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1 Dra. Cecília V. Krebs Objetivos Identificar os sinais e sintomas gerais de anemia. Identificar o Identificar os sinais e sintomas específicos das anemias mais prevalentes. Interpretar o hemograma e outros dados laboratoriais que auxiliem no diagnóstico das anemias. Enfocar a anemia ferropriva (mais comum). CENÁRIO CLÍNICO Um paciente de 45 anos vem à consulta para um “checkup”. Não possui nada de relevante na história clínica, exceto por uma discreta queixa de dispnéia quando sobe um lance de escadas rápido que vem ocorrendo nas últimas 3 semanas. Acredita que isto se deva à vida sedentária que leva há 2 anos. O exame Aísico do paciente é totalmente normal. COMO SEI QUE ESTE PACIENTE TEM ANEMIA? A anemia muitas vezes é assintomática e é descoberta por acaso ao se realizarem exames de rotina. Este paciente no entanto tem uma queixa sutil, que pode apontar para o raciocínio clínico de anemia que é a dispnéia discreta ao subir um lance de escadas rápido. Se o paciente é sedentário há muito tempo, mas só agora vem se queixando de dispnéia, então isto provavelmente é signiAicativo e a queixa deve ser melhor explorada. COMO UM PACIENTE COM ANEMIA PODE ESTAR SEM SINTOMAS? De acordo com o tempo de evolução da anemia o organismo cria “mecanismos de adaptação” para que os tecidos não sintam falta do oxigênio que a hemácia (ou eritrócito) carreia. Um deles é aumentar o débito cardíaco, para que seja ofertado aos tecidos maior quantidade de O2. Por tanto, quanto mais crônica for uma anemia, menos sintomática será, ou quando houverem, estes serão sutis. Já na anemia aguda não há tempo para que o organismo se adapte a este regime de hipóxia, portanto os pacientes terão mais sintomas e estes poderão ser exuberantes. ENTÃO PODEMOS SUSPEITAR DE ANEMIA DE ACORDO COM OS SINTOMAS DO PACIENTE E SEU TEMPO DE EVOLUÇÃO? Sim. Sintomas agudos são relacionados à perda abrupta da volemia, como palidez, tontura, síncope, taquicardia. Os sintomas crônicos reAletem a hipóxia tecidual, como fadiga, cefaléia, dispnéia. Em resumo, as anemias, de uma maneira geral, não importando a sua causa, podem manifestar se com sintomas gerais como astenia, letargia, dispnéia, palpitações, síncopes, ou exacerbações sintomáticas de doenças crônicas como piora de uma dispnéia em um paciente DPOC, surgimento de angina em um paciente coronariano. Ainda pode haver depressão, insônia, diminuição da libido, entre outros. Sintomas da “Síndrome Anêmica” Dispnéia aos esforços Taquicardia, palpitações Diminuição da tolerância a esforços Astenia, fadiga Tontura postural Cefaléia Descompensação de doenças cerebrovasculares Descompensação de doenças respiratórias ESTE PACIENTE PODERIA APRESENTAR ALGUM SINAL NO EXAME FÍSICO QUE PUDESSE FORTALECER A HIPÓTESE DE ANEMIA? Sim. A anemia apresenta alguns sinais clássicos. Para sabêlos é só lembrarmos que estamos em regime de “falta de oxigênio”. Sinais: Palidez, alopécia, glossite atróAica, queilose angular, coiloníquia, unhas quebradiças, insuAiciência cardíaca congestiva cor anêmico e sopro sistólico. Gastroenterologia Semiologia - GESEP ANEMIAS

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1 Dra. Cecília V. Krebs

Objetivos

• Identificar os sinais e sintomas gerais de anemia. Identificar o

• Identificar os sinais e sintomas específicos das anemias mais prevalentes.

• Interpretar o hemograma e outros dados laboratoriais que auxiliem no diagnóstico das anemias.

• Enfocar a anemia ferropriva (mais comum).

