ALDINÉIA DIAS DE MEDEIROS - marliambiental.com.br · Capitulo IV: Da Ação de Busca e Apreensão....

66
1 ALDINÉIA DIAS DE MEDEIROS ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS E IMÓVEIS UNIVERSIDADE DE CUIABÁ – CAMPUS BARÃO CUIABÁ/MT 2006

Transcript of ALDINÉIA DIAS DE MEDEIROS - marliambiental.com.br · Capitulo IV: Da Ação de Busca e Apreensão....

1

ALDINÉIA DIAS DE MEDEIROS

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS E IMÓVEIS

UNIVERSIDADE DE CUIABÁ – CAMPUS BARÃO

CUIABÁ/MT

2006

2

ALDINÉIA DIAS DE MEDEIROS

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS E IMÓVEIS

Monografia apresentada à Faculdade de Direito da

Universidade de Cuiabá – UNIC “ CAMPUS

BARÃO”, como prova parcial de obtenção do

Bacharelado de Direito, sob a Orientação da

professora Marli Terezinha Deon Sette.

UNIVERSIDADE DE CUIABÁ – CAMPUS BARÃO

CUIABÁ/MT

2006

3

UNIVERSIDADE DE CUIABÁ ­ CAMPUS BARÃO

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS E IMÓVEIS

ALDINÉIA DIAS DE MEDEIROS

BANCA EXAMINADORA

ORIENTADOR:

Professora Marli Terezinha Deon Sette. Nota: ___________

Obs: ___________________________________

_____________________________ Nota: ___________

Prof. Obs: ___________________________________

_____________________________ Nota: ___________

Prof. Obs: ___________________________________

4

Cuiabá, ______ de ________________ de 2006. NOTA FINAL: ______________

Apreciação:

___________________________

___________________________

___________________________

___________________________

5

Agradeço a todas as pessoas que direta ou

indiretamente colaboraram para que o

meusonho fosse possível, em especial aos meus

pais: Paulo e Lúcia e ao meu esposo Marcelo.

6

“Tudo vale a pena quando a alma não é

pequena” .

Fernando Pessoa

7

SUMÁRIO

RESUMO .............................................................................................................................. 9

INTRODUÇÃO................................................................................................................... 10

CAPÍTULO I ....................................................................................................................... 12

HISTÓRICO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA ................................................................... 12

1.1­Direito Romano .................................................................................................... 12

1.2­ Direito Germânico................................................................................................ 13

1.3­ Direito Inglês ....................................................................................................... 14

1.4­ Direito Brasileiro.................................................................................................. 14

CAPÍTULO II...................................................................................................................... 17

DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS DADO EM GARANTIA ................ 17

2.1­ Da inconstitucionalidade Decreto­Lei n.º 911 de 01/10/1969. ............................... 19

2.2­ Da Cláusula Comissória ....................................................................................... 20

2.3­Da Cláusula Resolutiva ......................................................................................... 21

2.4­Da Impenhorabilidade do Bem Alienado................................................................ 21

CAPÍTULO III .................................................................................................................... 23

DOS REQUISITOS PARA A VALIDADE DA RELAÇÃO JURÍDICA NA ALIENAÇÃO

FIDUCIÁRIA ...................................................................................................................... 23

3.1­ Sujeitos da Relação .............................................................................................. 23

3.2­ Forma .................................................................................................................. 24

3.3­ Da comprovação da alienação fiduciária perante terceiros. ................................... 24

3.4­ Do objeto da alienação fiduciária.......................................................................... 27

3.5­ Dos direitos e deveres do fiduciário...................................................................... 29

3.6­ Dos direitos e deveres do fiduciante ..................................................................... 30

CAPÍTULO IV .................................................................................................................... 31

DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO ............................................................................ 31

4.1­ A ação cautelar .................................................................................................... 32

4.2­ Foro competente .................................................................................................. 34

4.3­Da legitimidade ativa e passiva .............................................................................. 35

4.4­ Da resposta do réu ............................................................................................... 37

4.4.1­ Da contestação........................................................................................... 37

8

4.4.2­ Purgação da Mora...................................................................................... 39

4.5­ Do julgamento antecipado da lide......................................................................... 39

4.6­ Efeitos do Recurso decorrente da Busca e Apreensão........................................... 40

4.7­ Da venda do bem alienado apreendido.................................................................. 40

4.8­ Da responsabilidade pelo saldo devedor ............................................................... 41

CAPÍTULO V...................................................................................................................... 42

DA CONVERSÃO DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO EM AÇÃO DE DEPÓSITO E

A PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR FIDUCIANTE.............................................................. 42

5.1 Conceito de deposito ............................................................................................. 42

5.2 Procedimento da ação de depósito......................................................................... 43

5.2.1 Legitimados................................................................................................. 43

5.2.2 Propositura.................................................................................................. 43

5.2.3 Possíveis condutas do réu ........................................................................... 44

5.2.4 Sentença..................................................................................................... 45

5.3 Figura constitucional do depositário infiel.............................................................. 45

CAPITULO VI .................................................................................................................... 52

A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEIS EM GARANTIA......................................... 52

6.1 A propriedade fiduciária ........................................................................................ 52

6.1.1 Noções preliminares .................................................................................... 52

6.2­ Natureza, características e conceito da propriedade fiduciária............................... 53

6.3 A propriedade fiduciária, pendente o pagamento da dívida..................................... 54

6.3.1 A constituição da propriedade fiduciária ...................................................... 54

6.3. Posição jurídica do devedor­fiduciante.................................................................. 56

6.3.1­ A propriedade fiduciária, solvido o débito ao vencer­se .............................. 59

6.4­ A propriedade fiduciária, vencida a dívida e não paga ........................................... 61

6.5­ A intimação para purgação da mora ..................................................................... 61

6.6­ A consolidação da propriedade em nome do credor­fiduciário .............................. 61

6.7­ O leilão extrajudicial............................................................................................. 62

CONCLUSÃO..................................................................................................................... 63

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 65

9

RESUMO

A Alienação Fiduciária em Garantia, tema escolhido para ser abordado neste trabalho

acadêmico, é um dos institutos de maior relevância e repercussão social no mundo jurídico da

atualidade. Teve inicialmente sua origem na orbe forense regrada pelo artigo 66 da Lei n.º

4728 de 14/07/1965. Com suas origens na fidúcia, do antigo Direito Romano, a alienação

fiduciária é uma espécie de negócio fiduciário adaptado para servir a realidade brasileira.

Aquele gênero jurídico, esta especialidade fática. O negócio jurídico não implica na alienação,

que simplesmente tornou uma especificação sua. O negócio fiduciário, embora sem regramento

determinado no Direito Positivo, se insere dentro da liberdade de contratar própria do direito

privado e se caracteriza pela entrega fictícia do bem, geralmente em garantia, com a condição

de ser devolvido posteriormente. É, portanto, uma transmissão fiduciária, que tem um sentido

muito mais amplo do que a própria alienação. A alienação é um ato de alheação, ou seja,

implica em tornar o que se aliena, alheio, de outrem. A transmissão, por sua generalidade, não

necessita desta condição.

10

INTRODUÇÃO

O presente instituto surgiu de modo espontâneo, nos meios históricos, revestindo

formas vagas e indefinidas, e adquiriu, no decurso de sua evolução, fisionomia e

individualidades características.

Possui uma história antiga, tendo revestido formas vagas e indefinidas até se tornar o

instituto que chegou aos nosso dias.

A propriedade judiciária se trata de uma propriedade que possui, além das limitações

próprias de uma propriedade resolúvel, restrições de cunho legal para atender a função

precípua de garantia para a qual foi criada. Enquanto existir tal função, a lei atua como

elemento de compressão sobre o conteúdo do domínio atribuído ao credor. Após cessado o

fim de garantia, desaparece a pressão, e, por via de conseqüência, a propriedade retoma sua

plenitude anterior.

Todavia, a principal característica da propriedade fiduciária se situa na revogação do

princípio da exclusividade do direito de propriedade, que se traduz na possibilidade de o

credor­fiduciário e o devedor­fiduciante se encontrarem, simultaneamente e relativamente ao

mesmo imóvel, na qualidade de proprietários sob condição resolutiva e suspensiva,

respectivamente.

O condicionamento do surgimento da propriedade fiduciária ao registro do contrato

de alienação fiduciária em garantia torna possível que um terceiro, ao registrar primeiro um

contrato semelhante sobre o mesmo imóvel ­ ainda que celebrado posteriormente ­, se torne

proprietário do imóvel objeto dos contratos. Isso porque é do registro que nasce o direito real,

e não do contrato a ser registrado. Este é o título de aquisição; aquele, modo de aquisição.

É exatamente o intuito deste trabalho acadêmico, averiguar o que de fato é esta

espécie de negócio fiduciário, analisar a desigualdade compartilhada entre os pólos desta

relação jurídica, verificar a sua (in)constitucionalidade, mediante a defesa do alienante e a

equiparação do devedor fiduciante ao depositário infiel e finalmente de conscientizar até que

ponto é compensatório, mergulhar nesta imagem insólita e avultória da grande inadimplência

brasileira.

O trabalho acadêmico se dividira nos seguintes capítulos:

Capitulo I: Origem Histórica da Alienação Fiduciária.

Capitulo II: Da Alienação Fiduciária dos Bens Moveis dado em Garantia.

11

Capitulo III: Dos Requisitos para a validade da relação jurídica na Alienação

Fiduciária.

Capitulo IV: Da Ação de Busca e Apreensão.

Capitulo V: Da conversão da Ação de Busca e Apreensão em Ação de Deposito e a

Prisão Civil do Devedor Fiduciante

Capitulo VI: A alienação fiduciária de imóveis em garantia.

12

CAPÍTULO I

HISTÓRICO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

A alienação fiduciária tem uma breve historia no direito em sua forma geral e

genérica, visto que desde a antiguidade havia a forma primitiva de transferência da propriedade

não admitia condições expressas ou limitações, tais como a mancipação e a in fure lessio.

Procurava­se contornar sua rigidez, quando se constituía um depósito, um penhor,

amenizando­se seu caráter absoluto, com a inclusão de certas cláusulas, que serviam para

alcançar o fim desejado pelas partes e que se alicerçava unicamente na confiança e na boa­fé,

porque não havia perante a justiça, para forçá­las ao seu cumprimento.

1.1­Direito Romano

Advinda desde a Lei das XII Tábuas, a fidúcia, instituto que repousa na lealdade e na

honestidade de uma das partes da relação, chamado de fiduciário, correspondente, à boa­fé e à

confiança nele depositada pela outra parte, o fiduciante, a fidúcia foi referida no assento da

Tábua Sexta, que tem por título “De domínio et possessione” , que estabelece que “se alguém,

empenha a sua coisa ou vende em presença de testemunhas, o que prometeu tem força de

lei” , embora o pacto fosse de efeito moral, sem o cunho de obrigatoriedade e de coerção

inerente às regras jurídicas.

O certo é, porém, que mereceu abrigo no digesto e foi largamente empregado entre os

Romanos. Prestou­se, sobretudo, para dar garantia real de um crédito junto ao credor com a

transferência da propriedade do bem, a ser restituído conquanto paga a dívida e, em menor

escala, para efetuar um depósito, entregando a coisa à pessoa de confiança, bem como para

efetivar transferência gratuita causa mortis.

Existem três espécies de fidúcia, quais sejam:

a) Fidúcia cum amico: consistia em um amigo entregar ao outro uma coisa com

transferência da propriedade para dela fazer uso até ser pedida em restituição.

b) Fidúcia cum creditore, fidúcia cum creditore contracto (pignus) ou fidúcia

pignoris causa cum creditore: aqui o devedor, por força do contrato, transferia a propriedade

da coisa ao credor em garantia do pagamento de um crédito, comprometendo­se o credor a

retransmitir a propriedade do devedor após o recebimento do que lhe era devido por lei.

13

c) Fidúcia remancipationis: era um pacto através do qual o pater familias vendia seu

próprio filho a outro pater familias, com a obrigação deste em libertá­lo em seguida, a fim de

que se alcançasse o fim desejado, a emancipação do filho.

Dois aspectos importantes se apresentava na fidúcia, o real e o obrigacional. Na

primeira o credor se tornava autentico proprietário. No segundo, o fiduciário comprometia­se

a restituir a coisa, uma vez resolvido o contrato com o pagamento do preço.

A fidúcia é, então, um pacto adjeto a mancipacio e a in iure cessio, consistente numa

obrigação de fazer ou não fazer. Àquele, a princípio estava reservado à alienação das res

mancipi, e este, comum às res mancipi e às res nec mancipi.

É a fidúcia, portanto, um meio indireto usado para se conseguir um fim, que não

estava no negócio em si, tornando­se tão eficaz e simples, que desafiou o tempo, existindo ao

lado do penhor e da hipoteca, tendo sido fonte do penhor.

1.2­ Direito Germânico

A fidúcia, no Direito Germânico era o ato pelo qual o fiduciário vinha a receber a

titularidade de um direito do fiduciante, que alienava o direito sem causa que justificasse a

aquisição por parte do adquirente que, por esta razão, se obrigava restituí­los em certos casos.

A nossa alienação fiduciária torna­se mais próxima do instituto Germânico, dada a

natureza resolúvel da propriedade do credor.

Os primeiros a usarem a expressão negócio fiduciário foram os alemães Regelsberger

e Goltz que, em suma, entendiam que esses negócios fiduciários eram compostos por dois

contratos, sendo um real positivo, pelo qual operava­se a transferência de um direito de

propriedade ou de um crédito e outro sendo um contrato obrigatório negativo, em que o

fiduciário teria o ônus de restituir ao fiduciante, ou de transferir a terceiros o direito que

recebeu em confiança.

Dessa concepção, em que o negócio fiduciário era composto de dois contratos,

recebeu a denominação de dualista.

Já a concepção monista do negócio fiduciário, era defendida por Grasseti, isso por

volta de 1936, onde o mesmo entendia que tal negócio era unitário e causal, caracterizado pela

14

causa fiduciae, onde a transferência da propriedade operava­se sob a condição resolutiva

como garantia de realização de um crédito.

Diante disto, a aproximidade entre os institutos da fidúcia Germânica e a da fidúcia

romana é imensa, distinguindo­se pois, por alguns pontos, que, podem ser assim enumerados

por José Carlos Monteiro Alves:

“A fidúcia de origem romana constituía­se em forma de garantia. Era mais benéfica ao credor, dando maior segurança e deixando, em contrapartida, o devedor praticamente desprotegido, salvo o direito à indenização, impossibilitando­o de perseguir o bem onde quer que se encontre. Na fidúcia de construção germânica, o fiduciante, após cumprida a sua obrigação, tinha o direito de seqüela, i.e., o de reivindicar o bem das mãos de quem o detivesse. Ainda que o fiduciário não agisse com honestidade ou lealdade, deixando de zelar pela boa guarda e conservação do bem entregue em garantia, o devedor não ficaria adstrito à indenização, tendo a faculdade de ir em busca da coisa. Daí a razão porque no negócio fiduciário do tipo germânico, não há, como no tipo romano, risco limitado pela fides.” 1

1.3­ Direito Inglês

No direito inglês, tal instituto era caracterizado pelas figuras do trust receipt e do

chattel mortgage. Este instituto foi absorvido por várias legislações, como sendo um acordo

de boa­fé, bilateral, caracterizado pela confiança que uma das partes deposita na outra, onde o

devedor aliena um bem fiduciariamente ao credor, como garantia do cumprimento de uma

determinada obrigação por parte do devedor, que uma vez satisfeita, deverá restituir

automaticamente ao devedor a propriedade de tal bem, pois cessadas foram as causas que

motivaram a instituição daquela garantia.

