 1946/64

PSDPSDPSDPSDPSD UDNUDNUDNUDNUDN PTBPTBPTBPTBPTB PSBPSBPSBPSBPSB PDCPDCPDCPDCPDC PR PSPPSPPSPPSPPSP SemSemSemSemSem Totalpartido

Ministérios N % N % N % N % N % N % N % N % N %

JustiçaJustiçaJustiçaJustiçaJustiça. 15 6868686868 02 09 02 09 02 09 — — 01 05 — — — — 22 100

R.Ext. 06 40 05 33 01 07 03 20 — — — — — — — — 15 100

Faz. 09 4747474747 02 11 02 11 — — 01 05 — — — — 05 25 19 100

Viação 08 4646464646 02 12 03 18 — — — — — — 01 06 03 18 17 100

Agr. 04 23 0l 06 10 5959595959 — — 01 06 01 06 — — — — 17 100

Ed.e Saúde 04 8080808080 01 20 — — — — — — — — — — — — 05 100

T.I.C. 01 07 — — 11 7979797979 — — — — — — — — 02 14 14 100

Saúde 04 27 — — 02 13 — — — — — — 06 4040404040 03 20 15 100

MEC 01 10 — — 01 10 01 10 01 10 03 3030303030 01 10 02 20 10 100

T.P.S. 01 14 — — 03 4444444444 01 14 01 14 — — — — 01 14 07 100

MIC 02 4040404040 01 20 01 20 — — — — 01 20 — — — — 05 100

Minas 01 20 04 8080808080 — — — — — — — — — — — — 05 100

Total 56 37 18 12 36 24 07 05 04 03 06 04 08 05 16 11 151 —

Fonte:Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: L. Hippolito, De Raposas e Reformistas: o PSD e a ExperiênciaDemocrática Brasileira (1945-64),Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985.

Os maiores percentuais de controle partidário, para cada ministério, aparecemno quadro em negrito.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira5 8

Partido Social Democrático (PSD) controlava 39% dascadeiras no Senado e 45% das vagas no gabinete. A UniãoDemocrática Nacional (UDN), o Partido TrabalhistaBrasileiro (PTB) e o Partido Social Progressista (PSP)tinham a mesma proporção de ministérios, embora aquelacontrolasse 26% do Congressso, o PTB, 16% e o PSP, 8%.No governo Café Filho, PSD e UDN controlavam oministério em equilíbrio numérico perfeito, embora o PSDsuplantasse a UDN, em força parlamentar, por proporçãonunca inferior a 10 pontos percentuais (no Senado adiferença era de 27 pontos). O PTB e o PR participavammarginalmente, com os mesmos 9%, a despeito de oprimeiro ter representação parlamentar mais de 15 pontossuperior à do segundo. Evidentemente, essas igualdadessão mais numéricas, pois os ministérios não têm todos omesmo valor político. E, como se viu, PSD e PTB contro-lavam os ministérios estratégicos. Mas não é menossignificativo que PR e PSP, de tão baixa densidade parla-mentar, tenham predominado na ocupação de deter-minados ministérios ao longo desse período, o que seexplica, em grande medida, pelo eixo regional dascoalizões.

O Quadro 3 mostra a participação dos estados nosministérios. Mais importante que anotar a sabida predo-minância do triângulo RJ/SP/MG, é verificar a claraexistência de uma lógica regional subjacente à formaçãodas coalizões governamentais e o fato de que alguns es-tados aparecem como representantes preferenciais de suasregiões, denotando sua liderança nos blocos regionais denosso sistema político. É o caso da Bahia, de Pernambuco,do Ceará e do Rio Grande do Sul.

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 5 9

A combinação do critério partidário com o regionalpode diminuir as diferenças de “qualidade” entre ministé-rios. Na medida em que ministérios menos estratégicostornam-se jurisdições mais ou menos cativas de partidosou estados, abre-se a possibilidade de que as liderançaspolíticas criem redes ou conexões burocrático-clientelistasque elevem os “prêmios” (pay-offs) associados a minis-térios secundários. Daí não se poder subestimar, porexemplo, a participação relativamente elevada de partidoscomo o PR e o PSP em certos ministérios. E o mesmo éverdade em relação aos estados. Alguns ministérios de“direção política”, como Justiça, Trabalho, Indústria eComércio e Relações Exteriores, eram ocupados pelocritério partidário. Outros, que podem ser caracterizadoscomo “ministérios de gastos” ou de “clientelas”, eramocupados pelo critério regional. Era o caso, por exemplo,do Ministério da Educação e Saúde, cativo da Bahia atéo seu desmembramento. A partir daí, o Ministério daSaúde passou a ser utilizado para atender ao PSP,

RJ/DF/GB 22 17

SP 33 24MG 24 18BA 17 13RS 10 07PE 10 07CE 07 05Outros 12 09Total 135 100

Quadro 3 Quadro 3 Quadro 3 Quadro 3 Quadro 3Composição Regional dos Ministérios — Composição Regional dos Ministérios — Composição Regional dos Ministérios — Composição Regional dos Ministérios — Composição Regional dos Ministérios — 1946-19641946-19641946-19641946-19641946-1964

%%%%%EstadosEstadosEstadosEstadosEstados N. de MinistériosN. de MinistériosN. de MinistériosN. de MinistériosN. de Ministérios

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira6 0

Quadro 4Quadro 4Quadro 4Quadro 4Quadro 4ÍndiceÍndiceÍndiceÍndiceÍndice de Fracionamento Governamentalde Fracionamento Governamentalde Fracionamento Governamentalde Fracionamento Governamentalde Fracionamento Governamental

1946-64 e 1987

Governos F G

Dutra 0,64

Vargas 0,71

Café Filho 0,77

Nereu Ramos 0,75

Kubitschek 0,75

Quadros 0,81

Goulart (Parlamentarista) 0,78

Goulart 0,80

Sarney 0,44

passando ao controle de São Paulo. O Ministério de Viaçãoe Obras Públicas teve 43% de seus titulares oriundos doRio de Janeiro (ou DF; ou GB). O MEC passou para o eixopartidário, predominando ministros paulistas e do Rio, mascom 30% de seus titulares oriundos do PR. Finalmente,havia os ministérios política e economicamente estratégicos,como Fazenda e Agricultura, cuja ocupação se dava pelacombinação dos critérios partidário e regional. Na Fa-zenda, predominaram o PSD e São Paulo (47 e 41%,respectivamente), e na Agricultura, o PTB e Pernambuco(59% em ambos os casos).

Uma outra maneira de examinar essas coalizões,pela ótica partidária, seria calcular um “índice de fra-cionamento governamental”, similar àquele utilizadopara a análise do sistema partidário-parlamentar. Umvalor de O indicaria que um só partido controla todo oministério. A unidade representaria um governo em quecada ministério estivesse sob controle de um partidodiferente.

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 6 1

Os índices de fracionamento governamental con-tribuem com esclarecimento adicional das grandescoalizões brasileiras. Todos os governos basearam-se emcoalizões entre partidos que somavam mais que a maioriasimples no parlamento. Porém, a dispersão do controleministerial pelos partidos varia, determinando coalizõesmais e menos concentradas. De qualquer forma, a maiorparte dos governos brasileiros apresenta índices defragmentação relativamente altos, com exceção da presi-dência Dutra e do atual ministério Sarney. No primeirocaso, o PSD dominava amplamente o ministério (em tornode 50% dos postos). No segundo, o PMDB detém mais de70% dos postos.

Tanto o alto fracionamento governamental quantouma grande coalizão concentrada representam uma facade dois gumes. O primeiro confere maiores graus deliberdade para manobras internas por parte do presi-dente, que pode retirar força exatamente da manipula-ção das posições e dos interesses dos vários parceiros daaliança. Porém, ao mesmo tempo, na medida em queseu partido não detenha maioria parlamentar, ou mesmogovernamental, o presidente torna-se, em parte, prisio-neiro de compromissos múltiplos, partidários e regionais.Sua autoridade pode ser contrastada por lideranças dosoutros partidos e por lideranças regionais, sobretudo osgovernadores. É a dinâmica do duplo eixo das coalizõesnacionais.