CENÁRIO  CLÍNICOUm  paciente  de  45  anos  vem  à  consulta  para  um  “check-­‐up”.  Não  possui  nada  de  relevante  na  história  clínica,  exceto  por  uma  discreta  queixa  de  dispnéia  quando  sobe  um  lance  de  escadas  rápido  que  vem  ocorrendo  nas  últimas  3  semanas.  Acredita  que  isto  se  deva  à  vida  sedentária  que  leva  há  2  anos.  O  exame  Aísico  do  paciente  é  totalmente  normal.COMO  SEI  QUE  ESTE  PACIENTE  TEM  ANEMIA?A   anemia   muitas   vezes   é   assintomática   e   é  descoberta   por   acaso   ao   se   realizarem   exames  de   rotina.   Este   paciente   no   entanto   tem   uma  queixa  sutil,  que  pode   apontar  para   o  raciocínio  clínico   de   anemia   que   é   a   dispnéia   discreta   ao  subir  um  lance  de  escadas  rápido.  Se  o  paciente  é  sedentário  há  muito  tempo,  mas  só  agora   vem  se   queixando   de   dispnéia ,   então   is to  provavelmente  é  signiAicativo  e  a  queixa  deve  ser  melhor  explorada.  

COMO   UM   PACIENTE   COM   ANEMIA   PODE  ESTAR  SEM  SINTOMAS?De   acordo   com   o  tempo   de   evolução  d a   a n e m i a   o  o r g a n i smo   c r i a  “mecan ismos   de  adaptação”  para  que  o s   t e c i d o s   n ã o  s i n t am   fa l t a   do  o x i g ê n i o   q u e   a  h e m á c i a   ( o u  eritrócito)   carreia.  U m   d e l e s   é  aumentar   o   débito  

cardíaco,   para   que   seja   ofertado   aos   tecidos  maior  quantidade   de  O2.   Por  tanto,   quanto  mais  crônica  for  uma  anemia,  menos  sintomática  será,  ou  quando  houverem,  estes  serão  sutis.Já   na   anemia   aguda   não   há   tempo   para   que   o  organismo   se   adapte   a   este   regime   de   hipóxia,  portanto   os   pacientes   terão   mais   sintomas   e  estes  poderão  ser  exuberantes.

ENTÃO  PODEMOS  SUSPEITAR  DE  ANEMIA  DE  ACORDO  COM  OS  SINTOMAS  DO  PACIENTE   E  SEU  TEMPO  DE  EVOLUÇÃO?  Sim.   Sintomas   agudos  são  relacionados  à   perda  abrupta   da   volemia,   como   palidez,   tontura,  síncope,   taquicardia.   Os   sintomas   crônicos  reAletem  a  hipóxia  tecidual,  como  fadiga,  cefaléia,  dispnéia.  Em   resumo,   as   anemias,   de  uma  maneira   geral,  não  importando  a   sua  causa,   podem  manifestar-­‐se   com   sintomas   gerais   como   astenia,   letargia,  dispnéia,  palpitações,  síncopes,   ou  exacerbações  sintomáticas  de  doenças  crônicas  como  piora  de  uma  dispnéia  em  um  paciente  DPOC,  surgimento  de   angina   em   um   paciente   coronariano.   Ainda  pode   haver   depressão,   insônia,   diminuição   da  libido,  entre  outros.

Sintomas  da  “Síndrome  Anêmica”Dispnéia  aos  esforços

Taquicardia,  palpitações

Diminuição  da  tolerância  a  esforços

Astenia,  fadiga

Tontura  postural

Cefaléia

Descompensação  de  doenças  cerebrovasculares

Descompensação  de  doenças  respiratórias

ESTE   PACIENTE   PODERIA   APRESENTAR  ALGUM   SINAL   NO   EXAME   FÍSICO   QUE  PUDESSE   FORTALECER   A   HIPÓTESE   DE  ANEMIA?  Sim.  A  anemia   apresenta   alguns  sinais  clássicos.  Para  sabê-­‐los  é   só   lembrarmos  que   estamos  em  regime   de   “falta   de   oxigênio”.   Sinais:   Palidez,  alopécia,   glossite   atróAica,   queilose   angular,  coiloníquia,   unhas   quebradiças,   insuAiciência  cardíaca   congestiva   –   cor   anêmico   e   sopro  sistólico.