1.4­ Direito Brasileiro

Após décadas de práticas de negócios fiduciários inominados, sem a devida proteção

legal que normatizasse tal relação, constatou­se o aparecimento da fidúcia no Direito Positivo

como instituto de segurança típico, com estrutura legal ostensiva de garantia, através da Lei n.º

4864/65 (Lei de estímulo à Industria de Construção Civil), sob a forma de cessão fiduciária de

1 ALVES, José Carlos Moreira, Direito Romano, v. II. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 244

15

crédito, e da Lei n.º 4728/65 ( Lei de Mercado de Capitais), sob a forma de alienação fiduciária

em garantia.

No ano em que estas leis foram criadas, a política interna do país passava pela

ditadura militar, onde uma das prioridades foi o desenvolvimento expansivo industrial.

Outros dois fatores somaram para o aparecimento de tal instituto, que foram a baixa

capacidade aquisitiva da população para compra de bens de consumo duráveis e a

constatação da ineficiência das formas tradicionais de garantias já existentes. 2

Foi neste contexto que surgiu a Alienação Fiduciária em Garantia, visando

impulsionar a indústria brasileira, principalmente a de eletrodomésticos e de veículos

automotores, através de financiamento destes bens, gerando assim, uma alta circulação no

Mercado de Capitais.

Mesmo assim, as falhas não tardaram a aparecer, demonstrando o total despreparo

jurídico do dispositivo em relação a eventuais lides que pudessem ser instauradas mediante os

milhares de contratos que estavam sendo celebrados entre as financeiras regularmente

registradas perante o Banco Central e milhares de cidadãos que a esta nova relação aderiram,

no caso de mora ou inadimplência das obrigações pactuadas.

Foi neste contexto que surgiu o Decreto­Lei n.º 911/1969 para suprir as lacunas e

imprecisões técnicas do artigo 66 da Lei n.º 4728/65. Apesar de determinadas disposições

acerca do assunto ficarem mais precisas, muitas dúvidas ainda remanescem, sem de fato, ter

uma precisão a respeito delas.

Não obstante o surgimento do Decreto­Lei n.º 911/69, em 03/08/2004 foi publicada a

Lei n.º 10931 que deu nova redação aos parágrafos do artigo 3º do referido decreto, referente

aos procedimentos da ação de busca e apreensão, mais precisamente quanto a atitude do réu

na referida ação. Mas, mesmo com as alterações dadas pela Lei n.º 10931/04, é cristalino a

inconstitucionalidade de alguns dispositivos nela elencados, o que serão abordados em tema

próprio durante este trabalho.

2 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituto de Direito Civil. v. IV, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 291

16

17

CAPÍTULO II

DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS DADO EM GARANTIA

Emprega­se a alienação fiduciária mais freqüentemente por fim de garantia. A relação

jurídica constituída pelo negocio jurídico da alienação fiduciária em garantia acaba sendo

típica, não se confundindo com o penhor, o mandato ou mesmo com o deposito.

O fiduciário passa a ser o dono dos bens alienados pelo fiduciante, adquire por

conseguinte, a propriedade desses bens, mas como, no próprio titulo de constituição desse

direito, esta estabelecida a causa de sua extinção, seu titular tem apenas propriedade restrita e

resolúvel. O fiduciário não é proprietário pleno, senão titular de um direito sob condição

resolutiva.

Ao lado de discussões acerca da existência do desdobramento da posse, os juristas

ferrenhamente questionavam qual seria, na hipótese de não solvido o débito no termo, pelo

devedor, o remédio jurídico hábil para o credor retomar o bem e efetivar sua venda. Enquanto

alguns sustentavam a possibilidade do manejo das ações possessórias, outros defendiam o das

petitórias, tais como a reivindicatória (ainda que nada célere, por ser regida pelo procedimento

ordinário). Por fim, houve até aqueles que defendiam a utilização da ação de depósito, tese

esta, aliás, altamente combatida pelos Tribunais.

Com a clareza que lhe é peculiar, o Ministro do Supremo Tribunal Federal J. C.

MOREIRA ALVES elucidou sucintamente, o grande problema existente naquela época:

“Em face da controvérsia, começou a haver o risco de o instituto da alienação fiduciária ser marginalizado, porquanto, na prática, a garantia dele decorrente não tinha a eficácia que seria mister para efetivamente dar maior proteção ao crédito. Por isso, sentiu­se a necessidade ­ de que se fizeram intérpretes, principalmente, as associações de entidades financeiras ­ de lei nova que disciplinasse convenientemente esse aspecto processual. E, com efeito, veio ao encontro dessa exigência o Decreto­lei n° 911, de 1° de outubro de 1969" 3

Embora não elencado no art. 674, do Código Civil, como direito real ­ ao contrário

do que ocorre com a hipoteca, mas a exemplo do que ocorre com a alienação fiduciária em

garantia ­, o compromisso de compra e venda surgiu através do Decreto­Lei nº 58, de 10 de

dezembro de 1937 (Ver Lei nº 649, de 11 de março de

1949 e Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979), como forma de proteção aos

compradores terrenos loteados, contra eventuais alienações ou onerações dos lotes

3 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil : direito das coisas. 10ª ed. São Paulo : Saraiva, 1971, p. 323

18

comprometidos.

Todavia, não obstante tal modalidade de proteção fosse de rápida constituição e, ex vi do art.

5o da aludida norma, sua averbação conferisse ao compromissário direito real oponível a

terceiros, havia um fator que impedia seu sucesso. Com efeito, a morosidade do processo

judicial para retomada do imóvel era um obstáculo ao interesse das partes, a exemplo do que

sucedia na hipoteca e nos contratos de compra e venda com cláusulas resolutivas como o

pacto comissório.

Já o leasing, regulado apenas tributariamente pela Lei nº 6.099, de 12/09/74, admite a

possibilidade, através do lease back, de contratar­se o arrendamento de bem imóvel, conforme

já decidiu a jurisprudência, in verbis: "O contrato de arrendamento mercantil pode ter por

objeto bem imóvel, sendo que, com o seu descumprimento, tem a arrendadora a sua disposição

os interditos possessórios ­ STJ, REsp. 28.925/RJ" (MEZZARI, Mario Pazutti. Alienação

Fiduciária da lei n. 9.514, de 20­11­97 : doutrina modelos legislação. São Paulo : Saraiva,

1998, p. 9).

Em que pese esta modalidade mista de contrato ­ que envolve locação, mandato,

compra e venda e mútuo ­ pudesse constituir­se na espécie de garantia imobiliária mais eficaz

na que todas as outras formas de proteção do crédito, duas restrições, uma de cunho legal e

outra jurisprudencial, impediram seu uso freqüente.

Com efeito, o art. 1º da Lei nº 6.099/74, com a redação da Lei nº 7.132/83, permitiu que

apenas a pessoa jurídica figurasse como credor. De outra senda, os Tribunais passaram a

entender que seu objeto deveria ser apenas o imóvel pronto para o uso, conforme se observa:

"Somente se caracteriza como arrendamento mercantil a operação cujo uso sejam bens móveis

ou imóveis prontos para serem utilizados [...] Inexiste arrendamento mercantil, para efeitos

tributários, sem que o objeto deste esteja em condições de ser utilizado ­ STJ, REsp.

78.022/PR" (Ibid., infra).

Com o intuito de disciplinar o Mercado de capitais e estabelecer medidas para o seu

desenvolvimento, o instituto, ora analisado, encontra amparo na Lei n.º 4.728 de 14/07/1965,

especialmente no seu artigo 66, modificado pelo Decreto­Lei n.º 911 de 01/10/1969, o qual

estabeleceu medidas procedimentais e processuais ao instituto sob exame, e que hoje,

encontra­se modificado pela Lei n.º 10.931 de 03/08/2004.

19

2.1­ Da inconstitucionalidade Decreto­Lei n.º 911 de 01/10/1969.

Com o advento de nossa novel Carta Política, levantaram­se respeitáveis

posicionamentos na esfera jurisprudêncial no sentido de que o artigo 5º, incisos LIV e LV,

teriam determinado a revogação do Decreto­Lei n.º 911/69, além do que este diploma legal

emergiria de um período revolucionário e de exceção, não sendo, portanto, compatível com os

novos tempos e ventos democráticos.

Os ensaios efetuados, em realidade não prosperaram, sendo reformados em instâncias

superiores.

A primeira observação que se haverá de fazer é o fato jurídico de que inexiste

qualquer tipo de revogação expressa nesse contexto, seja na Nova Carta, seja em diplomas

ulteriores ao Decreto­Lei n.º 911/69.

Por outro lado, não podemos olvidar que mesmo a lei nova, quando estabelece

disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga e nem modifica a lei anterior

(Artigo 2º, § 2º da Lei de Introdução ao Código Civil).

De outra parte, a revogação e/ou a incompatibilidade no que diz respeito a um

dispositivo (restrições e/ou limitação à defesa), não implica, necessariamente, a revogação do

todo.

Dúvidas não há, pois, quanto a prevalência em nosso ordenamento jurídico, do

diploma legal em destaque.

Compartilhamos do entendimento de que no campo da defesa do réu há injusta

restrições, pois, nada mais plausível do que lhe assegurar amplitude em sua contestação, sem

restrições, permanecendo o juiz livre na apreciação da matéria, considerando­se o prazo de 5

(Cinco) dias para o oferecimento da resposta prevista para a “mesma” medida cautelar do

Código de Processo Civil, até porque o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando

lacuna ou obscuridade da lei, estando autorizado a recorrer à analogia, ou se o achar

demasiado exíguo, em face da ausência da ação principal, porquanto a medida possui natureza

satisfativa, que se estenda ao requerido o prazo máximo de 15 (Quinze) dias atribuído ao rito

ordinário.

20

Como será visto no decorrer desta monografia, o entendimento supra, em agosto de

2004, mais precisamente com a publicação e a entrada em vigência da Lei n.º 10.931, alterou o

prazo para a defesa do réu, atendendo em parte, os vários entendimentos quanto as várias

restrições à defesa do réu.

Assim, o fundamento de que ninguém será privado de seus bens sem o devido

processo legal não vinga porque: a) este resultará instaurado, assegurado o contraditório; b) a

mais ampla defesa com a utilização de todo gênero de provas em direito admitido estará

preservado e; c) o bem reivindicado não pertence ao réu na ação de busca e apreensão em

foco. Se resultar dele privado não o será na propriedade e sim na posse.

Dessa forma, nunca se haverá de subtrair ao credor meio que a lei lhe garante para

buscar o bem que lhe pertença, na falta de pagamento com constituição prévia em mora do

devedor.

Portanto, apesar da minoria pensar contrariamente ao nosso humilde entendimento,

cremos que o Código de defesa do Consumidor, bem como a Carta Magna de 1988, não

revogaram o Decreto­Lei em estudo, tanto é verdade, que a mesma está em vigor até os dias

de hoje. A publicação e a entrada em vigência da Lei n.º 10.931/04, que alterou alguns

dispositivos do Decreto­Lei n.º 911/69, reforça o entendimento da maioria, em que o Decreto­

Lei n.º 911/69 não foi revogado, nem expressamente e, tão pouco tacitamente.

2.2­ Da Cláusula Comissória

A cláusula em comento, está indiscutivelmente vedada no nosso ordenamento

jurídico, onde encontramos previsão legal no artigo 1.365 do nosso Código Civil Brasileiro, in

verbis:

“É nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento.” 4

Assim, retomado o bem liminarmente e, transcorrido in albis, o prazo para que o

devedor purgue a mora para reaver o bem, o credor deve vender o bem para que o saldo dessa

venda seja aplicado no pagamento do seu crédito.

4 BRASIL. Constituição Federal, código civil, código de processo civil / organizador Yussef Said Cahali. ­ 4. ed. ver., atual. e ampl. ­ São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pg. 127.

21

Sobre o tema, o mestre Luiz Augusto Beck da Silva:

“Ficar com o objeto da garantia caso a dívida não seja paga, no vencimento, ordinário ou extraordinário, o fiduciário efetivamente não pode. A legislação que instituiu a Alienação Fiduciária em Garantia entre nós não inovou no particular. Nessas condições, a venda a terceiros é imperativa, podendo efetivar­se desde logo, buscando e apreendido o bem, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvando disposição expressa em contrário prevista, no contrato.” 5

Portanto, impossível a referida cláusula nestes tipos de contratos.

2.3­Da Cláusula Resolutiva

Tal cláusula, prevista no artigo 1359 do Código Civil Brasileiro, busca, em que pese

vários entendimentos, satisfazer ou até mesmo, proteger, o crédito do credor fiduciário.

Abaixo transcrevemos o artigo 1.359 do Código civil, senão vejamos:

“Resolvida à propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem­se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha.” 6

O artigo 3º do Decreto­Lei n.º 911/69, com a alteração dada pela Lei n.º 10.931/04,

assim prescreve: “O proprietário fiduciário ou credor poderá requerer contra o devedor ou terceiro, a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor.” 7

Dos artigos acima expostos, vale dizer que, a cláusula resolutiva se operará no caso

de inadimplência contratual por parte do devedor fiduciário, uma vez que o referido contrato

só se extinguirá a favor do devedor caso haja o pagamento total da dívida.

2.4­Da Impenhorabilidade do Bem Alienado

5 SILVA, Luiz Augusto Beck da. Alienação fiduciária em garantia, Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 115. 6 BRASIL. Constituição Federal, código civil, código de processo civil. Op. cit., pg. 126. 7 Ibdem, p. 595.

22

Muito embora não esteja previsto no rol dos bens absolutamente impenhoráveis do

artigo 649 do código de processo Civil, o bem gravado com cláusula de alienação fiduciária é,

por unanimidade, impenhorável.

Para reforçar o acima exposto, trazemos a baila o julgado da 2ª Turma do Supremo

tribunal Federal, in verbis:

“O bem alienado fiduciariamente não pode ser penhorado, pois não é propriedade do devedor e, sim, do credor. Muito embora seja proprietário resolúvel e possuidor indireto, dispõe o credor das ações que tutelam a propriedade de coisas móveis e pode recorrer às ações possessórias, entre as quais, os embargos de terceiro.” 8

Da mesma forma, descabe ao devedor fiduciante pretender oferecer em garantia o

bem do qual detém simplesmente a posse.

8 JURISPRUDÊNCIA. REsp 88.059. Disponível em http//:www.stf.gov.br. Acesso em 15 fev. 2006.

23

CAPÍTULO III

DOS REQUISITOS PARA A VALIDADE DA RELAÇÃO JURÍDICA NA

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Os requisitos devem ser aqueles insculpidos no artigo 104 do Novo Código Civil, ou

seja, agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. Requisitos estes que

devem estar presentes em todas as relações jurídicas.

3.1­ Sujeitos da Relação

Sujeito Ativo: é aquele que detém a propriedade do bem que fica em poder do

devedor, portanto, a posse indireta do bem.