Uma coalizão concentrada, por sua vez, confereao presidente maior autonomia em relação aos parceirosmenores da aliança, mas o obriga a manter mais estreitasintonia com seu próprio partido. Se o partido majo-ritário é heterogêneo interna e regionalmente, obtém-se

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira6 2

o mesmo efeito: a autoridade presidencial é confrontadapelas lideranças regionais e de facções intrapartidárias.Mas o risco maior, neste caso, adviria de um rompimentodo partido com o presidente, deixando-o apenas com obloco de partidos minoritários da aliança.

Ambos os riscos estão presentes na presidênciaSarney. O PMDB é heterogêneo interna e regionalmente.Líderes de facções e governadores do partido podemcontrastar sua autoridade, o que, aliás, tem ocorrido comfreqüência. Por outro lado, o presidente sabidamentenão conta com a total confiança de seu partido adotivo,fato que eleva a probabilidade de rompimento. Como oPMDB é amplamente majoritário no Congresso, tal rom-pimento obrigaria o presidente a governar em minoriae exacerbaria o conflito entre Legislativo e Executivo.

O raciocínio acima aponta para o nó górdio dopresidencialismo de coalizão. É um sistema caracteri-zado pela instabilidade, de alto risco e cuja sustentaçãobaseia-se, quase exclusivamente, no desempenho cor-rente do governo e na sua disposição de respeitar estrita-mente os pontos ideológicos ou programáticos consi-derados inegociáveis, os quais nem sempre são explícitae coerentemente fixados na fase de formação da coalizão.

O Dilema Institucional do Presidencialismo deCoalizão

A teoria empírica das coalizões, embora excessi-vamente descritiva e assentada na lógica das preferênciasindividuais, permite identificar algumas questões que

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 6 3

ajudam a compreensão da intrincada dinâmica política einstitucional associada a governos de aliança. Em geral, aanálise de estruturas políticas e sociais mais homogêneas eestáveis induz a uma ênfase maior em coalizões queminimizem o número de parceiros e maximizem as pro-ximidades ideológicas entre eles. Esta estratégia teria porobjetivo reduzir os riscos e contrariedades associados aalianças mais amplas e diversificadas mencionadosacima.15

Entretanto, em formações de maior heterogenei-dade e conflito, aquela estratégia é insuficiente ouinviável. Nestes casos, a solução mais provável é agrande coalizão, que inclui maior número de parceirose admite maior diversidade ideológica. Evidentemente,a probabilidade de instabilidade e a complexidade dasnegociações são muito maiores. Estes contextos, de maiselevada divisão econômica, social e política, carac-terizam-se pela presença de forças centrífugas persis-tentes e vigorosas, que estimulam a fragmentação e apolarização. Requerem, portanto, para resolução deconflitos e formação de “consensos parciais”, meca-nismos e procedimentos institucionais complementaresao arcabouço representativo da liberal-democracia.

A formação de coalizões envolve três momentostípicos. Primeiro, a constituição da aliança eleitoral, querequer negociação em torno de diretivas programáticasmínimas, usualmente amplas e pouco específicas, e deprincípios a serem obedecidos na formação do governo,após a vitória eleitoral. Segundo, a constituição do gover-

15 Toda a parte inicial desta seção reproduz, em parte, a seção V de meuartigo “A Recuperação Democrática...”, op. cit.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira6 4

no, no qual predomina a disputa por cargos e compro-missos relativos a um programa mínimo de governo,ainda bastante genérico. Finalmente, a transformaçãoda aliança em coalizão efetivamente governante, quan-do emerge, com toda força, o problema da formulaçãoda agenda real de políticas, positiva e substantiva, e dascondições de sua implementação.

É o trânsito entre o segundo e o terceiro momentosque está no caminho crítico da consolidação da coalizãoe que determina as condições fundamentais de suacontinuidade. A formação do governo, a elaboração deseu programa de ação e do calendário negociado deeventos têm impacto direto sobre a estabilidade futura.Numa estrutura multipartidária, marcada pelo fracio-namento, o sucesso das negociações, na direção de umacordo explícito que compatibilize as divergências epotencialize os pontos de consenso, é decisivo paracapacitar o sistema político a atender ou conter legi-timamente demandas políticas, sociais e econômicascompetitivas e a formular um programa coerente eefetivo. Nesse acordo têm importância tanto a substân-cia das medidas quanto o seu calendário. Somente assimé possível estabelecer uma base concreta de compro-misso, alicerçada na seleção encadeada de medidas, queevita, ao mesmo tempo, a sobrecarga inicial de reivin-dicações contraditórias e a frustração precoce dos prin-cipais setores que compõem a coalizão. A observânciadesses compromissos, ainda que ajustada às circuns-tâncias, constitui um dos requisitos essenciais para alegitimidade e continuidade da coalizão.

Esse é, naturalmente, um processo de negociaçãoe conflito, no qual os partidos na coalizão se enfrentam

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 6 5

em manobras calculadas para obter cargos e influênciadecisória. Tal processo se faz por uma combinação dereflexão e cálculo, deliberação e improviso, ensaio e erro,da qual resulta a fisionomia do governo.

Boa parte das manobras de cada partido destina-se não somente a influenciar os outros partidos, masprincipalmente a persuadir suas próprias bases e, acimade tudo, suas facções parlamentares e seus militantes,dos benefícios da coalizão.16

Por isso mesmo, a adesão a princípios mínimos paraorientação de políticas ou a diretrizes programáticasassume relevância na medida em que possa reduzir asdivergências intrapartidárias e engajar o conjunto dopartido na realização de objetivos amplamente com-partilhados.

Do ponto de vista da negociação com os outrospartidos, busca-se enfatizar os princípios compatíveis ecomplementares e contornar aqueles que sejam diver-gentes. O problema é que, em circunstâncias de crise,entre os pontos de divergência encontram-se questõesinarredáveis da agenda de políticas de governo, taiscomo controle da inflação, as prioridades para o gastopúblico ou a política salarial. O dilema que se apresentaé a identificação do limite de tolerância dos parceiros,que depende da posição das lideranças políticas e defatores a elas externos – ligados à sua relação com asbases, os grupos de militantes e as facções parlamentares–, de um lado, e da reação dos interesses organizadosna sociedade, de outro. É exatamente por isto que a

16 Cf. G. Luebbert, “A Theory of Government Formation”, Comparative PoliticalStudies, vol. 17, n.2, 1983, pp. 229-64.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira6 6

manutenção da coalizão depende decisivamente dodesempenho corrente do governo, a despeito dosacordos e compromissos formulados na sua constituição.

No que diz respeito às lideranças, isso implica acapacidade de negociar a inclusão recíproca de políticascontrárias aos princípios diretivos dos partidos e decalcular corretamente a amplitude de sua legitimidadee autoridade junto às bases e de sua credibilidade pe-rante a opinião pública. Em outras palavras, competên-cia na negociação de sacrifícios recíprocos, resguar-dando os interesses coletivos, e extensão real de seumandato para fazer concessões em nome da estabilidadeda coalizão e do sucesso da gestão governamental.

No que se refere às bases e facções parlamentares,o fator decisivo é a intensidade de sua adesão aos prin-cípios em questão. O risco desse delicado fazer contas éconceder em áreas consideradas inegociáveis pelas bases.Não é um processo de cálculo tão racional e explícitoquanto a teoria descreve, mas é bastante consciente,embora seja feito numa ampla faixa de incerteza. Esta,porém, nunca é tão grande nas questões mais impor-tantes, e a consulta permanente permite evitar que sesubverta o consenso básico do partido.

