Anima Cidade
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i
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE LETRAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGUSTICA
THIAGO DA SILVA SANTOS
ANIMACIDADE: um estudo entre lnguas
RIO DE JANEIRO
2013
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ii
Thiago da Silva Santos
ANIMACIDADE: um estudo entre lnguas
Dissertao de Mestrado apresentada ao
Programa de Ps-Graduao em Lingustica da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
quesito para a obteno do Ttulo de Mestre em
Lingustica.
Orientadora: Aleria Cavalcante Lage
Rio de Janeiro
2013
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iii
Santos, Thiago da Silva
Animacidade: um estudo entre lnguas/ Thiago da Silva Santos - Rio de
Janeiro, 2013.
xii, 64 f: il.
Dissertao de Mestrado em Lingustica Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, Faculdade de Letras Programa de Ps-Graduao em Lingustica, 2013.
Orientadora: Aleria Cavalcante Lage
1. Gramtica Gerativa. 2. Animacidade. 3. Lingustica Dissertaes. I. Lage, Aleria Cavalcante (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Letras. Programa
de Ps-Graduao em Lingustica. III. Animacidade: um estudo entre
lnguas.
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Thiago da Silva Santos
ANIMACIDADE: um estudo entre lnguas
Dissertao de Mestrado apresentada ao
Programa de Ps-Graduao em Lingustica,
Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como requisito obteno do ttulo de
Mestre em Lingustica.
Aprovada em 08 de maro de 2013.
Professora Doutora Aleria Cavalcante Lage
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Professor Doutor Humberto Peixoto Menezes
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Professora Doutora Marcia Maria Damaso Vieira
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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v
s grandes mulheres que representaram
todos os mais decivos papis em minha vida:
minha esposa, minha me, minha irm e
minha professora.
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vi
AGRADECIMENTOS
Eu devo mais agradecimentos do que acredito que darei conta de enumerar neste
espao to limitado, mas espero sinceramente que quem quer que no seja citado tenha
conscincia de sua importncia em minha caminhada at este ponto da vida, a despeito do
meu esquecimento, mas no da minha sincera gratido.
Vou principiar por agradecer quela que indubitavelmente a codetentora de meus
maiores triunfos e conquistas, a quem devo tudo o que sou: minha me. J que considero essa
uma boa oportunidade para dizer o que penso do seu desempenho como me solteira, tenho de
exprimir isso em uma exclamao: Me, voc arrasou!. Voc no somente conseguiu me
ensinar os maiores valores que ainda cultivo, mas se manteve firme quando todos esperavam
que fraquejasse e se manteve amvel quando ningum a culparia por ser dura. Enfrentou
momentos terrveis, sofrendo sem socorro, mas me deu a oportunidade de continuar
estudando, at mesmo me obrigou a seguir em frente quando eu lhe disse que j tinha sido
suficiente, que eu j podia largar a escola para trabalhar. Voc me manteve no caminho mais
longo e estreito e me acompanhou por ele, por isso espero que sinta, como eu sinto, que est
chegando, tambm ao meu lado, ao fim de mais esta jornada.
Aos meus irmos e irmzinha, tambm devo a companhia e carinho nesses muitos
anos que compartilhamos. Vocs sempre estiveram comigo, sorrindo e chorando, ensinando e
aprendendo. Corrigimos uns aos outros, animamos uns aos outros, nos mantivemos juntos e
fortes durante as horas difceis. Sem vocs, sem seu exemplo (para o certo e para o nem to
certo), tambm no seria quem sou. Espero sempre t-los ao meu lado e continuar a partilhar
dos muitos dias ditosos que o futuro nos guarda.
minha professora e orientadora, Aleria Lage, gostaria de poder demonstrar o
tamanho da gratido que sinto por sua pacincia e generosidade, mas no possuo as palavras
que se fariam necessrias. Para sempre lhe deverei a magnanimidade de me notar, de perceber
em mim algum talento para a Lingustica. Nunca lhe confessei isto, mas quando voc me
convidou para a Iniciao Cientfica, eu andava me perguntando se meu lugar era realmente
na Faculdade de Letras. Voc me deu nimo e me fez encontrar um lugar em meio quelas
tantas e to diferentes disciplinas do terceiro perodo. Sua paixo pelo que nos ensinava me
contagiou e eu quis tambm ter esse tipo imerso nessa cincia to complexa, multifacetada
e, ao mesmo tempo, to bela. Quase no consigo entender por que voc se empenhou tanto e
tantas vezes em me levar para frente quando eu visivelmente relutava, mas tenho de deixar
claro que, no fosse por isso, aqui eu no teria chegado.
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vii
J lhe disse isto muitas vezes, mas nunca ser o bastante: Muito obrigado,
professora!.
Enfim, deixo propositalmente para agora os agradecimentos pessoa que ocupa o
mais especial lugar em minha vida, minha amada esposa. Daqueles a quem me referi nesses
humildes agradecimentos, voc foi a ltima a entrar em minha vida, mas tenho certeza de que
sabe que tambm quem tomou conta de todos os sonhos e planos que tenho para os dias e
anos que viro. por voc que tenho me empenhado tanto por me tornar uma pessoa maior,
mais responsvel e compreensiva. em voc que encontro foras para enfrentar as
adversidades a que estamos sujeitos e que, mesmo que nos esforcemos para o contrrio,
sempre acabam nos achando. Voc a fonte de beleza, de paz e de alegria em minha vida. J
no me posso ver alcanando qualquer vitria, se dela voc no puder compartilhar.
Minha Princesa, voc a lanterna que ilumina meu caminho para o futuro. Esta
uma conquista de ns dois, da nossa incipiente e feliz famlia. Compartilho contigo este
momento e desejo muito que voc tenha por mim, agora, o mesmo orgulho que sinto todos os
dias por voc.
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RESUMO
SANTOS, Thiago da Silva. Animacidade: um estudo entre lnguas. Rio de Janeiro, 2013.
Dissertao de Mestrado em Lingustica, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
Diante da viso lingustica clssica de animacidade como trao semntico, o objetivo
deste estudo, com base na Gramtica Gerativa, mostrara animacidade enquanto trao
sinttico (formal), observando dados deste fato em vrias lnguas naturais, essencialmente
atravs das marcas morfolgicas estabelecidas por diferentes operaes sintticas,
especialmente atravs da operao que gera a relao de concordncia (Agr).
A abordagem do trao [animado] enquanto sinttico (Lage, 2011a, 2011b, 2013)
est de acordo com o Programa Minimalista (Chomsky, 1995-2011), mas apresento tambm
uma anlise alternativa para as manifestaes sintticas, quando assumindo a Morfologia
Distribuda, que postula outro modelo terico de arquitetura de linguagem na Gramtica
Gerativa. A existncia ou no de marca morfolgica para o trao de animacidade
parametrizada, e explicada plenamente pela Teoria de Princpios e Parmetros (Chomsky,
1981).
Aponto ainda que animacidade tambm uma noo, um conceito que um recm-
nascido da nossa espcie j domina, mas outras espcies tambm j detm este conceito ao
nascimento (Hinzen, Poeppel, 2011). Portanto, em termos conceituais, a animacidade no
lingustica (Frana, Lage, 2013).
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ix
ABSTRACT
SANTOS, Thiago da Silva. Animacidade: um estudo entre lnguas. Rio de Janeiro, 2013.
Dissertao de Mestrado em Lingustica, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
Facing the classical linguistic view of animacy as a semantic feature, the aim of this
study, based on the Generative Grammar, is to show animacy as a sintactic (formal) feature,
observing this fact in the data of several natural languages, essentially through the
morphological marks established by different syntactic operations, specially through the
operation that generates the relation of agreement (Agr).
The approach of the [animate] feature as syntactic (Lage, 2011a, 2011b, 2013) is
according to the Minimalist Program (Chomsky, 1995-2011), but I also present an alternative
analysis to the syntactic manifestations, when assuming the Distributed Morphology, which
postulates another theoretical framework of the architecture of language in the Generative
Grammar. The existence or not of a morphological mark for animacy is parameterized, and is
fully explained by the Theory of Principles and Parameters (Chomsky, 1981).
I still point out that animacy is also a notion, a concept that a newborn o four species
already dominates, but other species also have this concept by birth (Hinzen, Poeppel, 2011).
Thus, in conceptual terms, animacy is not linguistic (Frana, Lage, 2013).
