Ações trabalhistas caem 35%; na contramão, as ligadas a ... · fizeram o pedido. O valor do...

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Sem Opção Veículo: Folha de S. Paulo - Caderno: Mercado - Seção: - Assunto: Trabalho - Página: A14 - Publicação: 26/05/20 URL Original: Ações trabalhistas caem 35%; na contramão, as ligadas a vírus disparam Ações trabalhistas caem 35%; na contramão, as ligadas a vírus disparam Distanciamento dificulta contato entre advogado e cliente e t processos; tendência é de alta nos próximos meses Os efeitos da crise do coronavírus chegaram à Justiça do Trabalho ao mesmo tempo que a Covid-19 avança e as demissões aumentam no Brasil. As consequências já se refletem em números. A quantidade de novas ações em primeira instância caiu em abril, enquanto os pedidos relacionados à doença explodiram, segundo dados do TST (Tribunal Superior do Trabalho). Em abril, foram apresentados 108,4 mil processos no país, queda de 35% sobre abril de 2019 (166,1 mil) e de 26% ante março deste ano (146,7 mil). Trata-se do primeiro mês com dados completos após a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarar, em 11 de março, a pandemia . Desde então, municípios e estados adotaram o distanciamento social. Dados preliminares do TST obtidos pela Folha mostram que em abril chegaram às varas 1.107 ações relacionadas à Covid-19. A alta foi de 522% em relação a março (178). A doença surgiu na China no fim do ano passado. O levantamento abrange varas de 15 dos 24 TRTs (Tribunais Regionais do Trabalho). Os maiores do país estão contemplados no balanço: São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Minas e Bahia. Desde janeiro, são 1.747 processos com o tema Covid —dos quais 295 em TRTs e 8 já no TST. O corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, afirma que os dados espelham um momento sem precedentes. “A Covid vai refletir nas relações de trabalho e haverá busca por certa prestação jurisdicional. Há os mais vulneráveis que dependem da Justiça para receber parcelas que dizem respeito à natureza alimentar”, afirma. Segundo o ministro, o aumento dos processos dependerá da curva de contaminação . “A princípio há [expectativa de crescimento de ações relacionadas à Covid-19]. Nós estamos em um momento de ascensão absoluta dos números, dobrando a cada semana”, afirma. Trabalhadores desligados que se sentem lesados podem reivindicar na Justiça indenizações. Os três principais pedidos são por irregularidades no aviso prévio, no FGTS e nas verbas rescisórias. “Enquanto houver isolamento social, haverá o fechamento das atividades, muita gente sendo demitida, rompimento de contrato de trabalho e conflitos existentes dos próprios efeitos da pandemia.” Esse cenário tende a impactar ainda mais os números, diz o ministro. “A Justiça do Trabalho é um termômetro da crise. Então, ela está oscilando de acordo com a crise”, afirma Veiga. Um indicador de corte de vagas vem crescendo. Em abril, foram 748 mil pedidos de seguro-desemprego, ante 613 mil no mesmo mês de 2019, segundo o Ministério da Economia —alta de 22%. O governo estima que 250 mil trabalhadores demitidos sem justa causa estejam aptos a receber o auxílio, mas ainda não fizeram o pedido. O valor do benefício temporário varia de R$ 1.045 a R$ 1.813,03. Em tempos de crise, o número de ações trabalhistas tende a crescer, e não diminuir. De 2015 a 2017, por exemplo, a Justiça bateu recordes de processos ajuizados. “A Justiça do Trabalho é uma Justiça de desempregados. São trabalhadores que após o término do contrato procuram auxílio”, diz Otavio Pinto e Silva, sócio do Siqueira Castro e professor da USP. “Se sobe o número de trabalhadores desempregados, dos contratos rescindidos, a tendência é que suba o número de novas ações ajuizadas”, afirma Silva. A realidade na Justiça, porém, mudou após a reforma trabalhista do governo Michel Temer (MDB). Alterações na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) entraram em vigor em 11 de novembro de 2017. Com a reforma, o trabalhador passou a ter de pagar, em caso de derrota, os chamados honorários de sucumbência ao advogado do empregador . A regra freou o ritmo de novas ações.