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Sinais  da  “Síndrome  Anêmica”

Palidez  pele  e  mucosasAlopéciaGlossite  atróAica,  queilose  angularCoiloníquia,  unhas  quebradiçasSopro  sistólico,  Cor  anemico

HÁ   ALGUM   SINTOMA   OU   SINAL   ESPECÍFICO  QUE   NOS   ORIENTE   QUANTO   À   ORIGEM   DA  ANEMIA?Alguns   padrões   clínicos   podem   nos   orientar  para  o  diagnóstico  do  tipo  de  anemia.  Assim  por  exemplo:

Um   pac iente   com   anemia ,   i c ter íc ia   e  esplenomegalia   levantam   a   possibilidade  diagnóstica  de  anemia  hemolítica.  

Por  outro  lado,  um  paciente  com  anemia,  vontade  de  comer  terra  ou  chupar  gelo  (malásia)  e  coiloníquia  aponta  para  o  diagnóstico  de  anemia  ferropriva.

     Um   outro  paciente   com   anemia,   diminuição   da  sensibilidade   vibratória,   teste   de   Romberg  positivo  e  vitiligo  provavelmente  terá  deficiência  de  vitamina  B12.  

As   anemias   carenciais   podem   ocasionar  rachaduras  no   canto  da   boca,   conhecidas   como  queilite   angular   ou   despapilamento   da   língua,  também  chamado  de  glossite.  

Lembre-­‐se   ainda   do   paciente   com   anemia   e  múltiplas   petéquias   que   pode   indicar   anemia  aplástica.

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Neste   caso   clínico,   como   ainda   não   sabemos  como   está   o   hemograma   do   paciente   em  questão,  e,  devido  à  pobreza  de  sintomas  e  sinais  clínicos,   ainda   não  temos  certeza   se   o   paciente  tem   ou   não   anemia.   Outras   doenças   podem  manifestar-­‐se   também   com   dispnéia   a   esforços  como   insuAiciência   cardíaca,   insuAiciência  coronariana   e   doenças   pulmonares   variadas,  mas   devido   à   ausência   de   outros   achados  clínicos   que   corroborem   com   estas   hipóteses,  estes  ficam  menos  prováveis.

QUAL   O   PRÓXIMO   PASSO   ENTÃO   NA  SUSPEITA  DE  ANEMIA?Deve-­‐se   solicitar   um   hemograma.   A   análise   da  série  vermelha   é  que  definirá  se   o  paciente  está  ou  não  com  anemia.

CENÁRIO  CLÍNICO  

É  então  solicitado  um  hemograma  para  o  paciente  o  qual  evidencia  o  seguinte:  eritrócitos:  3.800.000/㎣;  Hb:  11,3g/dL;  VG:  36%;  VCM:  70;  HCM:21;  RDW:18.  A  série  branca  e  as  plaquetas  estão  normais.  

A   série   vermelha   do   hemograma   é   constituída  pe la   hemoglob ina   (Hb) ,   pe lo   vo lume  globular(VG),   também   chamado   de   hematócrito  (HT)   e   pelo   número   de   eritrócitos   (ou  hemácias).   Nos   casos   de   anemia   observa-­‐se  diminuição   destes   valores,   sendo   a   Hb   o  parâmetro   mais   estável   e   portanto   o   mais  utilizado   para   definí-­‐la.   De  maneira   prática   diz-­‐se  que   há   anemia   quando  a  Hb  é   <   13g/dL   nos  homens  e  <  12g/dL  nas  mulheres.

Agora   sim!   É   conAirmada   a   hipótese   diagnóstica  de  anemia,  pois  os  parâmetros  da  série  vermelha  estão   baixos.   Os   valores   normais   para   a   série  vermelha  são  os  seguintes:

Tabela  1:  Valores  normais  da  série  vermelhaTabela  1:  Valores  normais  da  série  vermelhaSérie  vermelha   Valores  normais

Índices  hematimétricosÍndices  hematimétricos

Tabela  1:  Valores  normais  da  série  vermelhaTabela  1:  Valores  normais  da  série  vermelhaVCM  (fL)   80-­‐96HCM  (pg)   27,6-­‐33,2

CHCM  (g/dL)   33,3-­‐35,5Outros  componentesOutros  componentes

RDW  (%)   11,7-­‐14,5Reticulócitos  (%) 0,5  –  2

E   AGORA?   SABEMOS  QUE   O   PACIENTE   TEM  ANEMIA,  MAS  QUAL  É  SUA  CAUSA?  Uma  vez  detectada  anemia  temos  o  obrigação  de  observar  os  outros  parâmetros   do  Hemograma,  que   me   informarão   a   respeito   do   tipo   da  hemácia  do  paciente.