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x
LISTA DE FIGURAS
1 Esquema simples do modelo da derivao segundo o Minimalismo
2 Esquema mais detalhado do modelo de derivao segundo o Minimalismo
3 Esquema do modelo da derivao segundo a Morfologia Distribuda
4 Konrad Lorenz na pesquisa de imprinting
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8
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37
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SUMRIO
1 INTRODUO
2 PRESSUPOSTOS TERICOS
2.1 TRAOS SINTTICOS, TRAOS FONOLGICOS E TRAOS SEMNTICOS
2.2 TRAOS INTRNSECOS
2.3 PAPEL TEMTICO E ESTRUTURA ARGUMENTAL
2.4 CONCORDNCIA
2.5 CASO ESTRUTURAL E CASO MORFOLGICO
2.5.1 Marcao Cannica de Caso
2.5.2 Marcao Excepcional de Caso
2.6 CASO MORFOLGICO, FUNO GRAMATICAL E CONCORDNCIA
2.7 VOZ INVERSA
2.8 SUJEITO NULO
2.9 REDOBRO DE CLTICO
2.10 UMA VERSO NO LEXICALISTA DA GRAMTICA GERATIVA: A
MORFOLOGIA DISTRIBUDA
3 ANIMACIDADE
3.1 CONCEITO NO LINGUSTICO E CONCEITO LINGUSTICO DE
ANIMACIDADE
3.2 TRAO SEMNTICO: A VISO CLSSICA
3.3 ANIMACIDADE NA CONCORDNCIA
3.3.1 Dados do japons
3.3.2 Informaes sobre este fenmeno em outras lnguas: persa, blgaro, russo,
hindi-urdu, kotiria, swahili, ruwund, kiRimi, maasai e ndengeleko
3.3.2.1 Persa
3.3.2.2 Blgaro
3.3.2.3 Russo
3.3.2.4 Hindi-urdu
3.3.2.5 Kotiria
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3.3.2.6 Swahili
3.3.2.7 Ruwund, kiRimi e maasai
3.3.2.8 Ndengeleko
3.4 ANIMACIDADE E VOZ INVERSA
3.4.1 Dados do navajo
3.5 ANIMACIDADE E REDOBRO DE CLTICO
3.5.1 Dados do espanhol
3.6 ANIMACIDADE E SUJEITO NULO
3.6.1 Dados do portugus do Brasil
5 CONCLUSES
6 REFERNCIAS
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48
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51
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54
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1
1 INTRODUO
O estudo desenvolvido nesta dissertao, que se fundamenta na Generative Grammar
Gramtica Gerativa (Chomsky, 1957, 1959, 1965, 1977, 1981, 1982, 1993, 1995, 1997,
1998, 1999, 2001, 2006, 2011), incluindo as bases das modificaes tericas ao longo do
tempo, teve inicialmente o objetivo de investigar o trao de animacidade, relacionando-o
Concordncia (Agreement Agree/ Agr), e considerando dados de diversas lnguas. O
primeiro passo era no considerar simplesmente a viso clssica da Lingustica de
animacidade enquanto propriedade exclusivamente semntica, mas como trao sinttico
(Lage, 2011a, 2011b, 2013).
No entanto, aps a continuidade da pesquisa, quando chegamos a tratar de treze
lnguas diferentes, que foram persa, blgaro, japons, kotiria (famlia Tukano), ruwund,
kiRimi, maasai, swahili, ndengeleko, russo, hindi-urdu, navajo e portugus, pudemos verificar
que o trao de animacidade no est envolvido somente em Agr, mas tambm em outros
fenmenos lingusticos, como na atribuio de caso gramatical, nas estruturas argumentais, na
hierarquia de papis-, no apagamento de constituintes, que, por sua vez, est relacionado
hierarquia de pessoa, e na voz verbal. Alm destes fenmenos, o trao de animacidade, por
sua intrincada natureza, pode compor, com destaque, diversos outros fenmenos nas lnguas
naturais, que precisam ainda se tornar objeto de investigao.
Diante do postulado dos universais lingusticos, a pesquisa aqui visa a avaliar
tambm como se enquadra a animacidade na Teoria de Princpios e Parmetros P&P
(Chosmky, 1981). A animacidade presente na relao de Agr um Princpio, expresso ento
pela operao sinttica de copy (copiar) os traos formais do nome que se torna sujeito (ou
objeto). Sendo Princpio, a animacidade em Agr est presente em todas as lnguas. E a
existncia de marcao morfolgica ou no para o trao sinttico/formal [ animado] do DP
sujeito (ou objeto) so os dois Parmetros possveis.
De todo modo, o trao [ animado] inerente ao nome, depois de Spell-out (separao
de traos), vai para a Forma Lgica (Logical Form LF) e interpretado pela Interface
Conceitual-Intencional (Conceptual-Intentional Interface C-I). (Cf. Chomsky, 1995, 2001;
Hauser, Chomsky, Fitch, 2002; Fitch, Hauser, Chomsky, 2005; Lage, 2005, 2013)
H diversas evidncias que demonstram a importncia do trao de animacidade em
operaes sintticas em vrias lnguas naturais. Alm disso, este trao est presente na
formao de estruturas argumentais, que, de acordo com o Programa Minimalista ou
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Minimalismo (Minimalist Program MP), ou seja, Chomsky (1995, 1998, 1999, 2001), so
projetadas na sintaxe.
Ao tentar esclarecer a relao que pode existir entre a animacidade e o
estabelecimento das estruturas argumentais, torna-se indissocivel a discusso sobre as
possveis ligaes entre o trao de animacidade e os papis-. Nesse caminho, assumimos as
ideias de Canado (2003, 2009) sobre a atribuio de papis-.
Mesmo considerando a animacidade como uma das noes que, em conjunto, so
acarretadas durante a atribuio de papel- a um argumento, no se pode enxergar uma
relao entre esse processo e fenmenos estritamente sintticos, como na voz inversa, como
exemplo da lngua Navajo, falada por nativos norte-americanos, em cujo uso fica claro o
envolvimento do trao de animacidade.
Sabe-se, portanto, que a animacidade pode ter influncia nas operaes sintticas e,
mais ainda, que pode tambm ser fundamental para a definio de estruturas argumentais.
Entretanto, mesmo assim, a multiplicidade de aspectos e posies que lhe cabem suficiente
para tornar complexa a tarefa de delimitar seu lugar em um modelo de computao
lingustica.
Outro ponto o inescapvel entendimento da animacidade como conceito. Este
conceito vai alm do que se verifica no beb ao nascimento, pois h outras espcies que
atingem estes valores conceituais (Hinzen, Poeppel, 2011). Konrad Lorenz (1946) h muito j
mostrava com preciso a percepo de patos e gansos quanto ao conceito de [ animado]
desde o nascimento (Frana, Lage, 2013).
A animacidade, apesar de j bastante investigada na Lingustica atravs de diversas
abordagens, jamais foi fruto de estudos que se destinassem a inclu-la e defini-la com a
profundidade epistemolgica adequada, diante das principais teorias que compem a cincia.
Mas tambm no temos esta pretenso de fazer isso em uma dissertao, claro que no se
almeja aqui um estudo to completo.
Muitas dessas referidas investigaes se desenvolveram sobre a premissa de que a
animacidade no passa de um trao conceitual inerente aos nomes que representam os seres e
as coisas do mundo, concretas ou abstratas, e que sua importncia para a computao da
linguagem no seria maior do que os reflexos desses traos sobre os nomes a que se refere.
verdade que o aspecto conceitual da animacidade o que primeiro que se destaca quando
pensado do ponto de vista do falante, mas o papel do linguista pensar alm daquilo que o
falante, o sendo comum, percebe. E, nesse caso, fica patente que a animacidade se encontra
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3
alm do conceitual. tambm estrutural. E estrural sem deixar de conter aspectos do
significado, da semntica. (Cf. Lage, 2011a, 2011b, 2013).
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2 PRESSUPOSTOS TERICOS
A Teoria da Gramtica Gerativa, nascida da pesquisa de Chomsky ainda na dcada
de 1950, representa um direcionamento das investigaes lingusticas pelo qual a linguagem
vista como uma capacidade inata do ser humano. Por outras palavras, os estudos gerativos
assumem uma perspectiva biolgica dos fenmenos das lnguas naturais, marcando que a
linguagem exclusiva dos seres humanos.
Esses estudos foram os responsveis pela mudana de perspectiva na pesquisa
lingustica, no se podendo mais negligenciar o aspecto biolgico da linguagem. Isso porque a
linguagem ento se configurava como uma cognio e, portanto, no se desenvolvia por
ensino-aprendizagem, mas dependia, alm de contato com os estmulos lingusticos, os
chamados Dados Primrios, de um aparato biolgico inato, uma dotao gentica, uma
estrutura pr-concebida em nossa natureza com a especfica finalidade do desenvolvimento da
linguagem.
Nesse sentido, compreende-se que o homem a nica espcie dotada de mecanismos
internos e naturais que o tornam capaz de expressar proposies, consequentemente
promovendo a comunicao com seus semelhantes. Chomsky nomeou tal mecanismo de
rgo da linguagem, o mdulo delimitadamente lingustico e exclusivo da espcie humana, a
cognio de ling\uagem.
Mas como funcionaria esse mdulo? Os estudos gerativistas giram em torno
justamente desse questionamento que, por sua vez, se desdobra em algumas outras perguntas
mais especficas. Entre elas, podemos destacar, segundo Raposo (1992), de que maneira se
forma, se desenvolve ou se ajusta a cognio de linguagem em nosso crebro? De que
maneira esta cognio pode ser reconhecida nas mais diversas lnguas faladas no mundo?
Quais as relaes estabelecidas entre a cognio de linguagem e as demais cognies
humanas? Quais seriam as funes mais gerais dos mecanismos desta cognio?
Para todas essas questes, os gerativistas tm procurado respostas que correspondam
aos pressupostos tericos e comprovem haver um mdulo da linguagem. A existncia de um
mdulo especificamente lingustico est de acordo com a existncia concomitante dos demais
mdulos cognitivos. A Gramtica Gerativa, porm, entende que as cognies funcionam tais
como mdulos encapsulados no crebro, podendo o output de um ser o input de outro, o que
significa que elas se inter-relacionam, mas se desenvolvem e funcionam de forma
independente. Alm do que, h que se fazer a diferena entre desenvolvimento cognitivo e
desenvolvimento motor. Estes pressupostos resumem a Teoria da Modularidade.