O maior risco ao desempenho da coalizão está noquadro institucional do Estado para decidir, negociar eimplementar políticas. Isto porque, como o potencial deconflito é muito alto, a tendência é retirar do programamínimo, ou compromisso básico da aliança, as questõesmais divisivas, deixando-as para outras fases do pro-cesso decisório. Viabiliza-se o pacto político de consti-tuição do governo, mas sobrecarrega-se a pauta dedecisões, na etapa de governo, propriamente dito, com

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 6 7

temas conflitivos e não negociados. Para que o processodecisório não seja bloqueado e desestabilize a coalizãono futuro, torna-se, então, indispensável um esforço deconstrução institucional que viabilize acordos setoriais,à medida que os conflitos forem surgindo.

Não é demais insistir que, no limite, o futuro dascoalizões depende de sua capacidade de formular eimplementar políticas substantivas. Uma coalizão podeformar-se com base em amplo consenso político e serliquidada pela divergência quanto a princípios e orientaçõesde política econômica e social corrente. Esta pode produzirseu progressivo fracionamento e dificultar, sistematica-mente, a formulação e implementação de ações governa-mentais imprescindíveis, a administração de programas ea alocação de recursos. Mais que isto, pode comprometerirremediavelmente o relacionamento com as basesmajoritárias de sustentação do governo, estimulando apolarização e a radicalização.

A existência de distâncias muito grandes na po-sição ideológica e programática e, principalmente, naação concreta dos componentes da coalizão podecomprometer seriamente sua estabilidade, a menos queexistam subconjuntos capazes de encontrar meios desuprir esses vazios com opções reciprocamente aceitáveis.Mais que do peso da oposição dos “de fora” – sobretudoem se tratando de grandes coalizões –, o destino dogoverno depende da habilidade dos “de dentro” em evitarque as divisões internas determinem a ruptura da aliança.

A ruptura é, freqüentemente, precedida por um“fracionamento polarizado”, no qual cada segmento negalegitimidade aos demais. Esta deslegitimação recíprocacompele cada parceiro a se distanciar dos outros e a

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17 Cf. P. Merkl, “Coalition Politics in West Germany”, in S. Groennings, E.W.Keeley e M. Leyerson, eds., The Study of Coalition Behavior, Nova Iorque,Holt, Rinehart & Winston, 1970.

enfatizar, mais radicalmente, suas diferenças. Expande-se o espaço da competição, rompendo os limites datolerância, e reduz-se a autonomia das lideranças e aautoridade de seus mandatos. A superação negociada dosconflitos torna-se cada vez mais difícil, porque a pola-rização amplia desmesuradamente as concessões neces-sárias de parte a parte. Correlatamente, aumentam asdificuldades de persuasão das facções parlamentares edos militantes para que apóiem tais concessões. Alémdisso, a crescente fragilidade da posição das liderançasas torna mais relutantes em encampar posições que lhespossam custar o apoio das bases.

Em certo sentido, dificilmente uma grande coalizãogovernante terá condições de estabilidade, em períodosde crise aguda, sem um amplo apoio político-social, queultrapasse os limites das lideranças partidárias e envolvatodos os segmentos sociais politicamente organizados. Sãovários os exemplos de pactos explícitos, e até formalmentecontratados, que obtiveram sucesso na estabilização decoalizões em momentos críticos da história de váriospaíses.17

As cisões internas e a instabilidade a elas inerentessão naturais em qualquer governo de coalizão, emboraadquiram contornos mais graves em épocas de crise.Requerem, portanto, uma série de mecanismos institu-cionais que regulem este conflito, promovam soluçõesparciais e estabilizem a aliança, mediante acordos setoriaisde ampla legitimidade.

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 6 9

Mas, evidentemente, mesmo o pleno funcionamentodesta estrutura institucional complementar aos mecanis-mos típicos da democracia liberal não é garantia suficientede estabilidade, continuidade e sucesso de grandes eheterogêneas coalizões. E aí residem o risco maior dascoalizões e a especificidade do presidencialismo decoalizão. Como disse, a coalizão pode romper-se de duasmaneiras: pelo abandono dos parceiros menores, situaçãona qual o presidente passa a contar apenas com seupartido e é forçado a alinhar-se com suas posições majo-ritárias; ou pelo rompimento do presidente com seupartido, que o deixa em solitário convívio com partidosminoritários e a cujos quadros é estranho. Em ambos oscasos, resultam, em grau variável, o enfraquecimento daautoridade executiva e maior potencial de conflito entreLegislativo e Executivo.

No presidencialismo, a instabilidade da coalizãopode atingir diretamente a presidência. É menor o graude liberdade de recomposição de forças, através dareforma do gabinete, sem que se ameace as bases desustentação da coalizão governante. No Congresso, apolarização tende a transformar “coalizões secundárias”e facções partidárias em “coalizões de veto”, elevandoperigosamente a probabilidade de paralisia decisória econseqüente ruptura da ordem política.18

Por isso mesmo, governos de coalizão requeremprocedimentos mais ou menos institucionalizados parasolucionar disputas interpartidárias internas à coalizão.Existe sempre um nível superior de arbitragem, que

18 Como ocorreu na República de 46. Ver a respeito, Wanderley Guilherme dosSantos, Sessenta e Quatro: Anatomia da Crise, São Paulo, Vértice, 1986.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira7 0

envolve, necessariamente, as lideranças partidárias e doLegislativo e tem, como árbitro final, o presidente. Namedida em que este seja o único ponto para o qual conver-gem todas as divergências, a presidência sofrerá danosae desgastante sobrecarga e tenderá a tornar-se o epicentrode todas as crises.

No caso de regimes parlamentaristas, o resultadoimediato do enfraquecimento da aliança é a dissoluçãodo gabinete e a tentativa de recomposição de uma coalizãode governo. Caso esta fracasse, recorre-se a eleições gerais,buscando uma nova correlação eleitoral de forças. Nocaso do presidencialismo de gabinete, demite-se o minis-tério, preservando-se a autoridade presidencial. No casodo presidencialismo de coalizão, é o próprio presidentequem deverá demitir o ministério e buscar a recuperaçãode sua base de apoio, em um momento em que enfrentauma oposição mais forte e que sua autoridade está en-fraquecida. Será tanto pior a situação do presidente seestiver rompido com seu partido, pois aí estará enfren-tando não apenas a oposição da maioria, mas a descon-fiança de seus aliados naturais.

Um cenário possível é aquele em que o presidentetorna-se cativo da vontade de seu partido, delegando suaprópria autoridade – situação de equilíbrio precaríssimoe de alto risco para a própria estabilidade da ordemdemocrática. Cenário alternativo seria aquele em que opresidente resolve enfrentar o partido, confrontar oparlamento e afirmar sua autoridade numa atitude bona-partista ou cesarista altamente prejudicial à normalidadedemocrática. A submissão do Congresso ou a submissãodo presidente representam, ambas, a subversão do re-gime democrático. E este é um risco sempre presente, pois

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a ruptura da aliança, no presidencialismo de coalizão,desestabiliza a própria autoridade presidencial.

Esses cenários demonstram o dilema institucionaldo presidencialismo de coalizão. Ele requer um mecanis-mo de arbitragem adicional àqueles já mencionados, deregulação de conflitos, que sirva de defesa institucionaldo regime – assim como da autoridade presidencial e daautonomia legislativa –, evitando que as crises na coalizãolevem a um conflito indirimível entre os dois pólos funda-mentais da democracia presidencialista. O Império tinhano poder moderador um mecanismo deste tipo. ARepública Velha não adotou nada semelhante, mas oequilíbrio deu-se através da política de governadores,estabelecida por Campos Salles. Nos Estados Unidos daAmérica do Norte, a Suprema Corte tem poderes que lhepermitem intervir nos conflitos constitucionais entreExecutivo e Legislativo. No Brasil da República de 46 eno Brasil pré-constituinte da Nova República, preci-samente os casos mais claros de presidencialismo decoalizão, este mecanismo inexiste.