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Ações trabalhistas caem 35%; na contramão, asligadas a vírus disparamAções trabalhistas caem 35%; na contramão, as ligadas avírus disparamDistanciamento dificulta contato entre advogado e cliente e travaprocessos; tendência é de alta nos próximos mesesOs efeitos da crise do coronavírus chegaram à Justiça do Trabalho ao mesmo tempo que a Covid-19 avança e as demissõesaumentam no Brasil. As consequências já se refletem em números.A quantidade de novas ações em primeira instância caiu em abril, enquanto os pedidos relacionados à doença explodiram,segundo dados do TST (Tribunal Superior do Trabalho).Em abril, foram apresentados 108,4 mil processos no país, queda de 35% sobre abril de 2019 (166,1 mil) e de 26% ante marçodeste ano (146,7 mil).Trata-se do primeiro mês com dados completos após a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarar, em 11 de março, apandemia. Desde então, municípios e estados adotaram o distanciamento social.Dados preliminares do TST obtidos pela Folha mostram que em abril chegaram às varas 1.107 ações relacionadas à Covid-19. Aalta foi de 522% em relação a março (178). A doença surgiu na China no fim do ano passado.O levantamento abrange varas de 15 dos 24 TRTs (Tribunais Regionais do Trabalho). Os maiores do país estão contemplados nobalanço: São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Minas e Bahia. Desde janeiro, são 1.747 processos com o tema Covid —dos quais295 em TRTs e 8 já no TST.O corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, afirma que os dados espelham um momento semprecedentes.“A Covid vai refletir nas relações de trabalho e haverá busca por certa prestação jurisdicional. Há os mais vulneráveis quedependem da Justiça para receber parcelas que dizem respeito à natureza alimentar”, afirma.Segundo o ministro, o aumento dos processos dependerá da curva de contaminação. “A princípio há [expectativa decrescimento de ações relacionadas à Covid-19]. Nós estamos em um momento de ascensão absoluta dos números, dobrando acada semana”, afirma.Trabalhadores desligados que se sentem lesados podem reivindicar na Justiça indenizações. Os três principais pedidos são porirregularidades no aviso prévio, no FGTS e nas verbas rescisórias.“Enquanto houver isolamento social, haverá o fechamento das atividades, muita gente sendo demitida, rompimento de contratode trabalho e conflitos existentes dos próprios efeitos da pandemia.”Esse cenário tende a impactar ainda mais os números, diz o ministro. “A Justiça do Trabalho é um termômetro da crise. Então,ela está oscilando de acordo com a crise”, afirma Veiga.Um indicador de corte de vagas vem crescendo.Em abril, foram 748 mil pedidos de seguro-desemprego, ante 613 mil no mesmo mês de 2019, segundo o Ministério daEconomia —alta de 22%.O governo estima que 250 mil trabalhadores demitidos sem justa causa estejam aptos a receber o auxílio, mas ainda nãofizeram o pedido. O valor do benefício temporário varia de R$ 1.045 a R$ 1.813,03.Em tempos de crise, o número de ações trabalhistas tende a crescer, e não diminuir. De 2015 a 2017, por exemplo, a Justiçabateu recordes de processos ajuizados.“A Justiça do Trabalho é uma Justiça de desempregados. São trabalhadores que após o término do contrato procuram auxílio”,diz Otavio Pinto e Silva, sócio do Siqueira Castro e professor da USP.“Se sobe o número de trabalhadores desempregados, dos contratos rescindidos, a tendência é que suba o número de novasações ajuizadas”, afirma Silva.A realidade na Justiça, porém, mudou após a reforma trabalhista do governo Michel Temer (MDB). Alterações na CLT(Consolidação das Leis do Trabalho) entraram em vigor em 11 de novembro de 2017.Com a reforma, o trabalhador passou a ter de pagar, em caso de derrota, os chamados honorários de sucumbência ao advogadodo empregador. A regra freou o ritmo de novas ações.