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5
Contudo, havia uma questo desde o incio da Teoria Gerativa, que era uma tenso
entre varincia, invarincia e variedade lingustica. Para dar conta disso, Chomsky (1981)
postula a Teoria de Princpios e Parmetros (Principles and Parameters Theory P&P), a
partir da qual a Gramtica Gerativa procura elucidar os processos inerentes Faculdade de
Linguagem, ou seja, os mecanismos que norteiam o funcionamento do mdulo de linguagem
no nosso crebro, considerando as aproximadamente 6000 lnguas do mundo.
A viso biolgica da linguagem se une concepo da Gramtica Universal GU
(Universal Grammar UG), como Chomsky (1997, p. 21-22) elucida, atravs de uma clebre
metfora:
Podemos comparar o estado inicial da faculdade da linguagem com uma fiao fixa
conectada a uma caixa de interruptores; a fiao so os princpios da linguagem, e os
interruptores so as opes a serem determinadas pela experincia. Quando os
interruptores esto posicionados de um modo, temos o banto; quando esto
posicionados de outro modo, temos o japons. Cada uma das lnguas humanas
possveis identificada como uma colocao particular das tomadas uma fixao de parmetros, em terminologia tcnica. Se o programa de pesquisa der certo,
deveramos poder literalmente deduzir o banto de uma escolha dos posicionamentos,
o japons de outra e assim por diante por todas as lnguas que os seres humanos
podem adquirir. As condies empricas em que se d a aquisio de lngua
requerem que os interruptores sejam posicionados com base na informao muito
limitada que est disponvel para a criana. Notem que pequenas mudanas em
posicionamento de interruptores podem conduzir a grande variedade aparente em
termos de output, pela proliferao dos efeitos pelo sistema. Estas so as
propriedades gerais da linguagem que qualquer teoria genuna precisa captar de
algum modo.
Segundo P&P, o mdulo de linguagem constitudo por um conjunto estrutural,
pertinente a todas as lnguas, de princpios que norteiam as conformaes dos sistemas
lingusticos, ou seja, das diversas gramticas. O conjunto de todos esses princpios e dos
parmetros que funcionam junto com os princpios compe o que se chama GU, posto que
representa as bases de formao de qualquer lngua humana.
De maneira simplificada, poderamos dizer que as diferenas entre os sistemas
lingusticos, portanto, ficariam a cargo da maneira como esses princpios seriam aplicados em
cada lngua. P&P postula que esta aplicao, que determina a forma como cada princpio se
mostra em uma lngua, obedece a uma ordem binria de cada parmetro, que se traduz atravs
de marcao positiva (+x) e marcao negativa (-x) do parmetro.
Um pressuposto fundamental de P&P o de que todos os princpios so parte
integrante de qualquer lngua humana, e os parmetros so o que motiva as diferenas
estruturais entre os idiomas. Assim, podemos citar como exemplo de princpio lingustico a
existncia de um sujeito gramatical na formao das sentenas, ou seja, toda sentena detm
um sujeito. No entanto, a necessidade de que esse sujeito seja expresso morfofonologicamente
um parmetro possvel para tal princpio. Este princpio ficou conhecido na literatura, a
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partir de Chomsky (1981, 1982), como Princpio da Projeo Estendido (Extended Projection
Principle EPP). A ideia da necessidade de um Especificador (Specifier Spec) no
Sintagma Verbal (Verb Phrase VP), ainda que no existindo uma marca morfofonolgica
para ele nesta posio, foi estendida para a projeo do ncleo seguinte, Sintagma Temporal
(Tense Phrase TP). (Cf. Lage, 2013)
Essas duas possibilidades de marcao paramtricas relacionadas ao sujeito so o que
causa uma diferena nas sintaxes de lnguas como o ingls e o portugus, por exemplo, posto
que essencial que o sujeito seja expresso morfofonologicamente em todas as frases em
ingls, seja atravs de um Sintagma Determinante (Determiner Phrase DP), que contm
um Sintagma Nominal (Noun Phrase NP), que, por sua vez, tem como ncleo um Nome
(Noun N), ou atravs de um pronome. Em portugus, h a possibilidade de que haja o
elemento sujeito sem ser expresso morfofonologicamente, pois os traos formais do sujeito,
isto , os traos-/traos-fi (features-/ phi-features) podem estar morfofonologicamente
expressos na estrutura dos verbos.
A sentena (2) agramatical na lngua inglesa por no apresentar um sujeito
lexicalmente expresso, como em (1). Ao passo que isso no acontece em portugus, em que
podemos ter um sujeito lexical, como em (3), ou apenas os traos- expressos na
morfofonologia do verbo, como em (4), ficando na posio do sujeito uma categoria vazia,
pro prozinho (little pro), que marca a checagem e a computao do sujeito.
(1) We bought a ticket.
(2) *Bought a ticket.
(3) Ns compramos um bilhete.
(4) pro Compramos um bilhete.
O modelo de arquitetura de linguagem do MP assume que o componente sinttico
gera, atravs de Merge (concatenar) e Move (mover), uma estrutura sinttica, isto , uma
representao abstrata dos processos envolvidos na formulao e compreenso de sentenas.
Essa estrutura sinttica, depois de Spell-Out, que vem a ser o ponto em que se separam os
traos fonolgicos dos semnticos, bem como dos traos sintticos ainda no saturados,
enviada para os componentes Forma Fonolgica (Phonological Form PF) e Forma Lgica
(Logical Form LF), que fazem interface com os sistemas de desempenho, segundo Hauser,
Chomsky e Fitch (2002), respectivamente a Interface Sensrio-Motora (Sensory-Motor
Interface S-M) e a Interface Conceitual-Intencional (Conceptual-Intentional Interface C-
I), nas quais interpretada. E Hauser, Chomsky e Fitch (2002) e Fitch, Hauser e Chomsky
(2005) dizem ainda que estas interfaces pertencem chamada Faculdade da Linguagem
-
7
Ampla (Faculty of language broad sense FLB), onde ocorre a interpretao semntica, e
de outras ordens (Pragmtica, Conhecimento de Mundo, Prosdia, Teoria da Mente).
Enquanto a Sintaxe Estreita sinnimo de Faculdade da Linguagem Estreita (Faculty of
language narrow sense FLN).
A camada flexional, ou seja, o ponto da estrutura sinttica onde ocorrem os processos
referentes s flexes de nomes e verbos, faz parte ainda da Sintaxe Estreita (Narrow Sintax),
que o componente da estrutura em que se do unicamente os processos sintticos. Em outras
palavras, qualquer processo que se d antes de Spell-Out est includo na sintaxe e diz
respeito diretamente ao mecanismo de marcao de traos sintticos. Portanto, os processos
ocorridos na camada flexional fazem parte do componente sinttico da computao de
linguagem.
bem verdade que entendemos tambm que a grande variedade entre as lnguas est
no Lxico, especialmente nos significantes, considerando que os significados em geral se
mantm, considerando a a noo de signo lingustico e de arbitrariedade do signo lingustico.
No MP, o Lxico descrito como um arcabouo de Itens Lexicais (Lexical Itens LI)
disponveis para entrar na computao da linguagem. Cada um desses itens, por sua vez,
composto por um feixe de traos sintticos, fonolgicos, semnticos. So esses os traos a
atuarem nos componentes Sintaxe Estreita, PF e LF, respectivamente, aps os traos dos LIs
passarem, no incio da derivao, por agrupamentos em pares na Numerao, onde tambm
so relacionados aos traos das categorias funcionais e quantidade de vezes que aparecero
na derivao.
Vejamos dois esquemas do modelo do MP de arquitetura de linguagem, um mais
simples (Fig. 1) e outro mais detalhado (Fig. 2).
Representaes Estruturais
Computao
CHL
Spell-Out
FF FL
Interface Interface
Sensrio-Motora Conceitual-intencional
Fig. 1: Esquema simples do modelo da derivao segundo o Minimalismo (Lage, 2011c, p. 3)
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8
Fig. 2: Esquema mais detalhado do modelo de derivao segundo o Minimalismo (Corra,
2008, p. 196)
Todas essas consideraes, mais o esquema da Fig. 1 e o da Fig. 2, nos ajudam a
compreender que P&P parte fundamental dos estudos gerativos, alm de ser de grande
importncia para o prosseguimento desta dissertao, tendo em vista que partimos da hiptese
de que a valorao dos traos formais [+animado] e [-animado] ou no marcada
morfologicamente, a partir de vrios fenmenos lingusticos, especialmente da concordncia,
o que significa que o trao de animacidade, apesar de ser um trao formal (sinttico), do tipo
que, depois de Spell-Out, ainda vai para LF e interpretado na interface C-I. (LAGE, 2011a,
2011b, 2013)
2.1 TRAOS SINTTICOS, TRAOS FONOLGICOS E TRAOS SEMNTICOS
A noo de trao bastante tratada nas pesquisas lingusticas atuais. Partindo de
estudos fonolgicos, a ideia dos segmentos mnimos que compem unidades lingusticas
maiores se disseminou por quase todas as reas da Lingustica. A noo de trao tambm
indispensvel para os estudos de semntica, morfologia e sintaxe.
notoriamente reconhecido que a noo de traos, como unidades mnimas dos
constituintes da linguagem humana, nasceu em estudos fonolgicos, nos quais as
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9
segmentaes sonoras da linguagem so analisadas como conjuntos dessas unidades mnimas.