Governos de coalizão têm como requisito funcionalindispensável uma instância, com força constitucional,que possa intervir nos momentos de tensão entre oExecutivo e o Legislativo, definindo parâmetros políticospara resolução dos impasses e impedindo que as contra-riedades políticas de conjuntura levem à ruptura doregime. Por outro lado, este instrumento de regulação eequilíbrio do regime constitucional serve, no presiden-cialismo de coalizão, para reduzir a dependência dasinstituições ao destino da presidência e evitar que esta setorne o ponto de convergência de todas as tensões,envolvendo diretamente a autoridade presidencial em

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira7 2

todos os conflitos e ameaçando desestabilizá-la em casode insucesso.

Em síntese, a situação brasileira contemporânea, àluz de seu desenvolvimento histórico, indica as seguintestendências: (a) alto grau de heterogeneidade estrutural,quer na economia, quer na sociedade, além de fortesdisparidades regionais; (b) alta propensão ao conflito deinteresses, cortando a estrutura de classes, horizontal everticalmente, associada a diferentes manifestações declivagens inter e intra-regionais; (c) fracionamento parti-dário-parlamentar, entre médio e mediano, e alta propen-são à formação de governos baseados em grandes coali-zões, muito provavelmente com índices relativamenteelevados de fragmentação governamental; (d) forte tra-dição presidencialista e proporcional. A primeira indi-cando, talvez, a inviabilidade de consolidação de umregime parlamentarista puro. A segunda, apontando paraa natural necessidade de admitir à representação osdiversos segmentos da sociedade plural brasileira; (e)insuficiência e inadequação do quadro institucional doEstado para resolução de conflitos e inexistência demecanismos institucionais para a manutenção do “equilí-brio constitucional”.

Muitos analistas tendem a interpretar a históriainstitucional brasileira no sentido da inadequação, sejado presidencialismo, seja da representação proporcional,para a estabilidade democrática. Não é, definitivamente,a inclinação do raciocínio aqui empreendido. Ao contrá-rio, sustento que, de um lado, esta tradição político-insti-tucional responde à específica dinâmica social do País.Sua própria heterogeneidade, a ambigüidade e fragilidadedas referências nacionais e as contradições a elas inerentes

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contribuem para firmar esta combinação entre proporcio-nalidade e presidencialismo de coalizão. De outro lado,não há evidência persuasiva de que a solução parlamen-tarista ou a representação majoritária, ou mesmo obipartidarismo, pudessem oferecer salvaguardas suficien-tes à instabilidade e à exacerbação do conflito. Os contra-pesos estarão, possivelmente, em outro plano de institu-cionalidade, que permita evitar a fragmentação polari-zada de nosso sistema político.

Creio que nosso dilema institucional resolve-se cominstrumentos que permitam regular a diversidade, convi-ver com ela, pois nosso quadro sócio-cultural e econômicofaz da diferença uma destinação – nossa Fortuna, naacepção de Maquiavel –, mas é da nossa Virtù, de nossacapacidade de criar as instituições necessárias, quepoderão advir a normalidade democrática e a possibili-dade de justiça social. Se sermos diversos e contrários éinevitável, a desordem e o autoritarismo não devemconstituir nosso fado e nossa tragédia.

Presidencialismo de Coalizãoe Crise de Governança*

Sérgio Henrique Hudson de Abranches

Que crise é esta? É uma crise de governo produzidapor desequilíbrios que afetam a eficácia do padrão degovernança brasileiro, que caracterizo como de presiden-cialismo de coalizão.

A primeira vez que escrevi sobre esse padrão degovernança e o caracterizei como “presidencialismo decoalizão”, em meados dos anos 80, ele parecia uma averara no quintal da democracia e de difícil viabilidadehistórica. A Constituição de 1988 o consagrou no desenhoinstitucional do país. Hoje, Chile, Argentina e Uruguaivivem sob governos presidenciais de coalizão. Ele agüen-tou bem a hiperinflação indexada, o impeachment deCollor, a ciclotimia de Itamar Franco, o crescimento doPT, tanto no Congresso quanto nas prefeituras e emalguns governos estaduais.

* Publicado originariamente em Conjuntura Econômica, n.26, junho de 2.001(mídia eletrônica). Departamento de Ciência Política da Universidade Fede-ral de Minas Gerais.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira7 6

O principal eixo de impacto desse padrão de gover-nança está na relação entre o Legislativo e o Executivo.Some-se uma agenda de país emergente, com desequi-líbrio entre oferta e demanda de políticas públicas.Incorpore-se uma federação extensa e assimétrica e ainterferência dos governadores na relação entre o presi-dente e o parlamento. Agregue-se a mudança no modode intervenção do Estado – com a privatização, a descen-tralização e a Lei de Responsabilidade Fiscal – em con-tradição com as demandas clientelistas da tradição domodelo.

Por ser presidencialismo, esse regime de governançareserva à presidência um papel crítico e central no equilí-brio, gestão e estabilidade da coalizão. O presidenteprecisa cultivar o apoio popular – o que requer a eficáciade suas políticas, sobretudo as econômicas – para usar apopularidade como pressão sobre sua coalizão; ter umaagenda permanentemente cheia, para mobilizar atençãoda maioria parlamentar e evitar sua dispersão; ter umaatitude proativa na coordenação política dessa maioria,para lhe dar direção e comando.

As coalizões multipartidárias são inevitáveis em umsistema político como o brasileiro, expressão de umasociedade plural e, além disso, com tradição de votoproporcional. O chefe de governo – seja presidente ouprimeiro-ministro – tem de abandonar a visão de seupróprio partido e adotar uma lógica de ação voltada paraa estabilidade e eficácia da aliança. Quando deixa de fazê-lo ou fracassa na tentativa, no parlamentarismo o go-verno cai; no presidencialismo de coalizão provoca umacrise de governança. A queda do governo no regimeparlamentar pode se transformar em crise de governança,

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 7 7

mas esta não é uma conseqüência direta do rompimentoda aliança, como no presidencialismo de coalizão.

A eficácia político-operacional da governança édeterminada pela capacidade de coordenação da maioriapor parte do chefe do Executivo que ocupa o centro dosistema de forças. Quando há falhas de coordenação, osistema tende à fragmentação, podendo sofrer paralisiadecisória e colapsos recorrentes de desempenho, comdanos ao apoio social do governo.

Numa crise de governança, no presidencialismo decoalizão, é grande a dificuldade de trocar alianças, pararedesenhar a base de sustentação parlamentar. No parla-mentarismo, a queda do gabinete, a dissolução doparlamento e a convocação de eleições são meios pararesolver essa dificuldade. No presidencialismo de coalizão,a reforma do gabinete é processo traumático e desesta-bilizador, dada a quase impossibilidade de equilibrar asdemandas partidárias, faccionais e regionais, em umministério com número finito de postos. Principalmentese há posições à margem da barganha política, como temsido o caso da equipe econômica.

Há, em toda parte, limitações reais ao número dealianças viáveis a que o chefe do Executivo pode recorrer.A literatura contemporânea mostra que o conjunto pos-sível de coalizões é reduzido por uma série de constran-gimentos: resultados eleitorais, regras de funcionamentodos parlamentos, rivalidades locais, estaduais ou nacio-nais, ideologias ou posicionamentos programáticos,micropolítica interna dos partidos e dinâmica do relacio-namento interpartidário. É por isso que, apesar dascríticas e pressões e mesmo que o desejasse firmemente, opresidente Fernando Henrique não tem como trocar

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira7 8

alianças: não há outros partidos que poderiam comporuma coalizão de governo alternativa, que lhe garantissea maioria que tem com o PSDB, o PFL e o PMDB. Alémdisso, com a agenda de políticas que escolheu, enfrentariabarreiras programáticas a qualquer troca substancial dealianças e uma agenda dessas não permite governar emminoria.

Por outro lado, a existência de facções partidáriasque discordam da orientação geral requer uma grandecoalizão, não apenas uma coalizão mínima, que reúnasó o número necessário de cadeiras para assegurar amaioria, vista erradamente como a “coalizão natural”. Aquase totalidade dos partidos, nas democracias européias,tem, como aqui, facções regionais ou formadas em tornode lideranças políticas fortes, opostas às estratégiaspolíticas dos líderes nacionais de seus partidos. Algunsdesses grupos têm preferência por aliados distintos paraformar coalizões, daí decorrendo as dissidências e anecessidade de adicionar mais partidos à coalizão, paradescontar um percentual de votos discordantes. Portanto,não é falha nossa. É da natureza geral dos partidos reaisaqui e alhures. Na Europa, a polarização de muitossistemas partidários invibiliza politicamente a maioria dascoalizões teoricamente possíveis, como mostrou Klaus vonBeyme.