O   VCM   (volume   corpuscular   médio)   orienta  sobre   o   tamanho   da   hemácia.   Se   aumentado:  macrocítica.   Se   normal:   normocítica.   Se  diminuído:  microcítica.

O   HCM   (hemoglobina   corpuscular   média)   e   a  CHCM   (concentração   da   hemoglob ina  corpuscular  média)   orientam   sobre   a   coloração  das   hemácias.   Se   aumentado:   hipercrômica.   Se  normal:   normocrômica.     Se   diminuído:  hipocrômica.

O   RDW   (red   cell   volume   distribution   width)  orienta   sobre   a   variabilidade   do   tamanho   das  hemácias,   dividindo   as   anemias   naquelas   sem  variabilidade   do   tamanho   daquelas   com   muita  variabilidade  no  seu  tamanho.  Ainda   temos   o   reticulócito   que   é   uma   hemácia  jovem,   precursora   do   eritrócito   no   sangue.  Quando  ele  se  encontrar  em  número  aumentado  no   sangue   periférico   podemos   deduzir   que   há  um  estado  de  hemorragia  ou  hemólise,  em  geral.  Ele   representa   a   resposta   da   medula   óssea   à  anemia,  como  forma  de  compensação.

ENTÃO  O  PERFIL  DA  HEMÁCIA  DO  PACIENTE  PODE  ME  SUGERIR  A  CAUSA  DA  ANEMIA?  Sim.

COMO  SABER  A  CAUSA  DA  ANEMIA?  Devemos   classificá-­‐las,   pois   facilitam   o  raciocínio  clínico  da  sua  etiologia.  1. Anemias  Hipocrômicas  Microcíticas2. Anemias  Normocrômicas  Normocíticas3. Anemias  Macrocíticas

Tabela  2:  ClassiAicação  das  anemiasTabela  2:  ClassiAicação  das  anemiasTabela  2:  ClassiAicação  das  anemiasAnemias  

Hipocrômicas  Microcíticas

Anemias  Normocrômicas  Normocíticas

Anemias  Macrocíticas

Ferropriva Mieloma  Múltiplo MegaloblásticaTalassemia Doença  Crônica Hipotireoidismo

Sideroblástica Hemolítica AlcoolismoDoença  crônica Hemorragia  aguda Mielodisplasias

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Tabela  2:  ClassiAicação  das  anemiasTabela  2:  ClassiAicação  das  anemiasTabela  2:  ClassiAicação  das  anemiasIntoxicação  por  metais  pesados

Aplásica Aplásica

Fase  inicial  de  anemia  ferropriva

Voltemos   aos   parâmetros   hematimétricos   do  paciente  (VCM,  HCM  e  CHCM)  e  observemos  que  o  paciente   tem  uma  anemia  do  tipo  hipocrômica  e  microcítica.

QUAIS   SÃO   AS   ETIOLOGIAS   DESTE   TIPO   DE  ANEMIA?Anemia   ferropriva,   talassemia,   sideroblástica,  intoxicação   por   metais   pesados   e   a   assim  chamada  “anemia  de  doença  crônica”.

CENÁRIO  CLÍNICO  É   então   solicitado   um   perAil   do   ferro   para   o  paciente   o   qual   evidencia   Ferritina   =   4   ng/ml  (40-­‐200),   Ferro   sérico   =   16   mcg/dl   (50-­‐150),  índice   de   saturação   do   ferro   =   12%   (20-­‐50).  Capacidade   de   ligação   total   do   ferro   =   450  (300-­‐360)Ferritina  representa  o  estoque  do  ferro  no  organismo;Ferro  sérico  é  a  quantidade  de  Ferro  livre  no  sangue;Capacidade  de  ligação  total  do  ferro  =  transferrina;Índice  de  saturação  do  ferro  =  ferro/CLTFe  x  100.