Do mesmo modo, tambm aceito que essa noo se encontra presente, com maior ou menor
destaque, em boa parte dos estudos lingusticos mais atuais, ainda que nem sempre faa
referncia a segmentos sonoros da linguagem. No entanto, a noo de traos tem bases em
teorias surgidas j h um considervel tempo, mais precisamente nas ideias apresentadas pelos
estudiosos responsveis pelo que ficou conhecido como a Escola de Praga, que teve o seu
desenvolvimento nas primeiras dcadas do sculo XX e dentro da qual ainda no era bem
definida a existncia desses que hoje podem ser considerados os tomos da linguagem
humana.
Mais tarde, os traos, j teorizados, foram utilizados pela maior parte dos subcampos
nos quais se dividem os estudos lingusticos, como os estudos de sintaxe ou de morfologia.
Nessas reas, foram aproveitadas as ideias de caractersticas mnimas distintivas de dado
sintagma, unidade ou constituinte.
Para alm desses subcampos, os traos tambm foram importados do seu modelo
terico original, o Estruturalismo, para a quase totalidade das diferentes abordagens que
constituem a Lingustica Moderna. Alguns dos mais recentes estudos gerativos, por exemplo,
retomam a ideia de feixe de traos para explicar mais completamente a constituio de itens
lexicais, e no mais exclusivamente com o intuito de diferenciar fonemas ou segmentos
fonmicos que constituem as representaes desses itens.
Roman Jakobson, um dos principais representantes do importante grupo de linguistas
conhecido como Crculo do Praga, foi um dos mais reconhecidos sucessores da teoria
lingustica nascida nos estudos de Ferdinand Saussure, que se denominou Estruturalismo,
descritos em Estudos de Lingustica Geral (Saussure, 1916). Em seus estudos fonolgicos,
bem como em todos os estudos que se basearam no mtodo estruturalista de investigao
cientfica, destacava-se o posicionamento sincrnico, ou seja, aquele no qual o linguista se v
obrigado a tomar a lngua tal como ela est em determinado ponto do tempo, e somente neste
ponto, para determinar suas caractersticas estruturais. Por tal mtodo, no se admitiam mais
as comparaes diacrnicas, os estudos histrico-comparativos de uma ou mais lnguas como
parmetros para a definio dos sistemas que as constituam.
Assim sendo, alm de trazer baila a definio de fonema como uma entidade
abstrata, Jakobson lanou o princpio introdutrio dos estudos fonolgicos, segundo o qual a
determinao das diferenas entre as unidades fonolgicas de uma lngua deveria nascer do
mtodo de comparao opositiva dos fonemas constituintes do sistema lingustico.
-
10
Os pares mnimos apresentados pela teoria de Saussure eram as ferramentas
essenciais para o estudo fonolgico proposto por Jakobson, uma vez que consistiam na
oposio de duas estruturas da lngua nas quais apenas uma mnima caracterstica formal
construa a diferena semntica.
A comparao entre os fonemas, portanto, era a chave para descobrir quais
caractersticas serviam para distingui-los uns dos outros, sob a proposta de que era essa
distino que os tornava teis para o sistema, uma vez que somente assim poderiam ser
construdas tambm as distines semnticas. Logo Jakobson formulou hipteses como as de
que, por vezes, apenas uma caracterstica sutil, como o vozeamento nas consoantes, servia
para diferenciar fonemas muito prximos.
A fonologia da Escola de Praga se tornou, assim, a base para que, em pouco tempo,
cientistas da linguagem passassem a pensar em conjuntos de caractersticas fonolgicas
distintivas como a base da constituio dos prprios fonemas ou segmentos fonmicos.
A j se encontra base da noo de feixe de traos distintivos, com a qual Leonard
Bloomfield, fundador da Lingustica Estruturalista Norte-Americana ao descrever uma
variedade de lnguas indgenas da Amrica do Norte, definiu o fonema, na dcada de 1930.
Para Bloomfield, cada fonema podia ser analisado puramente como um conjunto de traos
retirado das possibilidades de certa lngua, e que ganhava funcionalidade no sistema a partir
das diferentes posies que os demais fonemas ocupavam nesse mesmo conjunto.
Essa ideia foi retomada por Chomsky (1965) e Chomsky e Halle (1968), para a
descrio de um conjunto finito de traos distintivos, aplicvel a qualquer fonema. A principal
finalidade dessa iniciativa era demonstrar a universalidade dos traos com os quais todos os
segmentos fonticos eram construdos. A partir do conjunto descrito pelos autores, fez-se
possvel a observao direta do design subjacente a cada fonema, assim como se tornaram
melhor identificveis todas as possveis distines fonmicas e, subsequentemente, os
fenmenos fonolgicos dependentes dessas distines.
No s a noo de traos fonolgicos, mas a de traos sintticos e a de traos
semnticos, que esto presentes desde Chosmky (1965), chegam ao Programa Minimalista
(Chomsky 1998, 1999, 2001). Traos no interpretveis (formais ou sintticos) e traos
interpretveis (semnticos) esto contidos no Lxico e so acessados durante o processamento
da linguagem. Esses mesmos traos so parametrizados segundo a lngua do falante, e sua
realizao morfofonolgica dependente, portanto, da valorao positiva ou negativa de cada
um desses traos. Apesar disso, sua existncia subjacente s gramticas um princpio
universal, isto , presente em todas as lnguas naturais.
-
11
Os traos formais (ou sintticos) que entram nas operaes sintticas que envolvem
Agr, ou seja, em termos de concordncia verbal, os traos que so checados (checagem
Match) do sujeito pelo verbo, so conhecidos como traos-, como os referentes pessoa, ao
nmero, ao gnero e, como retratamos, animacidade. Nesse sentido, podemos perceber que
todos eles trazem consigo uma carga semntica, mas no podem ser considerados
exclusivamente como propriedades semnticas, visto que participam diretamente de
operaes que acontecem dentro da Sintaxe Estreita. Traos formais tm, antes de tudo,
funes sintticas bem estabelecidas e, quase sempre, bem aparentes na computao de
linguagem.
Diante de exemplos de lnguas nas quais a animacidade se mostra morfologicamente
envolvida na concordncia, a deduo que a princpio parece ser a mais acertada a de que
tambm a animacidade se constitui em um trao formal.
Pelo mesmo caminho, se considerarmos que a marcao da propriedade de
animacidade na concordncia configura uma operao sinttica e no semntica, tendemos a
pensar na possibilidade de que a animacidade na concordncia seja o princpio em si,
sobrando apenas determinar os parmetros a ele relacionados; presumivelmente, a marcao
morfofonolgica e a ausncia dela. A marcao morfofonolgica do trao de animacidade
indica que, em algumas lnguas, pode haver uma operao sinttica em funo da maior fora
do trao a ela relacionada ocorrida antes de Spell-Out.
Por fim, onde parece haver um impasse insolvel, talvez no haja mais do que uma
questo encarada pelo ngulo errado. A maneira como o trao de animacidade tende a se
mostrar nos diversos fenmenos lingusticos que so abordados pelo presente trabalho no
deixa espao para outra concluso que no a de que a animacidade trao sinttico/formal,
que , portanto, computado em operao sinttica, mas no saturado na sintaxe, sendo, desse
modo, ainda levado a LF, depois de Spell-Out, e interpretado na interface C-I.
O que faltava compreenso da questo era justamente a abstrao necessria para
observar que, na linguagem, nem sempre o que parece uma unidade inescrutvel de fato
isso. Como j foi dito, ao falante comum ou leigo, isto , ao sendo comum, os conceitos de
sexo e gnero costumam ser tomados como um elemento unvoco, apesar de o olhar de um
linguista ser capaz de decifrar a diferena que possuem, assim como perceber o fundamento
dessa diferena, para a compreenso de alguns fenmenos de linguagem. nesse paralelo que
se encontra a matria para a compreenso da animacidade.
-
12
2.2 TRAOS INTRNSECOS
Com relao aos traos que entram na computao sinttica dos Ns, existe uma
distino entre o que intrnseco e o que no . Essa distino nasce, basicamente, da
observao daquilo que est j contido nos Ns antes que estes sejam incorporados ao
processamento sinttico e, consequentemente, antes que recebam atribuies de traos
formais.
Na viso de Chomsky (1965-atual), que lexicalista, pois entende o item lexical
(Lexial Item LI) j como um feixe de traos fonolgicos, sintticos e semnticos, os traos
no intrnsecos so aqueles que so atribudos aos Ns diretamente na Sintaxe Estreita: como
nmero. E os traos intrnsecos so aqueles j incorporados ao N desde o Lxico: como
gnero, o trao semntico relativo a sexo e o trao de animacidade.
Gnero e nmero no fazem parte intrinsecamente dos Ns, ou seja, no pertencem
aos Ns se no de uma maneira exclusivamente estrutural, participando de operaes sintticas,
o que podemos comparar com Caso. J o trao semntico de sexo e o trao sinttico de
animacidade so intrnsecos aos Ns, so traos que constituem cada N.