Aqui também. A polarização esquerda-oposição/governo-neoliberalismo torna politicamente inviável aoPSDB trocar alianças na tentativa de se livrar dos custosfisiológicos da parceria com PFL e PMDB. Mesmo que aselites dirigentes dos outros partidos considerassempossível uma aliança – como é o caso de alguns parlamen-tares do PT, que aceitariam uma composição com os

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 7 9

social-democratas – essa alternativa seria bloqueada porsuas “bases” e lideranças não-parlamentares. O presi-dente não tem como escapar: para ter a maioria tem demanter a mesma coalizão. A alternativa é a piora ou acrise da governança, como terminou por ocorrer.

A distribuição de cargos e verbas é um dos instru-mentos de manutenção de coalizões, em toda parte. Adiferença é se essa distribuição adota critérios político-programáticos ou puramente clientelistas. A literaturasobre a lógica e a dinâmica das coalizões mostra que ospartidos, ao se aliarem, buscam maximizar o número decargos sob seu controle e manter a coalizão a menorpossível. É inerente à vida político-partidária a rivalidadeentre partidos afins. Toda coalizão vive permanenteestresse causado pela competição entre os aliados maispróximos, com propensão irresistível para maximizar seupoder e minimizar o dos outros, independentemente daregra eleitoral.

A gestão política da coalizão precisa manter oestresse em nível aceitável e evitar que a concorrênciaentre os aliados leve ao colapso da aliança. A gestãopolítica presidencial falhou na disputa pela sucessão noCongresso Nacional, permitindo a elevação do estressena coalizão a um nível insustentável e, finalmente,provocando sua ruptura. A conjuntura política passou aum estado de instabilidade crônica.

A composição das Mesas, com atribuição das presi-dências aos parceiros do PSDB, equilibrava a coalizão.As duas presidências legislativas são as únicas posiçõesde poder institucional independentes da Presidência daRepública. Podem, se desejarem, confrontar o desejoimperial do presidente. Uma distribuição eqüitativa desse

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poder institucional é condição necessária à funcionalidadeda coalizão. O veto do senador Antônio Carlos Magalhãesao senador Jader Barbalho serviu de pretexto para quePSDB e PMDB rompessem esse equilíbrio. O rompimentoda coalízão liberou as tendências centrífugas do sistemae a maioria se tornou inorgânica e desarticulada.

A fonte dos problemas que o governo vem enfren-tando está nessa desarticulação e perda de direção políticada maioria. Em qualquer sistema de governança demo-crática, o chefe do governo lidera, conduz e articula amaioria. Coisa que Fernando Henrique fez, com maissucesso que insucesso, ao longo de quase seis anos.

Foi quando se tornou parte dos conflitos e rivalida-des que o presidente perdeu o controle do processopolítico. Essas contrariedades entre parceiros são usuaisquando vai se aproximando o período de definição dascandidaturas presidenciais. O chefe de governo devearbitrá-las e resolvê-las sem se envolver. FernandoHenrique, ao contrário, deixou que o PSDB rompesse oacordo que dava equilíbrio à coalizão. Preferiu nãoarbitrar o conflito no Senado, envolvendo PFL e PMDB,embora centrado na pendenga pessoal entre Barbalho eACM. Acabou tomando lado e contribuindo paraalimentar as rivalidades.

A crise é de governança e cria um ambiente propícioà fragmentação da maioria, sem liderança, desarticuladae sem direção. Neste contexto de desgovernança, oprocesso político se torna errático e imprevisível. Pareceque a política deixa de ter racionalidade. O caso do painel,a escalada do conflito entre ACM e Jader Barbalho, aconcorrência entre parceiros levando ao colapso dacoalizão governista, nada disso parece fazer sentido. Mas

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 8 1

a nenhuma dessas ações faltou racionalidade. Foramdecisões baseadas em objetivos específicos, que não levamem consideração a coalizão ou o interesse geral dogoverno. Só o presidente pode estabelecer a precedênciado interesse comum.

A lógica dos partidos e atores passa, então, a serdeterminada pelas rivalidades faccionais e pelos interessesregionais. A sucessão que predomina hoje no cálculo dospolíticos não é ainda a federal é a dos governos estaduais.É a lógica descentralizada de partidos federais. Essa lógicada federação se impõe nos períodos pré-eleitorais, emtodos os partidos que abrigam facções rivais nos estadosou onde seu principal concorrente está na seção estadualde partido aliado no plano nacional. Mesmo a reação aogoverno federal, no momento, está muito influenciadapelas contrariedades estaduais.

Como o presidente está com a popularidade baixa,perdeu parte do poder de atração sobre os partidos queapóiam seu governo. O esgotamento da agenda dereformas e a incapacidade de propor uma nova – a“Agenda 2000/2001” não obteve credibilidade –consumiu outra parcela da atratividade da presidência.As falhas de coordenação política que levaram aorompimento do pacto que cimentava a aliança governistapraticamente esgotaram o que restava de recursospolíticos para atrair os aliados e fazer frente às tendênciascentrífugas do presidencialismo de coalizão.

A partir daí, predomina essa lógica fragmentária,agravando os problemas de coordenação e articulaçãopolítica, por parte do presidente. Fernando Henrique nãoé ainda um lame duck, porque não há nenhum candidatofavorito indiscutível à sua sucessão que possa exercer

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira8 2

atração sobre a maioria. Portanto, ele ainda pode reas-sumir a direção política. Se não o fizer, o sistema conti-nuará à deriva até encontrar uma nova âncora, já durantea campanha presidencial efetiva, no segundo semestrede 2002, ou depois da eleição.

A combinação entre a crise de governança e a criseenergética representa o maior desafio que FernandoHenrique tem pela frente, desde o Plano Real. É claroque a própria crise cria oportunidades para o redireciona-mento da maioria, para o bem ou para o mal, e pode atédar uma chance ao presidente de recuperar parte daatração perdida sobre ela, se apresentar resultados quelevem, no médio prazo – seis meses –, a uma tendênciacrível de substancial melhora da taxa de conforto econô-mico da população. A ver.

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 8 3

O Presidencialismo de Coalizão Revisitado:Novos Dilemas, Velhos Problemas

Octavio Amorim Neto

Não seria exagero afirmar que o artigo “Presiden-cialismo de Coalizão: O Dilema Institucional Brasileiro”,de Sérgio Abranches, publicado em 1988, é, juntamentecom os trabalhos de Argelina Figueiredo e FernandoLimongi1 , um dos mais profícuos textos da ciência políticabrasileira dos últimos quinze anos. No artigo, Abranchesmostra, com riqueza teórica e empírica, que a especifi-cidade constitucional do Brasil – a combinação de presi-dencialismo, multipartidarismo, federalismo e bicame-ralismo – impõe aos cruciais processos de formaçãoministerial e constituição de maiorias legislativas umcomplexo jogo de alianças interpartidárias e inter-regionais. No espaço de um único artigo, o autor conse-guiu não apenas esboçar um amplo, porém preciso, afrescoa respeito da estrutura e dinâmica institucionais das nossas

1 Refiro-me especialmente a Argelina Figueiredo e Fernando Limongi, Execu-tivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional (Rio de Janeiro: Editora FGV,1999).

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira8 4

experiências democráticas entre 1946 e 1964 e pós-1985,como logrou lançar as bases de um vigoroso programade pesquisa científica, que ainda não se esgotou.