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Desde então, o volume de processos ajuizados em abril deste ano é o terceiro menor. O mês passado só não registrou menosprocessos do que dezembro de 2017 (85,4 mil) e janeiro de 2018 (90,6 mil).“Quando se transferiu o risco [os honorários] para o empregado, diminuiu bastante o número de ações. Muitos que eramaventureiros desistiram”, afirma Antonio Carlos Frugis, sócio do Soto Frugis.Agora o motivo da queda no cômputo geral é o novo coronavírus.As medidas de distanciamento social impactaram o dia a dia das varas. Trabalhadores e empregadores recorrem a elas parasolucionar conflitos.Embora o processo hoje seja digitalizado, falta a clientes e advogados contato para tratar dos pedidos da ação e até mesmomeios tecnológicos que garantam a discussão dos pontos reivindicados.“A pandemia dificulta a comunicação do reclamante, o ex-empregado, com o advogado”, diz Frugis.A Justiça do Trabalho tenta contornar os efeitos da pandemia. Magistrados e servidores estão em home office. Audiências ejulgamentos são realizados por videoconferência.As demandas nesse novo ambiente virtual tendem, porém, a crescer. Segundo os especialistas, processos que levam de dois atrês meses para serem elaborados pelos advogados estão represados.Frugis diz ainda que novos pleitos surgirão com as medidas baixadas pelo governo Jair Bolsonaro para enfrentar os efeitos dapandemia na economia.Segundo ele, agora as empresas estão suspendendo contratos de trabalho e reduzindo jornada e salário.“Se não der [para conter a crise], vão mandar um monte de gente embora. O número de demissões será algo enorme a partir dejulho, agosto”, diz. “Então, o pior está por vir.”Não só caiu o número de processos recebidos na primeira instância da Justiça do Trabalho como nunca tão poucas ações foramjulgadas em um mês de abril.A queda no número de julgamentos foi de 63,5% em relação ao mesmo mês de 2019. No mês passado, foram julgados 70,9 milprocessos, ante 194,1 mil em abril do ano passado.A suspensão de prazos processuais, da segunda quinzena de março até o dia 4 deste mês, explica os números.“Isso é o momento da adaptação, um mês da adaptação. Levou a um tempo de adaptação, que não foi muito longo, mas issoafeta o tempo de julgamento. É preciso que haja aumento, e a Corregedoria está atenta”, diz Veiga, do TST.

Processos trabalhistas por não pagamento de rescisãona crise do coronavírus já somam R$ 1 biFernanda Brigatti5-7 minutos