O trao de animacidade um trao bastante especial, pois um trao sinttico/
formal, isto , participa de operaes sintticas, de fenmenos de vrias ordens, como ainda
veremos neste trabalho, mas no saturado na sintaxe, havendo ainda necessidade de que ele
seja semanticamente interpretado, o que acontece na interface C-I, depois de ele ser mandado
para LF, aps Spell-Out.
Vamos tratar disso atravs de exemplos. O N homem possui o trao semntico de
sexo valorado como [+masculino] e trao sinttico de animacidade valorado como
[+animado]. Estes traos so intrnsecos, embora o trao de animacidade [+animado] seja
sinttico, visto que participa de operaes sintticas, mas tem alguma semntica que, como
dissemos, interpretada em C-I, depois de LF. Por outro lado, o trao de gnero valorado
como [+masculino] e o trao de nmero valorado como [+singular] no so intrnsecos ao N
homem, so designados na derivao e saturados na sintaxe.
Usamos os seguintes exemplos tentando elucidar melhor, a partir de mais detalhes,
essas diferenciaes entre traos e demonstrar a importncia da valorao dos traos na
formulao e compreenso da linguagem.
-
13
(5) O homem comeu a carne.
(6) O cachorro comeu a carne
(7) O homem comprou um livro.
(8) (?) O cachorro comprou o livro.
homem
papel- [AGENTE] trao sinttico [+ animado]
trao sinttico ou semntico?:
[+ humano]
trao sinttico ou semntico?:
[+ sexo masculino]
cachorro
papel- [AGENTE] trao sinttico [+ animado]
trao sinttico ou semntico?:
[- humano]
trao sinttico ou semntico?:
[+ sexo masculino]
homem
papel- [AGENTE] trao sinttico [+ animado]
trao sinttico ou semntico?:
[+ humano]
trao sinttico ou semntico?:
[+ sexo masculino]
cachorro
papel- [AGENTE] trao sinttico [+ animado]
trao sinttico ou semntico?:
[- humano] trao sinttico ou semntico?:
[+ sexo masculino]
-
14
(9) O homem se barbeou.
(10) O homem barbeou outro homem.
(11) (?) O homem barbeou a mulher.
(12) (?) A mulher se barbeou.
homem
papel- [AGENTE] trao sinttico [+ animado]
trao sinttico ou semntico?:
[+ humano]
trao sinttico ou semntico?:
[+ sexo masculino] trao semntico [+ barba]
anfora se (homem)
papel- [PACIENTE] trao sinttico [+ animado]
trao sinttico ou semntico?:
[+ humano]
trao sinttico ou semntico?:
[+ sexo masculino] trao semntico [+ barba]
homem
papel- [AGENTE] trao sinttico [+ animado]
trao sinttico ou semntico?:
[+ humano]
trao sinttico ou semntico?:
[+ sexo masculino] trao semntico [+ barba]
homem
papel- [PACIENTE] trao sinttico [+ animado]
trao sinttico ou semntico?:
[+ humano]
trao sinttico ou semntico?:
[+ sexo masculino] trao semntico [+ barba]
mulher
papel- [AGENTE] trao sinttico [+ animado]
trao sinttico ou semntico?:
[+ humano]
trao sinttico ou semntico?:
[- sexo masculino] trao semntico [- barba]
anfora se (mulher)
papel- [PACIENTE] trao sinttico [+ animado]
trao sinttico ou semntico?:
[+ humano]
trao sinttico ou semntico?:
[- sexo masculino] trao semntico [- barba] ]
homem
papel- [AGENTE] trao sinttico [+ animado]
trao sinttico ou semntico?:
[+ humano]
trao sinttico ou semntico?:
[+ sexo masculino] trao semntico [+ barba]
mulher
papel- [PACIENTE] trao sinttico [+ animado]
trao sinttico ou semntico?:
[+ humano]
trao sinttico ou semntico?:
[- sexo masculino] trao semntico [- barba]
-
15
(13) A mulher barbeou o homem.
(14) (?) A mulher barbeou outra mulher.
(15) (?) O cachorro se barbeou.
Vemos de (5) a (15) a descrio de parte dos traos do N argumento com o papel-
[AGENTE]. De (9) a (15), verificamos no s traos do N argumento com o papel-
[AGENTE] como tambm traos do N argumento com o papel- [PACIENTE]. O papel-
[AGENTE] s combina com N [+animado]. Para o papel- [PACIENTE] pode haver outras
restries, tambm determinadas pelo verbo.
mulher
papel- [AGENTE] trao sinttico [+ animado]
trao sinttico ou semntico?:
[+ humano]
trao sinttico ou semntico?:
[- sexo masculino] trao semntico [- barba]
homem
papel- [PACIENTE] trao sinttico [+ animado]
trao sinttico ou semntico?:
[+ humano]
trao sinttico ou semntico?:
[+ sexo masculino] trao semntico [+ barba]
mulher
papel- [AGENTE] trao sinttico [+ animado]
trao sinttico ou semntico?:
[+ humano]
trao sinttico ou semntico?:
[- sexo masculino] trao semntico [- barba]
mulher
papel- [PACIENTE] trao sinttico [+ animado]
trao sinttico ou semntico?:
[+ humano]
trao sinttico ou semntico?:
[- sexo masculino] trao semntico [- barba]
cachorro
papel- [AGENTE] trao sinttico [- animado]
trao sinttico ou semntico?:
[- humano] trao sinttico ou semntico?:
[- sexo masculino] trao semntico [- barba]
anfora se (cachorro)
papel- [PACIENTE] trao sinttico [- animado]
trao sinttico ou semntico?:
[- humano] trao sinttico ou semntico?:
[- sexo masculino] trao semntico [- barba]
-
16
A frase (8) semanticamente incongruente porque comprar no seleciona como seu
argumento externo, que depois se torna sujeito, um N com o trao [-humano], mesmo tendo o
trao [+animado], pois no poder atribuir a ele o papel- [AGENTE], visto que esta ao s
pode ser exercida por seres humanos.
As frases de (9) a (15) so construdas a partir do verbo barbear. Reparem que este
verbo seleciona como argumento externo um N [+animado] e [+humano], capaz de barbear
algum, atribuindo-lhe o papel- [AGENTE]; enquanto o argumento interno precisa ser um N
[+animado], [+humano], [+ sexo masculino] e [+ barba], isto , um homem em que j nasce
barba e que no foi barbeado recentemente: argumento a que o verbo pode atribuir papel-
[PACIENTE]. Desta forma, (9), (10) e (13) so congruentes, pois todos os argumentos
internos e externos possuem os requeridos traos. O N que argumento externo em (13),
tambm com o papel- [AGENTE], no representa qualquer inadequao, tendo em vista que
aquele que barbeia no precisa ser do sexo masculino. Por exemplo, a enfermeira pode
barbear o doente.
A sentena (11) incongruente porque o argumento interno a ser selecionado por
barbear, portanto com o papel- [PACIENTE], no pode ter o trao semntico [+ sexo
feminino], apesar de [+ humano], pois, como se sabe, indivduos normais do sexo feminino e
da espcie humana no possuem barba. As sentenas (12) e (14) so incongruentes por essa
mesma razo. O trao semntico [+ humano] em combinao com o trao semntico [+ sexo
feminino] torna o candidato a argumento interno de barbear incompatvel. Lembrando que
(12) se caracteriza pelas circunstncias estruturais do Princpio A da Teoria da Ligao
(Binding Theory), de Chomsky (1981), o que leva a anfora se, argumento interno do verbo,
ter traos sintticos e semnticos iguais aos traos do argumento externo (a mulher). A
incongruncia de (15) est no fato de que o N cachorro, que figura como argumento externo,
e cujos traos so retomados pela anfora se, na condio de argumento interno, no pode ser
selecionado como nenhum dos dois argumentos do verbo barbear, porque se trata de um N
com trao [-humano].
Assim vemos que as noes de trao semntico e trao intrnseco so prximas e
podem ser confundidas. H traos intrnsecos sintticos, como a animacidade, que no se
esgotam nas operaes sintticas, sendo ainda conduzidos para LF, depois de Spell-out, e
sendo ento interpretados pela interface C-I. E tratar deste trao e de aspectos to
idiossincrticos que o envolvem o ponto crucial deste trabalho.
-
17
2.4 PAPEL TEMTICO E ESTRUTURA ARGUMENTAL
De acordo com o Minimalismo (MP), que o modelo de Chomsky da Gramtica
Gerativa, clssico, lexicalista e projecionista, ao analisar-se a derivao de uma sentena,
verifica-se que a estrutura argumental do verbo promove a seleo de seus argumentos, e
todos se projetam na sintaxe, havendo, portanto, um acesso semntico aos formantes destes
argumentos, mas sem haver interpretao semntica, que s ocorre ao final da derivao.
Tal estrutura argumental est diretamente relacionada aos papis temticos atribudos
pelo verbo aos seus argumentos. Por essa razo, comum assumir que a representao das
estruturas argumentais se encontra em um contexto intermedirio, entre as interfaces sinttica
e semntica. De maneira simplificada, acredita-se que os papis temticos, componentes
semnticos dos sintagmas, ligam-se ao Caso desses mesmos sintagmas, e o Caso, por sua
vez, que d a pista para as suas funes sintticas. Essas noes, na verdade, so anunciadas
por Fillmore (1968).