Grande parte da minha vida acadêmica tem sidodevotada a contribuir modestamente para a execução do,por assim dizer, “programa abranchiano”. Assim, nesteensaio, gostaria de, mais uma vez, tecer algumas reflexõesacerca de novos aspectos do nosso presidencialismo decoalizão, no sentido, apontado por Abranches, de queprecisamos conhecer melhor nossas instituições paratentar bem reformá-las. É, pois, fundamental que seentenda, com acuidade, a experiência bem sucedida deFHC com o presidencialismo de coalizão para que se possatentar institucionalizar os seus aspectos positivos emodificar os negativos.

Meus comentários se cingirão a quatro aspectosespecíficos de nossas presidências democráticas, comênfase na de FHC: (1) o critério de recrutamentoministerial, (2) a escolha de instrumentos legiferantes peloExecutivo, (3) a formação da agenda legislativa doCongresso, e (4) a estabilidade governamental.

O Recrutamento Ministerial

Há um debate muito intenso na literatura acadê-mica – brasileira e norte-americana – a respeito de qual éa verdadeira natureza dos arranjos multipartidários quese observam no presidencialismo brasileiro. Alguns, comoFigueiredo e Limongi, sustentam que temos coalizõesgovernativas tão sólidas e eficazes quanto aquelas forma-

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das no parlamentarismo europeu.2 Outros consideramque tais coalizões são, na verdade, relativamente frouxase menos eficazes. São os casos do próprio Abranches e deMainwaring, tal como afirma em seu recente livro.3 Porúltimo, para Ames, o padrão de governança vigente nopaís é excessivamente atomístico, de modo que uma novamaioria tem que ser formada a cada nova votação.4

Minha visão do problema é distinta. Verifica-se, noBrasil, uma substancial variação no tipo de governo quepodem formar os nossos presidentes. Ou seja, podemoster tanto coalizões sólidas quanto frouxas, ou mesmo nãoter governo de coalizão. Para que se chegue a esta percep-ção tão matizada, há que se ter em mãos indicadoresapropriados para se inferir que tipos de governo sãoconstituídos no país.

Se, de fato, existem diferentes tipos de governo noBrasil, um primeiro erro fundamental a se evitar é igualara presidência de Collor à de FHC. As duas têm padrõesde governança completamente distintos. Neste sentido,gostaria de chamar atenção para um dado eloqüente: nogoverno de Collor, 60% dos ministros, em média, nãotinham filiação partidária nenhuma. Como é que se podedenominar de governo de coalizão uma administraçãoque basicamente não tem ministros partidários nos seusquadros?

2 Ver Argelina Figueiredo e Fernando Limongi, Executivo e Legislativo, op. cit.3 Scott P. Mainwaring, Sistemas Partidários em Novas Democracias: O Caso doBrasil (Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001).4 Barry Ames, The Deadlock of Democracy in Brazil: Interests, Identities, andInstitutions in Comparative Perspective (Ann Arbor: The University of MichiganPress, 2001).

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira8 6

Contudo, é fato também que nunca tivemos, desde1985, nenhum governo cujo ministério tenha sido todocomposto por ministros partidários. Sob a presidência deSarney, aproximadamente 22% dos ministros não eramfiliados a partidos; sob Collor, como já visto, 60%; sobItamar, 45%; e sob a primeira presidência de FHC, 32%.Ademais, há importantes diferenças dentro das presi-dências. O primeiro ministério chefiado por Sarney (naverdade, nomeado por Tancredo Neves) exibia apenas18% de ministros apartidários. Porém, seu últimoministério, nomeado em janeiro de 1989, contava com35% de ministros sem partido. Itamar Franco nomeou20% de políticos sem filiação partidária para o seuprimeiro ministério, enquanto que, para o último,constituído em janeiro de 1994, nada menos do que 76%dos titulares das pastas do primeiro escalão não tinhamsigla partidária.5

Existe, portanto, uma variação muito grande noscritérios de seleção dos ministros, critérios que, por suavez, têm um impacto significante sobre a taxa de apoiolegislativo dos partidos ao presidente. Como procureimostrar alhures, quanto mais partidário é o critério deseleção dos ministros, maior o apoio legislativo dospartidos ao presidente, ficando assim o governo maispróximo, pois, de funcionar como uma coalizão ao estiloeuropeu.6 De modo que os primeiros anos da presidênciade Sarney e as duas presidências de FHC são os períodos

5 Ver Octavio Amorim Neto, “Gabinetes Presidenciais, Ciclos Eleitorais eDisciplina Legislativa no Brasil”, Dados, vol. 43, nº 3, 2000, pp. 479-517.6 Octavio Amorim Neto, “Gabinetes Presidenciais, Ciclos Eleitorais e Disci-plina Legislativa”, op. cit.

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 8 7

que mais se assemelham, desde a redemocratização, aoideal de governo de coalizão ao estilo europeu.

A Escolha dos Instrumentos Legiferantes: Projetosde Lei versus Medidas Provisórias

O segundo aspecto para o qual desejo atentar dizrespeito ao fato de que, sob um sólido governo de coalizão,os instrumentos ordinários de legislação (projetos de lei)tendem a prevalecer sobre os extraordinários (medidasprovisórias) no esforço de implementação do programade governo. Isto porque o governo conta com uma maioriaestável que lhe permite, de forma mais ou menos segura,obter a cooperação do Legislativo para aprovar projetosde lei, diminuindo, portanto, a necessidade de se recorreràs medidas provisórias.7 Tal foi o que aconteceu duranteos anos FHC.

A última afirmação pode parecer equivocada, umavez que FHC foi constantemente criticado pelo suposta-mente abusivo número de medidas provisórias que editou.Porém, havemos de fazer uma diferenciação dentro douniverso das medidas provisórias (doravante, MPs). Semdúvida, FHC reeditou muitas MPs. Entretanto, em termosde freqüência anual de MPs originais, ele é o presidentecom a menor taxa entre 1989 e 1998: 39 MPs originaispor ano. Sarney editou 83 MPs originais em 1989. Collor

7 Para uma maior elaboração teórica deste ponto, ver Octavio Amorim Netoe Paulo Tafner, “Governos de Coalizão e Mecanismos de Alarme de Incêndiono Controle Legislativo das Medidas Provisórias”, Dados, vol. 45, nº 1, 2002,pp. 5-38.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira8 8

emitiu, em média, 48 MPs originais entre 1990 e 1991(1992 deve ser excluído porque foi um ano atípico). EItamar Franco baixou, em média, entre 1993 e 1994, 69MPs originais.

Ademais, se examinarmos a razão entre projetosde lei enviados pelo Executivo ao Congresso e MPsoriginais, constata-se que os menores valores se encon-tram no primeiro ano da presidência de Collor e no últimoda presidência de Itamar Franco, períodos sob os quais opercentual de ministros apartidários foi o mais alto. Jásob o primeiro mandato de FHC, encontra-se o segundovalor mais alto para a razão entre projetos de lei e MPsoriginais (se excluirmos 1992), 0,86, e, em todos os outrosanos do seu primeiro governo, tal razão sempre per-maneceu em um nível relativamente alto (ver Tabela 1).

Por último, cumpre notar que, apesar de apresentaro valor mais alto para a razão entre projetos de leienviados pelo Executivo ao Congresso e MPs originais, oano de 1991 deve ser considerado também um ano atípicoporque, em função da votação do projeto do deputadoNélson Jobim limitando a edição das MPs, o Congressoindicou claramente a Collor que não toleraria mais amaneira abusiva com que o Presidente delas se valera noano anterior.

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Fonte:Fonte:Fonte:Fonte:Fonte: Os dados sobre MPs foram fornecidos pelo PRODASEN e as informaçõesreferentes aos projetos de lei, por Argelina Figueiredo e Fernando Limongi.

A Formação da Agenda Legislativa do Congresso

O terceiro aspecto relevante – concernente à nego-ciação da agenda legislativa do Executivo com a sua baseparlamentar – explica, ao mesmo tempo, o sucesso e osfracassos do governo FHC. A sustentação de um sólidogoverno de coalizão implica que, em geral, só vão aplenário aquelas matérias que sejam consensuais dentroda maioria governativa. Negociações freqüentes edemoradas com os aliados são absolutamente necessáriaspara que se alcance tal consenso. Se isto é verdade, é dese esperar que as maiorias dentro de cada um dos partidosque apóiam o governo sofram pouquíssimas derrotas emplenário.