Devido   a   sua   alta   prevalência   vamos   nos   ater  apenas   à   anemia   ferropriva.   Como   o   próprio  nome   diz,   anemia   ferro   –   priva   quer   dizer  privação  de   ferro,   deAiciência   de   ferro.  E   de   que  maneiras  o   ser  humano   chega  a   este   regime   de  deAiciência  de  ferro?  

Das  seguintes  formas:  1. Ingesta  inadequada  (carencial)2. Absorção  inadequada3. Perdas:  sangramentos,  parasitoses

Os   estados   nutricionais   carenciais   são   raros   na  idade   adulta,  mas   devem   ser  lembrados   na   sua  anamnese.   Já   a   perda   crônica   de   sangue   é   a  principal   causa  de   anemia   ferropriva   no  mundo  e,   na   prática   se  manifesta   principalmente   em  2  situações:   Em  mulheres   com   hipermenorréia   e  em   homens   ou   mulheres   com   sangramento   de  qualquer   parte   do   trato   gastrointestinal,   sendo  este  último  geralmente   leve  e   crônico,  passando  despercebido.

Sendo   assim,   lembre-­‐se:   a   anemia   ferropriva  nunca   é   o  diagnóstico  Ainal!   Uma   vez  detectada,  vá  atrás  de  sua  origem.

E  AGORA?  QUAL  O  PRÓXIMO  PASSO?

CENÁRIO  CLÍNICO  Realizou-­‐se  uma  endoscopia  digestiva  alta  (EDA)  que   evidenciou   uma   pequena   úlcera   duodenal  ativa,  mas  sem  sinais  de  sangramento  recente.

Aqui  há  algo  interessante  para  comentar:Quando   se   suspeita   de   um   sangramento  digestivo  oculto,  deve-­‐se  priorizar  a  investigação  do   intestino   grosso   primeiro,   assim,   uma  colonoscopia   antes   da   EDA   poderia   ser   mais  interessante.   Isto   porque   às   vezes   o   achado   de  qualquer   patologia   no   trato   digestivo   alto,  poderá   ser   uma   falsa   pista,   com   risco   de  negligenciar   uma   patologia   mais   séria   no   trato  digestivo   baixo,   como   por   exemplo   um  adenocarcinoma  de  cólon.  Fe l i zmente ,   t ambém   rea l i zou -­‐se   uma  colonoscopia  neste  paciente  a  qual  foi  normal.    

RESOLUÇÃO  DO  CASOEste  paciente  de  45  anos,  apesar  de  assintomático,  exceto  pela  discreta  queixa  de  dispnéia  aos  esforços,  revelou-­‐se  portador  de  uma  anemia  relativamente  importante  do  tipo  microcítica  e  hipocrômica  que  desencadeou  o  raciocínio  da  procura  da  principal  causa  de  anemia  deste  tipo,  ou  seja,  a  ferropriva.  O  perAil  do  ferro  conAirmou  a  hipótese  e  em  decorrência  do  paciente  não  ter  nada  que  levasse  a  pensar  em  carência  alimentar  ou  má  absorção,  obrigou  à  investigação  de  perda  sanguínea,  principalmente  do  trato  gastrintestinal  (em  homens),  que  acabou  se  conAirmando  com  a  presença  de  úlcera  duodenal  ativa,  que  embora  não  sangrante  no  momento,  provavelmente  tenha  ocorrido  de  forma  intermitente.

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LEITURA COMPLEMENTARRDW  (RED  BLOOD  DISTRIBUTION  WIDTH)

O  RDW  é   a  medida  na   variabilidade   do  tamanho  das  células  vermelhas  circulantes  (N:  11,5-­‐14,5).   O  RDW  ajuda   a   distinguir,   por  exemplo,   dentro  das  anemias  microcíticas,   uma   anemia   ferropriva  (com  grande   variabilidade  de   tamanhos,   ou  seja   RDW   elevado)   de   talassemia  minor  ou  mesmo  anemia   de  doença  crônica  (com  pouca  variabilidade  de  tamanho,  ou  seja,  RDW  normal).Outras   doenças   além   da   anemia   ferropriva   que   também   ↑RDW:   anemia   megaloblástica,   hemólise,  sideroblástica,  pós-­‐transfusão,  abuso  de  álcool  e  hemoglobinopatias.