As dispensas de funcionários em meio à crise do coronavírus já levaram quase 21 mil trabalhadores à Justiça do Trabalho parabrigar pelo pagamento de verbas rescisórias. Juntos, esses processos somam R$ 1 bilhão em disputas trabalhistas.Nessas ações, trabalhadores cobram indenizações a que teriam direito ao serem demitidos, como aviso prévio, multa de 40% doFGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), férias e 13º proporcionais.A cifra, segundo advogados, pode ser ainda maior, assim como o número de processos. Com as políticas de distanciamentosocial, as varas estão fechadas e todo o trabalho vem sendo feito à distância. Quem ainda não tem um advogado, também estáenfrentando dificuldades.Mesmo assim, a maioria desses processos –19.408 até a segunda-feira (25)– eram individuais, segundo monitoramento doTermômetro Covid-19 na Justiça do Trabalho, feito pela Datalawyer com o site Consultor Jurídico e a FintedLab.Caio Santos, diretor-executivo da Datalawyer, diz que a mesma ação pode ter cinco ou mais assuntos sendo discutidos.Portanto, um mesmo trabalhador pode ter levado o calote no FGTS, nas férias, no aviso prévio e no 13º.O professor de direito do trabalho da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas) Ricardo Calcini diz que se a empresa não paga asverbas da demissão em dez dias, ela fica sujeita a uma nova multa, prevista no artigo 477 da CLT (Consolidação das Leis doTrabalho).Entre as ações individuais, esse é o quarto motivo mais comum a levar trabalhadores à Justiça do Trabalho durante a pandemia.A ferramenta criada pela Datalawyer lê todos os processos apresentados nas varas trabalhistas a partir da publicação no “Diárioda Justiça” e identifica os que citam coronavírus, pandemia e Covid-19. O intervalo entre o ingresso e o aparecimento notermômetro é de uma semana, em média.Em todo o Brasil, os setores mais processados são indústrias, bancos e financeiras e comércio.No estado de São Paulo, o valor médio das ações trabalhista está em R$ 60,2 mil. Desde o início da pandemia, 3.992trabalhadores paulistas buscaram a Justiça no para reclamar de falhas na homologação de suas demissões. Os setoresfinanceiro, varejista, de administração pública, de transporte e de alimentação são os principais alvos dessas ações.Para Domingos Fortunato, sócio da área trabalhista do Mattos Filho, o momento de retorno das atividades também deve abrirespaço para novas discussões, como o cumprimento de normas de segurança. Fornecimento de EPIs (Equipamentos de ProteçãoIndividual) é o pedido mais comum nas ações coletivas apresentadas como consequência da pandemia.

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A interpretação dada por empresas à legislação trabalhista deve levar a um novo aumento no volume de ações, diz o professorRicardo Calcini.“Nos últimos anos, após a reforma trabalhista, caiu muito o número de ações. O que temos agora é um cenário que justifica umaumento exponencial a cada dia”, diz.Ele cita a interpretação dada por algumas empresas à teoria do fato do príncipe, por meia da qual empresas demitiramfuncionários, não pagaram as verbas indenizatórias e disseram que os valores deveriam ser cobrados dos governos estaduais oumunicipais.Foi o que aconteceu, por exemplo, na rede de churrascarias Fogo de Chão, que usou o artigo 486 da CLT para evitar opagamento da rescisão a funcionários demitidos.A medida é controversa.A advogada Caroline Marchi, sócia da área trabalhista do Machado Meyer, diz que mesmo que a interpretação desse artigotransferisse a responsabilidade pelo pagamento da indenização aos governos, a rescisão paga aos funcionários ainda precisariaser feita de maneira integral. Caberia às empresas cobrar o valor do poder público.Para Ricardo Calcini, da FMU, o prolongamento da crise econômica acabará estimulando o início de ações.“Quanto mais tempo a atividade econômica estiver paralisada, maiores as chances de demissões, inclusive com o risco de queocorram sem as verbas rescisórias”, afirma.Outro ponto que deverá inundar o judiciário trabalhista é a utilização do fechamento por força maior, que permite a redução namulta do FGTS. Dos 40%, a empresa fica autorizada a pagar 20%.Há o risco de as empresas abusarem dessa previsão legal. “É necessário que a atividade seja encerrada, que aquela pessoa,dona daquele comércio, por exemplo, feche a empresa, e que isso tenha relação com a pandemia”, afirma Calcini.O dispositivo da força maior já estava previsto na legislação, mas a Medida Provisória 927 incluiu a pandemia do coronavíruscomo uma das situações que permitem essa caracterização.O advogado Jorge Matsumoto, sócio trabalhista do Bichara, diz que o agravamento da situação econômica do país vai levando asempresas a medidas extremas.“A tendência é a de haver um aumento nas ações trabalhistas. Quem busca a via judicial vai discutir verbas rescisórias, cálculosdas indenizações, horas extras, regras de home office e cumprimento de normas de segurança”, afirma.

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