TTTTTabela Iabela Iabela Iabela Iabela IMPs Originais, Projetos de Lei Originados do Executivo eMPs Originais, Projetos de Lei Originados do Executivo eMPs Originais, Projetos de Lei Originados do Executivo eMPs Originais, Projetos de Lei Originados do Executivo eMPs Originais, Projetos de Lei Originados do Executivo eRazão entre MPs Originais e Projetos de Lei do Executivo.Razão entre MPs Originais e Projetos de Lei do Executivo.Razão entre MPs Originais e Projetos de Lei do Executivo.Razão entre MPs Originais e Projetos de Lei do Executivo.Razão entre MPs Originais e Projetos de Lei do Executivo.

PresidentesPresidentesPresidentesPresidentesPresidentes AnoAnoAnoAnoAno MPs Ori-MPs Ori-MPs Ori-MPs Ori-MPs Ori-ginais(MP)ginais(MP)ginais(MP)ginais(MP)ginais(MP)

ProjetosProjetosProjetosProjetosProjetosde lei (PL)de lei (PL)de lei (PL)de lei (PL)de lei (PL)

PL/PL/PL/PL/PL/(MP + PL)(MP + PL)(MP + PL)(MP + PL)(MP + PL)

SSSSSarneyarneyarneyarneyarney 1989 83 170 0,67

CollorCollorCollorCollorCollor 1990 87 102 0,54

1991 8 216 0,96

ItamarItamarItamarItamarItamar 1992 10 197 0,95

1993 47 189 0,80

1994 91 56 0,38

FHC IFHC IFHC IFHC IFHC I 1995 30 192 0,86

1996 39 158 0,80

1997 33 129 0,80

1998 55 128 0,70

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira9 0

Sob o primeiro mandato de FHC, as maiorias dentrodo PSDB, PFL e PMDB tiveram uma taxa de derrota emvotações nominais de 1,9%, 1,9% e 3,2%, respectivamente.Já PT e PDT amargaram, respectivamente, 88,3% e 79,9%de derrotas. Comparem-se os números do PFL sob FHCcom o seu percentual de derrotas sob Collor e ItamarFranco: sob o primeiro, entre 1991 e 1992, a maioriadentro da bancada do PFL foi derrotada em 15,8% dasvotações; sob Itamar Franco, em 16% delas. Esses númerosindicam que FHC negociou muito mais a sua agendalegislativa com o PFL do que o fizeram Collor e Itamar.8

O percentual de derrotas em plenário das maioriasdentro das bancadas dos partidos é um indicador quepermite uma comparação precisa entre as coalizõesformadas em sistemas presidencialistas com aquelasconstituídas sob regimes parlamentaristas. As maioriasdentro dos partidos que integram coalizões governativasem regimes parlamentaristas sofrem, em média, 5% dederrotas em plenário ao longo de um governo. Osprincipais partidos de sustentação do primeiro governoFHC exibem uma média de derrotas abaixo de 5%. Este éum indicador eloqüente da solidez da coalizão montadapor FHC.

A negociação da agenda legislativa com os partidosé fundamental para a solidificação de uma coalizãoporque permite que os partidos se sintam plenamenteincorporados ao governo. Uma coisa é um partido ter,

8 Para uma análise completa desses valores para PT, PDT, PSDB, PMDB,PTB, PFL e PPB, entre 1989 e 1998, ver Octavio Amorim Neto, Gary W. Coxe Matthew D. McCubbins, “Agenda Power in Brazil’s Câmara dos Deputa-dos,” Seminários de Pesquisa da EPGE/FGV-RJ, 2002, disponível em http://www.fgv.br/epge/home/seminarios.

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 9 1

nominalmente, um ministro no gabinete presidencial.Outra coisa é ser o partido incluído nas negociações queestabelecem a agenda legislativa do Executivo. Vale notarque o nexo entre participação ministerial e participaçãonas negociações relativas à agenda legislativa do Execu-tivo torna-se mais forte quanto mais bem representadofor um partido no governo.

A Estabilidade Governamental

O quarto aspecto a ser enfatizado concerne à estabi-lidade do Executivo, tal qual medida por um indicadorsimples, qual seja, o grau de rotatividade dos ministros.Vou aqui me valer de um indicador desenvolvido porWanderley Guilherme dos Santos, denominado pelo autorde estabilidade ministerial constitucional (EMC).9 EMC éa média de permanência dos ministros em seus cargosdividida pela permanência constitucional máximapossível. A Tabela 2 mostra que, das oito primeiraspresidências democraticamente constituídas na históriada República – Dutra (1946-1951), Vargas (1951-1954),JK (1956-1961), Jango (1961-1964), Sarney, (1985-1990),Collor (1990-1992), Itamar (1992-1994) e FHC (1995-1998) –, a última foi a que alcançou a mais alta taxa deestabilidade ministerial.

9 Ver Wanderley Guilherme dos Santos, Sessenta e Quatro: Anatomia da Crise(São Paulo: Vértice, 1986), p. 121.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira9 2

Uma maior estabilidade dos ministros em seuscargos é fundamental para os programas de governosejam executados de forma mais consistente e eficiente.Por exemplo, o sucesso do governo FHC na área do ensinobásico está certamente associada à longa permanênciade Paulo Renato à frente do Ministério da Educação.

Síntese dos Achados

Em suma, a formação e sustentação de um sólidogoverno de coalizão em um regime presidencial puro,como o brasileiro, estão intimamente associadas à ênfaseno recrutamento partidário dos ministros, à prevalênciade instrumentos ordinários de legislação sobre os extraor-dinários e à negociação prévia e constante da agendalegislativa com os partidos que integram o governo. Estesfatores são certamente fonte da maior estabilidadeobservada no primeiro governo de FHC.

Entretanto, o terceiro fator – a negociação daagenda com os partidos – explica, em grande medida, aparalisia do governo FHC em algumas áreas cruciais,como, por exemplo, a reforma tributária. A última nãofoi sequer enviada ao Congresso porque nunca houveconsenso entre o Executivo e os partidos que o apoiavam

TTTTTabela 2 – Estabilidade Ministerialabela 2 – Estabilidade Ministerialabela 2 – Estabilidade Ministerialabela 2 – Estabilidade Ministerialabela 2 – Estabilidade Ministerial

Constitucional de 8 PresidentesConstitucional de 8 PresidentesConstitucional de 8 PresidentesConstitucional de 8 PresidentesConstitucional de 8 Presidentes

DutraDutraDutraDutraDutra

Fonte: Adaptado de Wanderley Guilherme dos Santos, “Poliarquia em 3D”, Dados,vol. 41, nº 2, 1998, p. 280.

VVVVVararararargasgasgasgasgas JKJKJKJKJK JangoJangoJangoJangoJango SarneySarneySarneySarneySarney CollorCollorCollorCollorCollor ItamarItamarItamarItamarItamar FHCFHCFHCFHCFHC

EMCEMCEMCEMCEMC 0,36 0,32 0,38 0,13 0,43 0,29 0,24 0,55

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 9 3

a respeito do tema. Como o governo nunca quis serderrotado na questão e não desejava arriscar rachar asua base parlamentar, decidiu, racionalmente protelarindefinidamente o encaminhamento da reforma tribu-tária, motivo pelo qual foi severamente criticado.

À luz das evidências acima apresentadas, compre-endem-se as razões pelas quais FHC foi sempre taxadopejorativamente de “frouxo”. FHC foi assim visto porquenão logrou persuadir o Congresso a aprovar uma sériede reformas consideradas vitais para o país e por ter sidodemasiadamente leniente com as demandas e ameaçasdos partidos que o apoiavam. Ora, o que se percebe comofrouxidão é, na verdade, uma leitura equivocada doesforço que envidou FHC para que não rachasse a suabase de sustentação parlamentar, esforço que resultou naalta estabilidade relativa do seu governo.