Assim seriam construdas as estrutura argumentais das sentenas, com uma
sequncia de ligaes semnticas e sintticas razoavelmente bem definidas. No entanto, esse
processo costuma ser mais problemtico do que parece, uma vez que, ainda hoje, no se
alcanou um consenso sobre o status e a classificao da base dessas ligaes: os papis
temticos.
Diversos estudos sobre a Teoria- j definiram uma gama de papis temticos.
Costuma-se assumir como principais, entre outros, os papis de agente, tema, paciente,
experienciador, instrumento, alvo, origem e locativo. No entanto, mesmo entre estes reside a
complicao de que possam (e costumem) receber diferentes definies e atribuies. Sobre o
papel de agente, por exemplo, Halliday (1967) define como aquilo que controla o desenrolar
de uma ao, enquanto Chafe (1970) diz se tratar no mais do que aquilo que, voluntria ou
involuntariamente, d origem ao. Nesse sentido, no h um consenso sobre um conjunto
bem definido de papis temticos.
Cada papel temtico, com suas implicaes sobre as estruturas argumentais, poderia
ser compreendido como o conjunto de propriedades ou traos semnticos. E, dessa forma,
cada trao constituinte dos papis temticos poderia ter implicaes na estrutura argumental.
Ao tentar esclarecer a relao que pode existir entre a animacidade e o
estabelecimento das estruturas argumentais, so importantes as possveis ligaes entre os
papis temticos e o trao de animacidade, que consideramos como formal/sinttico, mas com
interpretao semntica quando chega LF.
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18
Mesmo considerando a animacidade como um dos traos que, em conjunto, so
considerados na atribuio de papel temtico a um argumento, se pode enxergar uma relao
entre esse processo e fenmenos estritamente sintticos, como a voz inversa do navajo (cf.
seo 3.4.1), em que fica claro o envolvimento direto do trao de animacidade.
Sabe-se que o trao de animacidade tem influncia nas operaes sintticas e, mais
ainda, sabe-se que ele fundamental para a definio de seleo argumental (seleo
semntica ou s-seleo). Isso nos d ideia da complexidade de lidar com os fenmenos
lingusticos que envolvem este trao que transita entre a sintaxe e a semntica.
Concebendo que o trao de animacidade um trao intrnseco ao N, que participa da
caracterizao do N, auxiliando assim no processo de seleo argumental, e que tem alguma
carga semntica a ser interpretada ainda em LF, mas que, ao mesmo tempo, ele
substancialmente um trao sinttico, pois promove operaes sintticas, no fica distante o
entendimento de que ele est presente na relao de concordncia (Agr).
2.5 CONCORDNCIA
O ndulo de concordncia faz parte da representao das estruturas sintticas
presumidas pela teoria aqui adotada e est includo na camada flexional, ou seja, nos
processos de flexo de nomes e verbos.
Para Chomsky (2001), a concordncia (Agr) um reflexo de relaes de
licenciamento (core licencing), ou seja, checagem de traos, na Sintaxe Estreita. A projeo
mxima do ncleo de concordncia o Sintagma de Concordncia (Agreement Phrase
AgrP), que o identificador do ndulo de concordncia nas representaes sintticas. L esto
contidos os processos responsveis pela checagem dos traos de concordncia na Sintaxe
Estreita. Assim, se dado trao aparece entre os processos que compem o ndulo de
concordncia, inevitavelmente h de se concluir que se trata de um trao formal. Focalizando
a relao de concordncia entre o verbo e o sujeito, a partir dos traos formais do N
argumento que se torna sujeito, os traos formais deste N so tratados como traos-.
Moravcsik (1974, 1978) prope que Funo Gramatical delimitaria uma hierarquia
quanto concordncia: sujeito > objeto direto > objeto indireto > advrbio. Ou seja,
considerando o conjunto de lnguas naturais, se h Concordncia, o verbo concorda com o
sujeito; se a concordncia ocorre com outro elemento alm do sujeito, este elemento o
objeto direto; e assim por diante.
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19
Gilligan (1987), sem tratar de advrbios, apresenta uma pesquisa com 100 lnguas
geneticamente diferentes e verifica que h: 23 lnguas sem concordncia; 20 lnguas com
concordncia somente com sujeito; 31 lnguas com concordncia com sujeito e com objeto
direto; 25 lnguas com concordncia com sujeito, com objeto direto e com objeto indireto; e
uma lngua com Concordncia com sujeito e com objeto indireto.
A concordncia considerada por Bobaljik (2008) sensvel ao output dos algoritmos
de caso morfolgico. Para ele, a concordncia segue a pista de caso morfolgico:
concordncia rastreia o caso morfolgico (Bobaljik, 2008, p. 307), ou seja, caso
morfolgico delineia uma hierarquia de acessibilidade concordncia: exatamente onde a
correspondncia rompida, o Caso, e no a funo gramatical, que determina a
acessibilidade para concordncia. (Bobaljik, 2008, p. 311)
No entanto, em discordncia com de Bobaljik (2008), temos de considerar que
Concordncia uma relao que se estabelece a partir da checagem dos traos-, que uma
operao sinttica e, portanto, acontece na Sintaxe Estreita.
2.6 CASO ESTRUTURAL E CASO MORFOLGICO
Segundo a Gramtica Gerativa, Caso uma categoria gramatical fundamentada em
um Princpio Universal. Sua existncia fato em todas as lnguas, independentemente das
condies em que possa se dar. A noo de Caso ou Caso Estrutural ou Caso Abstrato um
princpio recupervel em qualquer lngua.
Mas h lnguas em que essa categoria gramatical transparece na morfologia, como
acontece, por exemplo, no latim, no grego clssico, no alemo, no finlands, sendo o
finlands uma lngua com 16 casos marcados morfologicamente, pois nela no h preposio.
Quando o Caso morfologicamente transparente, ele se chama Caso Morfolgico.
No latim, como em (16), (17) e (18), a ordem dos constituintes na frase no tem tanta
importncia, pois a morfologia dos DPs se encarrega totalmente da atribuio de Caso,
importando, no fim, que a funo sinttica e o papel temtico estejam de acordo com o Caso,
estabelecendo assim a marcao de Caso.
(16) Homo edit malum
HomoNOM comerPass maACUS
O homem comeu uma ma
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20
(17) Homo malum edit
HomoNOM maACUS comerPass
O homem comeu uma ma
(18) Malum homo edit
MaACUS homoNOM comerPass
O homem comeu uma ma
Mas o fato de haver desinncias casuais visveis no implica em dizer que na sua
ausncia no existe a noo de Caso. Na verdade, para a totalidade das lnguas
imprescindvel que acontea a atribuio de Caso ao DP, pois atravs dela que os DPs tm
suas funes sintticas expostas. Isso significa que h a atribuio de Caso, e
consequentemente a de funo gramatical, ou seja, funo sinttica, mesmo quando no
acontece a marcao morfolgica de Caso.
Ao dar transparncia s funes sintticas dos DPs, a marcao de Caso (morfolgica
ou no) possibilita tambm a visibilidade de seus papis temticos. Visto que a funo
sinttica e o papel temtico esto estritamente ligados no se podendo confundir um com o
outro. Ao se expor um, a marcao d visibilidade ao outro. A atribuio de caso nominativo
a um DP, por exemplo, denuncia a sua funo sinttica de sujeito, e, a partir disso, sabe-se
que as possibilidades de papis temticos para ele variam entre agente, experienciador e tema.
Da se entende a Teoria do Caso. De forma simplificada, podemos dizer que todo DP
pronunciado checado e necessita que lhe seja atribudo Caso, para que seu papel temtico
seja garantido e tenha visibilidade.
A visibilidade dada ao papel temtico , portanto, a principal funo da atribuio de
Caso e note bem que isso independe da marcao morfolgica e tambm o que torna
indispensvel a sua existncia em um sistema lingustico.
A frase (19) nos serve de exemplo. E, a partir da rvore da sua estrutura sinttica,
tentamos mostrar como se d a derivao, que sempre inclui a atribuio de Caso a cada DP
pronunciado.
-
21
(19) O homem comeu uma ma.
CP
Spec C'
C TP
DP T'
o homemj
T VP
comeui
DP V'
tj
V DP
ti uma ma
O argumento externo de comer, ou seja, o DP o homem, que, pela maneira como se
relaciona semanticamente com os outros constituintes, tem o papel temtico [AGENTE],
recebe caso nominativo da Flexo contida no predicador. A partir disso, sabe-se que a sua
funo a de sujeito da sentena. J o DP a ma, que tem papel temtico [TEMA], recebe
caso acusativo do prprio verbo, por ser complemento do verbo, o que evidencia a sua funo
de objeto direto.
2.6.1 Marcao Cannica de Caso
A sentena (16) serve tambm para a explicao da Marcao Cannica de Caso. Em
lnguas como o portugus, em que a marcao de Caso no acontece tipicamente de forma
morfolgica, exceo de alguns resqucios, como me, a mim, etc., a marcao de Caso
cannica, isto , se d basicamente, como se demonstra em (16), tendo como principal
caracterstica o enrijecimento da ordem cannica dos constituintes na frase, que SVO. Os
DPs recebem Caso diretamente a partir de seus domnios, e suas funes sintticas/
gramaticais, assim como seus papis temticos, esto plenamente compatveis com os Casos
recebidos. isso o que configura a Marcao Cannica de Caso.