RETICULÓCITOS

Os   reticulócitos   são   eritrócitos   imaturos   que   contém  mRNA   citoplasmático.   Como   podemos   ter  um  falso   aumento   da   percentagem   de   reticulócitos   nas   anemias,   preconiza-­‐se   o   cálculo   do   índice  reticulocitário  (IR)  para  melhor  avaliação,  que   leva  em  conta   a  correção  da  contagem  de  reticulócitos  dependendo  do  grau  de  anemia.  Isto  é  particularmente  mais  útil  ao  avaliarmos  anemias  normocíticas/  normocrômicas...                                                                                                                            

Relativo:IR  <  2:  MO  com  resposta  inadequada  à  anemia.IR  2-­‐3:  borderline.IR  >  3:  MO  com  resposta  adequada  à  anemia.

Absoluto:IR  <  40.000/mm³  =  MO  com  resposta  inadequada  à  anemia.IR  =  40.000  –  100.000/mm³  =  borderline.IR  >  100.000/mm³  =  MO  com  resposta  adequada  à  anemia

Índices  reticulocitários  aumentados,  ou  seja,  com  boa  resposta  medular,  são  encontrados  na  hemólise,  na   perda   de   sangue,  na   recuperação  de   uma   anemia   ferropriva  ou  B12   ou  ácido   fólico.   Já   os  índices  reticulocitários   diminuídos,   ou   seja,   com   má   resposta   da   medula   óssea   óssea,   são   encontrados   na    anemia   por   deAiciência   de   ferro,   na   aplasia   de   medula   óssea,   na   anemia   megaloblástica,   na  sideroblástica  e  na  supressão  da  medula  óssea.

HEMATOSCOPIA  (ANÁLISE  DO  SANGUE  PERIFÉRICO)

A   análise   da   hemácia   ao  microscópio   (análise   do   sangue   periférico   ou   hematoscopia)   pode   ser   de  grande   valia   no   auxílio   diagnóstico.   As  vezes  a   pista   diagnóstica   surge   na   hematoscopia,   assim   por  exemplo  se   observam-­‐se  hemácias  em  alvo,   o  diagnóstico  de   talassemia  é  praticamente   certo.   Veja   a  seguir  uma  lista  de  alterações  na  hematoscopia  que  podem  orientar  o  diagnóstico:

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• Em  alvo  (Codócitos):  talassemias.• Acantócitos  (Crenadas)  e  Burr  cell:  doenças  renais.• Em  foice  (Drepanócitos):  falciforme.• Esferócitos:  esferocitose  ou  anemias  hemolíticas  auto-­‐imunes.  • Eliptócitos   ou   Ovalócitos:   eliptocitose,   anemias   ferropriva   e   megaloblástica,   síndromes  mieloproliferativos.  

• Fragmentos  (Esquizócitos):  anemia  hemolítica  microangiopática.• Em  gota  (Dacriócitos):  mieloAibrose  e  outros  síndromes  mieloproliferativos  crônicos.• Rouleux:  mieloma  múltiplo.• Macrócitos:  anemias  macrocíticas.• Micrócitos:  anemias  microcíticas.• Normal:  anemias  normocíticas.

• Howell-­‐Jolly:  esplenectomizados• Ponteado   basóAilo:   saturnismo   (chumbo),  talassemia,   anemia   megaloblástica,   anemia  sideroblástica

• Grânulos  sideróticos:  anemia  sideroblástica• Parasita  dentro:  malária• Reticulócitos:  anemia  hemolítica• Corpúsculos  de  Heinz:  hemólise

ANEMIA   FERROPRIVA  x  ANEMIA  DE  DOENÇA  CRÔNICA

Nas   doenças   crônicas   o   ferro   também   se  encontra   diminuído   e   poderá   levar   ao   falso  diagnóstico  de  anemia  ferropriva.  Isto  ocorre  por  redução   da   produção  de   células  vermelhas  pela  medula   óssea   e   também   em   decorrência   da  menor   sobrevivência   do   eritrócito   no   sangue  periférico.   Três   fatores   contribuem   para   este  estado  hipoproliferativo:  

1. Atrapamento  do  ferro  pelo  macrófago2. DeAiciência  de  eritropoietina3. Aceleramento  da  apoptose  celular  dos  precursores  da  série  vermelha