Para Luiz Augusto Beck da Silva,

“sujeito ativo do negócio jurídico que se estabelece entre as partes contratantes é, em regra, a Pessoa Jurídica que concede o empréstimo, denominada sociedade de crédito, financiamento e investimento ou simplesmente instituição financeira, aí incluídas os bancos comercias.” 9

Orlando Gomes entende que “a posição do fiduciário é ocupada, neste negócio

jurídico, pelas sociedades de crédito e financiamento autorizadas a funcionar pelas

autoridades monetárias do país.” 10

Já Guilherme Guimarães Feliciano 11 entende ser possível de se figurar como credor

fiduciário em um contrato de alienação fiduciária em garantia todas as instituições financeiras

em sentido amplo, fiscalizadas que são pelas autoridades do Banco Central do Brasil (assim, as

sociedades financeiras stricto sensu, as entidades bancárias comerciais e de investimentos,

aquelas que realizam operações de consórcio, etc.).

Sujeito Passivo: é aquele que detém a posse direta do bem dado em garantia.

Para Guilherme Guimarães Feliciano,

“Chama­se fiduciante a pessoa(Física ou Jurídica) que figura na relação jurídica creditícia paralela como devedora, e que aliena um bem de sua propriedade ao

9 SILVA, Luiz Augusto Beck da. Ob. cit., p. 51 10 GOMES, Orlando. Alienação Fiduciária em Garantia, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 56 11 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tratado de alienação fiduciária em garantia. São Paulo: LTr, 1999, p. 287.

24

credor daquela mesma relação, com fito de garantir a satisfação do crédito. Na alienação fiduciária, diz­se ocupar o polo passivo.” 12

Luiz Augusto Beck da Silva diz que:

“O sujeito passivo está representado pela pessoa(Jurídica ou Física) que vai em busca do crédito, também identificado por consumidor, comprador, financiado, mutuário, alienante, fiduciante, possuidor direto, usuário, devedor fiduciante, depositário, ou simplesmente devedor.” 13

3.2­ Forma

O artigo 66, da Lei n.º 4.728, de 14 de junho de 1965, determina que o contrato de

alienação fiduciária em garantia será escrito, afastando assim a possibilidade do mesmo ser

celebrado de forma verbal.

Disso, podemos dizer que o instituto da alienação fiduciária em garantia é formal, pois

exige forma prescrita em lei.

Além de ser escrito, o mesmo deve ser por instrumento público ou particular.

No que pertine a obrigatoriedade do arquivamento do contrato no cartório de

Registro de Títulos e Documentos, deixaremos para enfocarmos no próximo item, vez que

muito discutido pala doutrina e inclusive na jurisprudência.

Posto isso, resta elencarmos o que deverá conter no respectivo instrumento:

⇒ O total da dívida e sua estimativa;

⇒ O local e a data de pagamento;

⇒ A taxa de juros, as comissões cuja cobrança for permitida e, eventualmente, a

cláusula penal e a estimativa de correção monetária, indicando­se os índices aplicáveis;

⇒ Descrição do bem objeto da alienação fiduciária, com os elementos indispensáveis

à sua identificação.

3.3­ Da comprovação da alienação fiduciária perante terceiros.

Assunto bastante discutido nos tribunais pátrios, o presente tema acarreta várias

discórdias entre doutrinadores, magistrados, advogados, etc..

12 Ibdem, p. 266 13 SILVA, Luiz Augusto Beck da. Ob. cit., p. 56

25

Neste assunto, o que se deve ter em mente, é o fato da publicidade do ato em si, ou

seja, se é mesmo necessário o registro do contrato para que a garantia prevaleça sobre a

vontade de terceiros.

Alguns magistrados deste Estado, quando não indefere a inicial de busca e apreensão

de plano, por entenderem que o decreto­lei em comento não fora recepcionado pela Carta

magna de 88, determinam que a inicial seja emendada com a prova do registro do contrato

para que a possível apreensão do bem seja oponível contra terceiros, caso o bem esteja na

posse deste.

Não obstante, outros magistrados, e diga­se, a grande maioria, entendem que se a

mora fora constituída e está comprovada, basta para o deferimento da liminar, pois, a simples

avença entre as partes signatárias, é perfeita e plenamente válida.

Assim, Guilherme Guimarães Feliciano diz:

“ (...) a não observação do arquivamento do instrumento contratual, segundo os termos do mesmo dispositivo, apenas acarreta a “pena” da inoponibilidade a terceiro deste mesmo contrato.

Por conseguinte, um tal arquivamento não é propriamente obrigatório, sendo apenas uma condição para eficácia do contrato perante terceiros; para valer inter partes, porém, de nada necessita. Em função disto, compreende que o registro não é de caráter constitutivo do negócio, nem funciona como meio de aquisição do domínio fiduciário. É formalidade exigida simplesmente para fins de prova, para surtir efeitos em relação a terceiro.” 14

Para José Carlos Moreira Alves, que defende o caráter constitutivo do registro

indicado pela lei em seu artigo 66, § 1º, “a garantia real resultante do contrato de alienação

fiduciária(propriedade fiduciária) somente é oponível contra terceiros após o registro; por

conseguinte, direito real, propriamente, só há após a atividade registrária.” 15

Luiz Augusto Beck da Silva se pronuncia assim:

“A falta do registro, todavia, que se dá no interesse do credor, determinará que em caso de venda do bem por parte do devedor, esta será considerada boa, firme e valiosa, subsistindo em prol e em benefício do terceiro adquirente em nome e em proteção ao princípio da boa­fé e da teoria da boa aparência, não havendo que se aduzir, portanto, em decorrência, à figura do depositário infiel e, muito menos á sua prisão civil, até porque o direito não socorre a quem dorme, bem o sabemos.” 16

14 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Ob. cit., p. 362 15 ALVES, José Carlos Moreira. Ob. cit. p. 77 e segs. 16 SILVA, Luiz Augusto Beck da. Ob. cit,. p. 70

26

Pelo que podemos observar dos posicionamentos dos juristas acima informado, para

que o contrato de alienação fiduciária em garantia valha contra terceiros é indispensável o

registro do contrato no Cartório de Registro de Títulos e Documentos.

Decisão interessante, bem lógica e, na nossa humilde opinião, justa, foi a prolatada

pelo Tribunal de Alçada de Minas Gerais que segue: “Alienação Fiduciária ­ Busca e Apreensão ­ Veículo Transferido a Terceiro ­ Gravame Constante no Detran ­ Possibilidade de se Opor a Alienação Fiduciária ao Adquirente. Tratando­se de ação de busca e apreensão prevista no DL 911/69, e tendo sido o bem transferido a terceiro, deve­se verificar se o gravame foi registrado no Detran, pois isso torna a alienação fiduciária oponível a terceiros, ainda que de boa­fé. Cumprido tal requisito, cumpre determinar o cumprimento da liminar, com a expedição de carta precatória.” 17

Como vimos, se constar no documento do veículo a alienação fiduciária a favor do

credor, atendido estará o requisito da publicidade, pois, como é sabido, o tal registro do

contrato em cartório serve apenas para dar publicidade ao ato.

E para sacramentar a matéria ora discutida, o superior tribunal de Justiça assim já se

manifestou sobre o tema:

“ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. VEÍCULO AUTOMOTOR. ANOTAÇÃO NO CERTIFICADO DE REGISTRO DO VEÍCULO. DETRAN. PUBLICIDADE. INEXIGIBILIDADE DE REGISTRO CARTORIAL PARA EXPEDIÇÃO DO DOCUMENTO DO VEÍCULO. 1. A exigência do registro em cartório do contrato de alienação fiduciária não é requisito de validade do negócio jurídico. Para as partes signatárias a avença é perfeita e plenamente válida, independentemente do registro que, se ausente, traz como única conseqüência a ineficácia do contrato perante o terceiro de boa­fé. Inteligência do art. 66, § 1º, da Lei n.º 4728/65, com redação dada pelo Decreto­Lei n.º 911/69, e do art. 129, item 5º, da Lei n.º 6015/73. 2. O código Nacional de Transito(Lei n.º 9503/97), ao disciplinar as regras de expedição dos Certificados de Registro de veículo(art. 122 e 124), não prevê como peça obrigatória a ser apresentada o contrato de alienação fiduciária registrado. 3. Ao interpretar sistematicamente o dispositivo nos §§ 1º e 10, do art. 66 da Lei n.º 4728/65, c/c os arts. 122 e 124 da Lei n.º 9503/97, e prestigiando­se a ratio legis, impende concluir que, no caso de veículo automotor, basta constar do certificado de Registro a alienação fiduciária, uma vez que, desse modo, resta plenamente atendido o requisito da publicidade. 4. destarte, se alei não exige o prévio registro cartorial do contrato de alienação fiduciária para a expedição de certificado de Registro de Veículo, com anotação do gravame, não há como compelir a autoridade do detran a proceder como quer o recorrente. 5. Recurso Especial improvido” . 18

17 JURISPRUDÊNCIA, RAI n.º 0363085­9/2002 Cunha. Disponível em www.tac.mg.gov.br Acesso em 10 mar 2006. 18 JURISPRUDÊNCIA. Resp. 278.993. Disponível em: http//:www.stj.gov.br. Acesso em 15 mar 2006.

27

Do corpo do acórdão se extrai: “(...) Destaque­se que, com a anotação do gravame no documento do veículo, a almejada publicidade é atingida com muito mais eficácia, uma vez que qualquer um interessado em adquirir um veículo poderá, sem maiores dificuldades, verificar a situação do bem. Por oportuno, vale ainda destacar o caráter fictício do registro realizado no cartório. Tanto é assim que este tribunal, depois de várias discussões e julgados, preocupado com a efetiva proteção dos adquirentes de veículos, fez editar a súmula n.º 92, in verbis: A terceiro de boa­fé não é oponível a alienação fiduciária não anotada no certificado de Registro do veículo automotor. Vale dizer: mesmo que devidamente registrado o gravame no cartório, se não constar a mesma anotação no certificado de Registro do veículo automotor, a alienação fiduciária não é oponível a terceiro de boa­fé. Parece­me nítida a intenção do verbete sumular de valorizar a publicidade mais efetiva que se obtém com a anotação no documento do veículo. (...) Afinal, a idéia é tornar público o contrato e não garantir emolumentos para os Cartórios de Títulos e Documentos.” 19

Com a devida vênia, discordo daqueles que defendem a tese de que se o contrato da

alienação fiduciária não for registrado, a cláusula que dá ao credor o direito de reaver o bem

em caso de inadimplência do devedor, de nada valerá contra aquele que estiver na posse do

bem.

Concordo sim, com o entendimento jurisprudêncial acima exposto, vez que, com a

simples anotação do gravame no certificado do veículo, o requisito da publicidade estará

amplamente atendido, e por isso, oponível contra todos, pois entendo ser mais fácil saber se o

veículo que se pretende adquirir possui restrições verificando o seu certificado, do que ir a um

cartório requerer uma certidão para verificar tal restrição.

Assim, a simples anotação do gravame no certificado do veículo automotor junto ao

Detran, é capaz de atender de forma muito mais ampla e simples o princípio da publicidade, o

que faz com que o credor possa se por contra o terceiro, mesmo que este esteja de boa­fé.

3.4­ Do objeto da alienação fiduciária

Luiz Augusto Beck da Silva assim se posiciona: “Bem móvel por natureza (res mobilis), material ou corpóreo, particular, singular, infungível, durável e inconsumível, indivisível e alienável. Nessa linhagem situam­ se o automóvel, os utilitários em geral, o caminhão, o trator, a colheitadeira, etc., os aparelhos eletrónicos e os eletrodomésticos em geral. 20

19 JURISPRUDÊNCIA. Resp. 278.993. Disponível em: http//:www.stj.gov.br. Acesso em 20 mar 2006. 20 SILVA, Luiz Augusto Beck da. Ob. cit., p. 60

28

Do conceito acima, chegamos a conclusão de que só os bens móveis são suscetíveis

de garantia sob o prisma da alienação fiduciária.

Durante um longo tempo, duas questões foram bastantes debatidas pelos

doutrinadores e inclusive nos tribunais pátrios, quais sejam, se os bens imóveis e os bens

fungíveis poderiam ser objetos da alienação fiduciária.

Quanto a possibilidade dos bens fungíveis serem objetos de garantia da aludida

alienação, existem atualmente quatro correntes que passamos a descrevê­las.

A primeira não admite que os bens fungíveis sejam objeto de alienação fiduciária, a

qual se filiam Paulo Restife Neto, Luiz Augusto Beck da Silva e Orlando Gomes, pois

entendem que o bem fiduciariamente alienado deve ser certa e corpórea, coisa identificável por

sinais característicos, pelo número e série de fabricação, pela marca de fábrica, enfim, por

qualquer signo indicativo.

A segunda corrente representada pelo STF, através de inúmeros acórdãos, admite a

fungibilidade pura e simples, sem restrições.

Uma terceira corrente, adotando posição intermediária ou mais flexível, entende

incabível a alienação fiduciária de coisa móvel fungível sempre que ela decair sobre mercadoria

destinada a comercialização.

Luiz Augusto Beck da Silva esclarece o exposto acima:

“Somente os bens destinados à venda ou as coisas consumíveis nas operações que configurem a consecução dos fins da empresa não estariam abargados pela alienação fiduciária em garantia prevista na Lei n.º 4.728/65, com a nova redação que lhe foi dada pelo Decreto­Lei n.º 911/69, admitida a garantia sobre os demais bens fungíveis.” 21

Já a quarta corrente admite tanto os bens fungíveis quanto os infungíveis.

No tocante a possibilidade dos bens imóveis servirem à alienação fiduciária,

indiscutível essa possibilidade, pois, todos as características elencadas no conceito dado ao

início deste capítulo/índice, estão satisfeito, não tendo razão nenhuma a demora na elaboração

da Resolução n.º 2.480 de 26 de março de 1.998, que regulou o instituto ora discutido.

Assim, entendemos que tanto os bens móveis e imóveis são suscetíveis de alienação

fiduciária em garantia. Não concordamos que os bens fungíveis sejam abarcados pelo presente

instituto, tendo em vista que o mesmo pode ser substituído por outro, o que não é aceito

quanto aos bens infungíveis.

21 SILVA, Luiz Augusto Beck da. Ob. cit., p. 65

29

3.5­ Dos direitos e deveres do fiduciário

Como toda relação jurídico gera direitos e deveres para as partes contratantes, ao

credor fiduciário podemos elencar os seguintes ônus e direitos, senão vejamos:

a) Disponibilizar o valor do financiamento devedor­alienante;

b) Pagar ao depositário as despesas feitas com a coisa e os prejuízos que do depósito

provierem;

c)Respeitar o uso regular da coisa pelo alienante, não o molestando, nem se

apropriando dela, eis que vedada a cláusula comissória, devendo vendê­la a terceiros;

d) Comprovar a mora ou o inadimplemento do devedor, se quiser valer­se da Ação de

Busca e Apreensão;

e) Aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito;

f) Repassar ao fiduciante o que sobejar da importância apurada com a venda do bem;

g) Transferir a propriedade ao fiduciante após quitada integralmente o contrato.

Dentre os principais direitos podemos elencar:

a) Tornar­se proprietário resolúvel da coisa;

b) Poder vender a coisa a terceiro, no caso de inadimplemento, independente de

leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo

disposição expressa em contrário;

c) Considerar vencidas todas as obrigações contratuais, nas situações previstas em lei;

d) Fazer uso da Ação de Busca e Apreensão, desde que comprovada a mora ou o

inadimplemento do devedor, podendo convertê­la em ação de depósito se o bem não for

localizado;

e) Poder recorrer à via do processo de execução;

f) Valer­se dos Embargos de Terceiro se o bem que lhe foi alienado for penhorado

por outro credor;

g) habilitar o seu crédito no inventário ou arrolamento de bens do de cujus.