-
22
2.6.2 Marcao Excepcional de Caso
A excepcionalidade na marcao de caso se configura quando um DP de certo
domnio recebe Caso a partir de outro domnio. Ou seja, quando seu regente no capaz de
lhe atribuir Caso, e ele, atendendo Teoria de Caso, recorre a outra. Se isso no acontecesse,
o DP no seria licenciado, e a derivao no poderia continuar, ela se romperia. (Cf. Raposo,
1992).
Portanto, se pode dizer que uma exceo que na realidade est dentro de uma
normalidade que a de todo DP precisar de Caso. Imaginemos uma frase em que no se
pudessem identificar as funes gramaticais. Isso impedido pelo fluxo natural da gramtica.
Em (20) e (21), encontramos uma sentena encaixada na outra: uma embedded
clause (sentena encaixada) de infinitivo impessoal em portugus. E a seguir a anotao da
estrutura sinttica em forma de rvore. Em (20) est marcado morfologicamente o caso
acusativo: nos, forma no acusativo ou dativo; ns, forma no nominativo. A certeza de, na
sentena (20), se tratar da forma nos no acusativo est na funo gramatical do pronome, que
de objeto direto. Estes mesmos caso e funo gramatical se repetem no que se refere ao DP
homem em (21).
-
23
(20) Maria viu [-nosACUS comerINFINITIVO IMPESSOAL uma maACUS]
CP
Spec C'
C TP
DP T'
a Marial
T VP
viuk
DP V'
tl
V InfP
tk
DP Inf
nosj
Inf VP
comeri
DP V'
tj
V DP
ti uma ma
-
24
(21) Maria viu [o homemACUS comerINFINITIVO IMPESSOAL uma maACUS]
CP
Spec C'
C TP
DP T'
a Marial
T VP
viuk
DP V'
tl
V InfP
tk
DP Inf
o homemj
Inf VP
comeri
DP V'
tj
V DP
ti uma ma
O ncleo verbal comer est desprovido de flexo, e isso que lhe falta justamente o
que atribuiria caso nominativo ao seu argumento externo o homem, que desta maneira ficaria
desprovido de caso, condio essa que inadmissvel conforme os universais lingusticos, j
que todo DP pronunciado precisa receber Caso. A resoluo do problema est ento no
domnio imediatamente superior, do ncleo verbal ver, que pela relao de localidade capaz
de atribuir caso acusativo ao DP o homem, ainda que, desta maneira, Caso e funo sinttica
fiquem em desacordo.
-
25
2.7 CASO MORFOLGICO, FUNO GRAMATICAL E CONCORDNCIA
Nas lnguas em que h marcao morfolgica de caso, tambm costuma ser evidente
a concordncia de caso entre nomes, j que complementos nominais copiam os traos
sintticos dos ncleos nominais a que se ligam. Tomando novamente exemplos do latim, em
(22), (23) e (24), temos que um nome com marcao morfolgica de nominativo
obrigatoriamente ter seu respectivo adjectivo igualmente marcado em nominativo, e isso ser
tambm verdade para os demais casos morfologicamente marcados nessa lngua.
(22) pulchra puella
bonitaNOM meninaNOM
menina bonita (sujeito)
(23) pulchram puellam
bonitaACUS meninaACUS
menina bonita (objeto)
(24) pulchrae puellae
bonitaGEN meninaGEN
da menina bonita
O exemplo da lngua latina, no entanto, no reflete uma verdade inexorvel para
todas as lnguas em que h marcao morfolgica de caso, uma vez que no h
obrigatoriedade concordncia.
2.8 VOZ INVERSA
Para a Gramtica Gerativa, a importncia dos papis- na sintaxe no vai alm da
Teoria Temtica, que estabelece que cada argumento deve receber um e no mais que um
papel-, assim como dois argumentos de um mesmo ncleo verbal no podem receber papel-
igual.
Os itens lexicais j chegam derivao com papis- bem definidos. A teoria no
trata da possibilidade de que o processo de subcategorizao implique em acarretamentos
semnticos, visto que, por suas propostas, nem sempre marcao temtica e subcategorizao
se confundem. Essa ideia est implcita na proposta de que a marcao temtica do DP sujeito
realizada pelo ncleo sinttico VP, que no possui subcategorizao, e no pelo ncleo
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26
lexical V. Contudo, essa mesma proposta pode, se considerada vlida, servir para evidenciar a
profunda relao entre papis- e operaes sintticas.
O fenmeno da Voz Inversa ser exemplificado neste trabalho atravs da lngua
norte-americana Navajo, da famlia Athabaska. No existe correlato para esse fenmeno no
portugus, o que nos deixa apenas a opo de utilizar a voz passiva na traduo. No entanto, o
valor sinttico completamente diferente para os dois casos, como cita Ura (2000):
1. [+humano] > [-animado]
(25) ashkii t bi-isx voz inversa
menino gua bi-matar
O menino foi morto pela gua
2. [+humano] > [-animado]
(26) * t ashkii yiyi-isx voz ativa
gua menino yi-matar
A gua matou o menino.
A voz inversa se presta para por em evidncia/foco um DP de uma sentena quando
este no o argumento externo do verbo, assim como ocorre na voz passiva. No entanto,
peculiar a essa estrutura a manuteno da funo sinttica de sujeito do argumento externo, o
que torna o carter da sentena sintaticamente mais prximo da voz ativa. Na verdade, o
verbo virtualmente passa a ter um sujeito paciente e um sujeito agente, no que diz respeito a
uma sentena com argumento externo e argumento interno.
Hale (1973) propunha que o fenmeno do Navajo poderia ser compreendido com a
inverso das posies argumentais de agente e paciente, mas essa ideia no alcana a natureza
e o propsito sinttico da operao de voz inversa. A despeito do que a prpria denominao
leve a supor, a voz inversa no sinttica ou semanticamente o inverso da voz ativa. Trata-se
de uma operao cujo fundamento a topicalizao do argumento interno do verbo, o que,
por seu turno, motivado pela hierarquia de animacidade. Sobre isso, Jelinek e Carnie (2003,
p. 39) explicam: Em Navajo (), a voz inversa usada para evitar a violao de uma
hierarquia complexa de animacidade, e em construes com argumentos de 1 ou 2 e 3
pessoas, 1 ou 2 pessoa sempre tpico, e 3 pessoa est em foco.
A voz inversa, como operao gramatical, um fenmeno possvel em qualquer
lngua humana, independente da concretizao de seu uso, o que significa que se trata de um
fenmeno com base em um princpio universal. O seu emprego pelos falantes , portanto,
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27
parametrizada. A partir disso, podemos entender que a mesma hierarquia de animacidade que
motiva a voz inversa do Navajo tambm um componente da GU.
H outras propostas de hierarquia de animacidade, que, naturalmente, levam em conta
questes ontolgicas, como a hierarquia homem > animal > planta > objeto (Silverstein,
1976, Dixon, 1979, Aissen, 2003, apud Paczynski, Kuperberg, 2011).
2.9 SUJEITO NULO
O pronome nulo, representado por pro nos estudos de Gramtica Gerativa, um
elemento que pertence ao grupo das categorias vazias, que devem ser entendidas como
elementos no realizados fonologicamente, mas presentes na computao sintticas das
sentenas. Isso quer dizer que o pronome nulo composto unicamente pelos traos que so
indispensveis para a manuteno de algum princpio gramatical.
Prozinho (pro) pode se referir a um sujeito ou a um objeto. Passamos a focalizar pro
na posio de sujeito. Em (27), observamos que o pronome nulo se encaixa na posio
reservada ao argumento externo do verbo esquecer, na sentena encaixada. Em (28), aparece
a sentena correspondente sem categoria vazia, ou seja, com o lugar do pronome preenchido.
Em (29), temos uma sentena no infinitivo, em que a categoria vazia ento PRO (prozo),
que se caracteriza como sujeito de infinitivo.
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28
(27) O Pedro sabe que pro esqueceu a carteira.
CP
Spec C
C TP
DP T
o Pedrol
T VP
sabek
DP V'
tl
V CP
tk
Spec C'
C TP
que
DP T'
proj
T VP
esqueceui
DP V'
tj
V DP
ti a carteira
-
29
(28) O Pedro sabe que ele esqueceu a carteira.
CP
Spec C
C TP
DP T
o Pedrol
T VP
sabek
DP V'
tl
V CP
tk
Spec C'
C TP
que
DP T'
elej
T VP
esqueceui
DP V'
tj
V DP
ti a carteira
-
30
(29) O Jos diz amar a Maria.
CP
Spec C'
C TP
DP T'
o Josl
T VP
dizk
DP V'
tl
V InfP
tk
DP Inf
PROj
Inf VP
amari
DP V'
tj
V DP
ti a Maria
Respeitando EPP, ou seja, considerando que no possvel frase sem sujeito, ainda
que este seja revelado simplesmente pela Flexo no verbo, necessrio que, na falta de um
sujeito lexical, a categoria vazia preencha a posio de sujeito, j que os traos do sujeito
precisam ser checados.