Devemos   solicitar   todo   o   perAil   do   ferro  para   poder   interpretar  melhor   a   situação   (ferro,   ferritina,  capacidade   de   ligação,   índice   de   saturação   e   ferritina).   Observe   na   tabela   3   abaixo   as   principais  diferenças  entre  uma  anemia  e  outra:

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Tabela  3:  Anemia  ferropriva  x  Doença  crônicaTabela  3:  Anemia  ferropriva  x  Doença  crônicaTabela  3:  Anemia  ferropriva  x  Doença  crônica

Laboratório Ferropriva D.  Crônica

Ferro ↓ ↓

CLTFe ↑ ↓

is  Ferro ↓ ↓

Ferritina ↓ ↑

Ferro  MO ↓ ↑

Ferro  MO:  Ferro  na  medula  ósseaFerro  MO:  Ferro  na  medula  ósseaFerro  MO:  Ferro  na  medula  óssea

Devemos   lembrar  que   a   capacidade  de   ligação  total  de   ferro  é   uma   proteína,   e,   como  em  quase   toda  doença   crônica  há   um  estado  de   hipoproteinemia   relativa   ao   longo  do  tempo,   o  mesmo   se   encontra  baixo  na  anemia  de  doença  crônica,  diferentemente  da  anemia  ferropriva,  onde  se  encontrará  elevada.  

Por  outro  lado,  a  ferritina,  além  de  traduzir    a  reserva  de   ferro  no  organismo,  também  é  uma  proteína  de   fase   inAlamatória   (assim  como  a    mucoproteína,  proteína   C   reativa   e   alfa-­‐1   glicoproteína  ácida),   e  portanto  se  encontrará  elevada,  diferentemente  da  anemia  ferropriva,  aonde  se  encontrará  baixa.  

A  ferritina  pode  ser  normal  tanto  em  uma  fase   inicial  de  anemia  ferropriva  (quando  ainda  a  reserva  de  ferro  não  está  depletada),  quanto  naanemia  de  doença  crônica  (quando  não  haja  um  estado  inAlamatório  contínuo).

REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS

1. D.  L.  Simel  and  D.  Rennie.  The  Rational  Clinical  Examination:  Evidence  based  clinical  diagnosis.  Mc  Graw-­‐Hill,  2009

PONTOS  CHAVE1. As  anemias  podem  ser  assintomáticas2. Não  basta  diagnosticar  anemia,  devemos  

saber  o  tipo  e  a  sua  causa3. Anemia  ferropriva  em  homens  é  sinônimo  de  

investigar  o  trato  gastrintestinal4. Classicamente  na  anemia  de  doença  crônica  

a  CLTFe  está  diminuída  e  a  ferritina  aumentada.  

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ANEMIAS MAIS COMUNS E SEUS ACHADOS CLÍNICOS E LABORATORIAISANEMIAS MAIS COMUNS E SEUS ACHADOS CLÍNICOS E LABORATORIAISANEMIAS MAIS COMUNS E SEUS ACHADOS CLÍNICOS E LABORATORIAISANEMIAS MAIS COMUNS E SEUS ACHADOS CLÍNICOS E LABORATORIAISANEMIAS MAIS COMUNS E SEUS ACHADOS CLÍNICOS E LABORATORIAIS

Anemia Tipo Causa Clínica Laboratório

Micro/hipo

Ferropriva ↓Fe (perda, ↓absorção, ↓ingesta) Pica ou maláscia, pagofagia, geofagia, perda de sangue ou doação, vegetariano restrito, uso crônico de AINES. Síndrome de má-absorão. Gastrectomia prévia. Coiloníquia, queilite

↓Fe, ↓saturação do Fe, ↓ferritina, ↑CLTFe, ↓estoques de Fe na MO

Micro/hipo

Talassêmica Alteração na síntese da Hb: cadeia α ou β

Descendência do mediterrâneo, hemólise (icterícia e esplenomegalia)

Células em alvo (codócitos). Traço: ↑Hb A2. Major: ↑Hb A2, ↑HbF, ↓ ou ausência de HbA1 ↑.≅ hemólise.