Contudo, todo esforço tem seu custo. E, no caso dogoverno de FHC, este custo foi a paralisia de algumasreformas que não encontraram respaldo na própria base deapoio parlamentar do Executivo. Sob um governo de coalizãomajoritário e estável, o bloqueio das propostas do Executivoé conseqüência sempre de dissensões no seio dos partidosque o integram e não fruto de obstrução pela oposição.

Competir enquanto se Coopera: O Dilema dosPartidos no Presidencialismo de Coalizão

Para concluir este ensaio, gostaria de examinar umagudo dilema do nosso presidencialismo. Voltemos àpergunta que motivou o texto agora clássico de Sérgio

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira9 4

Abranches: como se combinam eficazmente represen-tação proporcional e o regime presidencial? Resposta:formando-se sólidos governos de coalizão. Vimos, acima,que tais governos, da perspectiva do presidente, podemgerar mais estabilidade, porém, ao custo de paralisia naimplementação de projetos de interesse do Executivo. Apergunta que agora se coloca diz respeito aos dilemasque os governos de coalizão colocam para os partidos.

Sob um governo de coalizão, os partidos têm quecooperar na arena governamental, mas competir na arenaeleitoral. Tal dilema se torna mais agudo quando as siglaspartidárias são fracas aos olhos do eleitorado, como bemmostra Scott Mainwaring ser o caso da maioria dos nossosgrandes partidos.10

Como se desdobra o problema? Um governo decoalizão dissolve a identidade dos partidos perante oeleitorado. O que, antes, era o PSDB ou o PMDB ou oPFL, acaba virando uma coisa só, isto é, o rolo compressordo governo. Se, aos olhos dos eleitores – em geral, poucoinformados –, o governo pode ser visto com uma unidade,permanece, não obstante, o duro fato de que um governode coalizão é um conjunto, mais ou menos coordenado,de distintas organizações partidárias. Como resolver estedilema? Como cooperar com um conjunto de partidos e,ao mesmo tempo, se diferenciar deles? É a partir das açõesque empreenderam os partidos no sentido de desatar estenó de marinheiro que se pode entender muito do tumultopartidário que se observou ao longo do segundo governode FHC.

10 Scott P. Mainwaring, Sistemas Partidários em Novas Democracias, op. cit.

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 9 5

Logo após a desvalorização do real, em 1999, houveum ambiente de incerteza política e econômica enorme,uma vez que não se sabia se o país ia entrar numa recessãoe como o desenrolar dos eventos econômicos eventual-mente afetaria a popularidade FHC. Havia também anecessidade de se aprovar uma série de reformas exigidaspelo acordo do Brasil como o FMI a fim de se debelar acrise econômica. O diagnóstico que veio a prevalecer erade que o país padecia de um sério problema fiscal. E oque aconteceu naqueles idos de 1999?

Ao invés de tentarem fazer valer suas preferênciasno que diz respeito à reforma fiscal e à estabilizaçãoeconômica, os três principais partidos da coalizão de FHC– PSDB, PFL e PMDB – passaram a se engajar em umaterrível pugna entre si para comunicar seus programasao eleitorado. Foi naquele instante que o PSDB empunhoua bandeira do desenvolvimentismo para se distanciar daortodoxia representada por Pedro Malan. O PFL, para asurpresa geral, declarou guerra à pobreza e estabeleceua CPI do judiciário. O PMDB criou a CPI dos bancos.

Não me parece uma questão destituída de interesseindagar-se o porquê de terem ocorrido todas aquelasmanobras justamente em um momento de crise. Os par-tidos resolveram, em vez de dar os passos necessários pararesolver a crise econômica, partir para uma campanhaeleitoral antecipada. O mecanismo que levou a tal situaçãotem a ver, na minha opinião, com o presidencialismo decoalizão e com os dilemas que coloca aos partidos, máxi-me em uma situação em que as legendas partidárias sãomuito frágeis, se diluindo fácil e negativamente no rastrode um governo em crise.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira9 6

A partir da crise de 1999 pode-se entender melhora relativa confusão que foi o segundo mandato de FHC.Desde então, os partidos que integravam a base de apoiodo governo ficaram a pelejar em torno de CPIs e acusa-ções mútuas de corrupção, mas, ao mesmo tempo, conti-nuaram unidos na sustentação do Executivo, que perma-neceu efetivo e estável, ainda que a um nível inferioràquele observado no primeiro mandato. Esses doisaspectos, aparentemente contraditórios, são as duas facesde uma mesma moeda, que é a gestão de um governo decoalizão no contexto de um sistema de partidos cujassiglas transmitem um fraco conteúdo programático aoeleitorado.

Ou seja, PSDB, PFL e PMDB, que passaram a pagarum preço alto por pertencer ao governo a partir da crisede desvalorização cambial de janeiro de 1999, tentaramminimizar tal preço de uma forma aparentemente enge-nhosa, mas que, ao fim e ao cabo, acabou sendo deletériapara o governo FHC. Os desentendimentos entre os trêspartidos tornaram-se mais evidentes e sérios quando daeleição dos novos presidentes da Câmara e do Senadoem fevereiro de 2001, em mais um passo que antecipavaa disputa presidencial de outubro de 2002, até chegar aoseu ápice em abril de 2002, quando o PFL abandonou ospostos ministeriais que ocupara ao longo de quase oitoanos.

É óbvio que as dificuldades econômicas pelas quaispassou o país desde 1999 em muito contribuíram para adissolução da aliança multipartidária que sustentou FHC.Porém, a intensidade das desavenças entre os grandespartidos derivou, em não pequena parte, da fragilidadeprogramática dessas legendas, pois, se fossem mais

O Presidencialismo Brasileiro de Coalizão 9 7

seguras da imagem que deles tem o eleitorado, nãoprecisariam executar desgastantes manobras de marcaçãode posição ou cometer atos de agressão mútua.

Concluo afirmando que nosso sistema políticoprecisa de algumas reformas que protejam ou fortaleçamos aspectos positivos do presidencialismo de coalizão eque retifiquem os aspectos negativos. Necessitamos demecanismos institucionais que tornem praticamenteinevitável a constituição de sólidos governos de coalizão,tal qual definidos acima, e que impossibilitem governoscesaristas como o de Collor. Uma tal reforma não significao abandono tout court do presidencialismo. Creio queum regime como o semipresidencialismo francês – quetem um presidente diretamente eleito, dotado de impor-tantes prerrogativas constitucionais, mas cujo primeiroministro depende da confiança parlamentar – poderiaser adaptado ao Brasil com algumas modificações. A suavirtude seria justamente a de institucionalizar, por meiodo mecanismo de confiança parlamentar do gabinete, anossa prática informal ou para-constitucional de governosde coalizão. Porém, não haverá caminho fácil se os par-tidos brasileiros não se fortalecerem programaticamente,reformando-se ou não o sistema de governo.

Destarte, faço minhas as palavras de ScottMainwaring quando afirma que os partidos, embora nãosejam hoje tão fortes nas democracias mais estáveis comoeram no começo ou meio do século passado, continuamsendo instrumentos fundamentais para a governançademocrática.11 Assim, pode-se dizer que teremos grandes

11 Scott P. Mainwaring, Sistemas Partidários em Novas Democracias, op. cit., p.51-96.

O Sistema Partidário na Consolidação da Democracia Brasileira9 8

dificuldades de institucionalizar o presidencialismo decoalizão se as siglas e as organizações partidárias não setornarem programaticamente mais fortes. O fortaleci-mento dos partidos permitirá que estes – concomitan-temente – cooperem na arena governamental e compitamna arena eleitoral de forma mais eficaz e estável. Éfundamental que as siglas sejam fortes o suficiente paraque os partidos não temam cooperar entre si e com ogoverno e para que possam competir em bases maisprogramáticas e menos personalistas e turbulentas. Aprovável ida para a oposição, a partir de 2003, de váriosdos partidos que sustentaram FHC, será uma grandeoportunidade para que se fortaleçam programati-camente.