Inmeros estudos de P&P relativamente ao Parmetro do Sujeito Nulo em portugus,
entre eles, Duarte (1993), Kato (1999) e Barbosa, Duarte e Kato (2006), mostram que
portugus uma lngua que permite o chamado sujeito nulo, ou seja, a Flexo capaz de
evidenciar o sujeito sem que ele prprio seja necessariamente realizado fonologicamente, no
havendo necessidade nem de pronome expletivo, que esvaziado semanticamente, ser
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31
pronunciado a fim preencher o lugar do sujeito, como em (30). Diferentemente de tantas
outras lnguas, como o ingls e o alemo, em que o pronome expletivo invariavelmente
pronunciado, o que se verifica respectivamente em (31) e (32).
(30) proChove.
CP
Spec C'
C TP
DP T'
pro
T VP
chovei
V'
V
ti
(31) It rains. CP
Spec C'
C TP
DP T'
it
T VP
rainsi
V'
V
ti
-
32
(32) Es regnet.
CP
Spec C'
C TP
DP T'
es
T VP
regneti
V'
V
ti
2.10 REDOBRO DE CLTICO
Os clticos so morfemas ligados sintaticamente ao verbo e ao mesmo tempo
complemento do verbo. O redobro de cltico se refere a um cltico pronominal tono que
existe paralelamente com o argumento do verbo. O redobro de cltico est presente, por
exemplo, no grego e em lnguas neolatinas em geral. Nesta dissertao, vamos ver o
fennomeno do redobro do cltico em espanhol. Como exemplo inicial, vejamos (33).
(33) Lei ayudaron a Mariai.
lhei ajudaram a Mariai
Ajudaram Maria.
2.11 UMA VERSO NO LEXICALISTA DA GRAMTICA GERATIVA:
A MORFOLOGIA DISTRIBUDA
A proposta chomskiana para a computao das palavras, definida no MP, passa pelo
pressuposto de que na computao de linguagem existe um arcabouo de itens lexicais, o
Lxico, composto por palavras completas. No interior dessa proposta, h duas possveis
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33
posies tericas. A primeira a de que todos os itens lexicais, flexionados ou no, so
formados no Lxico e computados na sintaxe. A segunda considera que os itens no
flexionados esto presentes no Lxico, enquanto os itens flexionados so formados somente
durante a computao sinttica. De toda forma, para o MP, cada item lexical um feixe de
traos de trs tipos: traos fonolgicos, traos formais/ sintticos e traos semnticos.
Outro modelo de computao lingustica nasceu dos pressupostos tericos da
Gramtica Gerativa e foi denominada Morfologia Distribuda MD (Distributed Morphology
DM), atravs de Halle e Marantz (1993, 1994). Esta corrente terica visa a eliminar a
redundncia da proposta lexicalista, j que prope a existncia de dois nveis distintos para a
computao de palavras, o lxico e a sintaxe, admitindo assim que a formao das palavras
ocorre essencialmente durante a sintaxe. Por essa nova viso, as operaes que regem a
formao de sentenas concatenar/ juntar (merge) e mover (move) devem ser as mesmas
para a formao de palavras.
Alm disso, MD assume que o componente morfolgico no est resumido no nvel
do lxico, mas se configura em operaes distribudas entre os diversos nveis da computao
de linguagem. Essa posio permite explicar mudanas ou operaes morfolgicas motivadas
por fenmenos fonolgicos ou sintticos.
A MD afinal assume que toda a computao da palavra, assim como da sentena,
ocorre no componente sinttico, com a possibilidade de alteraes incrementacionais no
componente morfolgico ps-sinttico. (Cf. Frana, Lemle, 2006)
Essa nova compreenso da gramtica exige uma reformulao profunda do modelo
de arquitetura de linguagem (Lage, 2013). Nesse sentido, vamos tentar esclarecer um pouco
mais sobre a MD, acompanhando o raciocnio atravs do esquema representacional da Fig. 3.
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34
Fig. 3: Esquema do modelo da derivao segundo a Morfologia Distribuda (Lage, 2005,
p.80)
Como pode ser observado, o que no modelo minimalista est resumido no lxico, na
MD se encontra distribudo em trs diferentes listas:
Lista 1: onde esto contidos as razes e os traos abstratos (ainda sem inseres
morfofonolgicas), os quais se prestam unicamente s operaes de sintaxe.
Lista 2 (ou Vocabulrio): onde esto contidas as peas ou itens do vocabulrio, que
podem ser definidos como materiais morfofonolgicos acompanhados de seus respectivos
direcionamentos de insero sinttica.
Lista 3 (ou Enciclopdia): onde se encontra o conhecimento no lingustico, as
entradas enciclopdicas que se prestam a atribuir significados s peas do vocabulrio, assim
como relacion-las aos conhecimentos de mundo extralingusticos.
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35
O modelo da MD tambm definido por propriedades que esclarecem as implicaes
gramaticais da viso no lexical para a computao de sintaxe. Essas propriedades so
basicamente: Insero Tardia, de Subespecificao e Estrutura Sinttica all the way down.
A propriedade de Insero Tardia diz respeito hiptese de que o contedo
fonolgico ligado aos terminais sintticos inserido apenas durante o mapeamento para a PF,
no processo nomeado Insero de Vocabulrio. essa a propriedade que d ensejo para a
afirmao de Lemle (2005):
A diferena crucial entre a teoria da Morfologia Distribuda (MD) e as teorias
lexicalistas esta: na MD os traos sinttico-semnticos que entram na computao
sinttica no so acoplados desde o incio com traos fonolgicos, ao passo que nas
teorias lexicalistas as unidades lexicais que so o input da sintaxe so dotadas de
traos fonolgicos, traos semnticos e traos formais desde o incio da derivao.
A Subespecificao diz respeito no obrigatoriedade de que as expresses
fonolgicas relacionadas aos terminais sintticos correspondam a todos o traos contidos
nestes. Isso quer dizer que traos como animacidade, gnero e nmero alm de outras
informaes presentes na computao sinttica no precisam ser representados nas peas
do vocabulrio, ainda que figurem determinantemente na sintaxe. obrigatrio apenas que
haja a extraespecificao, ou seja, a insero de informaes fonolgicas sem pares na
sintaxe.
Quanto Estrutura Sinttica all the way down, a MD a prope como um princpio
segundo o qual, seja para a derivao de palavras ou de sentenas, o componente fonolgico
(insero de itens do vocabulrio) precedido pelas estruturas hierrquicas geradas pela
sintaxe. All the way down significa basicamente que essas estruturas sintticas hierarquizadas
esto em nveis abaixo mesmo do nvel das palavras.
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36
3 ANIMACIDADE
O papel da animacidade nos estudos lingusticos costuma ser o de uma propriedade
semntica, ou seja, um constituinte estrito da rea da Semntica. Assim sendo, no de causar
surpresa que tal propriedade possua influncia sobre a determinao dos papis- dos
argumentos dos verbos, ou das preposies.
No entanto, a literatura lingustica em geral aceita que os papis- esto, de forma
mais ou menos direta, relacionados s estruturas sintticas das sentenas, uma vez que se
relacionam com o caso dos constituintes nominais das frases. Segundo a Teoria Gerativa, o
Caso uma categoria gramatical atribuda a todos os DPs pronunciados e, por sua vez,
relaciona-se com a funo sinttica desses DPs.
A sequncia lgica de pensamento leva concluso de que a animacidade de fato
deve ter influncia sobre as estruturas sintticas das sentenas, bem como deve ter
importncia para o estabelecimento das funes sintticas.
Estando a estrutura argumental das sentenas relacionada funo sinttica dos
argumentos, resulta da a deduo de que muitas vezes a animacidade pode ser refletida na
maneira como so organizados esses argumentos, nas restries ou obrigatoriedades que
podem determinar sobre a sintaxe dos argumentos.
Um ponto essencial do presente estudo , portanto, buscar elucidar como pode
ocorrer a influncia do trao de animacidade sobre as estruturas argumentais que se
relacionam, assim como demonstrar se e por que h casos em que tal influncia resulta em
operaes ou restries sintticas.
3.1 CONCEITO NO LINGUSTICO E CONCEITO LINGUSTICO DE ANIMACIDADE
Alm de trao sinttico, com interpretao semntica em LF, a animacidade um
conceito, que faz parte de outra cognio alm da cognio de linguagem: a cognio de
percepo. Mais que isso. O conceito de animacidade faz parte da cognio de percepo de
outras espcies, alm da humana.
Desde a dcada de 40, sabe-se que o conceito de animacidade experimentalmente
mostrado em recm-nascidos humanos e de outras espcies (Hinzen, Poeppel, 2011). Isso
significa que a percepo de animacidade um dos primeiros fenmenos do desenvolvimento
cognitivo da espcie humana e de outras espcies. Portanto, estamos diante de um conceito de
animacidade que no lingustico, extralingustico.
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37
Konrad Lorenz (1949) demonstrou que gansos e patos j percebiam a existncia de
um ser animado no nascimento, em um processo que nomeou imprintig. Este bilogo
austraco percebeu que esses animais so geneticamente programados para se depararem com
sua me, a reconhecerem e a acompanharem; ou, na ausncia de sua me, fazem isso com
outro ser animado que esteja com eles no momento do nascimento. (cf. Frana, Lage, 2013)
Em seus experimentos, Lorenz tomou o lugar da me dos filhotes logo antes da
ecloso de seus ovos, e o resultado foi que eles passaram a segui-lo, adotando o
comportamento que teriam junto gansa ou pata, como podemos ver na Fig. 4.
Fig. 4: Konrad L