30

3.6­ Dos direitos e deveres do fiduciante

Podemos elencar como deveres do devedor, entre outras pactuadas:

a) Pagar pontualmente sua dívida;

b) Não alienar, nem dar em garantia a terceiro mercê da posse direta que possui da

coisa, sob pena de tipificação delituosa.

Em contrapartida, entre os principais direitos do devedor estão:

a) Exercer a posse direta do bem, usando­o, gozando­o e fruindo­o como se fosse

seu;

b) Receber o saldo porventura apurado com a venda da coisa a terceiro;

c) Requerer a purgação da mora, independentemente de já ser pago 40% do preço

financiado;

d) Obter a liberação do bem pelo credor, por ocasião do pagamento integral da

dívida;

e) Lançar mão da Ação de Consignação em Pagamento;

f) Utilizar­se das ações possessórias, atendidos os pressupostos legais de cada uma;

g) Reconvir, se for o caso;

h) Apelar da sentença, obtendo o efeito meramente devolutivo.

31

CAPÍTULO IV

DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO

A ação de busca e apreensão visa reaver o direito a coisa que esta sendo perdida por

algum motivo, como a falta de pagamento de um bem dado em garantia.

O artigo 3º do Decreto­Lei 911, de 1º­10­1969 salienta que: “O proprietário ou

fiduciário ou credor poderá requerer contra o devedor ou terceiro busca e apreensão” (Dec­

Lei nº911 de 1­10­1969).

“ Para a tutela especifica ou para a obtenção do resultado pratico equivalente, poderá

o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e

pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, de requisição de forca

policial “(Lei n. 8.078 de 11­09­1990, art. 84 § 5º)

Muito se tem discutido, não só no caso da ação de busca e apreensão, mas também

nos casos em que as ações de cunho cautelar se satisfazem com o cumprimento da medida

pleiteada, uma vez que não necessitam da propositura da ação principal, tendo em vista a falta

de acessoriedade, característica essa, das referidas ações cautelares.

É sabido que no processo cautelar basta a comprovação dos seus requisitos, quais

sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora, para que seja concedida a decisão cautelar.

Já no que concerne as ações de conhecimento, a figura passa a ser outra, ou seja, caso o autor

da ação queira a coisa/bem de forma antecipada e provisória do seu pedido, deverá valer­se do

instituto insculpido no art. 273 do Código de Processo Civil, qual seja, o pedido de

antecipação dos efeitos da tutela pretendida.

Muito embora todos sabem que é da essência das ações cautelares a acessoriedade,

em que no prazo de 30 dias deverá o autor propor a chamada ação principal para que o pleito

cautelar não venha decadênciar, há hipóteses em que poderá ajuizar a ação cautelar com

objetivo de medida de cunho satisfatório, excluindo assim a possibilidade de ingresso da ação

principal.

É o que ocorre no caso da ação de busca e apreensão, vez que processada, data

vênia às opiniões contrárias, pelo procedimento cautelar.

Ora, concedido o pedido de busca e apreensão do bem, o autor já se encontrará

satisfeito com a recuperação do bem, uma vez que não terá a intenção de interpor outro

processo.

32

Assim se pronuncia a jurisprudência: “Busca e Apreensão. Efeito Satisfativo. Contrato de comodato. Retenção de mercadorias pela comodatária. Pretensão da autora que se extingue com a entrega de bens de sua legítima propriedade. Desnecessidade da propositura da ação principal, vez que inexistem quaisquer negócios subjacentes a serem apreciados. Inaplicabilidade dos artigos 806 e 808 CPC. Ementa da redação: A medida cautelar de natureza satisfatória dispensa a propositura de ação principal, não incidindo o disposto nos artigos 806 e 808 do CPC, posto que este último aplica­se somente às medidas cautelares que acarretam ofensa à esfera jurídica da parte contrária.” 22

“A busca e apreensão, quanto à natureza, pode ser medida satisfativa ou cautelar. Na primeira hipótese, serve à correta realização de um direito, se exaure com a entrega dos bens, dispensada a propositura da ação principal, não incluindo o disposto nos arts. 806 e 808 do CPC. Na segunda hipótese, serve à função de assegurar o estado de fato necessário à situação útil e eficiente do processo principal.” 23

“Alienação Fiduciária ­ Ação de Busca e Apreensão ­ Medida Satisfativa ­ Liminar Deferida ­ Ação principal não proposta no prazo da lei processual. Sua dispensa por inútil e desnecessária. Venda de veículo cujo pagamento se efetuou mediante cheque sem fundo. Não incidência dos artigos 806 e 808 do CPC, diante da falta de prejuízo, real ou potencial, ao requerido.” 24

Analogicamente:

“Sendo a busca e apreensão de menor medida de caráter satisfativa, não incide o art. 801, inciso III, do CPC.” 25

Valendo à abordagem do tema em si, podemos definir as ações cautelares como

processos formais dependentes de iniciativa de parte e contraditório, diferentemente das

medidas cautelares, distintamente, podem ser determinadas ex ofício pelo juiz, a seu critério e

em virtude de circunstâncias ocorrentes no processo.

Em outras palavras, enquanto a liminar é a entrega antecipada e provisória do pedido,

tendo, assim, caráter satisfativa, as providências cautelares são como que neutras com relação

ao resultado do processo, ou de seu desfecho, inspiram­se pela prevenção, vez que buscam

assegurar o resultado útil do processo, ou seja, cuidam do êxito da execução futura.

4.1­ A ação cautelar

22 JURISPRUDÊNCIA. RAC. 435.844­00. Disponível em: http//:www.tj.sp.gov.br. Acesso em 10 mar 2006 23 JURISPRUDÊNCIA. RAC. 435.844­03. Disponível em: http//:www.tj.sp.gov.br. Acesso em 15 mar 2006 24 JURISPRUDÊNCIA. RAC. 354.005. Disponível em: http//:www.tj.sp.gov.br. Acesso em 22 mar 2006 25 JURISPRUDÊNCIA. RAI. 31.601­0. Disponível em: http//:www.tj.pr.gov.br. Acesso em 25 mar 2006

33

A ação cautelar é autônoma em relação à ação principal. Entretanto, há entre ambas

uma relação de acessoriedade, em face do objetivo primordial da ação cautelar, qual seja, o de

assegurar determinados bens da vida de maneira provisória, a fim de dar segurança ao processo

principal.

Contudo, tal relação encerra exceções, como no caso das ações cautelares

satisfativas, que constituem fim em si, ou seja, encerram por si mesmas e por sua natureza, a

finalidade desejada, independentemente de propositura de qualquer outra ação.

É a hipótese, verbi gratia, da produção antecipada de prova, que satisfaz o interesse

do requerente, podendo escusar­se à propositura da ação principal em que eventualmente

seriam produzidas as provas.

Sobre o assunto, transcrevemos abaixo o posicionamento do mestre e processualista

Nelson Nery Júnior:

“Há hipótese em que se ajuíza ação, pelo procedimento cautelar, com objetivo de obtenção de medida de cunho satisfativo. Neste caso é desnecessária a propositura posterior de ação principal, porque a medida se exaure em si mesma. São denominadas impropriamente pela doutrina e jurisprudência como cautelares satisfativas. Impropriamente porque não são cautelares, na verdade, já que satisfatividade é incompatível com cautelaridade. Seria mais apropriado falar­se em medidas urgentes que, tendo em vista a situação fática concreta, ensejam pedido de liminar ou pedido que se processe pelo rito do processo cautelar. É o caso, por exemplo, do pai que promove, com pedido liminar, busca e apreensão do filho que se encontra em poder de terceiros. Concedida a medida, qual a ação principal? Trata­se, no exemplo dado, de ação principal(de conhecimento) de busca e apreensão processada pelo rito cautelar. Com a introdução da tutela antecipatíva em nosso sistema(CPC 273), o problema restou melhor resolução.” 26

Em sendo assim, entendemos que a ação de busca e apreensão prevista no Decreto­

Lei n.º 911/69 deve tramitar pelo rito ordinário, tendo em vista que a liminar concedida tratar­

se de tutela antecipada pois o efeito deste instituto é antecipar o próprio pedido do autor.

E para terminar, Nelson Nery Júnior assim entende:

“Tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito é providência que tem natureza jurídica mandamental, que se efetiva mediante execução lato sensu, com o objetivo de entregar ao autor, total ou parcialmente, a própria pretensão deduzida em juízo ou os seus efeitos. É tutela satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o direito, dando ao requerente o bem da vida por ele pretendido com a ação de conhecimento. A tutela antecipada dos efeitos da sentença de mérito não é tutela cautelar, porque não se limita a assegurar o resultado prático do processo, nem a assegurar a

26 NERY JÚNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p 1069.

34

viabilidade na realização do direito afirmado pelo autor, mas tem por objetivo conceder, de forma antecipada, o próprio provimento jurisdicional pleiteado ou seus efeitos. Ainda que fundada na urgência (CPC 271, I), não tem natureza cautelar, pois sua finalidade precípua é adiantar os efeitos da tutela de mérito, de sorte a propiciar sua imediata execução, objetivo que não se confunde com o da medida cautelar(assegurar o resultado útil do processo de conhecimento ou de execução ou, ainda, a viabilidade do direito afirmado pelo autor).” 27

4.2­ Foro competente

Em regra será o domicilio do devedor, uma vez que há a presunção de que o bem,

dado em garantia, esteja na posse do mesmo, pois, caso contrário, estaríamos diante de uma

figura típica de crime previsto no Código Penal Brasileiro.

Ademais, diante da hipótese de o bem ser apreendido liminarmente, o devedor diante

da situação que se encontra, ou seja, inadimplente, pois só assim poderá ser desapossado do

bem, iria se encontrar numa situação menos vantajosa, haja vista ter que arcar com a dívida

contratual, custas processuais, honorários advocatícios e mais as despesa de locomoção, caso

pudesse o credor escolher o foro competente.

Uma situação que pode gerar dúvidas quanto ao foro competente, se reporta na

hipótese de o devedor, quando da aquisição do bem e, claro, da assinatura do contrato, estar

domiciliado em uma comarca e quando da constituição do mesmo em mora, tendo em vista sua

inadimplência, for notificado em outro domicilio, sendo este, também comarca. Neste caso,

entendemos ser mais viável o ajuizamento da ação na comarca onde o devedor foi notificado

pelos seguintes motivos: a relevância do princípio da economia processual, uma vez que se

ajuizada no antigo endereço, maior seria a possibilidade de o bem e o financiado não serem

encontrados, o que geraria uma despesa com expedição e distribuição de Carta Precatória para

cumprimento no novo endereço, sem falar que o credor, ajuizando a ação no antigo endereço

poderia ter contra si uma decisão de incompetência em razão do lugar. Outro motivo relevante

seria lógico, uma vez que se o credor forneceu o endereço do novo domicílio do devedor ao

cartório e o mesmo fora notificado, gera com este ato, uma presunção absoluta de que o

devedor realmente pode ser encontrado no local.

27 NERY JÚNIOR, Nelson. Ob. cit., p. 612/613

35

Portanto, o foro competente para se intentar a ação de busca e apreensão será sempre

o domicílio do devedor mesmo que o local do indicado na notificação seja diferente do

domicílio quando da celebração do contrato, devendo prevalecer o local da notificação.

4.3­Da legitimidade ativa e passiva

Ativa ­ o pólo ativo da ação de busca e apreensão deve ser ocupado pelo credor, pois

a ele que é dado o bem em garantia caso o devedor não cumpra com sua obrigação.

Passiva ­ ocupará o pólo passivo da ação de busca e apreensão o devedor, aquele que

tem a posse direta do bem, a pessoa física ou jurídica que tem a obrigação de pagar as

prestações assumidas no contrato.

Para que o credor tenha sucesso com a utilização da ação de busca e apreensão, deve

a petição conter, além dos requisitos exigidos no pelo artigo 282 do Código de Processo Civil,

as provas exigidas pelo Decreto­lei n.º 911/69, qual seja:

• a discriminação do bem, objeto da busca e apreensão;

• a prova da alienação fiduciária, através do contrato com a referida cláusula e;

• a prova da constituição em mora do devedor, seja pelo protesto ou pela notificação

cartorária.

Alguns magistrados entendem que é também requisito essencial para a propositura da

presente medida, que o contrato deve estar devidamente registrado, utilizando­se para tanto o

argumento de que a exigência do Registro em Cartório de Títulos e Documentos atua em

benefício do próprio credor fiduciário, na hipótese do bem se achar em mãos de terceiros, o

que ocorre na maioria dos casos. Data máxima vênia, não compartilhamos do mesmo

entendimento, uma vez que o referido registro é mera faculdade do credor, não podendo ser

frustado na busca do bem porque não registrou o contrato.

Ademais, o registro do aludido contrato traz como única conseqüência a ineficácia do

mesmo perante terceiro de boa­fé, portanto, não pode ser requisito para admissibilidade da

petição inicial, uma vez que é mera faculdade do credor.

Assim decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, in verbis:

36

“O registro do contrato de alienação fiduciária é exigido para opor­se em relação a terceiro, sendo irrelevante a sua falta para a validade entre as partes contratantes”. 28

No que tange a constituição do devedor em mora, esta é imprescindível para a

propositura da ação de busca e apreensão, conforme entendimento sumulado pelo STJ

(Sumula n.º 72).

Muito se discute quanto ao recebimento pessoal da notificação pelo devedor para

constituir o mesmo em mora.

Para os que defendem o recebimento pessoal da notificação trazemos os seguintes

julgados: “Conforme se apreende no art. 2º do decreto­lei n.º 911/69, a mora do devedor é ‘ex re’, independentemente, pois, de interpretação judicial e extrajudicial pelo credor: ‘dies interpellat pro homine’. Contudo, prevê também mencionado artigo que a mora leva à resilição do contrato, independentemente de declaração judicial. E, para isso, mister se faz carta registrada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou protesto do título vinculado ao contrato. Daí por que imprescindível se faz ­ ante a conseqüência resilitória ­ que a intimação, ou entrega da carta, seja pessoal, isto é, chegue às mãos do devedor inadimplente, efetivamente. É que este documento é que prova a resilição. Aliás, o protesto de título, também previsto em lei, tem idêntica função, isto é, não tem, aqui, caráter interpretativo. E é mais vantajoso dele se utilizar o credor, pois que, se não encontrado o devedor pelo carteiro, a intimação se fará por edital, nos termos da lei” . 29

“Para que seja proposta a ação de busca e apreensão a que se refere o Decreto­lei n.º 911, é pressuposto que tenha ocorrido a notificação do devedor através do Cartório de Títulos e Documentos, ou que o título tenha sido protestado. A inexistência de uma ou de outra medida faz com que o autor seja julgado carecedor da ação de busca e apreensão”. 30

E para os que entendem desnecessária o recebimento pessoal da notificação pelo

devedor para constituir este em mora, trazemos alguns julgados, in verbis:

“Alienação Fiduciária ­ Ação de Busca e Apreensão ­ Mora (Decreto­Lei 911/69, art. 2º, parágrafos2º e 3º) ­ Comprovação. Carta registrada, ao devedor, pelo Cartório de Títulos e Documentos. Prova suficiente, sem necessidade da comprovação do recebimento pelo destinatário” . 31

“Alienação Fiduciária. Mora do devedor. Meios de comprovação. Para a comprovação da mora do devedor alienante, na alienação fiduciária, basta a expedição de carta registrada por intermédio de Cartório de Títulos e

28 JURISPRUDÊNCIA. RAC. 27.493­9. Disponível em: http//:www.tj.ms.gov.br. Acesso em 10 mai 2006. 29 JURISPRUDÊNCIA. RAC. 399.971­3. Disponível em: http//:www.tj.go.gov.br. Acesso em 15 mar 2006. 30 JURISPRUDÊNCIA. RAC. 1109­89, ”s”. Disponível em: http//:www.tj.ms.gov.br. Acesso em 21 mar 2006 31 JURISPRUDÊNCIA. RAC. 374.334­6. Disponível em: http//:www.tj.sp.gov.br. Acesso em 23 mar 2006

37

Documentos, não sendo necessária a prova do recebimento por parte do destinatário” . 32

Compartilhamos do entendimento acima exposto, uma vez que nem sempre o devedor

será encontrado devidos a vários fatores/acontecimentos, por exemplo, se o devedor trabalha

em tempo integral, dificilmente será encontrado em sua residência para assinar a carta

expedida. Assim, basta o recebimento da carta por qualquer pessoa que se enco0ntre no

endereço fornecido pelo devedor como sendo a sua residência, para que esteja o mesmo

constituído em mora, uma vez que presume­se que quem recebeu a aludida carta/notificação

informe o devedor.