Micro/hipo

Metais pesados Intoxicação mercúrio, cromo, chumbo (saturnismo)

História de intoxicação.Neuropatia periférica, hipertensão, dor abdominal, náuseas e vômitos, hipertermia, letargia, coma.

Ponteado basófilo, ↑Chumbo ou outro metal pesado, ↑Protoporfirinas. ↑Ácido úrico.

Micro/hipo

Sideroblástica Fe utilizado de forma inapropriada a nível intracelular – por mutação ou por alcoolismo ou drogas ocasionando acúmulo.

Alcoolismo. Uso de medicamentos ↑Fe, sideroblastos em anel na MO.

Normo/normo

Hemólise Destruição de hemácias: Extravascular (autoimune, reação transfusional tardia, hemoglobinopatias, hiperesplenismo, esferocitose)Intravascular (reação transfusional aguda, trauma, válvula mecânica, hemoglobinúria paroxística noturna, sepse por clostridium)

Esplenomegalia, icterícia, hemoglobinúria. Exposição a certas medicações.

Esquizócitos. Corpúsculos de Heinz.↓Haptoglobina, ↑↑Reticulócitos, ↑↑bilirrubina indireta, ↑↑LDH Hemoglobina e hemossiderina na urina.Coombs direto e indireto positivos.

Normo/normo

Aplásica Destriução da célula tronco da MO

Infecções graves, sangramentos (petéquias, equimoses), úlceras orais. Exposição a toxinas ou infecções.

Pancitopenia grave (anemia, leucopenia, plaquetopenia)

Normo/normo

Falciforme Alteração na síntese da cadeia β da Hb: substituição valina por ácido glutâmico no 6º aminoácido da cadeia.

Raça negraCrise vaso-oclusiva: dor intensa óssea, torácica, abdominalCrise hemolítica: icteríciaCrise de seqüestro: choque e esplenomegalia com pancitopenia.Crise aplásica: com infecção severa (sepse, meningite, pneumonia, osteomielite).Úlceras na perna, priapismo, necrose asséptica da cabeça do fêmur.

Células em foice.Teste da falcização positivo. Eletroforese de Hb alterada (Hb S): sem Hb A e com quantidades variáveia de Hb F.No traço: há Hb A e S.≅ hemólise

Normo/normo

Doença Crônica Alteração no metabolismo do ferro.

Depende da doença. Acantócitos (crenadas).↓Fe, ↓saturação do Fe, ↑ferritina, ↓CLTFe, ↑estoques de Fe na MO.

Macro/normo

Megaloblástica Deficiência de B12 ou ácido fólico

Deficiência de B12 + atrofia gástrica (Anemia Perniciosa)

Parestesias (neuropatia periférica), glossite, déficits cognitivos, depressão, mudanças de personalidade, alucinações, demência, alteração da propiocepção, alteração na sensibilidade vibratória. Atrofia gástrica, história de gastroplastia, gastrectomia ou uso crônico de bloqueadores de bomba, doença ileal ou ressecção ileal. Má-absorção.

Policromatofilia, Polilobócitos, Ovalócitos.↓B12, ↓folato, ↑hemocisteína, ↑ácido metilmalônico, discreta hiperbilirrubinemia indireta, ↑LDH.Teste de Schilling positivo.Macro/

normo

Hepatopatia As causas de cirrose (hepatites, álcool, medicamentos, doença de Wilson, homocromatose, cirrose biliar primária)

História de alcoolismo ou hepatite crônica, ascite, esplenomegalia, edema, circulação portal, aranhas vasculares, flapping, desnutrição, etc.

↑TGO e TGP, ↑GGT, ↑triglicerídeos, ↑ácido úrico, pancitopenia leve, ↓albumina, ↑TAP.

Macro/normo

Hipotireoidismo Autoimune geralmente Rouquidão, apatia, astenia, depressão, obstipação, bradicardia, pele seca, obesidade, edema mixedematoso, etc.

↑TSH, ↓T4 livre, anti-peroxidase, anti-tireoglobulina

Macro/normo

Mielodisplasia Displasia da célula tronco pluripotente

Sinais e sintomas de anemia refratária. Uso prévio de QT, exposição a toxinas.

Seideroblastos em anel na MO, alterações displásicas na MO, blastos no hemograma ou MO.

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