Portanto, basta que a petição inicial apresente os requisitos do art. 282 do CPC e

traga consigo a prova da alienação fiduciária, bem como a prova da constituição em mora do

devedor e a descrição detalhada do bem/coisa para ser deferida liminarmente a busca e

apreensão do bem que se busca.

4.4­ Da resposta do réu

Como é sabido, o réu pode se defender conforme descrito no CPC, ou seja,

contestando a ação, interpondo as exceções ou através de reconversão.

No que tange à busca e apreensão prevista na lei especial, o réu/devedor, após citado,

poderá requerer a purgação da mora e ainda, contestar a ação se achar que pagou valores que

não eram devidos, nos novos termos do decreto­lei n.º 911/69 alterada pela Lei n.º 10931/04.

Devemos, agora, analisar a presente defesa com a nova redação dada pela lei acima

indicada, lei esta publicada em 03/08/04 quando da pesquisa e estudo para a elaboração da

presente monografia.

Não deixaremos, porém, de fazer uma comparação entre o texto antigo e o texto em

vigor.

4.4.1­ Da contestação

32 JURISPRUDÊNCIA. RAC. 1061­84. Disponível em: http//:www.tj.pr.gov.br. Acesso em 29 mar 2006.

38

Considerada no sistema processual civil como o exercício esculpido na Constituição

Federal de 1988, qual seja, o da ampla defesa, este meio de defesa é o mais utilizado no

sistema processual do Brasil e, no campo da busca e apreensão não é diferente.

A presente defesa sofreu inúmeras alterações com o advento da Lei n.º 10931/04,

uma delas diz respeito ao prazo.

Antes da alteração, o devedor era citado para, em 03(três) dias, apresentar a sua

contestação com matéria de argumentação restrita à alegações do pagamento do débito

vencido ou o cumprimento das obrigações contratuais.

Muito embora contestada a ação, dificilmente e, poderíamos dizer raramente, o

devedor conseguia provar as hipóteses impostas na antiga redação do § 2º do art. 3º do

Decreto­lei em estudo, o que culminaria numa sentença procedente ao autor se o devedor não

purgasse a mora.

Após a alteração dada pela Lei n.º 10931/04 ao art. 3º do Decreto­lei n.º 911/69, o

prazo para contestar a referida ação de busca e apreensão passou a ser de 15(quinze) dias

contado da execução da liminar, independentemente do uso da faculdade oferecida no §2º,

caso entenda ter havido pagamento a maior e desejar restituição.

Uma questão relevante que se pode tirar das redações acimas expostas, seria de que o

prazo referido para apresentação da contestação seria contado a partir da execução da liminar

ou da juntada do mandado aos autos? Pela simples leitura do texto, diríamos que seria pela

data da execução da liminar, independentemente da juntada do mandado aos autos, pois se

assim o fosse, o texto traria expressamente, mas, não é o que vem acontecido na prática, pois

os referidos prazos continuam sendo contados à partir da data da juntada do mandado aos

autos.

Outro assunto que pode levantar alguma polêmica, seria o fato de que na antiga

redação as matérias que o devedor poderia suscitar em sua defesa era restrita, ao contrário do

que se pode perceber com a nova redação, pois pela simples interpretação feita do art. 3º, § 4º

do referido decreto­lei, podemos imaginar uma defesa com características de uma ação

revisional, uma vez que, se o devedor entender que pagou mais do que devia poderá discutir as

taxas de juros, preço de mercado do bem, entre outras coisas, caso deseje a restituição dos

valores.

39

4.4.2­ Purgação da Mora

Da mesma forma apresentada para a contestação no texto antigo, o prazo para se

requerer a purgação da mora era também de 3(três) dias, só que neste caso, a lei exigia uma

condicionante, qual seja, o devedor deveria ter pago o equivalente à 40%(quarenta por cento)

do preço financiado.

Muitos magistrados, ao receber a petição inicial de busca e apreensão para despacho

inaugural, quando da concessão da liminar, entendiam ser inconstitucional tal imposição, vez

que com o advento do código de defesa do consumidor, tal imposição fora revogado

tácitamente pelos artigos 6º. Inciso IV e 53 do mesmo diploma legal.

Desde agosto de 2004, com a alteração dada pela Lei n.º 10.931/04 ao Decreto­lei n.º

911/69, o instituto da purgação da mora passou por algumas mudanças na qual traz consigo

temas inclusives inconstitucionais, como por exemplo, a autorização da venda do bem pelo

credor após decorridos 5(cinco) dias da exe4cução da liminar, pois o artigo 3º, § 1º do

decreto, consolida a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor

fiduciário, vez que afronta o Código de Defesa do Consumidor.

Agora, após a execução da liminar, o devedor dispõe de 5(cinco) dias para requerer a

purgação da mora, e, nos termos do § 2º do artigo 3º do mesmo decreto, deverá pagar a

integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na

inicial, hipótese em que o bem lhe será restituído.

Uma questão que poderia causar uma certa polêmica quando do requerimento da

purgação da mora pelo devedor, seria o fato do § 2º prescrever que o pagamento se refere a

integralidade da dívidas pendente. A pergunta que se poderia fazer seria: O pagamento seria a

soma dos valores vencidos e vincendas ou somente da soma dos valores vencidos, acrescidos

de multa, juros, custas processuais e honorários advocatícios?

Alguns magistrado, quando do despacho da inicial já mencionam a afronta do referido

parágrafo ao Código de Defesa do Consumidor e determina que, caso o devedor opte em

purgar a mora, seja realizado de acordo com a segunda hipótese, o que, na nossa humilde

opinião, é a mais correta e justa.

4.5­ Do julgamento antecipado da lide

40

O julgamento antecipado da lide, ocorrerá sempre nos moldes do artigo 330 do

Código de Processo Civil, ou seja, sendo a questão de mérito unicamente de direito, ou, sendo

de direito e de fato, não houver necessidade de produção de provas em audiência e quando

ocorrer os efeitos da revelia.

4.6­ Efeitos do Recurso decorrente da Busca e Apreensão

De acordo com o § 5º do artigo 3º do decreto­lei n.º 911/69, o recurso de apelação

impetrado contra a sentença na ação de busca e apreensão, só terá o efeito devolutivo, o que

não impedirá a venda do bem pelo credor mas, se a sentença ao final do processo for

improcedente ao credor fiduciário, nos moldes do § 6º do artigo 3º do decreto, o juiz deverá

condenar o credor ao pagamento de uma multa, em favor do devedor, equivalente a

50%(cinqüenta por cento) do valor originalmente financiado, devidamente atualizado, caso o

bem já tenha sido alienado, sem exclusão da responsabilidade do credor fiduciário por perdas e

danos, conforme inteligência do artigo 3º, § 7º do mesmo diploma legal.

4.7­ Da venda do bem alienado apreendido

Após a alteração do artigo 3º do decreto­lei n.º 911/69 pela Lei n.º 10.931/04,

cumprida a liminar e decorrido os 5(cinco) dias da sua execução, poderá o credor vender o

bem e aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito.

A referida venda está prevista no artigo 2º do Decreto­Lei n.º 911/69, que assim

dispõe:

“No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da vendo no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver 33 ”.

41

4.8­ Da responsabilidade pelo saldo devedor

Procedida a venda, conforme explanado no tópico acima e, aplicado o crédito

conforme disposto no mesmo diploma, restando saldo devedor à complementar, o devedor

fiduciante estará obrigado a saldá­la e caberá ao credor usar os meio s legais para o

recebimento do seu crédito, caso queira.

33 BRASIL, Constituição Federal, código civil, código de processo civil. Op. cit., p. 936

42

CAPÍTULO V

DA CONVERSÃO DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO EM AÇÃO DE DEPÓSITO

E A PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR FIDUCIANTE

O decreto­lei n.º 911/69em seu artigo 4º admite a conversão da ação de busca e

apreensão em ação de depósito, caso a coisa alienada não seja encontrada com o devedor, que

inadimplente, não devolve o bem alienado fiduciariamente, revelando­se assim, um depositário

infiel, sujeitando­se até a prisão civil de até 1(um) ano.

Vale ressaltar que, para que se tenha a ação de depósito nos contratos de bens

alienados, é imprescindível a existência da ação de busca e apreensão e a comprovação, nos

autos da referida ação, de que o bem não foi localizado com o devedor.

Para reforçar o alegado acima, trazemos à baila o ensinamento do mestre Luiz

Augusto Beck da Silva, que assim leciona:

“Prevista no livro IV, Título I, Capítulo II, do Código de Processo civil, a ação de depósito regulada nos arts. 901 a 906 do CPC é oferecida ao credor no art. 4º do Decreto­Lei n.º 911/69 e está condicionada à prévia interposição da medida cautelar de Busca e Apreensão, autônoma e independente de qualquer procedimento posterior, atendidos, contudo, os requisitos da ação em tela(RT, 490/164), sob pena de extinção do processo(JTA, 116/138). Com efeito, a providência cautelar, preliminarmente, revela­se indispensável, podendo converter­se em Ação de Depósito, nos mesmos autos(RT, vols. 414/67, 435/135 e 456/173) e culminar na prisão civil do devedor (v. Paulo R. Neto), equiparado que está à figura do depositário, bastando confirme­se através de certidão do oficial de justiça encarregado da diligência que o bem não foi encontrado nem está na posse do devedor (...)” . 34

5.1 Conceito de deposito

É o contrato pelo qual alguém (depositário) recebe coisa móvel para guardar, até o

momento em que outrem (depositante) a reclame. 35

Caso o devedor caia em inadimplência e não se manifeste em devolver o bem, o

legislador se preocupou em caracterizar o depósito como fundamento principal a restituição da

coisa dada.

34 SILVA, Luiz Augusto beck da. Ob. cit., p. 119 35 WAMBIER, Luiz Robrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. Processo cautelar e procedimentos especiais. v. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 160

43

Desta feita, quando um bem é confiado à alguém (depositário), este está obrigado por

lei a zelar, guardar e conservar a coisa depositada como se fosse sua, sob pena de ver sua

prisão civil decretada.

Neste sentido, vale ressaltar que outro aspecto interessante dessa modalidade

obrigacional, é a possibilidade da prisão civil, que somente é admissível porque expressamente

está autorizada pelo art. 5º, LXVII, da Constituição Federal, tema bastante discutido nos dias

de hoje, que será abordado no capítulo seguinte.

O devedor fiduciante, além de ter para si a responsabilidade de guardar, zelar e

conservar a coisa, pode gozar, utilizar, usufruir da mesma, o que acarreta posicionamentos

contrários quanto a possibilidade de se intitular ao devedor fiduciante a característica de

depositário, pois a lei não fala em usar, gozar, usufruir a coisa, pois fazendo isso, a figura seria

de comodato.

5.2 Procedimento da ação de depósito

Antes, porém, cumpre­nos identificar os legitimados, ativo e passivo da relação

processual.

5.2.1 Legitimados

Ativo: é aquele que entregou a coisa para ser guardada, conservada, não importando

se o depositante é o proprietário da coisa, ou se é ação de cunho pessoal.

Passivo: somente responderá aquele que está obrigado, por lei ou pelo contrato, de

restituir a coisa dada em depósito.

5.2.2 Propositura

Para ser proposta a presente ação de depósito é fundamental que seja verificada os

requisitos previstos no art. 282 do CPC, além de, obrigatoriamente, conter a exata descrição

44

da coisa depositada, indicando assim, o lugar onde se encontra e a estimativa de seu valor. “De

certa forma, essa exigência também se presta para determinar o próprio valor da causa” . 36

Assim, sobre a estimação do valor da coisa depositada, afirma Luiz Rodrigues

Wambier que:

“A expressão do valor é fundamental, porque é possível ao réu consignar o equivalente em dinheiro, na hipótese de a coisa não mais se encontrar na esfera de sua disponibilidade” . 37

A inicial deverá ser instruída com a prova literal do depósito, o que deve ser

entendido como prova documental.

Desta forma, existindo qualquer escrito que demonstre a existência do depósito, basta

para a propositura da ação de depósito, porém, a prova tem que ser documental, não podendo

ser suprida por outro meio de prova existente hoje em dia no nosso direito pátrio, durante o

procedimento.

Assim, o autor não dispondo da prova necessária para a propositura da ação de

depósito, poderá o mesmo somente deduzir sua pretensão através do procedimento ordinário.

5.2.3 Possíveis condutas do réu

Poderá o réu, após regularmente citado:

contestar. Para que o réu conteste a ação, não precisará atender qualquer das

hipóteses acima, podendo inclusive, alegar em sua peça, qualquer matéria de direito.

a) contestar. Para que o réu conteste a ação, não precisará atender qualquer das

hipóteses acima, podendo inclusive, alegar em sua peça, qualquer matéria de direito.

Contestada a presente ação, a mesma seguirá o rito ordinário, conforme preceitua o art. 903

do CPC.

b) o réu poderá oferecer outra modalidade de resposta, qual seja, exceções. Há

discussão acerca da admissibilidade de se utilizar a reconvenção nas ações de depósito

proveniente da ação de busca e apreensão;

c) permanecer inerte. Será decretada a revelia do mesmo e sobrevirá julgamento

antecipado da lide, conforme reza o art. 301 do CPC.

36 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Caderno de processo civil: Ação de consignação em pagamento, ação de depósito. v. 32, São Paulo: LTr, 2000, p. 42/43

45

d) depositar a coisa em juízo. Depositada a coisa, nada impede que o réu discuta o

mérito através da contestação. Poderá também cobrar eventuais despesas despendidas para a

guarda e conservação da coisa, o que nos parece inviável no caso do decreto­lei n.º 911/69,

pois o mesmo utilizou a coisa;

e) consignar o equivalente em dinheiro. Só será possível se a coisa não mais se

encontrar na posse do devedor;

f) restituir a coisa ao depositante, tendo em vista ser esta a finalidade da presente

ação; restituída a coisa, caberá ao juiz extinguir o processo e condenar o réu nas verbas de

sucumbência;

5.2.4 Sentença

Será condenatória com força executória, o juiz mandará expedir mandado para que o

réu entregue, em vinte e quatro horas, a coisa ou o equivalente em dinheiro, conforme art. 904,

caput, do CPC.

Para tanto, a sentença proferida nos autos da ação de depósito será auto­executiva,

podendo ser executada nos próprios autos.

5.3 Figura constitucional do depositário infiel

A lei fundamental vigente, em seu art. 5º, inciso LXVII, é expressa no sentido de que

não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e

inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.

Foi excluída desse dispositivo a expressão na forma da lei que constava no art. 153, §

17º, da Carta anterior.

Com essa supressão, evidenciou­se a vontade constitucional de cingir­se apenas aos

depósitos clássicos elencados no Código Civil.

Entretanto, o Poder Legislativo constantemente cria novos institutos jurídicos visando

atender às novas necessidades da sociedade que por estarem evoluindo, exigem urgentes

inovações.

37 WAMBIER, Luiz Rodríguez; ALMEIDA, Flavio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo, Ob. cit., p. 157

46

Essas criações condizem com o fato de que a finalidade de um instituto ou de

determinada norma é sujeita a flexionar­se de acordo com a mudança das necessidades que são

satisfeitas com aquela norma. É o caso da alienação fiduciária, que por lei, para que pudesse

atender as necessidades do mercado de capitais, foi equiparado ao depósito.

Mas essa possibilidade dada ao legislador de poder flexionar normas, encontram

limites no sistema de proteção aos direitos e garantias individuais amplamente protegidas pela

constituição.

Em regra, não haverá prisão civil por dívida. Todavia, excepcionalmente, será

permitida a prisão civil, podendo ocorrer em dois casos: inadimplemento voluntário e

inescusável de obrigação alimentícia e depositário infiel, sendo tais hipóteses, taxativas,

impossibilitando seu alargamento pelo legislador ordinário.

Inobstante isso, alguns autores entendem que o direito de punir não surge da

Constituição Federal. Esta, apenas dá autorização ao legislador ordinário para criar hipótese,

regulando a matéria, e, realmente ele o fez, seja por delegação ou por direito novo, conforme

se constata dos artigos 1.287 do Código Civil, 284 do Código Comercial, 904, parágrafo único

do Código de Processo Civil e art. 4º § 2º da Lei n.º 8.866/94. De qualquer maneira, o direito

de punir o depositário infiel através da sua prisão civil não decorre da Constituição Federal,

mas sim da legislação ordinária, pois aquela simplesmente previu a sua possibilidade,

delegando para as normas infraconstitucionais a criação das hipóteses e a regulamentação da

matéria.

Em outras palavras, se não houvesse qualquer legislação infraconstitucional, não se

poderia determinar a prisão civil de alguém por infidelidade depositária, inobstante a prisão no

texto da CF/88.

Para eles, não se pode interpretar o inciso LXVII do art. 5º da Carta Magna

isoladamente, impondo­se a análise concomitante dos §§ 1º e 2º do mesmo artigo, onde o

texto constitucional é expresso ao estatuir que as normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais possuem aplicabilidade imediata, inclusive aquelas previstas nos tratados

internacionais de direitos humanos devidamente ratificados, sem necessidade de posterior

legislação que a implemente.

Assim, dentre os vários tratados em que a nossa nação faça parte, destacamos dois

que julgamos serem mais importantes. O primeiro é o Pacto Internacional dos Direitos Civis e

Políticos, onde em seu artigo 11, consagra o princípio cujo teor diz que ninguém poderá ser

47

preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual. Já o segundo, denominado

Pacto de São José da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de

Direitos Humanos, consagra em seu art. 7º, item 7º, que: “Ninguém deve ser retido por

dívidas” . “Este princípio limita os mandados de autoridades judiciárias competente e

expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar 38 ” .

Entendo que há um grande conflito existente entre o inciso LXVII do art. 5º da CF e

o disposto nos tratados internacionais acima mencionados. Com efeito, se o art. 5º, § 2º da

Constituição Federal de 1988 tornou exemplificativo o rol dos direitos e garantias

fundamentais nele previstos, acrescentando expressamente, dentro os direitos

constitucionalmente protegidos, aqueles constantes dos tratados internacionais em que o Brasil

seja parte, parece conclusão única e inevitável de que a Carta magna atribuiu aos direitos

internacionais a natureza de norma constitucional.

Embora existam alguns entendimentos em contrário, tenho que tanto a conversão da

ação de busca e apreensão em ação de depósito como a prisão civil do devedor é possível, sob

pena de ser letra morta o disposto não só no artigo 4º do Decreto­Lei n.º 911/69, mas o

decreto, em sua totalidade, pois visou ele dar meios ágeis e eficazes para que o credor reaveja

o bem ou receba o que lhe é devido.

Se tiver ele que se valer do processo de execução quando o bem, de qualquer forma,

sair da esfera de domínio do devedor, que se comprometeu a conservá­lo na qualidade de fiel

depositário, o disposto no mencionado Decreto­Lei seria inócuo, pois se desnaturaria a

garantia, sendo preferível que se tomasse como garantia um penhor.

Nesse sentido a Primeira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do

Mato Grosso tem julgado: “EMENTA: ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA ­ ALIENAÇÃO DO VEÍCULO GRAVADO A TERCEIRO, PELO ADQUIRENTE INADIMPLENTE ­ BUSCA E APREENSÃO ­ BEM NÃO LOCALIZADO ­ MÁ­FÉ DA ALIENANTE CONSORCIADA ­ CONVERSÃO DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO EM AÇÃO DE DEPÓSITO DO BEM NA POSSE DE OUTREM, ESTRANHO À RELAÇÃO JURÍDICA ORIGINÁRIA ­ IMINÊNCIA DE PRISÃO DO PACIENTE ­ PEDIDO DE SALVO CONDUTO ­ ORDEM DENEGADA. Desnatura a garantia, a vendo do veículo pelo alienante a terceiro, sem a anuência do fiduciário, sobretudo estando aquele inadimplente. É possível a conversão da busca e apreensão em ação de depósito, desde que a posse do bem gravado, em razão de má­fé do consorciado alienante, seja de terceiro. A cominação de prisão civil tem cabimento na ação de busca e apreensão de bem fiduciariamente alienado em garantia, convertida em ação de depósito por não

38 PAULO FILHO, Pedro. Contratos no direito brasileiro. São Paulo: LED, 2001. v. 2. p. 788.

48

haver sido encontrado o bem, transferido maliciosamente a terceiro pelo ora paciente­alienante” . 39

Ora, data máxima vênia, insta lembrar que ao assinar o contrato de financiamento, o

devedor assume a condição de fiel depositário pelo bem adquirido.

Em recente decisão sobre o tema PRISÃO CIVIL, o mesmo Tribunal acima lembrado

decidiu: “APELAÇÃO CÍVEL ­ ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA ­ AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO ­ PRISÃO CIVIL ­ POSSIBILIDADE ­ DEC.­LEI 911/69. É cabível e juridicamente permitida a decretação da prisão civil do devedor nas ações de busca e apreensão convertidas em depósito (Dec.­Lei 911/69, art. 4º), sempre quando, não localizado o bem financiado, o devedor deixa de efetuar o depósito do equivalente em dinheiro no prazo assinalado na sentença )CPC, art. 904, parágrafo único)” . 40

Ademais, pedimos vênia para transcrever parte do voto do Excelentíssimo Senhor Doutor

JOÃO FERREIRA FILHO, relator, proferido no referido julgado, senão vejamos:

“A prisão civil pleiteada pelo apelante, constitui, pois, medida legal amparada pelo citado preceito constitucional, e a constitucionalidade da medida, repita­se, igualmente já restou pronunciada pelo órgão jurisdicional encarregado de velar pela guarda da Constituição da república. Conheço a dissidência jurisprudêncial existente entre o Colendo STF e o Egrégio STJ a respeito do tema, especialmente a tese de que a CF, ao se referir à prisão do depositário infiel quis se restringir àquele declarado como tal em contrato típico de depósito (CC, art. 1283), e não àquele por equiparação jurídica, como seria o caso da figura instituída pelo Decreto­Lei 911/69. E, ademais, dizem ainda, tratados internacionais incorporados à CF teriam proscrito definitivamente a prisão por dívidas no Brasil. Mas, como à Corte Suprema, em grau máximo de preferência jurisdicional e supremacia política, guardar e interpretar a Constituição, e essa competência a propósito da prisão civil do depositário infiel, já foi exercitada reiteradamente, bastando conferir os julgados transcritos pelo próprio apelante na peça recursal, convém que se curve ao império jurídico­político das decisões do Colendo STF, até para que os jurisdicionados não alimentem expectativas que mais tarde fatalmente não serão correspondidas em grau jurisdicional superior.. 41 ”.

Assim, a nossa jurisprudência entende que descumprido o mandado de entrega da

coisa ou de seu equivalente em dinheiro, o juiz está habilitado a decretar a prisão civil do

depositário infiel, quer requerida pelo credor antes ou depois do descumprimento.

39 JURISPRUDÊNCIA. HC 2809/93. Disponível em: http//:www.tj.mt.gov.br. Acesso em 08 mai 2006 40 JURISPRUDÊNCIA. RAC. 5663/05. Disponível em: http//:www.tj.mt.gov.br. Acesso em 10 mai 2006 41 JURISPRUDÊNCIA. RAC. 5663/05. Disponível em: http//:www.tj.mt.gov.br. Acesso em 10 mai 2006

49

Inadmitir a prisão civil do devedor, significa tornar as disposições do decreto­lei

911/69, em letra morta, pois não existe nenhuma dúvida que o devedor ao pactuar com o

credor, tornou­se depositário do bem, devendo ser aplicado à sua pessoa, as cominações que a

lei prevê, pois não houve a entrega do bem ou depósito da dívida em aberto.

Nesse mesmo sentido, vale transcrever os ensinamentos de Paulo Restiffe Neto e

Paulo Sérgio Restiffe, in verbis:

“ ...A alienação fiduciária, que é negócio jurídico constituído contratualmente por instrumento escrito, contém o depósito legal ou necessário, que decorre da própria natureza do instituto da garantia fiduciária, em que o devedor aliena para garantir, continuando com a posse direta do bem alienado, com as responsabilidades de depositário, até operar­se a reversão automática do domínio pelo pagamento da dívida. Independe a confirmação do depósito da vontade das partes. Sempre que se realize uma alienação fiduciária em garantia, por força de disposição legal, torna­se o alienante depositário necessário, ex vi legis, com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal.” 42

Não obstante ao todo exposto, o Supremo Tribunal Federal, entendendo que houve

recepção do Decreto­lei 911/69 pela Constituição Federal de 1988, decidiu ser legítima a

prisão civil do devedor fiduciante no julgamento do HC 72.131, como se observa baixo:

“Esta Corte, por seu Plenário, (HC 72.131), firmou o entendimento de que, em face da Carta Magna de 1988, persiste a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel em se tratando de alienação fiduciária, bem como de que o Pacto de São José da Costa Rica, além de não poder contrapor­se à permissão do art. 5º, inciso LXVIII, da mesma Constituição, não derrogou por ser norma infraconstitucional geral, (...).” (STF ­ 1ª Turma, RE 229.370­4­SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 05.02.99). 43

E ainda: “Esse entendimento (Plenário HC 72.131) voltou a ser reafirmado recentemente, em 27.05.98, também por decisão do Plenário, quando do julgamento do RE 206.482. Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. Inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo 7º, item 7, do Pacto de São José da Costa Rica no sentido de derrogar o decreto­lei 911/69 no tocante à admissibilidade da prisão civil por infidelidade do depositário em alienação fiduciária em garantia.

É de observar­se, por fim, que o § 2º do artigo 5º da Constituição não se aplica aos tratados internacionais sobre direitos e garantias fundamentais que ingressarem em nosso ordenamento jurídico após a promulgação da Constituição de 1988, e isso porque ainda não se admite tratado internacional com força de ementa constitucional. Recurso extraordinário conhecido e provido” . 44

42 RESTIFFE NETO, Paulo; RESTIFFE, Paulo Sérgio. Garantia Fiduciária. 3ª ed. ver, atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 872/873. 43 JURISPRUDÊNCIA. HC. 72.131. Disponível em: http//:www.stf.gov.br. Acesso em 25 mai 2006 44 Jurisprudência. HC. 72.131. Disponível em: http//:www.stf.gov.br. Acesso em 25 mai 2006

50

O eminente Ministro MARCO AURÉLIO que sempre se mostrou contrário a prisão

civil em alienação fiduciária, no julgamento do HC n.º 72.183­4­SP, ressaltou que:

“Contudo, atuando em órgão fracionário, não posso contribuir para a divergência intestina. O precedente aludido resultou de deslocamento do processo respectivo da Turma para o Pleno visando, justamente, à pacificação da jurisprudência. Assim, não tenho como deixar de ressaltar o entendimento pessoal, por mais firme que o seja, razão pela qual denego a ordem. A maioria, perquerindo o alcance da norma constitucional de regência, assentou a valia da inserção da alienação fiduciária no rol dos contratos que podem ensejar a prisão civil. Assim, sem embargo de meu pessoal entendimento de que, em princípio, em casos de alienação fiduciária a prisão civil seria ampliativa de casos constitucionalmente admitidos, conforme amplamente me pronunciei em julgados anteriores, quedo­me, no momento, à orientação promanada do Excelso Pretório, a qual, inclusive, se harmoniza com o entendimento dominante também do E. Superior Tribunal de Justiça” . 45

Já o ilustre Ministro CELSO DE MELLO, do Colendo Supremo Tribunal Federal,

assim decidiu no julgamento do Habeas Corpus n.º 73.868­1­SP, publicado no DJU em

16/04/96, senão vejamos:

“Não se alegue de outro lado, que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), já formalmente incorporado ao direito positivo interno do Brasil (decreto n.º 678/92) impediria a privação antecipada da liberdade individual do réu ainda que sujeito à decisão penal condenatória irrecorrível. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, pronunciando­se sobre esse específico aspecto da questão, enfatizou que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos não assegura ao condenado, de modo irrestrito, o direito de recorrer em liberdade (HC 72.366­SP, rel. Min. Néri da Silveira, jul. em 13/09/95), pois o Pacto de São José da Costa Rica em tema de proteção ao status libertatis do réu, proclama que ninguém poderá ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos estados partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas (artigo 7º, n.º 02)”. 46

Também, o NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, da mesma forma que a

Constituição Federal, recepcionou a decretação da pena de prisão aos devedores fiduciantes,

ao determinar em seu artigo 1.363, inciso II, que “ antes de vencida a dívida, o devedor, as

suas expensas e risco, pode usar a coisa segundo a sua destinação, sendo obrigado, como

depositário: a entregá­la ao credor, se a dívida não for paga no vencimento” . 47

45 JURISPRUDÊNCIA. HC. 72.183­4­SP. Disponível em: http//:www.stj.gov.br. Acesso em 27 mai 2006 46 JURISPRUDÊNCIA. HC. 73.868­1­SP. Disponível em: http//:www.stf.gov.br. Acesso em 30 mai 2006 47 BRASIL. Código civil/organizador Yussef Said. Cahali. 4.ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pg. 127

51

Portanto, sem maiores delongas, conclui­se assim ser perfeitamente legal e atual a

possibilidade de prisão para o devedor fiduciário inadimplente que não procede com a entrega

do bem ou seu equivalente em dinheiro quando chamado a fazê­lo.

É a transferência feita pelo devedor ao credor da propriedade resolúvel e da posse

indireta de um bem móvel infungível, como garantia do seu débito, até o adimplemento da

obrigação principal (pagamento da dívida garantida).

É um negócio jurídico composto de duas relações jurídicas: uma obrigacional,

expressando o débito contraído, e outra real, apresentada pela garantia, isto é, o fiduciante

aliena o bem ao fiduciário que o recebe, não para tê­lo como próprio, mas com o fim de

restituí­lo ao fiduciante com o pagamento da dívida.

52

CAPITULO VI

A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEIS EM GARANTIA

A alienação fiduciária de imóveis em garantia exerce função semelhante às garantias

reais que já integram o nosso direito positivo, mas é dotada de maior eficácia. Como é notório,

nas garantias mais comumente utilizadas, o devedor retém o imóvel, apenas gravando­o para

garantia de uma obrigação, enquanto na propriedade fiduciária o devedor transmite a

propriedade do bem ao credor até que seja satisfeita a obrigação.

A doutrina não diverge ao afirmar, pois, que a alienação fiduciária é um negócio

jurídico, que apresenta os seguintes traços: (a) é bilateral, pois cria obrigações e direitos tanto

para o credor­fiduciário como para o devedor­fiduciante; (b) é oneroso, porque cada

contraente suporta um sacrifício de ordem patrimonial com o intuito de obter vantagem

correspondente, de forma que o ônus e o proveito guardem relativa equivalência; (c) é

comutativo, pois essa equivalência pode ser verificada de imediato; (d) é formal, porque exige

a observância de certas formalidades, como o registro do contrato no Registro de Imóveis; e,

finalmente (e) é acessório, pois depende, para sua existência, de uma obrigação principal que

pretende garantir. 48

A exemplo do que ocorre com os demais negócios, a alienação fiduciária pressupõe

agente capaz, objeto lícito e forma prescrita e não defesa em lei e também exige requisitos de

ordem subjetiva, objetiva e formal. Os requisitos de ordem subjetiva são a capacidade e a

legitimação; os objetivos se referem às coisas que podem ser objeto desse contrato; e,

finalmente, os formais se relacionam com as formalidades indispensáveis a que a alienação

fiduciária em garantia seja válida.

6.1 A propriedade fiduciária

6.1.1 Noções preliminares

A alienação fiduciária é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o

escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, a propriedade resolúvel

48 TERRA, Marcelo. Alienação fiduciária de imóveis em garantia: Lei nº 9.514/97, primeiras linhas. Porto Alegre: S. Fabris, 1998.

53

de coisa imóvel. Ademais, o próprio art. 33 assevera que Aplicam­se à propriedade fiduciária,

no que couber, as disposições dos arts. 647 e 648 do Código Civil.

Desta forma, para que se apreenda a verdadeira sistemática adotada pela Lei,

mormente as diferenças existentes entre essas duas espécies de propriedade, bem como as

características da propriedade fiduciária decorrente da alienação fiduciária em garantia, é

necessária a revisão de conceitos básicos de Direito Civil.

6.2­ Natureza, características e conceito da propriedade fiduciária

É exatamente isso que sucede com a propriedade fiduciária, pois se trata de uma propriedade

que possui, além das limitações próprias de uma propriedade resolúvel, restrições de cunho

legal para atender a função precípua de garantia para a qual foi criada. Enquanto existir tal

função, a lei atua como elemento de compressão sobre o conteúdo do domínio atribuído ao

credor. Após cessado o fim de garantia, desaparece a pressão, e, por via de conseqüência, a

propriedade retoma sua plenitude anterior.

Desta maneira, pendente condicione iuris o credor é titular de domínio bastante

restrito que é a propriedade fiduciária. Todavia, não pago o débito pelo devedor, aliena o

credor o bem a terceiro, o qual, por seu turno, adquire o domínio pleno da coisa, sem qualquer

violação ao princípio de que ninguém pode alienar mais do que possui, porquanto com a

cessação do escopo de garantia ­ e, logo, da compressão ­ o alienante recupera o domínio

pleno da coisa. Assim, as peculiaridades próprias da propriedade fiduciária, cuja resolubilidade

resulta da verificação da condicio iuris, tornam­na em vários aspectos diferente da propriedade

resolúvel oriunda da condição estabelecida pela vontade das partes. Com efeito, como já se

verificou, enquanto a propriedade resolúvel é uma propriedade limitada apenas no tempo,

mantendo­se intactos os demais direitos elementares, na alienação fiduciária em garantia,

diversamente, há limitação ou supressão de outros direitos elementares, conforme se verá no

momento oportuno. 49

Por esse motivo, a doutrina é pacífica no sentido de afirmar que a propriedade

fiduciária, além da limitação própria da propriedade resolúvel, possui, por imposição legal, a

49 GOMES, Orlando. Alienação fidunciaria em garantia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

54

restrição caracterizada pelo fim de garantia, impedindo que o credor­fiduciário exerça

plenamente seu direito de propriedade, enquanto não frustrada a condição resolutiva.

Todavia, a principal característica da propriedade fiduciária se situa na revogação do

princípio da exclusividade do direito de propriedade, que se traduz na possibilidade de o

credor­fiduciário e o devedor­fiduciante se encontrarem, simultaneamente e relativamente ao

mesmo imóvel, na qualidade de proprietários sob condição resolutiva e suspensiva,

respectivamente.

Ademais, por força de estar o objeto do contrato garantindo o pagamento de uma

dívida, cai por terra o princípio de que o direito da propriedade é ilimitado ou absoluto, uma

vez que não pode o credor dispor ou vender.

Feitas estas considerações, conceitua­se a propriedade fiduciária oriunda da alienação

fiduciária em garantia com uma espécie de domínio que, por virtude do título de sua

constituição, é revogável (resolúvel), transitório (temporário) e possui, como principal

característica, atribuir ao credor­fiduciário, por imposição legal, o ônus de exercer sua

propriedade de forma limitada.

A propriedade fiduciária decorrente da alienação fiduciária em garantia não se

encaixa, a priori, em nenhuma das categorias dogmáticas existentes em nosso direito das

coisas.

6.3 A propriedade fiduciária, pendente o pagamento da dívida

6.3.1 A constituição da propriedade fiduciária

O art. 23 da Lei nº 9.514/97, ao dispor que Constitui­se a propriedade fiduciária de

coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve

de título, estabeleceu que a propriedade fiduciária necessita desse registro para ser válida. O

legislador, desta vez, ao contrário do que ocorreu no Decreto­Lei nº 911/69 ­ o qual não

explicitou o princípio de que esta modalidade de propriedade somente se constitui com o

registro ­, preferiu esclarecer o assunto, a exemplo do que ocorre com a hipoteca . Com efeito,

é requisito essencial para a constituição da propriedade fiduciária o registro do contrato de

55

alienação fiduciária no Registro de Imóveis competente, dado que nosso sistema de

transmissão imobiliária adota o registro como modo de aquisição da propriedade ou qualquer

direito real sobre imóveis.

O condicionamento do surgimento da propriedade fiduciária ao registro do contrato

de alienação fiduciária em garantia torna possível que um terceiro, ao registrar primeiro um

contrato semelhante sobre o mesmo imóvel ­ ainda que celebrado posteriormente ­, se torne

proprietário do imóvel objeto dos contratos. Isso porque é do registro que nasce o direito real,

e não do contrato a ser registrado. Este é o título de aquisição; aquele, modo de aquisição.

Sem embargo do direito de ação genericamente assegurado pela lei processual civil,

derivam da Lei nº 9.514/97 ações especificamente aplicáveis em razão da peculiar estrutura

desse novel instituto jurídico, dentre as quais menciona­se, de forma destacada, aquelas que

visam dar eficácia ao direito do credor­fiduciário, mormente a de reintegração de posse, e as

que visam a tutela dos direitos do devedor­fiduciante, como a execução por obrigação de

fazer, em face do credor que se nega a dar­lhe quitação, as ações possessórias, em face de

quem ameaçar a posse direta que o fiduciante estiver exercendo em razão de lei e do contrato

e, finalmente, a ação reivindicatória, contra quem impedir a tomada de posse, pelo fiduciante,

no imóvel alienado.

Há que se frisar, ainda, que as próprias partes, poderão, ao teor art. 34 da Lei nº

9.514/97, prever que os litígios sejam dirimidos mediante arbitragem, nos termos do disposto

na Lei nº 9.307, de 24 de setembro de 1996. Na verdade, embora inserido de forma isolada no

contexto da Lei, tal disposição pode ser muito importante, uma vez que, conforme é sabido, o

instituto da arbitragem, se explorado de forma competente, pode diminuir muito o número de

conflitos levado às instâncias judiciais. 50

Por fim, dado o relevante interesse que merece, convém ressaltar que a transferência

da propriedade do imóvel, por ocasião do registro da propriedade fiduciária, não representam

fato gerador do imposto inter vivos de bem imóvel (ITBI), uma vez que o art. 156, II, da

Constituição Federal, expressamente prevê que não ocorre a incidência do imposto

nas hipóteses de transferência de bens para fins de garantia.

Aliás, a exigência desse imposto certamente iria comprometer a proliferação do uso e,

conseqüentemente, do sucesso do instituto criado.

50 MOREIRA, Alves. Da Alienação Fiduciária em geral. São Paulo: Saraiva, 2005.

56

6.3. Posição jurídica do devedor­fiduciante

Face às diferenças existentes entre a propriedade fiduciária e a propriedade resolúvel,

a doutrina, desde a introdução do instituto da alienação fiduciária de bens móveis em garantia

no Brasil, através da nº Lei 4.728, de 14/07/65, com a redação dada pelo Decreto­Lei nº

911/69, tem procurado definir, com clareza, de que direitos é titular o fiduciante.

Com a ampliação do instituto, mediante a inclusão dos bens imóveis, através do Lei nº

9.514/97, essa discussão ganhou novos ares, pois o art. 17, § 1º, ao estabelecer, de forma

expressa, que a garantia decorrente do registro do contrato da alienação fiduciária é direito

real, referiu­se apenas ao direito do credor­fiduciário, e não do devedor­fiduciante (Enquanto

o art. 17 dispõe que As operações de financiamento imobiliário em geral poderão ser

garantidas por: ... IV ­ alienação fiduciária de coisa imóvel, o § 1º dispõe que As garantias a

que se referem os incisos, II, III e IV deste artigo constituem direito real sobre os respectivos

objetos). 51

É exatamente isso que ocorre na propriedade fiduciária da alienação fiduciária em

garantia de coisa imóvel, na qual o desdobramento da posse em indireta e direta resulta do

disposto no parágrafo único do art. 23 da Lei n° 9.514/97, que dispõe: Com a constituição da

propriedade fiduciária, dá­se o desdobramento da posse, tornando­se o fiduciante possuidor

direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel. 52

Desta forma, o legislador objetivou integrar no conteúdo do direito expectativo do

devedor­fiduciante a faculdade jurídica de ter a coisa alienada em sua posse direta, sem

prejuízo dos interesses do credor.

A conseqüência disso é que ao fiduciante, por ser titular dos iura possidendi, utendi e

fruendi, é permitido efetuar obra nova ou acrescentar acessões ou benfeitorias, cujos valores,

embora passem a integrar a garantia, ser­lhe­ão restituídas na hipótese de ocorrer o leilão.

Pode, também, exercer todos os direitos de legítimo possuidor e defender sua posse

direta, através do manejo de ações reais contra quem quer que pratique esbulho ou turbação,

inclusive contra o próprio adquirente (que é possuidor indireto).

51 ALVES, José Carlos Moreira. Da Alienação Fiduciária Garantia. 3 ed. Rio de Janeiro, 1997. 52 MOREIRA, Alves. Da Alienação Fiduciária em geral. São Paulo: Saraiva, 2005.

57

Com efeito, de acordo com os arts. 485 (Considera­se possuidor todo aquele, que

tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou

propriedade) e 499 do Código Civil (O possuidor tem direito a ser mantido na posse, em caso

de turbação, e restituído, no de esbulho), aquele que detém, de fato, o exercício de algum dos

poderes do domínio é possuidor e, como tal, tem legitimidade para propor ação possessória

sempre que for ameaçado ou esbulhado na sua posse. 53

Fruto desse entendimento, é possível que o devedor­fiduciante, na qualidade de

possuidor direto, faça uso dos interditos possessórios de manutenção, reintegração e proibição,

nos termos dos arts. 924 a 933, do Código de Processo Civil, para defesa seu imóvel em que

se encontra, inclusive contra o credor­fiduciário.

Desta forma, para exercer este direito que lhe assiste, deve o devedor­fiduciante

comprovar, na ação de manutenção de posse: (I) a sua posse; (II) a turbação praticada pelo

réu; (III) a data da turbação; (IV) a continuação da posse, embora turbada. Por outro lado, na

ação de reintegração de posse, deve ele provar: (I) a sua posse; (II) a ameaça da turbação ou

esbulho por parte do réu; (III) a data da ameaça; e (IV) o justo receio de ser efetivada a

ameaça (CHALHUB, op. cit., p. 239).

Além dos requisitos já mencionados, no que tange aos requisitos do art. 282, do

Código de Processo Civil, salienta­se que o fiduciante provará sua posse com o contrato de

alienação fiduciária, pelo qual, em razão do desdobramento da posse, conservou a posse

indireta, e com os comprovantes de que está adimplente em relação ao contrato.

Em contrapartida, o alienante, no exercício desses direitos, não pode praticar atos que

venham a ferir o direito do credor. Exemplo clássico desse cuidado que o alienante deve ter é o

de observar, na guarda e conservação da coisa, o cuidado e a diligência que costuma ter com o

que lhe pertence, do art. 1.266, do Código Civil.

Outra questão que pode causar polêmica é a possibilidade do devedor­fiduciante

figurar no pólo ativo da ação reivindicatória, na hipótese de, na vigência do contrato de

compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia, tenha ou não se imitido

na posse do imóvel, defrontar­se com um terceiro, portador de algum título, no imóvel.

Alguns poderiam argumentar que não é possível o manejo da reivindicatória ­ cuja

interposição é admitida apenas pelo proprietário não possuidor contra o possuidor não

53 GOMES, Orlando. Alienação fidunciaria em garantia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

58

proprietário ­ uma vez que o devedor­fiduciante, na vigência do contrato, não figura como

proprietário do imóvel.

Todavia, tal tese imerece ser acolhida, pois o fato de o devedor figurar como

proprietário sob condição suspensiva, sendo titular, de uma pretensão restitutória de natureza

real, ou seja, um direito eventual à recuperação da propriedade, permite a utilização da ação

reivindicatória.

Todavia, não há incompatibilidade, sendo perfeitamente possível a coexistência

harmônica desses dois institutos, mas com peculiaridades próprias. Com efeito, não obstante

possível a constituição de direitos reais sobre o imóvel havido em caráter fiduciário, há a

limitação ao advento do termo ou do implemento da condição, porquanto nos termos do art.

647, do Código Civil, resolvido o domínio entendem­se também resolvidos os direitos reais

concedidos na sua pendência.

Se o ônus hipotecário visar o direito (limitado e restrito) de propriedade do credor­

fiduciário, sujeita­se o credor­hipotecário à resolução de sua hipoteca, ante a consolidação

plena da propriedade em nome do devedor­fiduciante que adimplir a dívida. Entretanto, se a

hipoteca objetivar o direito (expectativo) de propriedade do devedor­fiduciante, curva­se o

credor­hipotecário à possibilidade de eventual ineficácia da garantia, diante do inadimplemento

do devedor­fiduciante.

O fato de o devedor não ser proprietário, mas apenas titular de direito expectativo,

não afasta a incidência da Lei nº 8.009/90, que prevê a impenhorabilidade do bem de família,

de que é exemplo a residência, quando única e destinada a moradia da entidade familiar.

Evidentemente, não poderá o devedor­fiduciante invocar esta impenhorabilidade

contra o credor­fiduciário, uma vez que a propriedade não está no seu nome. Ademais, a

própria Lei nº 8.009/90 dispõe que não se opõe o bem de família contra execução movida pelo

titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do

imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato. 54

A alienação fiduciária em garantia merece, ainda, ser confrontada com os arts. 27 e 8º

da Lei nº 8.245/91, de modo a se tentar estabelecer uma interpretação harmônica com o direito

de preferência e o princípio "venda rompe locação". Convém, a princípio, ressaltar que são

duas as hipóteses possíveis de ocorrer: a) transmissão em garantia de imóvel anteriormente

54 TERRA, Marcelo. Alienação fiduciária de imóveis em garantia: Lei nº 9.514/97, primeiras linhas. Porto Alegre: S. Fabris, 1998.

59

locado; e b) locação de imóvel anteriormente alienado fiduciariamente (É plenamente possível

que o devedor­fiduciante alugue o imóvel alienado fiduciariamente em garantia a terceiros,

uma vez que, por força do art. 23, parágrafo único da Lei nº 9.514/97, está na posse direta do

imóvel). 55

6.3.1­ A propriedade fiduciária, solvido o débito ao vencer­se

Na sistemática delineada na alienação fiduciária em garantia, a propriedade fiduciária

está subordinada a uma condição resolutiva, que é o pagamento efetuado pelo devedor­

fiduciante. O pagamento representa, assim, o fato jurídico que extingue a obrigação, motivo

pelo qual a lei dispõe que, com o pagamento da dívida, resolve­se a propriedade fiduciária do

imóvel, tendo direito, o fiduciante, ao termo de quitação dentro de 30 dias e ao cancelamento

do registro da propriedade fiduciária, seguida da automática reversão da propriedade.

Possui, assim, o fiduciante, direito expectativo de aquisição do imóvel, que supera os

limites do direito obrigacional e configura­se como direito real, surgindo para o credor a

obrigação de, uma vez concluído integralmente o pagamento, entregar ao fiduciante o termo

de quitação, ex vi do art. 25, § 1º, da Lei 9.514/97, que dispõe: No prazo de trinta dias, a

contar da data de liquidação da dívida, o fiduciário fornecerá o respectivo termo de quitação

ao fiduciante, sob pena de multa em favor deste, equivalente a meio por cento ao mês, ou

fração, sobre o valor do contrato". Logo adiante, no §§ 2º, se constata: "§ 2º À vista de que

trata o parágrafo anterior, o oficial do competente Registro de Imóveis efetuará o

cancelamento do registro da propriedade fiduciária. 56

Contrariamente do que ocorre no Sistema Financeiro da Habitação, no qual a Caixa

Econômica Federal e outros agentes podem demorar de seis meses a um ano para fornecer o

termo de quitação para o cancelamento da hipoteca, desta vez o legislador preferiu tornar

exíguo o prazo para o credor fornecer tal documento.

Além da multa conferida em face do credor pelo atraso na outorga do aludido termo,

o art. 639 do Código de Processo Civil (Se aquele que se comprometeu a concluir um

contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo

título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado),

55 GOMES, Orlando. Alienação fidunciaria em garantia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

60

assegura a possibilidade do ajuizamento da ação de cumprimento de obrigação de fazer, na

qual a sentença produzirá o mesmo efeito da quitação que deveria ser dada, viabilizando o

cancelamento da propriedade fiduciária. 57

A propósito, possui legitimidade ativa para propor a ação mencionada qualquer

pessoa que tiver substituído o devedor­fiduciante na relação fiduciária, porque sub­rogado nas

suas obrigações, desde que comprove o pagamento da dívida e seus encargos contratuais.

Não obstante exista uma data­limite para que o devedor­fiduciante efetue o

pagamento da dívida garantida pela propriedade fiduciária, é possível que o débito seja saldado

posteriormente. Com efeito, ainda que a condicio iuris se dê ­ pelo pagamento da obrigação ­

após o vencimento do débito, mas antes da venda do imóvel a terceiro, a propriedade fiduciária

se extingue, voltando o devedor a ser proprietário pleno, por força da resolução. Destarte,

ainda que ofertada extemporaneamente a quantia devida pelo devedor­fiduciante, mas desde

que aceita pelo titular do crédito garantido, não há maiores problemas; volta o devedor a ser

proprietário pleno do domínio sobre a coisa.

Todavia, na hipótese de o credor­fiduciário, sem justa causa, se recusar a receber o

montante colocado a sua disposição pelo devedor, resta configurada a mora accipiendi, motivo

pelo qual o devedor readquire o domínio pleno sobre a coisa alienada. Assim, à guisa de

ilustração, se o credor entende que o pagamento oferecido não cobre o valor devido, é

possível que o devedor­alienante intente a ação de consignação em pagamento, com fulcro no

art. 973, I, do Código Civil (A consignação tem lugar se o credor, sem justa causa, recusar

receber o pagamento, ou dar quitação na forma devida).

Esta parece ser a alternativa mais viável ao devedor­fiduciante, uma vez que a Lei nº

9.514/97 regrou apenas o procedimento intimatório na hipótese de mora do devedor, não

cuidando da mora do credor em sua obrigação de receber o crédito, diferentemente do que fez

o legislador da Lei nº 6.766/79, que trata do compromisso de compra e venda de lotes de

terreno, que previu, no art. 33, da Lei nº 6.766/79, a intimação do credor do preço da venda

do lote . 58

56 MOREIRA, Alves. Da Alienação Fiduciária em geral. São Paulo: Saraiva, 2005. 57 ALVES, José Carlos Moreira. Da Alienação Fiduciária Garantia. 3 ed. Rio de Janeiro, 1997. 58 MOREIRA, Alves. Da Alienação Fiduciária em geral. São Paulo: Saraiva, 2005.

61

6.4­ A propriedade fiduciária, vencida a dívida e não paga

Verificado o inadimplemento da obrigação pelo devedor no vencimento, a Lei nº

9.514/97, estabeleceu procedimentos bastante ágeis, visando a segurança do crédito.

Desta forma, se o alienante deixar de adimplir a obrigação assumida na data ou forma

convencionada, quatro fases distintas poderão ocorrer:

(a) intimação para purgação da mora;

(b) consolidação de plena propriedade em nome do credor­fiduciário;

(c) leilão extrajudicial e

(d) reintegração de posse, as quais serão analisadas separadamente.

6.5­ A intimação para purgação da mora

Ainda que vencida a dívida e não paga pelo devedor, não se configura a condicio iuris

a que está subordinada a propriedade fiduciária, uma vez que é possível não apenas a renúncia

da garantia pelo credor, bem como, por outro lado, a purgação da mora pelo devedor.

Da leitura dos §§ 1º a 3º do art. 26 da Lei nº 9.514/97, extrai­se que, após expirado o

prazo de carência convencionado, o fiduciante, seu representante legal, ou procurador

devidamente constituído, deverá ser pessoalmente intimado, a requerimento do credor­

fiduciário, pelo oficial do Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a dívida

acrescida de seus encargos (Uma vez que a intimação para purgar a mora é atividade estranha

aos Cartórios de Registro de Imóveis, espera­se que poucos registradores tomem a si o mister

de efetuá­la, repassando­a ao titular do Ofício de Registro de Títulos e Documentos).

6.6­ A consolidação da propriedade em nome do credor­fiduciário

Uma vez devidamente intimado o devedor­fiduciante e não purgada a mora, pode o

credor­fiduciário requerer a consolidação em seu nome do bem ofertado em garantia. É o que

62

se verifica do art. 26, da Lei nº 9.514/97, que reza: vencida e não paga, no todo ou em parte, a

dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar­se­á, nos termos deste artigo, a

propriedade do imóvel em nome do fiduciário. 59

Tal consolidação, ex vi do § 7º, do art. 26, dá ensejo à incidência do imposto de

transmissão inter vivos (ITBI ou SISA), a ser paga pelo credor­fiduciário, pois, até esse

momento, este era titular apenas de uma propriedade resolúvel, constituída meramente para o

fim de garantia. Com efeito, com a inadimplência do devedor­fiduciante, cessa o escopo de

garantia, e a consolidação da propriedade em nome do credor­fiduciário passa a ser vista como

simples transferência de propriedade, não mais incidindo a exceção do art. 156, II, da

Constituição Federal, alhures mencionado.

6.7­ O leilão extrajudicial

De acordo com o art. 27, § 4º, da Lei nº 9.514/97, Nos cinco dias que se seguirem a

venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao devedor a importância que sobejar No § 5º,

há a ressalva: Se no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor

referido no § 2º, considerar­se­á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que

trata o § 4º. Verificada esta hipótese, o credor, no prazo de cinco dias, a contar da data do

segundo leilão, dará ao devedor quitação da dívida, mediante termo próprio, conforme aduz o

§ 6º, do mesmo artigo. 60

Observa­se, pois, que a Lei nº 9.514/97, no afã de evitar o locupletamento do credor­

fiduciário, estabeleceu um valor mínimo pelo qual o imóvel deve ser vendido (art. 24, VI),

convencionado pelas partes. Caso não se consiga tal quantia, deverá o credor promover um

segundo leilão, desta vez pelo valor da dívida e seus encargos, tributos, contribuições

condominiais, além das despesas do leilão. 61

59 ALVES, José Carlos Moreira. Da Alienação Fiduciária Garantia. 3 ed. Rio de Janeiro, 1997. 60 ALVES, José Carlos Moreira. Da Alienação Fiduciária Garantia. 3 ed. Rio de Janeiro, 1997. 61 GOMES, Orlando. Alienação fidunciaria em garantia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

63

CONCLUSÃO

Ademais, a inclusão da propriedade fiduciária ­ ainda que sob a titularidade do credor­

fiduciário ­, num patrimônio de afetação, permite que o bem permaneça protegido dos

insucessos de planos econômicos ou más gestões administrativas, guarnecendo os interesses do

devedor adimplente. A propósito, essa segurança foi uma das maiores preocupações do

legislador, o qual desejava que os adquirentes de unidades imobiliárias não mais ficassem

sujeitos ao risco da falência das empresas de construção civil.

Outro aspecto de primordial importância é a rapidez que a lei imprimiu na outorga do

termo de quitação da dívida, que deve ser entregue pelo credor­fiduciário ao devedor­

fiduciante no prazo de trinta dias, sob pena de multa.

Em que pese a doutrina ter procurado dar ênfase ao aspecto social do instituto ­ uma

vez que o instituto estudado surgiu juntamente com o novo Sistema Financeiro de Imóveis,

instituído para facilitar a aquisição da casa própria ­, merece destaque, na verdade, seu cunho

altamente econômico, uma vez que o que se procurou, na verdade, foi adaptar uma forma de

garantia já ultrapassada, pela sua morosidade, com a necessária rapidez nos processos de

consolidação da propriedade em nome do credor, e restituição em nome do devedor.

Nesse contexto, a alienação fiduciária de imóveis em garantia certamente se tornará o

instituto jurídico por excelência na contratação de garantias no financiamento de unidades

residenciais, proporcionando a expansão do setor de construção de imóveis do Brasil,

mormente na hipótese de restar consolidada a previsão mercadológica acerca da volta do

investimento no setor imobiliário.

O Decreto­Lei n.º 911/69 há de ser aplicado em toda a sua totalidade, notadamente

em relação à possibilidade de se decretar a prisão civil do depositário infiel.

Trata­se de um decreto­lei originado da necessidade de se disciplinar o Mercado de

Capitais. Daí, vê­se que o mesmo se revela de grande valor. Em razão disto, não podemos

comungar com àqueles que, apesar franca minoria, vêem no Código de Defesa do Consumidor

e na Carta Política de 1988, uma revogação do citado texto legal.

Tal entendimento não se coaduna com a legislação pátria, onde uma lei não pode ser

revogada pelo “espírito” , ou seja, pela “mens legis” de outra lei.

O Decreto­Lei n.º 911/69, que serviu de base para este humilde trabalho ainda

permanece em vigor. Os nobres julgadores desta nação imensa, não tem a faculdade, mas sim,

64

a obrigação de aplicar­lhe, sabendo que agindo desta forma, estarão aplicando o bom direito e,

sobretudo, salvaguardando o Estado Democrático de Direito.

65

BIBLIOGRAFIA

ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. v. II, São Paulo: LTr, 2002.

ALVES, José Carlos Moreira. Da Alienação Fiduciária Garantia. 3 ed. Rio de Janeiro,

1997.

BRASIL. Constituição Federal, Código civil, código de processo civil / organizador Yussef

Said Cahali. ­ 4. Ed. ver., atual. e ampl. ­ São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002

CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano. 16ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1994.

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tratado de alienação fiduciária em garantia: das bases

romanas à lei n.º 9.514/97. São Paulo: LTr, 1999.

GOMES, Orlando. Alienação fidunciaria em garantia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

JURISPRUDÊNCIA disponível em http//:www.tac.mg.gov.br. Acesso em: 10 mar 2006.

JURISPRUDÊNCIA disponível em http//:www.stf.gov.br. Acesso em: 25 mai 2006.

JURISPRUDÊNCIA disponível em http//:www.tj.sp.gov.br. Acesso em: 22 mar 2006.

JURISPRUDÊNCIA disponível em http//:www.tj.pr.gov.br. Acesso em: 25 mar 2006.

JURISPRUDÊNCIA disponível em http//:www.tj.ms.gov.br. Acesso em: 10 abr 2006.

JURISPRUDÊNCIA disponível em http//:www.tj.go.gov.br. cesso em: 15 abr 2006.

JURISPRUDÊNCIA disponível em http//:www.tj.mt.gov.br. Acesso em: 08 mai 2006.

JURISPRUDÊNCIA disponível em http//:www.stj.gov.br. Acesso em: 15 mar 2006.

66

NERY JÚNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado e legislação processual

extravagante em vigor. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

MOREIRA, Alves. Da Alienação Fiduciária em geral. São Paulo: Saraiva, 2005.

PAULO FILHO, Pedro. Contratos no direito civil. v. II, São Paulo: LED, 2001.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituto de direito civil. v. IV. Rio de Janeiro: Saraiva, 2001.

RESTIFFE NETO, Paulo. RESTIFFE, Paulo Sérgio. Garantia fiduciária. 3ª ed., ver, atual. e

ampl. São Paulo: RT, 2000.

SILVA, Luiz Augusto Beck da. Alienação fiduciária em garantia. Rio de Janeiro: Ed. Forense,

2001.

TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Caderno de processo civil: Ação de consignação em

pagamento, ação de depósito. v. 2, São Paulo: LTr, 2000.

TERRA, Marcelo. Alienação fiduciária de imóveis em garantia: Lei nº 9.514/97, primeiras linhas. Porto Alegre: S. Fabris, 1998.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. ALMEIDA, Flávio Renato Correia de. TALAMINI. Eduardo.

Curso avançado de processo civil, v. 3.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.